Escolha
um número aleatório entre 464 e 587 inclusive.
Descubra
o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
464 – Do invulgar às
gelosias
Do invulgar às gelosias,
Na métrica e na cadência
Incomuns tecendo os dias,
Canto estranhas melodias
A amear à transcendência.
Em todo o lado perscruto,
Desde o cotio à estranheza
Do além donde um eco escuto,
Desde a feiura à beleza,
Vou do simples ao complexo,
Do pé raso até ao cume,
Tudo abraço em meu amplexo.
Lanço à terra arada o estrume
A aguardar da seara o lume.
465 – Armazém |
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Como armazém não é a memória, |
Nem é no sótão arca velha. |
É um instrumento que da escória |
De meu passado cada engelha |
|
Vai removendo, aperfeiçoando |
Em cada dia a narrativa. |
Torna-a aceitável então, quando |
O que apreendo ali de outiva |
|
Do que vivi, fica acessível |
Mas elevado a um outro nível. |
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466 – Brilhantemente |
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Brilhantemente inteligentes, |
Conhecimentos infinitos, |
Gente educada, culta, agentes |
Tais não são raros nos conflitos. |
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Angústia funda quem a sinta, |
Quem sua noite confrontou |
E com clareza se repinta, |
Em harmonia terminou, |
|
Pela cabeça própria pensa |
(Mundivisão bem pessoal), |
- Estes não são a malha densa |
Na tessitura mundial. |
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Aqueles são muito abundantes, |
Estes, bem raros, hoje e dantes. |
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467 – Porta |
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Da morte à porta são e salvo, |
De pés em bicos, cauteloso, |
A vida cruza sempre em alvo, |
Não vá perder-se, de medroso. |
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Orar devia, que acordar |
Antes da morte era o melhor. |
A vida o pode abandonar |
E quem se irá só contentar |
De bombear sangue, mesmo um ror? |
|
Qual destas bombas ambulantes |
Da vida frui, mesmo uns instantes? |
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468 – Vazio |
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A liberdade não é um quadro |
Que no vazio se resume |
A dar lugar, riscado a esquadro, |
A qualquer um que o quer e assume |
|
Para pintar o que deseja. |
Lugar arranja, verdadeira, |
À sensatez que o mundo almeja, |
Compreensão doutrem cimeira. |
|
A liberdade se organiza, |
Não o arbitrário que alguém giza. |
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469 – Espécie |
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Como a nós próprios amar os mais |
Não será nunca na quantidade |
E também não, não na intensidade, |
Antes na espécie pôr-nos iguais. |
Amar a minha profundidade |
Tal e qual como a minha altitude |
E em meu vizinho esta identidade |
Livrar de vez, por suma virtude. |
|
Ali consumo o equânime laço |
Que de infinito semeia o espaço. |
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470 – Ditadura |
|
A ditadura das maiorias |
Revolta tanto como qualquer: |
É tal qual como se as minorias |
Menos tiverem sempre de ser. |
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E quantas vezes é deste canto |
Que vem a cura dum longo pranto! |
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471 – Conserta |
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Hirta e gelada conserta a meia |
Esburacada, cruzando a linha |
Atrás e à frente, como convinha |
A recoser a puída teia. |
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Sempre por ordem, atrás e adiante, |
Até o buraco ficar por fim |
Bem reforçado, como garante |
Ao ser tapado todo ele assim. |
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Do deve e haver contabilidade |
Nesta caseira administração, |
Prejuízo e lucro agora persuade |
A mais um ganho na decisão. |
|
É a sensação de haver conseguido |
Outra vitória na eterna luta |
Contra os estragos, dano sofrido, |
O desperdício que nos disputa, |
|
De ter tapado mais uma fenda |
Nesta galera que voga enorme |
Pelo Universo, precária tenda |
A nosso fito jamais conforme. |
|
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472 – Retornas |
|
Partes alegre e retornas triste, |
Néscio que buscas o vão prazer, |
Tal miúdo imberbe de sonho em riste |
Pelo passeio alegre a correr |
|
Sábado à noite, com alarido, |
Saltando ao carro, a gravata a jeito, |
Mãos a esfregar, no gesto sentido |
De antecipar gozos mil no peito. |
|
Para acordar a gemer domingo, |
De manhãzinha, olhar lacrimoso, |
Na cama suja com o respingo |
Da frustração que sofres do gozo. |
|
E de lavado a mamã fará |
A cama triste armada acolá. |
|
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473 – Sozinhos |
|
Quando sozinhos estiverdes, |
Divertimentos da cidade |
Não são a meta a vos aterdes, |
Se procurais identidade. |
|
Muita atenção é de prestar |
A vós, a vós próprios, enfim, |
E encontrareis vosso lugar, |
Vosso caminho rumo ao fim. |
|
Toda a fundura que se encontra |
É o bem sagrado a vir à montra. |
|
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474 – Remorsos |
|
O que remorsos me provoca |
É que outros mais, aqui na terra, |
Remorso algum se lhes evoca, |
Seja o que for que lho desterra. |
|
Juiz corrupto é sorridente |
Que proferir condenações |
Irá, mas sempre indiferente, |
Abominável de aleijões. |
|
E respeitáveis generais |
Ao telefone seus soldados |
À morte enviam já, fatais, |
Senão são mortos, fuzilados. |
|
E carteiristas já trancados, |
Na cela presos, negam, negam, |
Que de artes tais não há lesados, |
Ninguém atingem – sempre alegam. |
|
Mulher que rouba o fado a um homem |
E que se arvora em salvadora, |
Que ao colo dela se consomem |
Vítimas mil entre os que adora. |
|
Homens mostrengos, cara inchada, |
Fato apurado, a controlar |
Povos inteiros à manada, |
Sempre a mentir que os vão salvar. |
|
Sinto remorsos de ser parte |
Da teia imensa que me engana, |
Remorso, pois, da infiel arte |
De pertencer à raça humana. |
|
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475 – Renegar |
|
Através dos tempos terá vindo o homem |
A se renegar, com a separação. |
Cada terra é terra por onde se somem, |
Separada e longe, um diferente chão. |
|
Diferente o sonho, mas não separado |
Há-de ser dos outros que outros hão traçado. |
|
Diferentes ser havemos de poder, |
Necessariamente, mas não divididos. |
Promovam o encontro de raças que houver, |
Misturem culturas, animem sentidos, |
|
Promovam a ideia, a ideia de mistura |
Sem deixar de ser o que são de alma pura. |
|
Único não sou só porque me separo |
Dos outros, que apenas então sou sozinho. |
Único deveras sou quando reparo |
Que entre a multidão único ser me alinho, |
|
Aceitando os mais em quanto cada apresta, |
Deles sendo aceite no que em mim me resta. |
|
Misturar é isto, para os grupos ir, |
Levar para os outros de mim o esplendor, |
Mas sem de mim próprio ter de prescindir, |
Minha diferença entregando em penhor. |
|
|
476 – Mártir |
|
Como um mártir usa o homem sua dor. |
Todo o homem neste estágio mártir é |
Dele próprio, que não usa contrapor |
Decisão para aprender e tomar pé, |
|
Evoluir no sofrimento, |
E, a partir deste momento, |
|
Com a lição aprendida, |
Cicatrizar a ferida. |
|
Deverias viver bem nas cicatrizes: |
Dor curada com lição bem aprendida. |
Todo o homem que cuidar que a dor matizes |
São apenas dum castigo do céu lida |
|
Como quem não entendeu |
O propósito do céu: |
|
É que o céu nunca castiga |
Por castigar quem obriga. |
|
Como aviso a dor nos vem, uma advertência, |
Resultado projectado de algo de antes. |
Entendendo o sofrimento, eis a aparência |
Do que quis e projectei logo operantes. |
|
Ao entender como agi |
Entendo a mudança aqui |
|
E quanto devo mudar |
Para a dor me abandonar. |
|
A ferida cicatrizo, |
Problema logo encerrado, |
Tal é o círculo que viso, |
De circuito então fechado. |
|
|
477 – Paixão |
|
Rebenta a paixão, pela campina, |
Centelha divina em explosão, |
E qualquer decência logo inclina, |
Tudo na pendência da intuição. |
|
A paixão é intensidade |
Do pensar no coração, |
Descalabro da verdade |
Perdida no turbilhão. |
|
Pela paixão faz-se tudo |
E tudo perde a paixão, |
Morre quenquer a que aludo, |
Impérios tombam no chão. |
|
Paixão é esquizofrenia |
E alma também, já que a cura, |
Dor e remédio num dia, |
Riso e choro que inaugura. |
|
Por paixão correram rios |
De sangue, arderam papéis, |
Negócios mais atavios, |
Planos alteraram reis… |
|
Paixão, o estado celeste |
De desconstruir matéria, |
Desconstrói tudo em que investe, |
Volta a construir, sidérea. |
|
Os apaixonados vão Além |
Sem o perceber sequer um dia: |
O estado de graça que contêm |
É o mais junto ao céu que se anuncia. |
|
|
478 – Instante |
|
A perguntar para ti mesmo |
A cada instante és convidado: |
“O que me a vida der a esmo |
Como é que o tenho utilizado?” |
|
Ao responderes positivo, |
Da própria vida reafirmas |
Basilarmente o objectivo |
Que é recriar-te (o que confirmas) |
|
Na mais grandiosa das versões |
Da visão mais sobrelevada |
Que alguma vez tens e propões |
De quem tu és, do imo à fachada. |
|
Ir trabalhando esta questão |
Poderás, pois, pelo caminho. |
De decidir não tens então |
Por toda a vida, eu te adivinho, |
|
Agora, aqui, só neste instante. |
Podes fazer esta pergunta |
Desde hoje em dia, de ora em diante, |
E descobrir que ela te junta |
|
O que funciona e faz sentido |
Nestas respostas, dia a dia. |
Felicidade é o que é vivido, |
Tens, desde já, paz e alegria. |
|
|
479 – Separados |
|
Quase todos os humanos crêem |
Uns dos outros separados irem: |
Não são parte dum só corpo, lêem |
No seu corpo, por distinto o virem. |
|
Acreditam que cortados são |
Dum ambiente em cujo meio vivem: |
Não fariam dum sistema são |
Parte alguma com que, enfim, convivem. |
|
Separados acreditam ir |
Do divino, pois um deus qualquer |
Deles se houve de, de vez, cindir: |
Não são parte eles jamais de Um ser. |
|
Esta crença a destruir-nos todos |
Anda já, na desunião dos modos. |
|
|
480 – Escasso |
|
O medo do escasso é vivido |
Duma tão completa maneira |
Que, parte integrante, fundido, |
Da interioridade se abeira, |
Em todo o lugar, eras fora. |
Não é pensamento em alguém, |
Antes realidade que mora, |
Erma, pelas terras além. |
|
Esta realidade confirma |
Todo o pensamento depois, |
Consolida-o mesmo, reafirma |
Apontado a iguais negros sóis. |
|
Há-de recriar pensamento |
Por ele a criada verdade, |
Renova-se a cada momento |
A negra ilusão que me invade. |
|
Começa então tudo a girar |
Destas ilusões em redor |
E quanto é real num lugar |
Como não real vou supor. |
|
|
481 – Excluis |
|
Do que outrem quer não faças nada |
Se a ti te excluis no que empreendes. |
Na vida muito do que agrada |
Agrada aos dois, se a bem entendes: |
|
Caminha em frente, neste caso. |
Só não actues se agradar |
Ao outro, a ti te põe a prazo, |
Se não te apraz aquele actuar. |
|
O agrado ao outro a ti te agrada |
Sempre que os dois compartilharem |
O mesmo fito além na estrada, |
Se for o mesmo por que ansiarem. |
|
O rumo é ver o que outrem quer |
E o que tu queres de igual campo: |
Verificado quanto houver, |
Aos dois vos liga um mesmo grampo. |
|
Surpreendido ficarás |
Da quantidade de ocasiões |
Em que, no que outro a ti te traz, |
Tens do que buscas teus quinhões.. |
|
|
482 – Energias |
|
Teu pensamento, acto e palavra |
São energias: movem, criam. |
Põem teus pés arando a lavra |
Donde arrebóis germinariam. |
|
O que ocorrer, quer inventado, |
Quer conseguido, quer refeito, |
Principiou como pensado |
Numa cabeça, de algum jeito. |
Incarna após em termos, frases |
Que foram ditas mundo além. |
Por fim gerou actos capazes |
De transmudar quanto convém. |
|
Três instrumentos de criar, |
Outros não há de que disponhas, |
Mas meios tens de real tornar |
