SEXTO  TROVÁRIO

 

 

O  AFECTO  NA  QUADRA  VISO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 588 e 670 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

588 – O afecto na quadra viso

 

O afecto na quadra viso,

Bem ao gosto popular,

Sempre de metro conciso,

Num bom ritmo concretizo

Ir a memória alcançar.

 

Canto do amor a utopia

E a ferida a sangrar canto,

A lapidar agonia,

O sorriso, o gozo, o pranto.

 

Num resumo lapidar,

Em versos breves, a ideia

Chispa, lume singular.

 

Então, na palavra meia,

Mais findo de vida cheia.

 

 

589 – Gostar

 

Gostar é, provavelmente

O melhor modo de ter.

Ter deve, seguramente,

De gostar o pior ser.

 

 

590 – Jóia

 

A amizade que te toca

É jóia a ter sempre à mão.

A amizade, nada em troca

Requer, só manutenção.

 

 

591 – Química

 

O amor sempre é compromisso,

Mão na mão segura e tersa.

Flerte é lume de chamiço,

É química de conversa.

 

 

592 – Regra

 

Mais vale às crianças dar

Uma regra, apenas uma,

Que podem vir a quebrar

Que não dar regra nenhuma.

 

 

593 – Espelho

 

Vive o hostil num mundo hostil,

Num mundo afável, o afável.

Todos com quem cruzo, aos mil,

São meu espelho fiável.

 

594 – Sábio

 

Quem sábio for, é que ele ama,

Quem é tolo, é que ele pensa

Que entende o amor, que o proclama,

Não vê quão noite ele é densa.

 

 

595 – Sombras

 

Todo o amor é uma armadilha,

Ao mostrar-se, mostra a luz

E nunca as sombras perfilha

Que sempre um amor traduz.

 

 

596 – Sofri

 

Sofri, mas Deus não me ouviu;

Tentei amar bem do peito,

O amor, pisado, traiu…

- Deus é amor, mas qual é o jeito?

 

 

597 – Rosto

 

Quando olhas bem para os céus

Do fundo que em ti houver,

Uma das caras de Deus

É o rosto duma mulher.

 

 

598 – Inútil

 

É inútil falar de amor,

Que ele tem a própria voz:

Calar-me a um canto é melhor,

Que fala por si, a sós.

 

 

599 – Amor

 

Um amor que se cansou

Amor não é que reprovo,

Que amor não se ali finou,

Pois o amor é sempre novo.

 

 

600 – Nunca

 

O amor nunca vem aos poucos:

Ontem, sem ti, tinha um rumo;

Hoje os ouvidos são moucos,

Só contigo a vida assumo.

 

 

601 – Prática

 

Palavras? Não valem nada.

O amor, muito devagar,

Descobre-se de mão dada

Pela prática de amar.

 

 

602 – Paga

 

O homem paga a iniciativa.

A mulher, nesta refrega,

Pagará, para que viva,

O custo mais alto: a entrega.

 

 

603 – Beijei-te

 

Beijei-te e eles não viram

Que era toda a minha vida,

A tua, a dos que suspiram,

Ao sol do sonho e da ida.

 

 

604 – Saber

 

Questão de ser sociável,

Se etiqueta é questionar

A saber o que é aceitável,

É mais saber aceitar.

 

 

605 – Demorados

 

Que demorados caminhos

Até à consumação

Dos desejos, nos cadinhos

Mais fundos do coração!

 

 

606 – Meios

 

Vem muitas vezes o fim

Dos meios que a gente tem.

Nunca me conheço a mim

Se não conheço outro alguém.

 

 

607 – Bases

 

Lembro-me bem da medida

De tudo aquilo que valho?

As bases de minha vida

São dos outros o trabalho.

 

 

608 – Rir

 

Rir de alguém é uma pobreza

Mental de quem tal rir tem.

Rir com alguém é a riqueza

Da razão que nos convém.

 

 

609 – Crianças

 

As crianças eduquemos

Para que, não sendo estultos,

De as punir não precisemos

Quando devierem adultos.

 

 

610 – Casa

 

Divergindo embora o tom,

Tem-se às vezes de fugir

Para entender como é bom

Estar em casa a seguir.

 

 

611 – Longe

 

Junto te amo dia a dia,

Mas esfumam-se os sinais.

Pressentindo antes magia,

De longe ainda te amo mais.

 

 

612 – Outros

 

Os outros em confusão

Te hão-de ao fim deixar em regra:

As almas dos outros são

Sempre uma floresta negra.

