DÉCIMO  TERCEIRO  TROVÁRIO

 

 

JÁ  NOS  TROVÁRIOS  ME  ENCONTRO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 1285 e 1394 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

1285 – Já nos trovários me encontro

 

Já nos trovários me encontro

Em todas as dimensões,

A tentar o reencontro

Para além do desencontro

Que encontro nos meus baldões.

 

Serão trovários de amor,

Das horas sabedoria,

Das profundezas o ardor,

A luz que houver na utopia.

 

E assim, por todos os lados

Junto no suor do canto

Os meus dispersos bocados,

 

Rumo lento a uma inteireza

Por que em mim tudo, enfim, reza.

 

 

1286 – Adquires

 

Os mais ricos materiais

Adquires de construção,

Mármores só pelo chão,

De oiro brilhos nos beirais,

 

Quando pá e picareta

Afinal te bastariam:

Sete palmos cavariam

Da terra que mais te afecta.

 

Casa de quinhentos pés

Edificas sumptuosa

Esquecido de quem és,

 

Esquecendo a tenebrosa

Que ao fim te acolhe de viés:

O caixão que é tua glosa.

 

 

1287 – Inimigo

 

Um amigo traiçoeiro

Inimigo é mais danoso.

A religião, primeiro,

E a virtude após, cimeiro

Dano sofrem tenebroso

 

Mais de hipócritas que o mal

Que libertinos, infiéis,

Lhes causarão, radical,

Do atropelo nos papéis.

 

Quando aqueles dois esteios

São de fraude envenenados,

São da pior maldição meios:

 

Cruéis crimes praticados

Vão ser deles abençoados.

 

 

1288 – Intrinsecamente

 

Não basta que as intenções

Intrinsecamente boas

Sejam, tal como as acções.

É preciso que aos balcões

Pareçam, a gerar loas.

 

Quando for deveras belo

Todo o teu interior,

Pelo teu exterior

Trata então de parecê-lo.

 

É que doutro modo a inveja

Irá logo enegrecê-lo,

Ou maldade outra que seja,

 

E então nem anjos vão ver

O belo que em ti houver.

 

 

1289 – Desdenha

 

Nenhum general prudente

Desdenha dele o inimigo,

Mesmo se inferior o sente,

E o médico inteligente

Não menospreza o perigo

 

Da maleita que tratar,

Por mais que seja ligeira.

É o que deves invocar

Ante a vida à tua beira.

 

Maior há-de ser a glória

Aos que rasgam tais sentidos

Quando logram a vitória,

 

E menos pesam sofridos

Desaires, quando vencidos.

 

 

1290 – Apressa

 

Um homem esclarecido

Não se apressa a condenar

Um vício que é conhecido,

A imperfeição, o bandido

Obrigam-no a censurar,

 

Nunca, porém, se enfuria

Contra aquele que é culpado:

Suspeita que há luz do dia

A espreitar em qualquer lado.

 

É sempre a infantilidade,

A falta de educação,

Bem como a perversidade

 

Que naquela ocasião

A pedra atiram do chão.

 

 

1291 – Milagre

 

O milagre da vida só entendemos quando

Deixamos que aconteça o inatendido aqui.

O sol todos os dias um momento brando

Oferta de mudar tudo o que for magoando,

O calcanhar das horas que a sofrer me vi.

 

Procuramos fingir todos os dias, todos,

Que nunca percebemos tal momento esquivo,

Crer que hoje é igual a ontem, que amanhã, se vivo,

Nada transformará de meu roteiro os modos.

 

Mas quem presta atenção ao próprio dia acolhe

Aquele instante mágico a aflorar discreto

Por entre os mil e um nadas que no ecrã desfolhe.

 

A força das estrelas, a irromper do tecto,

Permite-nos milagres pela mão do afecto.

 

 

1292 – Brecha

 

Um amor, de água represa,

Se uma brecha ele encontrar

Onde entre com inteireza,

Aos poucos vai, com certeza,

As paredes rebentar.

 

Então chegará o momento

Em que controlar ninguém

Vai lograr tal movimento

Que na correnteza advém.

 

Se desmoronam paredes,

O amor toma tudo ao colo,

Pouco importa já o que vedes.

 

- No aluvião do amor me enrolo,

Amar é perder controlo.

 

 

1293 – Droga

 

Amar é como a droga, no princípio vem

O êxtase de euforia, de total entrega,

E no dia seguinte só te mais convém

Deste balsâmico ar. O vício não é bem,

Que tudo sob controlo crês na hora cega.

 

Durante dois minutos sorves o ar do céu,

Esqueces por três horas, mas a pouco e pouco

Ao amor te habituas e do que ele deu

Dependes por inteiro e então ficas louco:

 

Pensas nele três horas; livre dois minutos,

Tal e qual um viciado eis-te em febril tremor,

Pois quem amas, distante, ausente, põe-te em lutos.

 

Como o adicto se humilha por lograr favor,

Irás dispor-te a tudo para ter o amor.

 

 

1294 – Importa

 

Que importa cem mil vezes eu amar na vida,

Se sempre irei findar em conjuntura ignota?

O amor pode levar à plenitude haurida

Como a qualquer inferno sem qualquer guarida,

Porém de algum lugar requer que eu tome nota.

 

Aceitá-lo é preciso, que alimento nobre

Será perene o amor para a vivência nossa.

Se acaso o recusarmos é de fome, pobre,

Que morre cada qual, sem que então nunca possa,

 

Nos ramos carregados da fruteira viva,

Coragem alcançar para estender a mão

E os frutos recolher que a frança mostre esquiva.

 

Quando em busca do amor partirmos, logo então

Ao nosso encontro o amor nos vem erguer do chão.

 

 

1295 – Trilhos

 

Sempre que um homem seguir

Com plena sinceridade

Trilhos da fé por onde ir,

É capaz de a Deus se unir:

De milagres tudo invade.

 

Sou católico, judeu,

Sou maometano, budista:

Tudo aponta o mesmo céu,

Deus é o mesmo em qualquer lista.

 

Embora tenha mil nomes,

Conforme o tempo e o lugar,

Igual pão nos mata as fomes.

 

Escolhe, pois, tu, a par,

O teu nome de O chamar.

 

 

1296 – Mudar

 

Posso mudar a cidade,

Não o poço do lugar.

Mata a sede que o invade

O amante, quando lhe agrade,

Ergue ao lado a porta ao lar,

 

Em redor do poço cria

Os filhos que então tiver.

Se um dos cônjuges desvia,

Porém, num rumo qualquer,

 

Não pode o poço segui-lo,

Nesta terra enraizado,

Contra os vendavais, tranquilo.

 

O amor fica abandonado

Guardando águas do passado.

 

 

1297 – Ensinaram-nos

 

Ensinaram-nos cuidados

Mais os mil e um impossíveis:

Paixões de infância recados

São meramente risíveis;

 

Não desvies consagrados

De seus mistérios incríveis;

Milagres, não, são passados;

Ninguém viagens temíveis

 

Empreende sem saber,

Afinal, aonde vai…

- Quebra as regras, tu, quenquer,

 

E o conceito que te esvai:

Que mania de explicar

E ser o que outro aprovar!

