RECANTO  DE  BEM-QUERER

 

 

 

 

BARTOLOMEU VALENTE

 

AROEIRA, 2016

 

 

 

 

 

TODO O SER DE BEM-QUERER

 

 

Teste

 

A tensão como o conflito

São o teste da amizade:

Se resiste, o amigo fito;

Se afasta, não persuade.

 

 

Cosmos

 

Para as pequenas criaturas

Como nós, o vasto teor

Do Cosmos só to afiguras

Suportável pelo amor.

 

 

Pouco

 

Muito pouco amará quem

Logra em palavras clamar

O que não logra ninguém:

O muito, muito que amar.

 

 

Necessários

 

Neste mundo necessários

Nada nos faz, com valor

E dentre os bens mais primários,

Nada, senão mesmo o amor.

 

 

Tímido

 

Certeza de ser amado

A um tímido robustez

Há-de dar, fortificado:

 Torna-o natural de vez.

 

 

Vivi

 

Uma vez meu coração

Morto, sem mais ar que alente,

Decerto vivi então

Bem mais que o suficiente.

 

 

Alegria

 

Toda a alegria provém

Do amor a todo o momento,

Porém todo o amor também

Contém nele sofrimento.

 

 

Temer

 

Temer o amor é temer

A vida e quem teme a vida

Três quartos morto há-de ser

Sem ter feito a despedida.

 

 

Murro

 

Dá-me um murro no sovaco,

Não a luz que eu pretendia:

Quem se apaixona é que é um fraco,

Quem ama, de forte, cria.

 

 

Segunda

 

Sempre um verdadeiro amor,

Seja qual for a tendência,

Desde a complacência à dor,

É uma segunda inocência.

 

 

Fim

 

Nós nascemos para amar,

É o princípio da existência:

Ar da íntima vivência

E único fim dela, a par.

 

 

Saber

 

Saber amar não é amar,

Conceito longe do ser

Que aponta sem nele entrar,

Porque amar não é saber.

 

 

 

Uma escolha é sempre má,

De excluir todas as mais.

Em amor que escolha é que há?

Inclui tudo e exclui demais.

 

 

Obrigado

 

É do amor sempre aumentar,

Sempre obrigado a crescer,

Ou de vez perde o lugar,

Sempre, sempre a enfraquecer.

 

 

Intelectual

 

Há um amor que é sempiterno,

Nada tem de sensual,

Uma paz do foro interno:

É o amor intelectual.

 

 

Refém

 

O amor refém dos sentidos,

Prisioneiro do sensual,

Mais que grave em desmentidos,

Grave é doença mental.

 

 

Miúdo

 

O amor é de nós a estrada

Que se perde mais a miúdo:

Nasce o amor de quase nada

E morre de quase tudo.

 

 

Ilusão

 

Um sonho ateia o fervor,

Da vida o apaga o cachão:

Filho é da ilusão o amor

E pai da desilusão.

 

 

Cariz

 

Um homem viver feliz

Pode com qualquer mulher

Quando revista o cariz

De nunca amá-la sequer.

 

 

Ódio

 

O ódio é duradoiro.

Os homens amam com pressa

Mas odeiam, sem desdoiro,

Enquanto a vida aconteça.

 

 

Afectos

 

Os afectos, muitas vezes,

Vão uns aos outros somar-se.

Subtraí-los são reveses,

Nunca o logro sem que esgarce.

 

 

Quinhão

 

De ser feliz o quinhão

Maior que o amor me deu:

Primeiro aperto de mão

De quem amo foi um céu.

 

 

Dobre

 

Não há coração tão duro,

Tão frio na resistência

Que, do amor sendo seguro,

Não dobre em correspondência.

 

 

Duas

 

Ninguém ama duas vezes,

Ninguém, a mesma mulher,

Que, à segunda, após reveses,

Sempre é o mesmo a renascer.

 

 

Crer

 

Não é crer acreditar

Se acreditar é um saber.

Por igual crer sente a par:

Amar é metade crer.

 

 

 

O amor não vê com os olhos

Mas no sentir com a mente.

Alado e cego em tais folhos,

É, por isso, tão potente.

 

 

Tempo

 

Por um tempo amar

Não nos vale a pena;

Para sempre, é um ar

De impossível cena.

