O DEVER DE BEM-QUERER
Criticar
Criticar, se inevitável,
Só com amor e ternura
E toda a paciência amável
Que então compreender apura.
É preciso compreender
Para poder melhorar,
De modo a fortalecer
Toda a relação a par.
Não há mesmo outro caminho
Se ter porvir acarinho.
Prefiro
Prefiro que hoje tu chores
Por eu te ter dito “não!”
Ao mal por que tu me implores,
Razão dando ao sem-razão,
Do que chore eu amanhã
Por te ter dito que sim
Ao que em vez de ser manhã
Será uma noite sem fim.
Fazer
O que dá gozo é fazer
E jamais o já ter feito.
É de parar se ocorrer
O passado a me tolher
De o melhor ter de meu jeito.
É que apenas o presente
Meu pé me diz onde assente.
Seja o passado o que for,
Estar aqui é o melhor!
Beleza
Muitas vezes a beleza
É um elefante na sala
E tu serás quem o apresa
Nesse ambiente que ele abala.
Terás de arranjar maneira
De as pessoas, sem perigo,
Se te sentarem à beira
Confortáveis lá contigo.
É a aprendizagem subtil
De como o bom se assimile.
Poder
O poder das Escrituras
Provém de serem maleáveis:
Sempre nelas tu apuras
O que convém a execráveis
Comportamentos, figuras,
Tanto como a veneráveis.
Dão sempre para os dois lados
Que ali findam empatados.
A instância de decisão
Tem de ser o coração.
Regra
No desporto há sempre a regra
A garantir segurança,
A vida também a integra
E o caos já não a alcança.
Regras para proteger
Ou para próprio proveito?
Inteligente é de ser,
A distinguir-lhes o jeito:
Aquelas para cumprir,
Estas para deixar ir...
Animal
Um animal tem direitos?
E a responsabilidade?
Se à fera aqui presto preitos,
Que contraparte persuade?
Direito a não ser caçado
Porque tem direito à vida?
Cumpre ele então de seu lado
Não me tornar em comida?
Enquanto aqui me remordo,
Ele não respeita o acordo.
Não tarda, vírus, bactérias
Serão sagradas matérias,
Mesmo quando nos invadem
E à morte até nos degradem...
- Os direitos são humanos,
Que as vidas são nossos planos.
Esposa
Ser meramente uma esposa,
Como é que alguém é capaz?
Não há nada nesta prosa,
Para a frente e para trás
Repetindo a mesma glosa,
À espera de que ele volte
Amando-a e que então a solte.
- E nada a soltar a vida
Perenemente esquecida...
Ignoram
Como é que ignoram tão alegremente
Os males que provocam ao seguirem
O próprio coração, varrida a mente?
Egoísmo descarado, ao permitirem
Pensar somente em si. E a demais gente?
E então, se o ignorado for parceiro,
É a derrocada ao fim do mundo inteiro.
Graveto
Quando o frio vento norte
Enregela a terra inteira,
Que meu graveto o suporte
Jogado para a fogueira.
Quando à míngua tudo morre
Ao redor de cada jeira,
Que a migalha que socorre
Eu junte à comum masseira.
Quando o clima nos arrasa
De seca ou inundação,
Que eu espere em minha casa
Sem qualquer poluição.
Quando o rico enrica mais
E o pobre de pobre esquece,
Que eu distribua os quintais
Ao faminto, na quermesse.
Toda
Um homem não pode amar
Uma mulher toda a vida?
E o violinista tocar
A música repetida
Sem de violino trocar
Pode mesmo sem medida?
Quem é que se anda a enganar,
Passo a trocar na corrida?
Como é que uma ilusão tida
Tantos anda a asfixiar
Sem pegada corrigida?
Ateia
O amor não vem da faísca
Que ateia cá dentro a chama,
Vem do trabalho que a prisca
Persistência em nós conclama,
Com a presença constante
De quem vai só junto adiante.
Aquele que nunca a parte
Faz do amor uma obra de arte.
Vida
Há vida por ser vivida
Intensamente, há o amor,
Há o amor na desmedida
Medida do que ele for.
É que tem de ser vivido
Até à última gota,
Sem nenhum medo franzido:
Não mata, apenas se embota.
Quem perde a oportunidade
Do que mais ao fim lhe agrade?
Deixem
Deixem que os que nunca encontram
O vero amor continuem
A ver que se desencontram
Dele e jamais dele fruem,
Apesar de quem insiste
- Só porque amor não existe.
Esta fé pobre fazer
Vai com que mais fácil seja
Para eles ir viver
Sem ter o que cada almeja
E morrer do mesmo passo
Sem ter da vida este abraço.
Tísica
A tísica da paixão
Obriga urgente a variar
Depois a conversação.
A palavra repetida
Aborrece ao recantar
Igual melodia ouvida,
Por bonito que lá seja
O foguete que estraleja.
Vinga
Amas, amas sem poder?...
Logo vês que te acontece!
A vida logo irás ver
Que se vinga do refece.
O melhor a te ocorrer
É casar, a ver se esquece...
Contudo, é sempre o caminho
Do mal menor no cadinho.
Juntar
O amor é tão mais preciso
Quão mais vizinhos juntar:
Amizade, fé com siso,
Saudade a se apaixonar,
A ternura ou a esperança
E o mais que o afecto alcança.
Todos se fundem então
Numa só realidade,
Um só sentir de verdade
Em mais do que um coração.
Momentos
Os momentos de ternura
E reconciliação
Valem a pena, vividos
Por entre tanta secura
Que pontua o tempo e o chão,
De fome de amor gemidos,
Mesmo que a separação,
A que a bem jamais eu cedo,
Tenha de vir, tarde ou cedo.
Deveras
O amor deveras não busca
Nem a causa nem o fruto.
E o que melhor nos ofusca
É o que entrega o coração,
Fecha os olhos no reduto,
Sem mais nada ter à mão.
Que o coração entregar
De olho aberto é ter a vista
Por prémio do amor na lista.
De olhos fechados amar
É de tal amor no grémio
Nem da vista ter o prémio.
Tirânico
É tirânico e zeloso
Do amor todo o sentimento.
Só recobra todo o gozo
Do amado com o incremento
Do sacrifício dos gostos,
Das prisões por quaisquer rostos.
É que em amor nada é feito
(Por mais que feito, contudo,
E com tudo o mais perfeito)
Senão se for feito tudo.
Lutar
Amarmo-nos é lutar,
Constante, constantemente,
Contra forças ao milhar
Ocultas, sempre a brotar
De nós próprios, lá do fundo
Evanescente presente,
Ou vindas de todo o mundo.
Posse
O amor quer a posse
Mas não sabe o que é.
Se eu não sou meu, fosse
Lá ser isso o que é,
Como irei ser teu,
Forma de teu pé,
Como irás ser minha,
Se nunca a tal céu
Senda se adivinha?
