O RECANTO IRREGULAR

 

 

 

Abanados

 

É bom sermos abanados de quando em quando,

Naqueles instantes

Em que formos ficando

Demasiado confiantes.

 

 

Mal

 

O mal,

Seja qual for

O juízo social,

Nunca está no amor.

 

 

Alma

 

Amar,

Quando abrasa,

É mudar

A integral alma de casa.

 

 

Couber

 

Se o amor

Que concito

Couber numa só flor,

Então é o Infinito.

 

 

Vencedor

 

No amor

Vivido

É sempre o mais vencedor

O mais vencido.

 

 

Desculpa

 

O amor significa

Pedir desculpa dos produtos

Que complica

De quinze em quinze minutos.

 

 

Razões

 

Os corações

A toda a hora

Têm razões

Que a razão ignora.

 

 

Acolher

 

Se eu amar,

Devo então acolher do dote

O inteiro pacote

Sem julgar.

 

 

Quando

 

Não é a razão

Que o entende e divulga.

Quando amamos é o coração

Quem julga.

 

 

Leva

 

No amor, o porvir

Entressonhado

Leva a extinguir

O passado.

 

 

Quanto

 

Pela alegria e pranto

Que a vida custou,

Cada qual viveu tanto

Quanto amou.

 

 

Acende

 

É sempre de teu lado

Que acende a chama:

Se queres ser amado,

Ama.

 

 

Primeiro

 

Do primeiro amor a magia

É de a gente ignorar

Que pode acabar

Um dia.

 

 

Triunfa

 

O amor triunfa sobre tudo,

Seja lá o que for.

Vivamos, pois, sempre, mais que a miúdo,

Por amor.

 

 

Inicia

 

O amor pelo amor principia,

Não pela forte amizade que, a pataco,

Apenas inicia

Um amor fraco.

 

 

Substituir

 

Nenhum outro amor pode ir,

Seja lá qual for,

Substituir

O amor.

 

 

Fatigado

 

Mesmo no mais fatigado

O amor é um luar

Descortinado

A o despertar.

 

 

Eterna

 

Amar a eterna menina-mulher

Infantil quanto basta

É um sublimado prazer

De pederasta.

 

 

Sábio

 

Por amor ficará louco

Um homem que sábio era

Ainda há pouco,

Antes de entrar do amor na esfera.

 

 

Menos

 

Da vida nesta viagem,

Como nós somos pequenos!

Com os que amamos, quantas vezes só temos coragem

Amando-os menos...

 

 

Loucura

 

O amor que uma loucura

Não for,

Seja o que for que ele apura,

Não é amor.

 

 

Velho

 

O mais velho e o maior

Amor, planta sempre reverdecida,

É o amor

Pela vida.

 

 

Nome

 

O verdadeiro

Nome do amor

É cativeiro,

Porém dos cativeiros o melhor.

 

 

Igualdade

 

A quem não queira ser estólido,

Da paixão no furor:

A igualdade é o vínculo mais sólido

Do amor.

 

 

Quando

 

Do amor quando a paixão

Quer falar,

Deve calar

A razão.

 

 

Ingénuo

 

O amor, no ingénuo apresto

Que põe de pé,

Não é

Um sentimento honesto.

 

 

Fala

 

Embora o não creia o verdor

Da dama,

Quem só fala de amor

É quem menos ama.

 

 

Certeiro

 

O amor, não é certeiro

No cofre arrecadar-se.

Deve, como o dinheiro,

Usar-se.

 

 

Ante

 

Que são actos, pensamentos

De homens séculos além,

Ante do instante os momentos

Do amor que se tem?

 

 

Custos

 

O amor tem custos

Que nem imaginamos:

É difícil não sermos injustos

Com quem amamos.

 

 

Alturas

 

Às alturas a correr

De supetão,

Amar é se comprazer

No sonho da perfeição.

 

 

Sentinela

 

O amor, sentinela à esquina

De que não te desiludes,

É que nos ensina

Todas as virtudes.

 

 

Vive

 

Vive o amor

Inteligente

Do pormenor

Microscopicamente.

 

 

Poço

 

Tu, poço insondável

Sempre de amor procurado,

Sê amável

Para seres amado.

 

 

Coexistir

 

O amor não pode,

Por tão libertador,

Coexistir com o que dele sacode,

Coexistir com o temor.

 

 

Fusão

 

A fusão resume

De fogo e calor:

Amor sem ciúme

Não é amor.

 

 

Sublinha

 

A lonjura, ao fogo, define-o

Melhor:

Ela é que sublinha o fascínio

Do amor.

 

 

Durar

 

Ser amado,

Se calhar,

É passado.

Amar é que é durar.

 

 

Loucura

 

Amar sem

Loucura, é porque mente:

Amar bem

É amar loucamente.