 

 

Sempre

 

Todo o verdadeiro amor

Para sempre permanece:

Ou lhe dê tudo o que for

Ou recuse, nunca esquece.

 

 

Apaixonado

 

Um homem apaixonado

Viverá com todo o ganho

Fora de si, noutro lado,

Num corpo que é um corpo estranho.

 

 

Provas

 

O amor não existe,

Seja lá o que for

Que em matéria viste

- Só provas de amor.

 

 

Sono

 

Toda a vida é um sono

Cujo sonho é amor.

Terá dela o abono

Que amado for.

 

 

Imbecilidade

 

A falta de amor é um grau

De alguma imbecilidade:

O amor é que salta a vau

Da consciência à sumidade.

 

 

Essência

 

O homem ama, que é o amor

A essência do íntimo dele.

Não pode, disto por mor,

Não amar, que arranca a pele.

 

 

Interrogação

 

Perene busca de chão,

Malsino-a, às vezes, malsino-a:

O amor é interrogação,

A interrogação contínua.

 

 

Tudo

 

Tudo o que sabemos

Do amor tido em vista

É o amor que temos

Ser tudo o que exista.

 

 

Eco

 

Tanto o amor como a amizade

Como um eco se concebem:

Dão tanto e com qualidade

Quanto aquilo que recebem.

 

 

Prisões

 

É o amor, são as paixões

Combates a tiro e sabre.

O coração tem prisões

Que a inteligência não abre.

 

 

Miserável

 

O mais miserável homem,

Julgue embora não amar,

Nunca os teres se lhe somem:

O amor tem sempre lugar.

 

 

Maior

 

Quanto maior o poder

De fazer alguém feliz

Maior o poder vai ter

De o magoar de raiz.

 

 

Leva

 

Por tudo quanto permite,

Só o amor, o amor em termos,

Ao transpor todo o limite,

Nos leva a nos conhecermos.

 

 

Desmoronar

 

O amor é como um império,

Se a ideia em que prevalece

Se desmoronar a sério,

Logo ele se desvanece.

 

 

Quando

 

Quando nos apaixonamos,

Atrai-nos tanto o saudável

Como o errado em quem amamos,

Tanto é o amor adorável.

 

 

Duro

 

Haverá coração duro

Que antes de amado não ame.

Ao ver-se amado, seguro,

Há-de amar nem que o não clame.

 

 

Troque

 

Os homens com olhos amam,

A mulher, com os ouvidos.

Sempre ambos depois reclamam

Que o outro troque os sentidos.

 

 

Cuidado

 

O amor não é o altruísmo

Senão no extremo cuidado.

Vive antes um egoísmo:

É egoísmo em duplicado.

 

 

Primeira

 

Atravessou pelas eras

A estranheza do entremez:

Se um homem ama deveras

É sempre a primeira vez.

 

 

Belo

 

Um amor, no que é de terno,

Não impõe, para ser belo

No doirado de seu velo,

Que tenha de ser eterno.

 

 

Ausência

 

Uma ausência dum amado

Deixa atrás veneno lento

Corroendo em todo o lado,

A poção do esquecimento.

 

 

Dois

 

Por muito que ame e me entregue,

Sou no fim sempre eu depois:

Por mais que funda e agregue,

O amor é um egoísmo a dois.

 

 

Porquê

 

Como hás-de total saber

Bem ou mal o que é que é?

Amarás ou não quenquer,

Nunca saberás porquê.

 

 

Loucura

 

Encantadora loucura

É o amor, mas sem sandice.

A ambição, longa procura,

É que, afinal, é tolice.

 

 

Sai

 

Ao amor já nada exorta

Se à riqueza é que ele apela:

Entra a pobreza na porta,

Sai o amor pela janela.

 

 

Alheia

 

Amar é sempre encontrar

A felicidade cheia

(Que ando em vida a procurar)

Na felicidade alheia.

 

 

Último

 

Em amor, último adeus,

Não há (nem no que é infeliz),

Só o adeus que grita aos céus

E que, afinal, ninguém diz.

 

 

Porque

 

Ninguém sabe porque é que ama

Ou porque não ama alguém:

Vê-se uma estrela na lama,

Explicações ninguém tem.

