QUARTO  TROVÁRIO

 

 

 

AO  MAR  FUNDO  QUE  ME  ELEVE

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 393 e 463 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

393 – Ao mar fundo que me eleve

 

Ao mar fundo que me eleve

Canto aqui regularmente

Na comum métrica breve,

No espelho que o povo teve

Pelos tempos fora em mente.

 

Canto o sonho e a utopia,

O que ao píncaro trepar,

Tendo as estrelas por guia,

E o que aos fundos mergulhar

 

Por mim dentro, nas cavernas

Tacteando a escuridão,

Pelas funduras eternas

 

Donde sempre chispa a luz

Que a luz do dia produz.

 

 

394 – Jogo

 

A vida é um jogo de dados,

O deus em que eu acredito

Fá-los rolar: são os fados,

O destino de meu fito.

 

Ora, este acaso é uma bênção,

Única minha esperança

De que a transpor me convençam

As portas onde me lança.

 

Abre a possibilidades

Que nunca imaginaríamos

Sozinhos: nossas herdades

Aos vizinhos fecharíamos.

 

Quando atendo o inesperado

Um novo mundo me é dado.

 

 

395 – Decisão

 

Toda a espera dói

Como dói esquecer.

Porém não saber

Que decisão foi

De tomar no evento

É que é sofrimento:

 

Tendo a vida diante,

Que é que ma garante?

 

 

396 – Sonhos

 

Segue teus sonhos, transforma

Tua vida num caminho

Que a Deus vá, de qualquer forma:

Cura com o teu carinho,

Teus milagres realiza,

Profetiza, profetiza,

 

E ouve teu anjo da guarda:

- Muda-te no que te aguarda!

 

Sê guerreiro deste embate

E feliz no teu combate!

 

Depois olha o sofrimento:

Hora de transformação

É dos mártires momento.

Antes que o sonho dê pão,

Sacrifica tantos, tantos,

Ridículos, pelos cantos!

 

Sendo acabam perseguidos,

Por loucos a serem tidos,

 

Tentativa milenar

Para os desacreditar.

 

Mas quem morre na fogueira

Ou nas arenas das feras

A porta da glória inteira

Franqueia sem mais esperas.

 

 

397 – Alpinista

 

O alpinista aventureiro

É que sabe qual é a graça,

Ele é que foi o primeiro

No caminho que ameaça.

 

Uns nem chegam a metade,

Outros morreram nas fendas,

Um os dedos persuade

A cortar, mortos, nas tendas…

 

Um dia, porém, chegou

Alguém ao cimo dos picos,

Ele foi que se alegrou

Do imenso com os salpicos.

 

“Não há nada, só paisagem!”

- Cuidam os de cá de baixo.

“Há o desafio e a viagem,

A pedra nova que encaixo,

 

Nenhum dia a outro igual

E cada manhã que augura

Um milagre especial

Num mundo que se inaugura…”

 

- E o primeiro que trepou,

Olhando as casas-migalha

Na lonjura que as tragou,

Outro sentimento espalha:

 

“O dia deles, que igual!

Que graça vai ter aquilo?”

A sério Vida, afinal,

Só no seu rumo intranquilo.

 

 

398 – Realidade

 

Quem a realidade de hoje

Cuida ser a verdadeira

Sustém-se mas ela foge,

No vácuo o lança, ligeira,

 

Que a de hoje vem destinada

A revelar-se amanhã

Como ilusão acabada.

E a vida não conclui, chã,

 

Nunca, nunca, a caminhada.

Jamais pode concluir,

Que, se a conclui, de assentada,

Findou de vez o porvir.

 

 

399 – Longe

 

Quão mais longe nas sondagens,

Mais longe o fundo do poço.

À medida que as viagens

Novas metas, troço a troço,

Vão descobrindo em apoio,

Mais longe importa levar

A sonda por cada arroio,

Mais e mais a aprofundar.

 

Como se quanto encontramos

De investigável nos fora

Proposto em todos os ramos

A zombar a toda a hora

 

Da laboriosa pesquisa.

Somos o navegador

Pela longa costa à brisa

Sem se poder antepor

 

Nunca o termo da viagem.

Após cada descoberta

Avista, em meio à triagem,

O apelo dum novo alerta,

 

Por detrás dum promontório,

Um outro logo a seguir,

Os longes, premonitório,

Sempre a obrigá-lo a cobrir.

 

- Somos infinitamente

Toda a infinidade ausente.

 

 

400 – Ante

 

Ante o Senhor sou o tolo

Para poder ir pisar,

Sem o saber, o lugar

Ponto de união, o solo

 

Que funde a Terra e o Céu,

Durante o sono acolher

Os avisos, sob o véu,

Que me permitam rever

 

Os sonhos mais as visões

- E seguir as instruções!

 

 

401 – Cantar

 

Cantar mas com sentimento,

Deixando-se ir, se perdendo

Na cantiga até o momento

De ser ela a já se ir vendo,

Esta deveras é via

De atingir sabedoria.

