QUINTO  TROVÁRIO

 

 

DO  INVULGAR  ÀS  GELOSIAS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 464 e 587 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

464 – Do invulgar às gelosias

 

Do invulgar às gelosias,

Na métrica e na cadência

Incomuns tecendo os dias,

Canto estranhas melodias

A amear à transcendência.

 

Em todo o lado perscruto,

Desde o cotio à estranheza

Do além donde um eco escuto,

Desde a feiura à beleza,

 

Vou do simples ao complexo,

Do pé raso até ao cume,

Tudo abraço em meu amplexo.

 

Lanço à terra arada o estrume

A aguardar da seara o lume.

 

 

465 – Armazém

 

Como armazém não é a memória,

Nem é no sótão arca velha.

É um instrumento que da escória

De meu passado cada engelha

 

Vai removendo, aperfeiçoando

Em cada dia a narrativa.

Torna-a aceitável então, quando

O que apreendo ali de outiva

 

Do que vivi, fica acessível

Mas elevado a um outro nível.

 

 

466 – Brilhantemente

 

Brilhantemente inteligentes,

Conhecimentos infinitos,

Gente educada, culta, agentes

Tais não são raros nos conflitos.

 

Angústia funda quem a sinta,

Quem sua noite confrontou

E com clareza se repinta,

Em harmonia terminou,

 

Pela cabeça própria pensa

(Mundivisão bem pessoal),

- Estes não são a malha densa

Na tessitura mundial.

 

Aqueles são muito abundantes,

Estes, bem raros, hoje e dantes.

 

 

467 – Porta

 

Da morte à porta são e salvo,

De pés em bicos, cauteloso,

A vida cruza sempre em alvo,

Não vá perder-se, de medroso.

 

Orar devia, que acordar

Antes da morte era o melhor.

A vida o pode abandonar

E quem se irá só contentar

De bombear sangue, mesmo um ror?

 

Qual destas bombas ambulantes

Da vida frui, mesmo uns instantes?

 

 

468 – Vazio

 

A liberdade não é um quadro

Que no vazio se resume

A dar lugar, riscado a esquadro,

A qualquer um que o quer e assume

 

Para pintar o que deseja.

Lugar arranja, verdadeira,

À sensatez que o mundo almeja,

Compreensão doutrem cimeira.

 

A liberdade se organiza,

Não o arbitrário que alguém giza.

 

 

469 – Espécie

 

Como a nós próprios amar os mais

Não será nunca na quantidade

E também não, não na intensidade,

Antes na espécie pôr-nos iguais.

Amar a minha profundidade

Tal e qual como a minha altitude

E em meu vizinho esta identidade

Livrar de vez, por suma virtude.

 

Ali consumo o equânime laço

Que de infinito semeia o espaço.

 

 

470 – Ditadura

 

A ditadura das maiorias

Revolta tanto como qualquer:

É tal qual como se as minorias

Menos tiverem sempre de ser.

 

E quantas vezes é deste canto

Que vem a cura dum longo pranto!

 

 

471 – Conserta

 

Hirta e gelada conserta a meia

Esburacada, cruzando a linha

Atrás e à frente, como convinha

A recoser a puída teia.

 

Sempre por ordem, atrás e adiante,

Até o buraco ficar por fim

Bem reforçado, como garante

Ao ser tapado todo ele assim.

 

Do deve e haver contabilidade

Nesta caseira administração,

Prejuízo e lucro agora persuade

A mais um ganho na decisão.

 

É a sensação de haver conseguido

Outra vitória na eterna luta

Contra os estragos, dano sofrido,

O desperdício que nos disputa,

 

De ter tapado mais uma fenda

Nesta galera que voga enorme

Pelo Universo, precária tenda

A nosso fito jamais conforme.

 

 

472 – Retornas

 

Partes alegre e retornas triste,

Néscio que buscas o vão prazer,

Tal miúdo imberbe de sonho em riste

Pelo passeio alegre a correr

 

Sábado à noite, com alarido,

Saltando ao carro, a gravata a jeito,

Mãos a esfregar, no gesto sentido

De antecipar gozos mil no peito.

 

Para acordar a gemer domingo,

De manhãzinha, olhar lacrimoso,

Na cama suja com o respingo

Da frustração que sofres do gozo.

 

E de lavado a mamã fará

A cama triste armada acolá.

 

 

473 – Sozinhos

 

Quando sozinhos estiverdes,

Divertimentos da cidade

Não são a meta a vos aterdes,

Se procurais identidade.

 

Muita atenção é de prestar

A vós, a vós próprios, enfim,

E encontrareis vosso lugar,

Vosso caminho rumo ao fim.

 

Toda a fundura que se encontra

É o bem sagrado a vir à montra.

 

 

474 – Remorsos

 

O que remorsos me provoca

É que outros mais, aqui na terra,

Remorso algum se lhes evoca,

Seja o que for que lho desterra.

 

Juiz corrupto é sorridente

Que proferir condenações

Irá, mas sempre indiferente,

Abominável de aleijões.

 

E respeitáveis generais

Ao telefone seus soldados

À morte enviam já, fatais,

Senão são mortos, fuzilados.

 

E carteiristas já trancados,

Na cela presos, negam, negam,

Que de artes tais não há lesados,

Ninguém atingem – sempre alegam.

 

Mulher que rouba o fado a um homem

E que se arvora em salvadora,

Que ao colo dela se consomem

Vítimas mil entre os que adora.

 

Homens mostrengos, cara inchada,

Fato apurado, a controlar

Povos inteiros à manada,

Sempre a mentir que os vão salvar.

 

Sinto remorsos de ser parte

Da teia imensa que me engana,

Remorso, pois, da infiel arte

De pertencer à raça humana.

 

 

475 – Renegar

 

Através dos tempos terá vindo o homem

A se renegar, com a separação.

Cada terra é terra por onde se somem,

Separada e longe, um diferente chão.

 

Diferente o sonho, mas não separado

Há-de ser dos outros que outros hão traçado.

 

Diferentes ser havemos de poder,

Necessariamente, mas não divididos.

Promovam o encontro de raças que houver,

Misturem culturas, animem sentidos,

 

Promovam a ideia, a ideia de mistura

Sem deixar de ser o que são de alma pura.

 

Único não sou só porque me separo

Dos outros, que apenas então sou sozinho.

Único deveras sou quando reparo

Que entre a multidão único ser me alinho,

 

Aceitando os mais em quanto cada apresta,

Deles sendo aceite no que em mim me resta.

 

Misturar é isto, para os grupos ir,

Levar para os outros de mim o esplendor,

Mas sem de mim próprio ter de prescindir,

Minha diferença entregando em penhor.

 

 

476 – Mártir

 

Como um mártir usa o homem sua dor.

Todo o homem neste estágio mártir é

Dele próprio, que não usa contrapor

Decisão para aprender e tomar pé,

 

Evoluir no sofrimento,

E, a partir deste momento,

 

Com a lição aprendida,

Cicatrizar a ferida.

 

Deverias viver bem nas cicatrizes:

Dor curada com lição bem aprendida.

Todo o homem  que cuidar que a dor matizes

São apenas dum castigo do céu lida

 

Como quem não entendeu

O propósito do céu:

 

É que o céu nunca castiga

Por castigar quem obriga.

 

Como aviso a dor nos vem, uma advertência,

Resultado projectado de algo de antes.

Entendendo o sofrimento, eis a aparência

Do que quis e projectei logo operantes.

 

Ao entender como agi

Entendo a mudança aqui

 

E quanto devo mudar

Para a dor me abandonar.

 

A ferida cicatrizo,

Problema logo encerrado,

Tal é o círculo que viso,

De circuito então fechado.

 

 

477 – Paixão

 

Rebenta a paixão, pela campina,

Centelha divina em explosão,

E qualquer decência logo inclina,

Tudo na pendência da intuição.

 

A paixão é intensidade

Do pensar no coração,

Descalabro da verdade

Perdida no turbilhão.

 

Pela paixão faz-se tudo

E tudo perde a paixão,

Morre quenquer a que aludo,

Impérios tombam no chão.

 

Paixão é esquizofrenia

E alma também, já que a cura,

Dor e remédio num dia,

Riso e choro que inaugura.

 

Por paixão correram rios

De sangue, arderam papéis,

Negócios mais atavios,

Planos alteraram reis…

 

Paixão, o estado celeste

De desconstruir matéria,

Desconstrói tudo em que investe,

Volta a construir, sidérea.

 

Os apaixonados vão Além

Sem o perceber sequer um dia:

O estado de graça que contêm

É o mais junto ao céu que se anuncia.

 

 

478 – Instante

 

A perguntar para ti mesmo

A cada instante és convidado:

“O que me a vida der a esmo

Como é que o tenho utilizado?”

 

Ao responderes positivo,

Da própria vida reafirmas

Basilarmente o objectivo

Que é recriar-te (o que confirmas)

 

Na mais grandiosa das versões

Da visão mais sobrelevada

Que alguma vez tens e propões

De quem tu és, do imo à fachada.

 

Ir trabalhando esta questão

Poderás, pois, pelo caminho.

De decidir não tens então

Por toda a vida, eu te adivinho,

 

Agora, aqui, só neste instante.

Podes fazer esta pergunta

Desde hoje em dia, de ora em diante,

E descobrir que ela te junta

 

O que funciona e faz sentido

Nestas respostas, dia a dia.

Felicidade é o que é vivido,

Tens, desde já, paz e alegria.

 

 

479 – Separados

 

Quase todos os humanos crêem

Uns dos outros separados irem:

Não são parte dum só corpo, lêem

No seu corpo, por distinto o virem.

 

Acreditam que cortados são

Dum ambiente em cujo meio vivem:

Não fariam dum sistema são

Parte alguma com que, enfim, convivem.

 

Separados acreditam ir

Do divino, pois um deus qualquer

Deles se houve de, de vez, cindir:

Não são parte eles jamais de Um ser.

 

Esta crença a destruir-nos todos

Anda já, na desunião dos modos.

 

 

480 – Escasso

 

O medo do escasso é vivido

Duma tão completa maneira

Que, parte integrante, fundido,

Da interioridade se abeira,

Em todo o lugar, eras fora.

Não é pensamento em alguém,

Antes realidade que mora,

Erma, pelas terras além.

 

Esta realidade confirma

Todo o pensamento depois,

Consolida-o mesmo, reafirma

Apontado a iguais negros sóis.

 

Há-de recriar pensamento

Por ele a criada verdade,

Renova-se a cada momento

A negra ilusão que me invade.

 

Começa então tudo a girar

Destas ilusões em redor

E quanto é real num lugar

Como não real vou supor.

 

 

481 – Excluis

 

Do que outrem quer não faças nada

Se a ti te excluis no que empreendes.

Na vida muito do que agrada

Agrada aos dois, se a bem entendes:

 

Caminha em frente, neste caso.

Só não actues se agradar

Ao outro, a ti te põe a prazo,

Se não te apraz aquele actuar.

 

O agrado ao outro a ti te agrada

Sempre que os dois compartilharem

O mesmo fito além na estrada,

Se for o mesmo por que ansiarem.

 

O rumo é ver o que outrem quer

E o que tu queres de igual campo:

Verificado quanto houver,

Aos dois vos liga um mesmo grampo.

 

Surpreendido ficarás

Da quantidade de ocasiões

Em que, no que outro a ti te traz,

Tens do que buscas teus quinhões..

 

 

482 – Energias

 

Teu pensamento, acto e palavra

São energias: movem, criam.

Põem teus pés arando a lavra

Donde arrebóis germinariam.

 

O que ocorrer, quer inventado,

Quer conseguido, quer refeito,

Principiou como pensado

Numa cabeça, de algum jeito.

Incarna após em termos, frases

Que foram ditas mundo além.

Por fim gerou actos capazes

De transmudar quanto convém.

 

Três instrumentos de criar,

Outros não há de que disponhas,

Mas meios tens de real tornar

Quanto imaginas quando sonhas.