 

 

Temer

 

Um amor duma mulher,

Quando as frustrações assomem,

É sempre mais de temer

Que o ódio de qualquer homem.

 

 

Duas

 

Há duas cartas de amor,

Uma com outra emparceira,

De mais difícil teor:

A primeira e a derradeira.

 

 

Linguagem

 

A linguagem é presente

Mas vencer o fosso, vence-o?

Linguagem mais eloquente

Que o amor, só o silêncio.

 

 

Nobilita

 

O amor nobilita o pobre

Além de qualquer verdade:

Amor e coração nobre

São uma só realidade.

 

 

Magnífico

 

Este magnífico absurdo,

Entre o mal e o bem supremo,

A teia que em vida urdo

É o amor que adoro e temo.

 

 

Experiência

 

A experiência provém

Dos dedos e da cabeça.

O coração nunca tem

Experiência que tal meça.

 

 

Contraste

 

Felicidade no amor,

Embora dele sinal,

No contraste a contrapor

É sempre estado anormal.

 

 

Sociedade

 

O amor, numa sociedade,

Troca duas fantasias:

Contacta, em privacidade,

Duas dermes que nem vias.

 

 

Metade

 

É o amor esta ansiedade

Que dentro todos vivemos

De procurar a metade

De nós que de nós perdemos.

 

 

Andorinhas

 

O amor, como as andorinhas,

Num ligeiro bater de asas

Afasta as noites sozinhas,

Traz felicidade às casas.

 

 

Suportar

 

O amor é a condenação

Que, no terreno maninho,

Ninguém suportar em vão

Poderá nunca sozinho.

 

 

Entre

 

Entre o homem e a mulher

É o amor o que acontece

Quando um ao outro qualquer

Deles mui mal se conhece.

 

 

Saída

 

Não abafa o tom

Sem saída em beco:

O amor é um som

Que procura um eco.

 

 

Limite

 

Quem ama até ao limite

Viver em si não reclama,

Que quanto nele palpite

Vive naquela que ele ama.

 

 

Pouco

 

O que quanto ama puder

Dizer, aquilo que clama,

Ante todos e quenquer,

É dizer quão pouco ele ama.

 

 

Tão

 

Tão bom como o amor

Não há um elemento,

Nem de vero teor,

Como o sofrimento.

 

 

Agrada

 

Um amor agrada mais

Do que agrada o casamento

Como o conto que leiais

Mais diverte que o evento.

 

 

Esconde

 

Por quanto esconde o que mostra

Pela materialidade,

O amor é a pequena amostra

Mortal da imortalidade.

 

 

Operação

 

A paixão o corpo empalma

Sem alma haver na pendência.

Amar é operação de alma

Sem do corpo dependência.

 

 

Dentro

 

É de dentro para fora

Que amar nos fará sentir.

De fora a dentro há-de vir

A paixão que nos devora.

 

 

Tolices

 

Se não lembras as menores

Tolices do amor que houveste,

É porque dele os fervores

Em ti não mais ele investe.

 

 

Requerida

 

Em amor sempre a constância

É requerida ao empuxo.

A fidelidade é infância:

Mima, acalma, é dele o luxo.

 

 

Refúgio

 

Um amor sem esperança

Não tem refúgio da sorte

Que tão maldita o alcança

Senão apenas na morte.

 

 

Pequenos

 

O amor de pequenos nadas

Nasce, vive e se socorre.

E por eles, nas jornadas,

Por vezes acaso morre.

 

 

Ponto

 

Quando ao amor faço o ponto,
Que estranhas são dele as leiras!

É um conto simples, um conto

Dito de infindas maneiras.

 

 

Estranha

 

Tem o amor esta faceta

Estranha a que é vinculado:

Todo o homem é poeta

Quando fica apaixonado.

 

 

Silêncio

 

Ao amor o amor convence-o

Por quanto profundo abala.

No campo do amor, silêncio

Vale bem mais do que a fala.

 

 

Queimar

 

Um amor tal qual o quero

Vai queimar tudo em redor,

Que não existe exagero

No dicionário do amor.

 

 

Primeira

 

Quem pode jurar que amou

Sem ter, no amor que persista

Na vida que arrebatou,

Amado à primeira vista?

