SEGUNDO  TROVÁRIO

 

 

TAMBÉM  O  SABOR  DOS  DIAS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 107 e 240 inclusive.

 

Descubra o poema correspondentcomo uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

107 – Também o sabor dos dias

 

Também o sabor dos dias

Com as normas do bom senso

Vou tocando nas magias

Que despertam energias

No que opero, digo e penso.

 

Canto o sabor de cotio

Que a cada nada nos prende,

Que, distraído, confio

Que por si próprio nos rende.

 

Num verso mui regular,

De ritmo e rima sabidos,

Da regra vou pôr-me a par,

 

Vou por todos os sentidos

Ler meus rumos consabidos.

 

 

 

108 – Disciplina

 

Disciplina que funcione

Da atitude consistente

Provém com que eu a alimente,

Que minha conduta abone.

 

De contrário o que eu arrisco

Implementar é um padrão

De errática condução

Do educando sempre arisco.

 

Então eu contribuí

Mesmo inadvertidamente

Para instável ser em si

O que devera ser gente.

 

 

109 – Elevamos

 

Nunca elevamos os olhos

Sem certa malignidade.

Ao baixá-los aos trambolhos

É que há paixão e piedade…

 

- Nossa fada malfazeja

É sempre a maldita inveja.

 

 

110 – Amear

 

Se vires um dedo

A amear o horizonte

De vez perde o medo:

Não olhes o dedo,

Olha o que ele aponte!

 

Cristão integrista,

Perdes-te na lista

Daquilo que lês;

 

Fundamentalista,

Corão sacralista

É só quanto vês:

 

- Em vez duma ponte

Trancaste o horizonte.

 

 

111 – Inteiro

 

Por inteiro no lugar

Te mantém que tu escolheres.

Dividido, um reino, a par,

Logo perde os seus haveres.

 

Um humano dividido

Já não consegue enfrentar

Dignamente o muro erguido

Na vida que palmilhar.

 

Um combate tido a meias

Não são vitórias, são teias.

 

 

112 – Desato

 

Há na vida dum problema

O dia de ser tão grande

Que pode ser detectado.

Foi tão pequeno, por lema,

Que pôde quem nele mande

Resolvê-lo num bocado.

 

Desato os nós dos sarilhos

Pegando-os pelos atilhos

E já não pelo cordame

Que as mãos me corte e me trame.

 

 

113 – Avesso

 

Por que havemos de aguardar

Que a vida dê uma estalada

Bem do avesso a nos virar

Para pararmos na estrada?

 

Pensar na valia inteira

De tudo aquilo que temos:

Olhos de ver a soalheira,

Ouvidos onde ouviremos

 

Os melros e as sinfonias,

Mãos de fazer uma festa,

Saúde todos os dias,

A família que nos resta,

 

Os amigos, o dinheiro

De beber o Verão todo

Numa tarde onde emparceiro

Com um copo como engodo…

 

Preciso é apenas querer

Mudar o rumo de vida,

Mesmo num nada qualquer,

- E eis-nos com nova medida.

 

 

114 – Problema

 

O problema é a prepotência:

Cada qual pretende impor

Aos mais a própria vivência,

Do mundo o que vê no alvor,

 

Tal como se fora dele

Aquele mundo existira:

Quer que os mais, dele na pele,

Vejam tal qual ele vira.

 

E que não sejam senão

Como ele os vê do seu chão.

 

O problema é a prepotência:

Mata-os logo em sua essência.

 

 

115 – Burocrática

 

Burocrática atmosfera

É actividade mortal

Para o que vive e que espera

Do esforço um prémio real.

 

Coloca um ponto final

Sob o papel, sob a tinta

(Dela supremo fanal),

Tanto ao temor que se pinta

 

Como a qualquer esperança.

Na burocracia a brisa

Pára como quem se cansa,

Num miasma se eterniza.

 

 

116 – Fina

 

Entre Deus e nós existe

Uma fina intimidade.

Isto é espiritualidade:

Deus a agir no que eu despiste.

 

O invés da religião:

- De nós em Deus uma acção.

 

Sempre a tentativa fruste

Da minha superstição:

O perene falso ajuste

Em lugar da comunhão.

 

Se me abandono na entrega

É que ao fim Deus se me lega.

 

 

117 – Máquina

 

Não há máquina capaz

Do que for centelha humana:

De espírito, compaixão,

Nenhuma as vezes nos faz,

Como amor, compreensão

Nenhuma delas emana.

 

Não há máquina capaz

Do que for centelha humana.

 

 

118 – Corto

 

O mundo foi-nos criado

Para cada um de nós.

Finda uma vida, de lado,

Corto o mundo inteiro após,

O mundo como existia

Para aquele que o vivia.

 

E depois de o apagar

Não há como o recriar:

 

Cerrada aquela janela,

Cerro a paisagem que é dela.

 

 

119 – Aprende

 

Liga-te a quem for mais nobre,

Os melhores livros lê,

Vê o poder que te recobre…

Mas aprende em solidão

O que é que ser feliz é:

Doutrem aí não há mão,

Só tu em ti tomas pé.

 

 

120 – Tontice

 

Quão tarde aprendo na vida

A  tontice de insistir

Que ando certo, se a medida

Sempre é um erro a me iludir!

 

Quanta perda de energia

Que já não gera magia!

 

 

121 – Acostuma

 

Antes me fizeras mal,

Já que o mal põe-me ao teu nível.

A esmola acostuma, real,

À desgraça mais punível.

 

E desgraça o desgraçado

E degrada-o, dependente,

Dependente de seu fado,

Das drogas a mais cogente.

 

Superioridade tua

Cria o bem, teu solidéu.

Em mim o azedume acua,

Todo o azedume que é o meu.

 

Para sempre classifica

Quem dum lado e do outro fica.

 

 

122 – Perigosa

 

Servir-se do poder como?

Que perigosa ilusão!

Serve-se ele, quando o tomo,

De mim, tem-me ali à mão.

 

E, quando aspiro ao poder

Com o fim de fazer bem,

Mais à mão me ele irá ter,

Mais me domará também.

 

Só trepar ao pedestal

É já de si mesmo um mal.

 

O poder só serviria

Em mão que o detestaria,

O pedestal submergindo:

- Em vez de mandar, servindo.

