NONO  TROVÁRIO

 

 

O  INSÓLITO  A  ME  PROPOR

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 921 e 1014 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

921  – O insólito a me propor

 

O insólito a me propor,

Vou na quadra irregular

Ritmo e rima contrapor,

Do metro incerto o pendor

A surpreender cada olhar.

 

Vou tocar todas as pontas

De dentro e fora da vida,

De mim tanto a prestar contas

Como do que além convida.

 

Metro irregular da quadra

É como o incerto apontado

Do mundo que ali se enquadra.

 

Vislumbro, porém, um lado

Por onde o trilho há passado.

 

 

 

 922– Alternativa

 

Uma alternativa que amedronta

Quando está no poder,

É que para servir-se primeiro há-de ser

Do que para meu proveito aponta.

 

 

923  – Tanto

 

A recordação

Magoa.

Não tanto a má, não,

A boa.

 

 

924  – Coincidências

 

Coincidências que me apanham,

Me apanham mal me precato

São as mil formas que os eventos ganham

Quando Deus quer ficar no anonimato.

 

 

925  – Ódio

 

De todos os ódios, o pior

É o ódio teológico, caído dos céus:

Capaz de matar o próprio Deus,

Os outros mata – de Deus por amor!

 

 

926  – Metade

 

Depois de tanto hesitar,

De progredir, regredir,

Começar

É já metade de agir.

 

 

927  – Sempre

 

Na oportunidade um pessimista

Vê mera dificuldade.

Na dificuldade um optimista

Vê sempre a oportunidade.

 

 

928  – Aguentam

 

Pontear e conservar,

Mais que o que a poupança

Alcança,

Aguentam o lar.

 

 

929  – Pressa

 

No mundo há pressa demais

Ao viver actualmente.

Que bom, que bom um pouco mais

De vida indolente!

 

 

930  – Exaustão

 

Na exaustão das paixões,

Acaso aí principia,

Tratados os aleijões,

A sabedoria.

 

 

931  – Valera

 

Se fora apenas ver aqueles

Que valera a pena serem vistos,

Perderia a vida, reles,

Na solidão, xisto entre xistos.

 

 

932  – Melhor

 

Melhor é ser ninguém

Mas que algo gera

Do que alguém

De que nada prolifera.

 

 

933  – Flor

 

Quando numa flor pegamos

E é mesmo para ela

Que olhamos,

É o mundo inteiro ali que se revela.

 

 

934  – Raio

 

A flor é um raio de beleza

A afirmar, jucundo,

Quão mais ele ultrapassa e se preza

Que as coisas úteis do mundo.

 

 

935  – Adorável

 

Adorável pequena flor,

Livre e arrojada até dela a raiz,

Bem se nos poderia impor

De liberdade gratuita matriz.

 

 

936  – Velhice

 

Quando a velhice atingimos, discretos,

Trôpegos e mal afeitos,

Contam mais os afectos

Que os conceitos.

 

 

937  – Esperança

 

A esperança vê o invisível,

O inatingível sente

E, por mor do que pressente,

Atinge, ao fim, o impossível.

 

 

938  – Ditaduras

 

Das ditaduras contra a desdita

Hás-de sempre acometer

Com o que te permita

Teu amor-próprio manter.

 

 

939  – Tido

 

Tido por pobre nunca pode ser,

Não,

Quem escolher

Pobre ser por opção.

 

 

940  – Aparência

 

Por que é que os homens, uns doutros tão diferentes

Sob a aparência de iguais véus,

Não hão-de ter fórmulas variáveis, independentes,

Para adorar o mesmo Deus?

 

 

941  – Ideias

 

Minhas ideias evoluem, vivas:

Não sou eu que as dirijo, à trela a mente mantida,

São elas que devem, furtivas,

Dirigir a minha vida.

 

 

942  – Fé

 

Milagres a fé nunca realizou,

Senão aparentemente.