 

 

Ver

 

O amor é um acto de ver:

O sensual, sensivelmente;

O inteligente, a entender

A razão dali ausente.

 

 

Além

 

O amor, se apenas sensível,

Não vai além dum prazer.

Se é de honra tem outro nível,

A honra é sempre um dever.

 

 

Fim

 

O amor, o estado de graça,

Não é um meio de ir ali,

Alfa e ómega congraça,

Em si mesmo é um fim em si.

 

 

Vê-se

 

Um amor, depois da perda,

Vê-se, vazio, na dor.

E antes dela é um sofredor,

Do temor do que ali herda.

 

 

Tempo

 

Quando se ama, ao mesmo tempo

É nos três tempos do verbo

Que se vive a contratempo

O lindo momento acerbo.

 

 

Grácil

 

Trepa pelos ares, grácil...

Quem ameaça vê no míssil?

O amor tem entrada fácil,

Saída, porém, difícil.

 

 

Senão

 

Não existe nem viceja

No mundo senão o amor,

Amor seja lá o que seja,

Seja lá ele qual for.

 

 

Dar

 

Dar a vida pelo amor

Dá o homem duma assentada

E, ao fim, mesmo sofredor,

Julga não ter dado nada.

 

 

Duas

 

Duas faces em quenquer

Tem o amor sempre por sina:

O fogo que faz-me arder

É o mesmo que me ilumina.

 

 

Buraco

 

Da vida além pela estrada

Quanto buraco nos trama!

Contudo, vejo que nada

É difícil a quem ama.

 

 

Depende

 

Ninguém vê que prioridade

Depende de que pendor:

O amor dentro é da amizade

Ou a amizade, do amor?

 

 

Raro

 

Aquele que for feliz

Mui raro conhece, vão,

A quem possui de raiz

Por inteiro o coração.

 

 

Condição

 

Amor, mais que fim ou meio,

É uma condição de vida:

Amar, perdido no enleio,

É se encontrar sem medida.

 

 

Curiosidade

 

Qualquer curiosidade,

Prendendo seja ao que for,

É, por esta faculdade,

Uma máscara do amor.

 

 

Nunca

 

Na carne talhado

Além do sentido,

O que for amado

Nunca é perdido.

 

 

Quando

 

O tempo e o amor começam

Sempre quando continuam.

Se amor continua apressam-

-Se as fontes que dele fluam.

 

 

Deveras

 

Deixa o amor de variar

Se for firme em seu teor,

Mas não de tresvariar,

Se for deveras amor.

 

 

Sinal

 

Em tudo, deixar de ser

É sinal de que já foi.

Só no amor é de aprender:

“Ter sido” o amor nunca o sói.

 

 

Unir

 

Sendo o amor uma união,

Não pode unir uma extrema

Sem que a outra, em conclusão,

Una pelo mesmo lema.

 

 

Contido

 

Dum raio fulgor

Contido num beco,

Não existe amor

Que não seja um eco.

 

 

Mais

 

É triste, mas é verdade

O que o cotio vem pôr:

Há mais amor na amizade

Do que amizade no amor.

 

 

Nobre

 

Muito embora fraco e pobre

Torne sempre quem o preza,

O amor é sempre a mais nobre

Dum espírito fraqueza.

 

 

 

Havemos de amar sofrendo,

Só mesmo através da dor,

Doutro teor não sabendo

Nem conhecendo outro amor.

 

 

Entre

 

Com todo o esplendor e horror

Por entre os quais se balança,

Só a fundura vê do amor

O que amar sem esperança.

 

 

Outra

 

O amor nos concita

Outra realidade:

Quando o amor visita,

Despede a amizade.

 

 

Mistério

 

É o amor arte que acende

Mistério em que tudo cabe:

Arte que nunca se aprende

E, porém, sempre se sabe.

 

 

Duro

 

Mui duro é não ser amado

Quando ainda alguém amar.

Pior é sê-lo, alongado,

Se já não ama, em lugar.

 

 

Parte

 

O amor, tal e qual a febre,

Nasce e morre e o que o impele

Não há vontade que o quebre,

Que nunca tem parte nele.

 

 

Elidir

 

Amar quer dizer sofrer,

Mas não creia que o contrário

Há-de elidir o sudário,

Pois não amar é morrer.