Quanto imaginas quando sonhas. |
|
Não é de Deus fazer a escolha, |
Quem faz o quê nem quem recebe, |
Quem se distende ou quem se encolha: |
- É tua opção que o mundo embebe. |
|
|
483 – Liberdade |
|
A liberdade não se dá, |
A liberdade é tua essência, |
É quem tu és, no pendor lá |
De tua mais pura vivência. |
|
Intermutáveis, as palavras |
Deus, Liberdade ambas serão. |
É livre Deus e te escalavras |
Se tu livre és sem Deus à mão. |
|
É que alma em ti é uma expressão |
Individual de divindade, |
Do que és é o cerne, o Céu no chão: |
O imo o que sente é Liberdade. |
|
Também o Amor, uma expressão |
De Liberdade, a mais sublime. |
E a Liberdade, em contramão, |
É sempre o Amor quando se exprime. |
|
O Amor expresso livremente |
É o que Deus é, tal qual subsiste. |
É tudo o mesmo, diferente |
É o nome só do Igual que existe. |
|
|
484 – Escolha |
|
A tua escolha exercerás |
Vendo que estás fazendo a escolha. |
Livre és de estar onde tu estás, |
Outrem não faz a tua folha. |
|
De outrem não digas que te obriga, |
Que o que tu fazes tem razões |
Que são as tuas, sem a liga |
Das dos demais doutras opções. |
|
Frequentemente os homens tentam |
Culpar os mais de escolhas suas.. |
A liberdade é quando atentam |
Que suas são, que as criam nuas. |
Apenas fazes o que fazes |
Porque ao fim ganhas algo nisso. |
Não te desculpes do que aprazes, |
Livre é o que assume o compromisso. |
|
|
485 – Diferes |
|
Tem sempre escolha a conjuntura, |
Se tu diferes dos demais, |
Doutros efeitos vês a usura, |
Pagas, mas tens escolhas tais. |
|
Tuas escolhas teus desejos |
Reflectem sempre e teus valores. |
Espelham todos os harpejos |
Do que quiseres, do que fores. |
|
Portanto, a escolha não revela |
Que liberdade não terás. |
Pelo contrário, brilha, estrela |
Deste horizonte que te faz. |
|
Cada atitude é uma atitude |
Em que, fatal, tu te defines. |
Quem é obrigado, ao fim se ilude: |
Sempre outro há contra o que destines. |
|
Pais que abandonam deles filhos |
É que apresados mostrarão |
Não ser jamais por tais cadilhos |
E que os que os criam têm opção. |
|
Ninguém forçado a obedecer |
Em caso algum jamais se encontra. |
A coacção no imo do ser |
Jamais penetra: é a tua montra. |
|
|
486 – Cuidou |
|
Tudo o que é bom nos fará mal |
- Cuidou alguém em dia aziago. |
Convence os mais até, fatal, |
O mundo inteiro crer tal mago. |
|
Na negação de seus desejos |
E no combate contra eles |
Crêem que a Deus darão ensejos, |
Vão-lhe agradar, anhos imbeles. |
|
Criam a ideia de o terreno, |
Quando apaixona, os ir privar |
Dos bens divinos, do Bem pleno, |
Logo, a abstenção vão adoptar. |
|
Consiste a prática em negar |
Prazer terreno pelo empenho |
No que deveras importar: |
Felicidade à qual advenho, |
Mas não aqui, no Paraíso. |
De quem tu és como ir abster-te |
Para quem és ser no alto viso? |
Como não sendo ser solerte? |
|
Primeiro grau, ao ser sagrado, |
É ser completo, não castrado. |
|
|
487 – Abster-se |
|
Abster-se de algo não é usar |
Doutra maneira, é fim de todo. |
Do sexo o belo que é sem par, |
Dele a paixão e todo o engodo, |
|
O encantamento, a euforia |
Desenfreada, como a pura |
Diversão-mor que o sexo cria |
- Tudo é de Deus, que em mim o apura. |
|
Renunciar ao sexo, então, |
Renunciar seria a Deus. |
Não renuncies, pois, tu, não, |
Ao bom do sexo nem aos teus |
|
Maravilhosos, divertidos |
Momentos bons que houver na vida. |
Renúncia apenas, se vividos, |
Às dependências é devida. |
|
A dependência deles não |
Deve prender-te como um elo. |
Independência rejeição |
De tal não é, podes vivê-lo. |
|
Independente busca ser, |
Podes então tudo viver. |
|
|
488 – Sexo |
|
Como os humanos Deus acharam |
Que quereria uma recusa |
De todo o sexo, então tornaram- |
-No vergonhoso: usá-lo abusa. |
|
Em tempos, todos, sexuais |
Como as demais funções da vida, |
Tudo gozaram, naturais, |
Sem mais vergonha e com medida. |
|
Mas as culturas nos fizeram |
Pensar que ter sexuais vidas |
Muito evidentes, que aprouveram, |
Muito agradáveis, divertidas, |
|
Satisfazer seria então |
A natureza mais rasteira. |
Deus não podia, em tal questão, |
Gostar de tão grande lixeira. |
|
Religiões, seitas chegaram |
Mesmo a pregar uma abstenção, |
Única via que encontraram |
Da santidade, inspiração. |
|
Outros ali viram o fim |
Da raça humana. Então pregaram |
Que procriar seria assim |
Fito exclusivo dos que amaram. |
|
O sexo então sem ter bebés |
Estava errado, não procria. |
Contracepção são rapapés |
A quem se não refrearia. |
|
O sexo extra-conjugal |
Devém errado. Entre os mais novos, |
Sem casa ou filhos por ideal, |
Erro completo é para os povos. |
|
Por paixão pura ou só prazer, |
Amor ardente, urgente união |
Com quem se amar, é o sacro ser |
Violar do sexo, é aberração. |
|
Apreender tal alegria |
Por entre tanto fingimento |
E distorção se prenuncia |
Duro labor, muito tormento. |
|
A sexual funda alegria |
Vem da vontade responsável |
De bem lidar com a energia, |
Como no mais, na vida viável. |
|
Se irresponsável for o agir, |
Como em qualquer área da vida, |
Complicações há-de atrair, |
A efeitos pérfidos convida. |
|
Vai ser nefasto a quem o faz |
E os outros mais arrasta atrás. |
|
E todo o resto é de esquecer, |
Já que o que importa é só viver. |
|
|
489 – Fito |
|
Da vida o fito a ocasião |
É de te dar de anunciares, |
De vivenciares em teu chão |
Quem és deveras e o criares. |
|
À semelhança de Deus feito |
Que é Criador, tudo o que fores |
É ser mais um que presta preito |
Entre os demais concriadores. |
|
Por isso Deus não te dirá |
O que criar, como fazer, |
Senão não crias nada já, |
O que farás é obedecer. |
|
Obediência criação |
Não é jamais, nela não somos. |
Deus faz apenas doação, |
Decides tu do que dispomos. |
|
Presente-mor é nossa vida, |
A recriar qualquer agora, |
Versão actual mais conseguida |
De quem eu sou, no que em mim mora. |
|
|
490 – Sai |
|
Sai para o mundo e quanto fores |
Celebra alegre: os teus talentos, |
As esperanças, os valores, |
Sonhos que tens, visões, momentos… |
|
Celebra tudo o que te torna |
Ao Universo unificado, |
Que único mostra que és na jorna |
Em cada dia trabalhado. |
|
Porém não sejas insensível |
Ante os demais, que celebrar |
Jamais é impor, mesmo credível, |
Nenhuma ideia a alguém a par, |
|
Nem que ninguém desconfortável |
Se vá sentir na própria vida. |
Que celebrar acolhe fiável, |
Vive feliz e alegre lida. |
|
E dá de ti: vais perceber |
Que bem celebras vendo aquilo |
Que contribui para ti, quer |
Para os demais, de amor tranquilo. |
|
Ao contribuíres para a vida |
Contribuirá em teu favor |
A vida em troca: é promovida |
A tua cara e o teu vigor. |
|
|
491 – Energia |
|
Há de energia imensa troca |
Desde o momento em que nos vemos. |
Nossos sinais saltam da toca, |
São transmissores, puxam remos, |
Círculos rasgam em redor, |
Raios alongam no infinito. |
E se entrecruzam com um ror |
De infindos mais, que outros concito |
|
De seres, coisas, numa rede |
Interminável a emanar, |
Se interceptando em cada sede. |
Fisicamente há-de alterar |
|
Tudo o que existe tal cadeia. |
Tudo liberta emanações, |
É o que lá sinto que me ameia |
Sempre a mudar, mal te lá pões. |
|
À emanação reagem todos, |
Animais, plantas, mesmo a Terra, |
O inteiro Cosmos, de mil modos, |
Todo o Universo aqui se aferra. |
|
Todo o Universo emanações |
É por inteiro, é o que é o sistema, |
É o que unifica, uno em milhões, |
Depois o espelha e dele é o lema. |
|
|
492 – Deus |
|
Deus, quem és tu? Quem não serás? |
Nada, ninguém há que não sejas, |
Mesmo os que são pessoas más, |
Que tais serão, não do que almejas, |
Mas do que pomos nós por trás. |
|
O teu real jamais é o nosso, |
Embora seja o fundo ao poço. |
|
|
493 – Logro |
|
De modo algum logro ofender |
A Deus que é tudo eternamente. |
Nada que eu queira Ele requer, |
E não precisa, ao feliz ser, |
De nada nunca proveniente |
|
Do que eu pretenda lhe ofertar. |
Do que façamos não precisa, |
Do que deixemos de operar, |
Do que sejamos, nem, a par, |
Do que eu não seja e fragiliza. |
|
Que é que lhe importa o que eu tiver, |
Deixe de ter, seja o que for? |
Não lhe faz falta o que O temer, |
Nem quem O adore, nem sequer |
Quem O ame, já que Ele é o Amor. |
|
O mais é apenas fantasia |
Onde transpomos miopia. |
|
Então ninguém entende nada |
Do que é deveras nossa estrada. |
|
494 – Um |
|
Quando Um com todos tu te vires, |
Com tudo o que é, terás um certo |
Leque de ideias a que aspires, |
Do que resulta e não resulta |
Em teu pensar, termos de acerto, |
Como na acção que não é estulta. |
|
Se tu te vires separado, |
Ser longe doutros, de quanto é, |
Outro é o conjunto então ideado, |
Muito ao invés, na circunstãncia. |
Tudo depende do que ao pé |
Pretendes ter, ser nesta instância, |
|
De como entendes o objectivo |
Da vida inteira e da maneira |
Como então vive o laço vivo |
Que atas ou não a tudo o mais. |
Assim defines (e se abeira) |
Quem és por fim, os teus sinais. |
|
São tuas crenças disto acerca |
Que a teia criam de teu norte. |
Outro qualquer doutras se acerca |
Que o nortearão num outro rumo. |
E a Humanidade o que transporte |
O mundial fará resumo. |
|
|
495 – Gestos |
|
Ser de amor pode, finalmente, |
Não de temor, a relação |
Que entre nós temos e com Deus. |
Quando de Deus não for temente, |
Doutrem o medo do papão |
Irei mondar dos gestos meus. |
|
Começarei a acreditar |
Numa verdade mais sublime |
De quem Deus é: que Ele a ninguém |
Alguma vez vai magoar. |
E no que mais a vida exprime: |
Que ela perdura eterno além, |
Nada mais há senão o amor, |
E que os bens dela a todos bastam, |
Não é preciso ir a correr |
Para colher o que o suor |
E a natureza nunca afastam: |
De sobra bens para quenquer. |
|
E crerei mais de nós acerca: |
Que somos todos, todos Um. |
De cada qual verei o cume: |
Que nosso fim, bem contra a perca, |
É evoluir sem termo algum, |
Que à vida o eterno é o que a resume. |
|
É o que transforma a relação |
Que com Deus tenho e mais comigo |
E com os mais, por aí fora… |
Isto irá ter outro condão: |
Já não preciso mais de abrigo |
E antes o mundo mudo agora. |
|
|
496 – Religião |
|
Religião é diferente |
De espiritual realidade. |
Religião é instituição, |
O espiritual é coração, |
É vivenciar a intimidade. |
|
A instituição sempre inventada |
Foi a partir de alguma ideia |
Sobre a existência que se grada. |
Quando endurece, ei-la empedrada, |
Devém doutrina de si cheia.. |
|
Incontestável devirá, |
Ou se crê nela ou não se crê. |
O espiritual, livre que está, |
Nenhuma crença exigirá, |
Convida sempre: a vida lê! |
|
O que se torna autoridade |
É uma vivência pessoal, |
Não a palavra de inverdade |
De alguém alheio, uma entidade |
Que algo pregar, ocasional. |
|
Se alguém tivera de acolher |
Determinada religião |
Para com deus vir então ter, |
Implicaria que Deus quer |
Um trilho só no vário chão. |
|
Não vem de Deus um tal pendão, |
É dos que querem ter-te à mão: |
|
Querem fazer de mediadores |
Visando ao fim ser teus senhores. |
|
497 – Função |
|
A função primeira |
Da organização |
É a perpetuação |
Pela vida inteira. |
|
Quando ela cumpre o objectivo |
Para que foi criada um dia, |
Inútil fica e sem motivo. |
Por isto, então, nunca anuncia |
|
Por terminada uma função |
Que extinção logo lhe enuncia, |
Antes inventa a mutação |
Que a um tempo mais dê garantia. |
|
É o que acontece a religiões |
Como a qualquer organizada |
Actividade que te impões, |
Mas é pior se ela é sagrada. |
|
A religião que há mais milénios |
Ande a existir não quer dizer |
Grande eficiência de convénios, |
Antes o inverso é de prever. |
|
Tempo transcorrido |
É mais ganga falsa |
Pregada ao vestido |
Sem mais cor nem alça. |
|
|
498 – Arbítrio |
|
Para escolher em que acreditam |
O livre arbítrio todos têm. |
Na maioria as crenças ditam |
Duma experiência o que detêm. |
|
Porém os mestres, ao contrário, |
A vida vivem, deles crenças |