 

 

123 – Inferiorizar

 

Da superioridade

Tua ninguém tu esmagues,

Que sempre derivar há-de

De inferiorizar os mais

Que assim tu então estragues

Com o brilho dos cristais.

 

Mas esmagar não te deixes

Da tua inferioridade

Pretensa, de que te queixes.

Não é senão a ilusão

Da superioridade

Dos outros que a não terão.

 

Para manter o equilíbrio

Urge evitar o ludíbrio.

 

 

124 – Retribuas

 

Não retribuas o mal

Que o malvado te houver feito

Com tua moeda igual.

 

Não o imites no trejeito,

Não o copies, já que ele

Te imitará de igual jeito

 

Em quanto imitaste dele

E o cadeado não parte

Nunca mais no que o impele.

 

Antes inventa com arte

Outro rumo ao trilho andado.

O inédito assim reparte

 

E crê, crê no inesperado.

 

 

125 – Dois

 

Ninguém serve a dois senhores:

Ou a Deus ou ao dinheiro,

Amor-próprio ou amores

Fraternos – um é o cimeiro.

 

É a lição que a economia

Nos não mostra em nenhum dia.

 

Depois o mundo terceiro

Põe as bombas no primeiro.

 

E atacam o terrorismo,

Não o que lhe dá o baptismo:

Vem do cimeiro valor,

Um dá paz, o outro, terror.

 

 

126 – Crêem

 

Crêem, por conservação,

Que os homens, feitos Estados,

São monstros sem coração

E que em lugar de cuidados,

Mais rendível e realista

É mantê-los dominados

Dos medos por toda a lista,

Mais ainda pela bomba,

Um inferno que persista…

- E ali quenquer logo tomba.

 

Mais vale isto que confiar

Que em todos nós há uma pomba

Toda a vida a desejar

A humanidade ideal

A que era bom se entregar:

- A dum homem convivial.

 

 

127 – Desapareceu

 

Desapareceu no rico

O homem que devia ser

E não é. E em troca fico

Com este monstro a crescer,

De humano só com salpicos.

Ai dos ricos! Ai dos ricos!

 

 

128 – Povos

 

Também com povos verdade

É o que ocorre à natureza:

O Inverno uma eternidade

Não durará com certeza,

 

Nem morte que não germine,

Em seu discreto alçapão,

O inverso com que combine,

O alvor da ressurreição.

 

Também connosco há uma espera:

Que após haja a Primavera!

 

 

129 – Preciso

 

Preciso é que os povos cresçam,

Que os governos diminuam,

Que estes se rejuvenesçam:

Saudáveis são os que actuam

 

Como dos povos parteiras,

Nunca como pais nem mães,

Nem como donos de esteiras

(Povos-cama de seus cães),

 

Nem como patrões daqueles

A que esfolarão as peles.

 

Governo a servir, parteiro,

Gera um mundo novo inteiro.

 

 

130 – Cooperarem

 

Os governos arrogantes

Bem como os autoritários,

Como os mais, menos gritantes,

 

Nunca chegam, arbitrários,

A gostar dos povos deles.

Em lugar de solidários

 

Cooperarem com eles

Alegremente actuantes,

Dando a palavra aos imbeles,

 

Como compete aos mandantes,

Os governos fazem tudo

A distraí-los, constantes,

 

A anestesiar, tornar mudo,

Divertir, neutralizar,

A domá-los, sobretudo.

 

Nem hesitam em usar

Violência e repressão

Se o povo reivindicar,

 

Se impacientes mostras dão

Os cidadãos que refilam,

Clamam por justiça em vão

 

E às vidas que se perfilam

Querem melhor condição:

A todos os aniquilam.

 

 

131 – Gosta

 

Não gosta de religião,

De templos, nem sacerdotes,

Nem de religiosos, não.

- Jesus quer sempre outros dotes:

 

Procura, para nascer,

Não o templo de Jeová

Onde ninguém o há-de ter,

Já que ali nunca estará,

 

 

Mas algo mais importante

Com que o mundo se desdoira,

Sem funcionários diante:

- Procura uma manjedoira.

 

 

132 – Religiões

 

As religiões, hoje em dia,

São o caminho melhor

De enricar a minoria,

Na esperteza sem pudor

 

De empobrecer e oprimir

Ainda mais as maiorias

Oprimidas, sem porvir,

Pobres e sem fantasias.

 

Multidões em desespero

Recorrem às religiões,

Deixam lá vida e dinheiro,

No fim são mais solidões.

 

- E às religiões, então,

Ninguém nunca vai à mão?

 

 

133 – Pastor

 

Tanto pastor sobre o povo,

Político ou religioso!

E olho as multidões e provo

Que anda tudo desgostoso,

 

Tal rebanho sem pastor.

Abunda quem se governa

À custa do povo em dor,

Com a frieza superna

 

De o dividir a reinar.

Funcionários mercenários

Que enriquecem a engordar,

Disfarçando, perdulários,

 

Tal se foram os pastores

A que só o cuidado impele.

Escasseiam os valores,

Escasseia quem a pele

 

Arrisque até dar a vida

Pelo povo com que lida.

 

 

134 – Fecunda

 

Em lugar de produzir

Fecunda fraternidade

Mais e mais universal,

As religiões induzir

Vão, em quem se persuade,

Fanatismo sem igual,

Intolerância, exclusão

E a geral segregação.

 

Tornam então os sujeitos

Mutuamente demoníacos,

Adversários, inimigos,

Com ódios rápido atreitos

A dar mútua morte, orgíacos,

Em lugar de, como amigos,

Despertar neles ternura,

O acolhimento que dura.

 

O critério se mantém:

Pelo fruto vedes qual

Árvore árvore é do bem

E qual árvore é do mal…

 

 

135 – Tempos

 

Dos tempos pelos sinais

Deus fala em particular,

De eventos que apelam reais,

Desafio singular

 

De que é feita sempre a História.

Isto acolher, sobre o medo

Obtém radical vitória:

Não provém de nenhum credo,

Mas de ouvir e responder

Aos sinais que Ele fizer.

 

 

136 – Salvação

 

Deus jamais fará negócio

Com a salvação de alguém,

Nunca delega em ninguém

Cobrar dízimos, endosse-o

 

A Ele quenquer que seja,

Um guru ou uma igreja.

 

Deus salva a todos de graça

Como quem ama com ânsia,

Que é pai-mãe que nos congraça,

Quer-me vivo em abundância.