 

 

1298 – Religião

 

A religião é idolatria

Quando o que faz é só tentar

Ter Deus por conta, por magia,

Tê-lo ao serviço, preso à guia

Dos rituais que ela rezar.

 

Nem que por tal venha imolar

Em honra dele o que melhor

O povo tenha em seu redor:

Os filhos sãos de carne e luar.

 

Apenas, pois, superstição

Para suster a fera à trela

É o que tem tal religião.

 

Repare embora numa estrela,

À mão só tem de sebo a vela.

 

 

1299 – Menos

 

As religiões não são um bem,

Bem menos, pois, de Deus invento.

Antes são mal que o homem tem

Sempre inventado, que refém

Do medo vive, do tormento

 

De quanto ignora e não domina

Na natureza, mundo em volta.

O medo cria um deus à solta

E a religião que o elimina.

 

Muito outro mal vem disto ao mundo:

Ódios e guerras, fanatismos…

Chacina os povos, infecundo,

 

Pelo motor dos cataclismos:

- Não seguem dele os dogmatismos.

 

 

1300 – Inimigo

 

Da criatividade

É o inimigo o medo.

Se o medo nos invade

Trancamo-nos na idade

Da criança sem credo

 

Que não vai desenhar

Com medo de que todos

A rir vão acabar

Dela de quaisquer modos.

Criar é correr riscos,

Como a criança brinca:

Cai, ergue e tira os ciscos…

 

A vida apenas trinca

A aposta que se finca.

 

 

1301 – Dão

 

É uma destas criaturas

Que em troca só da soldada,

Aos outros dão, sem usuras,

O melhor que lhes apuras,

O melhor de si, mais nada.

 

Que se apegarão aos filhos,

Aos filhos, sim, mas alheios,

Que choram sobre os sarilhos,

Sobre as tragédias sem freios.

 

Que, por cima, se dedicam

E, quando as mandam embora,

Que sem serventia ficam,

 

Ficam ali, com demora,

Na escada a chorar lá fora.

 

 

1302 – Mesmas

 

Sempre ideias repetidas,

As mesmas palavras, usos.

Ao lado erguemos das vidas

Outras vidas que, erigidas,

Nos dominam, mal contusos.

 

Iremos até à cova

Com palavras, com palavras.

Submetem quem se renova,

Subjugam todas as lavras.

 

Pesam toneladas, pesam,

Na espessura de montanhas,

Contêm-nos e nos lesam.

 

Sonho e dor em pedra os ganhas,

Vida a sério nunca a apanhas.

 

 

1303 – Falamos

 

Todos falamos do céu,

Mas quantos passam no mundo

Sem ter levantado o véu,

Sem ter visto, entre o escarcéu,

O real no que é no fundo?

 

O nome nos bastaria

Para lidarmos com ele.

Ninguém repara no que ia

Do termo por trás da pele.

 

Afundamo-nos em restos,

Em cenários, convenções,

Palavras, de cinza aprestos.

 

A mente são convenções

- E o infindo eram guiões.

 

 

1304 – Mundo

 

Nosso mundo não é real,

Todos vivemos num mundo

Como o compreendo, afinal,

Como o explico no sinal,

Não temos outro mais fundo.

 

Somos peixes num aquário

A espreitar o distorcido

Mundo de além do sumário

Vidro que o filtra indevido.

 

Sentimos que ao nosso lado

Há uma vida outra qualquer

Sempre à margem de meu fado.

 

E vamos à cova ter

Sem por ela dar sequer.

 

 

1305 – Nunca

 

Não é nunca individual

Nossa sensibilidade,

Antes sempre é universal,

Desde aqui ao sideral

Espaço da infinidade.

 

Basta ferir com um toque

O nervo que daqui vai

À Via Láctea que evoque,

Para transmudar num ai

 

Noções de tempo e de espaço,

Como do que trepa ou cai.

Se de cor um pingo baço

 

Pinga em água que o reparte

Igual fica em toda a parte.

 

 

1306 – Passado

 

Nosso sonho é não morrer.

Mesmo se nos esquecemos,

Passado a vida há-de ter.

E passado quando houver,

Então nos agarraremos

 

Com mais saudades à vida.

A nossa resignação

Horas custa, mui dorida,

Fico de rastos no chão,

 

De vez alheado e suspenso.

Esta morte inevitável

Como a não domo, então penso:

 

Crio outra forma de vida…

- É verdadeira ou mentida?

 

 

1307 – Armas

 

Que outra coisa armas na vida

Senão esperar a morte?

Preocupação desmedida,

Debalde a arredo em seguida,

Que a vida tem esta sorte:

 

É uma constante absorção

Na morte, sempre fatal.

Para que nasci então,

Para ver um bom sinal

 

E jamais vê-lo depois?

Para adivinhar um sonho

E não ter mais arrebóis?

 

Sinto um mistério medonho,

Não desvendo o que ali ponho.

 

 

1308 – Erro

 

É um erro supor que o homem

Ocupa um lugar marcado

No Cosmos onde se somem

Astros mil que se consomem:

O homem mora em todo o lado,

 

Vai ao interior da Terra,

Trepa ao âmago do Céu,

Alma que a tudo se aferra,

Poço sem fundo nem véu,

 

Obscuridade confusa,

Às vezes hábito e lei,

Outras, abjecção que abusa.

 

 

Desço o poço que me sei,

Meus mil contrastes serei.

 

 

1309 – Extraio

 

Extraio da vida o espanto:

Ela, cada vez maior,

Cresce de encanto em encanto.

Na solidão, entretanto,

Desaba inteira em fulgor.

 

Damos o valor a coisas

E a coisas o retiramos.

À beira, se atento poisas,

Vês o tropel de mil ramos

 

Das florestas da magia

Caótico e deslumbrado,

Tombam milénios, se alia

 

Das estrelas o tornado…

- E é um assombro em todo o lado!

 

 

1310 – Resumo

 

Resumo a vida em três linhas,

Bastam-me dois ou três factos.

Se era só tal, adivinhas,

Não suavas estopinhas,

Já não compensa teus actos.

 

Vale a vida mais por sonho

Do que pela realidade.

Se à superfície me ponho

É uma frustrada deidade.

 

Maior é o que suspeitamos

Que aquilo que conhecemos,

Faz tonturas quando o olhamos.

 

As cinco letras da morte

De mistério têm recorte.

 

 

1311 – Ouvido

 

Ponho meu ouvido à escuta,

À escuta de encontro ao mundo.

Ouço-me dentro em disputa,

A surpreender na luta

O fundamento mais fundo,

 

O que é que, afinal, me ordena:

Duas ou três meras normas

De instinto a que me condena,

De humano a que talho as formas,

 

 

E além disto a vaga imensa

Que não existe, mas clamas

Que ela tudo o mais dispensa.

 

- Quem és tu, feito de flamas,

Quem és tu, como te chamas?

 

 

1312 – Fale

 

Fale a lógica, a razão,

Fale o instinto, a consciência,

Religioso é sempre o chão

Que meus passos trilharão

Ante o fulgor da esplendência.

 

Mal poderei avançar

Pelo mundo sem tremer:

Mundo é Deus a permear,

Permear tudo e quenquer.

 

Tudo me é causa de espanto

E pelo espanto pressinto

Que, mais além, mais me encanto.