 

 

Violentos

 

Tão imensamente grandes,

Violentos alguns amores

São que só germinam glandes

De ódio mais dele os horrores.

 

 

Embora

 

Um amor pode morrer,

Muito embora na verdade.

A mentira há-de ocorrer

Para morrer a amizade.

 

 

Cúmplice

 

No amor o mais irritante

É que é tal se fora um crime

Que requer a todo o instante

Um cúmplice a que se arrime.

 

 

Olhos

 

Aos olhos duma saudade,

No vazio do terreno

Doendo uma imensidade,

Como o mundo é tão pequeno!

 

 

Mais

 

É o amor uma tal chama,

Um fogo tão singular,

Que quanto mais a gente ama

Mais deseja a gente amar.

 

 

Demasia

 

A demasia que olhais

É de amor ter peso ingente:
Quando não se amar demais,

Não se ama o suficiente.

 

 

Figo

 

O amor é como o sarampo,

Quão mais tarde chega ao pé,

Tal uva mais figo lampo,

Bem mais perigoso ele é.

 

 

Mata

 

Nunca o amor mata a morte,

Nunca a morte mata o amor.

Bem se entendem, desta sorte,

Um doutro explicando o teor.

 

 

Impotente

 

Todo o homem que disser

Ao amor ser superior,

Se um mentiroso não for,

Um impotente há-de ser.

 

 

Deixo

 

O amor é sempre escolher

A dois uma solidão:

A ti eu te deixo ser,

Deixa-me ser eu então.

 

 

Apaixonado

 

Quando alguém não estiver

Apaixonado, furtivo

É que engana então quenquer:

Não está deveras vivo.

 

 

Último

 

O primeiro amor que entrou

No coração, todo glória,

É o último que calhou

De sair-nos da memória.

 

 

Pesa

 

O amor pesa na balança,

Do sofrimento aos acenos:

Mais dói, mais amar alcança;

Menos dói, é de amar menos.

 

 

Conquista

 

Tudo conquista o amor

Quando alguém dentro conquista

E primeiro é vencedor

Do entendimento que exista.

 

 

Combatem

 

Ausência e tempo um amor

Combatem pela memória.

A ingratidão do favor,

Por malquerer a vitória.

 

 

Mudança

 

O amor que é um amor perfeito

Vive incólume a mudança

Dos tempos, naquele jeito

De assimilar quanto alcança.

 

 

Amar

 

Amar e não ser amado

É ser mártir todo o ano.

Não amar e ser amado

É ser mesmo então tirano.

 

 

Mais

 

Amar é, no fundo, união

E, quão mais procura unir,

Mais efeitos se verão:

Mais afectos finda a urdir.

 

 

Ausência

 

O amor, em caso de ausência,

Mal sofrido, não é grande;

Se não for impaciência,

Nem é amor o que o comande.

 

 

Injusto

 

Amar e não ser amado

É mesmo o maior tormento.

Não amar e ser amado

É injusto a todo o momento.

 

 

Corresponder

 

Quando o amor é amor de jeito,

A corresponder me obriga,

Amar é império que aceito,

Ser amado aprova e liga.

 

 

Motivos

 

Na razão sempre um fulgor

Me põe mais morto que vivo:

É que os motivos do amor

Não têm nunca motivo.

 

 

Fome

 

A fome de ser amado,

Para além dos tropeções

Em que me fez tropeçado,

É a maior das pretensões.

 

 

Único

 

É o esquecimento

Único pendor,

Momento a momento,

A vencer o amor.

 

 

Caminha

 

O amor, como a natureza,

Caminha o caminho lento

Com vários graus na beleza

De seu desenvolvimento.

 

 

Cria

 

É o amor que cria e faz,

(Muito além do que não preza

E que larga para trás)

De quanto houver, a beleza.

 

 

Correr

 

O mundo correr inteiro

Podes, que isto é que é verdade:

Não há o amor verdadeiro

Sem qualquer sensualidade.

 

 

Acaso

 

O amor é uma ocupação

Ou, se ao acaso o recolho,

Acaso uma distracção,

Ou, ao invés, um escolho.

 

 

Reparemos

 

Nunca aqueles esquecemos

Que amamos sem condições.