Não se baseiam no sumário |
Comum dos dias com sentenças. |
|
Sua experiência se baseia, |
Bem ao invés de todos mais, |
Em crenças próprias de mão cheia, |
Cheias de germes seminais. |
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Trocaram, pois, os mestres, tudo, |
Ou, ao invés, tudo ordenaram. |
E não faz mal que no Deus mudo |
Alguém não creia: todos aram |
|
O mesmo chão que Deus lhes deu. |
Não faz que deixe de existir |
Nele não crer fino ou sandeu: |
Creiam ou não, connosco há-de ir. |
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499 – Rota |
|
Nós somos Um, não parte aparte. |
Se não, então não entendeste |
Nada que a Vida anda a mostrar-te |
Os anos todos que viveste. |
|
A rota ainda não findou, |
Aliás, nunca é concluída: |
A conhecer quão uno sou, |
A eternidade, de seguida, |
|
Terei em mim para viver |
Nossa unidade a vir a ser. |
|
|
500 – Espera |
|
Se à espera estás do amor na vida, |
O amor então dá por que esperas. |
Se a compaixão andar delida, |
De compaixão sê fonte haurida |
Por todos quantos mais puderas. |
|
Se forem risos e alegria |
De que te queiras bem juncar, |
Leva-os contigo para a via |
Que palmilhares dia a dia, |
Outrem os põe a caminhar. |
|
O que esperares chegará |
Quando chegares tu com isso. |
Pois cada qual que é que será? |
És sempre aquilo de que já |
Ficas à espera com teu viço. |
|
|
501 – Acreditas |
|
No que acreditas tu te tornas, |
Escolhe bem a tua crença. |
Nem todos bebem destas dornas, |
Vivem sem ver que é tal a avença. |
|
É uma mensagem que mudar |
Bem poderia o mundo inteiro. |
Podes, vivendo, i-la enviar |
Discretamente em teu sendeiro. |
|
A si devolves tudo em torno, |
Mostrando a todos quem serão, |
Quem são deveras lá no forno |
Do imo profundo em que arderão. |
|
Eis a maior revelação |
E então serás mais um profeta, |
Em pensamento não só, não, |
Serás palavra a agir completa. |
|
|
502 – Flui |
|
Como é ser Deus? A vida inteira |
Do Cosmos flui através dEle, |
Porque Ele é a vida em toda a leira. |
É prodigioso ser Aquele |
|
Que vive, é Tudo, mui sereno, |
Nada requer, por ser feliz, |
De fora dEle: é Tudo em pleno. |
- E nós igual temos cariz. |
|
Que é ser assim? É ser completo, |
De vez inteiro, é ser perfeito, |
Bem acabado o chão e o tecto. |
E Deus é mesmo deste jeito. |
|
E o mesmo ocorre, em certo plano, |
Com todos nós, por trás do engano. |
|
Como é seguro! Nada o pode |
Ferir, vai ser eternamente. |
E o mais estranho que me acode |
- É que isto, igual, em mim se sente. |
|
E é divertido, a recriar |
Cada momento no seguinte. |
- Tal e qual eu, no meu lugar, |
A sonhar sonhos de requinte. |
|
Que maravilha Ele ser eu |
Como eu ser Ele: em mim há Céu! |
|
|
503 – Acumulada |
|
Não és dinheiro, aquele emprego, |
Não és teu carro, nem a casa, |
Nem qualquer coisa que, em sossego |
Acumulada, ao fim te apraza. |
|
Aquilo é aquilo, tu és tu. |
Com ou sem ele, continuas |
Tu a ser tu. Se te vês nu, |
É que trocaste as roupas tuas. |
|
Mas tu inteiro, em tal revés, |
Tu continuas sendo o que és. |
|
|
504 – Compreender |
|
A compreender já principias |
Que não tens bens, quaisquer que sejam: |
És responsável por uns dias |
Por certas leivas que se vejam. |
|
Se bem tomares conta delas, |
Delas então desfrutar podes |
E viverás, ante as estrelas, |
Mil festas, mil, com que te engodes. |
|
Quando é que adrega que libertas |
Delas as mãos mui facilmente? |
Delas há mais, além despertas, |
E não as és, quem o for mente. |
|
505 – Vazio |
|
Sabedoria e cura nascem |
Do esvaziamento do interior. |
Lá mora Deus e os sonhos pascem, |
A quenquer se há-de tal impor. |
|
Encontrarás a paz aí, |
Encontras Deus à tua espera. |
É no vazio então que em ti |
O medo, a dor, a angústia fera, |
|
Todo o temor desaparecem: |
A mente pode serenar. |
Por muitas vias que aparecem |
Poderás sempre ali chegar: |
|
Dando um passeio solitário, |
De bicicleta pedalando, |
Fruindo um canto originário, |
Numa jangada flutuando, |
|
Haurindo até meditação, |
Uma oração que abre ao infindo… |
Ama o vazio em teu fundão, |
É teu canto íntimo benvindo, |
|
Teu interior de divindade. |
É natural que tenhas medo, |
Nunca o vazio ao fim te agrade, |
Que não tem rosto nem tem credo. |
|
Não tenhas medo tu, porém, |
Encontrarás teu real Eu, |
Que não és coisa alguma além, |
Nem as que julgas ter de teu. |
|
Da vida as coisas instrumentos, |
Teu corpo até, são com que podes |
Experienciar pelos momentos |
O que és deveras quando acodes. |
|
Vais descobrir, utilizando |
Teus instrumentos, que os não és: |
És seu mentor. E transformando |
A vida irás de lés a lés. |
|
|
506 – Medidas |
|
Há metros outros de sucesso: |
Fazer o que enche de alegria, |
Em que horas e horas me perdia, |
Até de graça, que o nem meço, |
Sem do que pagam me ocupar, |
Criar aquilo de que gosto… |
Não ganho a vida assim, aposto, |
Mas posso ter outra medida: |
- Em vez de a vida vir ganhar, |
Preferir antes tecer vida. |
507 – Diferença |
|
Entre ti mesmo e outro qualquer |
Há diferença, não ruptura. |
O teu mindinho outro há-de ser |
Que o polegar, mas o que apura |
|
É que não há separação. |
Ambos são parte de igual mão |
|
Que parte faz doutro maior |
Conjunto, o corpo ordenador. |
|
Da mesma forma exactamente |
Fazem os homens parte firme |
Do corpo cósmico evidente, |
De Deus o rosto que O afirme. |
|
E como Deus para voltarem |
A vivenciar-se, então recordem |
Quem são de vez: se reatarem |
Os nós que os unem, tais se abordem, |
|
Corpo de Deus são desmembrado, |
Que se remembrem. É que ao lado |
Se não amar alguém escolhem |
A si não amam e se tolhem: |
|
Então verão como evidente |
Que é desamor por si somente. |
|
|
508 – Mesma |
|
Os outros amam ou criticam |
A mesma parte que haja em ti, |
Conforme branda a verificam |
Ou extremada aqui e ali. |
|
O que é espontâneo com medida |
É irresponsável sem a brida. |
|
Se corajoso muito fores, |
És imprudente ao tal te expores. |
|
Quando confiante te revelas, |
És egocêntrico, se velas. |
|
Pronto a tomar as decisões, |
És um mandão, se sem travões. |
|
Se bem resolves o problema, |
“Só do meu modo!” – dizem teu lema. |
|
Senso de humor bem refinado |
É pouco sério, doutro lado. |
|
- Do mais ou menos que proclamam, |
O mesmo em ti criticam e amam. |
|
509 – Consegue |
|
Quando outrem amas sem ideia |
Do que consegue ou vai fazer |
Por ti, contigo, em ti se ateia |
Um fogaréu tudo a esquecer. |
|
É decisão tão elevada |
Que um alvor brota em ti de amor, |
Raio de sol na madrugada, |
E doira o mundo de esplendor. |
|
Em teu redor respiram bem |
Os indivíduos e, portanto, |
Enlaçam bem todos também |
Quanto os atar a teu encanto. |
|
Todos aumentam de harmonia, |
Na sincronia nada arriscas |
E o coração, em correria, |
A palpitar, chispa faíscas. |
|
|
510 – Momento |
|
Desde o momento em que as revi |
Viver não logro já sem elas, |
Certas pessoas, no imo, aqui, |
E mais aquela dentre aquelas. |
|
Não é verdade, mas eu creio |
E então parece que é verdade. |
Vai-me tornar, bem o receio, |
Muito infeliz, que me persuade |
|
De que feliz jamais serei |
Sem ela aqui, na minha vida. |
Depois não basta, buscarei |
Tê-la ligada, de seguida. |
|
E depois quero-a um pouco além, |
No tempo livre que tiver. |
Logo a seguir pouco é também, |
O tempo todo a irei querer. |
|
Chego a afirmar que morreria |
Sem eu a ter sempre a meu lado. |
Parte de mim se finaria |
Quando ela em mim se houver findado. |
|
Por que uma parte em mim não morra |
Por eu ficar sem ela, só, |
Irei matar, quão mais eu corra, |
Dela uma parte feita em pó. |
|
Mato-lhe o espírito, asfixio |
Com meu amor o ar que respira, |
Tiro-lhe o alento, apreso o rio, |
Se a mais prender, mais se retira. |
|
E ela terá de libertar-se |
Para poder sobreviver, |
Fugir de mim, para salvar-se. |
E é pena, que ela bem me quer |
|
E me podia ter amado. |
Mas nunca alguém já poderia |
Satisfazer em nenhum lado |
Tudo de que eu precisaria. |
|
|
511- Ver |
|
Talvez haja perfeição |
Nas coisas tais quais estão. |
Basta ver, basta ver o que serão. |
|
E basta para quenquer |
De infeliz passar a ser |
Tão feliz, tão feliz! É só tal ver… |
|
O que quer que acontecer, |
O que quer que se passar, |
A perfeição é de ver, |
De nela só reparar. |
|
No que a ocorrer não estiver |
Mas como a estar bem quererias, |
A perfeição trata de ver, |
E vê quão mudam os teus dias. |
|
|
512 – Evolução |
|
Se isto souberes, tudo muda: |
Há evolução em qualquer alma. |
Deixas de ver o que te iluda, |
Já como dantes não te empalma. |
|
Mesmo as tragédias o não são, |
São oportunas ocasiões |
De anunciar, criar teu pão, |
Ser e exprimir tuas feições. |
|
De te tornares são momento |
E de cumprires quem mesmo és. |
O mundo inteiro deste evento |
Palco é criado por teus pés. |
|
Todo o Universo é o palco, enfim, |
E a Terra, o canto onde te encontras. |
Tua plateia sem confim |
São do infinito as vastas montras. |
|
|
513 – Busca |
|
Em vez de alguém a quem amar |
Busca tu ser quem pode amar-se. |
Envia aquilo que a ansiar |
Te faz andar por receber. |
Desde já sê, sem mais disfarce, |
Quanto desejas tu viver. |
|
O que procuras, sê-o então, |
Encontrar-te-á tudo o que em vão |
|
Já procuraste e anda perdido. |
Todos procurram sempre o mesmo, |
O mundo inteiro percorrido, |
Passos de acaso em terra a esmo. |
|
Não sejas mais um que procura, |
Sê quem os mais buscam na altura. |
|
|
514 – Escola |
|
A escola ensina factos dados |
E não ideias, são danosas |
Quando manter se quer os fados |
Tal como estão na dor que glosas. |
|
Em manter tudo tal e qual |
As sociedades empenhar-se |
Irão por norma, que é o sinal |
Que as convenceu a congregar-se. |
|
A sociedade é sempre a massa |
Constituída na unidade |
Duma visão com que argamassa |
E se figura a realidade. |
|
As tradições compartilhadas |
Instituições geram coerentes, |
Actividades religadas |
Com interesses dependentes. |
|
O que ameaça uma tal teia |
Terá de ser bem combatido. |
Jamais o ensino então ameia |
Sequer mantê-lo no sentido. |
|
Ameaçador nada mais é |
Do que pensar novas ideias. |
Numa criança é de ter fé |
Se ela aprender pensando a meias. |
|
Pensar implica ponderar. |
Porém, se o novo ninguém quer, |
Implica apenas decorar |
Toda a tarefa de aprender. |
|
|
515 – Apaixonados |
|
Apaixonados e casados |
Poderão todos continuar, |
Só no que crêem é mudar |
Para mudar destinos dados. |
Terão de crer que decisão, |
Não reacção é sempre o amor. |
E decidir que se amarão |
Como no tempo do fulgor. |
|
Tudo um ao outro perdoavam |
Naquela altura, se é que viam |
Algo a perdoar: acreditavam |
Comum o sonho em que ambos criam. |
|
Hoje imaginam que divergem |
Os interesses que procuram, |
Parece às vezes é que aspergem |
Santos rivais que já não curam. |
|
Mas raramente é o que parece, |
Pois todos querem sempre o mesmo: |
O fito atrás do que aparece |
É de o buscar na vida a esmo. |
|
Ao procurar bem lá no fundo |
Doutrem, encontras o que é teu, |
Ambos partilham um fecundo |
Gosto comum que se esqueceu. |
|
É na abertura a procurar |
O alvo comum que cumpriremos |
Do amor o fito tutelar |
De sermos nós o que seremos. |
|
|
516 – Assustadora |
|
Assustadora, indesejada, |
A morte nunca tem de ser, |
Só tua escolha à morte dada |
Pode ou não dela tal fazer. |
|
Tal como tudo o que há na vida, |
Tudo depende da abordagem, |
Ponto de vista que, em seguida, |
Te perspectiva toda a viagem. |
|
Se medo tens do que vier |
Depois da morte, atemoriza; |
Se à morte crês que emurchecer |
Tudo há-de um dia, martiriza, |
|
Medo hás-de ter de ela chegar. |
Se, ao invés, ficas bem seguro |
Do que ali te há-de coroar, |
Sereno acabas com apuro. |
|
Podes sentir certa tristeza, |
De excitação já compensada, |
Como ir viver na redondeza, |
Mudar de emprego, a festa ansiada… |
|
Então a morte é benefício |
E de temor não tem resquício. |
517 – Bênção |
|
Chama de bênção aos momentos, |