Conquistar
Para conquistar o amor
Deixe a boca então falar
Com a voz do coração.
Os termos perfume e cor
Só têm ao expressar
A ternura da paixão.
Tudo o mais fica de fora
E então todo o amor demora.
Qualquer
Para um homem adorado
Ser sempre por qualquer uma,
É de um pouco amá-la ao lado,
Muito prometer em suma,
Fingir sempre um grande amor,
Em palco um perfeito actor.
- Embora tudo fingido,
Não o é o preito conseguido.
Incompatível
É o amor duma mulher
Com o amor da humanidade
Incompatível? Qualquer
Amor que a profundidade
Busque infatigavelmente
Toca a universalidade,
É o amor de toda a gente.
Não só não é incompatível
Como a todos é exigível.
Desencadeia
Muitas vezes é o amado
Que desencadeia a força
Lenta que há se acumulado
No coração de quem ama.
O amor, solitária corça,
Ao descobri-lo se acama
Entre as ervagens que houver,
Que a solidão faz sofrer.
Fim
Meditar no fim do amor
É uma dor bem escusada,
Perder o tempo que for
Precioso na jornada.
Quando acaba, precisamos
De toda a dor que tivermos
Para atar os demais ramos
Do que em nós restar em termos.
Encontro
Em cada encontro são almas
A buscar se conhecer.
Tendência de bater palmas
Apenas ao que se quer,
Acaba matando o amor,
Cortando pela metade
O amado, seja quem for
Que o coração nos invade.
É sempre com pró mais contra
Que cada encontro se encontra.
Preocupação
Amor é preocupação,
Ter coração previamente
Ocupado na tensão
Do mal que se nem pressente
Que venha a ferir o amado.
Sofrer mais, num tal estado,
De aliviar não poder,
Do que ele próprio sofrer.
Quarenta
Quarenta os anos somados
De caminhos caminhados
No itinerário comum
Em que os dois somos mais um,
Nas viagens feitas a esmo
Cada qual é mais si mesmo:
Tu cada vez és mais prática,
Eu, mais livros, mais gramática.
Descobrimos que o amor
Não é nunca um copiador,
Não torna ninguém igual,
Senão a si cada qual.
Somente, em comum carreiro,
As pegadas por inteiro
Cobrem dois trilhos a par,
Um doutro complementar.
A ternura assim vai indo
Num roteiro que é infindo,
Mais e mais diferenciando
Quanto for unificando.
E mais autênticos somos
Quão mais diversos nos pomos.
E mais unidos ficamos
Quão diversos nos amamos.
Desato
Só desato a melhorar
Quando deixar nos demais
De me queixar dos sinais
E de mim me, enfim, queixar.
E quando eu principiar
A fornecer em redor
O que no mundo faltar,
Seja lá isto o que for.
Tudo o mais é fantasia
A me desviar da via.
Liberdade
A liberdade é um dever
Bem antes de ser direito:
O de respeitar quenquer
Que encontre na vida a eito.
E sem discriminação:
Somos todos, mundo fora,
Os dedos da mesma mão
Que tão rápido se ignora.
Como
Pensar é pensar
Como amar, amar.
Amar é mais raro,
Pensar não é caro,
Mais fácil terreno,
Mesmo se pequeno.
Para alguém alguém
Ser, é o que amor tem,
Porém sem deixar
De poder pensar.
Dois campos diversos
Que se dão a mão,
Senão, mal conversos,
Os dois matar-se-ão.
Até
Até para te escrever
Eu me tenho perfumado,
De eu toda te conhecer,
De viver-te inteiro o fado.
Em mim a vida é tão funda
Que a madrugada que vem
Me encontra em noite jucunda
Dos sonhos de vida além.
Pareço que sobrenado
Mas a fundura do mar
Sob mim é o negro fechado
Que esconde outro mundo a par.
Das grossas algas no enleio
De aurora a clarear o amor,
O vazio é de ti cheio,
Sei lá que mar me vais pôr!
Injúrias
As injúrias dos amantes
Nunca ofendem os amados.
Amores arrebatados
Há-os como adocicados.
Em momentos semelhantes,
As palavras mais estranhas,
Insultos, o que é pior,
São duma afeição as manhas
Quando ouvidas com amor.
E do afecto que renovas
São tomadas como provas.
Natural
O amor que for espontâneo,
Natural, numa simpleza
De coração conterrâneo
Que assim se alimenta e preza,
Sem competições picar
Nem se abastardar no jogo
Da mesquinhez, do lugar
- É o alegre desafogo,
A iguaria apreciada
De alma inteira saciada.
Desespero
É um desespero pensar
Que há tantos homens no mundo
Sem nunca se apaixonar,
Que jamais irão voltar
À casa deles, no fundo,
Que o amor, no fundo, é um lar
Onde de calor me inundo,
Sem precisar doutro mundo.
Silêncio
Um silêncio vale mais
Em amor do que linguagem:
Sem termos, todos triviais,
É bom calar na romagem.
No silêncio uma eloquência
Há de penetrar além
Do que da língua a fluência
Logra do que à míngua a tem.
Somente
Sempre o amor por um somente
Pode ser barbaridade,
Se à custa de toda a gente,
Se em pó esmaga a humanidade.
E assim é do amor por Deus,
Se esmaga os mais por ateus.
Ou o amor é universal
Ou é barbárie, afinal.
Ou a todos contém num
Ou então não é nenhum.
O amor que autêntico for
Vai longe neste pendor.
Quanto mais longe em tal ida
Mais autêntica a subida.
Afectuosa
A mulher não pode amar
Um homem em que um olhar
De afectuosa simpatia
Nem sequer insinuaria
Algum calor no torrão
Do gelado coração.
Ausente a correspondência,
Finda ao amor a existência.
Naufrágio
Um amor tempestuoso
É um naufrágio que se adora,
Dor com que brincar gostoso,
Delírio, porém, honroso
Em quenquer que ali demora.
Até que, enfim, chegue a hora
De pôr fim à dor do gozo.
Celebra
Quem é que sessenta e um
Anos de vida celebra
Quando em redor mais nenhum
Celebrar os vai sem quebra?
De medicina é milagre
Que a cura faz que consagre?
É do regime de vida,
Dieta que se consome?
Do ar limpo que, sem medida,
O pinhal faz que se tome?
Anda tudo a contribuir
Mas outra achega é de ouvir.
Mora no mundo interior
Uma espiritual vivência,
De religião sem teor,
Sempre entregue em permanência
Ao Todo, do Cosmos o imo,
Que faz ir até ao cimo.
Amparada na ternura
Que empenhou a vida inteira
Na relação que se apura
Trepando à vida a ladeira,
É do amor, por fim, na teia,
Que a vida dura e se alteia.
Elogio
Se recebes elogio,
Saboreia consciente,
A hora feliz é um rio
Que importa que em nós assente.
Repara no pormenor,
Em tudo o que mais te agrade,
Para evocar-lhe o teor
Com toda a facilidade.