 

 

137 – Pública

 

De pública utilidade

É a poesia que se implanta:

Força, ternura, verdade…

E, sem esta qualidade,

Soa, ecoa, mas não canta

E, quão mais o tempo invade,

Mais, ao fim, nos desencanta:

 

Confunde o esterco que grade

Com o germinar da planta.

 

 

138 – Luta

 

Sempre a luta foi o meio

Para acabar com a luta

E o rigor, o firme esteio

Contra o rigor que disputa.

 

Caminho que persuade,

De pedras crivado ou de oiro,

É sempre a amabilidade:

Mais perdura, duradoiro.

 

 

139 – Criança

 

A criança que não brinca

Não é criança deveras.

Homem que não brinca finca

A vida noutras esferas.

 

Perdeu para sempre a infância

Que dentro dele vivia

Que tanta falta, com ânsia,

Faz à vida que ele adia.

 

Sempre a existência lhe corre

Pintada em tom de cinzento

Onde lentamente morre

Do riso sem um invento.

 

 

140 – Distância

 

A distância desvanece

As agruras da invernia,

O desamparado esquece

E o pé descalço que esfria.

 

Que a memória nos evoca

Ridentes verdes campinas,

A flor do coelho na toca,

O azulíneo das colinas…

 

- É importante estar presente

Ou o coração não sente.

 

 

141 – Escolheram

 

Os que escolheram guiar

Outrem devem renunciar

 

Ao poder como à riqueza:

Só o fato que os ajaeza

 

 

E nem sequer a comida

Que amanhã for consumida.

 

Só então logro distinguir

O sábio do que induzir,

 

Falso devoto, sentenças

Do que é vendedor de crenças.

 

 

142 – Fundador

 

O fundador duma crença

Sem as convicções impor

Generosidade é imensa,

É dum deus que nunca pensa,

Nunca busca adorador.

 

E a tradição mais cimeira

É a que lavra nesta jeira.

 

 

143 – Tens

 

Tens a eternidade, o instante,

E teu tempo é teu anzol

Que das trevas, hesitante,

Te pesque nacos de sol.

 

Não te deixes enganar,

Outra preocupação

Não tenhas nunca em lugar,

Que não de tua missão.

 

Decerto então, todo o dia,

É de sol a pescaria.

 

 

144 – Cosmos

 

No alvor do cosmos o ser

Se banhava em melodia

Que o caos ao ocorrer

Da criação calaria.

 

O alaúde concedido

Às almas de artista pode

Despertar o som perdido

E o primeiro canto acode.

 

 

145 – Escapar

 

Ficar parado não presta,

Ao deus-dará também não

E não se encontra uma fresta

Para escapar da prisão.

 

Quando alguém algo procura,

Tudo o que procura perde.

No negrume desta usura

Não luz pontinha de verde.

 

 

146 – Arrasta

 

Que é que nos arrasta ao ponto

Em que a vida nos parece

Pender da morte e confronto

Doutro homem que então perece?

 

Nossas árvores só crescem

Se devastar o jardim

Dos vizinhos que enlanguescem

Aos golpes dados por mim?

 

 

147 – Paga

 

Quem nos paga o que perdemos

E que não volta jamais?

Somos pagos do que demos

De antemão, pelos sinais

Da vida que fruiremos.

 

Uma lufada de ar fresco,

Um olhar ao sol poente,

Um sorriso que mal pesco

No rosto à criança em frente,

Da ciência um arabesco…

 

- Diga quenquer atilado,

Francamente, foi roubado?

 

 

148 – Parvo

 

Até mesmo envelhecer

Fui um parvo, sempre à espera

Da vida feliz que houvera

Um dia de me ocorrer.

Foi sempre para mais tarde

Que adiei ouvir-lhe o alarde.

 

Afinal, eis-me mais só

Que a capela abandonada

A meio da encruzilhada,

A cobrir-se ali de pó.

Enriquecer: afinal

Para que é que isto me vale?

 

Fui um furão, avarento,

Trabalhei até mais não.

Resta-me agora o caixão

Em cuja borda me sento.

E a vida que bateu asa

Tira-me amanhã de casa.

 

 

149 – Erva

 

A erva encobre os covais,

O tempo dilui a dor,

O vento apaga os sinais

Da pegada que se for.

 

O tempo cura a sangrenta

Angústia como a memória

Do amado que se não senta

Jamais da vida na glória.

 

A vida humana é bem curta

E estreito o pedaço de erva

Onde pisamos a murta

Que o destino nos reserva.

 

 

150 – Calções

 

Bem podes virar do avesso

Uns calções esburacados,

Não escapas ao tropeço

Dos buracos revirados!

 

Em nós temos de mudar

Modos de tempos antigos

Se não quisermos arcar

De veneno com pascigos,

 

Se não quisermos que arreios

Nos venha quenquer impor

Mais aperreados e feios

Que os do ancestral ditador.

 

 

151 – Lágrimas

 

Tens vontade de chorar,

Lágrimas, porém, não saem.

Mil emoções que não caem

Findam a te atabafar.

 

Precisas de te soltar,

Deixar sair e mandar

 

Teu autocontrolo embora

Ao menos por uma hora.

 

Mas ele afinal parece

Ter-se de vez encorpado,

Havendo-se transformado

Num ser outro que te esquece.

 

Desta emoção o sinal

É que é um guarda prisional

 

Que a ele apenas te atrela

A prender-te numa cela.

 

 

152 – Alinhar

 

Alinhar na sensatez

Representa um equilíbrio

Que só existe por ludíbrio.

Nós fazemos o entremez

Mas é só o desequilíbrio

Que nos dá graça de vez.

 

Na ligeira assimetria

Dum vestido ou cachecol

É que a graça principia

Que fundo connosco bole.

 

 

153 – Porta

 

O poeta escreve um poema,

O cego entrevê uma luz,

O cantor compõe um tema,

Ao pobre o oiro reluz…

 

- Todos têm um momento

Em que o génio lhes desperta,

Em que a vida, solta ao vento,

Entreabre a porta certa.

 

 

154 – Saborear

 

De saborear o mel

Não é digno quem fugir

Da colmeia, se o impele

O medo a se escapulir

Da picada das abelhas:

Toda a roupa tem engelhas.