 

Nas pontas dos pés me pinto,

Que um sonho imenso me sinto.

 

 

1313 – Trás

 

Por trás de mim há uma aurora

Sôfrega cada vez mais,

Que me apavora, apavora,

Frenética, sem demora,

- Que me exige dor demais.

 

A harmonia não existe,

Existe apenas a dor,

Nem a beleza subsiste,

Dor nela é o que é de supor.

 

Deus não existe, portanto,

A dor é que exerce o império,

A vida é instante de pranto.

 

- Mas sou o instante sidéreo

E ponho o pé no mistério.

 

 

1314 – Multidão

 

A multidão nos impele,

Somos frente, na aparência,

Dos mortos, a viva pele

Que, onda a onda, assim revele

Como empurram com violência.

 

São esforço doloroso,

Atrás das mãos, outras mãos,

Os olhos, de olhar o gozo

Para a luz abrindo chãos.

 

Fora o silêncio o pior,

Que esquecê-los é que é morte,

Então o esforço é maior.

 

Da cadeia infinda e forte

Do elo final sou transporte.

 

 

1315 – Esfrega

 

Dia a dia lhe deformam

As mãos e os olhos lhe aguam

À mulher da esfrega. E tornam

Os panos da esfrega, enformam

Os braços que nela suam.

 

Com esta molhada de ossos

E no corpo alguns farrapos,

Há um fio, dentre os destroços,

De oiro a luzir entre os trapos.

 

Teima em se mostrar à tona,

No lava-loiça a fulgir,

E a triste velhice abona.

 

Teima até mesmo ao caixão:

Reluz sempre lá um clarão.

 

 

1316 – Chamas

 

O que chamas de piedade,

O que de bem apelidas,

Quem o recebe, em verdade,

Vê quanto lhe desagrade,

Morde-te as mãos combalidas.

 

Tu colas-te ao bem que fazes,

Rebaixas o que recebe.

Tudo o que trazes não trazes,

Que por trás o mal o embebe.

 

Quem dá pela perfeição,

A virtude por supor,

Rouba, afinal, não dá, não.

 

Desgasta, à falta de amor,

O que no outro há de melhor.

 

 

1317 – Impulso

 

À superfície vivemos

Do oceano embravecido

Deste Universo que temos.

O impulso que nós sofremos

Vem das camadas de olvido

 

Mais informes e profundas:

Todos os antepassados,

Formas de vida fecundas,

Seres até só esboçados,

 

As figuras mutiladas,

Árvores só de aparência:

É a terra viva às camadas.

 

É o Cosmos, por este lado,

Completo sonho acabado.

 

 

1318 – Veio

 

Algum veio nos conduz

E nos leva até à morte.

Rodeia-nos como a luz,

Impele-nos e produz

O derradeiro transporte.

 

Não a vemos, à danada,

Mas ao lado de nós anda,

Só ela nos talha e fada,

Estou-lhe nas mãos, comanda.

 

Desespera e extasia,

Aturde-nos e escarnece.

Não existe, que a veria,

 

Mas se, ao fim, tudo me esquece,

Só ela existe, parece.

 

 

1319 – Andam

 

Aqui não andam só os vivos,

Os mortos andam na estrada.

Os que se agitam, esquivos,

Numa existência de arquivos

São a terra povoada.

 

Os mortos, porém, se impõem

Tal como se vivos foram,

Tudo ligam e interpõem

E eternos cá se demoram.

 

Sob a casa uma outra casa,

Sob um grito um outro grito,

Cada pedra, uma outra apraza.

 

Repito os mortos, aflito,

E os dias todos os fito.

 

 

1320 – Entre

 

Estou entre tuas mãos,

Todavia não me importas.

Importam teus corrimãos,

Sou mesmo tuas demãos,

És meu tecto e minhas portas.

 

Porque tu, que não existes,

És minha carne e meu osso,

Não me livro de que enquistes

Em tudo o que sou e posso.

 

Não existes e dominas,

Não existes e torturas

E para ti tudo inclinas…

 

Surdas são tuas figuras,

Mudo, és tu que me inauguras.

 

 

1321 – Mãos

 

Estou em mãos que não vejo,

Crias-me, mas não existes.

Sei que estás aí, sem pejo,

Vivo no secreto brejo,

E que sou teu sempre insistes.

 

Tanto faz esfacelar-me

Contra este muro compacto

Como quisto conservar-me

Muito indiferente ao facto.

 

Aí, vivo como a vida,

Estás tu. Não me conheces

Nem te conheço na lida.

 

Não tens nome que confesses,

Mas vou-te nas mãos refeces.

 

 

1322 – Oceano

 

O grande oceano, a torrente,

Este mar de mãos fluídas

Que aqui me envolve, fremente,

Inesgotável, silente,

Que medo em noites sumidas!

 

Este deus faz o que quer,

Não o que eu quero que faça,

Não é imagem que eu lhe der

Nem semelhanças me traça.

 

Não me ouve, não, nem me atende,

Não o posso desviar

Da marcha, a preces que entende.

 

E a justiça que empregar

Sei lá bem, é singular.

 

 

1323 – Árvores

 

Nós somos árvores todos,

Há que tempos que deitamos

Por dentro flor de mil modos.

Tivemos sempre os engodos

De árvores que bracejamos

 

Para o interior do tronco

Rameiras e mais rameiras,

Das ventanias ao ronco,

Fora com cascas ligeiras.

 

Foi por dentro que crescemos,

Que só dentro há que crescer

Até que à morte cheguemos.

 

Mesmo as mais frustes que houver

Enramam dentro em quenquer.

 

 

1324 – Acuso

 

De me haver comprometido

Te acuso com o Universo,

De me sentir compelido

A não ser infame arguido,

Ao remorso mal converso.

 

E de me impedir o instinto,

Criado tendo a consciência

A ver se minto ou não minto

À procura de evidência.

 

E te acuso de sozinho,

Com este peso, ao capricho,

Me largares no caminho.

 

Te acuso de ali no lixo

Me não deixares ser bicho.

 

 

1325 – igual

 

Da profundeza, igual ânsia,

Da funda dor, igual grito…

Que fundura na constância

De alicerces de pregnância

A pregar-me ao infinito!

 

Não és nada no real,

Sombra de fumo anda viva

Que em nós avança, fatal,

Nada entrava e nos cativa.

 

Tenho de te caminhar

Por força, em cego destino,

Que não entendo, ao calhar.

 

Se não és, sina madrasta,

Que é que magoa e me arrasta?

 

 

1326 – Força

 

A força cega me impele,

Queira ou não queira, levado

Para um fim que me compele

Sou que a mim me eriça a pele,

Que a não entendo, açulado.

 

Caí-lhe nas mãos, caí,

Na energia que me envolve,

Cujo nome nunca li,

Que a falar se não resolve.

 

Há instantes em que me toca,

Debato-me, ouço-lhe os passos,

Se grito, como sufoca!

 

Da vida e da morte os traços

São da força infinda abraços.

 

 

1327 – Responsáveis

 

Responsáveis do porvir

Somos nós, a humanidade,

Sempre em frente tudo a ir,

Não um messias por vir,

Não um Deus que nos invade.