O coração, reparemos,

Não conhece distracções.

 

 

Difícil

 

É tão difícil viver

Com quenquer a quem amamos

Como então amar quenquer

Com que ocorrer que vivamos.

 

 

Nunca

 

Sempre o amor terá por lema

Nunca a outro ser igual,

O amor é como um poema

Estritamente pessoal.

 

 

Negrura

 

O amor nos contrabalança

Da negrura que há na sorte:

Da vida na contradança

É a compensação da morte.

 

 

Asas

 

O amor é cego e com asas:

Cego de os muros não ver

Ao esbarrar pelas casas;

Com asas para os vencer.

 

 

Travo

 

A liberdade e o amor

Têm incompatível travo:

Livre é quem não tem senhor;

Quem amar é sempre escravo.

 

 

Comparte

 

O amor é por toda a parte

Da natureza, dispensa

Emoção que se comparte

Tanto quanto recompensa.

 

 

Afecto

 

O amor função fisiológica

Sempre o espírito o reveste

Dum afecto cuja lógica

Decorativa é um: “Investe!”

 

 

Amado

 

Amar é ter o prazer

Na perfeição e no bem,

Na felicidade a haver

Pelo ser amado além.

 

 

 

O mundo inteiro se esvai

Aos olhos da enamorada,

Só um homem por ele vai,

Os mais são sombras na estrada.

 

 

Partida

 

É o amor uma partida

Que a natura nos pregou

A assegurar, desmedida,

A espécie que aqui plantou.

 

 

Portanto

 

O amor é revolução,

Portanto sempre destrói.

Atém-se à amizade, então,

Sempre a amizade constrói.

 

 

Loucos

 

O amor é a sabedoria

Dos loucos, abrindo os lábios.

E é loucura onde se avia

Sempre o coração dos sábios.

 

 

Chuva

 

É o amor uma vivência

Em que tudo é renovado

No plantio refrescado,

Chuva da seca à premência.

 

 

Alternam

 

Alternam no amor

(Acordam, hibernam

As feras que infernam)

Alegria e dor.

 

 

Cadáver

 

Sem o amor é o homem,

Conte embora lérias

Que na vida o tomem,

Cadáver de férias.

 

 

Mero

 

O amor que é mero episódio

Na vida do homem que houver,

História inteira é no bródio

Da vida duma mulher.

 

 

Soldado

 

O amante é um soldado.

O amor, deus ciumento,

Tem por todo o lado

Sempre acampamento.

 

 

Ver

 

Aquilo que o homem vê

Devém no amor invisível

E o invisível que lê

Faz ver o amor mais incrível.

 

 

Conceder

 

Dificilmente o Senhor

Deus que tudo potencia

Há-de conceder amor

Junto com sabedoria.

 

 

Significado

 

O amor apenas encontra

O significado em vão

No momento em que na montra

Enfrenta a separação.

 

 

Mais

 

O amor não é sentimento,

É mais o que dele parte:

Aquilo é apenas fermento,

De criar é o amor arte.

 

 

Impenetráveis

 

Os corações dos amigos

Impenetráveis às vezes

São bem mais que os de inimigos,

Embora dos mais soezes.

 

 

Sempre

 

Um amor sempre feliz

Mente demais para o ganho,

Enviesa tudo o que diz,

Triste de todo o tamanho.

 

 

Partes

 

Acontece amor se encontras

Partes em ti que se viam

E nunca, delas nas montras,

Tu soubeste que sentiam.

 

 

Insaciável

 

É o amor uma saudade

Insaciável que não passa.

Sem saudade, na verdade,

Não é amor, é uma desgraça.

 

 

Impele

 

É o amor uma fronteira

Entre o que a decência acolhe

E o que a volúpia faceira

Impele em quem a desfolhe.

 

 

Duas

 

O amor são duas paisagens

Que se encontram divergentes

Em meio a duas viagens

Fatalmente diferentes.

 

 

Num

 

O amor é a capacidade

De achar grandes e pequenas

Paixões na integralidade

Dum só corpo, num apenas.

 

 

Equilibrar

 

O amor é cego. Há maneira

De equilibrar a questão:

O amor compensa a cegueira

Com excessiva audição.