 

 

155 – Passatempos

 

Colecciona bonecas,

Passatempos preferidos,

Dá-te à pesca, que não pecas

A teus hóbis dando ouvidos.

 

Outros cuidar poderão

Que é por falta de sentido,

Que vives uma obsessão…

Tu, porém, sabes que não,

Vives de sonho imbuído.

 

Com outros compartilhar

Teus hóbis, se for teu lema,

Reforça, sem se notar,

O imunitário sistema.

 

Se um hóbi é um desafio

Para o cérebro, a evidência

É que é um positivo ousio

Contra o risco de demência.

Um hóbi me acalma, ajuda

A controlar o que posso

E o prazer que tudo muda

Do que é bem feito, ei-lo nosso.

 

Com hóbis ser entusiasta

Faz-nos bem, reduz o stresse,

Distraem-nos quanto basta

Das freimas, do que entontece.

 

A renda, a malha, o tapete,

Nos gestos repetitivos,

Serenam quem os repete

E domam nervos esquivos.

 

Teus passatempos são mais

Do que passatempos vãos,

São os teus signos vitais.

Nos caminhos onde vais,

São a vida em tuas mãos.

 

 

156 – Graças

 

Dar graças regularmente

Como é bom para a saúde!

Melhor durmo, de contente,

E mais bom humor me ilude

E sinto uma ligação

Com outrem mais forte à mão.

 

Apercebo-me que os mais

Se preocupam comigo

E os apoios sociais

Ajudam, num mundo amigo,

A manter com decisão

Mente sã num corpo são.

 

 

157 – Renovo

 

Vale a pena reparar

Que o renovo se inicia

No mais baixo patamar

Do Inverno que tudo esfria.

 

Nunca o reflorescimento

Vejo antes da Primavera,

Mas da esperança o incremento

É mais cedo que prospera.

 

E quanto mais velho fico,

Mais feliz por acolhê-la,

Tal se de vida um salpico

Me inovara a roupa velha.

 

 

158 – Hospitalidade

 

Hospitalidade é vida

Na vida que é pioneira.

Um visitante convida

À notícia verdadeira

(É igual se boa ou má nova).

São alimento de prova

Para o espírito sedento

Sempre em lugar solitário.

 

Chega um amigo no vento,

É um mensageiro primário

Do céu, portador fiel

Do pão dos anjos e mel.

 

 

159 – Culto

 

Remendar e pontear

Prestam culto à economia,

Divindade tutelar.

 

Isto significaria

Lutar contra a decadência:

A eternidade viria

 

A durar em permanência.

Isto faz que valha a pena

Combater pela excelência,

 

A esforçar-me me condena

A sofrer a violência,

Suportar a noite plena.

 

O crepúsculo ataria

Ao alvor que me anuncia.

 

 

160 – Bane

 

Todo o que se isola

Da sociedade,

Ela o bane, imola

Sem qualquer piedade,

 

Compaixão ou cerimónia:

Ela própria se encarrega

De tornar, com acrimónia,

Inviável, na refrega,

O retorno, nem que esgarce,

De quem pretenda emendar-se.

 

 

161 – Embrulhar

 

Para termos outra vida,

De embrulhar e de arrumar

A primeira já vivida

Iríamos precisar.

E tudo com competência.

Ora, o passe de magia

Feito com eficiência

Ninguém nunca o lograria.

 

Então, convincentemente,

Só resta a aposta presente.

 

 

162 – Trabalhou

 

Trabalhou a vida toda,

Esfregou o chão das casas

Dos outros que a sorte engoda,

Cozinhou deles as brasas.

 

Ajoelhou-se a lavar

Casas de banho, retretes,

Lavou loiça e fez corar

Roupa suja de mil fretes…

 

Porém, quando ficou velha,

Doente duma mazela,

Como uma quebrada celha,

Esqueceram-se então dela.

 

Afastaram-na da vista.

Quando morreu, à fogueira

A jogaram que é prevista

E em cinzas ma dão inteira.

 

“Aí tens a tua mãe,

Leva-a contigo e bem breve.

Não vejas nisto desdém:

Leva-a, que a nós já não serve!”

 

 

163 – Fardo

 

De que nos servem as asas

Se não podem elevar-nos?

Fardo sob que te arrasas,

Não chave de libertar-nos,

Pesam, prendem-nos ao chão,

Arrastamo-las a custo.

Acabaremos então

Por detestá-las e é justo.

 

 

164 – Era

 

Em era de informação

Todo o saber prolifera,

Só que o pó do turbilhão

A informação adultera:

Eis podre o conhecimento.

Deste quão mais se anuncia

Mais se estraga, em seguimento,

O que era a sabedoria.

 

 

165 – Partilha

 

O mundo anda dividido

Entre quem o melhor herde

(Por sempre ter entendido

Que o que se não dá se perde)

E quem ignora a alegria

Que a partilha lhe daria.

 

 

166 – Atraente

 

Quem tem sentido de humor

E que humor sobre si tem,

Tem atraente pendor

Neste acrescento também,

Credível indicador

De que o que a sério convém

Saberá ver com primor

Quem vê o divertido bem.

 

Autêntica simpatia,

Compaixão do semelhante,

Ali têm garantia

De em verdade irem avante,

De não serem mascarada

No carnaval alugada.

 

 

167 – Ignorante

 

Um ignorante, ao entrar

Na oficina do artesão,

Ferramentas ao calhar

Vai lá ver sem ver razão.

Se for tolo, julgará

Que inúteis são desde já.

 

Se cair e se ferir

Em qualquer ponta aguçada,

Vê lá dentro o que existir

Do mal como uma parada.

- Assim critica, malsão,

Quem de algo não vê razão.

 

E assim vemos a tolice

De quem não vê que se visse.

 

 

168 – Mau

 

Se te ocorre um mau momento,

Lista quanto te for grato,

Mesmo o estúpido elemento

Duma relva ao sol pacato,

Da conversa o tegumento,

O conforto dum sapato…

 

- Começa-te a aperceber

Do ganho que te couber.

 

 

169 – Coragem

 

A coragem de hoje em dia

Não é de gestos guerreiros

Nem dum herói a magia.

É a bravura, entre parceiros,

Sem mais agressividade

Nem nenhuma violência,

De quem sou ser de verdade

E aquilo em que acreditamos,

Com o melhor da ciência,

Proclamar, puxando os remos:

- Pôr de pé, no tronco e ramos,

Aquilo que, enfim, queremos.