 

Sem nossa contribuição

Nenhum deus põe nada em curso,

Que quem fez a criação

Fê-la em nós tendo percurso.

 

O porvir a nós pertence,

Com toda apropriedade,

Não a Deus, que não convence.

 

A Deus também, mas no jeito

De o talhar eu a preceito.

 

 

1328 – Escravos

 

Os escravos compreenderam

Que em potências mundiais

Não há coração, sorveram

Os lucros que bem quiseram,

Indemnes a gritos e ais.

 

Passaram a agir políticos

Cada vez mais violentos

Para tentarem, graníticos,

Quebrar de orgulho os intentos,

 

À espera que o opressor

Algum dia abrira os olhos.

Sonham-no a se contrapor

 

Da liberdade aos abrolhos,

Mas quem tira ao povo escolhos?

 

 

1329 – Avestruz

 

Há muita avestruz que enterra

A cabeça pela areia

E foge de quanto a aterra,

De novo aos templos se aferra

De que há muito e bem se alheia.

 

Retorna aos idos da infância,

Religião emocional

Sem história, desviância

Intimista germinal.

 

Crença descomprometida

Só na aparência consola,

Faz que tudo nos elida.

 

Desumana sempre imola

Quem se lhe droga na esmola.

 

 

1330 – Sádicos

 

Hábeis e sádicos há

Que se aproveitam das crises

Que sempre, sempre haverá

Para o negócio que dá

Do sangue dos infelizes,

 

Mesmo que sob o disfarce

Sacrílego de invocar

Deus, nem que o nome se esgarce

De vez no maldito altar.

 

Têm logo conseguido

Fortunas acumular,

Impunes, de peito erguido.

 

 

Vento em popa, novas seitas

Singram no mar das maleitas.

 

 

1331 – Ciclópica

 

Na ciclópica mudança

Que o mundo sofre hoje em dia,

Muitos há que não alcança

A aposta ali da esperança

Que nos fraternizaria,

 

E em vez de teimosamente

Conformes agir com ela,

Deixam-se, penosamente,

Ir do desespero à trela.

 

Convertem-se em assustados

E perigosos profetas

Da desgraça destes fados.

 

Estéreis, deles as setas

Acabam de vez sem metas.

 

 

1332 – Sinais

 

Se já soubéramos ler

Dos tempos os sinais graves!

Dos saberes é o saber,

A sabedoria a ter

Que ao porvir oferta chaves.

 

Já veríamos que a História

Anda animada por dentro,

Desde tempos sem memória,

Daquele sopro onde eu entro,

 

Salvador, libertador

E de raiz solidária

Que nada em causa há-de pôr,

 

Do poder nem teia vária

Nem a morte perdulária.

 

 

1333 – Resistir

 

Resistir à tentação

Da riqueza acumulada

Do mundo Norte, patrão

Do mais mundo em servidão

Com a vida estrangulada…

 

Dinheiro escravizador,

Em deus sempre disfarçado,

Um diabo enganador

Que trai quanto houver jurado,

 

 

Promete felicidade

E mais produz infelizes,

Diz vida e é insanidade.

 

De bem-estar tem matizes:

- São da desgraça as matrizes!

 

 

1334 – Impôs

 

Este é o tempo em que o dinheiro

Se impôs mesmo à maior parte

Como absoluto e primeiro,

Ele é mesmo o deus cimeiro

A que presta culto aparte

 

Toda a gente, mesmo igrejas,

Em particular as seitas

Que se morderão de invejas,

Afrontadas de despeitas,

 

Se outra ao lado sacar mais.

Não vêem que é um deus-diabo

Que satisfeito jamais

 

Das vidas, no menoscabo,

Ficará de que der cabo.

 

 

1335 – Informação

 

Informação há que baste,

Nosso défice é da prática

Que o dia-a-dia desbaste

No rumo que nele engaste

A concepção emblemática.

 

Sabemos bem o caminho,

Falta, porém, percorrê-lo,

Desafio comezinho:

- Sei o que devo, é fazê-lo!

 

Fazer a humanização,

Sermos homens a valer,

Erguidos de vez do chão.

 

- Do selvagem que é quenquer

Talhar o homem e a mulher.

 

 

1336 – Trilhos

 

Como os mais trilhos históricos,

A nossa humanização,

Após uns trovões eufóricos,

Tem recuos meteóricos,

Desânimo, estagnação

 

E obstruções de todo o tipo

Que não saberemos nunca

Se é do que não antecipo,

Se de quanto o chão nos junca.

 

Estão, porém, sempre aí,

A gritar que o animal

De que em segredo fugi

 

Às boas nunca, afinal,

Cede ao homem o bornal.

 

 

1337 – Distraída

 

Distraída, inconsciente

De nós vive a maior parte

Da criação permanente

Que somos humanamente,

Inacabados destarte.

 

Somos de vez imperfeitos,

Em perene desafio,

De inadequados trejeitos

No mais turbulento rio.

 

Daí recuos e atrasos,

De todos nós para mal,

Nunca cumprimos os prazos,

 

Que esquivo é nosso sinal

No equilíbrio sideral!

 

 

1338 – Pobres

 

Os pobres do mundo, agora

Perderam as ilusões

Com que os ricos, vida fora,

Oprimidos com demora

Os prenderam nos porões.

 

Nem nas igrejas cristãs

De moldes tradicionais

Acreditam que amanhãs

Possam amanhecer mais.

 

Das novas igrejas-seitas

Alguns se deixam levar

Sem do pego ter suspeitas…

 

- Mas, não há-de demorar,

Até disto hão-de acordar.

 

 

1339 – Ricos

 

Ricos não salvam ninguém,

Bem como a ninguém libertam.

À rédea solta, porém,

Empobrecem logo além

Povos, gentes que despertam.

 

Não têm misericórdia

Nem sentimentos humanos.

São os monstros da discórdia

Cujo projecto de enganos

 

É de explorar, sempre igual,

Indivíduos sem defesa,

Via deles natural:

 

- É matar que o rico preza,

A nós como à natureza.

 

 

1340 – Gente

 

Que é que nos deve afligir?

É ter gente de primeira,

De segunda sem porvir,

De quarta a se escapulir

Atrás da que é de terceira.

 

É de haver mundos que tais.

E condicionar projectos,

Escolhas, vias reais

A acabar com tais trajectos.

 

Porque tudo o que eu fizer,

Se não contribuir a sério

A um mundo outro que vier,

 

Cúmplice é do deus-minério:

- Crime sou de seu império.

 

 

1341 – Idolatria

 

Por trás da desigualdade

Sempre anda um ídolo-deus,

Idolatria que invade,

Anti-deus que a iniquidade

Crê que é verdade dos céus.

 

Anti-deus que é semelhante

Ao mítico deus-serpente

No Éden a levar por diante

Publicidade que mente.

 

Faz de nós gato-sapato,

Deixando-nos nus, de rastos,

Com  mil coisas a recato,

 

Sem, à mesa, irmãos, por bastos

Que sejam nossos repastos.

 

 

1342 – Doença

 

É doença a religião

Do foro psíquico acaso,

Diabólica possessão

Que o primitivo cristão

A nu punha, caso a caso.

 

Fanatismos religiosos

Levam a comportamentos

Desumanos tão gravosos

Que do demo são fermentos.