 

Rodopiar, sapatear,

Ir-se movendo a figura

Sem o ritmo dissipar,

Ignorando-se na altura,

Eis como a dança nos dança,

Que dentro enfim nos alcança.

 

Tu não és tu, nem eu, eu,

Mas somos os outros todos,

A prisão do corpo abriu,

Somos um de muitos modos.

Visitas teu animal,

Descobres, fazes-te igual.

 

Quem não dorme o pensamento,

Dele próprio já esquecido,

Nas vaidades não tem tento,

Não devém o canto ouvido,

Nem é dança quando dança,

Nem outrem ser nunca alcança.

 

Então não sai da prisão,

Não viaja, não visita

O animal sob o torrão,

Não trepa ao cume que excita.

Não vive nunca em seu horto,

Decadente, é um vivo-morto.

 

 

402 – Espaço

 

O espaço não tem limites,

Além se abre ao infinito.

Nada valem meus palpites

Quando olho este imenso, aflito.

 

Vivo em Planeta de nada

Duma Estrela bem menor,

Aqui na borda gelada

De Galáxia de estupor.

 

Pouco vivo e logo esqueço

E mesmo a Galáxia morre…

- Só tem sentido o que meço

De útil no que de mim corre.

 

 

403 – Mistério

 

O mistério é o de exprimir

Como o espírito devém

Matéria rumo ao porvir,

Como o pó condensa e tem

Mente que nele eu encorpo:

Como é que alma se faz corpo.

 

 

404 – Quanto

 

Um homem é desconforme

Por tudo quanto é por dentro,

Ele e os mortos, todo informe,

Desmedido se nele entro.

 

Nele encerra a vastidão,

A vastidão do Universo.

Somos fantasmas no chão,

Densos no íntimo reverso.

 

E aquilo que construímos,

Desde o sertão à Sibéria,

Não cabe, que as explodimos,

Nas paredes da matéria.

 

 

405 – Real

 

O real, a realidade

Não é uma objectividade,

Há-de ser sempre uma ideia

(Convicção corpo tomando)

Que se faz carne e a permeia,

No palpável realizando,

Lento e lento mais visível,

O sonho sempre impossível.

 

 

406 – Paraíso

 

Qualquer igreja receia

Céu na terra realizar:

O paraíso só ameia,

Para o Fim sempre adiar,

 

É para ser com demora,

De forma nenhuma agora.

 

Nunca se trata da terra,

- Por isso é que o céu emperra.

 

 

407 -  Gerar

 

Aos povos mais que aos governos

Cabe gerar a utopia,

Terra do futuro, ternos,

 

Na do presente, hoje em dia,

Transmudarem, criadores.

Aos povos competiria

 

A epopeia dos maiores

Da contínua mutação

Do mundo em campo de flores.

 

Os povos tal criação

Hão-de assumir, na alegria,

Sonho e determinação,

 

Com humildade por guia,

Da esperança na fundura

Onde o entusiasmo arderia,

 

Tudo em banho de ternura.

Aos povos mais que aos governos

Cabe coser a costura

 

De bens temporais a eternos.

 

 

408 – Fautor

 

Se não for eu o profeta

Fautor de libertação

Duma Terra cuja meta

À violência é pôr travão,

 

Que por liberdade clama,

Logo o Deus da criação

Os vai suscitar na chama

Mesmo das pedras do chão.

 

É que ele nunca desiste

De salvar (eterna guerra

Em que eternamente insiste)

 

E de libertar a Terra.

 

 

409 – Larguem

 

Larguem os templos, penetrem

No mundo inteiro e na História,

Diálogo, esforços perpetrem

Com os mais, rumo à vitória!

 

E libertai-vos do medo

Que os deuses leva a inventar

Que vos devoram num credo

O sangue e a carteira a par!

 

Entregai-vos num só povo,

De alma inteira e coração,

Aos trabalhos de renovo

Que o mundo transformarão,

 

Para que deixe de inferno

Ser algum dia de vez

Das maiorias que eterno

Exclui do humano entremez!

 

Audácia de erradicar

Liberal economia,

Do deus-dinheiro um altar

Que exclui, mata a maioria.

 

Trocá-la por solidária

Economia fraterna

Que tem por meta primária,

A toda a vida que hiberna,

 

Libertá-la em mil renovos

Nos sujeitos e nos povos.

 

 

410 – Jesus

 

O Jesus de Nazaré

Não é de nenhuma igreja,

Por mais que de boa fé

Reivindiquem que ele o seja.

 

Jesus é da humanidade,

Dela acaso o melhor fruto,

Ser humano em realidade

Onde os mais têm o produto.

 

Ateus e crentes os olhos

Nele poderemos ter

Para, entre as marés e os escolhos,

Irmos aprendendo a ser.

 

 

411 – Liberte

 

Ordem nova mundial

Económica e política

Que liberte, espiritual,

De hoje a alienação raquítica

 

Que oprime povos inteiros,

Continentes, como classes,

Proporcione viveiros

De virentes interfaces

 

De vida comunitária,

De fartura e qualidade

- Eis a utopia sumária,

Nunca mais realidade.