 

 

170 – Criança

 

Se viver em criticismo,

A criança a condenar

Vai aprender: é um abismo,

Não se há-de mais libertar.

 

Se vive em hostilidade,

A lutar vai aprender.

Se o medo for que a invade,

Apreensiva há-de ser.

 

Se encorajamento for

O que mais ela encontrar,

Então a prenda maior

É que aprende a confiar.

 

Se a tratam com equidade,

Vai aprender a justiça.

Tolerância se é o que a grade,

É paciente em toda a liça.

 

Se viver com segurança,

Tem fé nela se a desfeiam,

Fé nela que é uma criança,

E naqueles que a rodeiam.

 

 

171 – Ensina-os

 

Quando alguém se porta mal,

Se calhar é evoluir:

Ira e raiva em todo o vale

Ajuda os mais a cumprir.

 

Ensina-os devagarinho

A ir no próprio caminho.

 

 

172 – Expande

 

Um homem, porque quer Ter,

Expande a própria ambição

Tudo em volta a desfazer.

Os animais, eles não.

 

Os animais querem Ser,

Logo tudo é natural,

Nem desempenho há sequer

Para além deste sinal.

Aprendo com o animal

Simplicidade de ser.

 

Quando aprendo a gritar não

Ao apego da ambição?

 

 

173 – Vaso

 

Há quem procure o Graal

Mas não queira o testemunho,

Quer o vaso material

Mas nunca da ideia o punho.

 

Muitos buscam um objecto

Que tenha conhecimento

Mas conhecimento recto

Não o querem, que é um tormento.

 

Seria mesmo pilhéria,

Não fora dar tanta dor:

É a vitória da matéria,

Sempre a levar a melhor.

 

 

174 – Desdiz

 

Há quem diga pela frente

Tudo o que desdiz por trás.

A verdade fica ausente,

Nenhuma cara é capaz.

 

A verdade interior,

A força que vem de dentro,

Obriga a verdade a pôr

Ante mim e tudo onde entro.

 

Agora não vás dizer

A todo o mundo o que pensas,

Podes alguém ofender

Ou dores causar intensas.

 

O que não podes contar

É o que não vês que é verdade:

Esta é a base lapidar

De tua interioridade.

 

Ou a verdade tu contas

Ou te calas no que aprontas.

 

 

175 – Paz

 

A paz é poderosa,

Porém, é transparente,

Não a vê quem a goza,

Conceito evanescente.

 

A guerra já não,

É bem material,

Vemos o canhão,

O míssil final…

 

A paz não tem instrumentos,

Nunca nos dá garantias.

Tão alta ante os outros ventos,

Quem lhe entende as energias?

 

Em guerra acorda o mundo e adormeceu:

- Contra o voto de Deus, o Homem venceu.

 

 

176 – Aceitar

 

Aceitar é acomodar-se,

Se é tudo definitivo,

Que te apegas ao disfarce,

Ficas no degrau cativo.

 

Desatas a controlar

Tudo em volta e o mais que houver,

Com tal apego sem par

Que mesmo ao que faz sofrer

 

Te gruda, feito carraça,

Nunca mais ficarás pronto

A trocar-lhe o poiso e a praça,

Às voltas andarás, tonto.

 

Aceitar é desprender-se,

Se apegar for no grau zero,

Aprontado no alicerce

A erigir o novo e vero.

 

É acolher o que vier,

Implica a mobilidade,

Trocar de estado qualquer,

Desta noutra identidade.

 

Ora aqui, depois além,

Nunca estacionário ficas

Se acolhes quanto convém,

Se à surpresa tu te aplicas.

 

 

177 – Oposto

 

Tudo tem o seu contrário,

A sua recta final,

Oposto fatal e vário,

Morre e nasce outro e tal qual.

Tudo tem, pois, dele o fim,

A contraposta metade,

Tudo é um primeiro e um afim,

Depois zero em que se evade.

 

Tudo o que tem um fim hoje

Se inicia logo após,

O que acaba agora, foge,

Começa adiante a sós,

 

Fina-se logo a seguir.

Se hoje te encontrares bem,

Amanhã teu mal vai vir,

É o ciclo que a vida tem.

 

Enquanto não aceitares

Cada um destes estados,

Um e zero singulares,

Terás degraus não trepados.

 

Não acabaste a viagem,

A transmutação sem dor,

Sem apego aos gestos que agem

Nem aos bens de que és senhor.

 

 

178 – Hoje

 

Morremos hoje mais tarde,

Porém tal não é questão.

Como é das vidas o alarde?

Vamo-nos negando em vão.

 

Para quê querer viver

Mais e mais se foi rompida

A linha-base de ser?

Se a não encontro vivida?

 

Trabalhar com a energia

Que própria nos for, ajuda

A encontrar, no dia-a-dia,

Fio condutor à muda.

 

E far-nos-á retornar

Aos primórdios de verdade

Donde em jorro há-de brotar

A nossa felicidade.

 

 

179 – Ouve

 

Ouve o teu interior,

Aceita a limitação,

Avança só quando for

Muito forte esta impulsão

 

Que sentes para operar,

Não porque teu ego o quer

Apenas a se afirmar

Ou buscando mais poder,

Mas por tal acto te encher

E te tornar mais feliz.

É o segredo de viver:

Ao que a energia me diz

 

Conhecer e respeitar.

E não ficar à mercê

Do que o ego comandar,

Que só quer mostrar quem é,

 

Mesmo que o não acredite,

É sempre o que em mim concite.

 

Se tomar pé por mim quero,

Reduzo meu ego a zero.

 

 

180 – Seguro

 

O ser humano só muda

Quando dele o mundo rui,

Se o seguro a que se gruda,

Que o sustentava, não flui.

 

Se não há emprego seguro

Por toda uma vida inteira,

Se o casamento eu auguro

Que se afoga na valeira,

 

Se nem mesmo uma amizade

Perdura por toda a vida,

Se a vida que hoje me invade

Pode amanhã ser delida…

 

Pode cair o avião,

Uma bomba, um terramoto,

Um tornado varre o chão,

Um carro esbarra, uma moto…

 

- Nesta altura, infelizmente,

E só então, o ser humano

Se prepara velozmente

A mudar a todo o pano.