Inverte assim a furtiva
Ferida em ti negativa.
Longa
Um amor de longa data
Ignora os contras e centra
A atenção nos prós que acata,
Por isso tempo além entra.
Qualquer duradoiro amor
Sofre de perder peúgas,
Adora o senso de humor...
- E este é que elimina as fugas.
Tudo
Tu és tudo quanto sei,
Quanto sei sobre a ternura.
Não estavas, reparei,
Nem eu, de forma segura,
E aprendíamos bastante,
Contudo, para o instante
Em que, súbito, parámos
E nos, enfim, encontrámos.
Outro
Amar o outro é respeitar,
Compreender-lhe as decisões,
Perdoar-lhe sem parar,
Os braços de par em par
Abertos aos corações,
Coração a descoberto,
À espera, que ele está perto.
É ir ao encontro dele
Sempre que ele der um passo
Na direcção que me impele
A responder-lhe ao abraço.
Força
Quem ama tem a razão
E a força para lutar
Contra todo o mal então,
Por maior que seja a par.
Pois mais vale derrotado
Morrer do que carregar
Vergonha de acobardado
Por se não querer amar.
Preciso
Preciso é saber vivê-lo,
Ao amor, depois doá-lo.
Quem exclusivo quer tê-lo
Não sente amor, mas o abalo
Da posse. Ninguém consegue
Possuir o amor, é impossível,
Andorinha a que persegue
Predador sempre falível.
Quem o quiser agarrar,
Tê-lo prisioneiro ao pé,
Sempre lhe ele há-de escapar,
Nunca irá ver o que ele é.
Cabouco
Perfeito amor dura pouco,
É flor muito passageira.
O eterno exige cabouco,
Com dedicação cimeira.
Implica uma construção,
A carregar muita pedra
Às costas duma paixão,
Que eterno então é que medra.
É o suor de o construir,
Não é só rir e mais rir.
Separe
Éramos sempre proibidos,
Amámo-nos como Deus:
Até que a morte os sentidos
Separe da terra aos céus.
Felizmente há muita morte
Cá por experimentar,
Por isso temos a sorte
De inda por aqui andar.
Quantas vezes é cortês
Amar-te a primeira vez?
Alerta
Os indivíduos nos servem
Para nos manter ligados,
Alerta, atentos preservem
Embora seus próprios fados.
Quando alguém a quem tu amas
Te vier antes desligar,
Já não é por quem tu clamas,
Já não o deves amar.
Qualquer
Qualquer amor principia
No silêncio dum olhar.
Pende a mão noutra por guia,
A que vagueia vadia
Noutro corpo de luar.
Silêncio dos abraçados
Lábios trocados, trincados,
Sempre num nó desmedido,
Que silêncio distendido!
Distância
Amar à distância apenas
Ocorre quando não se ama.
Mesmo as lonjuras pequenas,
Quando se ama, doem penas
De que todo o amor reclama.
Mesmo um beijo é tão distante
Que é demais em quem é amante.
Enxovia
A mulher perfeita é morta
Enxovia em solidão.
Defeito acolhido é porta
Da mulher ao coração.
É o defeito tolerado
Que transmudou a vizinha
Que alheia morava ao lado
Na maior aposta minha.
Defeito a que não ligámos
É que atou por fim o atilho
À mulher com quem casámos
Que carregou nosso filho.
Escutar
Amar é escutar
Por dentro quenquer,
Sempre atento andar
Ao outro que houver.
Honesto e paciente,
Permitir que seja
O que quer tal ente
Em tudo o que almeja.
Que cresça infindável
Por todos os dias,
Pois ninguém fiável
Hoje é o que ontem vias.
Natural
Amar, natural apego,
Também obriga a deixar
Outrem a ser, em sossego,
Quem ele for, singular.
É abrir mão e permitir-lhe
Que parta ou que fique, a par,
Sem desejar, ao sorrir-lhe,
Senão seu livre adejar.
Aprender que há mais valor
Em quem decide ficar
Que em quem fica sofredor
Por partir nunca lograr.
Dar
É bondade generosa
Sempre o amor, é dar o bem.
Dar-se na entrega gostosa,
Fonte do amor que contém,
É dos bens o bem maior
Que atingir é de propor.
Sonhar, criar e lutar
Para outrem ser feliz
É por si mesmo o lugar
Maior e sem cicatriz,
Ao invés do que alguém pensa,
Da máxima recompensa.
Arrisca
Amar sempre arrisca tudo
Sem nenhuma recompensa.
Só com a fé, sobretudo,
De que no amor a sentença
Cumprimos de nos cumprirmos.
É desprender-se e perder-se,
Abrir-se e, ao nos abrirmos,
Abandonar-se ao que verse
A vontade de raiz
De um com o outro ser feliz.
Simples
Nas almas simples o amor
Será mais puro e mais forte.
Na planície quanto for
Fonte à sede, no recorte
Dos campos, jorra do seio
Dos penhascos da montanha,
De agrestes sítios de enleio
Onde a lonjura se ganha.
Assim, no amor, por receita
É tal paisagem a eleita.
Namoro
Em dia de namorados
Não namoro nada, não:
Chove de todos os lados
Dentro do meu coração.
Não me afogo, não me afogo
Porque tu me agarras logo.
E é sempre desta magia
Que nasce o amor cada dia.
Alegria
Toda a alegria do amor
Provém do que já ocorreu
E continua a ocorrer.
O porvir não tem valor,
É a morte que inda nem viu
Aquilo que vier a ser.
Resta, pois, bem preenchida,
O que foi a nossa vida.
E, lado a lado, atulhada,
A fartura da jornada.
Encontro
Conhecer melhor alguém
Como num encontro puro,
É uma alegria que vem
Aparte de quanto apuro.
Apenas de serem feitas,
As perguntas, às maleitas
Já nos ali farão bem.
Os amantes perdem horas
Numa conversa de nada.
Importa, nestas demoras,
É das horas a pegada:
É o que marca, na jornada,
O sabor que lá edulcoras.
Mais
Conhecer um pouco o imo
De quem amo, até melhor
Do que o meu a que me arrimo,
É o mais que me hei-de propor.
Um acto de amor não falso,
Contraproducente embora,
É um passo sempre no encalço
Dum descobrimento agora.
E um descobrimento acerta
Sempre numa porta aberta.
Imo
Urge amarmos o imo inteiro
E ter amor à verdade.
Só no sofrimento o abeiro,
Prova do amor que me grade.
Prova certa, mas, no inverso,
Habituo-me a sofrer
Quando sei porque tal verso
E em nome de quê vai doer.
O amor não tem preço fixo:
É prazer e é crucifixo.
Restar
Sempre há-de restar o amor.
O resto pode perder-se,
Seja qual for o alicerce.
Mas, ao amar me propor,
Tenho sempre a garantia
De não findar nenhum dia.
