OITAVO  TROVÁRIO

 

 

AO  SONHO  QUE  NEM  DIVISO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha aleatoriamente um número entre 851 e 920.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

851 – Ao sonho que nem diviso

 

Ao sonho que nem diviso

Me abalanço em quadra breve,

O da fundura que viso

Dentro onde me martirizo

Ou do cume onde sou leve.

 

A utopia, bem ritmada

Em métrica já no ouvido,

Com a rima habituada,

Ficará mais no sentido.

 

Então vou trepar aos montes

E descer da terra às grutas.

Visarei tanto horizontes

 

Como no imo ponho escutas

Às vozes mais diminutas.

 

 

852 – Vitórias

 

As vitórias só revestem

Deveras significado

Se em felicidade investem

E a produzem nalgum lado.

 

 

853 – Sucesso

 

Sucesso não é dinheiro

Nem poder omnipresente,

É florescer por inteiro,

Desde o germe, livremente.

 

 

854 – Importante

 

O importante é não deixar

Que as ânsias do que se quer

Nos acabem a arruinar

Aquilo que se tiver.

 

 

855 – Empurra

 

Há na espécie uma certeza

Que me empurra para a estrada

Que de feliz me embeleza

A curva em cada jornada.

 

 

856 – Podemos

 

Nós podemos aprender,

Nós podemo-nos salvar,

Não há dúvida sequer:

- É que podemos mudar.

 

 

857 – Importa

 

Importa ouvir a criança,

A que fomos qualquer dia,

Que dentro de nós se alcança

Onde tudo principia.

 

 

858 – Outro

 

Um outro sou, que não eu:

Ensinaram-me outro a ser.

Se ouço o coração que é meu,

Sou o que é de meu dever.

 

 

859 – Lutar

 

É melhor perder combates

A lutar por qualquer sonho

Que a derrota nos embates

Ver sem ver o que lá ponho.

 

 

860 – Favor

 

O Cosmos sempre conspira

A favor do sonhador,

Mas só quem sonha é que mira

Quanto sonhar custa em dor.

 

 

861 – Frutos

 

Da fé que retenho presa

Os frutos, os frutos vês-mos?

- A nossa grande surpresa

Somos nós para nós mesmos.

 

 

862 – Trevas

 

De minhas trevas não digo.

Se do andar terceiro salto

Ou do quinto, é igual perigo:

- Se eu cair, que caia de alto!

 

 

863 – Serei

 

Serei o teu companheiro,

Desbravamos, entre o povo,

O mundo aí por inteiro

A ser criado de novo.

 

 

864 – Grandeza

 

A grandeza dum ideal

Não é de atingi-lo, intensa,

Mas de se lutar por tal:

Atingi-lo é a recompensa.

 

 

865 – Estrelas

 

Pouco importa qual o facto:

Nem que aquilo que tu ganhas

Seja trepar por um cacto,

Vê se as estrelas apanhas!

 

 

866 – Depressão

 

A depressão mantém vivo

E a vida jamais se alcança.

Melhor antidepressivo

Há-de ser mesmo a esperança.

 

 

867 – Negação

 

De negação qualquer palavra

Um incompleto oferta lanço,

Mas ao ficar por meia lavra

É que permite então o avanço.

 

 

868 – Mudar

 

Nós somos o que fazemos

E é tudo aquilo que fomos,

Mais somos o que tentemos

Para mudar o que somos.

 

 

869 – Pescar

 

Pescar vale esforço e custo

A quem pesca houver amado,

Que ao fim mil sonhos ajusto

Por cada peixe pescado.

 

 

870 – Sonho

 

Sonho que em realidade

Se transforma pode ser

Tão perturbador quão há-de

Ser o que o não for sequer.

 

 

871 – Redor

 

Se a vida são tremedais

Em teu redor, eu te auguro

Que as estrelas brilham mais

Quando o céu é mais escuro.

 

 

872 – Falta

 

Não há beleza perfeita.