Mesmo aos de mágoa que te ferem, |
Que desapontam, dão tormentos. |
Usa o poder de todos verem |
|
Tudo tal qual como o escolherem, |
Despoja-os já de sofrimentos: |
Se mesmo em mágoa te ocorrerem, |
Impor não podem sentimentos. |
|
Aprende a ver numa derrota |
Degraus na escada da vitória: |
Derrota nem leias na rota, |
Vitória outra anota em glória. |
|
Nos infortúnios quando vires |
Da vida a oferta que te deu, |
A pior tragédia que sentires |
Sente-la tal Cristo a viveu: |
|
Há o que é fatal e que quebrado |
Não pode ser, existe a paz |
Indestrutível, nosso fado, |
E a festa infinda que nos faz. |
|
|
518 – Eternidade |
|
Deus, sendo o que é mais o que foi |
E tudo aquilo que há-de ser, |
Eternidade é que destrói |
Do tempo o quadro que eu viver. |
|
Eterno então serei como Ele |
Porque eu e Ele somos Um, |
Sou o que Ele é e Ele é o que eu sou: |
Somos o mesmo noutra pele, |
Somos a vida que em comum |
Sempre exprimimos num só voo, |
Somos aquilo que é, a ser, |
Ambos o somos, tal quenquer. |
|
Ele é a Total soma de tudo, |
Eu, a parcela que se exprime |
Homem aqui, mas sobretudo |
Se não separa, antes se arrime. |
|
Quando deixar de me exprimir |
Como homem só e então morrer, |
Continuarei sempre a existir, |
Parte de Deus nEle a viver. |
|
Nem poderei não o fazer, |
Parte que sou de Deus eterno, |
Pois o que for deixar de ser |
Não posso nunca: é o Ser superno. |
|
|
519 – Necessidade |
|
Necessidade é no que crê |
A humana raça: crê que há bens |
De que precisa e os meios vê |
Insuficientes para os trens. |
|
Desunião, como fracasso, |
São outro credo em que ela aposta. |
No superior, se bem que escasso, |
Firme acredita, é do que gosta. |
|
E condiciona todo amor |
E sempre o creu condicional. |
E crê que Deus impõe um ror |
De condições, a bem e a mal. |
|
Crê que há exigências para amado |
Alguém o ser e julgamentos |
Devem fazer-se e condenado |
Ser quem falhar nos condimentos. |
|
Como acredita no sistema |
Do julgamento, da escassez, |
Condenação, e tem por lema |
Crer no fracasso e na altivez, |
|
Vai comportar-se então de acordo |
Com estas crenças: vai criar |
Toda a miséria que hoje mordo, |
O mundo e o tempo a torturar. |
|
Não é possível, crê, negar |
Nem reformar aquelas crenças |
Porque não sabe nem lograr |
Há-de saber outras sentenças. |
|
A raça humana na ignorância |
Sempre acredita sem apelo. |
Eis a terrível manigância, |
A letal fonte de atropelo. |
|
|
520 – Inferno |
|
Vivendo o inferno não estamos, |
Que não existe tal lugar. |
É uma experiência de apagar |
Quem realmente nós sejamos, |
|
Pensar que estamos separados |
Do Todo, Deus, eternamente, |
Nada valemos dignamente |
E não podemos ser amados. |
|
O inferno é crer que inúteis somos, |
Sem esperança nem sentido. |
Não somos nunca tal rasquido, |
Mas quem recorda os quês e os comos? |
|
Forma segura de acordar |
Memória firme de quem são |
É recordar, aos mais que irão |
Muito esquecidos, seu lugar. |
|
Se cada qual sempre fizer |
Que outrem se lembre, tudo ao fim |
Vai recordar quem for, assim, |
De Deus semente por crescer. |
|
É do trabalho parte a agir |
Enquanto andamos cá na Terra, |
Viva energia, em quem se aferra |
Germina alegre a divertir. |
|
Podes fazê-lo num sorriso, |
Um termo além de simpatia, |
Gesto de amor que então te guia. |
Pequenos nadas e, conciso, |
|
Todos devolves a si, puros. |
Tornam à ideia mais sublime |
De quem são mesmo e então, seguros, |
O poder tomam que os encime. |
|
O Paraíso, ei-lo à mão, |
Estado de alma que nos une |
A Tudo o que é, com a visão |
De sermos esse mar que enfune |
|
Todo o velame do que somos, |
Mesmo se nós o não sentimos. |
Vivo num sonho, nele pomos |
Toda a ilusão do real que vimos. |
|
Quando morrer, eis-me a acordar |
Do falso sonho e na verdade |
No real supremo a penetrar, |
Do paraíso a identidade. |
|
Não é um lugar o Paraíso, |
É de consciência um certo estado, |
Físico alcance não diviso |
Que há nele algum, é vivenciado. |
|
Como imo sempre viverei, |
A vida é eterna e a morte, apenas |
Um horizonte: saltarei |
E verei logo, Mar, que acenas. |
|
|
521 – Mais |
|
O pensamento mais sublime |
É sempre aquele que contém |
Toda a alegria que te arrime. |
|
Tua palavra que é mais clara |
Vai ser aquela que retém |
Maior verdade, a luz mais rara. |
O sentimento mais grandioso |
É o que mais longe vai e vem: |
- É sempre o amor que dou e gozo. |
|
|
522 – Ironias |
|
Das ironias a maior |
Tanta importância é termos dado |
De Deus aos Livros de esplendor |
E a Vida pouco haver amado. |
|
Tão pouco vale uma experiência, |
Que o que de Deus experiencio, |
Se diferir da sapiência |
Dita de Deus, meu atavio, |
|
Logo descarto o vivenciado |
E me apodero das palavras, |
Bem ao invés do programado, |
E alheias torno minhas lavras. |
|
Nossa experiência e sentimentos |
Desvendam factos de intuição. |
O termo aponta-o por momentos, |
Mas trai depois o fértil chão. |
|
|
523 – Mensagens |
|
De Deus as mensagens são ouvidas? |
Larga maioria não o é nunca, |
Umas por demais e desmedidas |
Se nos antolharem nesta adunca |
|
Fereza que rasga a carne aos dias; |
Outras, por difíceis de entender, |
Que à razão excedem demasias; |
Muitas, deturpadas vêm a ser; |
|
Todas quase, enfim, por recebidas |
Não serem de alguém, sem mais razão. |
Maior mensageiro, sem medidas |
E mais poderoso os actos são |
|
Da vivência do imo e até mesmo isto |
Ignoramos todos. Sobretudo, |
Aliás, será disto que desisto. |
- É assim que de Deus me enfim desgrudo. |
|
|
524 – Prece |
|
A prece correcta não é nunca |
De súplica a prece, é gratidão. |
Antes se agradece o chão que junca |
Agora amanhãs que então serão. |
|
A Deus obrigado antecipado |
Afirmar, confirma que já existe |
O que vivenciar se há programado. |
Reconhecimento ao que não viste |
|
Deus afirma mais que tudo o mais: |
Antes de pedir, já tal pedido |
De encontrar havemos, nos sinais, |
De vez e deveras atendido. |
|
Não suplicaremos, pois, jamais: |
Agradeço, em troca, o pressentido. |
|
|
525 – Êxito |
|
Ensinaram-te a viver com medo, |
Sobrevive o que é mais apto, contam, |
A vitória do mais forte apontam, |
E ter êxito é do esperto o credo. |
|
Muito pouco do triunfo falam |
Do amoroso: dos que tudo abalam. |
|
|
526 – Roupagens |
|
Nossos corpos com roupagens vai |
Envolver malsão temor febril. |
Permitir vai-nos o amor que atrai |
Desnudados caminhar aos mil. |
|
Pega o medo, a se agarrar a tudo. |
Totalmente se despoja o amor. |
Cerca o medo. O amor enlaça e grudo |
Ao que houver de me ofertar calor. |
|
Prende o medo. O amor liberta e guia. |
Alivia o amor. O medo infecta. |
Pacifica o amor. O medo, enguia |
Que se infiltra, o vil veneno injecta. |
|
Pensamento, acto ou palavra humana, |
Qualquer deles sempre assenta numa |
Emoção, dentre estas duas mana, |
Outra via não terás alguma. |
|
Mas o arbítrio teu liberto pode |
Qual das duas escolher lhe acode. |
|
|
527 – Membro |
|
És, sempre serás e sempre foste |
Uma divinal do Todo parte, |
Do Todo divino, membro-poste |
Do corpo infinito. Quando acarte |
|
A tua atitude ao Todo a unir, |
Retornando a Deus, a chama que és, |
Irás remembrar-te, escolhes ir |
As partes de ti coser de vez. |
|
É o remembramento teu, de modo |
A teu todo ser de Deus o Todo. |
|
|
528 – Chegar |
|
Não é da vida o objectivo |
Chegar a um lado, a um qualquer, |
Que já lá estás é perceber, |
Sempre estiveste, sem motivo: |
|
Eternamente, sempre estás |
De criação pura em momento. |
Da vida o fito ei-lo, aliás: |
Criar, no termo, quem, no intento, |
|
És tu e aquilo que estás sendo |
Experienciá-lo, promovendo-o. |
|
|
529 – Ocorrência |
|
Não tem nada a ver o sofrimento |
Com uma ocorrência dum evento: |
|
É como o indivíduo reagir |
Ao facto que à frente lhe surgir. |
|
Aquilo que ocorre é o que ocorrer, |
Já como o encarar é que é de ver. |
|
O instrumental temos para agir |
No acontecimento que agredir, |
|
Que a dor elimina ou minimiza, |
Que apenas ninguém ainda utiliza. |
|
|
530 – Jogo |
|
Entrar no jogo espiritual |
É dedicar a tua mente, |
Todo o teu corpo, por igual, |
Alma integral, impenitente, |
|
A te criar à semelhança, |
De Deus à imagem sem tardança. |
|
E perder nisto a tua vida |
Para ganhá-la de seguida. |
|
|
531 – Espaço |
|
Quando no espaço teu divino, |
Sabes e entendes que o que estás |
Experienciando e teu destino |
É temporário, um sopro o traz: |
|
O céu e a terra passarão, |
Tu, porém, não. A eternidade |
Ajuda a ver quão pouco são |
Do real as montras da verdade. |
|
|
532 – Virá |
|
Minha verdade sobre Deus |
De Deus virá, me dizem muitos, |
Padres, pastores, mestres meus, |
Rabinos, líderes fortuitos, |
|
A Tora, a Bíblia, o Alcorão… |
Mas fidedignas não são fontes. |
Teus sentimentos são torrão |
Donde o sublime tu despontes, |
|
Teus pansamentos da Raiz: |
Escuta a tua experiência. |
Sempre que a mente outro matiz |
Recolhe em tua sã vivência |
|
A diferir do que já leste |
Ou do que ouviste ao mestre eleito, |
Rasga as palavras, serão peste |
A confinar-te morto ao leito. |
|
São as palavras o emissor |
Menos fiável da verdade. |
Escuta atento o interior; |
Aí Deus fala e persuade. |
|
|
533 – Revela |
|
Se se revela Omnipotente, |
Deus rei do Céu como da Terra, |
Para o provar se move a serra, |
Alguém dirá que é Diabo ingente. |
|
Deve assim ser, pois Deus não mostra |
O imo divino no exterior, |
Observação de algum factor, |
É no interior que tem amostra. |
|
Quando num imo se revela |
O coração de Deus pulsando, |
Ver cá por fora um como ou quando |
Não é preciso numa tela. |
|
Se o exterior for requerido, |
É que é impossível o interior |
Deveras ser e com vigor |
Então de alguém de vez vivido. |
|
Revelação, se for pedida, |
Não poderá ser satisfeita, |
Que afirma, falsa, esta suspeita: |
Que não exista já na vida, |
|
Que de Deus nada agora está |
Neste momento a revelar-se. |
A afirmação vai recriar-se, |
Igual vivência gerará. |
|
Teu pensamento é criativo |
E produtivo o teu conceito. |
Juntos, então, talham a eito |
A realidade com que és vivo. |
|
|
534 – Escolhes |
|
Escolhes a acção promovida por medo, |
Que vo-lo ensinaram. Porém, eu ensino |
Que uma acção movida de amor o destino |
Acaba talhando com outro segredo: |
|
Sobreviver, não, vencer será mais, |
Mais que êxito obter – neste caso consegues |
Vivenciar em pleno o que em ti bem delegues: |
Do que podes ser e do que és os sinais. |
|
Irás pôr de lado a lição de tutores |
Bem intencionados mas mal informados |
E os ensinamentos ouvir dos guiados |
Da sabedoria da fonte de amores. |
|
Entre nós há mestres de sempre, que os houve |
E sempre haverá que poder vão mostrar |
E nos recordar, ensinar, orientar |
Naquelas verdades que o homem não ouve. |
|
Contudo, de fora ninguém é melhor |
A nos recordar que esta voz em nosso imo, |
Primeiro instrumento em que Deus trepa ao cimo, |
O mais acessível ao bom ouvidor. |
|
A voz interior é a que mais faz ouvir |
De Deus as palavras por ser a mais junta |
Que de nós se encontra (se o fundo se assunta) |
A profundidade me ousando atingir. |
|
É a voz que te diz se serão verdadeiras |
Todas as demais, ou se falsas, erradas, |
Se boas ou más, é o radar nas estradas |
Que te traça as rotas, assim o requeiras. |
|
Por este padrão concluir poderás |
Se serão palavras a ser escutadas |
Ou, pelo contrário, se cada te traz |
A contrafacção que tas torna ignoradas. |
|
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535 – Responsável |
|
Só quando logras aceitar |
Ser responsável pelo todo |
É que então podes alcançar |
Mudar a parte com denodo. |
|
Se defenderes o conceito |
De que existe algo ou mesmo alguém |
Por ti a agi-lo, deste jeito |
A ti retiras, teu refém, |
|
De fazer algo o teu poder: |
Só se afirmares “eu fiz isto” |
Descobrirás, como quenquer, |
De transformar o dom benquisto. |
|
Mudar aquilo que fizeres |
É bem mais fácil que mudar |
O que outrem faz, os teus talheres |