Amar não acaba nunca,
Mesmo à hora de morrer.
Se o mundo à espera estiver
De mim, ante a garra adunca,
Ao encontro vou da espera
Vida fora, de era em era.
Longe
Quando estamos mesmo longe
É que vemos como amamos.
É triste eu ser este monge
Que não te vê nem nos ramos
Que murmuram tua voz
Que a lonjura apaga após.
Ao não ter-te junto a mim,
Não tenho prazer em nada.
Teu retrato diz-me, ao fim,
Quão longe ando aqui na estrada.
Pensa em mim que em ti me afundo
Neste desterro do mundo.
Brusco
O violento é perecível
Como o calmo é duradoiro.
Um amor brusco, irascível,
Irreflectido no agoiro,
Como a chama participa
Da ilusão com que se equipa:
A si próprio se consome.
Só crescendo devagar,
Lentamente mata a fome
De amor que queira durar.
Deixa então de ser fortuito
E durar, durará muito.
Exigências
Não queiras condicionar
Uma relação de amor
Com exigências a par
De qualquer ordem que for.
Quem amar jamais impõe
Condições no amor vigente:
Ama e tudo no amor põe,
Ama incondicionalmente.
Dúzias
A felicidade a dois
Vem duma dúzia de nadas
Com o carinho depois
Com que andam entrecruzadas.
Mas dum nada já provém
Qualquer infelicidade,
Quando inesperado advém
E advém com brutalidade.
Cuidar
Com zelo e com devoção
É de cuidar a quem ama.
Pode ter a duração
Duma eternidade a trama
De encontrar um grande amor.
Mas um segundo sem zelo
O segundo pode apor
Do tempo já de perdê-lo.
Firmeza
A firmeza em resistir
Ao amor serve também
A duradoiro o sentir
E violento em quem o tem.
O fraco vive agitado
Por paixões e quase nunca
Se irá sentir colmatado
Por elas no chão que o junca.
É a cana jogada ao vento,
Não vinga em si sentimento.
Constância
A constância num amor
É uma inconstância perpétua.
A afeição, com o fulgor,
Sucessivamente afecto-a
A todo e qualquer pendor
De quem muito bem amar,
À noite um, outro ao alvor,
A preferência a inovar.
De modo que tal constância
É uma inconstância constante,
Limitada na pregnância
Toda a vez ao mesmo amante.
Alguém
Alguém é tão mais amado
Quanto ele mais moderar
Expectativas, virado
Ao íntimo entressonhado
De quantos vier a encontrar.
A sério, sem fingimento
E jamais por indulgência
De quem olha o sentimento
Com pretensa competência,
Que isto enraíza, se o peso,
Num inconfesso desprezo.
Alguém é tão mais amado
Quanto ao coração virado.
Prazer
O prazer do amor
Jamais nos serviu.
Feliz de quem for
Quem o bem mediu:
Só dono quem for
Dele não perdeu.
Porém, quem se adona
Dum prazer à tona?
E o prazer se apressa
Domando o que o peça...
Dentro
Há muitos que o coração
Dentro de si não terão,
Antes bem longe e de fora.
Fora de si, que na hora
De si não cuidam sequer.
E longe porque qualquer
Cuidado anda só atento
E mais temporal intento
E mundano que é o que ele ama.
Que é que o coração lhe clama?
- Por mais sorte que haja em sorte,
Este é o caminho da morte.
Primo
A mulher do primo amor
Há-de salvá-lo ou perdê-lo.
Há-de recuar fazê-lo
À inocência de primor
Dos primeiros de seus anos,
Ao perfume imaculado
Dos desejos mais arcanos,
Ou, num golpe envenenado,
Mostrar-lhe toda a torpeza,
Num furor de cataclismo
Atirá-lo com fereza,
Atirá-lo para o abismo.
Saudades
As saudades me angustiam,
Corpo e mente me aniquilam,
Meus dedos nem te escreviam
Que martírios se perfilam.
Se não quiseres que a morte
Quebre os vínculos sagrados,
Anjo da vida, em teu porte
Vem sentar-te nos estrados
Junto à minha cabeceira
E a dor então me aligeira.
Rumo
Nem futilidade
Nem divertimento,
Amor sentimento
De profundidade
É que nos decida
O rumo da vida.
Que jus arvorar
De o falsificar?
Falam
A jovem que parecer
Não quer como uma leviana
E o homem velho que ser
Ridículo não quiser,
De amor não falam com gana
De quem inda tiver arte
De poder dele ser parte.
Implantada
A implantada autoridade,
Longe de ser veneranda,
De desconfiar entidade
É, que o bom senso o comanda.
Padres, políticos, reis
São de se olhar a miúdo,
Ao desempenhar papéis,
Com um olhar carrancudo.
Ladrão
O ladrão que tem juízo
Não mata nunca o roubado.
Dá-lhe tempo a que, com siso,
Reconstrua, piso a piso,
O castelo espoliado.
Então, o ladrão soez
Rouba-o de novo outra vez.
Nunca mates a galinha
Que os ovos de oiro mantinha.
Quem o faz, pior que ladrão,
É um estúpido poltrão.
Papel
É sempre papel dos pais
Acompanharem os filhos
Nos passinhos desiguais
Com que desatam atilhos
Mais e mais longe de nós,
Onde já nem chega a voz.
Ordem natural da vida,
A mais comum e normal,
Voam todos, em seguida,
Para longe do pombal.
Que momentos mais felizes,
Momentos mais infelizes!
Dois
Dois países no país,
Dois tipos de regras, leis,
Ricos gordos, pobres vis,
Duas portas que sentis,
Uma fechais, outra abris,
Além, servos, aqui, reis...
- Até quando o consentis,
Até quando pactuareis?
Vidro
Serão de vidro as crianças
Diante do desamor:
Se este em cachão nelas lanças,
Logo as partes num clamor.
São como o mar ante o amor:
Quanto mais amor lhes deitas
Mais se encherão de vigor,
Sempre a mais amar atreitas.
Se o amor chegar à borda,
Mais amor nelas acorda.
Questão
Ela é um problema?
É um problema a vida.
A questão, por lema,
É qual a medida
Em que vale a pena
O amor dela em cena.
Tudo o mais, no pano,
É nódoa de engano.
Carácter
De carácter umas falhas?
Temos de ver os defeitos
Sempre à luz das qualidades.
Ninguém nunca é só umas tralhas,
Somos de complexos feitos,
Compromisso entre verdades.
E tanto é num casamento
Como de amigos no evento.
Caixa
O rico, o privilegiado...
Os países ricos são
Na caixa onde eles estão
E há um mundo outro ali ao lado.
Ora, só quem vir de fora
Garante um porvir agora.
Um porvir que, ou é comum,
Ou não há porvir nenhum.
Duravam
Tínhamos nós discussões
Que duravam vários dias.
Sofremos um acidente:
Pois agora tais sessões
São minutos, fantasias
De quem delas é descrente.