 

 

613 – Revestimos

 

Tais somos nós: de interesse

Revestimos a amizade,

O que estimula, refece,

Doutrem reciprocidade.

 

 

614 – Reprimir

 

O reprimir dos desejos,

Se sublima empreendimentos,

São mil cuidados e beijos

Mortos dentro dos tormentos.

 

 

615 – Reparo

 

Quando a dúvida me abrasa

Reparo que em ti não entro.

Um homem é como a casa,

Tem de ser visto por dentro.

 

 

616 – Canta-me

 

O termo a despoletar

A conversa interminável:

“Conta-me!” e é um marulhar

De aventuras infindável.

 

 

617 – Sonho

 

Mesmo na casa encardida

Mora um sonho desconforme

E o granito toma vida,

Revê metas, fica enorme.

 

 

618 – Basta

 

Basta um sopro a corromper

Qualquer alma doutro a sério.

Um ser perante outro ser

É um mistério ante um mistério.

 

 

619 – Combatas

 

Não combatas o amor-próprio

Com amor-próprio contrário,

Ao invés converte o próprio

Em fraterno e solidário.

 

 

620 – Egoísmo

 

Egoísmo é gostar de si,

De si próprio sem, a par,

Ser ponte entre mim e ti,

Sem dos outros se gostar.

 

 

621 – Inviável

 

É inviável mudar sozinho,

Não logro mudar meu rosto

Sem cuidar no que adivinho

De mudar noutro em que aposto.

 

 

622 – Humanos

 

Humanos deviemos na medida

Em que oportunidade houve de amar

E amámos, empenhados na corrida,

Os que humanos, no amor, se irão tornar.

 

 

623 – Eu

 

Quanto mais renunciares

Ao teu eu como valor,

Mais depurados os ares

E mais capaz és de amor.

 

 

624 – Raiz

 

A raiz de todo o mal

É dar um valor tão alto

Ao sujeito que regale,

Os mais matando no salto.

 

 

625 – Ame

 

Há gente feia, porém,

Podemos ser atraentes:

- Basta que nos ame alguém

E eis-nos belos, entrementes.

 

 

626 – Sorte

 

Quando a sorte que alguém  tem

O infortúnio doutrem for,

Não há mais para ninguém

Sorte de nenhum teor.

 

 

627 – Dádiva

 

O amor deve ser vivido

Por dádiva a transbordar

E jamais como pedido,

Absorvendo, a aprisionar.

 

 

628 – Culpado

 

Vivi sempre este tormento

De que o amor me prendia,

Nunca me libertaria,

- E sou culpado do evento.

 

 

629 – Exprimir

 

Que grande dificuldade

A de exprimir a emoção

Àquele a quem não agrade

Se for quem nos deu a mão!

 

 

630 – Pilares

 

Conhecer e amar alguém

É amar também seu passado

Ou os pilares não têm

Chão de assento em nenhum lado.

 

 

631 – Acolher

 

Se acolher expectativas

Dos outros que me são dados,

Mormente se negativas,

Nunca mudo os resultados.

 

 

632 – Irmão

 

Como é boa a solidão

Tendo alguém irmão a par

Com quem possa, em comunhão,

Sobre ela então conversar!

 

 

633 – Estranho

 

Quando o estranho estende a mão,

Não a repudies logo,

Água suja de ocasião

Também pode apagar fogo.

 

 

634 – Gesto

 

Tarde vemos o reverso

Do gesto que é mais fecundo:

A mão que embalar o berço

É a mão que governa o mundo.

 

 

635 – Só

 

Não viver só para si

É que outra vida, a de fora,

É também nossa, é daqui,

E a escolha sempre em mim mora.

 

 

636 – Erigir

 

Se o lar da felicidade

Erigir alguém quisera,

Divisão que mais lhe agrade

Seria a sala de espera.

 

 

637 – Acaba

 

Quem amigos de inimigos

Não soubera distinguir

Acaba em vida a fingir,

Vai acabar sem amigos.

 

 

638 – Crio

 

Não crio heróis, crio filhos

E, se de filhos os trato,

Findam de heróis com os brilhos

A meus olhos, quando em acto.

 

 

639 – Outrem

 

Sempre outrem é meu abrigo.

Quão pouco, porém, sabemos,

Mesmo se íntimo o lobrigo,

Daquele com quem vivemos!

 

 

640 – Difícil

 

É tão fácil magoar

Aqueles a quem amamos

Como difícil curar

As lesões que lhes causamos.

 

 

641 – Deus

 

Somos, no fundo, tão infelizes

Por nos amarmos: todos tememos

Que o ente amado, em quaisquer matizes,

Não seja, enfim, o deus que entrevemos.