 

Autocrucificações

Assassinatos, razias…

Obedecem a sermões

 

Com tão demenciais manias

Que reis do mundo os crerias!

 

 

1343 – Rojar-se

 

Não é de religião

Que a humanidade precisa,

Mesmo se, ao rojar-se ao chão

Quando dói até mais não,

Aquela dor suaviza.

 

Do que todos precisamos

Será de misericórdia,

Do perdão que nos não damos,

Da inatingível concórdia,

 

De fraternidade em acto,

Companhia solidária,

Da comunhão onde acato,

 

- De amor, a pedra primária

De qualquer vida diária.

 

 

1344 – Sector

 

Sector onde os excuídos,

Do Sul tal como do Norte,

Mais a cara, convencidos,

Dão é nos ritos vividos

Duma religião à sorte.

 

Não como protagonistas,

Como meros figurantes

Sem vez nem voz nas revistas

Onde outros brilham impantes,

 

Minoria espetalhona,

Clero e outros sacerdotes

Que ali vogam sempre à tona

 

E dali tiram os dotes:

Poder e oiro aos pacotes.

 

 

1345 – Criou

 

Os deuses criou o medo,

Criou as religiões.

A miséria humana o credo

Alimentou de bem cedo,

Dele com os aleijões.

 

Quanto mais experiência

De insegurança, incerteza

De amanhã quanto à vivência,

À saúde e ao que se preza,

 

Como quanto ao bem-estar

A que quenquer tem direito,

Mais garantido há-de estar

 

Que os templos  e os santuários

Pejados fiquem de otários.

 

 

1346 – Rua

 

Foi sair para a rua da poesia a festa,

Foi tomar parte ali noutro qualquer combate.

Não se assusta o poeta ao lhe pregar na testa

A vida de rebelde o vão labéu que empesta,

Que insurrecta é a poesia ou então é um dislate.

 

Não se ofende o poeta, subversivo acaso

O apodem no conjunto da rotina diária.

É que a vida ultrapassa a conjuntura, a prazo,

Novo código há sempre para uma alma viária.

 

Salta de todo o lado a sementeira viva,

Exóticas são sempre mil ideias novas,

Aguarda a vida inteira uma mudança esquiva.

 

Com entusiasmo vivo, a saltitar nas covas,

A insurreccional alva que me traga as novas.

 

 

1347 – Germes

 

Por que é que na mediania

Dos homens a maior parte

Se embaraça dia a dia,

Insuportável razia

Dos germes que nela acarte?

 

Porque à personalidade

Preferiram assustados,

Uma impersonalidade

Ante sofrimentos grados

 

Que a Revelação impõe,

Na infantil maga fragrância

Que um mundo outro se propõe.

 

Amar, solto na distância,

Sem reservas, só na infância.

 

 

1348 – Arte

 

Arte não se preocupa

Com o homem, mas com a imagem.

Ora, a imagem mais ocupa,

Muito mais, quando se agrupa,

Que o homem de que é mensagem.

 

Que o homem sendo maior,

Só pode ser engendrada

Num movimento de alvor,

De parir a madrugada.

 

E que a mosca em elefante

Transmude, na alacridade

Do infindo entrevisto adiante.

 

Anda atrasada a verdade,

Vai ser outra a Humanidade.

 

 

1349 – Antigo

 

Ao povo antigo o disciplina a idade, a História,

O fogo velho amodorrado arde profundo,

Nele a emoção jamais explode com a escória

Das erupções dalgum vulcão de algo em memória,

Nem a violência manifesta, já infecundo.

 

Numa morada a abarrotar, o sentimento

De cada um dos habitantes dominado

Terá de ser, como escondido do ódio o vento

E até o amor será segredo bem guardado,

 

Senão a casa por inteiro é destruída.

E doravante eis a parábola a viver:

A inimizade, a inveja, a raiva reprimida,

 

Tudo encerrado nele próprio tem de ser

Ou o atacante e o atacado irão morrer.

 

 

1350 – Olhos

 

Quando os olhos tu fechares

Pela derradeira vez,

Logo, sem tu reparares,

Se abrem rumo a novos ares

Sem que o pressintas talvez.

 

Então teu primeiro instante

Feito é de incredulidade,

Qualquer que seja, perante

Isto, a fé que te persuade.

 

Duvida o mais firme crente;

Na mais nocturna descrença

Mora a espera impenitente.

 

Fé comum é só o suor,

E ante o Além é tudo actor.

 

 

1351 – Obriga

 

Quem se obriga à privação

Para colher elogio

Não merece nunca, não,

O elogio que lhe dão,

É um vaidoso, desconfio,

 

Pior que o pior dos devassos.

O sábio jejua apenas

Rumo a si mesmo a dar passos,

Testemunha a sós das penas.

 

Se te privas, não operes

Por ser conforme a uma norma,

Fuga ao castigo que esperes,

 

Mérito que tudo informa…

- Que isto sordidez conforma.

 

 

1352 – Mago

 

Por um mago devotado

Cem procuram o poder,

São a intriga, o conjurado,

Ditarão por todo o lado

Como vestir, que comer,

 

Como arrotar e tossir,

Como chorar, espirrar,

Com que fórmula ganir

E que mulher esposar…

 

Fazem viver no terror

Todos, grandes e pequenos,

Por impiedade, impudor…

 

- Todos reduzindo a menos,

Seu tamanho inflam, serenos.

 

 

1353 – Tempo

 

Seja lá o tempo o que for,

A versão ajuizada

De que é linear pendor,

Certo e de fatal teor,

Para o porvir caminhada

 

De antanho pelo presente,

É só fracção da verdade,

Vê-o quem o experimente:

Dum dia a velocidade

 

Ora é um mês, ora é um minuto.

Todo o tempo é variável,

É o que corro quando o escuto.

 

Nenhum tempo hoje é fiável,

Que outros tempos cruza, instável.

 

 

1354 – Eficaz

 

Como pode eficaz ser a maior mentira!

Nunca o homem comum a suspeitar se atreve

De que alguém do poder tenha um impulso de ira,

Quantas pulsões horrendas nele próprio vira,

Todo o negror que sente que traí-lo deve.

 

Nem mesmo a diferença de ser muito mais

Eficiente quem qualquer poder detém

Ao realizar negruras, camuflar sinais,

O leva a suspeitar, como afinal convém.

 

É que, além da cegueira, não há quem capaz

Se sinta de jurar pela inocência inteira

Dele próprio em quanto vida fora faz.

 

Pois somos todos nós, queira-se ou não se queira,

Somos todos culpados de qualquer maneira.

 

 

1355 – Fardo

 

De modo simples viver

É tirar o fardo à vida,

Relações empreender,

Desembaraçado crer,

Directo sempre e à medida,

 

No vector de cada dia:

Naquilo que consumimos,

No labor que me anuncia,

Nos laços de que fruímos,

 

Pontes com a Natureza,

No abraço ao Cosmos inteiro

E ao que a Humanidade preza…

 

- Fora, do simples me abeiro,

Dentro, rico me joeiro.

 

 

1356 – Crime

 

O crime de ser homem tem sanções impostas,

Castigos tão horrendos que será loucura

Pretender ver ali as divinais apostas,

Qualquer plano sapiente além de quanto gostas,

Em que a benevolência pela dor se apura.