Com o risco a me atacar
Já sei relativizar.
Há males, pois, que também
Ocorrem por nosso bem.
Desperta
Todos devem descobrir
Que é que desperta paixão.
Será o que é de repartir
Com o mundo, mão a mão.
Importa mesmo deveras
É de, em todas as esferas,
Deixar a comunidade
Melhor do que a que encontrei.
Há sempre uma infinidade
De gente que não tem grei,
Corações indiferentes
Que morrerão sem sementes.
A vida é oportunidade,
Mas é de estar bem atento
Quem a reconhecer há-de.
Descobre, pois, teu intento:
Quando a vida te convide,
Ser feliz aí reside.
Ataque
Depois do ataque assassino,
Entendo que tenhas medo
Mas tens de te dominar.
Sempre que ao medo o destino
Cedo, o que ao fim lhe concedo
É a vitória ao crime alvar:
Fico cada vez mais fraco
E o criminoso mais forte.
Ao deixar-me dominar
Do medo, fico num caco,
Cego por minha má sorte,
Um prisioneiro a ficar
Do criminoso, na lida
Do resto da minha vida.
Palavras
As palavras nunca param,
Algo a quererem mostrar.
É a vida lá fora: andaram
Lá tudo a movimentar.
Por ninguém a vida espera
E, por especial que sejas,
Nunca a ti tal te aprouvera.
Decide, pois: que desejas?
Se alguém não findar de fora,
É de juntar-se-lhe agora.
Corre
Tudo corre bem na vida
Quando fizermos por isso.
Mesmo o mal se revalida
No bem que o tem por chamiço.
É aquilo em que acreditamos
Sobre nós que determina
Como os outros com que andamos
Nos vêem na nossa sina.
Sei
Sei lá bem que é que será,
Sei lá bem que é que serei
No mundo que nem verei,
No mundo que alguém verá!
Como então justificar
Que não viva agora aqui
Inteiro quanto senti
Que só aqui vai ter lugar?
Mostra
A mulher, para apanhá-lo,
Mostra um rosto sorridente,
Agradável, um regalo.
Esconde o que tem em mente.
Não é melhor para um homem
Poder então entender
Que é que as atitudes somem,
Em que é que se está a meter?
Ela cala-se, primeiro,
Nunca discute com ele,
Mais se vir, de olho certeiro,
Que ganha o que não cancele.
Sorri muito, quer fazê-lo
Sentir-se grande, o maior,
Um deus dos pés ao cabelo,
E serve-o, que é superior...
- E assim, por esta ladeira,
Ele vê uma feiticeira.
Gosta
A mulher gosta dum homem
Imperioso e distante.
Pressentem que se consomem,
Indefesas, no hesitante,
Mormente quando conseguem
Pegar numa carga às costas
Sem problemas que lhes leguem
Os pesos de tais apostas.
Na presença da mulher
Nunca duvides de ti,
Nem digas não a entender,
Senão patego és ali.
Ela adora parecer
Estranha e misteriosa,
Nunca, porém, o quer ser.
O que ela mais quer, gozosa,
Transpostos os artifícios,
É um homem forte que a lê,
Amante de sete ofícios
Que guarde o templo de pé.
Tribalismo
Há um urbano tribalismo.
Aborrecidas de morte,
As mulheres, neste abismo,
Gritam contra tal má sorte
Porque os maridos cansados
Andam, por fazer dinheiro,
E deixam, de fatigados,
De atenção dar por inteiro.
No meio da gritaria,
Em vez de entender porquê,
Eles um ombro que os guia
Buscam fora, ao lado até.
Após fartos de falar
Deles próprios e das mágoas,
Para a mulher vão voltar:
Que róseos lumes nas fráguas!
Só que dura um tempo curto:
Logo ele de novo cansa,
Nela há o grito em novo surto
E retoma a contradança...
A outra feita um sofá
De psiquiatra é o que mais há.
Nascimento
O nascimento dum homem
É sangue, dor, desagrado.
Ou foi, que hoje todos somem
No parto sem dor treinado,
Nascimento sem violência
Que mudam toda a existência.
Com a civilização
Igual finda a dor de parto:
Pode hoje doer ou não,
Depende de como acarto
Todo o saber já sabido
Ao meu caminho escolhido.
Entende
Não julgues nunca ninguém,
Antes lhe entende os motivos.
Um homem parece bem
Entrosado nuns furtivos
Arranjos de nada bom
E, de repente, o seu tom
É de ir a ferver por dentro,
Mas vê melhor resultado
Da serenidade ao centro
Que de a raiva haver mostrado.
Condena assim o inimigo
Mas diminui-lhe o perigo
Ao conhecê-lo, avisado,
Para o fintar dele ao lado.
Descer
Nossos deuses são distantes,
Por natureza, de nós.
Não devem descer, frustrantes,
Ao nosso nível após,
Sejam deuses transcendentes,
Ou entre homens imanentes.
Aqueles, pois, que endeusares
Largam sozinhos os lares.
Pesa bem o benefício,
Senão cais num precipício.
Resto
Alguns só descobrem
Ser inteligentes
Se da escola sobrem
Como desistentes.
E o resto da vida
A lamentar andam
A ocasião perdida
Que já não comandam.
Mais
Quanto mais as aberturas
Para gente divergente
Ou minorias que apuras
Em comunidade assente,
Maior é a aceitação
E mais trilhos da razão.
Quaisquer organizações
Homogéneas por demais,
Críticas de mil senões,
Não chegam por vias tais,
Nem sequer por preço algum,
Jamais a lugar nenhum.
Talento atrai o talento
E cria aquele ambiente
Onde respira o portento,
Onde por fim bem se sente.
Marca o carreiro a seguir,
Nunca o mais que ali se ouvir.
Pobre
Ele é rico de dinheiro
E tu, pobre por inteiro.
Mas, em termos pessoais,
És riquíssimo entre os mais
E ele, cheio de pragana,
Não passa dum pobretana.
No fundo, bem gostaria
De como tu ser um dia.
Ora, a inveja pode ser
Danada um dia qualquer.
A campanha contra ti
É um fruto que vem dali.
É que a tua independência
Toca todos, na pendência.
Enquanto muitos se vendem,
Não deixas, aos que te atendem,
Nem que imaginem sequer
Tentar vir-te corromper.
Quanto maior tua fama
Pior se sentem na lama.
Defendem-se deste argueiro
A chafurdar no esterqueiro.
Se caíres com fragor
Sentem-se um pouco melhor.
Se a polémica te invade,
Dá-lhes algo em dignidade.
Pelo menos é o que pensam,
Embora o inverso é que adensam.
Roubar
Se alguém começa a roubar
Doutrem ideias, leveiro,
E com elas a ganhar
Desata muito dinheiro,
Já transpôs todo o limite.
Daí, então, o palpite
É que nele, sobretudo,
Principia a valer tudo.