 

Dos povos como pastores

Que os dirigentes se portem,

Da libertação mentores

A pascigos que os exortem,

 

Não mais como mercenários,

Menos ainda como lobos!…

- Que sonhos tão perdulários

Na infinda corte de bobos!

 

 

412 – Ventre

 

No fundo ventre da História

Há um mundo outro em gestação

Da quimera sem vitória

Mas sempre em fermentação.

 

Ninguém dono de ninguém,

Nem da riqueza gerada

Doutrem no labor que tem,

Nem de Deus apropriada

 

Ser a imagem por quenquer,

Jamais alguém ser senhor

Nem dum povo nem sequer

De alguém que o deseje um ror…

 

- Sabemos que é uma quimera,

Todavia, que bom era!

 

 

413 – Porta

 

Entrar pela porta estreita

É ser do jeito de Deus:

Quem se dá gratuito e aceita

Os mais, alheios ou seus,

 

Quem vive de porta aberta

E coração disponível,

Quem como irmão se desperta

Universal e credível…

 

- Quem ama os demais na trama

Com que Deus, enfim, nos ama.

 

 

414 – Riqueza

 

Que a política organize

O mundo numa família,

Que a produção nos deslize,

Riqueza duma vigília,

 

Toda ao serviço da vida

De todos por todo o lado,

Do país que até se olvida,

Do continente ignorado.

 

Que o Espírito que inova

Seja a Política à prova.

 

 

415 – Reinventar

 

É preciso urgentemente

Reinventar a política

Como espiritualidade:

Arte de ter tudo em mente,

Com bem depurada crítica;

Em conjunto a realidade

Organizarmos da Terra

No Cosmos que nos encerra.

 

A ver se chega a ocorrer

Um pouco do paraíso

Que Deus sempre sonhou ser

Nosso destino preciso.

 

 

416 – Invés

 

Ao invés da religião,

A Terra, jamais o Céu,

É que é de nossa missão.

 

Uma Terra que nasceu

Para ser um paraíso

Que jamais aconteceu.

 

Que é o que no futuro viso,

Amassado no suor,

Em lágrimas e juízo,

 

Com disparate e pavor,

Com equívocos e erros,

Infantilismos e amor.

 

À custa de pôr-me a ferros,

De meu arbítrio senhor,

A cavar livres aterros.

 

 

417 – Tendência

 

Cada povo, bem contrário

Ao que pretende a política,

Por tendência é solidário,

Não é uma tribo somítica.

 

É povo com Deus por dentro,

Deus que da fecundidade

(Quão mais pelos mais eu entro

Em solidariedade)

 

Fez bandeira fraternal

Dum lar que gero mundial.

 

 

418 – Medo

 

Leva o medo à religião.

O caminho alternativo

É a abertura ao outro-irmão,

Um sujeito, um povo esquivo,

 

De mim diversos, de nós,

Para com todos nos pormos

Mesa comum a atar nós.

E assim nós nos predispormos

 

A acolher o Outro total

Que surpreende, ladrão,

E a quem damos, por sinal,

O nome de Deus mais chão.

 

 

419 – Conto

 

Que é que é um conto de encantar?

Todo um mundo onde acontece

Tudo quanto eu desejar,

Onde vou realizar

Todo o Ser que me apetece.

 

Num conto de encantar crio

Um mundo que criaria

Se o pudera, fio a fio.

Sonho e romance atavio

E, quando o mal lá se enfia,

 

O melhor que o conto tem

É que acaba sempre em bem.

 

 

420 – Partir

 

Partir, partir é uma festa

Única talvez sob mil

Formas que o acaso apresta.

Dos horizontes de anil

 

Eternos reféns, terão

Os homens alguma vez

Outra coisa celebrado

Que a partida deste chão

Rumo à lonjura das fés

Daquilo em que hão apostado?

 

 

421 – Entranhas

 

Das entranhas da mulher

Às duma comunidade

Não há gestação qualquer,

Nascimento que nos grade.

 

O itinerário requer

Vinte anos de viagem lenta

Que em redor de si quenquer

A se inventar implementa.

 

Com paciência gero e escalo

Do mundo o profundo abalo.

 

 

422 – Professo

 

Professo as religiões

Todas, todas e nenhuma.

Ensinaram-nos papões,

Que devo prender-me a uma,

 

Como a uma raça, a uma tribo.

Verdade é que nos mentiram:

Em todas há o mesmo cibo,

Importa é se se extraíram

As cascas ao tegumento

Donde o sabor irradia,

Da luz eterna fermento

A alimentar a alegria.

 

Quem trepar a minha senda

Pode invocar Cristo, Buda,

Maomé dentro da tenda,

Ou Deus nenhum que lhe acuda.

 

No templo que eu erigir,

Cada qual, sua oração,

E, se nenhuma surgir,

Acolhe-se um coração.

 

Respeito todas as crenças,

Este é o meu crime fatal.

Cristão quer que te convenças

Do budista a dizer mal,

 

O muçulmano ao judeu

Crê que figura o diabo

E as vítimas do escarcéu

Revidam, ao fim e ao cabo.