 

 

181 – Desfruta

 

Vive apenas, aproveita,

Desfruta, mas não te apegues.

Só desfruta quem aceita,

Mas que a nada tu te agregues,

 

Que o que hoje estiver aí

Pode amanhã não estar.

Vive, pois, sem alibi,

Tudo, tudo a aproveitar,

 

Deixando espaço a que a vida

Se retire sem doer,

Caso queira, de seguida,

Pôr outra coisa qualquer.

 

Tal é a gesta verdadeira

Na matéria onde me emprego:

Usar daquela maneira

Que o consiga sem apego.

 

Tudo o que é bom nesta vida

É de ser aproveitado

Sempre na melhor medida.

Prescindir não é implicado

 

Nem viver na restrição

Para ser espiritual.

É mesmo ao contrário. Não,

A vida é um manancial

 

E o ser humano não vive

A fim de ser restringido,

Mas para ser ampliado.

Que do que é bom não se esquive,

Que não é de ser banido,

Antes de ser desfrutado.

 

Mas com cuidado se aplique,

Sem ferir o que outrem for,

Que os outros não prejudique,

Ajude antes, no melhor,

 

A se encontrarem no ser

Individual-colectivo.

Neste encontro com quenquer

É que cada qual é vivo.

 

 

182 – Falso

 

Quando a ti próprio te trais,

Também trais outras pessoas

Porque o tu que nos sinais

Julgam que és e que apregoas

 

Não é de todo quem és,

É um falso tu, simulado.

A ti trais e ao teu freguês,

Portanto, dentre tais baias,

Embora contrariado.

- Portanto, nunca te traias!

 

 

183 – Esvai

 

Sê para ti verdadeiro,

Que falso não poderás

Ser com ninguém por inteiro.

 

Não te preocupe o grupo,

O grupo se esvai, fugaz.

E um dia já não me ocupo

 

Do grupo que, simplesmente,

Nunca mais estará lá.

Tu, porém, como é evidente,

 

Não irás nunca passar:

Tu contigo és quem está

Eternamente a ficar.

 

 

184 – Momento

 

A cada momento agora

Te estás a criar de novo,

Retratas-te a cada hora

Na tela sempre em renovo

 

Da própria vida em que vives.

Talento, capacidades,

Quaisquer dons que em ti motives,

As físicas qualidades,

 

São cores que irás usar.

A tela vem-te dos céus,

As cores são teu lugar

De escolher por gostos teus.

 

 

185 – Disposto

 

Vais ter sempre de escolher

Entre aquilo que desejas

E o que estás disposto a ser,

Fazer, ter, para o que almejas

Poder um dia viver.

 

Este é o rumo que combines

Pelo qual tu te defines.

 

 

186 – Basta

 

Ao fazer transformações,

Não basta a das circunstâncias.

Destas anula os senões,

Mas atende a mais instâncias:

Vais ter de mudar as crenças

Que as circunstâncias criaram,

Se não queres que as doenças

Fiquem tal como ficaram.

 

A mudança social

É a dos homens que andam mal,

 

Muito mais que a dos efeitos

De alguns perversos trejeitos.

 

 

187 – Transformando

 

Nem todas as conjunturas

Podem de vez ser tratadas

Mas poderão ser curadas.

O tratamento inauguras

 

Transformando a situação

Que o sofrimento causar.

A cura é transformação

No modo de a vivenciar.

 

Tens uma dor de cabeça.

Sem mudar a situação,

É o modo de a encarar

Que mudas: tudo começa,

Com outra valoração,

Toda a vida a te mudar.

 

Em ti tudo é transformado:

És outro já, noutro lado.

 

Isto que outro te inaugura

Em todo o evento te cura.

 

 

188 – Transformação

 

A transformação apenas

Ocorrer pode por nós.

A nós trocar-nos as cenas

Deus não pode, que através

De nós é que ata os cipós

Com que o mundo tem nos pés.

 

Porque quem nós enfim somos

É Deus, em última instância,

Somo-lo de vida em gomos,

De Deus fruta apetecida,

Mágica em nós Vida-Infância

Através de nós vivida.

 

 

189 – Arrependido

 

Arrependido continuo

Por mal agir contra quenquer?

Peço perdão (é como influo)

A todos quantos ofender

 

Como a mim próprio que ofendi,

Se outrem magoei sem alibi.

 

Não jogo a Deus (que nunca ofendo)

Pedido algum, se me arrependo.

 

Não me consigo perdoar

A malvadez algures feita?

Perdoo ao outro, em meu lugar,

Igual fraqueza, igual maleita,

Traço ofensivo que tiver,

Pecado igual que cometer.

 

Doutrem curando o coração

Curas o teu do que é malsão.

 

 

190 – Triste

 

Estar triste não tem mal,

Nem desculpa é de pedir,

Nem de trocar de sinal:

Podes usar e seguir.

 

Podes a tua tristeza

Transformar num instrumento

Que ajude a quanto alguém preza

Na vida, a cada momento.

 

Então atribuis-lhe um fim:

A todos vai transformar

Em bondade atenta assim.

E, em lugar de caminhar

 

No trilho que deprimidas

E revoltadas as torna

Pelo que restar das vidas,

Às pessoas isto informa

 

Do amor, da felicidade.

Aquelas que tal fizerem

Preparadas de verdade

Ficam para as que tiverem

 

De sofrer tristeza enorme

E poderão ajudá-las.

Ora, a vida a tal conforme

Satisfaz e há-de alegrá-las.

 

 

191 – Peixe

 

É viável explicar

A um peixe o que é caminhar

Em terra firme algum dia?

 

Um dia na terra vale

Mil anos do que propale

Em discurso o que seria.

 

Tem valor equivalente

Um dia passado à frente

Dum negócio ou conjuntura.

 

Palavra sem a vivência

É vasilha sem essência,

Ovo gorado em figura.

 

 

192 – Língua

 

Por palavras pouco fala,

Fala mais por sentimentos:

Língua de alma que a propala,

Neles Deus murmura intentos.

 

Se deveras saber queres

O que algo for para ti

Como te sentes é veres

Ante o que enfrentas ali.

 

 

193 – Resultado

 

Qualquer grande cientista,

Quando quanto está fazendo

Não dá resultado à vista,

Abandona o trilho, vendo

Toda a hipótese malquista.