São os que podes arear. |
|
Primeiro passo de mudar |
É perceber mais admitir |
Que quanto houver a transformar |
É tal e qual se quis fruir. |
|
Se o não admites pessoalmente, |
Fá-lo através da afirmação |
De que nós somos Um somente, |
Todos um feixe em união. |
|
Procura então criar mudança, |
Não porque errado algo estiver, |
Mas porque já te não alcança |
Testemunhar quanto vais ser. |
|
Existe apenas um motivo |
De operar algo: testemunho |
Perante todos de que vivo |
E de quem sou, da mente ao punho. |
|
Desta maneira usada a vida |
Devirá logo autocriadora: |
Como quem és a ser convida, |
Como quem sempre, sem demora, |
|
Quiseste ser. Existe apenas |
Uma razão de desfazer: |
Algo já não, no que condenas, |
Não testemunha quem vais ser, |
|
Já não reflecte a tua imagem, |
Te representa ou re-presenta. |
Se desejares, na viagem, |
Correcto ser quem se apresenta, |
|
Tens de empenhar-te em mudar tudo |
Que em tua vida não se enquadra |
Na projecção que, sobretudo, |
De ti desejas, nesta quadra, |
|
Lançar além, na eternidade. |
As coisas más que sempre ocorrem |
De tua opção são entidade: |
Errado não é que se aforrem |
|
É que lhes chames de vez más. |
Chamando-as más, de mau te chamas, |
Pois foste tu, que és tão capaz, |
Que as tais criaste, ateando as chamas. |
|
Este é um teu rótulo que não |
Consegues nunca em ti colar. |
Então, em vez de tão malsão |
Cada qual, pois, se rotular, |
|
Renega a própria criação. |
Tal malvadez intelectual |
É que aceitar permite o vão |
Do mundo estado tão letal. |
|
Se de admitir tiveras, grave, |
Se ao menos sentes a noção |
De responsável ser da cave |
Que o mundo prende à escuridão, |
|
Isto seria diferente. |
Se todos foram responsáveis, |
Sê-lo-ia mais, mui certamente. |
Por óbvio ser, desagradáveis |
|
São e penosas tais verdades. |
Muito cruéis calamidades |
Como terríficos desastres |
São naturais: os furacões, |
Tornados, cheias, desencastres |
De prédios, carros, os vulcões, |
Perturbações de terramotos, |
- Não são criados, não, por nós. |
O que é criado, em gestos botos, |
A intensidade é com que após |
|
(E a graduação) com que isso afecta |
As nossas vidas. Acontecem |
No Cosmo eventos cuja recta |
Visão será que não carecem |
|
De nossa mão a incentivá-los, |
A dar origem: são criados |
Pela consciência sem abalos |
Total, global, fundura em dados |
Da Humanidade e mundo inteiro, |
Do Cosmos todo co-criando. |
O que faz cada, em seu quinteiro, |
Será por elas ir passando |
|
E descobrindo, se o houver, |
Para si próprio qual o alcance |
Que tudo então poderá ter |
E quem ele é, mesmo que canse, |
|
Em relação a tudo aquilo. |
Por conseguinte, nós criamos, |
Num colectivo de sigilo, |
Como indivíduos em mil ramos, |
|
As conjunturas, mais a vida |
Por que a correr nós sempre andamos, |
Cumprindo a efémera medida |
De evoluir, ligando os tramos. |
|
A forma menos dolorosa |
De este caminho abrir em frente |
Não muda nada que se entrosa |
Fora de nós, no mundo assente. |
|
Dor excluir que associamos |
Às experiências terrenais, |
Nossas ou não, não corta ramos, |
Mas formas só como o encarais. |
|
Mudar o evento do exterior, |
Do colectivo assim criado, |
Não podes: muda o interior, |
Até Deus ser em ti gerado. |
|
|
536 – Ajuízes |
|
Não ajuízes nem condenes, |
Não sabes nunca que razão, |
Finalidade, embora penes, |
A acontecer leva uma acção. |
|
Lembra-te, aquilo que condenas |
A condenar-te virá um dia |
E o que julgares, actos, cenas, |
Te tornarás, tal por magia. |
|
Ao invés disto, as coisas muda |
Ou então quem ande a mudá-las |
Apoia lesto com ajuda, |
Se ora reflectem, ao topá-las |
|
A mais sublime das noções |
Do que vais ser e de quem és. |
Tudo abençoa, as criações |
São de Deus gestos, através |
|
Da vida cósmica, vivência |
Da Criação por excelência. |
537 – Intrínseco |
|
O estar errado ou certo estar |
Não é um intrínseco estatuto, |
É um subjectivo ajuizar |
Num pessoal quadro diminuto |
|
De valorar. Através disto, |
De teus juízos subjectivos, |
Crias-te a ti, dizes “existo”, |
Comprovas teus os objectivos, |
|
Demonstras quem, enfim, tu és. |
O mundo existe exactamente |
Desta maneira, aos rapapés, |
Para que possas ter em mente |
|
Os teus juízos. Se existira |
Em perfeição, o teu caminho |
De autocriar, que a ti te inspira, |
Ao fim chegara de mansinho. |
|
Dum advogado acabaria |
Toda a carreira amanhã logo, |
Se mais contendas não havia |
Judiciais pegando o fogo. |
|
Como a do médico, se não |
Houvera mais qualquer doença. |
E a do filósofo, a questão |
Se se findar numa sentença. |
|
Até de Deus acabaria |
Toda a carreira amanhã já |
Se mais problemas não havia |
Com que Ele um mundo inventará. |
|
|
538 – Defende |
|
Defende as tuas convicções, |
Mantém-te fiel a teus valores, |
Pois de teu pai são as lições, |
Dos pais dos pais os bons pendores, |
De amigos teus, comunidade, |
Do que mais fundo vos agrade. |
|
De vossas vidas a estrutura, |
Perdê-los era desfiar |
Todo o tecido que segura |
Tua experiência singular. |
Mas examina-os um por um, |
Que não escape mesmo algum. |
|
Não desmanteles tua casa, |
Cada tijolo inspecciona |
E substitui o que te apraza |
Se ele, partido, não se abona, |
Já não aguenta as estruturas, |
Que assim de risco o lar depuras. |
Do errado e certo os pensamentos |
São isto apenas, tua ideia |
Que molda e cria os elementos |
De quem tu és, substância cheia. |
Só há um motivo de mudar |
Qualquer um deles: não chegar |
|
A quem tu és satisfazer |
Nem quem quiseres vir a ser. |
|
|
539 – Desejo |
|
O desejo augura a criação que vem, |
Primo pensamento, uma emoção larvar, |
De alma no interior: a resolver também |
É Deus o que vai logo a seguir criar. |
|
De Deus o desejo, no lugar primeiro, |
É de conhecer-se, experienciar-se em tudo, |
Dele em toda a glória, ver o Eu-Sou cimeiro: |
Antes de inventar-nos não o via, mudo. |
|
Em lugar segundo, quer que nós saibamos, |
Experimentemos quem realmente somos, |
Com este poder que nos vem dar os tramos |
De nos recriarmos sempre em novos tomos. |
|
Em lugar terceiro, quer que toda a vida |
Seja uma experiência de alegria plena, |
De criação vera, de expansão corrida, |
De realização enchendo toda a cena. |
|
Tudo no presente, este momento, agora, |
Que com Deus um homem nunca tem demora. |
|
|
540 – Leis |
|
Deus definiu leis universais que ter |
Nos possibilitam e criar aquilo |
Que precisamente cada qual quiser. |
Tais leis infringidas não podemos ver |
Nem mesmo ignoradas por qualquer sigilo. |
|
Vamos a cumpri-las a qualquer momento |
E não respeitar a Lei jamais podemos. |
Assim funciona todo o real evento: |
Ninguém afastar-se disto tem o alento, |
Nem logra existir, que ninguém fora vemos. |
|
Em todo o momento duma vida inteira |
Tu tens existido dentro desta lei. |
Quanto experienciaste terá sido a leira |
Que por ti abriste nesta infinda jeira: |
Pelas mãos te crias – és de ti teu rei. |
|
|
541 – Leprosos |
|
Uns mentais leprosos somos todos nós, |
Carcomida a mente nos acaba a ser |
Pelo pensamento negativo a sós. |
Algumas ideias são impostas, quer |
|
Por outrem e o meio, quer por vã cultura. |
Mas muitas, porém, vamos ser quem as cria, |
Nós que as evocamos na pior altura |
E após acolhemos por fiável guia. |
|
Então alimentam-nos por meses, anos, |
E nem reparamos como somos crentes |
Destes pensamentos que são só de enganos, |
Depois admiramo-nos de andar doentes. |
|
|
542 – Nível |
|
Ao nível primeiro o pensamento cria |
E a palavra após que é pensamento expresso. |
Sendo criativo, infiltra cada dia |
Germes de energia em seminal começo |
|
E todo o universo fecundado fica. |
Dinâmicas mais são as palavras, pois |
São mais criativas: o pensar se aplica |
Nelas mundo fora, a o cravejar de sóis. |
|
Atingem, alteram, afectar vão, mudam |
O Universo inteiro com o impacto-mor. |
As palavras são, quando no mundo acudam, |
O segundo nível de invenção me impor. |
|
Depois vem a acção: em movimento o termo, |
Palavra a incarnar, com corporal teor. |
Acto é o movimento da palavra no ermo, |
Vai-se o pensamento na palavra pôr, |
|
Pensamento é ideia já formada, enfim, |
A ideia a energia acumulada tem |
E toda a energia é força livre. Assim, |
A força é elemento a persistir também, |
|
São os elementos divinais faúlhas, |
De Deus as partículas, porções do Todo, |
A final substância do que houver nas tulhas |
Do Mundo, do Cosmos, desdo o infindo ao lodo. |
|
É Deus o princípio, toda a acção é o fim: |
É qualquer acção Deus a criar assim. |
|
|
543 – Endireitar |
|
Buscas tua vida endireitar de vez? |
Então muda a ideia que cultivas dela, |
De ti mesmo: pensa, fala e actua o que és |
Como o que és – que é Deus. Irás sofrer sequela, |
|
Ir-te-ás separar da maioria em volta, |
Vão chamar-te doido, irão gritar blasfemo, |
De ti ficam fartos, vão fugir, à solta, |
E crucificar-te irão tentar, bem temo. |
|
Não é porque vives de ilusões num mundo |
Que apenas é teu (a fantasia acolhem), |
Mas porque algum dia hás-de atrair, fecundo, |
Outros fascinados que tua voz recolhem, |
|
Por tantas promessas, sonhos que ela traz. |
Então interferem, que ameaças já: |
Mui simples vivida, tal verdade a paz, |
A simplicidade mais beleza dá, |
Amor, alegria. Mais conforto traz |
|
Que outro qualquer meio que os colegas possam |
Terrenais gizar ou conceber até. |
Na verdade tua, se adoptada, esboçam |
Deles as acções o fim da falsa fé: |
Acabam os ódios, medos vis que troçam, |
|
Fanatismo e guerra não terão lugar, |
Nem condenações, mortes de Deus em nome, |
A-força-é-que-manda não vai mais mandar, |
Dinheiro-que-tudo-compra morre à fome, |
Por medo o vassalo leal vai findar… |
|
Fim do mundo qual eles o bem conhecem, |
Tal qual vocês todos o afinal criaram. |
Serás aviltado, nunca mais te esquecem, |
Muito escarnecido, o nome a injúrias aram, |
|
A vão-te acusar e condenar-te até, |
Logo quando adoptes apostar sagrado |
Auto-realizar-te. Por que pôr-te em pé? |
Porque não te importa o mundanal estado |
|
|
Nem o acolhimento de quem não te apraz, |
Já te não agrada o que aos demais emprega. |
Acabar com dor e sofrimento faz |
Findar a ilusão. Farto da vil refrega, |
|
Procuras um mundo mas deveras novo. |
- Não procures mais, fá-lo nascer do ovo! |
|
|
544 – Pergunta |
|
A todo o coração |
Que pergunta sincero |
Qual a trilha de Deus |
É mostrado o filão |
Do sentimento vero: |
A verdade dos céus. |
|
Pelo teu coração, |
Pelo caminho dele |
De Deus pôr-te-ás à mão |
E não pela jornada |
A que a mente te impele, |
Não chegas nesta a nada. |
|
Se verdadeiramente |
Quiseres ver a Deus, |
Só fora de tua mente, |
São dos loucos os céus. |
|
|
545 – Renúncia |
|
Da espiritual vida é a renúncia um pendor, |
Renuncia o imo ao que não for real |
E nada é real no vital teu teor |
Salvo a relação que há com Deus, radical. |
|
De autonegação, todavia, em sentido, |
Precisa não é: tal renúncia há traído. |
|
Liquidando o corpo escraviza teu imo, |
Ninguém mais atinge nem fundo nem cimo. |
|
|
546 – Dominar |
|
Que dominar deves teus desejos dizem, |
Digo-te que deves tu tão-só mudá-los. |
Rigor, disciplina é que acolá condizem, |
Deleitosa prática aqui são regalos. |
|
Para veres Deus, tu dominar, afirmam, |
Deves as paixões materialistas vis. |
Mas basta entendê-las e aceitar. Confirmam |
Contra quem resiste as posições viris, |
|
Mas a quem a atende cada qual, refece |
Estiola ao canto e, no final, fenece. |
|
|
547 – Decidir |
|
Podes decidir ser quem resulta |
Apenas daquilo que acontece |
Ou, se achares que isto é escolha estulta, |
Do que decidiste ser na messe |
Dos eventos mil do que ocorreu, |
Do que fazes tu que te teceu. |
|
Tua criação de ti aqui |
Torna-se consciente e te realiza. |
Toda a relação louva, que a ti |
Proporciona sempre, por divisa, |
A oportunidade formativa |
De quem tu és ser de forma viva. |
|
|
548 – Olho |
|
De olho no que pode retirar |
Duma relação, a maioria |