 

Nenhum quer ouvir o bem

Que afirmo de qualquer deles,

Só amaldiçoar convém

Desde que dos mais às peles.

 

O rebanho dos fiéis

É de ódio, não é de amor,

Apenas irmãos nas leis

De interditos de furor.

 

O meu crime é de querer

A todos conciliar.

E unem-se um dia qualquer

Mil fés a me condenar.

 

Mas, quando fartos de ritos

E de tanta maldição,

Dos mitos e dos conflitos,

Hão-de recordar-se então

 

Que um dia, pelo deserto,

Um mortal humilde, aflito,

Fez ecoar, bem desperto,

Mundo além todo este grito.

 

 

423 – Fim

 

Vai um homem caminhando

Sem saber o que o espera

No fim do que vai andando.

 

Em miúdo a questão era

Que ninguém era capaz

Coisa alguma, uma quimera,

De lhe ensinar, eficaz.

Quando já não é miúdo,

Já nada, que tanto faz,

 

Há que aprender, sobretudo.

Apenas é para a frente

Continuar ao que acudo

 

Persistente, persistente.

- E atrás nunca, andando mudo,

Nunca olhar nem ter em mente.

 

 

424 – Procura

 

Quando ando à procura de algo

Todo o caminho reveste,

Degrau a degrau que galgo,

O peso do que se investe

 

E que ele em si nunca tem.

Um homem nunca consegue

Descobrir o que o retém

Ou empurra ao que persegue.

 

E, algum tempo decorrido,

Todo o peso se há esvaído.

 

 

425 – Viagem

 

Para a viagem levamos

Connosco aqui quase tudo,

Mas a revolta deixamos

E a indignação, sobretudo,

 

Que deliberadamente

Ficam em casa esquecidas.

Vemos tudo o que se sente,

Ouvimos lendas feridas

 

E o que tanto maravilha

É tudo, mesmo o medonho,

Só porque tudo perfilha

A novidade do sonho.

 

O viajante perfeito

Muda o coração e o jeito.

 

 

426 – Rumo

 

Somos este capitão

Que a cada instante demarca

Rumo fixo e posição,

Cumpre a rota marca a marca

 

Com um rigor implacável

Até ao porto de abrigo.

Mas ignora, indecifrável,

Porque segue (porque sigo)

 

Na esteira deste objectivo…

- Só sei que é manter-me vivo.

 

 

427 – Botas

 

São botas de correr mundo

Enfeitadas a preceito

As que, num gesto fecundo,

Traçam a teu trilho o leito.

 

Assim é que na alegria

O esforço corre veloz,

Que à fadiga a fantasia

De encanto modula a voz.

 

Assim, nas práticas botas

Mais que botas aqui ponho:

Oferto sem preço as notas

Dum canto que canta o sonho.

 

 

428 – Genes

 

Em nossos genes trazemos

Memórias da vida antiga

Com que lidar não sabemos.

 

Isto é que então nos obriga,

Tudo parecendo novo,

Sempre a retomar a briga,

 

Mas o que quer o renovo

É que temos de aprender

A integrar, em quanto aprovo,

 

Memória arcaica que houver

Do antigo que já não provo

Com o que hoje ando a viver.

 

Apenas com este evento

Talho desenvolvimento.

 

 

429 – Atingir

 

É bom sonhar a utopia

Para atingir a ladeira

Que dela aproximaria.

Se o cume é a meta cimeira

Que visarei na montanha,

Quando a morte se me abeira,

Se a meia trilha me apanha,

O que importa é que eu já vinha

No meu caminho, com sanha.

Não só não perdi a linha

Como tenho a encosta ganha

Do topo que se avizinha.

 

 

430 – Conduzir

 

Noutros carros acreditam

Homens conduzir destinos

A cento e cinquenta à hora,

Que mais depressa debitam

Novos pontos e mais finos

De partida em frente agora.

 

Esqueceram-se, porém,

Que nunca chega ninguém:

 

Nunca se fecha o porvir:

- Estamos sempre a partir!

 

 

431 – Teme

 

Quem teme ser infeliz

Nunca feliz há-de ser.

Vamos sentir de raiz,

Deixar a emoção crescer

E deixemo-nos levar

No leito corrente e frio

Tal como água a murmurar

Se entrega gratuita ao rio.

 

E no rio do infinito

Acalmemos nosso grito.

 

 

432 – Luz

 

Vem a luz lá do infinito

E acaricia um objecto:

Vejo, acolho-o sob meu tecto

E do nada me desquito.

 

Um objecto é o que, afinal,

Toca em meu imo, real:

Íntimo torno o infinito.

 

 

433 – Espaço

 

Somos feitos de tal modo

Que nos vemos atraídos

Do espaço para o engodo

E nos julgamos capazes

De nele sermos movidos,

De a voar devirmos ases.

 

Imenso e livre, infindável,

Ante nós se estende, inteiro,

Tão real, percepcionável,

Como o nosso cativeiro.

 

Por que existe este infinito

Se o não toca nosso grito?