 

Nós somos engendrados (e quem tal consente?),

Arremessado grito no Universo estranho,

Com a sentença escrita nesta mão que mente,

Impotente à partida para o meu desenho.

 

Ora um cancro devora minhas vãs entranhas,

Um fanático corta-me a servil cabeça,

Ora um louco atropela-me a imitar façanhas…

 

- Não há comutação desta fatal sentença,

Há mero adiamento até que o tempo vença.

 

 

1357 – Primitiva

 

A mais primitiva luta,

Luta pela identidade,

No ser se centra em disputa,

No ser fraco que desfruta,

Na vulnerabilidade.

 

Requer tempo, educação,

Até o Eu compreender:

- Não pode sobreviver

Sem o Tu em comunhão

 

E então o Eu colectivo,

A tribo, a nação, o Estado,

Mais requer do tempo esquivo

 

Até descobrir, sumário,

Como o Tu lhe é necessário.

 

 

1358 – Mora

 

A mais simples relação

Entre Eu e Tu mora além

Da vontade e da razão

E da determinação

Dum homem, dela refém.

 

Discernir não é bastante

Porque a luz dum ilumina

Apenas seu canto adiante;

A doutro, deste outro é sina.

 

Entre os dois fica um vazio

Bem minado e traiçoeiro

Sem qualquer condutor fio.

 

Quem pode ser justiceiro

Dum homem que nunca é inteiro?

 

 

1359 – Plenamente

 

Eu e Tu bem conhecidos

Como plenamente amados

Podiam ser refundidos,

Sempre em acordo mantidos

E jamais divorciados.

 

Jamais, porém, é completo

Nem o saber nem o amor,

Há um egoísmo secreto,

Um mundo a nunca transpor

 

Em que se defenderia

Cada qual até morrer.

O Bem derrubá-lo-ia,

 

Mas é por isso que o Bem

Só se encontrará no Além.

 

 

1360 – Condenado

 

O homem, condenado à morte,

Planta ainda macieiras

Cujo fruto nunca a sorte

Lhe permite que transporte

Nem coma a mesas fagueiras.

 

Ergue cidades gigantes

Onde os outros viverão,

Na Lua pés hesitantes

Marcará, doutrem no chão.

 

E mesmo até o hedonista

É a vida que desafia

Na loiraça que faz vista,

 

Já que amanhã será o dia

Em que, velha, ela o esfria.

 

 

1361 – Viajando

 

Viajando demorados

E por lonjuras perdidas,

Em beduínos tornados,

Nas areias confinados,

Sem embaraços as vidas,

 

Somos sem continuidade,

Sem nada a ser construído,

Porque amanhã tudo invade

A areia, lança-a no olvido.

 

Tempos depois, as lembranças

Que atam ao torrão natal,

De vagas, são só tardanças.

 

E da flauta do zagal,

Mal ouvida, nem sinal.

 

 

1362 – Emigrantes

 

Há muitos emigrantes que humildosos chegam

Como quem escapou de exterminar aos campos,

Acolhem qualquer coisa, que a viver se apegam,

Alegres desempenham as funções que adregam,

Humilhantes embora, que são firmes grampos.

 

Mas é bastante estranho que não baste a um homem

Escapado à tortura ter acaso e à morte

Para viver feliz, que logo mais consomem

(Mal nova segurança vá tocar-lhe em sorte)

 

Os votos da vaidade, da soberba, orgulho

Que anulados julgáramos ter visto nele,

Animais alarmados a aflorar do entulho.

 

Desconsideração que ingratidão revele

Vai ser o que então vai mais lhe marcar a pele.

 

 

1363 – Chispa

 

Quem me dera ser perfume,

Não aquele que te dou,

Mas o que chispa no lume

Que, quando andas, se presume

Que pelo mundo passou!

 

Em ti morar me evolando

Quem me dera, quem me dera

Ser a olorosa atmosfera

Que em teu redor vai voando!

 

Pouca a prenda é que te entrego

Ante a grandeza que inspiras

E a que tão pouco delego.

 

Ai, quando em brisa deliras,

Ser este ar que tu respiras!

 

 

1364 – Pena

 

Para que serve a pena de viver a vida

Para que serve a frágil, vulnerável teia,

Quando a morte, afinal, a todos nós convida,

Na maior solidão toda a ilusão delida

Nos finda indiferente quando o forno ateia?

 

No mundo é o mais terrível o interior dum homem

Que nunca alguém consegue iluminar ao fundo:

Que alegrias ou sonhos ou vil dor consomem

Teu íntimo a meu lado a se aflorar no mundo?

 

Deitado aqui ao lado sei lá bem que pensas,

Nem agora nem nunca minha vida além,

Foram embora as horas que dispendo imensas!

 

E o pior é que a mim me não verei também,

Como nem tu a ti, nem a ninguém, ninguém.

 

 

1365 – Nunca

 

No mundo nunca existiu

Verdade única, na qual

Quenquer jamais se aqueceu,

Mas cada qual discerniu

A sua por sem igual.

 

A cada qual, seu caminho,

Cada qual, sua verdade:

Por um naco de toucinho

Se mata, morre e se invade…

 

Lutarei contra quenquer

Que tire a outrem a vida

No muro-dogma que houver.

 

Ninguém prende (quem duvida?)

Os afectos que há na vida.

 

 

1366 – Ignoras

 

Ignoras o teu tamanho

De simplicidade e amor,

O brilho com arreganho

Dentro em ti, de luz o banho

Que sempre, à hora do alvor,

 

Te convida a te entregares

Sem temor algum à vida.

Até hoje a passeares

Na escuridão suicida,

 

Leviano mundo pequeno

Onde cuidas protegido

Andar! Não ouves o treno

 

Com que a pisar-te procedes

Aos encontrões às paredes.

 

 

1367 – Causa

 

Quem põe em causa a certeza

Do que estiver bem ou mal?

Decerto ninguém o preza,

Moramos na fortaleza

Bem murada a pedra e cal,

 

Seguros, não há janelas,

Portas nem correntes de ar

Para a vida e mais sequelas

Que há lá fora a palpitar.

 

Abomino a luz e o ar

Que circulam livremente

Com gente a agir e a pensar.

 

- E a vida muda, arriscada,

Sempre a borbotar do nada…

 

 

1368 – Centro

 

O centro da vida mora,

Mora na banalidade,

Força dominante agora

- São rituais de hora a hora,

Leis da familiaridade,

 

O agitar dos nascimentos,

Questões de sobrevivência,

A festa dos casamentos,

A mezinha, a conveniência,

 

Todo o alicerce primário,

O problema da comida,

A escolha do vestuário…

 

- Humilde, o centro da vida

Qualquer sumidade olvida.

 

 

1369 – Humano

 

Por muito bem que conheça

Um ser humano qualquer,

Sei lá bem onde começa

Um acto em que ele tropeça,

Que o incita a proceder,

 

Lhe dá um rumo decisivo

Que ninguém esperaria!

Ninguém pode ver ao vivo

Como lento se anuncia,

 

Eis-me aqui sempre de fora,

Por mais íntimo que seja

Não moro nunca onde mora.