 

Não é de Deus fazer a escolha,

Quem faz o quê nem quem recebe,

Quem se distende ou quem se encolha:

- É tua opção que o mundo embebe.

 

 

483 – Liberdade

 

A liberdade não se dá,

A liberdade é tua essência,

É quem tu és, no pendor lá

De tua mais pura vivência.

 

Intermutáveis, as palavras

Deus, Liberdade ambas serão.

É livre Deus e te escalavras

Se tu livre és sem Deus à mão.

 

É que alma em ti é uma expressão

Individual de divindade,

Do que és é o cerne, o Céu no chão:

O imo o que sente é Liberdade.

 

Também o Amor, uma expressão

De Liberdade, a mais sublime.

E a Liberdade, em contramão,

É sempre o Amor quando se exprime.

 

O Amor expresso livremente

É o que Deus é, tal qual subsiste.

É tudo o mesmo, diferente

É o nome só do Igual que existe.

 

 

484 – Escolha

 

A tua escolha exercerás

Vendo que estás fazendo a escolha.

Livre és de estar onde tu estás,

Outrem não faz a tua folha.

 

De outrem não digas que te obriga,

Que o que tu fazes tem razões

Que são as tuas, sem a liga

Das dos demais doutras opções.

 

Frequentemente os homens tentam

Culpar os mais de escolhas suas..

A liberdade é quando atentam

Que suas são, que as criam nuas.

Apenas fazes o que fazes

Porque ao fim ganhas algo nisso.

Não te desculpes do que aprazes,

Livre é o que assume o compromisso.

 

 

485 – Diferes

 

Tem sempre escolha a conjuntura,

Se tu diferes dos demais,

Doutros efeitos vês a usura,

Pagas, mas tens escolhas tais.

 

Tuas escolhas teus desejos

Reflectem sempre e teus valores.

Espelham todos os harpejos

Do que quiseres, do que fores.

 

Portanto, a escolha não revela

Que liberdade não terás.

Pelo contrário, brilha, estrela

Deste horizonte que te faz.

 

Cada atitude é uma atitude

Em que, fatal, tu te defines.

Quem é obrigado, ao fim se ilude:

Sempre outro há contra o que destines.

 

Pais que abandonam deles filhos

É que apresados mostrarão

Não ser jamais por tais cadilhos

E que os que os criam têm opção.

 

Ninguém forçado a obedecer

Em caso algum jamais se encontra.

A coacção no imo do ser

Jamais penetra: é a tua montra.

 

 

486 – Cuidou

 

Tudo o que é bom nos fará mal

- Cuidou alguém em dia aziago.

Convence os mais até, fatal,

O mundo inteiro crer tal mago.

 

Na negação de seus desejos

E no combate contra eles

Crêem que a Deus darão ensejos,

Vão-lhe agradar, anhos imbeles.

 

Criam a ideia de o terreno,

Quando apaixona, os ir privar

Dos bens divinos, do Bem pleno,

Logo, a abstenção vão adoptar.

 

Consiste a prática em negar

Prazer terreno pelo empenho

No que deveras importar:

Felicidade à qual advenho,

Mas não aqui, no Paraíso.

De quem tu és como ir abster-te

Para quem és ser no alto viso?

Como não sendo ser solerte?

 

Primeiro grau, ao ser sagrado,

É ser completo, não castrado.

 

 

487 – Abster-se

 

Abster-se de algo não é usar

Doutra maneira, é fim de todo.

Do sexo o belo que é sem par,

Dele a paixão e todo o engodo,

 

O encantamento, a euforia

Desenfreada, como a pura

Diversão-mor que o sexo cria

- Tudo é de Deus, que em mim o apura.

 

Renunciar ao sexo, então,

Renunciar seria a Deus.

Não renuncies, pois, tu, não,

Ao bom do sexo nem aos teus

 

Maravilhosos, divertidos

Momentos bons que houver na vida.

Renúncia apenas, se vividos,

Às dependências é devida.

 

A dependência deles não

Deve prender-te como um elo.

Independência rejeição

De tal não é, podes vivê-lo.

 

Independente busca ser,

Podes então tudo viver.

 

 

488 – Sexo

 

Como os humanos Deus acharam

Que quereria uma recusa

De todo o sexo, então tornaram-

-No vergonhoso: usá-lo abusa.

 

Em tempos, todos, sexuais

Como as demais funções da vida,

Tudo gozaram, naturais,

Sem mais vergonha e com medida.

 

Mas as culturas nos fizeram

Pensar que ter sexuais vidas

Muito evidentes, que aprouveram,

Muito agradáveis, divertidas,

 

Satisfazer seria então

A natureza mais rasteira.

Deus não podia, em tal questão,

Gostar de tão grande lixeira.

 

Religiões, seitas chegaram

Mesmo a pregar uma abstenção,

Única via que encontraram

Da santidade, inspiração.

 

Outros ali viram o fim

Da raça humana. Então pregaram

Que procriar seria assim

Fito exclusivo dos que amaram.

 

O sexo então sem ter bebés

Estava errado, não procria.

Contracepção são rapapés

A quem se não refrearia.

 

O sexo extra-conjugal

Devém errado. Entre os mais novos,

Sem casa ou filhos por ideal,

Erro completo é para os povos.

 

Por paixão pura ou só prazer,

Amor ardente, urgente união

Com quem se amar, é o sacro ser

Violar do sexo, é aberração.

 

Apreender tal alegria

Por entre tanto fingimento

E distorção se prenuncia

Duro labor, muito tormento.

 

A sexual funda alegria

Vem da vontade responsável

De bem lidar com a energia,

Como no mais, na vida viável.

 

Se irresponsável for o agir,

Como em qualquer área da vida,

Complicações há-de atrair,

A efeitos pérfidos convida.

 

Vai ser nefasto a quem o faz

E os outros mais arrasta atrás.

 

E todo o resto é de esquecer,

Já que o que importa é só viver.

 

 

489 – Fito

 

Da vida o fito a ocasião

É de te dar de anunciares,

De vivenciares em teu chão

Quem és deveras e o criares.

 

À semelhança de Deus feito

Que é Criador, tudo o que fores

É ser mais um que presta preito

Entre os demais concriadores.

 

Por isso Deus não te dirá

O que criar, como fazer,

Senão não crias nada já,

O que farás é obedecer.

 

Obediência criação

Não é jamais, nela não somos.

Deus faz apenas doação,

Decides tu do que dispomos.

 

Presente-mor é nossa vida,

A recriar qualquer agora,

Versão actual mais conseguida

De quem eu sou, no que em mim mora.

 

 

490 – Sai

 

Sai para o mundo e quanto fores

Celebra alegre: os teus talentos,

As esperanças, os valores,

Sonhos que tens, visões, momentos…

 

Celebra tudo o que te torna

Ao Universo unificado,

Que único mostra que és na jorna

Em cada dia trabalhado.

 

Porém não sejas insensível

Ante os demais, que celebrar

Jamais é impor, mesmo credível,

Nenhuma ideia a alguém a par,

 

Nem que ninguém desconfortável

Se vá sentir na própria vida.

Que celebrar acolhe fiável,

Vive feliz e alegre lida.

 

E dá de ti: vais perceber

Que bem celebras vendo aquilo

Que contribui para ti, quer

Para os demais, de amor tranquilo.

 

Ao contribuíres para a vida

Contribuirá em teu favor

A vida em troca: é promovida

A tua cara e o teu vigor.

 

 

491 – Energia

 

Há de energia imensa troca

Desde o momento em que nos vemos.

Nossos sinais saltam da toca,

São transmissores, puxam remos,

Círculos rasgam em redor,

Raios alongam no infinito.

E se entrecruzam com um ror

De infindos mais, que outros concito

 

De seres, coisas, numa rede

Interminável a emanar,

Se interceptando em cada sede.

Fisicamente há-de alterar

 

Tudo o que existe tal cadeia.

Tudo liberta emanações,

É o que lá sinto que me ameia

Sempre a mudar, mal te lá pões.

 

À emanação reagem todos,

Animais, plantas, mesmo a Terra,

O inteiro Cosmos, de mil modos,

Todo o Universo aqui se aferra.

 

Todo o Universo emanações

É por inteiro, é o que é o sistema,

É o que unifica, uno em milhões,

Depois o espelha e dele é o lema.

 

 

492 – Deus

 

Deus, quem és tu? Quem não serás?

Nada, ninguém há que não sejas,

Mesmo os que são pessoas más,

Que tais serão, não do que almejas,

Mas do que pomos nós por trás.

 

O teu real jamais é o nosso,

Embora seja o fundo ao poço.

 

 

493 – Logro

 

De modo algum logro ofender

A Deus que é tudo eternamente.

Nada que eu queira Ele requer,

E não precisa, ao feliz ser,

De nada nunca proveniente

 

Do que eu pretenda lhe ofertar.

Do que façamos não precisa,

Do que deixemos de operar,

Do que sejamos, nem, a par,

Do que eu não seja e fragiliza.

 

Que é que lhe importa o que eu tiver,

Deixe de ter, seja o que for?

Não lhe faz falta o que O temer,

Nem quem O adore, nem sequer

Quem O ame, já que Ele é o Amor.

 

O mais é apenas fantasia

Onde transpomos miopia.

 

Então ninguém entende nada

Do que é deveras nossa estrada.

 

 

494 – Um

 

Quando Um com todos tu te vires,

Com tudo o que é, terás um certo

Leque de ideias a que aspires,

Do que resulta e não resulta

Em teu pensar, termos de acerto,

Como na acção que não é estulta.

 

Se tu te vires separado,

Ser longe doutros, de quanto é,

Outro é o conjunto então ideado,

Muito ao invés, na circunstãncia.

Tudo depende do que ao pé

Pretendes ter, ser nesta instância,

 

De como entendes o objectivo

Da vida inteira e da maneira

Como então vive o laço vivo

Que atas ou não a tudo o mais.

Assim defines (e se abeira)

Quem és por fim, os teus sinais.

 

São tuas crenças disto acerca

Que a teia criam de teu norte.

Outro qualquer doutras se acerca

Que o nortearão num outro rumo.

E a Humanidade o que transporte

O mundial fará resumo.

 

 

495 – Gestos

 

Ser de amor pode, finalmente,

Não de temor, a relação

Que entre nós temos e com Deus.

Quando de Deus não for temente,

Doutrem o medo do papão

Irei mondar dos gestos meus.

 

Começarei a acreditar

Numa verdade mais sublime

De quem Deus é: que Ele a ninguém

Alguma vez vai magoar.

E no que mais a vida exprime:

Que ela perdura eterno além,

Nada mais há senão o amor,

E que os bens dela a todos bastam,

Não é preciso ir a correr

Para colher o que o suor

E a natureza nunca afastam:

De sobra bens para quenquer.

 

E crerei mais de nós acerca:

Que somos todos, todos Um.

De cada qual verei o cume:

Que nosso fim, bem contra a perca,

É evoluir sem termo algum,

Que à vida o eterno é o que a resume.

 

É o que transforma a relação

Que com Deus tenho e mais comigo

E com os mais, por aí fora…

Isto irá ter outro condão:

Já não preciso mais de abrigo

E antes o mundo mudo agora.

 

 

496 – Religião

 

Religião é diferente

De espiritual realidade.

Religião é instituição,

O espiritual é coração,

É vivenciar a intimidade.

 

A instituição sempre inventada

Foi a partir de alguma ideia

Sobre a existência que se grada.

Quando endurece, ei-la empedrada,

Devém doutrina de si cheia..

 

Incontestável devirá,

Ou se crê nela ou não se crê.

O espiritual, livre que está,

Nenhuma crença exigirá,

Convida sempre: a vida lê!

 

O que se torna autoridade

É uma vivência pessoal,

Não a palavra de inverdade

De alguém alheio, uma entidade

Que algo pregar, ocasional.

 

Se alguém tivera de acolher

Determinada religião

Para com deus vir então ter,

Implicaria que Deus quer

Um trilho só no vário chão.