Violência
A violência pode
Inspirar respeito,
A afastar acode
Ameaças a eito,
Pode amedrontar,
Pode silenciar.
Mas pode também
Ao caos origem
Dar que não convém.
É que isto é vertigem
De efeitos prováveis
Mais que indesejáveis:
A rebelião
Daqui toma o chão.
- Só pesando a jeito
Equilibra o efeito.
Luta
É sempre a pessoa errada
A da consciência pesada.
Ao que causa o sofrimento
Importa-lhe algum momento?
É quem luta pelo bem
Que só remorsos retém.
Não tens que te incriminar
Se este foi o teu lugar.
Gostamos
Gostamos de viajar
E de retornar a casa
E sempre de ambos a par,
De cada lado uma asa.
Para alguém sobreviver
Não é só ser consistente,
É de carreiros correr,
Várias direcções em frente.
E assumir contradições
Não é um mal, são as lições.
Tantas
Quando tantas raparigas
Entram na Universidade
Como rapazes, as brigas
Já não são pela igualdade:
São de quem o namorado
Logra mais afortunado.
Em qualquer revolução
Primeiro passo é traição.
É assim mesmo em todas elas,
Ninguém foge a tais sequelas.
Por isso é que a transição
Gradual sempre é o melhor chão.
Humilde
É humilde viver o instante
Como quem sábio sacode
Suas roupas já delidas.
Se me afiguro arrogante,
Então Deus inda me pode
Pregar mais umas partidas.
É o que a ciência me ensina
De quem parvo se destina.
E é o que a crença sempre creu
Quando inda se cria em céu.
Os dois lados da moeda
São o todo a que eu aceda,
Como dentro e fora em mim:
Só inteiro sou eu assim.
Refazer
Dos homens as tentativas
Para refazer o mundo...
E as leis naturais, esquivas,
Sempre a persistir, ao fundo.
A natureza diz Deus
Para crentes ou ateus:
Não há como dar-lhe a volta,
É submeter-nos à escolta.
Enterro
Num enterro de criança
Abre-se-nos sob os pés
O chão. A fenda que alcança
Enterrar-nos de través
Não encontra resistência:
Que sentido uma existência
Tem se abandonar sozinho
Um menino no caminho?
Se tivermos mais alguém,
Talvez logremos voltar
Do sepulcro nós também,
Subir a ver o luar.
Nada o pode garantir,
Tanto há quem vá desistir.
Agora, a sós, um menino,
Como inverter tal destino?
Desafiados
Todos precisam de ser
Desafiados sem fim.
Se eu o for, permanecer
Durável vai tudo em mim.
Quem a forma de viver
Na raia verde e crescente
Encontrar, permanecer
Jovem vai eternamente.
Ajudamos
Quando ajudamos alguém,
Alguém de quem nós gostamos,
Sentimos mais nós também
Emoções que acumulamos
Positivas: compaixão,
Felicidade discreta,
Aquela satisfação
De ser, da forma correcta
E de modos eficazes,
De ajudar sempre capazes.
Fonte
A fonte da juventude
É a nossa mente, o talento,
Criatividade que tento
Que à minha vida se grude
Como à daqueles que amamos.
Quando a tal fonte me enlice
Bebendo à sombra dos ramos,
Deveras venço a velhice.
Muito
Há muito quem nos quer bem
E que muito mal nos faz.
Pende do guião que tem
E que nos ata por trás.
Então é a vida a correr
Sem sair do mesmo sítio...
- É mesmo isto que alguém quer,
Ou isto, no fundo, omite-o?
Casar
Muitos morrem ao casar,
Embora casar não mate.
Morre-se ao não perguntar,
Na relação que me empate,
Se mais simples e bonito
Fico no lar que concito.
Quando nós não perguntamos
Que é que queremos por fim
E então nos refugiamos
Noutro, embora nosso afim,
Eis como nos enganemos
De escolhas que não fizemos.
Nunca estamos preparados
Seja lá para o que for.
Amamos, somos amados?
Logo esquecemos o amor.
Esquecemos, conveniente,
Mesmo o bom que houver na gente.
Lentamente, pouco a pouco,
Em vez de sábio, sou louco.
Entram
É verdade que as pessoas
Que em nós entram jamais saem,
Umas más e outras boas,
Guiam-nos ou nos retraem,
Umas para atrapalhar,
Outras para atormentar.
E as que valerem a pena
Muito as irás procurar,
Sempre a rever igual cena
À que te acendeu o olhar.
Até quando aprenderás
Que não se ama a olhar atrás.
É que um olhar de quem ama
É sempre um olhar de espanto.
Verdade é que tudo clama,
Jogando-nos canto a canto:
Preparados nunca estamos
Para o belo que enfrentamos.
Longe
Temos pela vida inteira
Tudo, tudo ao pé de nós
Mas então, pela lazeira,
Finda o perto longe após.
Dizer amo não demora
Nem dar o abraço em alguém,
Matar saudades na hora
Nada demora também.
Ao não me maravilhar
Do que consagro e consagres
É que ao fim sinto faltar
Em minha vida os milagres.
Pretende
Há quem se esconda por trás
Do que pretender mostrar
E quem não seja capaz
De tal modo de actuar.
Operou este ao invés
Do que aqueloutro fizer:
Vai-se mostrar através
Do que pretende esconder.
Retornarmos
Coabitar é não saber,
Ao retornarmos a casa,
Se alguém nela se há-de ver
À espera, sem bater asa.
É sentir-se alguém, por dentro,
Um sem-abrigo no centro.
Conviver é dizer gosto
De ti de muitas maneiras,
De tantas que nem aposto
Que imaginei tão certeiras.
Menos num longe sem rumo
De vagos sinais de fumo.
Maioria
A maioria das gentes
É estranha a seu coração,
Estranha mesmo aos presentes
Com que convive ao serão.
Tem o coração pejado
De estranhos que, lado a lado,
Dentro o coração lhe habitam.
Anseiam por um amor
E toda a vida o concitam
Sem ninguém a que o pospor.
Atiram-se então ao sexo
Sem o amor nele conexo.
É, de coração nas mãos,
Viver de escada em desvãos.
Bonitas
Por bonitas que pareçam,
Continuam tão sozinhas!
Bonitas que não mereçam,
Se calhar, as vénias minhas
Ou tão humildes não são
Como à vida deverão?
Preciso
Preciso de conhecer-te
Para que deixes de ter
A importância que desperte
Aquela que em mim te der.
Conhecer-te é que então faz
Que em mim tu morras em paz.
Ou então para encontrar
Em ti aquele sentido
Que me fará transformar
E não morra aqui perdido.
Conhecer que nos incite
E de vez me ressuscite.
Difícil
Como é difícil o amor!
Desentranha-nos de todos
Mais-ou-menos do torpor
Do conformismo nos modos.
Revolve-nos, que ao guardarmos,
Furtivos, o que sentimos,
Ao confronto é que escaparmos
Do que ele traz conseguimos.