Do saber chocando o ovo,

Começa tudo de novo.

 

Toda a grande descoberta

Provém de mudar de mão

Quando a mente não acerta.

- É o que aqui nos falta então,

Tanto na religião

Como na vida desperta.

 

 

194 – Vergonha

 

A vergonha é reacção

De quem ainda se ocupa

Da forma como o verão

Os mais que o virem à lupa.

 

Trata tu de superá-lo,

Ensaia nova resposta,

Experimenta o regalo

Do riso por tua aposta.

 

De ti ri, da situação:

- Vais ver que libertação!

 

 

195 – Renúncia

 

Minha alegria reside

No acto inteiro de criar,

Não no desfecho que envide:

Sei lá bem no que há-de dar!

 

A renúncia jamais é

De renegar decisão

Tudo quanto ponho em pé,

De me demitir de acção.

 

 

É renúncia renegar

A necessidade infrene

Dum efeito singular,

Resultado por que pene.

 

Quando disto me demito

Fico alegre ao infinito.

 

 

196 – Luz

 

Sê uma luz na escuridão

E jamais a amaldiçoes.

Não te esqueças de quem és

Quando te vês no porão

Cercado do que destoes,

Do que for o teu invés.

Antes louva a Criação

Enquanto alterá-la buscas

Com tuas medidas bruscas.

 

E repara bem que aquilo

Que actuas na provação

Ser pode o maior triunfo.

A vivência que, tranquilo,

Crias testemunha então

Quem tu és, como teu trunfo.

As pegadas no teu chão,

Trilho no tempo a correr,

Dizem quem tu queres ser.

 

 

197 – Paixão

 

Aquele que renuncia

Renuncia aos resultados,

Nunca à paixão que o movia.

O mestre que tem mestria

Sabe intuitivamente

Que, para domar os fados,

O caminho é o da paixão,

Via que jamais desmente

De auto-realização.

 

Se não tens paixão por nada,

Mais leveiro que uma pluma,

Já não vês a madrugada,

Já não tens vida nenhuma.

 

 

198 – Exibir

 

Aquilo a que abres os olhos

E que vês desaparece,

Deixa de exibir escolhos,

A ilusória forma esquece.

 

Tu não podes resistir

Àquilo a que realidade

Nenhuma vás atribuir

Nos agros de tua herdade.

 

Teu acto de resistir

A qualquer coisa escolhida

É o acto de a definir,

É o acto de lhe dar vida.

 

Resistes a uma energia?

Estás colocando-a lá.

Quão mais insistes na via

Mais real se tornará.

 

Seja o que for, a seguir,

A que estás a resistir.

 

 

199 – Resultado

 

Não há nada assustador

Na vida, se não te apegas

Ao resultado que for:

Se nada queres, delegas.

 

Deixa lá correr as feiras,

Escolhe mas nunca queiras.

 

 

200 – Sábios

 

Os sábios trouxeram todos

A mensagem de seus bodos.

 

Não a que gera o tabu:

“Sou mais sagrado que tu”,

 

Mas a que a todos uniu:

“Tão sagrado és tu como eu.”

 

Mas ouvir vocês não foram

Nem são aptos a o aceitar

Nos quadros com que edulcoram

As quadras de vosso lar.

 

 

201 – Mil

 

Mil palavras nunca deixam a impressão

Forte e fértil que nos deixa alguma acção.

 

 

202 – Silencia

 

Primeiro é o recolhimento,

Silencia o exterior

Mundo de nervoso e vento,

Para poder o interior

Mundo entregar-te a visão.

Esta é aquilo que procuras,

Mas nunca a terás à mão

Enquanto tudo o que auguras

 

Tão profundamente andar

A teu exterior ligado.

Procura interiorizar

Mais e mais de dentro o lado.

 

Mesmo quando o não fizeres

Apela à interioridade

Em tua lida, ao cederes

Ao exterior que te invade.

 

Se por dentro tu não fores,

Então ficarás por fora

E de vez perdes as cores

Com tua eterna demora.

 

 

203 – Escola

 

A escola é o lugar onde ir

Se houver algo que não saibas

Mas vais saber a seguir.

Não é lugar onde caibas

 

Se já sabes uma coisa

E queres experienciar

Teu saber, como é que poisa.

A vida é o modo de dar

 

A ti a oportinudade

De ver experiencialmente

O que sabes, na verdade,

Mas só conceptualmente.

 

Não queres aprender nada,

Só precisas de evocar

O que já sabes de entrada

E agir nisto a te basear.

 

 

204 – Mostra

 

Tens a ideia de que Deus

Se mostra só duma forma

Na vida dos feitos teus

E esta jamais foi a norma.

 

É o que te impede de O ver

Na sua globalidade.

Se cuidas que Deus vai ter

Uma só modalidade

 

De olhar, falar, existir,

Vais por Ele dia e noite

Passar sem o discernir.

Andas em busca, à sonoite,

Dum Ele que Ele não é,

Nunca dEle darás fé.

 

 

205 – Maioria

 

A maioria de nós

Perde toda a vida adulta

À procura de que voz

É a correcta catapulta

De adorar, obedecer:

Servir Deus tal deve ser.

 

A ironia disto tudo

É que Deus nunca requer

A adoração a que grudo,

Nem obediência sequer,

Nem preciso de servi-lo:

Quer-me livre em meu estilo.

 

 

206 – Defendes

 

Procura ver se os valores

Que tu defendes com actos,

Ideias, termos, furores,

Trazem ao campo dos factos

 

O melhor, mais elevado

Conceito em que já te viste

Por ti mesmo retratado.

Examina-os, de alma em riste,

 

Um por um à luz do dia.

Se conseguires dizer

Quem és à periferia,

Aquilo em que aposta o crer,

 

Se hesitações, embaraços,

Nenhum deles te tolher,

É que contigo aos abraços

Andas a vida a colher.

 

Satisfeito estás contigo,

És final porto de abrigo.

 

 

207 – Começa

 

No conceito mais sublime

Que acerca de ti tiveres

Começa. Que aí se arrime

Como seria viveres

 

Com tal pensar todo o dia,

Que farias imagina,

Que é que teu imo diria,

Como reagir à sina

 

Do que os mais fazem e dizem…

- Descobres a diferença?

Tu e este não condizem.

Qual então tua querença?