 

Não vem de Deus um tal pendão,

É dos que querem ter-te à mão:

 

Querem fazer de mediadores

Visando ao fim ser teus senhores.

 

497 – Função

 

A função primeira

Da organização

É a perpetuação

Pela vida inteira.

 

Quando ela cumpre o objectivo

Para que foi criada um dia,

Inútil fica e sem motivo.

Por isto, então, nunca anuncia

 

Por terminada uma função

Que extinção logo lhe enuncia,

Antes inventa a mutação

Que a um tempo mais dê garantia.

 

É o que acontece a religiões

Como a qualquer organizada

Actividade que te impões,

Mas é pior se ela é sagrada.

 

A religião que há mais milénios

Ande a existir não quer dizer

Grande eficiência de convénios,

Antes o inverso é de prever.

 

Tempo transcorrido

É mais ganga falsa

Pregada ao vestido

Sem mais cor nem alça.

 

 

498 – Arbítrio

 

Para escolher em que acreditam

O livre arbítrio todos têm.

Na maioria as crenças ditam

Duma experiência o que detêm.

 

Porém os mestres, ao contrário,

A vida vivem, deles crenças

Não se baseiam no sumário

Comum dos dias com sentenças.

 

Sua experiência se baseia,

Bem ao invés de todos mais,

Em crenças próprias de mão cheia,

Cheias de germes seminais.

 

Trocaram, pois, os mestres, tudo,

Ou, ao invés, tudo ordenaram.

E não faz mal que no Deus mudo

Alguém não creia: todos aram

 

O mesmo chão que Deus lhes deu.

Não faz que deixe de existir

Nele não crer fino ou sandeu:

Creiam ou não, connosco há-de ir.

 

 

499 – Rota

 

Nós somos Um, não parte aparte.

Se não, então não entendeste

Nada que a Vida anda a mostrar-te

Os anos todos que viveste.

 

A rota ainda não findou,

Aliás, nunca é concluída:

A conhecer quão uno sou,

A eternidade, de seguida,

 

Terei em mim para viver

Nossa unidade a vir a ser.

 

 

500 – Espera

 

Se à espera estás do amor na vida,

O amor então dá por que esperas.

Se a compaixão andar delida,

De compaixão sê fonte haurida

Por todos quantos mais puderas.

 

Se forem risos e alegria

De que te queiras bem juncar,

Leva-os contigo para a via

Que palmilhares dia a dia,

Outrem os põe a caminhar.

 

O que esperares chegará

Quando chegares tu com isso.

Pois cada qual que é que será?

És sempre aquilo de que já

Ficas à espera com teu viço.

 

 

501 – Acreditas

 

No que acreditas tu te tornas,

Escolhe bem a tua crença.

Nem todos bebem destas dornas,

Vivem sem ver que é tal a avença.

 

É uma mensagem que mudar

Bem poderia o mundo inteiro.

Podes, vivendo, i-la enviar

Discretamente em teu sendeiro.

 

A si devolves tudo em torno,

Mostrando a todos quem serão,

Quem são deveras lá no forno

Do imo profundo em que arderão.

 

Eis a maior revelação

E então serás mais um profeta,

Em pensamento não só, não,

Serás palavra a agir completa.

 

 

502 – Flui

 

Como é ser Deus? A vida inteira

Do Cosmos flui através dEle,

Porque Ele é a vida em toda a leira.

É prodigioso ser Aquele

 

Que vive, é Tudo, mui sereno,

Nada requer, por ser feliz,

De fora dEle: é Tudo em pleno.

- E nós igual temos cariz.

 

Que é ser assim? É ser completo,

De vez inteiro, é ser perfeito,

Bem acabado o chão e o tecto.

E Deus é mesmo deste jeito.

 

E o mesmo ocorre, em certo plano,

Com todos nós, por trás do engano.

 

Como é seguro! Nada o pode

Ferir, vai ser eternamente.

E o mais estranho que me acode

- É que isto, igual, em mim se sente.

 

E é divertido, a recriar

Cada momento no seguinte.

- Tal e qual eu, no meu lugar,

A sonhar sonhos de requinte.

 

Que maravilha Ele ser eu

Como eu ser Ele: em mim há Céu!

 

 

503 – Acumulada

 

Não és dinheiro, aquele emprego,

Não és teu carro, nem a casa,

Nem qualquer coisa que, em sossego

Acumulada, ao fim te apraza.

 

Aquilo é aquilo, tu és tu.

Com ou sem ele, continuas

Tu a ser tu. Se te vês nu,

É que trocaste as roupas tuas.

 

Mas tu inteiro, em tal revés,

Tu continuas sendo o que és.

 

 

504 – Compreender

 

A compreender já principias

Que não tens bens, quaisquer que sejam:

És responsável por uns dias

Por certas leivas que se vejam.

 

Se bem tomares conta delas,

Delas então desfrutar podes

E viverás, ante as estrelas,

Mil festas, mil, com que te engodes.

 

Quando é que adrega que libertas

Delas as mãos mui facilmente?

Delas há mais, além despertas,

E não as és, quem o for mente.

 

 

505 – Vazio

 

Sabedoria e cura nascem

Do esvaziamento do interior.

Lá mora Deus e os sonhos pascem,

A quenquer se há-de tal impor.

 

Encontrarás a paz aí,

Encontras Deus à tua espera.

É no vazio então que em ti

O medo, a dor, a angústia fera,

 

Todo o temor desaparecem:

A mente pode serenar.

Por muitas vias que aparecem

Poderás sempre ali chegar:

 

Dando um passeio solitário,

De bicicleta pedalando,

Fruindo um canto originário,

Numa jangada flutuando,

 

Haurindo até meditação,

Uma oração que abre ao infindo…

Ama o vazio em teu fundão,

É teu canto íntimo benvindo,

 

Teu interior de divindade.

É natural que tenhas medo,

Nunca o vazio ao fim te agrade,

Que não tem rosto nem tem credo.

 

Não tenhas medo tu, porém,

Encontrarás teu real Eu,

Que não és coisa alguma além,

Nem as que julgas ter de teu.

 

Da vida as coisas instrumentos,

Teu corpo até, são com que podes

Experienciar pelos momentos

O que és deveras quando acodes.

 

Vais descobrir, utilizando

Teus instrumentos, que os não és:

És seu mentor. E transformando

A vida irás de lés a lés.

 

 

506 – Medidas

 

Há metros outros de sucesso:

Fazer o que enche de alegria,

Em que horas e horas me perdia,

Até de graça, que o nem meço,

Sem do que pagam me ocupar,

Criar aquilo de que gosto…

Não ganho a vida assim, aposto,

Mas posso ter outra medida:

- Em vez de a vida vir ganhar,

Preferir antes tecer vida.

 

 

507 – Diferença

 

Entre ti mesmo e outro qualquer

Há diferença, não ruptura.

O teu mindinho outro há-de ser

Que o polegar, mas o que apura

 

É que não há separação.

Ambos são parte de igual mão

 

Que parte faz doutro maior

Conjunto, o corpo ordenador.

 

Da mesma forma exactamente

Fazem os homens parte firme

Do corpo cósmico evidente,

De Deus o rosto que O afirme.

 

E como Deus para voltarem

A vivenciar-se, então recordem

Quem são de vez: se reatarem

Os nós que os unem, tais se abordem,

 

Corpo de Deus são desmembrado,

Que se remembrem. É que ao lado

Se não amar alguém escolhem

A si não amam e se tolhem:

 

Então verão como evidente

Que é desamor por si somente.

 

 

508 – Mesma

 

Os outros amam ou criticam

A mesma parte que haja em ti,

Conforme branda a verificam

Ou extremada aqui e ali.

 

O que é espontâneo com medida

É irresponsável sem a brida.

 

Se corajoso muito fores,

És imprudente ao tal te expores.

 

Quando confiante te revelas,

És egocêntrico, se velas.

 

Pronto a tomar as decisões,

És um mandão, se sem travões.

 

Se bem resolves o problema,

“Só do meu modo!” – dizem teu lema.

 

Senso de humor bem refinado

É pouco sério, doutro lado.

 

- Do mais ou menos que proclamam,

O mesmo em ti criticam e amam.

 

 

509 – Consegue

 

Quando outrem amas sem ideia

Do que consegue ou vai fazer

Por ti, contigo, em ti se ateia

Um fogaréu tudo a esquecer.

 

É decisão tão elevada

Que um alvor brota em ti de amor,

Raio de sol na madrugada,

E doira o mundo de esplendor.

 

Em teu redor respiram bem

Os indivíduos e, portanto,

Enlaçam bem todos também

Quanto os atar a teu encanto.

 

Todos aumentam de harmonia,

Na sincronia nada arriscas

E o coração, em correria,

A palpitar, chispa faíscas.

 

 

510 – Momento

 

Desde o momento em que as revi

Viver não logro já sem elas,

Certas pessoas, no imo, aqui,

E mais aquela dentre aquelas.

 

Não é verdade, mas eu creio

E então parece que é verdade.

Vai-me tornar, bem o receio,

Muito infeliz, que me persuade

 

De que feliz jamais serei

Sem ela aqui, na minha vida.

Depois não basta, buscarei

Tê-la ligada, de seguida.

 

E depois quero-a um pouco além,

No tempo livre que tiver.

Logo a seguir pouco é também,

O tempo todo a irei querer.

 

Chego a afirmar que morreria

Sem eu a ter sempre a meu lado.

Parte de mim se finaria

Quando ela em mim se houver findado.

 

Por que uma parte em mim não morra

Por eu ficar sem ela, só,

Irei matar, quão mais eu corra,

Dela uma parte feita em pó.

 

Mato-lhe o espírito, asfixio

Com meu amor o ar que respira,

Tiro-lhe o alento, apreso o rio,

Se a mais prender, mais se retira.

 

E ela terá de libertar-se

Para poder sobreviver,

Fugir de mim, para salvar-se.

E é pena, que ela bem me quer

 

E me podia ter amado.

Mas nunca alguém já poderia

Satisfazer em nenhum lado

Tudo de que eu precisaria.

 

 

511- Ver

 

Talvez haja perfeição

Nas coisas tais quais estão.

Basta ver, basta ver o que serão.

 

E basta para quenquer

De infeliz passar a ser

Tão feliz, tão feliz! É só tal ver…

 

O que quer que acontecer,

O que quer que se passar,

A perfeição é de ver,

De nela só reparar.

 

No que a ocorrer não estiver

Mas como a estar bem quererias,

A perfeição trata de ver,

E vê quão mudam os teus dias.

 

 

512 – Evolução

 

Se isto souberes, tudo muda:

Há evolução em qualquer alma.

Deixas de ver o que te iluda,

Já como dantes não te empalma.

 

Mesmo as tragédias o não são,

São oportunas ocasiões

De anunciar, criar teu pão,

Ser e exprimir tuas feições.

 

De te tornares são momento

E de cumprires quem mesmo és.

O mundo inteiro deste evento

Palco é criado por teus pés.

 

Todo o Universo é o palco, enfim,

E a Terra, o canto onde te encontras.

Tua plateia sem confim

São do infinito as vastas montras.

 

 

513 – Busca

 

Em vez de alguém a quem amar

Busca tu ser quem pode amar-se.

Envia aquilo que a ansiar

Te faz andar por receber.

Desde já sê, sem mais disfarce,

Quanto desejas tu viver.

 

O que procuras, sê-o então,

Encontrar-te-á tudo o que em vão

 

Já procuraste e anda perdido.

Todos procurram sempre o mesmo,

O mundo inteiro percorrido,

Passos de acaso em terra a esmo.

 

Não sejas mais um que procura,

Sê quem os mais buscam na altura.

 

 

514 – Escola

 

A escola ensina factos dados

E não ideias, são danosas

Quando manter se quer os fados

Tal como estão na dor que glosas.

 

Em manter tudo tal e qual

As sociedades empenhar-se

Irão por norma, que é o sinal

Que as convenceu a congregar-se.

 

A sociedade é sempre a massa

Constituída na unidade

Duma visão com que argamassa

E se figura a realidade.