 

 

434 – Piquenique

 

Piquenique é mesmo a vida:

Mergulha a felicidade

Na companhia querida,

Na esperança que me invade

Moderada e optimista,

Numa dose de alimento

Razoável e prevista

Que dê conforto e sustento.

 

Tudo mais a convicção

De poder ir sempre além

Com o esforço do empurrão

Do sonho que move alguém.

 

 

435 – Céu

 

O céu é ficar vazio

De tudo ante o azul dos céus,

E cheio ficar do rio,

Apenas do rio Deus.

 

Mas, enchendo-me de Deus,

A mim me encontro eu então,

Realizo os desejos meus,

Sou feliz de supetão.

 

E sou mais perfeitamente

Eu próprio na ocasião

Do que fora anteriormente

Noutra qualquer situação.

 

 

436 – Degrau

 

Quando deixo de puxar

Tudo para o racional,

Então vou-me conectar

À emoção mais radical.

 

No degrau dela abissal,

Aí me conecto ao céu:

Um pouco menos mental,

Mais eu sou não sendo eu.

 

- Então Tudo, sem eu ver,

Principia a acontecer.

 

 

437 – Emoção

 

A emoção tens de vivê-la

No potencial mais puro,

Colhida no ponto zero.

Só se for vogando à vela

Até ao porto seguro

Do imo do coração mero,

Do centro do sentimento,

É que a emoção se recentra,

Correcta se localiza.

A partir daí aumento

Uma força que se adentra

Planeta além como brisa.

 

Poderosa imensamente,

Quem nunca entreviu a força

Da emoção daquela mãe

Que um filho quer, veemente,

Salvar de quanto o distorça

Trilha fora, vida além?

 

Após centrada, a emoção

É poderosa alavanca

Sempre à mão da Humanidade.

Quando não se centra, então,

Vagueando a capricho, manca,

Perde o miolo e se evade.

 

 

438 – Insistes

 

Tens vida desconfortável,

Porventura atrais doenças,

E bisas, desamorável,

Em ti próprio pouco pensas.

 

Nos outros foges de ti,

Deste foco deslumbrante

Que é o eu que sempre em ti vi.

Foges porque a luz brilhante

 

Íntima é difícil vê-la,

Outrem não te põe em causa

E o eu joga-te à procela,

Os outros dão-te uma pausa

 

E o eu dói de que maneira!

Não aceitas teu papel

De construtor duma leira

De Universo que te impele,

 

Metido na gigantesca

Trabalheira evolutiva

Onde corre principesca

A humanidade votiva.

 

 

439 – Encontro

 

É um estado de alma a Glória,

Um encontro, uma união

Entre terra e céu, memória,

Fim em si, depuração.

 

Será neste estado puro

De percorrer o caminho,

Que a ligação fina apuro

Com Deus que em mim adivinho.

 

Não é preciso no céu

Estar, como nas alturas,

É do imo estado sem véu,

É nosso imo sem rasuras.

 

Poderá ser alcançada

O físico corpo estando

Em qualquer lugar da estrada,

É o testemunho ligando,

 

Vivo sentimento fino

E abnegado que me eleva,

O Infinito por destino,

Sempre à Luz além da treva.

 

Glória, feitiço do bem,

Honra e bênção, é alegria,

Quando o zero que convém

Da matéria se atingia,

 

O espírito sobe e trepa,

Trepa e sobe, além-destino,

Estado a beber da cepa

Dum vinho humano-divino.

 

Um humano, quando em glória,

Já não precisa de céus

Para escolher a vitória:

É o mais próximo de Deus.

 

 

440 – Dor

 

Quanto mais a dor entrar

Mais longe ficará o dia

De ela sair do lugar.

Para sair, que faria?

 

Não a deixo entrar sequer!

Por filhos doutrem não sofres,

Que não amas a quenquer,

Não te apegas a tais cofres.

 

Ora bem, podes amar

Mesmo a pessoa mais bela

Sem dela te escravizar,

Sem apego ter por ela.

 

Doutro modo, vem a perda,

Ao cimo traz todo o apego

E o mal que então dali se herda

Só cortado tem sossego.

 

Quando atrais o sofrimento,

A sofrer tu te manténs.

Quando a perda vem, o evento

Te confirma em teus améns.

 

Agarras a dor a eito

Com unhas e dentes, pois

Confere teu preconceito

Do que a vida traz depois.

 

Como a ser vítima ajuda,

Tanto melhor para ti.

Vives de acordo, não muda

Nada em redor por aí.

 

Então nunca irás sair,

Não vais deixar de sofrer,

Só para poder cumprir

O que esperará quenquer.

 

Fica então tudo ao contrário.

- Quando a perda te vier

Liga-te ao Infindo vário,

Ao Oceano do Ser.

 

Assim deixa-O controlar

Teu processo evolutivo,

Até ao cume trepar

É o Todo à mão ter esquivo.

 

Daí vem-te a inspiração

Que te elevará do chão.

 

 

441 – Termómetro

 

Toda, toda a gente quer

Que outrem termómetro seja

Do que gostará de ser.