Então fará, natural,

(Vaidade a que vive atreita)

Do que faltar o ideal.

 

 

873 – Cinzas

 

Sabe a cinzas o habitual.

Enterrado vivo auguro

Que me sentirei tal qual

Debaixo de meu futuro.

 

 

874 – Triste

 

Morre um homem que sonhava,

Que fertilizava a chuva,

E a terra triste se escava,

Triste como uma viúva.

 

 

875 – Revolve

 

O sonho em vão se encarniça,

Que ele não cabe no mundo,

Mas cabe no lar da liça,

Revolve em nós o mais fundo.

 

 

876 – Desligo

 

Não me desligo do que há-de

Ligar da vida os mil portos:

Sou minuto e eternidade,

Sou nada e todos os mortos.

 

 

877 – Deus

 

Deus, que olha por nossos olhos

E fala por nossa boca,

Há-de afastar os escolhos,

Deixar claro o que nos toca.

 

 

878 – Futuro

 

O futuro a Deus pertence,

No que de fatal me excede,

E a mim, quando, livre, vence

Minha mão nele o que cede.

 

 

879 – Fôlegos

 

Sete fôlegos de gato

Há-de ter sempre a poesia.

Tiros dão-lhe ao desbarato?

- Novo alvor lhe amanha o dia.

 

 

880 – Estranha

 

O que mais importa em arte

Sempre é dela a estranha origem.

A grande obra, em todo o aparte,

Conta apenas tal vertigem.

 

 

881 – Fraco

 

Fraco é quem não tem de pé

A raia da fantasia

Entre o mundo como ele é

E tal como o quereria.

 

 

882 – Força

 

Uma força superior

E um baixo nível de vida

São em conjunto o factor

Da vitória que se envida.

 

 

883 – Traços

 

Entre besta e anjo não

Reconheço os traços meus,

Um homem é a transição

Duma besta para Deus.

 

 

884 – Sabor

 

Não é riqueza ou poder

O que fundo te convida,

Aprecia o que tiver

O sabor que tem a vida.

 

 

885 – Busco

 

Busco quanto foi perdido,

Em que vivo a acreditar

E por que morro a cantar…

- Tive-o já? Pois, mas duvido.

 

 

886 – Campo

 

Cada qual é de batalha

O campo fundamental

Onde afinal se baralha

A luta entre o bem e o mal.

 

 

887 – Mulher

 

Uma mulher não tem pátria,

Nem sequer religião:

Transporta a vida, é uma mátria,

- Entende só deste chão.

 

 

888 – Humano

 

Humano sou e me entendo

Três degraus ao implantar-me:

- Culpado sou, me arrependo,

Portanto quero emendar-me.

 

 

889 – Gravo

 

Frente ao mar bravo a bramir,

Gravo de amanhã serões,

Que viver é construir

Futuras recordações.

 

 

890 – Memórias

 

Cada qual carrega em si

As memórias do Universo,

Nasce com todas aqui,

Todo o Infinito num verso.

 

 

891 – Zonas

 

São sempre as zonas sombrias

Que podem trazer mais luz,

Que mais nos preparam vias

Ao que em rotas se traduz.

 

 

892 – Mediocridade

 

A mediocridade teima

Em pôr o pé sempre em cima

De quem de sonhos tem freima:

Destruí-los é seu clima.

 

 

893 – Feliz

 

É quando sei o que quero

E tenho por que lutar

Que sou feliz, não um zero

Que de seu nem tem lugar.

 

 

894- Tensão

 

A vida ponho de pé

Na tensão de cada dia:

Vejo a vida tal como é,

Sonho-a como ser devia.

 

 

895  – Fado

 

Mal saímos da barriga

De nossa mãe, nesse instante,

(O fado a tal nos obriga)

Cada qual é um emigrante.

 

 

896  – Impossível

 

Um impossível jamais

Um impossível será

Se uma vontade houver lá

Que impossíveis torne reais.