 

As tradições compartilhadas

Instituições geram coerentes,

Actividades religadas

Com interesses dependentes.

 

O que ameaça uma tal teia

Terá de ser bem combatido.

Jamais o ensino então ameia

Sequer mantê-lo no sentido.

 

Ameaçador nada mais é

Do que pensar novas ideias.

Numa criança é de ter fé

Se ela aprender pensando a meias.

 

Pensar implica ponderar.

Porém, se o novo ninguém quer,

Implica apenas decorar

Toda a tarefa de aprender.

 

 

515 – Apaixonados

 

Apaixonados e casados

Poderão todos continuar,

Só no que crêem é mudar

Para mudar destinos dados.

Terão de crer que decisão,

Não reacção é sempre o amor.

E decidir que se amarão

Como no tempo do fulgor.

 

Tudo um ao outro perdoavam

Naquela altura, se é que viam

Algo a perdoar: acreditavam

Comum o sonho em que ambos criam.

 

Hoje imaginam que divergem

Os interesses que procuram,

Parece às vezes é que aspergem

Santos rivais que já não curam.

 

Mas raramente é o que parece,

Pois todos querem sempre o mesmo:

O fito atrás do que aparece

É de o buscar na vida a esmo.

 

Ao procurar bem lá no fundo

Doutrem, encontras o que é teu,

Ambos partilham um fecundo

Gosto comum que se esqueceu.

 

É na abertura a procurar

O alvo comum que cumpriremos

Do amor o fito tutelar

De sermos nós o que seremos.

 

 

516 – Assustadora

 

Assustadora, indesejada,

A morte nunca tem de ser,

Só tua escolha à morte dada

Pode ou não dela tal fazer.

 

Tal como tudo o que há na vida,

Tudo depende da abordagem,

Ponto de vista que, em seguida,

Te perspectiva toda a viagem.

 

Se medo tens do que vier

Depois da morte, atemoriza;

Se à morte crês que emurchecer

Tudo há-de um dia, martiriza,

 

Medo hás-de ter de ela chegar.

Se, ao invés, ficas bem seguro

Do que ali te há-de coroar,

Sereno acabas com apuro.

 

Podes sentir certa tristeza,

De excitação já compensada,

Como ir viver na redondeza,

Mudar de emprego, a festa ansiada…

 

Então a morte é benefício

E de temor não tem resquício.

 

 

517 – Bênção

 

Chama de bênção aos momentos,

Mesmo aos de mágoa que te ferem,

Que desapontam, dão tormentos.

Usa o poder de todos verem

 

Tudo tal qual como o escolherem,

Despoja-os já de sofrimentos:

Se mesmo em mágoa te ocorrerem,

Impor não podem sentimentos.

 

Aprende a ver numa derrota

Degraus na escada da vitória:

Derrota nem leias na rota,

Vitória outra anota em glória.

 

Nos infortúnios quando vires

Da vida a oferta que te deu,

A pior tragédia que sentires

Sente-la tal Cristo a viveu:

 

Há o que é fatal e que quebrado

Não pode ser, existe a paz

Indestrutível, nosso fado,

E a festa infinda que nos faz.

 

 

518 – Eternidade

 

Deus, sendo o que é mais o que foi

E tudo aquilo que há-de ser,

Eternidade é que destrói

Do tempo o quadro que eu viver.

 

Eterno então serei como Ele

Porque eu e Ele somos Um,

Sou o que Ele é e Ele é o que eu sou:

Somos o mesmo noutra pele,

Somos a vida que em comum

Sempre exprimimos num só voo,

Somos aquilo que é, a ser,

Ambos o somos, tal quenquer.

 

Ele é a Total soma de tudo,

Eu, a parcela que se exprime

Homem aqui, mas sobretudo

Se não separa, antes se arrime.

 

Quando deixar de me exprimir

Como homem só e então morrer,

Continuarei sempre a existir,

Parte de Deus nEle a viver.

 

Nem poderei não o fazer,

Parte que sou de Deus eterno,

Pois o que for deixar de ser

Não posso nunca: é o Ser superno.

 

 

519 – Necessidade

 

Necessidade é no que crê

A humana raça: crê que há bens

De que precisa e os meios vê

Insuficientes para os trens.

 

Desunião, como fracasso,

São outro credo em que ela aposta.

No superior, se bem que escasso,

Firme acredita, é do que gosta.

 

E condiciona todo  amor

E sempre o creu condicional.

E crê que Deus impõe um ror

De condições, a bem e a mal.

 

Crê que há exigências para amado

Alguém o ser e julgamentos

Devem fazer-se e condenado

Ser quem falhar nos condimentos.

 

Como acredita no sistema

Do julgamento, da escassez,

Condenação, e tem por lema

Crer no fracasso e na altivez,

 

Vai comportar-se então de acordo

Com estas crenças: vai criar

Toda a miséria que hoje mordo,

O mundo e o tempo a torturar.

 

Não é possível, crê, negar

Nem reformar aquelas crenças

Porque não sabe nem lograr

Há-de saber outras sentenças.

 

A raça humana na ignorância

Sempre acredita sem apelo.

Eis a terrível manigância,

A letal fonte de atropelo.

 

 

520 – Inferno

 

Vivendo o inferno não estamos,

Que não existe tal lugar.

É uma experiência de apagar

Quem realmente nós sejamos,

 

Pensar que estamos separados

Do Todo, Deus, eternamente,

Nada valemos dignamente

E não podemos ser amados.

 

O inferno é crer que inúteis somos,

Sem esperança nem sentido.

Não somos nunca tal rasquido,

Mas quem recorda os quês e os comos?

 

Forma segura de acordar

Memória firme de quem são

É recordar, aos mais que irão

Muito esquecidos, seu lugar.

 

Se cada qual sempre fizer

Que outrem se lembre, tudo ao fim

Vai recordar quem for, assim,

De Deus semente por crescer.

 

É do trabalho parte a agir

Enquanto andamos cá na Terra,

Viva energia, em quem se aferra

Germina alegre a divertir.

 

Podes fazê-lo num sorriso,

Um termo além de simpatia,

Gesto de amor que então te guia.

Pequenos nadas e, conciso,

 

Todos devolves a si, puros.

Tornam à ideia mais sublime

De quem são mesmo e então, seguros,

O poder tomam que os encime.

 

O Paraíso, ei-lo à mão,

Estado de alma que nos une

A Tudo o que é, com a visão

De sermos esse mar que enfune

 

Todo o velame do que somos,

Mesmo se nós o não sentimos.

Vivo num sonho, nele pomos

Toda a ilusão do real que vimos.

 

Quando morrer, eis-me a acordar

Do falso sonho e na verdade

No real supremo a penetrar,

Do paraíso a identidade.

 

Não é um lugar o Paraíso,

É de consciência um certo estado,

Físico alcance não diviso

Que há nele algum, é vivenciado.

 

Como imo sempre viverei,

A vida é eterna e a morte, apenas

Um horizonte: saltarei

E verei logo, Mar, que acenas.

 

 

521 – Mais

 

O pensamento mais sublime

É sempre aquele que contém

Toda a alegria que te arrime.

 

Tua palavra que é mais clara

Vai ser aquela que retém

Maior verdade, a luz mais rara.

O sentimento mais grandioso

É o que mais longe vai e vem:

- É sempre o amor que dou e gozo.

 

 

522 – Ironias

 

Das ironias a maior

Tanta importância é termos dado

De Deus aos Livros de esplendor

E a Vida pouco haver amado.

 

Tão pouco vale uma experiência,

Que o que de Deus experiencio,

Se diferir da sapiência

Dita de Deus, meu atavio,

 

Logo descarto o vivenciado

E me apodero das palavras,

Bem ao invés do programado,

E alheias torno minhas lavras.

 

Nossa experiência e sentimentos

Desvendam factos de intuição.

O termo aponta-o por momentos,

Mas trai depois o fértil chão.

 

 

523 – Mensagens

 

De Deus as mensagens são ouvidas?

Larga maioria não o é nunca,

Umas por demais e desmedidas

Se nos antolharem nesta adunca

 

Fereza que rasga a carne aos dias;

Outras, por difíceis de entender,

Que à razão excedem demasias;

Muitas, deturpadas vêm a ser;

 

Todas quase, enfim, por recebidas

Não serem de alguém, sem mais razão.

Maior mensageiro, sem medidas

E mais poderoso os actos são

 

Da vivência do imo e até mesmo isto

Ignoramos todos. Sobretudo,

Aliás, será disto que desisto.

- É assim que de Deus me enfim desgrudo.

 

 

524 – Prece

 

A prece correcta não é nunca

De súplica a prece, é gratidão.

Antes se agradece o chão que junca

Agora amanhãs que então serão.

 

A Deus obrigado antecipado

Afirmar, confirma que já existe

O que vivenciar se há programado.

Reconhecimento ao que não viste

 

Deus afirma mais que tudo o mais:

Antes de pedir, já tal pedido

De encontrar havemos, nos sinais,

De vez e deveras atendido.

 

Não suplicaremos, pois, jamais:

Agradeço, em troca, o pressentido.

 

 

525 – Êxito

 

Ensinaram-te a viver com medo,

Sobrevive o que é mais apto, contam,

A vitória do mais forte apontam,

E ter êxito é do esperto o credo.

 

Muito pouco do triunfo falam

Do amoroso: dos que tudo abalam.

 

 

526 – Roupagens

 

Nossos corpos com roupagens vai

Envolver malsão temor febril.

Permitir vai-nos o amor que atrai

Desnudados caminhar aos mil.

 

Pega o medo, a se agarrar a tudo.

Totalmente se despoja o amor.

Cerca o medo. O amor enlaça e grudo

Ao que houver de me ofertar calor.

 

Prende o medo. O amor liberta e guia.

Alivia o amor. O medo infecta.

Pacifica o amor. O medo, enguia

Que se infiltra, o vil veneno injecta.

 

Pensamento, acto ou palavra humana,

Qualquer deles sempre assenta numa

Emoção, dentre estas duas mana,

Outra via não terás alguma.

 

Mas o arbítrio teu liberto pode

Qual das duas escolher lhe acode.

 

 

527 – Membro

 

És, sempre serás e sempre foste

Uma divinal do Todo parte,

Do Todo divino, membro-poste

Do corpo infinito. Quando acarte

 

A tua atitude ao Todo a unir,

Retornando a Deus, a chama que és,

Irás remembrar-te, escolhes ir

As partes de ti coser de vez.

 

É o remembramento teu, de modo

A teu todo ser de Deus o Todo.

 

 

528 – Chegar

 

Não é da vida o objectivo

Chegar a um lado, a um qualquer,

Que já lá estás é perceber,

Sempre estiveste, sem motivo:

 

Eternamente, sempre estás

De criação pura em momento.

Da vida o fito ei-lo, aliás:

Criar, no termo, quem, no intento,

 

És tu e aquilo que estás sendo

Experienciá-lo, promovendo-o.

 

 

529 – Ocorrência

 

Não tem nada a ver o sofrimento

Com uma ocorrência dum evento:

 

É como o indivíduo reagir

Ao facto que à frente lhe surgir.

 

Aquilo que ocorre é o que ocorrer,

Já como o encarar é que é de ver.

 

O instrumental temos para agir

No acontecimento que agredir,

 

Que a dor elimina ou minimiza,

Que apenas ninguém ainda utiliza.

 

 

530 – Jogo

 

Entrar no jogo espiritual

É dedicar a tua mente,

Todo o teu corpo, por igual,

Alma integral, impenitente,

 

A te criar à semelhança,

De Deus à imagem sem tardança.

 

E perder nisto a tua vida

Para ganhá-la de seguida.

 

 

531 – Espaço

 

Quando no espaço teu divino,

Sabes e entendes que o que estás

Experienciando e teu destino

É temporário, um sopro o traz:

 

O céu e a terra passarão,

Tu, porém, não. A eternidade

Ajuda a ver quão pouco são

Do real as montras da verdade.