 

 

Vinhas

 

O amor, quando olhado à lupa

Nas vinhas que à vida empo,

Não é quem o tempo ocupa,

O amor é que é mesmo o tempo.

 

 

Avassaladora

 

A paixão da adolescência,

Avassaladora, a dar azo

Da dor a tanta excrescência,

É o desacerto do acaso.

 

 

Falas

 

Quando o amor tão fundo abrasa

Que sem fala me projecto,

O encantamento é uma casa

Que tem silêncio por tecto.

 

 

Maduro

 

O amor que ficou maduro

Compromisso é sustentado,

Companheirismo seguro

E de confiança um traslado.

 

 

Ou

 

O amor ou é ou não é.

Um amor que for pequeno,

Tenha embora estátua ao pé,

Não é um amor, é um aceno.

 

 

Deixa-te

 

Quer corra bem, por agora,

Quer mal, a te rasgar fundo,

O amor deixa-te de fora,

Sempre de fora do mundo.

 

 

Arrasta

 

O amor sempre arrasta ao luxo,

Mesmo o elegante idealismo:

Quando para a frente puxo,

Ou é o céu ou é o abismo.

 

 

Inverso

 

O amor, aos que leve o tomem,

Trilho inverso faz correr:

Espiritualiza o homem,

Materializa a mulher.

 

 

Agrada

 

O amor, por mais agradável,

Agrada mais pela forma

Por que se exprime, inefável,

Que por si próprio, por norma.

 

 

Raro

 

Raro embora, o vero amor,

Por mor de tal raridade,

Mais vero é, de mais fulgor

Do que uma vera amizade.

 

 

Escárnio

 

O amor para gargalhar

Dará múltiplos sentidos.

Amor é escárnio comprar

Sempre à custa de gemidos.

 

 

Nunca

 

Se não há como o primeiro

Amor em vida vivido,

Porque nunca é o derradeiro

Dos que à vida dão sentido?

 

 

Paz

 

Um amor não sabe

(Nele isto é que aterra)

Onde a paz nos cabe

Sem fazer a guerra.

 

 

Repentes

 

Um amor tem todo o encanto

Que tiver uma sereia

E os repentes, entretanto,

Da fúria que nela ameia.

 

 

Tragédia

 

Toda a tragédia do amor

É sempre a eterna disputa,

Não da morte contra o horror,

Contra o tempo com que luta.

 

 

Tudo

 

O amor de tudo é princípio,

A razão sempre é de tudo

E o fim de tudo, antecipe-o

Eu ou não em quanto mudo.

 

 

Cava-nos

 

O amor cava-nos tais fossos

Que os não transpõem artelhos.

É o amor o rei dos moços

Como o tirano dos velhos.

 

 

Ancinho

 

O amor ou vem ou não vem

No que da vida recolha.

No ancinho que os dentes tem

O amor nunca deu escolha.

 

 

Mudar

 

Sempre alguns procurarão

Mudar o fatal da sorte.

Só o amor, não a razão,

Forte é bem mais do que a morte.

 

 

Breve

 

É o amor que for eterno

De mui breve duração.

Eterno é o ódio superno

Mas eterno um amor, não.

 

 

Renasce

 

O amor, para ser perfeito,

Morre num raio de sol

E renasce logo ao jeito

De orvalhada ao arrebol.

 

 

Sempre

 

Começo e terminação

Dum amor têm este estigma:

Um ao outro enfrentar-se-ão,

Porém sempre como enigma.

 

 

Fora

 

Naquilo que mais amamos

Fora de nós, sobretudo,

Quando o bem examinamos,

Amamo-nos nós em tudo.

 

 

Ajudar

 

O amor, como a medicina,

Apenas arte é o que preza:

Em tudo a que ele se inclina

É a ajudar a natureza.

 

 

Versos

 

É o amor um grande poema

De versos sempre em aumento.

Do primeiro canto o lema

É um eterno casamento.

 

 

Inteiro

 

O amor é mais que um cabide,

Mais do que um osso, é o tutano:

Sempre é o amor que decide

Todo inteiro o ser humano.

 

 

Renovos

 

Por mais e melhor que queira

Renovos não há nenhuns:

O amor, como a vida inteira,

É de lugares-comuns.

 

 

Pilares

 

Tanto a fome como o amor

São os pilares do mundo.