Desde que outrem em mim veja

 

E ache que sou já quem sou,

Significa que serei.

- Tal cuidando, assim me vou

A depender, como lei,

 

Do que outrem pensar de mim.

Para os outros vivo então,

Giro todo o tempo assim

De mim qual a opinião.

 

Malha de opinião alheia,

Só sou se afirmam que sou.

A crítica que me ameia

Abomino: magoou.

Crendo que é verdade, então

Me revolto, não me agrada.

A provar que serei são

Mais fora viro a jornada.

 

Fugindo a meu interior

Vazio, escuro e sem jeito

Hipersensível calor

Me dói mais e mais no peito.

 

Todas as perdas atraio

Que a doença pode dar,

Acidentes, mortes, raio

Que me possa iluminar,

 

A ver se descubro um dia

Que não é fora de mim

Que um eu vero se anuncia,

Se ao desterro porei fim.

 

É cá dentro, bem no fundo,

Neste lugar que ele hiberna

De magia onde me inundo,

Portal duma vida eterna.

 

Ao cruzar este portal

Me encontro nos campos meus,

De mim encontro o sinal

E então me encontro com Deus.

 

 

442 – Bens

 

Um homem não vem à terra

Para dos bens materiais

Desfrutar a que se aferra.

As almas à terra vêm

Para entrosar com os mais

A evolução que convém.

Enquanto andar distraído

Com a matéria, porém,

Ninguém corre evoluído.

 

Cada qual, a evoluir,

Atende ao seu coração,

O que diz a distinguir.

Todos por ele lerão

Os sinais que hão-de surgir.

 

Os sinais por todo o lado

Andam por aí perdidos,

É um tempo a ser decifrado.

Temos de apurar sentidos,

Aguardar e procurá-los

Espalhados pelo chão,

E depois interpretá-los

Sempre com o coração.

 

Com a leveza do fumo,

Isto é que me aponta o rumo.

 

 

443 – Importa

 

Ninguém é para encaixar,

Cada qual tem um formato

Que pode outros enquadrar,

Só que importa um desacato.

 

Nas vagas de emprego de hoje

Se ninguém se sentir bem

E se entender que então foge,

Busca rumo mais além.

 

Depois, se logra encontrar

Dentro dele própria luz,

A que diz que seu lugar

Nenhuma vaga o traduz,

 

Traz novo formato então

Ao sistema laboral,

Novas ideias que são

Das consciências fanal.

 

Ao pôr em prática a ideia,

Rasga um trilho de experiência

Na profissão que encadeia,

Ocorre nova vivência.

 

Encontra a felicidade

Dele no labor, primeiro,

Que a luz que tudo lhe invade

Lhe encontra o eu verdadeiro.

 

Desenvolvendo a missão,

Projecta mais longe a vida,

Outros se lhe aliarão

E a própria luz é seguida.

 

Aqui não há sofrimento,

Não há vitimização,

Nem pânico, depressão,

- É dum novo mundo o advento.

 

 

444 – Usufruis

 

Quando usufruis sem apego

Estás sempre a ser feliz,

Bem, sabendo e no sossego,

E crendo que, da matriz,

 

Outra coisa a vida traz

Com que a tua evolução

Amanhã continuarás

Noutros termos, noutro chão.

 

Mas o mundo isto não vive:

Apega-se de tal modo

Ao que logrou e que arquive

Que descarta todo o engodo

 

Construtivo que trilhar

Um rumo o fez até lá,

Até vir a amontoar

Tudo o que hoje amontoará.

 

Pelo apego é que envereda

E de perder pelo medo,

Caminho que não conceda

Que cresça mais, tarde ou cedo.

 

De foco todos mudaram

E mudaram de caminho.

As relações transitaram

Para o que têm no ninho

 

E que não querem perder,

Em vez de continuarem

A ir-se desenvolver,

A crescerem, germinarem.

 

Depois do apego, vem perda,

Deixou de se construir.

O pedestal que aquilo herda

É inerte, não deixa ir.

 

Todo o Universo é, porém,

Constituído de mudança.

Logo a decadência advém

A quem isto não alcança.

 

 

44 5 – Empréstimo

 

Usufruir, nunca apegar,

Empréstimo é quanto têm

Da vida, quando o quer dar,

Que ela é que tudo retém

E pode, a qualquer momento,

Vir retirá-lo do evento.

 

Ou para dar outra coisa,

Ou, se a perda é programada,

Inserta dela na loisa,

Pôr-te a zeros, não dar nada.

Acolhe quanto vier:

- Findas, por fim, a crescer.

 

 

446 – Esperança

 

Da esperança vem a espera,

Vem da luta desigual

Que existe entre o bem e o mal

E do que por ela impera.

 

Quando espero, sei que nada

Posso fazer, sei que tenho

De parar a punhalada,

Fim da luta a que me atenho.

 

Aprendo a cooperar

Com o céu de que me esqueço,

Reajo esperando, é o preço,

Na espera aprendo a entregar.