 

 

Remédio

 

Remédio sagrado

À cabeceira da cama:

Para seres amado,

Ama.

 

 

Atar-se

 

O amor a que me consagre,

Tentando atar-se ao Todo em união,

É o milagre

Da civilização.

 

 

Silêncio

 

O amor, no fim convence-o,

Por mais que seja conversado,

Um silêncio

Sagrado.

 

 

Escuro

 

Ver o escuro iluminado

É um bem raro,

Porém, quando estás apaixonado,

Tudo devém claro.

 

 

Ilusão

 

Duma ilusão de amor o admirável

É o poder que nos invade

De um dia invejável

Devir realidade.

 

 

Única

 

O amor não o compra a glória

Nem se aluga.

E sobre ele a única vitória

É a fuga.

 

 

Nada

 

Perante

O amor e a morte

Não há garante:

Não há nada forte.

 

 

Falha

 

O amor,

Quando falha em todos os assuntos,

Mais que dor,

É sermos estúpidos juntos.

 

 

Tónica

 

No amor

A mulher é profissional.

O homem, de tónica sexual,

É amador.

 

 

Continuar

 

Uma mulher só por amor

Se vai casar

E continuar a casar quanto preciso for

Até o encontrar.

 

 

Amai-o

 

O que amais

Diligentes e corteses

Amai-o, que jamais

O vereis duas vezes.

 

 

Cobra

 

O amor, de nobre,

Não cobra licenças.

Ao invés, todas cobre

As ofensas.

 

 

Segredo

 

O segredo do amor,

Na boa e na má sorte,

É maior

Que o segredo da morte.

 

 

Memória

 

Quanto a memória, sempre o ódio

A tem melhor

Que a de qualquer bródio

De amor.

 

 

Pobre

 

Amor pobre é aquele em que me acode

Intuir

Que se pode

Medir.

 

 

Menos

 

Em amor,

Quanto mais criticamos

Seja lá o que for,

Menos amamos.

 

 

Fácil

 

Quão fácil e quão tranquilo

O amor acredita (que se veja)

Naquilo

Que deseja!

 

 

Arte

 

Duma obra de arte a excelência

Pode levar

Uma qualquer audiência

Para qualquer outro tempo e lugar.

 

 

Junto

 

Chorar junto pode ser

Bem melhor

Do que, se tal se fizer,

Fazer amor.

 

 

Depois

 

Amar é sempre procurar

Por todo o lado

Depois de já tudo estar

Encontrado.

 

 

Estua

 

O amor estua

Quando a felicidade doutra pessoa

Ecoa

Mais que a tua.

 

 

Sábio

 

O mais sábio, mais ousado

Não é o que defende e ataca na refrega,

É o que se rende, humildado,

E entrega.

 

 

Prenúncio

 

Conforme

Qualquer prenúncio adivinho,

Quem ama nunca dorme

Sozinho.

 

 

Vazio

 

Com o vazio do infinito, não são os amores

Que gratificam em qualquer cena,

São os arredores

Que valem a pena.

 

 

Capazes

 

Capazes de nos apaixonar?

Sim, mas não implica nunca os exigentes termos

De sermos

Capazes de amar.

 

 

Cede

 

O amor cede, cede,

Mas nunca cede, em verdade:

O amor pede

Imortalidade.

 

 

Tantos

 

Com tantos estratos, tantas cenas,

Que é que no fundo do amor há?

No amor existe apenas

O que o imaginário põe lá.

 

 

Ilusão

 

Uma ilusão de amor se cura,

Afinal,

Com outra que se apura

Ser de género igual.

 

 

Abraça

 

O amor abraça tudo

E nele tudo inauguro.

Não abraça, contudo,

O futuro.

 

 

Sonho

 

Apesar de sem torpor

Nem requerido conselho,

O sonho jovem do amor

É muito velho.

 

 

Muito

 

Da vida na jornada

Muito me iludo!

O amor nasce de nada

E morre de tudo.

 

 

Irão

 

Amor, amar quenquer

- A ciência rupestre

Que todos irão aprender

Sem mestre.

 

 

Falta

 

O amor é tormento

E a nossa sorte

É que a falta de tal fermento

É a morte.

 

 

Lutam

 

Em frenesi,

No amor

Lutam sempre entre si

A alegria e a dor.

 

 

 

Igual

 

O amor de quenquer

Não é por igual que o consomem:

Abre os olhos à mulher,

Fecha-os ao homem.

 

 

Cume

 

O amor,

No cume mais elevado,

Revela um valor

Que sem ele para sempre era ignorado.

 

 

Ganho

 

Todo o ganho ponderado

Do que em mim falta apurar:

Prefiro amar

Que ser amado.