A vontade, sim, sempre que se afirmou

Radical e persistentemente.

 

 

943  – Pequenez

 

Quando nos sentimos perto do fim,

Ressalta, num grito,

A nossa pequenez neste confim

Perante o Infinito.

 

 

944  – Prémio

 

Esperança, quando mais não posso,

É o prémio maior que me premeia.

A esperança é um bom pequeno almoço

Perante uma fraca ceia.

 

 

945  – Alvo

 

Como um alvo não pode ser procurada

A beleza, a beleza…

Doutras demandas superabunda inesperada,

Quantas vezes do banal que se despreza!

 

 

946  – Sugestão

 

O poder de sugestão da linguagem!

Lendária potencialidade para evocar

Mais mundos, dos termos na triagem,

Do que a realidade tem para dar.

 

 

947  – Engendram

 

A experiência gera linguagem

E a linguagem, experiência.

Qual delas inaugura a viagem?

Ambas engendram tudo à vez, em concorrência.

 

 

948  – Erro

 

O erro com que me aconselho,

Tenha embora mil anos de antiguidade,

Não é por ser velho

Que constitui verdade.

 

 

949  – Génio

 

Génio é um poder infindo de labor:

Sem persistir nada advém, nada!

Deveras agir se propor

É triunfar numa qualquer curva da estrada.

 

 

950  – Aproveitas

 

Mais aproveitas fazendo tolices

Espontaneamente

Que se acertadamente agisses

A mando doutra mente.

 

 

951  – Contemplar

 

Qualquer arte, qualquer,

Mesmo a de contemplar da natureza um elemento,

Pode libertar o imo de quenquer

De qualquer sofrimento.

 

 

952  – Negro

 

A vida não vale a pena se eu me incomodar

Tanto com o porvir

Como com o presente que enfrentar:

Quando tudo é negro, o remédio vai surgir.

 

 

953  – Desconfortos

 

Que importam da vida os desenganos,

Os desconfortos com que me desgraço,

Se nossos sonhos nos tornam soberanos

Do tempo e do espaço?

 

 

954  – Abandonar-me

 

Abandonar-me à felicidade

Implica de mim acolher a derrota, a derrota na raiz:

É uma derrota melhor, quando persuade,

Que todas as vitórias do que fiz.

 

 

955  – Vemos

 

Quando vemos alguém

Apenas vemos o que quer

Que ele, morador num sempre além,

Afinal nos deixar ver.

 

 

956  – Meio

 

Nossa vida é definida

Por uma fatídica sorte:

No meio da vida

Estamos na morte.

 

 

957  – Inútil

 

Que inútil é rebolarmo-nos no remorso

Pelo que não pode ser mudado,

Quando é viável expiar, com viril esforço,

Mesmo o mais vil pecado!

 

 

958  – Vara

 

Quando em meio ao tormento

Minha escuna fica surta,

Medirei o que é bom, naquele momento,

Com vara muito curta.

 

 

959  – Importa

 

Na vida, de quem

À frente me cai,

Se algo importa donde vem,

Bem mais importa para onde vai.

 

 

960  – Paisagem

 

Perscruto a luminosa paisagem primaveril,

Brotam fontes em mim desde o pináculo dos céus:

Contemplo os bondosos mil

Olhos de Deus.

 

 

961  – Forte

 

O amor não é de feliz te fazer,

Mas, no sofrimento e na paciência, de te mostrar

Quão forte podes ser

Ao te agarrar.

 

 

962  – Celebram

 

Antes de tudo celebram o amor os poetas

E têm razão nesta fé:

Nada como o amor requer mais completas

Mutações em tudo aquilo que o não é!

 

 

963  – Liderança

 

Sem liderança fiável

Jamais nós somos inteiros.

Um povo sem chefe é um vulnerável

Rebanho de carneiros!

 

 

964  – Falta

 

Quem a Deus tem

Nada lhe falta, na pasta

Que lhe convém:

- Só Deus basta!