 

Quem espera, entrega:

Sabe que não pode,

Sabe que não sabe,

Nem sequer delega,

Já nada lhe acode,

Tudo nela cabe.

 

Quem espera sente então

Que é mero suporte apenas

Dos eventos e das cenas,

Um veículo no chão

 

Duma vida a acontecer

Por si própria livremente.

Quem espera há-de saber

Que sozinha vai em frente

 

A vida, sem que se tenha

De lhe colocar a mão.

Ao esperar, o que venha

Aceito, sem condição.

 

Dure o que durar,

A minha impotência

Ante qual o rumo

Acato sem dar

Ar de impaciência:

Entregue me assumo.

 

Entrega é o que nos acalma,

Fonte da sabedoria,

Mas jamais será vazia,

Ajeita-nos, faz ter alma.

 

Traz a esperança consigo

E sempre a não-desistência:

O que vem a meu abrigo

Não sei mas sei de evidência

 

Que vem, então não desisto,

Porque sei que ele há-de vir.

Não sei o que é, mas insisto,

Confiando que o porvir

 

Nos traz o melhor.

Difícil mergulho

No desconhecido:

O efeito é um fulgor

No imo, sem barulho,

Luz do inatendido.

 

A esperança traz a espera,

A espera a crença traduz

E da fé que me exaspera

Rebenta infinita a Luz.

 

 

447 – Perito

 

O repetidor é aquele

Que, olhando para o passado,

Repete-o na própria pele,

É perito no traslado.

 

O transformador é quem

Olha o passado e o transmuda,

Já o não repete ninguém

E ninguém mais se lhe gruda.

 

- Ora, o sentido da vida

Ao transformador convida.

 

 

448 – Tentar

 

O acto mais debilitante

Que podes agir na vida

Algo é não tentar, perante

A crença paralisante

De que a meta é já perdida.

 

Pára o fluxo de energia

Antes de haver começado.

Não pares em tua via

Onde tudo principia

Antes de a ter palmilhado.

 

Pois, quando tu páras antes,

De certeza que não chegas

A lado algum, como dantes.

Neste caso, o que garantes

É que acertas no que negas.

 

 

449 – Atitude

 

A atitude a transformar

É a tendência da procura

Do que nos gratificar

A curto prazo, com cura

 

Da cegueira quanto a efeitos

Do que vem a longo prazo.

Ficamos então afeitos

À lonjura a que der azo.

 

 

450 – Impactos

 

Os impactos duma escolha,

Duma decisão tomada

No momento que a recolha,

Raramente, na jornada,

 

Se limitam ao momento

Em que ela foi decidida.

Decides mais num evento

Que o que de lá te convida.

 

Portanto, repara bem

Nos horizontes de além.

 

 

451 – Sois

 

Todos sois seres divinos

A assumir da eternidade

Um ou outro dos destinos,

Conforme o que mais agrade.

 

Repara nos gestos teus,

Lê bem no fundo o que são:

Sendo enformação de Deus,

Tu és Deus em formação.

 

 

452 – Transformarias

 

E se achares que és um anjo

Por que alguém esperar hoje?

Transformarias no arranjo

Quem tocas e que te aloje.

 

Não tens nada de especial

A fazer: só tens de ser.

Ser teu eu angelical:

Vais sendo, nada a fazer.

 

Embora então faças Tudo,

Grão a grão, desde o miúdo.

 

 

453 – Sonho

 

Todos temos instrumentos

Que nos permitem criar

Sonho em todos os eventos,

Por mais que ele se elevar.

 

Escolhemos não fazê-lo

Porque não acreditamos

Que funcione tal elo,

Ou nem sequer nos lembramos

 

Dos instrumentos que temos,

Ou então porque empenhados

No que está tal qual havemos

De andar em todos os lados.

 

 

454 – Embarcaste

 

Consciente, inconsciente,

Como farás a viagem?

Tudo porque tão somente

Não podes desembarcar:

Embarcaste na romagem

Desde antes de haver nascido.

Nascer foi sinalizar

Que é o comboio, enfim, partido.

 

 

455 – Defines

 

És o teu legislador,

Defines orientadoras

Linhas que te vais propor.

 

E dos actos cometidos

Metas avaliadoras

Escolhes, como os sentidos.

 

E os que estás a cometer

És tu quem os avalia,

Pois foste tu a escolher

 

Quem e o que realmente és,

Quem queres ser dia a dia.

E julgar alguma vez

 

Da natura de teu acto

Só tu és capaz de facto.

 

 

456 – Condenes

 

O que julgas mau no mundo

Não condenes, não condenes.

Pergunta-te bem no fundo

De teus juízos perenes

 

Quais errados foram, quais

As medidas, se as houver,

Que desejas tomar, tais

Que alterem o que te fere.

 

Teu interior interroga

Mais do que exterioridades,

Pergunta-lhe o que ele advoga:

“De mim que realidades,

 

Que partes de mim desejo

Agora experienciar

Ante a desgraça que vejo,

A que prefiro apelar?”

 

Porque toda a vida existe

Como instrumento da tua

Própria criação que insiste

Em tomar corpo na rua.

