SONHO DE BEM-QUERER

 

 

 

Eleito

 

Aquele que ama é um eleito

Solicitado nas pontes

Que levam e prestam preito

Aos mais vastos horizontes.

 

 

Impossível

 

O impossível hás-de amar

Porque, ao amares tal fito,

É o único que, infinito,

Não te irá decepcionar.

 

 

Lugar

 

Na tua vida há um lugar

Onde algo fundo ocorreu.

Neste lugar há-de andar

Qualquer lugar onde há céu.

 

 

Infeliz

 

Infeliz do que, no instante

Da amorosa união terna,

Não acredita adiante

Que ela há-de ser mesmo eterna!

 

 

Pendor

 

É o amor o mais incrível

Pendor do que é natural,

É a vertente do invisível

Por dentro do que é banal.

 

 

Apelo

 

No fundo do coração

Há o apelo que me invade.

Amor sem admiração

É apenas uma amizade.

 

 

Amara

 

Se me tu amasses

E eu te amara a ti,

Como amara ali

Do Infindo os enlaces!

 

 

Todo

 

É o amor sempre o Infinito,

Todo em todos os beliches,

À mão do mais pequenito,

Ao alcance dos caniches.

 

 

Lua

 

Este é o mal do romantismo:

A Lua querer, querer...

Como se houvera, no abismo,

Forma alguma de a obter.

 

 

Eterno

 

Num estado de impaciência

Quem ama vive deveras,

Que o amor ama, de essência,

O eterno que há nas esperas.

 

 

Tarde

 

Na tarde húmida e nublada,

A gelar ossos adentro,

Deus é o café e a torrada,

Com cheirinho a céu no centro.

 

 

Meta

 

Um amor jamais alcança

A infinda meta em que crê.

É, porém, como a criança,

Quer mesmo tudo o que vê.

 

 

Injustos

 

No amor somos sempre injustos

Porque levamos a peito

Que o outro, sem ver os custos,

Há-de ser sempre perfeito.

 

 

Partilhar

 

Nada é mais difícil, nada,

Embora nada maior

Se encontre ao correr da estrada,

Que partilhar um amor.

 

 

Malhas

 

De zero a infindo a tecer

As malhas de meu abrigo,

Sem ti não logro viver

Nem logro viver contigo.

 

 

Voar

 

Amor é um ensejo

De voar ao vento,

Que é também desejo

De conhecimento.

 

 

Inscrevê-lo

 

Aquilo que a mulher frisa

Ao amante nem lhe ocorre:

A inscrevê-lo anda na brisa

E no ribeiro que corre.

 

 

Menagem

 

O amor ao mistério rende

A menagem singular.

Compreender quando compreende

É esquecer então de amar.

 

 

Fresta

 

Em ti penso e te murmuro

O nome e já não sou eu:

Sou feliz. Então apuro:

Abri a fresta do Céu!

 

 

Fácil

 

Ao difícil propender

Não é vantagem, quer gana.

Amar: fácil que requer

Trepar muito a escala humana.

 

 

Crerá

 

Que é que não crerá o amor

Se lhe prometem gratuito,

Mesmo à custa de suor,

O que ele deseja muito!

 

 

Promessa

 

Muita promessa é bem-vinda

Ao não ser mais exequível:

Finda o amor quando finda

O que há nele de impossível.

 

 

Inteiro

 

Quando qualquer um amar

Todos os mais, bisturi

Qualquer fronteira a rasgar,

Traz o mundo inteiro em si.

 

 

Meta

 

O amor, para nossa dita,

É a raiz do que é fecundo:

É, pois, a meta infinita

De toda a história do mundo.

 

 

Existir

 

Se não existir amor,

Mesmo no melhor acerto

Da vida, seja o que for,

Até o Céu será deserto.

 

 

Ama

 

Na sua paixão primeira

A mulher ama o amante.

Nas mais ama, pioneira,

O amor, o eterno distante.

 

 

Monte

 

O amor tudo põe de lado,

Alteado do monte ao viso:

Sujeito que for amado

É o centro do paraíso.

 

 

Distante

 

O amor que é mais obcecante

No que é distante repoisa:

Poisa em algo lá diante,

É sempre o amor doutra coisa.