 

 

532 – Virá

 

Minha verdade sobre Deus

De Deus virá, me dizem muitos,

Padres, pastores, mestres meus,

Rabinos, líderes fortuitos,

 

A Tora,  a Bíblia, o Alcorão…

Mas fidedignas não são fontes.

Teus sentimentos são torrão

Donde o sublime tu despontes,

 

Teus pansamentos da Raiz:

Escuta a tua experiência.

Sempre que a mente outro matiz

Recolhe em tua sã vivência

 

A diferir do que já leste

Ou do que ouviste ao mestre eleito,

Rasga as palavras, serão peste

A confinar-te morto ao leito.

 

São as palavras o emissor

Menos fiável da verdade.

Escuta atento o interior;

Aí Deus fala e persuade.

 

 

533 – Revela

 

Se se revela Omnipotente,

Deus rei do Céu como da Terra,

Para o provar se move a serra,

Alguém dirá que é Diabo ingente.

 

Deve assim ser, pois Deus não mostra

O imo divino no exterior,

Observação de algum factor,

É no interior que tem amostra.

 

Quando num imo se revela

O coração de Deus pulsando,

Ver cá por fora um como ou quando

Não é preciso numa tela.

 

Se o exterior for requerido,

É que é impossível o interior

Deveras ser e com vigor

Então de alguém de vez vivido.

 

Revelação, se for pedida,

Não poderá ser satisfeita,

Que afirma, falsa, esta suspeita:

Que não exista já na vida,

 

Que de Deus nada agora está

Neste momento a revelar-se.

A afirmação vai recriar-se,

Igual vivência gerará.

 

Teu pensamento é criativo

E produtivo o teu conceito.

Juntos, então, talham a eito

A realidade com que és vivo.

 

 

534 – Escolhes

 

Escolhes a acção promovida por medo,

Que vo-lo ensinaram. Porém, eu ensino

Que uma acção movida de amor o destino

Acaba talhando com outro segredo:

 

Sobreviver, não, vencer será mais,

Mais que êxito obter – neste caso consegues

Vivenciar em pleno o que em ti bem delegues:

Do que podes ser e do que és os sinais.

 

Irás pôr de lado a lição de tutores

Bem intencionados mas mal informados

E os ensinamentos ouvir dos guiados

Da sabedoria da fonte de amores.

 

Entre nós há mestres de sempre, que os houve

E sempre haverá que poder vão mostrar

E nos recordar, ensinar, orientar

Naquelas verdades que o homem não ouve.

 

Contudo, de fora ninguém é melhor

A nos recordar que esta voz em nosso imo,

Primeiro instrumento em que Deus trepa ao cimo,

O mais acessível ao bom ouvidor.

 

A voz interior é a que mais faz ouvir

De Deus as palavras por ser a mais junta

Que de nós se encontra (se o fundo se assunta)

A profundidade me ousando atingir.

 

É a voz que te diz se serão verdadeiras

Todas as demais, ou se falsas, erradas,

Se boas ou más, é o radar nas estradas

Que te traça as rotas, assim o requeiras.

 

Por este padrão concluir poderás

Se serão palavras a ser escutadas

Ou, pelo contrário, se cada te traz

A contrafacção que tas torna ignoradas.

 

 

535 – Responsável

 

Só quando logras aceitar

Ser responsável pelo todo

É que então podes alcançar

Mudar a parte com denodo.

 

Se defenderes o conceito

De que existe algo ou mesmo alguém

Por ti a agi-lo, deste jeito

A ti retiras, teu refém,

 

De fazer algo o teu poder:

Só se afirmares “eu fiz isto”

Descobrirás, como quenquer,

De transformar o dom benquisto.

 

Mudar aquilo que fizeres

É bem mais fácil que mudar

O que outrem faz, os teus talheres

São os que podes arear.

 

Primeiro passo de mudar

É perceber mais admitir

Que quanto houver a transformar

É tal e qual se quis fruir.

 

Se o não admites pessoalmente,

Fá-lo através da afirmação

De que nós somos Um somente,

Todos um feixe em união.

 

Procura então criar mudança,

Não porque errado algo estiver,

Mas porque já te não alcança

Testemunhar quanto vais ser.

 

Existe apenas um motivo

De operar algo: testemunho

Perante todos de que vivo

E de quem sou, da mente ao punho.

 

Desta maneira usada a vida

Devirá logo autocriadora:

Como quem és a ser convida,

Como quem sempre, sem demora,

 

Quiseste ser. Existe apenas

Uma razão de desfazer:

Algo já não, no que condenas,

Não testemunha quem vais ser,

 

Já não reflecte a tua imagem,

Te representa ou re-presenta.

Se desejares, na viagem,

Correcto ser quem se apresenta,

 

Tens de empenhar-te em mudar tudo

Que em tua vida não se enquadra

Na projecção que, sobretudo,

De ti desejas, nesta quadra,

 

Lançar além, na eternidade.

As coisas más que sempre ocorrem

De tua opção são entidade:

Errado não é que se aforrem

 

É que lhes chames de vez más.

Chamando-as más, de mau te chamas,

Pois foste tu, que és tão capaz,

Que as tais criaste, ateando as chamas.

 

Este é um teu rótulo que não

Consegues nunca em ti colar.

Então, em vez de tão malsão

Cada qual, pois, se rotular,

 

Renega a própria criação.

Tal malvadez intelectual

É que aceitar permite o vão

Do  mundo estado tão letal.

 

Se de admitir tiveras, grave,

Se ao menos sentes a noção

De responsável ser da cave

Que o mundo prende à escuridão,

 

Isto seria diferente.

Se todos foram responsáveis,

Sê-lo-ia mais, mui certamente.

Por óbvio ser, desagradáveis

 

São e penosas tais verdades.

Muito cruéis calamidades

Como terríficos desastres

São naturais: os furacões,

Tornados, cheias, desencastres

De prédios, carros, os vulcões,

Perturbações de terramotos,

- Não são criados, não, por nós.

O que é criado, em gestos botos,

A intensidade é com que após

 

(E a graduação) com que isso afecta

As nossas vidas. Acontecem

No Cosmo eventos cuja recta

Visão será que não carecem

 

De nossa mão a incentivá-los,

A dar origem: são criados

Pela consciência sem abalos

Total, global, fundura em dados

Da Humanidade e mundo inteiro,

Do Cosmos todo co-criando.

O que faz cada, em seu quinteiro,

Será por elas ir passando

 

E descobrindo, se o houver,

Para si próprio qual o alcance

Que tudo então poderá ter

E quem ele é, mesmo que canse,

 

Em relação a tudo aquilo.

Por conseguinte, nós criamos,

Num colectivo de sigilo,

Como indivíduos em mil ramos,

 

As conjunturas, mais a vida

Por que a correr nós sempre andamos,

Cumprindo a efémera medida

De evoluir, ligando os tramos.

 

A forma menos dolorosa

De este caminho abrir em frente

Não muda nada que se entrosa

Fora de nós, no mundo assente.

 

Dor excluir que associamos

Às experiências terrenais,

Nossas ou não, não corta ramos,

Mas formas só como o encarais.

 

Mudar o evento do exterior,

Do colectivo assim criado,

Não podes: muda o interior,

Até Deus ser em ti gerado.

 

 

536 – Ajuízes

 

Não ajuízes nem condenes,

Não sabes nunca que razão,

Finalidade, embora penes,

A acontecer leva uma acção.

 

Lembra-te, aquilo que condenas

A condenar-te virá um dia

E o que julgares, actos, cenas,

Te tornarás, tal por magia.

 

Ao invés disto, as coisas muda

Ou então quem ande a mudá-las

Apoia lesto com ajuda,

Se ora reflectem, ao topá-las

 

A mais sublime das noções

Do que vais ser e de quem és.

Tudo abençoa, as criações

São de Deus gestos, através

 

Da vida cósmica, vivência

Da Criação por excelência.

 

 

537 – Intrínseco

 

O estar errado ou certo estar

Não é um intrínseco estatuto,

É um subjectivo ajuizar

Num pessoal quadro diminuto

 

De valorar. Através disto,

De teus juízos subjectivos,

Crias-te a ti, dizes “existo”,

Comprovas teus os objectivos,

 

Demonstras quem, enfim, tu és.

O mundo existe exactamente

Desta maneira, aos rapapés,

Para que possas ter em mente

 

Os teus juízos. Se existira

Em perfeição, o teu caminho

De autocriar, que a ti te inspira,

Ao fim chegara de mansinho.

 

Dum advogado acabaria

Toda a carreira amanhã logo,

Se mais contendas não havia

Judiciais pegando o fogo.

 

Como a do médico, se não

Houvera mais qualquer doença.

E a do filósofo, a questão

Se se findar numa sentença.

 

Até de Deus acabaria

Toda a carreira amanhã já

Se mais problemas não havia

Com que Ele um mundo inventará.

 

 

538 – Defende

 

Defende as tuas convicções,

Mantém-te fiel a teus valores,

Pois de teu pai são as lições,

Dos pais dos pais os bons pendores,

De amigos teus, comunidade,

Do que mais fundo vos agrade.

 

De vossas vidas a estrutura,

Perdê-los era desfiar

Todo o tecido que segura

Tua experiência singular.

Mas examina-os um por um,

Que não escape mesmo algum.

 

Não desmanteles tua casa,

Cada tijolo inspecciona

E substitui o que te apraza

Se ele, partido, não se abona,

Já não aguenta as estruturas,

Que assim de risco o lar depuras.

Do errado e certo os pensamentos

São isto apenas, tua ideia

Que molda e cria os elementos

De quem tu és, substância cheia.

Só há um motivo de mudar

Qualquer um deles: não chegar

 

A quem tu és satisfazer

Nem quem quiseres vir a ser.

 

 

539 – Desejo

 

O desejo augura a criação que vem,

Primo pensamento, uma emoção larvar,

De alma no interior: a resolver também

É Deus o que vai logo a seguir criar.

 

De Deus o desejo, no lugar primeiro,

É de conhecer-se, experienciar-se em tudo,

Dele em toda a glória, ver o Eu-Sou cimeiro:

Antes de inventar-nos não o via, mudo.

 

Em lugar segundo, quer que nós saibamos,

Experimentemos quem realmente somos,

Com este poder que nos vem dar os tramos

De nos recriarmos sempre em novos tomos.

 

Em lugar terceiro, quer que toda a vida

Seja uma experiência de alegria plena,

De criação vera, de expansão corrida,

De realização enchendo toda a cena.

 

Tudo no presente, este momento, agora,

Que com Deus um homem nunca tem demora.

 

 

540 – Leis

 

Deus definiu leis universais que ter

Nos possibilitam e criar aquilo

Que precisamente cada qual quiser.

Tais leis infringidas não podemos ver

Nem mesmo ignoradas por qualquer sigilo.

 

Vamos a cumpri-las a qualquer momento

E não respeitar a Lei jamais podemos.

Assim funciona todo o real evento:

Ninguém afastar-se disto tem o alento,

Nem logra existir, que ninguém fora vemos.

 

Em todo o momento duma vida inteira

Tu tens existido dentro desta lei.

Quanto experienciaste terá sido a leira

Que por ti abriste nesta infinda jeira:

Pelas mãos te crias – és de ti teu rei.

 

 

541 – Leprosos

 

Uns mentais leprosos somos todos nós,

Carcomida a mente nos acaba a ser

Pelo pensamento negativo a sós.

Algumas ideias são impostas, quer

 

Por outrem e o meio, quer por vã cultura.

Mas muitas, porém, vamos ser quem as cria,

Nós que as evocamos na pior altura

E após acolhemos por fiável guia.

 

Então alimentam-nos por meses, anos,

E nem reparamos como somos crentes

Destes pensamentos que são só de enganos,

Depois admiramo-nos de andar doentes.

 

 

542 – Nível

 

Ao nível primeiro o pensamento cria

E a palavra após que é pensamento expresso.

Sendo criativo, infiltra cada dia

Germes de energia em seminal começo

 

E todo o universo fecundado fica.