 

 

897  – Percamos

 

Não percamos o passado,

Que com ele há-de cerzir

Todo o mundo, denodado,

A malha inteira ao porvir.

 

 

898  – Crês

 

Não podes fazer aquilo

Em que não acreditares.

Se não crês, então caudilho

Serás doutros luminares.

 

 

899  – Expectativa

 

Como é que anda a preparar-se

A muda de direcção

Na veste antiga que esgarce?

- Expectativa é o rasgão.

 

 

900  – Fumega

 

Não apagues o morrão

Que fumega cada dia.

Seu próprio cheiro malsão

Ainda nos serve de guia.

 

 

901  – Encurralam

 

Quando me expulsam de casa,

Me encurralam na prisão,

É que enorme é o bater de asa

De minha imaginação.

 

 

902  – Controlo

 

Não controlo o que acontece

Mas o que disto farei.

Isto faz-me e o que oferece

Sou eu mesmo e então me sei.

 

 

903  – Parágrafos

 

Aquilo que me ocorrer

São parágrafos da carta

Que Deus andar a escrever

Em mim, enquanto me acarta.

 

 

904  – Espírito

 

Nosso espírito é o brinquedo

Dado aos homens pelos céus

Para brincar em segredo,

Para brincar a ser Deus.

 

 

905  – Alicerce

 

Convém pôr em evidência

Como é que a meta se alcança:

Alicerce de excelência

É sempre a perseverança.

 

 

906  – Contactas

 

Se contactas com teu imo,

Aí te encontras com Deus.

Se de Deus visas o cimo,

É do imo que tiras véus.

 

 

907  – Sentido

 

A vida não tem sentido:

Este é o sentido que tem.

Não tem um sentido além

Do que lhe tens tu querido.

 

 

908  – Crenças

 

As crenças é que te criam

Todos os comportamentos

E estes é que prenunciam,

Na conjuntura, os eventos.

 

 

909  – Sempre

 

Por que terei de ser eu

Sempre, sempre a começar?

- Se não eu, quem, ó sandeu?

Se não hoje, quando andar?

 

 

910  – Revelar

 

A partir do contributo

Que à vida dás, ao invés,

Presta-te a vida o tributo

De revelar quão grande és.

 

 

911  – Ardente

 

Do sonho que agora almejas

Devém ardente chamiço:

Repara em quanto desejas,

Torna-te já fonte disso.

 

 

912  – Oculta

 

Nos teus mais profundos sentimentos

Se oculta, discreta, uma entidade

Que buscas na terra, mar e ventos,

- É tua subtil maior verdade.

 

 

913  – Ganhar

 

Com ganhar a vida não te preocupes,

Verdadeiro mestre é quem optar por ir

Construir a vida. Nisto não te poupes,

Mestre é quem a cria: ganhará porvir.

 

 

914  – Propósito

 

Propósito de alma humana

É tudo experienciar,

Para poder, quando emana,

Tudo ser, todo o lugar.

 

 

915  – Posso

 

Deus, que não sofre revés,

Grita até que O tu sacodes:

- Aquilo que eu sou tu és,

O que eu posso é o que tu podes!

 

 

916  – Advém

 

O mais que importa na vida

Nunca advém só por acaso:

A espera acaso é devida,

O empurrão encurta o prazo.

 

 

917  – Peregrino

 

De livro nas mãos quenquer

É um peregrino de nota

Às portas de o acolher

Duma qualquer urbe ignota.

 

 

918  – Sonha

 

Sonha a vida desde o alvor,

Sonha mesmo o mais incrível.

Nos sonhos, como no amor,

Nada há-de haver de impossível.

 

 

919  – Atrás

 

Voltar atrás ninguém pode

E ter um novo começo,

Hoje começar lhe acode

Um novo fim sem tropeço.

 

 

920  – Imensa

 

Duma coisa imensa e cega

Sinto-me nas mãos tremendas.

De olhar umbigos já chega,

Que em tal maré não há emendas.