Da humanidade o vigor

Gira sobre ambos, fecundo.

 

 

Tiranos

 

Não é fácil contrapor

Nada ao que andamos fadados:

Sempre os tiranos do amor

Foram reverenciados.

 

 

Fada

 

O amor, quando não é morte,

É vida quente e segura,

É berço que fada a sorte

E também a sepultura.

 

 

Âmbito

 

O amor, no âmbito social,

De razoável se afigura

E não tem mais, afinal,

Que a sua própria loucura.

 

 

Ilusão

 

É o amor esta ilusão

De que a mulher que presente

Resguardo no coração

É das outras diferente.

 

 

Fabrica

 

É o amor uma paixão

Que se paga com moeda

Que ela mesma com tenção

Fabrica num tiro e queda.

 

 

Apenas

 

É o amor apenas uma

Entre múltiplas paixões,

A única que as resuma:
Em todas tira-lo ou pões.

 

 

Sensíveis

 

As coordenadas que abraço

Abraço com compaixão:

O amor é o tempo e o espaço

Sensíveis ao coração.

 

 

Luar

 

O sol põe-se em nossa rua,

O luar mago o substitui.

O amor é tal qual a lua,

Quando cresce, diminui.

 

 

Medo

 

As alegrias do amor

São sempre proporcionais

Ao medo grande, ao terror

Da perda dum nunca mais.

 

 

Sacia

 

É o amor um horizonte

Que no deserto embebede,

Mas não sacia tal fonte,

É uma fonte que tem sede.

 

 

Escuro

 

Qualquer amor, sob a pele,

Tem um escuro qualquer:

Um amor encerra nele

Um abismo além-prazer.

 

 

Momento

 

É tão estranho o esplendor

Magicamente velado

Que um só momento de amor

Reabre o éden fechado.

 

 

Deixar

 

À mulher, não ser amada

É sempre uma desventura.

Deixar de sê-lo, ignorada,

Uma afronta se afigura.

 

 

Bebé

 

O amor é como um bebé,

Um bebé recém-nascido:

Se não chora, como é que é?

Vivo está? Terá morrido?

 

 

Fogo

 

Fogo e chamas por um ano,

O amor, mais cinzas por trinta.

Bem sabia dele o engano,

Bem sabia, embora minta!

 

 

Distintivo

 

Num amor, autoridade

Distintivo é de pequenos:

Por direito, na verdade,

É daquele que ama menos.

 

 

Intróito

 

Deus sempre é o intróito

De tudo o que for:
Deus inventa o coito,

O homem faz o amor.

 

 

Olho

 

Não há termo de permeio

Quando olho bem à janela:

Não existe um amor feio

Nem prisão que seja bela.

 

 

Fogo

 

O fogo ejecta calor,

Quer queime quer nos dê gozo.

Qualquer verdadeiro amor

Há-de ser sempre impiedoso.

 

 

Requer

 

O amor não requer razão,

Não implica, pois, sentença.

Mas, como a quem falta o pão,

O amor é de quem o pensa.

 

 

Arrufos

 

Tudo em suspenso uns instantes

E logo explode o calor:

Os arrufos dos amantes

São renovação do amor.

 

 

Momento

 

O momento da mulher:

Seguro de seu amor,

Inda não o estou sequer

De nenhum, nenhum favor.

 

 

Sentir

 

Amar e odiar não são

Mais que sentir a valer,

Com querer e com paixão,

Todo inteiro o ser dum ser.

 

 

Digna

 

A mulher digna de nós

É a das nossas propensões,

Quer na cripta viva a sós,

Quer vendida aos vendilhões.

 

 

Sinto

 

O que me diz a verdade

Não é nunca a mente, não.

É o que sinto que persuade,

Quem persuade é o coração.

 

 

Tímida

 

Mulher tímida, hesitante,

É de repente guerreira

Se dos que amar, adiante,

Alguma ameaça se abeira.

 

 

Decide

 

Quem decide do futuro,

Por fora da tropeada

De homem-máquina que apuro,

É a mulher do fundo amada.

 

 

Substância

 

O amor é bem mais fermento

Do que ele próprio supõe:

Todo ele enamoramento,

Sem massa, a toda se impõe.