Dinâmicas mais são as palavras, pois

São mais criativas: o pensar se aplica

Nelas mundo fora, a o cravejar de sóis.

 

Atingem, alteram, afectar vão, mudam

O Universo inteiro com o impacto-mor.

As palavras são, quando no mundo acudam,

O segundo nível de invenção me impor.

 

Depois vem a acção: em movimento o termo,

Palavra a incarnar, com corporal teor.

Acto é o movimento da palavra no ermo,

Vai-se o pensamento na palavra pôr,

 

Pensamento é ideia já formada, enfim,

A ideia a energia acumulada tem

E toda a energia é força livre. Assim,

A força é elemento a persistir também,

 

São os elementos divinais faúlhas,

De Deus as partículas, porções do Todo,

A final substância do que houver nas tulhas

Do Mundo, do Cosmos, desdo o infindo ao lodo.

 

É Deus o princípio, toda a acção é o fim:

É qualquer acção Deus a criar assim.

 

 

543 – Endireitar

 

Buscas tua vida endireitar de vez?

Então muda a ideia que cultivas dela,

De ti mesmo: pensa, fala e actua o que és

Como o que és – que é Deus. Irás sofrer sequela,

 

Ir-te-ás separar da maioria em volta,

Vão chamar-te doido, irão gritar blasfemo,

De ti ficam fartos, vão fugir, à solta,

E crucificar-te irão tentar, bem temo.

 

Não é porque vives de ilusões num mundo

Que apenas é teu (a fantasia acolhem),

Mas porque algum dia hás-de atrair, fecundo,

Outros fascinados que tua voz recolhem,

 

Por tantas promessas, sonhos que ela traz.

Então interferem, que ameaças já:

Mui simples vivida, tal verdade a paz,

A simplicidade mais beleza dá,

Amor, alegria. Mais conforto traz

 

Que outro qualquer meio que os colegas possam

Terrenais gizar ou conceber até.

Na verdade tua, se adoptada, esboçam

Deles as acções o fim da falsa fé:

Acabam os ódios, medos vis que troçam,

 

Fanatismo e guerra não terão lugar,

Nem condenações, mortes de Deus em nome,

A-força-é-que-manda não vai mais mandar,

Dinheiro-que-tudo-compra morre à fome,

Por medo o vassalo leal vai findar…

 

Fim do mundo qual eles o bem conhecem,

Tal qual vocês todos o afinal criaram.

Serás aviltado, nunca mais te esquecem,

Muito escarnecido, o nome a injúrias aram,

 

A vão-te acusar e condenar-te até,

Logo quando adoptes apostar sagrado

Auto-realizar-te. Por que pôr-te em pé?

Porque não te importa o mundanal estado

 

 

Nem o acolhimento de quem não te apraz,

Já te não agrada o que aos demais emprega.

Acabar com dor e sofrimento faz

Findar a ilusão. Farto da vil refrega,

 

Procuras um mundo mas deveras novo.

- Não procures mais, fá-lo nascer do ovo!

 

 

544 – Pergunta

 

A todo o coração

Que pergunta sincero

Qual a trilha de Deus

É mostrado o filão

Do sentimento vero:

A verdade dos céus.

 

Pelo teu coração,

Pelo caminho dele

De Deus pôr-te-ás à mão

E não pela jornada

A que a mente te impele,

Não chegas nesta a nada.

 

Se verdadeiramente

Quiseres ver a Deus,

Só fora de tua mente,

São dos loucos os céus.

 

 

545 – Renúncia

 

Da espiritual vida é a renúncia um pendor,

Renuncia o imo ao que não for real

E nada é real no vital teu teor

Salvo a relação que há com Deus, radical.

 

De autonegação, todavia, em sentido,

Precisa não é: tal renúncia há traído.

 

Liquidando o corpo escraviza teu imo,

Ninguém mais atinge nem fundo nem cimo.

 

 

546 – Dominar

 

Que dominar deves teus desejos dizem,

Digo-te que deves tu tão-só mudá-los.

Rigor, disciplina é que acolá condizem,

Deleitosa prática aqui são regalos.

 

Para veres Deus, tu dominar, afirmam,

Deves as paixões materialistas vis.

Mas basta entendê-las e aceitar. Confirmam

Contra quem resiste as posições viris,

 

Mas a quem a atende cada qual, refece

Estiola ao canto e, no final, fenece.

 

 

547 – Decidir

 

Podes decidir ser quem resulta

Apenas daquilo que acontece

Ou, se achares que isto é escolha estulta,

Do que decidiste ser na messe

Dos eventos mil do que ocorreu,

Do que fazes tu que te teceu.

 

Tua criação de ti aqui

Torna-se consciente e te realiza.

Toda a relação louva, que a ti

Proporciona sempre, por divisa,

A oportunidade formativa

De quem tu és ser de forma viva.

 

 

548 – Olho

 

De olho no que pode retirar

Duma relação, a maioria

Entra nela, em vez de bem cuidar

No que lá vai pôr. Contudo, a via

Duma relação é decidir

Que parte de si pode exibir,

 

Que de ver gostava manifesta,

Não a parte doutro que manter

Após conquistar pode na gesta.

Um único fim só pode haver

Para a relação, tudo na vida:

- Decidir quem és, sê-lo em seguida.

 

 

549 – Romântico

 

É muito romântico afirmar

Que agora que alguém muito especial

Na vida te entrou, te vês completo.

Mas o amor não é ter o teu par

A te completar, mas um igual

Com quem partilhar teu chão, teu tecto.

 

Este é o paradoxo de teus laços:

De ninguém precisas para, pleno,

Experienciares quem tu és,

Mas sem esse alguém perdes os traços,

Em vez de cantar choras um treno,

Não és nada, nada, em teu revés.

 

 

550 – Primeira

 

Tua primeira relação

Deverá ser contigo mesmo.

A respeitar aprende, são,

Como a estimar, amar teu eu.

Não é palavra dita a esmo,

É o alicerce do que é teu.

 

Deves primeiro digno ver-te

Para algum outro digno achar.

Deves primeiro, mui solerte,

Como abençoado a ti te olhar

Para poder ter como boa

E abençoada outra pessoa.

 

Considerar-te então sagrado

É descobrir sacralidade

Em quem cruzar contigo ao lado:

- Se te amas és fecundidade.

 

 

551 – Sublime

 

A mais sublime das escolhas

O bem maior proporciona

Para ti mesmo. Quando acolhas

O espiritual abismo à tona,

 

Duma imediata errónea vista

Te precavê, que o mais sublime,

Se o bem escolhes, é uma pista

Que se conjuga, no que encime,

 

Ao maior bem que outrem procure.

Completa o círculo dos dois,

O bom encontro que nos cure

De um nunca sermos cá depois.

 

Leva unas vidas a entendê-lo

E vidas mais a ser vivido:

Por outrem faz o que é o teu elo

A ti; por ti, o que lhe hás sido.

 

Pois tu e o outro sois um só:

Só tu existes. O que fazes

A um grão minúsculo de pó

Fazes ao Todo e a ti comprazes.

 

 

552 – Quer

 

Deus quer realmente o que eu quiser,

Nada diferente e nada mais.

Dádiva maior que a mim me der,

Se diversas quero opções vitais

Até me levar a que as tivera

Para onde iria a livre escolha?

Como ser criativo se devera

Ditado escrever na minha folha?

 

Se me diz quem devo ser, fazer?

De Deus a alegria é liberdade,

A minha ou a tua, a de quenquer,

Não há obediência que lhe agrade.

 

À voz de meu imo tentar ser:

Aqui livre sou, eis-me a crescer.

 

 

553 – Epidemia

 

Se ainda ninguém contagiou

Uma epidemia que a cidade

Ronda, contornou e não invade,

Se fora de casa me ficou,

De alívio respiro em liberdade.

 

Por mui satisfeitos nos achamos

Na vida o pior quando evitamos.

 

Mas não vamos ser de vistas curtas:

Que as naus dos demais nos fiquem surtas

 

Em nossa baía de acalmia,

Não nos macaréus de cada dia.

 

 

554 – Acumular

 

Trabalhar a acumular riqueza

De sofrer afasta os sentimentos

Que a convicção nimbam de ser feio,

De indigno devir de ser amado.

Uma dependência que não reza

O que em mim houver, os meus fermentos,

Livre de obsessão, sem entremeio,

Desatenta a quanto corre ao lado,

 

- De sentir impede toda a dor

Duma infância triste, asas cortadas,

E da idade adulta em lar sem cor,

Vazio das penas arrancadas.

 

Na estrada da vida fujo ao choque

Para o beco onde me nada toque.

 

 

555 – Frouxa

 

Que frouxa vida no interior,

A do viciado no trabalho!

Brincar, gozar com o calor

De amigos fiéis para quem valho,

 

A companhia da família,

Ou relaxar-se, não lhe acode.

Sempre impelido na vigília

Do produtivo que o engode,

 

Necessidade que aprisiona,

Nenhum prazer vai retirar

Da trabalheira trapalhona

Que o consome, liminar.

 

Crítico sendo, vai punir

Quaisquer impulsos interiores

Doutra maneira para agir.

A trabalhar, com seus rigores,

 

O vai manter dele o escravo imo,

A o mais baixar quão mais no cimo.

 

 

556 – Substituir

 

Substituir qualquer amor falhado

Adquirindo materiais recursos

À distância vai manter tapado

Da emoção, a empobrecer percursos,

 

O inconfesso da nudez vivida.

O poder sobre os demais expresso

De maneira punitiva envida

Preservar de se sentir o excesso

 

Do abandono e desvalor reais,

Desamparo de os viver tais quais.

 

 

557 – Torna-se

 

Em casamentos sem amor

O poder torna-se o produto,

Um substituto sem calor,

Como se o lar pusera luto:

 

Se ter amor não poderei,

O que quiser vai ser a lei.

 

Cólera, ameaça a intimidar,

Fechar a bolsa a algum anseio,

Negar o sexo que aflorar,

São a vulgar maneira e meio

 

Dum sobre o outro impor poder:

Comanda a força e não o ser.

 

 

558 – Capaz

 

Quando uma criança maltratada,

Um adolescente rejeitado,

Um qualquer adulto aniquilado

Por fim é capaz, duma assentada,

 

De negar desejos dum amor,

Duma aceitação, pode tornar-se

Num ente obcecado, sem disfarce,

Por qualquer poder, abusador

 

De todos os mais. Pouco seguro

Embora no trono de humilhar

Ou de atar o pulso a qualquer par,

A paga retira do monturo

 

De se mascarar de superior.

Desvalorizado nas vivências,

Rejeitado e falho de experiências

E vazio, enfim, de autovalor,

 

Tudo conjugado com desejos

De vingança infrene, quenquer tornam

Num cruel tirano: sempre o adornam

Os golpes do mundo malfazejos.

 

 

559 – Descobrindo

 

Descobrindo que não sou querido

Ou que o sou pelo que faço ou tenho,

O poder é o substituto haurido,

O instrumento com o qual detenho

 

O seguro, a aceitação que busco,

Que o amor providencia grátis:

No comando quero andar e ofusco,

Ser notado tento quantum satis,

 

Necessário me farei então

Ao trocar-me pelo amor falhado,

Dispensado não vou sê-lo em vão,

Sou poder porque não sou amado.

 

 

560 – Ocorre

 

A história da vida de qualquer pessoa

Para quem poder importa mais que amor

Ocorre em família, instituição, pendor

De qualquer nação e não ocorre à toa.

 

Na patriarquia, na cultura advém

Que a ênfase põem no domínio puro

De indivíduos, classes ou nações que o têm

Sobre outras nações ou indivíduos, duro,

 

Como sobre povos, decidido à força,

A supremacia duma ideia a tiro.

E nas religiões, cada qual mais comborça,

Que de alguns suportam divinal papiro

 

Sagrando o direito de calcar os mais

E da humanidade a dominar o mundo,

Numa hierarquia só o poder reais

Leis reguladoras forneceu fecundo.