 

 

965  – Muro

 

O que nos profana,

Da privacidade nos viola os canais,

Doutro muro de trevas emana,

É uma solidão a mais.

 

 

966  – Refúgio

 

É apenas um refúgio a paixão

Em que estar com o outro brada

Uma solidão

Duplicada.

 

 

967  – Falha

 

A falha das palavras nos tortura,

Meros subterfúgios transitórios, cavernas afloradas,

Perante a inefável figura

Das coisas deveras experimentadas.

 

 

968  – Angústia

 

Entre o sempre e o nunca

A angústia se aninha,

De mil patas o chão junca,

Um único olho adivinha.

 

 

969  – Linguagem

 

A linguagem é o nosso desterro do Universo,

A distância entre nós e as coisas.

E também nosso recurso mais terso

Contra a distância, pois na fala é que repoisas.

 

 

970  – Mesmo

 

Todo o tempo é diferente,

Diferente cada lugar onde alguém mora

E todos são o mesmo, mesmo dado em toda a gente

- Tudo é agora!

 

 

971  – Fogo

 

É o amor um revés

A que nem querendo me esquivo.

De tal modo o amor me fez

Que em fogo vivo.

 

 

972  – Vivi

 

O amor é o lugar

De ser além do ente:

Antes de amar

Nunca vivi plenamente.

 

 

973  – Água

 

Se na vida quero abrigo

Busco o amigo ter por perto.

Na vida é o amigo

Como água no deserto.

 

 

974  – Viagem

 

Por mais que a queira programar

A compasso,

A mais longa viagem tem de principiar

Sempre pelo primeiro passo.

 

 

975  – Separação

 

Um amor jamais conhece

Sua vera profundidade

Senão no momento em que acontece

Da separação a fatalidade.

 

 

976  – Pais

 

Os pais têm de aprender

E quanto mais cedo, melhor,

Que os interesses da criança urge acolher,

Seja lá isso o que for.

 

 

977  – Outros

 

Esquece depressa, esquece

Os enganos:

A vida é o que acontece

Enquanto fazes outros planos.

 

 

978  – Bruxo

 

Não creias em quem te fala

Do bruxo nem do adivinho:

É o amor quem te assinala

O caminho.

 

 

979  – Amar

 

Ao desaprender

De amar os mais

Acabamos por nos não amar sequer

A nós próprios jamais.

 

 

980  – Falámos

 

Sobre o amor falámos com regalo

Longa, longamente…

- Agora é bom que de vez se tente

Escutá-lo.

 

 

981  – Duvida

 

De que as estrelas sejam fogo

Duvida ou do calor.

Não duvides, porém, desde logo,

Do amor.

 

 

982  – Juntos

 

Amar não é olhar

Um para o outro, não:

É olhar juntos, com vagar,

Na mesma direcção.

 

 

983  – Nem

 

Nem tudo é fel:

A vida é flor

Para o mel

Do amor.

 

 

984  – Sequer

 

Quem não ama, se calhar,

Não anda a viver sequer.

Não amar

É um longo morrer.

 

 

985  – Humilde

 

O maior feito encabeça

O mais humilde ensejo:

Todo o grande amor começa

Por um beijo.

 

 

986  – Beco

 

Um beco sem saída,

Connosco para ali à solta,

É apenas a oportunidade requerida

Para dar a volta.

 

 

987  – Ilusões

 

Quando alguém se dedicar,

Ao correr das idades,

Ilusões a alimentar,

Perde oportunidades.

 

 

988  – Reino

 

Se o reino da fada

Pretenderes linda,

Quando ganhares, não digas nada,

Quando perderes, diz menos ainda.

 

 

989  – Preconceito

 

Ao preconceito sempre escapa

O real vivido.

Não julgues um livro pela capa

Até o teres lido.

 

 

990  – Achas

 

Por trás do talento,

As achas que ateiam o lume:

Disciplina, amor, algum bom vento,

E, sobretudo, da persistência o costume.