Entra nela, em vez de bem cuidar |
No que lá vai pôr. Contudo, a via |
Duma relação é decidir |
Que parte de si pode exibir, |
|
Que de ver gostava manifesta, |
Não a parte doutro que manter |
Após conquistar pode na gesta. |
Um único fim só pode haver |
Para a relação, tudo na vida: |
- Decidir quem és, sê-lo em seguida. |
|
|
549 – Romântico |
|
É muito romântico afirmar |
Que agora que alguém muito especial |
Na vida te entrou, te vês completo. |
Mas o amor não é ter o teu par |
A te completar, mas um igual |
Com quem partilhar teu chão, teu tecto. |
|
Este é o paradoxo de teus laços: |
De ninguém precisas para, pleno, |
Experienciares quem tu és, |
Mas sem esse alguém perdes os traços, |
Em vez de cantar choras um treno, |
Não és nada, nada, em teu revés. |
|
|
550 – Primeira |
|
Tua primeira relação |
Deverá ser contigo mesmo. |
A respeitar aprende, são, |
Como a estimar, amar teu eu. |
Não é palavra dita a esmo, |
É o alicerce do que é teu. |
|
Deves primeiro digno ver-te |
Para algum outro digno achar. |
Deves primeiro, mui solerte, |
Como abençoado a ti te olhar |
Para poder ter como boa |
E abençoada outra pessoa. |
|
Considerar-te então sagrado |
É descobrir sacralidade |
Em quem cruzar contigo ao lado: |
- Se te amas és fecundidade. |
|
|
551 – Sublime |
|
A mais sublime das escolhas |
O bem maior proporciona |
Para ti mesmo. Quando acolhas |
O espiritual abismo à tona, |
|
Duma imediata errónea vista |
Te precavê, que o mais sublime, |
Se o bem escolhes, é uma pista |
Que se conjuga, no que encime, |
|
Ao maior bem que outrem procure. |
Completa o círculo dos dois, |
O bom encontro que nos cure |
De um nunca sermos cá depois. |
|
Leva unas vidas a entendê-lo |
E vidas mais a ser vivido: |
Por outrem faz o que é o teu elo |
A ti; por ti, o que lhe hás sido. |
|
Pois tu e o outro sois um só: |
Só tu existes. O que fazes |
A um grão minúsculo de pó |
Fazes ao Todo e a ti comprazes. |
|
|
552 – Quer |
|
Deus quer realmente o que eu quiser, |
Nada diferente e nada mais. |
Dádiva maior que a mim me der, |
Se diversas quero opções vitais |
Até me levar a que as tivera |
Para onde iria a livre escolha? |
Como ser criativo se devera |
Ditado escrever na minha folha? |
|
Se me diz quem devo ser, fazer? |
De Deus a alegria é liberdade, |
A minha ou a tua, a de quenquer, |
Não há obediência que lhe agrade. |
|
À voz de meu imo tentar ser: |
Aqui livre sou, eis-me a crescer. |
|
553 – Epidemia |
|
Se ainda ninguém contagiou |
Uma epidemia que a cidade |
Ronda, contornou e não invade, |
Se fora de casa me ficou, |
De alívio respiro em liberdade. |
|
Por mui satisfeitos nos achamos |
Na vida o pior quando evitamos. |
|
Mas não vamos ser de vistas curtas: |
Que as naus dos demais nos fiquem surtas |
|
Em nossa baía de acalmia, |
Não nos macaréus de cada dia. |
|
|
554 – Acumular |
|
Trabalhar a acumular riqueza |
De sofrer afasta os sentimentos |
Que a convicção nimbam de ser feio, |
De indigno devir de ser amado. |
Uma dependência que não reza |
O que em mim houver, os meus fermentos, |
Livre de obsessão, sem entremeio, |
Desatenta a quanto corre ao lado, |
|
- De sentir impede toda a dor |
Duma infância triste, asas cortadas, |
E da idade adulta em lar sem cor, |
Vazio das penas arrancadas. |
|
Na estrada da vida fujo ao choque |
Para o beco onde me nada toque. |
|
|
555 – Frouxa |
|
Que frouxa vida no interior, |
A do viciado no trabalho! |
Brincar, gozar com o calor |
De amigos fiéis para quem valho, |
|
A companhia da família, |
Ou relaxar-se, não lhe acode. |
Sempre impelido na vigília |
Do produtivo que o engode, |
|
Necessidade que aprisiona, |
Nenhum prazer vai retirar |
Da trabalheira trapalhona |
Que o consome, liminar. |
|
Crítico sendo, vai punir |
Quaisquer impulsos interiores |
Doutra maneira para agir. |
A trabalhar, com seus rigores, |
|
O vai manter dele o escravo imo, |
A o mais baixar quão mais no cimo. |
|
|
556 – Substituir |
|
Substituir qualquer amor falhado |
Adquirindo materiais recursos |
À distância vai manter tapado |
Da emoção, a empobrecer percursos, |
|
O inconfesso da nudez vivida. |
O poder sobre os demais expresso |
De maneira punitiva envida |
Preservar de se sentir o excesso |
|
Do abandono e desvalor reais, |
Desamparo de os viver tais quais. |
|
|
557 – Torna-se |
|
Em casamentos sem amor |
O poder torna-se o produto, |
Um substituto sem calor, |
Como se o lar pusera luto: |
|
Se ter amor não poderei, |
O que quiser vai ser a lei. |
|
Cólera, ameaça a intimidar, |
Fechar a bolsa a algum anseio, |
Negar o sexo que aflorar, |
São a vulgar maneira e meio |
|
Dum sobre o outro impor poder: |
Comanda a força e não o ser. |
|
|
558 – Capaz |
|
Quando uma criança maltratada, |
Um adolescente rejeitado, |
Um qualquer adulto aniquilado |
Por fim é capaz, duma assentada, |
|
De negar desejos dum amor, |
Duma aceitação, pode tornar-se |
Num ente obcecado, sem disfarce, |
Por qualquer poder, abusador |
|
De todos os mais. Pouco seguro |
Embora no trono de humilhar |
Ou de atar o pulso a qualquer par, |
A paga retira do monturo |
|
De se mascarar de superior. |
Desvalorizado nas vivências, |
Rejeitado e falho de experiências |
E vazio, enfim, de autovalor, |
|
Tudo conjugado com desejos |
De vingança infrene, quenquer tornam |
Num cruel tirano: sempre o adornam |
Os golpes do mundo malfazejos. |
|
|
559 – Descobrindo |
|
Descobrindo que não sou querido |
Ou que o sou pelo que faço ou tenho, |
O poder é o substituto haurido, |
O instrumento com o qual detenho |
|
O seguro, a aceitação que busco, |
Que o amor providencia grátis: |
No comando quero andar e ofusco, |
Ser notado tento quantum satis, |
|
Necessário me farei então |
Ao trocar-me pelo amor falhado, |
Dispensado não vou sê-lo em vão, |
Sou poder porque não sou amado. |
|
|
560 – Ocorre |
|
A história da vida de qualquer pessoa |
Para quem poder importa mais que amor |
Ocorre em família, instituição, pendor |
De qualquer nação e não ocorre à toa. |
|
Na patriarquia, na cultura advém |
Que a ênfase põem no domínio puro |
De indivíduos, classes ou nações que o têm |
Sobre outras nações ou indivíduos, duro, |
|
Como sobre povos, decidido à força, |
A supremacia duma ideia a tiro. |
E nas religiões, cada qual mais comborça, |
Que de alguns suportam divinal papiro |
|
Sagrando o direito de calcar os mais |
E da humanidade a dominar o mundo, |
Numa hierarquia só o poder reais |
Leis reguladoras forneceu fecundo. |
|
E, quando quem reina é poder mais que amor, |
Sofrem liberdade mais justiça, a par. |
Conservar o amor como uma lei maior |
Na patriarcal cultura é luta dar, |
|
Porém sucumbir ao destruidor poder |
As relações próprias é matar de vez |
Com que insaciável cada qual nascer. |
Tem cada indivíduo de lutar, cortês, |
|
A determinar por entre amor, poder, |
Qual o dominante na atitude e mente: |
Qual decidirá dos laços que eu tiver, |
De opções de trabalho, lugar onde assente… |
|
Pois, no fim de contas, nesta escolha vemos, |
Em que todos nós nos afinal tornemos. |
|
|
561 – Atinge |
|
Se o poder se atinge, os monumentos logo |
Se lhe irão seguir, a consagrar o engano. |
Titãs dos negócios, no altaneiro jogo, |
Altos edifícios com seu nome em pano |
|
Elevam nos ares, para o eterno os ler. |
E, quer os construam no mais alto monte, |
Quer uma estrutura vá mais alta ser, |
É o inacessível pretender sem ponte, |
|
É o isolamento cultivar do cume. |
Tudo é fortaleza bem guardada, ao fim, |
Torre edificada, a segurança assume |
Tal como o prestígio acrescentar assim. |
|
Quando menospreza de adquirir os custos |
Que o irão levar à bancarrota, um homem |
Obcecado vive sem afectos justos, |
Quão mais rico for, mais o as riquezas comem. |
|
|
562 – Qualidade |
|
Qualidade eterna é sempre o amor feliz |
Que diariamente nos renova, puro, |
Emocionalmente a conservar viris |
Os traços de jovens que mantém seguro. |
|
A beleza mora de quem vê nos olhos, |
Por olhos de amor tudo o que é visto é belo, |
Seja lá quem for, seja o que for que antolhos |
Nos não impedirem de avistar singelo. |
|
Com coração que ama e para o belo uns olhos, |
Gratidão sentimos e o que temos já |
Nóa apreciamos sem franzir sobrolhos, |
Conservando então, sempre a partir de lá, |
|
Pelas cãs além, do que espantar o trilho |
Como a reverência da criança inerme, |
Perante os mistérios que em redor dão brilho, |
Que a vida rodeiam como nossa derme. |
|
Se temos amor, embora em anos velhos, |
Novos nos mantemos. Sem amor, porém, |
Quando envelhecemos, os mortais espelhos |
Fatigados mostram que o cinismo vem |
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E, desconfiados, segurança apenas |
Paranóicos temos a amparar empenas. |
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563 – Abdicam |
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Da atitude abdicam de abertura à vida, |
Ao amor e ao belo muitos jovens velhos. |
Em troca é uma cínica atitude erguida |
Que realista afirmam quando dão conselhos. |
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Então monumentos erigir irão |
Sempre a eles próprios, preocupados andam |
Com a segurança, como que hirtos vão, |
E conservador todo o exterior comandam. |
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Ao envelhecerem, ao poder servis, |
Mais ainda obcecados ficarão da posse |
De todo o controlo que o poder lhes diz |
Que providencia quanto mais engrosse. |
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E cegos então hão-de ficar de vez |
À contradição que deles servos fez. |
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564 – Importar |
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A um pai narcisista, tanto quanto um filho |
Lhe pode importar, tal há-de ser apenas |
Por favorecer de seu poder o trilho, |
A necessidade que o requeima em penas. |
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Não amado o filho nem cuidado ou visto |
Como uma criança com direito a ver |
Os próprios motivos satisfeitos nisto, |
Nem a perfilhar na vida a meta a ter, |
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Pode abandonar tal pai seu filho então |
Para desgraçada vida após levar, |
Só porque isto serve o que ele visa em vão, |
E acata que morra se lhe o fim negar. |
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Lamenta-se após de que é o mais triste ser |
Porque o plano falha e nunca o filho sente, |
Dado que o evento somente há-de ver |
Na tal perspectiva em que só mora assente. |
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Dinásticas vias ou razões pessoais |
Empurram algum até ter filhos seus: |
Nome de família, firmas, fitos tais |
Que um homem quis ser e sobrevive em réus |
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Que podem ser filhos. Se é um padrão do lar, |
A criança aprende a aprovação dos pais, |
Mata nela afectos e a desviância a par: |
Nunca sendo amada, não tem traços reais. |
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565 – Dragão |
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Um dragão matar que algum tesoiro guarda |
É quanto um herói vai ser chamado a agir |
No conto de fadas que lhe a vida aguarda, |
No mito que aponta a quenquer seu devir. |
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Testa-lhe a coragem e a viril vontade |
E realiza um sonho em que se não creria: |
Liberta a princesa ou conseguir-nos há-de |
Um tesoiro esconso, ou livra a terra um dia… |
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Com o destrutivo luta sempre o herói: |
Pode destruí-lo a ele, aos outros mais… |
Destrói o poder que o dragão sempre foi, |
Algo libertando dentro, em seus juncais, |
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Pode agora entrar em relação contente |
Com seu interior que é feminino e são |
Ou com a mulher que o aguardou, ausente, |
Sempre a olhar a chave que abriria o chão. |