E todo o evento que houver

É mera oportunidade

Para decidires ser

E ser quem és de verdade.

 

 

457 – Medida

 

Medida a lonjura

Daqui donde estás

Ao ponto que augura

Onde alcançarás,

 

Começa a mudar

Conscientemente

Todo o teu pensar,

A palavra em mente,

 

Os actos, de acordo

Com tua visão

Do mais alto bordo

Que há de ti à mão.

 

É um enorme esforço

Físico e mental.

Observa o escorço

Sempre até final,

 

Vai do pensamento,

Da palavra ao acto.

Com discernimento

Escolhe e tem tacto.

 

Movimento em bloco

Rumo à consciência,

Descobres no foco

Que tua vivência

 

É que meia vida

Foste inconsciente,

Ignorando em lida

O que era presente:

 

O que decidias

Em mente, acto e termo

No efeito não vias

Que te punha enfermo.

 

 

458 – Imagina

 

Imagina tua vida

Como queres que ela seja.

Para lá vai de seguida,

Que a palavra se reveja,

 

Cada pensamento ou acto.

De acordo o que não esteja

Verifica mui pacato,

Foge disso que te aleija.

Quando houver um pensamento

Que não se enquadre na tua

Visão de ti em aumento,

Novo pensamento actua.

 

Se disseres uma coisa

Que em ti, no melhor conceito,

Não mergulha nem repoisa,

Elidi-la toma a peito.

 

Se em desacordo contigo,

Com o teu melhor intuito,

Ages, sê de ti o amigo,

Não o aceites nem fortuito.

 

E depois farás as pazes

Com todos os envolvidos,

Por igual todos capazes

De perder rumo e sentidos.

 

 

459 – Plano

 

Não podes perder o jogo,

Nisto não podes errar,

Não é do plano. Então, logo,

Não há como não chegar

 

Ao lugar aonde vamos,

Não há forma de evitar

O destino que queiramos.

Se Deus é o alvo a alcançar

 

Estamos mesmo com sorte:

É tão grande luminar

Que nos meteu no transporte,

Ninguém tem como falhar,

Pois como operar tal corte?

 

 

460 – Complexo

 

Qualquer alma quer ser Deus,

Mas ser Deus em que pendor?

É tão complexo em seus véus,

Multi-sensual factor,

 

É multidimensional

E tão multifacetado,

É um milhão e um só real,

É o irreal e o sagrado!…

 

Então, Deus ao procurar,

As almas têm à frente

Uma tarefa sem par,

Uma listagem ingente

 

De existências a escolher.

E é o que neste mesmo instante

Cada qual anda a fazer,

Tipos de ser pondo diante

 

Para após proporcionar

Condições certas, perfeitas,

Com as quais vir a criar

Vivências a tal afeitas.

 

Então nada te acontece

Nem nada através de ti

Que não seja o que aparece

Para o maior bem em si.

 

As almas nos orientam

Para as oportunidades

Ideais que se apresentam

Para, através das idades,

 

Podermos experienciar

Tudo o que se planear.

 

 

461 – Curam

 

Os que curam têm fé,

A fé que penetra já

No saber do Todo até.

Sabem que o Homem está

 

Destinado a ser completo,

Uno e perfeito, é um invento

Não adiado mas discreto,

É-o no presente momento.

 

Aquela sabedoria

É também um pensamento

Mui poderoso que avia

Serviço a todo o momento.

 

Tem o poder de mover

Serras, para não falar

Nas moléculas que houver

Em teu corpo singular.

 

Lograrão então curar

Muitas vezes à distância,

Que ao pensamento a voar

Nem ela tem relevância.

 

Corre o mundo o pensamento,

Cruza o Universo, medita

Muito mais veloz que o vento,

Do que a palavra a ser dita.

 

 

462 – Pardal

 

Seguir o pardal dos bosques

Da intuição interior

Que te chama donde embosques,

Da vida neste pendor

Para a vindoira que ignoras

Mas te murmura a desoras…

 

Respondemos quando medo

Não temos e confiamos

Que a direcção, tarde ou cedo,

Que a tomar nós estejamos,

Quando embora derradeira,

É para nós a certeira.

 

Ouvir é uma nota pura,

A melodia afinada

Que só nosso ouvido apura,

Canção duma desgarrada

Que sempre entoar podemos

Quando atenção lhe prestemos.

 

E quão fundo confiamos

Em nossos subtis afectos

Sem ver para onde estamos

A ser levados, sem tectos,

Nem a quem nos dirigimos

Na fundura nem nos cimos!

 

 

463 – Convencem

 

Cientista, é de estatísticas

Que me convencem as coisas.

Amadureço e são místicas

As contas em minhas loisas.

 

Mais e mais impressionado

Com a frequência de eventos

Improváveis que me é dado

Ver a todos os momentos,

 

Nesta improbabilidade

Começo a ver impressões

Digitais de Deus que invade

Assim os nossos balcões.

 

Pouco a pouco a madrugada

Ilumina lenta a estrada.