 

 

991  – Vale

 

O que vale a pena são os laços

E os afectos.

O resto são dispensáveis baraços,

De euforia dejectos.

 

 

992  – Respeito

 

Mútuo respeito a longo prazo

Importa mais

Que, ao acaso,

Pequenas vitórias territoriais.

 

 

993  – Bailarina

 

A rapariga que afirma

Que bailarina quer ser

Na vida apenas confirma

Um pouco de beleza pretender.

 

 

994  – Doença

 

Doença quer dizer dor e medo.

Também enriqueceria

Quando obrigara a parar para, em segredo,

Meditar longe da confusão do dia-a-dia.

 

 

995  – Poder

 

O poder melhor opera

E oferta melhor abrigo

Quando não distingue, no que gera,

O amigo do inimigo.

 

 

996  – Ocupantes

 

A pior humilhação

Dos gestos que nos minam:

Os ocupantes jamais lograrão

Ver o povo que dominam.

 

 

997  – Poupes

 

Não poupes o fervor

Do fogo sequer:

- Viver sem amor

Não é viver.

 

 

998  – Crime

 

Nenhum crime que um homem cometa

Em nome da própria liberdade

Tão grande pode ser, ao aspirar à meta,

Como os que dela o privam com atrocidade.

 

 

999  – Sublevar

 

Nenhum poema obriga a sublevar na rua

Qualquer barriga cheia,

Como nenhuma lei impede, quando a fome acua,

De saltar à rua o punho que ameia.

 

 

1000  – Dois

 

Quando o amante que me abala

É também o amigo cimeiro,

Nós os dois numa sala

Somos o mundo inteiro.

 

 

1001– Cérebro

 

Um cérebro mero,

Sendo do que o céu bem mais alargado,

Confortável acomoda o intelecto dum homem vero

E o resto do mundo, lado a lado.

 

 

1002  – Vence

 

“Mas que problema!”

- É a queixa de quem perde em cada idade.

Quem vence tem outro lema:

“Mas que oportunidade!”

 

 

1003 – Trabalho

 

Mantém-te fiel e atento

Ao que é mais capaz:

Mais vale um trabalho profundo e lento

Do que um rápido mas que é fugaz.

 

 

1004 – Transforma

 

A informação

Não transforma a vida afim.

O amor, em comunhão,

Sim.

 

 

1005 – Difícil

 

Como é difícil viver na matéria!

Cuidamos já compreender

E mais a compreender nos aponta a galdéria

E fim nunca a missão terá sequer.

 

 

1006 – Contrários

 

Qualquer semente

É de contrários equilibração discreta:

Feliz completamente

Só quem sabe a infelicidade completa.

 

 

1007 – Deveras

 

O que o Homem deveras preza

A qualquer momento

Não é o conhecimento,

É a certeza.

 

 

1008 – Mudas

 

Ou mudas continuando o caminho,

Construindo um projecto,

Ou a vida muda por ti, de mansinho,

E provoca-te perda no trajecto.

 

 

1009  – Caminho

 

Somos todos um.

O meu caminho ante os mais

Não é melhor que nenhum,

É apenas outro entre iguais.

 

 

1010– Melhor

 

Não te iluda, fingida,

A geral trapaça.

- O melhor da vida

É de graça.

 

 

 1011 – Significa

 

“Eu amo-te”, no fim,

Significa por si:

“O Deus em mim

Vê o Deus em ti”.

 

 

1012 – Agrura

 

Quando a agrura da vida te invade,

Acolhe-te ao primeiro horto.

Em hora de tempestade

Não é de escolher o porto.

 

 

1013 – Visa

 

Visa bem os fitos teus,

Longe e longe, e não acabes.

- Já és um deus,

Só que o não sabes.

 

 

1014 – Insensato

 

Não dês tu nunca conselhos

Que não são solicitados:

Para o inteligente são velhos,

Para o insensato, ignorados.