 

 

Outros

 

Por mais credível

Que se nos revele após,

O amor nos outros é, para nós,

Quase sempre incompreensível.

 

 

Curar

 

Quem sobreviveu

A um grande amor

Até à morte feliz viveu

Infeliz de se curar de tal fervor.

 

 

Fatal

 

No fatal impacto

Transformador,

Amar é ter um pacto

Com a dor.

 

 

Momentos

 

O amor tem exaltantes

Momentos nas costuras:

São os tormentosos instantes

Das rupturas.

 

 

Moeda

 

A felicidade

É um sonho de infância.

Que moeda o há-de

Cumprir no meio de tanta ganância?

 

 

Devasta

 

Revida, revida,

Com mão resoluta,

Que nos devasta abrir mão da vida

Sem dar luta!

 

 

Cego

 

Aos deuses, quem os nega, à luz do dia,

É tão cego certamente

Como quem neles confia

Cegamente.

 

 

Tino

 

Reinos inteiros desabaram

Sem tino

Quando as mãos brancas duma mulher puxaram

Os fios do destino.

 

 

Desastroso

 

Nada mais desastroso a empanar

Nosso fadário

Do que subestimar

Um adversário.

 

 

Guia

 

O melhor guia do futuro

É o passado:

Por isso é que novidades inauguro

Permanentemente, por todo o lado.

 

 

Venço

 

Ocorra o que ocorrer,

Venço apenas se não cedo:

Medo apenas é de ter

De ter medo.

 

 

Paraíso

 

O paraíso, agite-o

E sirva com um pingo de anis:

O paraíso, enquanto plenitude acabada, é o sítio

Mais difícil para ser feliz.

 

 

Erguermos

 

Quando estamos num apuro

Infecundo,

Como é possível erguermos tanto muro

Entre nós e a beleza do mundo?

 

 

Bonito

 

Entras da minha janela pela gelosia

Como um raio de luz contrito:

Está um bom dia

Que acabou de ficar ainda mais bonito.

 

 

Vida

 

A vida com mil remos

Às aventuras nos apela:

A vida é o que faremos

Dela.

 

 

Pejadas

 

As vidas são pejadas de mudanças,

Assim é que aprendemos e crescemos,

Desde que nascemos

Até ao infinito que jamais alcanças.

 

 

Picos

 

Quanto mais falarmos dos picos de horror

Em que nos ferimos,

Melhor, da fala ao calor,

Nos sentimos.

 

 

Deliciosa

 

É deliciosa a liberdade, quando em nossa jeira

Se encontra.

A liberdade financeira

Ou qualquer outra...

 

 

Primeiro

 

Primeiro, enquanto mínimos heróis,

O dever.

Só depois,

O prazer.

 

 

Sofre

 

O espectador,

A olhar impotente para diante,

Sofre às vezes mais e pior

Que o participante.

 

 

Aprendo

 

Que não aprendo nada

Devo notar

Enquanto estiver de enfiada

A falar.

 

 

Preço

 

Amar é o horizonte

E morrer, o preço que pago

Para ir atravessando a ponte

Do afago.

 

 

Loucamente

 

Quanto casal, quanto,

Loucamente apaixonado

Afinal é apenas, entretanto,

Loucamente acomodado!

 

 

Picam

 

Damos abraços

De ouriço:

Picam em todos os passos

E não são tão seguros quanto isso.

 

 

Sempre

 

Ao amor não há regresso

Compatível:

Sem preço,

O amor é sempre irrepetível.

 

 

Nunca

 

A saudade,

Por um triz,

Era uma felicidade.

Porém, nunca foi feliz.

 

 

Infância

 

Jamais,

Pese embora o que quis,

É tarde demais

- Para ter uma infância feliz.

 

 

Pessoas

 

O campo de concentração

Podemo-lo suportar.

As pessoas que nos denunciam (o amigo, o familiar...),

As pessoas, não.

 

 

Dores

 

Para todas as dores, em cada prédio,

A ancestral ciência

Do remédio:

- A paciência.

 

 

Despede

 

Há quem viva

E há quem, no engano das melodias

Que arquiva,

Apenas se despede dos dias.

 

 

Adubar

 

Enquanto a mão

Adubar sementes

Haverá pão

Para os dentes.

 

 

Quebrar

 

Do destino queres quebrar a mágoa

Do coice?

É como cortar água

Com uma foice.

 

 

Se

 

Se não tens,

Eu dou-te,

Se me findarem os bens,

Dás-me tu de teu dote.

 

 

Viver

 

Escrito na loisa

Tenho quanto me fez ser eu.

Posso viver sem muita coisa,

Não posso viver sem o que existiu.

 

 

Quando

 

As revoluções acontecem

Não quando nós queremos, mas quando elas querem:

Quando os privilegiados tanto se esquecem

Que os miseráveis desesperem...