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Com dragão a luta pode agressão ser, |
Depressão, complexo, regressão acaso |
Que a psique destrói, a proibir crescer, |
Nos aprisionando sem apelo ou prazo. |
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Pode também ter a agir alguém real |
Intimidador, devorador de gente |
Ou abusador. Um espadim mental |
Terá de afiar e de forjar contente |
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E de decidir cada qual quando entrar |
Deverá na luta. O interior dragão |
Devo combater, de em seu poder já estar; |
Alguns, no caminho, de crescer travão, |
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De crescer impedem; e outros são flagelo, |
Por nosso intermédio, doutra gente além… |
- Combater dragões ao mesmo tempo apelo |
É de fora e dentro ao que mondar convém. |
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566 – Particular |
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O nosso dragão importa ver o que é |
No particular perfil do que ele for, |
De modo a podermos empreender de pé |
Contra ele a luta ou lhe fintar calor, |
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A proximidade lhe evitando lestos |
Onde ande emboscado a armadilhar-nos chão. |
Ponderar o que é, quão maus são seus aprestos, |
E nossos receios dele o que é que são, |
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Quais nossas fraquezas que lhe dão poder… |
Para empreender vitoriosa a luta |
Temos de encontrar em nós o herói que houver |
De empunhar a espada e que ao pensar discuta |
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Claramente as vias, decisivo ao ser: |
Então o dragão as contas vai perder. |
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567 – Morte |
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Da morte a consciência por fatal destino, |
Como inevitável, é negada, escusa, |
E tão reprimida quão possível for |
Por todos aqueles que ao poder um hino |
Orientam de incensos que os controlos usa, |
Muito embora falhem no que vão supor. |
Medo de morrer, de envelhecer, de arrasto, |
Medo do declínio do poder também, |
Da perda fatal duma atracção falível, |
São assustadores para quem o pasto |
For aquele apenas que o poder retém: |
No declínio vêem tudo o que é terrível. |
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Prestam artenção então à mais pequena |
Manifestação que alguma perda encena: |
Um poder feliz não é jamais possível. |
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568 – Muralha |
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Um pai narcisista devirá também |
Interiorizada uma muralha viva |
A impedir o filho que servil mantém |
De vitórias ter ou criação activa. |
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Barra-lhe o caminho do acordado a lança |
Que escrito tiver o que assegura, obriga |
A manter poder à mão que o pai alcança: |
À criança-grande trava-a quanto a liga |
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O emotivo acordo compulsivo aceite. |
Pode ser o pai não superar jamais, |
Que mais realizado ninguém ser suspeite, |
Ou satisfazer uma ambição dos pais, |
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Em vez de escolher por ele próprio o rumo… |
Todo e qualquer lar disfuncional impõe |
De ficar calado o acordo quanto ao sumo |
De emoções e assuntos que o poder supõe, |
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Compulsivo acordo ao dependente imposto |
Que logo o escraviza do açaimo do jogo, |
Da raiva, do álcool, dum viciado gosto |
Por onde o tirano apagar busca o fogo. |
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Desfazer o acordo para o fito erguer |
De continuar pelo seu pé liberto |
Será o que o herói que num filho há-de haver |
Terá de fazer, adulto enfim experto. |
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569 – Vingança |
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Os pais obcecados com vingança um filho |
Não vêem que tem necessidades suas, |
Próprias e legítimas, porém sem brilho, |
Ante o que os abrasa nas feridas puas. |
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Destinado é o filho a meio ser dum pai |
Ver próprias carências satisfeitas já, |
Vive a redimir, já que às feridas vai |
Do pai que as sofreu cuidar se cura dá. |
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A insignificância, humilhação do pai |
Irá compensar ao adquirir poder |
Que a capacidade ao próprio pai dar vai |
De alguns inimigos humilhar que quer. |
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Para lhe agradar, como por medo dele, |
Dum pai a vontade um filho cumpre atento |
Com a própria vida, na esperança imbele |
De o pai vir a amá-lo por cumprir isento. |
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Na disfuncional família o filho pode |
Ouvir, responder atencioso aos pais |
Que dizem: se me amas, serás quem me acode, |
Enquanto de todo pisarão as mais |
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Apetências dele por ter dele pais |
Adequados, certos, sem que os nada engode, |
E menos feridas a infectar demais |
Todos em redor e que ninguém sacode. |
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570 – Abandonado |
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Todo abandonado no que a afectos toca |
Vai ser o menino de emoção calcada, |
Mais do que ignorada: activamente foca |
Dele o sentimento em pedregosa estrada. |
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Ao fazer dum filho, na feroz vingança, |
Aquele instrumento de findar bem quite |
Ou de triunfar sobre o inimigo, amansa |
A dor que humilhou, porém também permite |
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Suprimir, activo, por castigo duro |
Ou pelo ridículo, expressões de medo, |
Simpatia ou queixa que em criança apuro. |
Um pai, deste modo, é um militar bem cedo |
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E o filho, um recruta ainda verde e cru. |
Quando o filho avança, ao encenar combate, |
Custa-lhe isto a infância, de emoções a nu, |
Devém concentrado, de insensível bate, |
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De o ser orgulhoso. Porém, dentro existe |
O miúdo enjeitado, todo inveja ao fundo |
Daqueles que trata de desprezo em riste |
Por serem tão moles como sonha o mundo. |
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571 – Caminho |
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Os heróis no caminho ascendente, |
Se descobrem que bem acolhidos |
São num grupode grã fina gente, |
Esquecer a mulher vão, perdidos, |
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Namorada que não se ajustava |
No novel ambiente e vão pôr |
Para trás tudo o que ela augurava |
E do mundo de outrora o valor. |
Namorando de si nova imagem, |
Já de amores perdido ficou |
Por mulher que é do grupo miragem |
Em que aspira ser parte do voo. |
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A mulher entretanto esqueceu |
Que o amou e ajudou a educar, |
Que o armou cavaleiro do céu |
Para o mundo mais vasto enfrentar. |
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Esqueceu-a no peito que tem, |
Esqueceu quanto foi dele outrora |
E o que ser costumava também |
Ele próprio durante a demora. |
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572 – Arquétipo |
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O herói é um arquétipo vivido acaso |
Durante um período de vida de homem, |
Ou mesmo invocado, se for fero o caso, |
Quando é de enfrentar medos que então se somem. |
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Pode ser o medo do que irão vizinhos |
Ajuizar de nós, proibição de além |
Ir de nossa classe, ou de ter mais arminhos |
Do que nosso pai, ou, se a pobreza vem, |
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Não correr já riscos. De contar o medo |
O que a sério sinto, ou de ficar risível, |
De ser vulnerável, fazer meu um credo, |
Um sonho de além, ou de enfrentar credível |
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Duma autoridade o eventual dragão. |
O que os pais fazer, pensar, sentir ou ser |
Outrora temeram semeado então |
Há-de ser no filho que adultez qualquer |
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Já não viverá, se recolher passivo |
Seja lá o que for que recear lhe dizem. |
São inibições neste caminho vivo |
De atitudes termos que por nós deslizem. |
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A superar medos, é de ter clareza |
E ser decidido e após agir bem firme |
Com toda a coragem, despertando ilesa |
A imagem do herói que dentro em nós se afirme. |
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573 – Sabedoria |
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Que todas as coisas passarão o sabe |
A sabedoria, que sofrer é parte |
Da vida fatal e que a jornada cabe |
Espiritual e com sentido aparte |
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Numa vida inteira. Denunciar amor |
De poder em troca, de riqueza e fama |
Destrutiva escolha e com medo é propor. |
O amor é o mistério sobre o qual se acama |
(E cada vez mais) de quanto aprendo um pouco, |
Sempre quando arrisco o coração abrir |
Para um ignoto algo ou para alguém, cabouco |
Duma inevitável muda que é porvir. |
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574 – Verdade |
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A verdade é o fogo que destrói, depura |
E que purifica as relações humanas, |
As instituições donde infernal supura |
O disfuncional veneno em ruins praganas, |
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Liberta a família, cada qual também. |
O afecto genuíno, o sentimento atento, |
Descoberta a si toda a traição que advém |
Em si próprio, noutros, leva a termo o intento: |
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Papéis obsoletos, estruturas velhas |
De poder, segredos destrutivos, vultos |
Do inferno, cessar irão de em nossas celhas |
Beber-nos o sangue e são de vez sepultos. |
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575 – Absorvemos |
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Dum sonho a verdade se absorvemos clara, |
Dum discernimento poderoso a luz, |
Isto nos transmuda, inviável torna, avara, |
De viver a norma que ancestrais traduz. |
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Então é frequente resistir, negar |
O que ser verdade nós por fim sabemos. |
Evito a verdade dum afecto, a par |
Com, no íntimo, anseios de mudar extremos, |
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Até que a verdade inescapável fica. |
É que significa deixar nosso mundo |
Familiar de sempre, ou ser expulso implica. |
Então evitamos admitir, no fundo, |
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Sem significado que algo enfim será, |
Que findou o amor, que anda a existir abuso, |
- O mais que pudermos, a raiz por cá. |
Amor e paixão por alguém doutro fuso, |
|
Chamado que soa por destino alerta, |
Os discernimentos positivos, grandes, |
A verdade dentro, no interior desperta, |
- Podem resistência suportar que mandes, |
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Porque isto coloca expectativa alheia |
Connosco em conflito ou com leais acordos, |
Porque exigirá que mude vida meia, |
O que sou agora, ante os demais meus bordos, |
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Porque não sabemos o que o dia dá, |
O que aos outros vem de eu alterar meu rumo… |
Saber da verdade, a escolha, enfim, trará |
E não escolher é de escolher resumo, |
É consentimento conservar silêncio: |
- Simulado muro, vem o rio e vence-o. |
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576 – Jogar |
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Homem e mulher vão-se jogar no fogo |
Do afecto emotivo se a verdade acolhem |