 

É o que faz, mal isto adeja,

Que até o moribundo o veja.

 

 

1370 – Vez

 

Alguma vez, por acaso,

Nos esquecemos dos pais,

Por um momento, num prazo?

Presentes são, caso a caso,

Em hesitações demais:

 

Obedeça ou desafie,

As opiniões que temos,

Aquelas em que confie,

Onde é que as arranjaremos?

 

Os pais, embora em confronto,

Decidem o que fazemos.

Embora ao engano pronto,

 

Mesmo se em raiva os repeles,

Ao fim, de facto, crês neles.

 

 

1371 – Palavras

 

Como todos os amantes

Não sabiam que a tentar

Andavam, pelas mutantes

Palavras entusiasmantes,

Prolongar e prolongar,

 

No ignoto tempo futuro,

A ilusão da liberdade,

Corporal num amor puro,

Mas que se evade, se evade,

 

Que os sentidos enlevados

Repõem a consciência

Destes tempos apressados:

 

Trabalho, perda, dolência,

- São do mundo uma evidência.

 

 

1372 – Novas

 

Há permanentemente novas realidades

Para serem aceites: vai ser duro a muitos…

É a perda de absolutos: segurança invades,

Estremecem então mil personalidades:

Que fazer, como agir, se os trilhos são fortuitos?

 

Podemos de coragem nos encher um dia

E o que tem de ser feito logo obrar então

Para das estreuturas nos livrar que havia

Velhas a reprimir-nos, criminosa mão,

 

Se acreditar que há um paraíso ali podemos:

Por liberdade morreremos em função

Da vida eterna que há-de vir lá nos extremos.

 

- Porém, é o compromisso que nos resta à mão

E nobre é cultivar o sonho, o sonho vão…

 

 

1373 – Presos

 

Os presos de consciência

Têm a força divina:

Do mundo toda a insolvência

Carregarão na pendência,

Seu ombro a tal se destina.

 

Preferirão a prisão

À mentirosa amnistia

Que por livres os daria

Se traírem o que são.

 

Pode a pena ser bem grada,

Declaram em tribunal:

- Não se arrependem de nada!

 

Tal decisão quem a doma?

Fica além do que a não toma.

 

 

1374 – Dezoito

 

Temos aos dezoito anos uma ideia mística

Loucamente do amor, sonho mui alto erguido,

De impossibilidades feito, via autística

Tal que em tela na vida nem na aurora artística

Nada que o satisfaça pode ser haurido.

 

Então é fabricado, da cabeça aos pés,

Um ser imaginário, sem olhar ao mal:

Acolhe-se a primeira, vista ali resvés,

E logo se lhe encobre seu perfil real.

 

Como ídolo encerrada na fechada cerca

De nosso imaginário, adornada finda

Com toda a qualidade, que nenhuma perca.

 

Depois ajoelhamos perante ela, ainda

Com a venda nos olhos, sempre a crê-la infinda.

 

 

1375 – Tóxico

 

No amor da juventude o tóxico é seguro,

O tempo escorre lento e a venda nunca cai.

Então, num dia alegre, a agradecer o apuro

De personificado haver o amor mais puro,

Um com outro se casam e o fulgor se esvai.

 

Vai cada qual provar que essencialmente estranho

O cônjuge há-de ser em relação ao sonho,

Quando comprometida a vida foi sem ganho

E se querem amar no mundo real, medonho.

 

Então é que descobrem que em comum é nada

Aquilo que ambos têm, que é um estranho o par,

Acaso o bandoleiro que topou na estrada.

 

Nem sequer nisto acaso alguma vez cuidar,

Que já tudo foi dito, cuidam em lugar.

 

 

1376 – Intensamente

 

Queria intensamente para mim a festa,

Uma felicidade atrás da qual eu vira

Todo o mundo a correr, a perseguir a fresta

Que sempre se lhe fecha ante a suada testa,

E crê que uma excepção para mim já se abrira.

 

De antemão acolhia que tudo é perfeito,

E nos primeiros tempos de qualquer consórcio

Que fácil a tarefa a que a mulher com jeito

Se amolda facilmente! Quem pensa em divórcio?

 

À mulher, todavia, logo a avisa a força

Que em breve recupera o império já perdido,

O espelho nos estende que ideais distorça.

 

A prazo a nossa imagem é que é lá talhada

E é tão decepcionante vê-la tão fanada!

 

 

1377 – Finalmente

 

É de revolta em revolta

Que um povo se aperfeiçoa,

Que fica a cultura solta,

Que a justiça desenvolta

Finalmente se apregoa…

 

A liberdade de imprensa,

De indústria e qualquer negócio,

De ensino e de consciência

Jamais serão fruto de ócio.

 

Como a chuva de Verão

Fecunda a leiva que invade

E faz reflorir o chão,

 

Sempre chega a liberdade

Nas asas da tempestade.

 

 

1378 – Legiões

 

Legiões bem pensantes de instruídos entes,

Policiados por usos, tais polidos seixos,

Na maioria ocupam um lugar, decentes,

Na sociedade, acaso com funções cogentes,

E todavia vivem como bois entre eixos,

 

De animais à maneira que aguentam carga.

De olhos semifechados entre seus antolhos,

Avançarão às cegas, sem olhar à ilharga,

Sem reflectir por si na crença que é de escolhos,

 

Que se lhes impingiu nos iniciais calções.

E morrerão tão dóceis, indecisos, crentes,

Nunca da indecisão terão sequer noções!

 

Sem nada terem visto que domina as gentes:

O instinto, o amor, a morte, a desafiar presentes.

 

 

1379 – Infância

 

Como pode ser tenaz

Qualquer fé numa criança!

Um homem que a marca traz

Da religião de trás,

Da infância, jamais alcança

 

Livrar-se, no encolher de ombros,

Tal se fora um trapo velho,

Enrodilhado de escombros.

É um terreno onde me engelho,

 

Milénios de servidão

Consentida na lavoira

Demora a libertação.

 

Dolorosa, o suor oira

Quão mais a pele se encoira.

 

 

1380 – Oportunidade

 

Novo ambiente e novo exemplo

A oportunidade agora

Me dão, como em novo templo,

De ver, quando me contemplo,

O que, afinal, em mim mora.

 

Descarto fácil a crença

Que alimentei em criança,

Capa de minha pertença

Que já calor não me alcança.

 

De início tudo parece

Vida estranha e solitária

Sem o apoio duma prece.

 

Fica a mão tremente e vária,

Devém, sem bordão, precária.

 

 

1381 – Animam

 

Os dias eram mais frios,

As noites, mais solitárias:

O novo traz calafrios

Que animam, sonham navios

Em sensações tributárias.

 

Toda a vida se transforma

Na aventura emocionante

Quando se quebrou a norma:

Tudo é novo a cada instante.

 

O bordão longe atirado,

Capa dos ombros caída,

São tal fardo suportado

 

E, doravante, na vida

Nenhum mais terá guarida.

 

 

1382 – Vastidão

 

A vastidão impregnada,

O coração a bater

Alegre na luz doirada,

A beleza inebriada

Do vale aonde descer…

 

De temores degradantes

Livre, tal de preconceitos,

Seguir o trilho sem preitos

Do inferno a fogos hiantes…

 

Da responsabilidade

Descartado que transmuda

Qualquer acto em gravidade…

 

Respiro livre, na muda

Leveza que a mim se gruda.