Personagens
As personagens de histórias
Vêm aclarar quem somos,
Quem escolher nas vitórias
De que vou colher os pomos.
Mas quem vive a nosso lado
Ou nos traz a redenção
Das personagens que brado
Ou faz de mim um pião
Das nicas das personagens
De que não se libertou.
Pica-me então das voragens
Do rancor que a amordaçou,
Em vez do despojamento
Que renasce para a vida:
Não nasço a todo o momento,
Morro, lento, em cada ida.
Fogo
Há quem imagine o amor
A olhar sempre para trás,
A soprar por um calor
Dum fogo já morto em paz.
E há quem olhe sempre em frente,
Amor que vai construindo
À medida que amor sente,
De que não abdica indo.
Aquele se lamuria,
Este acredita na via.
Amante
Tratamos todos a vida
Como o amante acobardado
Que não diz: ”vou de saída,
Que aqui já ninguém é amado.”
O silêncio que guardamos
É o fruto do mal que amamos.
E o silêncio grita o grito
Dos termos do jamais dito.
Descuido
O descuido acumular-se
É fácil na relação,
Desatento sem disfarce
A ir sempre em contramão.
Há sempre mil e um apelos...
Que preguiça, só de vê-los!
E não fazemos escolhas
E geram-se os desamparos,
O gesto de ombros que encolhas,
Da indiferença os reparos...
- E o que sagrado ia sendo
É uma relação morrendo.
O silêncio ocupa espaço
Mais que os termos que desgraço.
Pouco
Sempre que nós namoramos
É um pouco mais que casamos.
Desistir de namorar
É um pouco se divorciar.
Se as paixões não são frequentes,
É que a preguiça, entrementes,
Agarrou no meu destino
Muito mais do que imagino.
Dar tempo a nos separar
Fazemos sem mais cuidar.
Trabalhar a apaixonar-se
Complica até que se esgarce.
Tempo é preciso ao amor:
- Todos pecamos um ror...
Porque pouco persuade
De nós a melhor metade?
Exemplo
O exemplo doutrem me diz
Que me falta a ser perfeito,
Torna a todos, de raiz,
Menos estranhos a eito.
Ao achegar-nos assim,
É difícil, mas enfim...
Ninguém cresce quando quer
Nem ninguém cresce sozinho,
Somos forçados a ser.
Sábio ser é ser cadinho,
Todo o erro a bater na forja.
Não se alcança, a mão na gorja,
De costas de vez voltadas
Com quem nos ama enganadas.
Sente
Sente as pessoas e atenta
Que a forma como as tu sentes
Condiciona tua ementa
De vida mais que o que intentes.
Que é que sentes te pergunta
E que pensas disto após,
Para a escolha que se assunta
Escolher, por fim, a sós,
Sem te deixar arrastar
Na onda do que calhar.
Prende
Se não deres mais um passo
Cada dia, não te assustes:
Não morreste, à vida o laço
Te prende com mais ajustes.
É que o que conta deveras
É dares-te a ti, bem antes
Dos passos que tu puderas
Dar em frente, após, constantes.
Ousar
Ousar pedir um desejo
Se, pela primeira vez,
Vivermos seja o que for,
Uns aos outros, neste ensejo,
É dizer: “se algo me fez
Mais sábio, de vida um ror,
Então exijo de mim
Mais amor até ao fim.”
Batota
No passado já morri,
No futuro não nasci.
Inteiro se ali me assente,
É batota do presente,
Ando, afinal, a fugir.
Se orgulhoso me não vir
De muito que fui outrora,
Não é uma vergonha agora:
É que entre um e outro ficam
Escolhas que me autenticam.
Só é vergonha se escolho,
Ao fim, o que não acolho.
Antanho
Tantos perdemos a vida
Sempre da vida a vingar-nos,
De antanho presos à ermida
E dos demais a exilar-nos:
Nunca nenhum redentor
É como o quer meu humor.
Vivemos a olhar atrás
E a olhar atrás nos amamos.
Então ninguém ama assaz
Nem vive entre tais reclamos.
Problema é que isto somemos,
Já que é o que todos fazemos.
Retorno
Falta retorno ao amor
E, com certeza, humildade
De passo a passo me pôr
A ser mais eu de verdade.
De mim, com ou sem gorgulho,
Falta-me também orgulho.
Tenho um amor devoluto,
À procura de pessoas,
Agora que faço o luto
Já de tantas ceias boas,
Hoje que não inauguro
Já romagens ao futuro.
Serei sempre, queira ou não,
Uma peregrinação.
Arrisca
A pessoa devém feia
Por se sentir mal-amada,
Não arrisca, volta e meia,
Nem por amor nem por nada.
Não se divorcia mais
Por de pouco apelativa
Dentro e fora ler sinais.
Morre então, embora viva,
Lentamente, cada dia,
Uma pequena fatia.
Escolhemos
Escolhemos quem amamos:
Podemos não escutar
O coração que tenhamos,
A reprimir, censurar,
Até chegar a iludi-lo,
Mas mando no seu estilo.
Nada nos faz mais estranhos
Diante do coração
Que tantas perdas e ganhos
De fugir-lhe em contramão,
Para a maneira de estar
Atingi-lo não lograr.
Fujo
Começamos a morrer:
Quem me deve conhecer
Antes lhe causo estranheza.
Fujo à verdade que pesa
Daquilo que em mim sentir
E o que sou deixo fugir.
Torno-me assim um estranho
Mesmo a mim, sem nenhum ganho.
Não
Não os acontecimentos,
Eu é que tenho o poder
De feliz nestes momentos
Ou infeliz me fazer.
Eu é que tenho o poder
De escolher como aqui estar.
O ontem vi-o eu morrer,
O amanhã há-de chegar.
Só tenho este dia de hoje
E, enquanto ele decorrer,
Vou ser feliz, senão foge
Sem mais o poder reter.
Luta
Vivermos em harmonia
Com a própria consciência,
Com o ambiente por guia,
Com quem amar na existência,
Com amigos, dia a dia...
Pode haver indignação,
Luta por ter nisto mão.
Ser feliz dá-me outra pista:
Poder nisto ser egoísta.
Fugir
Fugir de medo ao cinzento,
Às madeixas do cabelo,
Às rugas da testa ao mento,
Ao cinzento sem sincelo
Que em nós entra e cava o fosso
Que vai fundo até ao osso.
Cinzento a nos consumir
Até a visão afectar,
O mundo à volta a sumir,
Perdida a cor, nada alvar...
- Fugir, fugir, para quê?!
Em vez do nada, antes sê!
Indeciso
O indeciso é eliminado
Do ímpeto do decidido.
Se dormes em teu deserto,
Com a mulher descansado,
Horta atrás no eido sortido,
Na engorda de porco certo,
Findarás cheio de artrite
Na morte lenta caseira.