E então deliberam ir por ela logo. |
A verdade inflama, as emoções não tolhem |
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As paixões que podem consumir, lavar… |
Mal isto começa, das relações laços |
Como os conhecemos vão arder pelo ar, |
Das ordens antigas vão apear os traços. |
|
Revelar segredos de família então |
É tal do governo corrupção a nu, |
A um tempo põe fim e vai rasgar um vão |
Dum começo novo, positivo, a cru, |
|
Ou quem diz verdade converter-se pode, |
Banido e punido, vir sofrer castigo, |
Transformado então no expiatório bode. |
Quando decidimos do saber o abrigo |
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Vir a utilizar, pôr na verdade a base, |
Temos a intenção dum resultado a ver, |
Vamo-lo esperar, que nele estamos quase, |
Todavia nunca o poderei prever. |
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577 – Críticos |
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Críticos momentos no interior da gente, |
Horas de verdade em que sabemos de algo |
Que é verdade em nós, no mais profundo assente, |
São a aceitação por cujo trilho galgo. |
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É revelação interior acerca |
Do que importa mais em tudo quanto amemos, |
Pode ser clareza de em nós ver a perca |
Duma destrutiva relação que temos |
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E já não podemos enganar-nos mais, |
Ou revelação do que o real será, |
Ou da divindade ler alguns sinais, |
- Radical mudança tudo arrasta já, |
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Na filosofia ou religião vivida, |
Na visão científica que temos dado: |
Não percepcionamos mais o mundo, a vida, |
Nosso lugar neles tal de outrora o fado. |
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Pode parecer inesperado o alvor |
Mas mais tarde vemos que saber devíamos |
Desde há muito tempo e que irrompeu, senhor, |
Fura a resistência, a negação que havíamos |
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Tentado lhe opor. Agora joga a sorte: |
Suas consequências são de vida ou morte. |
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578 – Inefável |
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De verdade as horas o inefável pauta, |
Sentimento, acção com o saber se ajustam, |
Do instante a clareza o tempo pára, cauta, |
Há calma interior, os movimentos custam, |
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É a respiração que alguma acção precede. |
O momento alumbra por inteiro o ambiente, |
Inclui o que agora deve agir-se e acede, |
De integralidade é uma vivência ingente |
|
Quando a informação que de evitar cansámos, |
As nossas facetas reprimidas antes |
Ou que a projectar sobre outrem nós andámos, |
À consciência vêm libertar-se instantes. |
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579 – Instante |
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De verdade o instante inunda alegre o dia, |
Quando tudo encaixa há uma clareza nova |
Sobre quem se for e quem se pode ser. |
É de transcendência um só momento, um guia |
Sacro e jubiloso, uma vivência e prova |
Com alma e com corpo, o coração a ver |
|
Tudo preenchido, de alegria cheio, |
Por vezes é mesmo a inundação de luz. |
Um momento apenas dure tal recheio, |
Imóvel é o tempo que me em deus traduz. |
Ficamos pejados, em perene encanto, |
Na revelação o tempo pára ao canto. |
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580 – Momentos |
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Os momentos de verdade dão |
Um sentido interior fecundo, |
Da certeza e da clareza chão: |
Importância sei que tenho, inundo |
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Com mil fins e de sentido a vida, |
Coerente epifania do alto. |
Seja embora maravilha, envida |
Seguir nossa beatitude um salto: |
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Sacrifício já requer agora |
De obsoletas vidas velhas de antes. |
E com isto o sofrimento mora, |
Para si, para os demais constantes, |
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Da mudança e resistência preço. |
Escolher qual o sendeiro de ir, |
Ao sabê-lo a fundo certo, avesso |
Ao que custa e que não sei, pedir |
É coragem de avançar na noite. |
De verdade estes momentos mudam |
As culturas quando alguém se afoite |
A aprontar os que em seu imo grudam |
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E a favor dos vendavais da ideia |
Cujo tempo enfim chegou actuam. |
Sentimento colectivo ameia |
Nas bandeiras que dali flutuam. |
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581 – Ignorando |
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Quando alguém afirma, diz e faz |
Tudo aquilo que define o curso, |
Ignorando o que a seguir lhe traz |
E temendo se é o pior percurso, |
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Ninguém sabe se correr vai bem, |
Se o suor a diferença faz. |
Todavia, não agir refém |
A partir da profundeza em paz |
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Dos afectos (que vivemos fortes) |
De estar certo aquele agir, seria |
Recusar quem por fim somos, cortes |
Dentro de alma que se alguém faria. |
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582 – Vazio |
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No vazio dar o salto alguém |
É um agir a semear verdade, |
Que uma autêntica atitude tem |
Quem seu imo a tal agir persuade. |
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Conduzir-nos vai poder ao vago, |
Fogo, cruz, pelo vazio além, |
E durante um tempo então o bago |
Não recolho da vindima bem, |
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Pois não sei nunca à partida qual |
Resultado advém, se bem ou mal. |
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583 – Verdadeiro |
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Quando decidimos verdadeiro agir |
Ou falamos alto acerca disto em volta, |
Com hostilidade pode o esforço de ir |
Ser contrariado, difamada a escolta, |
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Juntos mil esforços a humilhar quem vai. |
Podemos sentir crucificados ser |
Como abandonados (tudo quem se esvai), |
Sem o fogo até que nos aqui trouxer. |
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Pronunciado o repto, ninguém é capaz |
De retomar já uma posição, papel, |
Dos anteriores: não podemos mais |
Retornar atrás, terra de leite e mel. |
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Feita a escolha, às vezes nos sentindo abortos, |
No que aos mais respeita, estamos mesmo mortos. |
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584 – Crucifixão |
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A crucifixão é sexta-feira santa, |
Da ressurreição sábado quem a sabe? |
É também assim a vida em quanto implanta, |
Quando nós agimos, sempre a um passo cabe |
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Caminhar do mundo já sabido além, |
Rumando ao vazio ou à fogueira, à cruz. |
Fazemos um corte irrevogável sem |
Retorno ao passado e, ao partir sem luz, |
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É o ponto intermédio, a incerteza ali, |
Sábado que após ressuscitar ignora. |
Terminar um lar, uma carreira, vi |
Como em suspensão o tempo em nós demora. |
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Capital mudança de valor cimeiro, |
Nova orientação de religião ou sexo, |
A público vir atento a são dinheiro, |
Ou alto gritar o abuso a um lar conexo, |
|
- Após se iniciar, sábado resta atento. |
Nossa antiga vida, identidade antiga |
Estão mortas já, são de negror momento, |
Mundo subterrâneo que ao que é morto liga. |
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Não sabemos mais se será nosso fim, |
Se um domingo vem ressuscitando nele |
Vida renovada num novel confim, |
A transformação que ao novo mundo impele. |
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585 – Compulsivos |
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Compulsivos podem ser momentos |
De verdade, a interior certeza |
Ao juntar-se a alguns perfis de eventos, |
Quando claro o que fazer se preza |
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E a coragem ou ultraje dão |
O poder de tal degrau trepar. |
Até que algo, última gota ao chão, |
Aconteça, tudo foi mangar, |
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A verdade ando a evitá-la, nego, |
Minimizo, irracional, e então |
É mantido o vil que ao fim renego |
E o tormento emocional é vão. |
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Enterrado irá ficar debaixo |
Doutra coisa: dependência, droga, |
Depressão, de ansiedades cacho |
Desconexo que sem foco voga, |
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Sofrimento perenal, doença |
De meu foro que é problema crónico… |
- E o que informa da final sentença, |
Posto fora, já não é meu tónico. |
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586 – Capazes |
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De pensar capazes, de acordar eventos |
E de planear uma ocorrência mera |
Como facto neutro que não sentem, lentos, |
Tal será o destino dos meninos de era |
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Em que maltratados e abusados foram |
Por pais, guardiães, os narcisistas todos |
Que a os crescer forçaram sem ver onde moram |
Deles sentimentos de trocar por bodos. |
|
Não sentem o afecto de seu mesmo afecto, |
Desprezam os fracos que a sentir se mostram, |
Não dão simpatia (e compaixão, que abjecto!), |
Exercem poder e os mais com gozo prostram. |
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Quando são soldados, destemidos vão, |
Chamam-nos de heróis. Se cometem crimes, |
Serão psicopatas. Se em países são |
Duros governantes, são da força os vimes. |
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O que fazem fazem sem remorso algum. |
De sentir a falta e de infligir a dor |
O gosto reflectem, o brutal fartum |
A que cheira o lar, disfuncional fedor. |
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Disfunção vulgar é a que reprime o afecto, |
Saber, exprimir o que se sente então |
Desencorajado é por qualquer aspecto, |
Depois um evento sem reacção lerão. |
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Se outro fora o modo, a conjuntura agia |
E logo um afecto no interior floria. |
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587 – Segurança |
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Serve sobre os outros o poder de meio |
De uma segurança ir alcançando à custa |
De ter mais poder, sobre os demais o freio, |
O que não funciona, que a coroa assusta. |
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Poder sobre os outros buscado é também |
Para superior alguém se vir sentir, |
A inferioridade a compensar que tem |
E que se mantém por mais que além subir. |
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Poder é exercido para não sentir-se |
Insignificante, pequenino e fraco, |
Sendo o responsável de sadista rir-se |
E de rebaixar a quenquer feito caco. |
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A criança é pai duma adultez pior, |
Cresce a se tornar um ditador a frio, |
O que lhe foi feito a devolver do teor |
Duma compulsão, sem jamais ter fastio. |
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Usará seus filhos, extensões que quer |
A adquirir poder, mais posição, prestígio |
No mundo em redor, com toda a vénia a ter. |
Sendo não amados, o filial fastígio |
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Será trabalhar por lhe agradar em troca, |
Esperando que ele os venha a amar um dia, |
Ou ser procurando como ele é, se evoca, |
Para não ser nulos tal qual ele os via. |
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Repete-se o círculo se nada o quebra |
E da vida a rês perdeu naquilo a febra. |