 

 

1383 – Oriental

 

O rei oriental conhecer quis a história,

Dum sábio recebeu quinhentos mil volumes.

Do governo peado, sem ter tal memória,

Pediu que os resumisse, a futurar a glória

Que tal traria ao povo, ao reformar costumes.

 

Vinte anos transcorridos, volta o sábio fiel,

A história agora tinha só cinquenta tomos.

Velho demais o rei para ler tal papel,

Novo resumo quer que tire ao galho os pomos.

 

E vinte anos após, o sábio só num texto

O que o rei pretendia resumiu de seu.

À morte, o rei de vida nem lá viu pretexto.

 

Só numa linha a história então o sábio leu:

Nasceu, cresceu, amou, sofreu, gerou, morreu!

 

 

1384 – Desenhar

 

Asim como o tecelão

Vai desenhar o tapete

Sem de mais cuidar senão

Dele a estética função,

Assim à vida compete.

 

Ou então quem acredite

Que da vontade não pendem

Os actos que dele emite,

Dum plano crê que dependem.

 

Em qualquer das conjunturas

Não há séria utilidade

Nem necessidade apuras.

 

A vida sendo vaidade,

Escolho então o que agrade.

 

 

1385 – Malha

 

A felicidade importa

Pouco como importa a dor.

Cada qual delas transporta

À vida a malha e recorta-

-Lhe acaso algum pormenor.

 

Elaboro meu desenho

Acima dos acidentes

Da vida na qual me empenho,

Pairo além de tais vertentes.

 

O que acontecer agora

Aumenta a complexidade

Do padrão que me demora.

 

Se o fim vem, o que me invade

Belo é sempre: é Realidade.

 

 

1386 – Auxiliando

 

Os que perdem o tempo auxiliando os pobres

Erram porque remédio procurar irão

Para o que intolerável lhes seria, nobres,

Se houveram de aguentá-lo. De finados dobres

Nunca os pobres àquilo repicar farão,

 

Pois nunca os incomodam as malsãs mazelas

(O pobre não quer quartos arejados, grandes),

Que vivem habituados desde sempre a elas,

Às privações, e comem, por castanhas, glandes,

 

O aposento espaçoso é sensação de frio

E preferem dormir juntos ali num quarto,

Que nunca ficam sós, da vida em todo o fio…

 

Um emprego seguro é o que melhor reparto

Ao pobre que de ajuda sempre acaba farto.

 

 

1387 – Desejamos

 

Só quando somos pequenos

Desejamos ser mais velhos,

Até aos dez anos plenos

São anos, meses amenos,

Somamos vias e quelhos.

 

Já durante a adolescência

Ao ano seguinte salto:

“Farei dezoito à evidência

Para o ano e não lhes falto.”

 

Depois, até aos setenta,

É um ano de cada vez

E é dia a dia aos noventa.

 

Aos cem, de novo bebés,

De novo soma ano e mês.

 

 

1388 – Teme

 

Todos nós morremos, é seguro e certo,

Mas ninguém a morte vê que é natural.

Único que teme aquela sem, desperto,

Ter escapatória com nenhum concerto,

Somos um ser único em tolice tal.

 

Pois temer a morte é tal como ter medo

Do nariz que temos dividindo a cara,

Que ela é natural como este rosto ledo

Com que eu me apresento rumo à manhã clara.

 

Para mais a vida tem tantos desgostos,

Freimas e canseiras, ilusão fatal!

Ante a morte alegres é de ter os rostos:

 

Como ter do ignoto o medo irracional,

Se o que após eu vejo sou eu afinal?

 

 

1389 – Contenha-se

 

Quem uma política aqui vem testar,

Contra a corrupção de funcionários tredos

E dos camponeses a miséria e lar

Onde a fome impera sem beber luar,

Contenha-se um pouco, então, de braços quedos.

 

Pobre e triste, a aldeia forte é só do rio

Que por ela corre procurando o mar:

Só porque isto busca fecunda o plantio,

Faz crescer as leivas, o sonho ao regar.

 

Porém nem o nota, pois anda ocupado

O rio discreto naqueloutra coisa,

Nem protesta nunca lá por ser usado…

 

Por querer chegar é que jamais repoisa,

Vai dar vida a tudo que por ele poisa.

 

 

1390 – Alugam

 

Há muitos que alugam a vida ao futuro,

Dedicam-se inteiros um fito a atingir

Que viver em pleno permite, seguro,

Felizes fará, por retirar de apuro,

Aqueles que assim apostam no porvir.

 

Contudo, entretanto, nem olham à volta,

Nem dos outros cuidam, nem do que os rodeia,

Não tratam do amor abandonado à solta,

De viver se esquecem numa vida meia.

 

O fito é carreira, um emprego, riqueza…

Ficam obcecados, excluem o mais,

E a vida não entra, que é o que se despreza.

 

Em vez de crescerem, mingarão, letais,

Mesmo à dimensão de objectivos que tais.

 

 

1391 – Importa

 

Aquilo que importa mais numa existência

Não há qualquer forma de o saber deveras,

Que tarde demais me perturba a evidência.

Agora a questão é definir, na essência,

Em que é que eu confio, quais minhas esperas.

 

Tudo é decisão de emprestar confiança:

Dou-a ao disfarçado rumo à perdição

Ou antes ao anjo que jamais se alcança

Mas que me acompanha as pegadas no chão?

 

Para tudo em vida noutrem confiei:

Meus pais, professores, amigos, mulher…

É questão de fé, no fim, tudo o que sei.

 

Do que creio vivo: quanto puder ver,

Finda pela fé todo o mundo a viver.

 

 

1392 – Aceitação

 

A aceitação tem poder,

Tem muito, que, ao aceitar,

Toma balanço quenquer

Para mudar o que houver

Na conjuntura a mudar.

 

Este rumo ao acatar,

Acato o facto certeiro

De que o dado no lugar

Afinal é passageiro.

 

A transitoriedade

Me livra do fatalismo,

Começo a ser de verdade.

 

Em troca de quanto cismo,

Vou saindo já do abismo.

 

 

1393 – Tácticas

 

Apenas devo ficar,

Quando estiver muito triste,

E não soluções tentar

Nem tácticas adoptar

De baionetas em riste.

 

Ficar, pura e simplesmente,

Que quanto mais a tristeza

Dentro de mim sedimente

Mais exprime o que ela preza.

 

Então mais a própria vida

Se irá lenta apresentando,

Mostrando a melhor saída.

 

Já não há mente só quando

O afecto em mim for mandando.

 

 

1394 – Cáustico

 

Tal como em eras idas, já de antanho,

Homem, vives no medo e no terror.

Tudo é cáustico  frio se não for

Em festa já vivido como um ganho.

 

Na espiritualidade mais profunda,

Porém, clima de festa só encontrado

Pode ser, com saber bem mergulhado

No espiritual recurso que fecunda.

 

Como é muito inviável, pois ninguém

Acredita em si próprio facilmente,

O Homem só material vivência tem

 

Mui básica e soturna, o que é somente,

Em lugar dum palor quase divino,

Em si um fim escravo do destino.