 

 

642 – Mulher

 

A mulher é monstruosa,

Ama apenas a quem sofre,

Mas atinge, neste cofre,

Ser a jóia mais preciosa.

 

 

643 – Perfume

 

O perfume duma ausência

Mais perigoso convence,

Do vácuo dada a premência,

Que o do corpo a que pertence.

 

 

644 – Partilha

 

Ao amigo o que convém

É a partilha singular:

Amigo é aquele com quem

Você se pode calar.

 

 

645 – Rio

 

O amor com fastio

Olhando infecundo?

É o amor o rio

Da vida do mundo.

 

 

646 – Dar

 

Sempre o amor tem a divisa

De se dar com pundonor.

Um amor que economiza

Não é verdadeiro amor.

 

 

647 – Alegria

 

Da festa tem o esplendor,

Mesmo ao doer em ferida:

Sem a alegria do amor

Que é que, enfim, seria a vida?

 

 

648 – Pregado

 

Pregado a teu coração

Estremece o meu da sorte

De amor ter e ter paixão

E alegria até à morte.

 

 

649 – Entusiasmar

 

O amor aponta ao porvir,

Seja qual for o desquite:

Amar quer dizer agir,

Se entusiasmar sem limite.

 

 

650 – Inimigos

 

O caminho da paixão

Tem sempre os passos trocados,

Tanto o amor como a razão

São inimigos jurados.

 

 

651 – Apóstrofo

 

É um apóstrofo rosado

O beijo que em ti pintar

Quando “amo-te!” confessado

Te houver em todo o lugar.

 

 

652 – Empenha

 

Se o que importa ao coração

Outra coisa é que o invade,

Nada o empenha mais então

Que ignorar a sociedade.

 

 

653 – Troca

 

Se alguém todos os haveres

Trocara em troca do amor,

Bem mesquinho o consideres,

Que nada deu em penhor.

 

 

654 – Planos

 

Não tenhas planos de vida,

Não estragues logo aí

Da vida os planos que envida

Preparados para ti!

 

 

655 – Chama

 

Ama teus filhos e filhas

E o pendor que a tal te inclina,

Que este amor que então perfilhas

Parte é da chama divina.

 

 

656 – Vives

 

Sabes que vives o Amor

Por ti mais por qualquer um

Se fazes o Bem maior

A todos enquanto Um.

 

 

657 – Capaz

 

Se é capaz de algum amor,

Ao prosélito convence-o

De que às vezes o melhor

A oferecer é o silêncio.

 

 

658 – Corredores

 

“É o Amor a solução!”

- Os corredores ecoaram

De toda a humanal opção,

Mas vocês nunca escutaram!

 

 

659 – Maravilha

 

A maravilha maior

É unir em acto comum

Quem é mais caro no amor:

Aí dois se fundem num.

 

 

660 – Ama

 

Ama quanto acode

Pela vida adiante,

O amor nunca pode

Dizer-se bastante.

 

 

661 – Paixão

 

A paixão transmuda a toca

Num palácio de fulgores.

A paixão pinta o que toca

Dela com todas as cores.

 

 

662 – Olhar

 

Um olhar, mais que locarna,

É cratera de vulcões:

Um olhar – e um beijo incarna

A maior das emoções.

 

 

663 – Desaprendo

 

Desaprendo outrem de amar

E acabo, perdido a esmo,

Sem norte, terra nem lar,

A nem amar-me a mim mesmo.

 

 

664 – Inteiro

 

Um amor é um sobretudo

Nele o corpo inteiro acama.

Um amor dá tudo, tudo,

E ao fim tudo a si reclama.

 

 

665 – Píncaro

 

Quando um píncaro perder

Sou dum morro trepador:

Contento-me com poder

Quando não consigo amor.

 

 

666 – Chegámos

 

Chegámos todos a um mundo

Para o poder orientado

Quando o que alguém quer, no fundo,

Apenas é ser amado.

 

 

667 – Lego

 

Nem deus, nem oiro, nem casa,

Nem coração, nem tratado,

Nem tradição, falsa brasa:

- Lego amor e haver amado.

 

 

668 – Primordial

 

Quando a fama ou o poder

É o primordial valor,

Lar é comprar e vender,

Propriedade e não amor.

 

 

669 – Aceitamos

 

Sobre os outros o poder

É o que nós, desanimados,

Somente aceitamos ter

Por não lograr ser amados.

 

 

670 – Medida

 

O valor maior

Não se mede em vida:

Medida do amor

É não ter medida.