 

E, quando quem reina é poder mais que amor,

Sofrem liberdade mais justiça, a par.

Conservar o amor como uma lei maior

Na patriarcal cultura é luta dar,

 

Porém sucumbir ao destruidor poder

As relações próprias é matar de vez

Com que insaciável cada qual nascer.

Tem cada indivíduo de lutar, cortês,

 

A determinar por entre amor, poder,

Qual o dominante na atitude e mente:

Qual decidirá dos laços que eu tiver,

De opções de trabalho, lugar onde assente…

 

Pois, no fim de contas, nesta escolha vemos,

Em que todos nós nos afinal tornemos.

 

 

561 – Atinge

 

Se o poder se atinge, os monumentos logo

Se lhe irão seguir, a consagrar o engano.

Titãs dos negócios, no altaneiro jogo,

Altos edifícios com seu nome em pano

 

Elevam nos ares, para o eterno os ler.

E, quer os construam no mais alto monte,

Quer uma estrutura vá mais alta ser,

É o inacessível pretender sem ponte,

 

É o isolamento cultivar do cume.

Tudo é fortaleza bem guardada, ao fim,

Torre edificada, a segurança assume

Tal como o prestígio acrescentar assim.

 

Quando menospreza de adquirir os custos

Que o irão levar à bancarrota, um homem

Obcecado vive sem afectos justos,

Quão mais rico for, mais o as riquezas comem.

 

 

562 – Qualidade

 

Qualidade eterna é sempre o amor feliz

Que diariamente nos renova, puro,

Emocionalmente a conservar viris

Os traços de jovens que mantém seguro.

 

A beleza mora de quem vê nos olhos,

Por olhos de amor tudo o que é visto é belo,

Seja lá quem for, seja o que for que antolhos

Nos não impedirem de avistar singelo.

 

Com coração que ama e para o belo uns olhos,

Gratidão sentimos e o que temos já

Nóa apreciamos sem franzir sobrolhos,

Conservando então, sempre a partir de lá,

 

Pelas cãs além, do que espantar o trilho

Como a reverência da criança inerme,

Perante os mistérios que em redor dão brilho,

Que a vida rodeiam como nossa derme.

 

Se temos amor, embora em anos velhos,

Novos nos mantemos. Sem amor, porém,

Quando envelhecemos, os mortais espelhos

Fatigados mostram que o cinismo vem

 

E, desconfiados, segurança apenas

Paranóicos temos a amparar empenas.

 

 

563 – Abdicam

 

Da atitude abdicam de abertura à vida,

Ao amor e ao belo muitos jovens velhos.

Em troca é uma cínica atitude erguida

Que realista afirmam quando dão conselhos.

 

Então monumentos erigir irão

Sempre a eles próprios, preocupados andam

Com a segurança, como que hirtos vão,

E conservador todo o exterior comandam.

 

Ao envelhecerem, ao poder servis,

Mais ainda obcecados ficarão da posse

De todo o controlo que o poder lhes diz

Que providencia quanto mais engrosse.

 

E cegos então hão-de ficar de vez

À contradição que deles servos fez.

 

 

564 – Importar

 

A um pai narcisista, tanto quanto um filho

Lhe pode importar, tal há-de ser apenas

Por favorecer de seu poder o trilho,

A necessidade que o requeima em penas.

 

Não amado o filho nem cuidado ou visto

Como uma criança com direito a ver

Os próprios motivos satisfeitos nisto,

Nem a perfilhar na vida a meta a ter,

 

Pode abandonar tal pai seu filho então

Para desgraçada vida após levar,

Só porque isto serve o que ele visa em vão,

E acata que morra se lhe o fim negar.

 

Lamenta-se após de que é o mais triste ser

Porque o plano falha e nunca o filho sente,

Dado que o evento somente há-de ver

Na tal perspectiva em que só mora assente.

 

Dinásticas vias ou razões pessoais

Empurram algum até ter filhos seus:

Nome de família, firmas, fitos tais

Que um homem quis ser e sobrevive em réus

 

Que podem ser filhos. Se é um padrão do lar,

A criança aprende a aprovação dos pais,

Mata nela afectos e a desviância a par:

Nunca sendo amada, não tem traços reais.

 

 

565 – Dragão

 

Um dragão matar que algum tesoiro guarda

É quanto um herói vai ser chamado a agir

No conto de fadas que lhe a vida aguarda,

No mito que aponta a quenquer seu devir.

 

Testa-lhe a coragem e a viril vontade

E realiza um sonho em que se não creria:

Liberta a princesa ou conseguir-nos há-de

Um tesoiro esconso, ou livra a terra um dia…

 

Com o destrutivo luta sempre o herói:

Pode destruí-lo a ele, aos outros mais…

Destrói o poder que o dragão sempre foi,

Algo libertando dentro, em seus juncais,

 

Pode agora entrar em relação contente

Com seu interior que é feminino e são

Ou com a mulher que o aguardou, ausente,

Sempre a olhar a chave que abriria o chão.

 

Com dragão a luta pode agressão ser,

Depressão, complexo, regressão acaso

Que a psique destrói, a proibir crescer,

Nos aprisionando sem apelo ou prazo.

 

Pode também ter a agir alguém real

Intimidador, devorador de gente

Ou abusador. Um espadim mental

Terá de afiar e de forjar contente

 

E de decidir cada qual quando entrar

Deverá na luta. O interior dragão

Devo combater, de em seu poder já estar;

Alguns, no caminho, de crescer travão,

 

De crescer impedem; e outros são flagelo,

Por nosso intermédio, doutra gente além…

- Combater dragões ao mesmo tempo apelo

É de fora e dentro ao que mondar convém.

 

 

566 – Particular

 

O nosso dragão importa ver o que é

No particular perfil do que ele for,

De modo a podermos empreender de pé

Contra ele a luta ou lhe fintar calor,

 

A proximidade lhe evitando lestos

Onde ande emboscado a armadilhar-nos chão.

Ponderar o que é, quão maus são seus aprestos,

E nossos receios dele o que é que são,

 

Quais nossas fraquezas que lhe dão poder…

Para empreender vitoriosa a luta

Temos de encontrar em nós o herói que houver

De empunhar a espada e que ao pensar discuta

 

Claramente as vias, decisivo ao ser:

Então o dragão as contas vai perder.

 

 

567 – Morte

 

Da morte a consciência por fatal destino,

Como inevitável, é negada, escusa,

E tão reprimida quão possível for

Por todos aqueles que ao poder um hino

Orientam de incensos que os controlos usa,

Muito embora falhem no que vão supor.

Medo de morrer, de envelhecer, de arrasto,

Medo do declínio do poder também,

Da perda fatal duma atracção falível,

São assustadores para quem o pasto

For aquele apenas que o poder retém:

No declínio vêem tudo o que é terrível.

 

Prestam artenção então à mais pequena

Manifestação que alguma perda encena:

Um poder feliz não é jamais possível.

 

 

568 – Muralha

 

Um pai narcisista devirá também

Interiorizada uma muralha viva

A impedir o filho que servil mantém

De vitórias ter ou criação activa.

 

Barra-lhe o caminho do acordado a lança

Que escrito tiver o que assegura, obriga

A manter poder à mão que o pai alcança:

À criança-grande trava-a quanto a liga

 

O emotivo acordo compulsivo aceite.

Pode ser o pai não superar jamais,

Que mais realizado ninguém ser suspeite,

Ou satisfazer uma ambição dos pais,

 

Em vez de escolher por ele próprio o rumo…

Todo e qualquer lar disfuncional impõe

De ficar calado o acordo quanto ao sumo

De emoções e assuntos que o poder supõe,

 

Compulsivo acordo ao dependente imposto

Que logo o escraviza do açaimo do jogo,

Da raiva, do álcool, dum viciado gosto

Por onde o tirano apagar busca o fogo.

 

Desfazer o acordo para o fito erguer

De continuar pelo seu pé liberto

Será o que o herói que num filho há-de haver

Terá de fazer, adulto enfim experto.

 

 

569 – Vingança

 

Os pais obcecados com vingança um filho

Não vêem que tem necessidades suas,

Próprias e legítimas, porém sem brilho,

Ante o que os abrasa nas feridas puas.

 

Destinado é o filho a meio ser dum pai

Ver próprias carências satisfeitas já,

Vive a redimir, já que às feridas vai

Do pai que as sofreu cuidar se cura dá.

 

A insignificância, humilhação do pai

Irá compensar ao adquirir poder

Que a capacidade ao próprio pai dar vai

De alguns inimigos humilhar que quer.

 

Para lhe agradar, como por medo dele,

Dum pai a vontade um filho cumpre atento

Com a própria vida, na esperança imbele

De o pai vir a amá-lo por cumprir isento.

 

Na disfuncional família o filho pode

Ouvir, responder atencioso aos pais

Que dizem: se me amas, serás quem me acode,

Enquanto de todo pisarão as mais

 

Apetências dele por ter dele pais

Adequados, certos, sem que os nada engode,

E menos feridas a infectar demais

Todos em redor e que ninguém sacode.

 

 

570 – Abandonado

 

Todo abandonado no que a afectos toca

Vai ser o menino de emoção calcada,

Mais do que ignorada: activamente foca

Dele o sentimento em pedregosa estrada.

 

Ao fazer dum filho, na feroz vingança,

Aquele instrumento de findar bem quite

Ou de triunfar sobre o inimigo, amansa

A dor que humilhou, porém também permite

 

Suprimir, activo, por castigo duro

Ou pelo ridículo, expressões de medo,

Simpatia ou queixa que em criança apuro.

Um pai, deste modo, é um militar bem cedo

 

E o filho, um recruta ainda verde e cru.

Quando o filho avança, ao encenar combate,

Custa-lhe isto a infância, de emoções a nu,

Devém concentrado, de insensível bate,

 

De o ser orgulhoso. Porém, dentro existe

O miúdo enjeitado, todo inveja ao fundo

Daqueles que trata de desprezo em riste

Por serem tão moles como sonha o mundo.

 

 

571 – Caminho

 

Os heróis no caminho ascendente,

Se descobrem que bem acolhidos

São num grupode grã fina gente,

Esquecer a mulher vão, perdidos,

 

Namorada que não se ajustava

No novel ambiente e vão pôr

Para trás tudo o que ela augurava

E do mundo de outrora o valor.

Namorando de si nova imagem,

Já de amores perdido ficou

Por mulher que é do grupo miragem

Em que aspira ser parte do voo.

 

A mulher entretanto esqueceu

Que o amou e ajudou a educar,

Que o armou cavaleiro do céu

Para o mundo mais vasto enfrentar.

 

Esqueceu-a no peito que tem,

Esqueceu quanto foi dele outrora

E o que ser costumava também

Ele próprio durante a demora.

 

 

572 – Arquétipo

 

O herói é um arquétipo vivido acaso

Durante um período de vida de homem,

Ou mesmo invocado, se for fero o caso,

Quando é de enfrentar medos que então se somem.

 

Pode ser o medo do que irão vizinhos

Ajuizar de nós, proibição de além

Ir de nossa classe, ou de ter mais arminhos

Do que nosso pai, ou, se a pobreza vem,

 

Não correr já riscos. De contar o medo

O que a sério sinto, ou de ficar risível,

De ser vulnerável, fazer meu um credo,

Um sonho de além, ou de enfrentar credível

 

Duma autoridade o eventual dragão.

O que os pais fazer, pensar, sentir ou ser

Outrora temeram semeado então

Há-de ser no filho que adultez qualquer

 

Já não viverá, se recolher passivo

Seja lá o que for que recear lhe dizem.

São inibições neste caminho vivo

De atitudes termos que por nós deslizem.

 

A superar medos, é de ter clareza

E ser decidido e após agir bem firme

Com toda a coragem, despertando ilesa

A imagem do herói que dentro em nós se afirme.

 

 

573 – Sabedoria

 

Que todas as coisas passarão o sabe

A sabedoria, que sofrer é parte

Da vida fatal e que a jornada cabe

Espiritual e com sentido aparte

 

Numa vida inteira. Denunciar amor

De poder em troca, de riqueza e fama

Destrutiva escolha e com medo é propor.