 

 

Outra

 

É o amor, subitamente,

Entrever lados de lá:

Em cada mulher a gente

Lembra a outra, a que não há.

 

 

Cálculo

 

Cálculo estranho, o do amor,

O impossível que concito:

Dois entes, um e um, na dor

Gerando, em soma, o infinito.

 

 

Mar

 

Sempre o amor é como o mar:

Sendo infinito, inda espera

Em outro rio a quimera

De se vir a completar.

 

 

Rouba

 

A mim não me rouba o amor,

Vinha que sou que mal empo.

O amor único pendor

É que me rouba do tempo.

 

 

Mistério

 

Mistério não é do céu,

É bem nosso contratempo:

Quem amamos já nasceu

Bem antes de haver o tempo.

 

 

Exprimo

 

Quando me exprimo em amor,

Conecto-me à minha origem,

Lembro-me de quem eu for

Para sempre na vertigem.

 

 

Acontece

 

A poesia é que pega

Do infinito no pendor.

Se a poesia não chega,

Então acontece o amor.

 

 

Pára

 

No amor há uma percepção

De que podemos cair

E nem tal nos prende ao chão,

Nos pára de prosseguir.

 

 

Impossível

 

Um amor é o resultado

Da impossível adição

Dum deus que anda endiabrado

E um diabo com compaixão.

 

 

Passa

 

Quando se ama, o amor não passa

De tudo aquilo que ele é,

Porque ao amar tudo abraça,

Não passa, põe tudo em pé.

 

 

Cura

 

Uma impossibilidade

De cura ao mal do intervalo

É o amor, mais a verdade

De que ao fim há-de curá-lo.

 

 

Interminamente

 

Amar é estar preparado

Interminamente cá

Para o que sei, doutro lado,

Que nunca acontecerá.

 

 

Grandeza

 

À grandeza emocionante

Nenhum valor lhe consigo

Se tu, dela em mim garante,

Não te emocionas comigo.

 

 

Pedido

 

Ama-me tal se acabar

Fôramos, com gestos ternos.

É o pedido a entrelaçar

Para enfim sermos eternos.

 

 

Duplica

 

O amor se duplica num,

Dos dois que fora primeiro.

E um não chega, que o jejum

Dum nada quer Tudo inteiro.

 

 

Mora

 

Onde mora a nossa casa,

Amor, que daqui não vejo,

Nosso lar de bater asa

Rumo aos céus que mais desejo?

 

 

Aqui

 

Sempre que amei eu fingi

E para mim próprio o finjo:

Estou aqui mas subi,

No amor sempre a lei infrinjo.

 

 

Vulcões

 

O que aqui nos prende à toca

O amor quer sempre soltá-lo

De vulcões com todo o abalo...

- O amor sempre me equivoca.

 

 

Ler

 

Ler visível o invisível

É da magia do amor

E o invisível me impor

Senti-lo em mim mais credível.

 

 

Jamais

 

Existe qualquer amor

Pelo que jamais existe.

Porque existir ir propor

Quem se amar, se o nunca viste?

 

 

Iguala

 

Pode o terreno maninho

Pejado ser de urtigais,

O amor, embora sozinho,

Sempre iguala tudo o mais.

 

 

Acima

 

Tem o amor um tal recorte

Que nem da morte vem dano:

Amor acima da morte

Como o céu sobre o oceano.

 

 

Enquanto

 

Enquanto um homem souber

Amar, se no amor se aferra,

Então não pode acabar,

Não pode acabar a terra.

 

 

Esboços

 

Os entes amados

São esboços ternos

De quadros pintados

Com pincéis eternos.

 

 

Mente

 

Quem ama sonha,

Quem sonha sente.

Não é vergonha:

Quem ama mente.

 

 

Apresentar-se

 

O amor é sempre um ensejo

De apresentar-se uma alteza,

Já que o amor é um desejo

Infinito de beleza.

 

 

Como

 

Como te atreves, amada,

Amada, como te atreves?

És bela como a alvorada

A correr nua nas neves.

 

 

Bênção

 

São abrolhos, são ferrolhos

Que a vida estragam a miúdo.

Mas, se abrirmos bem os olhos,

Anda uma bênção em tudo.

 

 

Melhor

 

O melhor da vida é termos

De vez em quando um alerta

Para, no meio dos ermos,

Ficarmos de boca aberta.