 

 

Acreditavam

 

Não acreditavam no futuro radioso

Mas acreditavam que o povo acreditava.

Então o regime caiu, estrondoso,

Estátua de falso herói ao golpe da clava.

 

 

Guerras

 

As guerras nunca são boas,

Sejam quais forem as razões:

Na guerra não contam as pessoas,

Contam as munições...

 

 

Liberdade

 

A liberdade peneira

O que recolho,

Cheira

A um bom molho.

 

 

Amizade

 

A amizade nos cura,

Inefável:

Tudo segura

Esta cola formidável.

 

 

Solta-se

 

A palavra,

De repente, num segundo,

Solta-se no campo e lavra

O mundo.

 

 

Mentem

 

Na ditadura, os segréis

Com que todo o chão povoas,

Como os papéis, os burocráticos papéis,

Mentem muito mais do que as pessoas.

 

 

Precisamos

 

Todos precisamos dum ideal

Que nos faça pele de galinha

E um formigueiro total

Na espinha.

 

 

Pântano

 

A guerra é um pântano, lugar

De nos trair:

Fácil de entrar,

Difícil de sair.

 

 

Cuidado

 

Da História, cuidado com o movimento,

Cuidado com o capricho:

Quão mais forte o vento,

Mais alto joga o lixo.

 

 

Pega

 

Na guerra não há heróis:

Quando se pega em qualquer arma,

Ninguém logra ser boa pessoa depois,

Ninguém consegue com tal karma.

 

 

Ora

 

As pessoas ora são más,

Ora boas.

Deus saiu-se melhor com o roaz

Do que com as pessoas.

 

 

Mesa

 

O tempo passado

À mesa com o convidado

Não conta como tempo de vida:

É de eternidade uma medida.

 

 

Princípio

 

A morte é o princípio duma coisa qualquer,

Nós é que ignoramos de quê.

Há milhões de mundos a aprender

Que ali, mágicos, se põem de pé.

 

 

Trocar

 

Que sentido faz

Trocar de Governo que nós próprios elevarmos

Enquanto, por trás,

Nós nos não trocarmos?

 

 

Abre

 

O calor

Que abre a janela:

Se uma pessoa conheceu o amor,

Podemos sempre recorrer a ela.

 

 

Século

 

O século do dinheiro,

Do sexo e da espingarda...

Do amor, nem cheiro!

- Aqui d’el rei! Guarda! Guarda!

 

 

Como

 

A quem viveu o inferno

Como equilibrá-lo

Senão dando-lhe, bem interno,

Do paraíso o regalo?

 

 

Vazia

 

O amor é uma loisa

Vazia, num impasse,

Como se me esquecesse de alguma coisa

E de repente me lembrasse.

 

 

Pobre

 

Um pobre é um tão singelo

Chão

Que até em cima dum camelo

É mordido por um cão.

 

 

Sem

 

Uma pessoa sem amor

Dentro de mim afago-a:

É uma flor

Sem água.

 

 

Parece

 

É àquele que parece ter tudo,

A vida em alta,

Que alguma coisa, sobretudo,

Lhe falta.

 

 

Mexer

 

Não temos poder sobre este mundo,

Contra o que nos parecia:

Há sempre outras leis no solo fecundo,

Outras forças a mexer na rédea-guia.

 

 

Reputação

 

Nos negócios, a reputação de mago

Vale mais, no final,

Que o maior trago

Dum banco comercial.

 

 

Difíceis

 

Em tempos difíceis, ter cabeça e dinheiro

É melhor calibragem

Que o brilho mais cimeiro

Da mais ilustre linhagem.

 

 

Talento

 

Génio não é quem sente

Um talento especioso,

É quem vive apaixonadamente

Curioso.

 

 

Porvir

 

O porvir é, não de quem preza

Pesadelos medonhos,

Mas de quem crê na beleza

Dos próprios sonhos.

 

 

Não

 

Não, não há caminho adivinho

Da felicidade para a ebriedade.

A felicidade,

É que é o caminho.

 

 

Fizer

 

Dos felizes o feliz,

Mais que outrem desde as matrizes,

É aquele que, de raiz,

Fizer os outros felizes.

 

 

Sabe

 

Da felicidade há um lugar

E uma raiz:

Só aquele que sabe amar

É feliz.

 

 

Quer

 

Esta é a matriz

Do que almeja:

Se quer ser feliz,

Seja!

 

 

Flor

 

A felicidade é uma breve

Flor qualquer

Que se não deve

Colher.

 

 

Razão

 

Nem toda a faculdade

Razão consente:

Não há felicidade

Inteligente.

 

 

Acabaram

 

Para um amante

De repente acabaram os perigos?

Logo adiante

Acabaram os amigos.