O amor é o mistério sobre o qual se acama

(E cada vez mais) de quanto aprendo um pouco,

Sempre quando arrisco o coração abrir

Para um ignoto algo ou para alguém, cabouco

Duma inevitável muda que é porvir.

 

 

574 – Verdade

 

A verdade é o fogo que destrói, depura

E que purifica as relações humanas,

As instituições donde infernal supura

O disfuncional veneno em ruins praganas,

 

Liberta a família, cada qual também.

O afecto genuíno, o sentimento atento,

Descoberta a si toda a traição que advém

Em si próprio, noutros, leva a termo o intento:

 

Papéis obsoletos, estruturas velhas

De poder, segredos destrutivos, vultos

Do inferno, cessar irão de em nossas celhas

Beber-nos o sangue e são de vez sepultos.

 

 

575 – Absorvemos

 

Dum sonho a verdade se absorvemos clara,

Dum discernimento poderoso a luz,

Isto nos transmuda, inviável torna, avara,

De viver a norma que ancestrais traduz.

 

Então é frequente resistir, negar

O que ser verdade nós por fim sabemos.

Evito a verdade dum afecto, a par

Com, no íntimo, anseios de mudar extremos,

 

Até que a verdade inescapável fica.

É que significa deixar nosso mundo

Familiar de sempre, ou ser expulso implica.

Então evitamos admitir, no fundo,

 

Sem significado que algo enfim será,

Que findou o amor, que anda a existir abuso,

- O mais que pudermos, a raiz por cá.

Amor e paixão por alguém doutro fuso,

 

Chamado que soa por destino alerta,

Os discernimentos positivos, grandes,

A verdade dentro, no interior desperta,

- Podem resistência suportar que mandes,

 

Porque isto coloca expectativa alheia

Connosco em conflito ou com leais acordos,

Porque exigirá que mude vida meia,

O que sou agora, ante os demais meus bordos,

 

Porque não sabemos o que o dia dá,

O que aos outros vem de eu alterar meu rumo…

Saber da verdade, a escolha, enfim, trará

E não escolher é de escolher resumo,

É consentimento conservar silêncio:

- Simulado muro, vem o rio e vence-o.

 

 

576 – Jogar

 

Homem e mulher vão-se jogar no fogo

Do afecto emotivo se a verdade acolhem

E então deliberam ir por ela logo.

A verdade inflama, as emoções não tolhem

 

As paixões que podem consumir, lavar…

Mal isto começa, das relações laços

Como os conhecemos vão arder pelo ar,

Das ordens antigas vão apear os traços.

 

Revelar segredos de família então

É tal do governo corrupção a nu,

A um tempo põe fim e vai rasgar um vão

Dum começo novo, positivo, a cru,

 

Ou quem diz verdade converter-se pode,

Banido e punido, vir sofrer castigo,

Transformado então no expiatório bode.

Quando decidimos do saber o abrigo

 

Vir a utilizar, pôr na verdade a base,

Temos a intenção dum resultado a ver,

Vamo-lo esperar, que nele estamos quase,

Todavia nunca o poderei prever.

 

 

577 – Críticos

 

Críticos momentos no interior da gente,

Horas de verdade em que sabemos de algo

Que é verdade em nós, no mais profundo assente,

São a aceitação por cujo trilho galgo.

 

É revelação interior acerca

Do que importa mais em tudo quanto amemos,

Pode ser clareza de em nós ver a perca

Duma destrutiva relação que temos

 

E já não podemos enganar-nos mais,

Ou revelação do que o real será,

Ou da divindade ler alguns sinais,

- Radical mudança tudo arrasta já,

 

Na filosofia ou religião vivida,

Na visão científica que temos dado:

Não percepcionamos mais o mundo, a vida,

Nosso lugar neles tal de outrora o fado.

 

Pode parecer inesperado o alvor

Mas mais tarde vemos que saber devíamos

Desde há muito tempo e que irrompeu, senhor,

Fura a resistência, a negação que havíamos

 

Tentado lhe opor. Agora joga a sorte:

Suas consequências são de vida ou morte.

 

 

578 – Inefável

 

De verdade as horas o inefável pauta,

Sentimento, acção com o saber se ajustam,

Do instante a clareza o tempo pára, cauta,

Há calma interior, os movimentos custam,

 

É a respiração que alguma acção precede.

O momento alumbra por inteiro o ambiente,

Inclui o que agora deve agir-se e acede,

De integralidade é uma vivência ingente

 

Quando a informação que de evitar cansámos,

As nossas facetas reprimidas antes

Ou que a projectar sobre outrem nós andámos,

À consciência vêm libertar-se instantes.

 

 

579 – Instante

 

De verdade o instante inunda alegre o dia,

Quando tudo encaixa há uma clareza nova

Sobre quem se for e quem se pode ser.

É de transcendência um só momento, um guia

Sacro e jubiloso, uma vivência e prova

Com alma e com corpo, o coração a ver

 

Tudo preenchido, de alegria cheio,

Por vezes é mesmo a inundação de luz.

Um momento apenas dure tal recheio,

Imóvel é o tempo que me em deus traduz.

Ficamos pejados, em perene encanto,

Na revelação o tempo pára ao canto.

 

 

580 – Momentos

 

Os momentos de verdade dão

Um sentido interior fecundo,

Da certeza e da clareza chão:

Importância sei que tenho, inundo

 

Com mil fins e de sentido a vida,

Coerente epifania do alto.

Seja embora maravilha, envida

Seguir nossa beatitude um salto:

 

Sacrifício já requer agora

De obsoletas vidas velhas de antes.

E com isto o sofrimento mora,

Para si, para os demais constantes,

 

Da mudança e resistência preço.

Escolher qual o sendeiro de ir,

Ao sabê-lo a fundo certo, avesso

Ao que custa e que não sei, pedir

É coragem de avançar na noite.

De verdade estes momentos mudam

As culturas quando alguém se afoite

A aprontar os que em seu imo grudam

 

E a favor dos vendavais da ideia

Cujo tempo enfim chegou actuam.

Sentimento colectivo ameia

Nas bandeiras que dali flutuam.

 

 

581 – Ignorando

 

Quando alguém afirma, diz e faz

Tudo aquilo que define o curso,

Ignorando o que a seguir lhe traz

E temendo se é o pior percurso,

 

Ninguém sabe se correr vai bem,

Se o suor a diferença faz.

Todavia, não agir refém

A partir da profundeza em paz

 

Dos afectos (que vivemos fortes)

De estar certo aquele agir, seria

Recusar quem por fim somos, cortes

Dentro de alma que se alguém faria.

 

 

582 – Vazio

 

No vazio dar o salto alguém

É um agir a semear verdade,

Que uma autêntica atitude tem

Quem seu imo a tal agir persuade.

 

Conduzir-nos vai poder ao vago,

Fogo, cruz, pelo vazio além,

E durante um tempo então o bago

Não recolho da vindima bem,

 

Pois não sei nunca à partida qual

Resultado advém, se bem ou mal.

 

 

583 – Verdadeiro

 

Quando decidimos verdadeiro agir

Ou falamos alto acerca disto em volta,

Com hostilidade pode o esforço de ir

Ser contrariado, difamada a escolta,

 

Juntos mil esforços a humilhar quem vai.

Podemos sentir crucificados ser

Como abandonados (tudo quem se esvai),

Sem o fogo até que nos aqui trouxer.

 

Pronunciado o repto, ninguém é capaz

De retomar já uma posição, papel,

Dos anteriores: não podemos mais

Retornar atrás, terra de leite e mel.

 

Feita a escolha, às vezes nos sentindo abortos,

No que aos mais respeita, estamos mesmo mortos.

 

 

584 – Crucifixão

 

A crucifixão é sexta-feira santa,

Da ressurreição sábado quem a sabe?

É também assim a vida em quanto implanta,

Quando nós agimos, sempre a um passo cabe

 

Caminhar do mundo já sabido além,

Rumando ao vazio ou à fogueira, à cruz.

Fazemos um corte irrevogável sem

Retorno ao passado e, ao partir sem luz,

 

É o ponto intermédio, a incerteza ali,

Sábado que após ressuscitar ignora.

Terminar um lar, uma carreira, vi

Como em suspensão o tempo em nós demora.

 

Capital mudança de valor cimeiro,

Nova orientação de religião ou sexo,

A público vir atento a são dinheiro,

Ou alto gritar o abuso a um lar conexo,

 

- Após se iniciar, sábado resta atento.

Nossa antiga vida, identidade antiga

Estão mortas já, são de negror momento,

Mundo subterrâneo que ao que é morto liga.

 

Não sabemos mais se será nosso fim,

Se um domingo vem ressuscitando nele

Vida renovada num novel confim,

A transformação que ao novo mundo impele.

 

 

585 – Compulsivos

 

Compulsivos podem ser momentos

De verdade, a interior certeza

Ao juntar-se a alguns perfis de eventos,

Quando claro o que fazer se preza

 

E a coragem ou ultraje dão

O poder de tal degrau trepar.

Até que algo, última gota ao chão,

Aconteça, tudo foi mangar,

 

A verdade ando a evitá-la, nego,

Minimizo, irracional, e então

É mantido o vil que ao fim renego

E o tormento emocional é vão.

 

 

Enterrado irá ficar debaixo

Doutra coisa: dependência, droga,

Depressão, de ansiedades cacho

Desconexo que sem foco voga,

 

Sofrimento perenal, doença

De meu foro que é problema crónico…

- E o que informa da final sentença,

Posto fora, já não é meu tónico.

 

 

586 – Capazes

 

De pensar capazes, de acordar eventos

E de planear uma ocorrência mera

Como facto neutro que não sentem, lentos,

Tal será o destino dos meninos de era

 

Em que maltratados e abusados foram

Por pais, guardiães, os narcisistas todos

Que a os crescer forçaram sem ver onde moram

Deles sentimentos de trocar por bodos.

 

Não sentem o afecto de seu mesmo afecto,

Desprezam os fracos que a sentir se mostram,

Não dão simpatia (e compaixão, que abjecto!),

Exercem poder e os mais com gozo prostram.

 

Quando são soldados, destemidos vão,

Chamam-nos de heróis. Se cometem crimes,

Serão psicopatas. Se em países são

Duros governantes, são da força os vimes.

 

O que fazem fazem sem remorso algum.

De sentir a falta e de infligir a dor

O gosto reflectem, o brutal fartum

A que cheira o lar, disfuncional fedor.

 

Disfunção vulgar é a que reprime o afecto,

Saber, exprimir o que se sente então

Desencorajado é por qualquer aspecto,

Depois um evento sem reacção lerão.

 

Se outro fora o modo, a conjuntura agia

E logo um afecto no interior floria.

 

 

587 – Segurança

 

Serve sobre os outros o poder de meio

De uma segurança ir alcançando à custa

De ter mais poder, sobre os demais o freio,

O que não funciona, que a coroa assusta.

 

Poder sobre os outros buscado é também

Para superior alguém se vir sentir,

A inferioridade a compensar que tem

E que se mantém por mais que além subir.

 

Poder é exercido para não sentir-se

Insignificante, pequenino e fraco,

Sendo o responsável de sadista rir-se

E de rebaixar a quenquer feito caco.

 

A criança é pai duma adultez pior,

Cresce a se tornar um ditador a frio,

O que lhe foi feito a devolver do teor

Duma compulsão, sem jamais ter fastio.

 

Usará seus filhos, extensões que quer

A adquirir poder, mais posição, prestígio

No mundo em redor, com toda a vénia a ter.

Sendo não amados, o filial fastígio

 

Será trabalhar por lhe agradar em troca,

Esperando que ele os venha a amar um dia,

Ou ser procurando como ele é, se evoca,

Para não ser nulos tal qual ele os via.

 

Repete-se o círculo se nada o quebra

E da vida a rês perdeu naquilo a febra.