Este é o ideal que te incite,
Esta letal pasmaceira?!
Mentiras
As mentiras piedosas
São feliz lubrificante
Que a comunhão de que gozas
Fazem fluir deslizante,
Levam à sociedade
Harmonia de verdade.
Eis como a boa mentira
Tem a verdade na mira.
Apenas
Apenas felicidade
Haverá se não exijo
Do amanhã nada, em verdade,
E de hoje, com regozijo,
Aceito com gratidão
O que me puser à mão.
A hora mágica chega
Sempre ao que a isto se apega.
Amplo
Deixar o nosso interesse
Tão amplo quanto possível
E a reacção que apetece
A qualquer coisa atingível
Como às gentes que encontrar
Tão amistosa soar
Quanto o puder então ser,
Felicidade é colher.
Cada
A felicidade
É individual.
Conselho algum há-de
Substituir-lhe o aval?
Cada qual buscar
Deverá por si
Feliz se tornar
Em seu mundo ali.
Difícil
É difícil ser feliz
Enquanto julgo o passado
Melhor que foi de raiz,
O presente um pior dado
Do que é na sua matriz
E o futuro ainda melhor
Do que será quando for.
Perco
Por cada minuto
Em que nos zangamos,
Sessenta segundos
Perco do produto
(Em todos os ramos
E em todos os mundos)
Da felicidade
Que dali me invade.
Nascido
O homem que se diz
Nascido infeliz
Poderia vir
Ao menos sentir
A felicidade
De toda a amizade
Da família, amigos...
É destes abrigos
Que a inveja o priva,
Derradeira esquiva.
- Contra a vida torta
Perde a final porta.
Conformes
A felicidade acções
São conformes à virtude,
Não relativa ao que impões,
Mas absoluta a que grude.
A virtude relativa
Respeita ao que é necessário;
A absoluta que aqui viva
Tem por fim sumo o sumário,
Quer agrade ou não agrade,
Da beleza e honestidade.
Requer
O que requer um adulto
Não é que de fora talhem
Paz, felicidade, culto
De coisas que nem lhe calhem...
Quer direito de escolher
O destino que quiser.
É o que plenamente impede
A obediência económica
A outrem. E o que sucede
(Isto é que é uma bomba atómica)
É que há quem ataque a estes
E aos mais que nem são agrestes.
- Por de humano o que aqui deixem
Depois, então, não se queixem...
Atingir
Uma das grandes virtudes
É atingir a perfeição
Na vida à custa de açudes
De levadas que errarão,
De imperfeições, falhas, quedas
E de infindos recomeços.
Felicidade são medas
De tropeços e tropeços
Que do campo orientarão,
Livre e corajosamente,
Para o bem o carrejão
Duma vida totalmente.
Segredo
O segredo é ser feliz.
Não importa como, tenta.
Tu podes, teu signo o diz,
Mais e mais firme o inventa.
Não pende das circunstâncias:
Nem ias acreditar
Quão boas são as instâncias
Em que findas por entrar.
Aceita tudo por bem,
Que a tragédia então fenece
Ou alivia também
De forma que o nem parece.
Enquanto tu ali estás
Sem demasiado, no fundo,
Mantendo teu fundo em paz,
Esperares tu do mundo.
Querendo
Só querendo ser feliz,
Para tal contribuindo,
Caminho por tal país.
Se ficar, mesmo sorrindo,
De espectador impassível,
À felicidade apenas
Deixando a entrada amovível,
Portas abertas, serenas,
O que há-de entrar, de certeza,
Há-de ser sempre a tristeza.
Apreciação
A apreciação correcta
Do valor do que se for
Em si, para si é meta,
Se comparado ao teor
Do que aos olhos doutro apenas
Se for, do dia nas cenas.
Vai contribuir de verdade
À nossa felicidade.
Superficial
Só por superficial uso
Irei desejar a alguém
Que seja feliz. Reduzo-o
À piedade que tem
A fraqueza que nos leva
A tomar crianças ao colo.
Desejar faz que se deva
Cumprir sempre alguém sem dolo.
Cumprir-se inclui a desgraça
Mais de superar-lhe a traça.
Máximo
Cada qual deverá ser
(Como a si proporcionar)
O mais e melhor que houver,
O máximo que alcançar.
E quanto mais assim for,
Mais em si mesmo encontrar
De deleite a fonte-mor,
Tão mais feliz se há-de achar.
Difícil
Se só quiser ser feliz,
Não é difícil demais.
Como mais que os mais eu quis
Ser feliz, eis os panais
Em que me enrolo e tropeço:
Como é que outrem nisto meço?
É que os outros mais felizes
Do que realmente são
É o que eu e os mais acharão:
Eis do infeliz as raízes.
Então difícil deveras
É ser feliz com tais veras.
Teus
Sucesso e felicidade,
Se teus, residem em ti.
Decide-te, com vontade,
A feliz manter-te aqui.
A tua alegria então,
Em comum contigo inteiro,
Formará uma legião
Invencível no vespeiro
Que te trarão as maldades
De quaisquer dificuldades.
Muitos
Muitos são os que já tarde
Entendem que ser feliz
No sorriso anda que guarde
Para dar, bem de raiz,
Água viva no deserto,
A quem de mim andar perto.
Muito mais do que nas palmas
Ou do que na admiração
Que posso receber de almas
Que nem sequer sei quem são,
Por muito que gratifique
O ego que isto multiplique.
Quiser
Aquele que quiser ser
Feliz, deve dar-se então.
Ser é amar e amar se não
For dar-se a todo e quenquer
Não será nada sequer,
Mas qualquer contrafacção.
Ninguém poderá ser nada
Senão numa relação
Com outrem toda a jornada,
Do mundo com a amplidão.
Escala
Ninguém escala a montanha
Sem tombar algumas vezes.
Alguém julga que se ganha
Felicidades corteses
Através de qualquer jogo
Ou da rifa onde me afogo?
A minha felicidade
A pulso foi conquistada,
Com lágrimas de verdade
E com muita cabeçada,
Muita queda e muito engano,
Más escolhas de mau plano...
Mistura de que se ganha
Dores muitas mui soezes.
Não se escala uma montanha
Sem tombar algumas vezes.
Colapso
Quando estiver a correr
Sem o corpo alimentar,
A meta não vai cortar,
Vai mas é um colapso ter.
É o mesmo com o trabalho:
Se não repousar, na essência,
Vai entrar mesmo em falência,
Não fará nem um negalho.
Asneiras
Não metas numa conversa
As asneiras do passado.
Uma pessoa é mais tersa
Que os erros onde há tombado
E não gosta, pelos jeitos,
De ser lida por defeitos.
A qualidade é que, instante,
É sempre o mais importante.
Companhia
Se não nos pudermos ver,
Trocar ideias, estar
Em companhia sequer,
O amor vai-se evaporar
No pouco tempo que houver.
Para não perder-se ao vento
Tanto requer alimento!