 

 

208 – Resistir

 

Podes dar ao moribundo

O melhor de teus presentes:

- Deixá-lo morrer em paz,

Sem persistir neste mundo

Com os membros padecentes,

A preocupar-se atrás

De ti, quando é crucial

O momento terminal

Ser amena despedida

Ao ir-se embora da vida.

 

 

209 – Adoras

 

Faz o que adoras fazer

Apenas, que o tempo é pouco.

Como cuidas em perder

Um minuto, feito louco,

 

A fazer o que não gostas,

Só para ganhar a vida?

Mas em que vida é que apostas?

Nem sequer te dá guarida

Essa em que andas a correr:

- Não é viver, é morrer!

 

 

210 – Conjuntura

 

O teu pensamento acerca

Da conjuntura, que “é má”,

É que te orienta a perca

Que experiencias lá.

 

São mesmo as tuas palavras

“Falido estou, sem dinheiro”,

Que no tempo que escalavras

Ditam quanto dura inteiro.

 

E serão tuas acções

Em torno disto, sentires

Pena de teus aleijões

Ou em depressão caíres,

 

Ou não tentar descobrir

A saída para o caso,

Que te hão-de gerar, gerir

O que és tu a longo prazo.

 

Primeiro dado a entender

Do Cosmos é que não há

Mau nem bom estado ou ser,

São só isto: o que ali está.

 

Deixa, pois, tu de fazer

Teus juízos de valor.

Segundo dado a entender

É que nada dura um ror,

 

Todo o estado é temporário,

Imutável nada vi,

Estático, tudo é vário.

E vai depender de ti

 

A forma como algo muda,

Seja a que for que se aluda.

 

 

211 – Corpo

 

Ao correr da vida julgas

Que és o teu corpo precário.

Um tempo a mente promulgas

Que é mesmo ela o teu sacrário.

Só da morte no revés

Descobres quem realmente és.

 

Há momentos em que a mente

E o corpo não dão ouvidos

Ao imo ao fundo presente,

Aos rostos de alma escondidos.

A maior dificuldade

Ouvi-los é de verdade.

 

Os que o fazem são tão poucos

Que a parecer chegam loucos.

 

 

212 – Tentais

 

É pior que condenar:

Tentais mesmo fazer mal

A quanto não escolheis,

Destruí-lo ides tentar.

Se houver alguém, um local

Com que não simpatizeis

 

Atacai-lo de imediato.

Se houver uma religião

Que contra a tua pode ir,

Gritas mal dela de facto.

Se contradiz a razão

Doutrem o que a tua vir,

 

Logo a ridicularizas.

Se uma ideia houver além

Da que tens, é rejeitada.

É um erro que não divisas,

Pois assim só crias bem

Meio universo de entrada.

 

E nem metade entendemos,

Tendo a outra rejeitado,

Que no espelho só leremos

O que espelhar do outro lado.

 

 

213 – Cura

 

A cura é o itinerário

De tudo acolher e após

Escolher o melhor, vário.

De Deus escolher a voz

É que é inviável se não

Houver nenhuma outra opção:

Temos de ter o contrário,

O abandono, em solidão,

Para intuir o solidário.

 

 

214 – Vives

 

A vida é uma criação,

Não, pois, uma descoberta.

Não vives em teu torrão

Descobrindo em terra aberta

O que te reserva o chão.

Vives dias singulares

Para cada qual criares.

 

Cada minuto que escorre

Crias tua realidade

Alheio a tudo o que corre,

Sem ver tal fecundidade.

Farás tal qual faz quenquer

Sem de tal te aperceber.

 

Bom era abrires os olhos:

- Evitavas mais escolhos…

 

 

215 – Pendor

 

Se há um pendor da criação

Que julgues que não te agrada,

Abençoa-o, muito chão,

E muda-o com mãos de fada.

 

Faz uma novel escolha,

Germe doutra realidade,

Que um pensar novo a recolha,

Termo outro de identidade,

 

Faz mesmo uma coisa nova,

Fá-lo com grandiosidade

E o resto do mundo aprova,

Segue-te o rasto na herdade.

 

Pede e faz que tais quais sejam,

Mostra o caminho e que sigam.

Assim requer Deus que O vejam

Céu e Terra e os que os ligam.

 

 

216 – Reages

 

Quando reages com desgosto

E mágoa ao que outra pessoa

Estiver a ser no posto,

A dizer, fazer que doa,

 

Algo podes empreender:

Admitir com lealdade

Para contigo e quenquer

Que o que sentes não te agrade.

 

Muitos disto têm medo,

Que má irão dar uma imagem,

Que é ridículo ou que é tredo

Sentir-se tais na triagem,

 

É mesquinhez tal abalo,

São superiores, enfim…

Mas não logram evitá-lo,

Continuam mal assim.

 

Há uma atitude a tomar:

Respeitar vossos afectos,

Que os afectos respeitar

A vós próprios é dar tectos.

 

Como doutrem entender

E respeitar sentimentos

Sem os próprios acolher

Que sois vós em tais momentos?

 

 

217 – Colocares-te

 

Colocares-te em primeiro

No sentido mais sublime

Não leva nunca, rasteiro,

A um acto ímpio, ao crime.

 

Se em tal acto por ti deste

O melhor por ti fazendo,

Aquilo que ali não preste

Não é por ires tu sendo

 

O primeiro em teu cuidado,

É da interpretação má

Do que no caso abordado

Para ti melhor será.

Interpreta mais a fundo:

Noutra luz verás teu mundo.

 

 

218 – Obrigação

 

Nenhuma obrigação tens,

Nem nas relações, em nada,

Nem limitações reténs,

Nem restrições na jornada,

Nem linha orientadora,

Qualquer regra condutora…

 

Por nenhuma circunstância

Ou conjuntura és atado,

Nem restringido em instância

De código, lei, traslado,

Nem punível por ofensa,

Nem capaz de tal sentença.

 

De facto, aos olhos de Deus,

Não cometes, nem esquivo,

Uma ofensa: os gestos teus,

Tudo o que há, nada é ofensivo.

És livre, mas opta bem:

- No fundo, o efeito convém?

 

 

219 – Tendem

 

Todos tendem a ver neles

Aquilo que neles vimos.

Quão mais grandiosa impeles

Deles a visão dos cimos,

 

Maior sua prontidão

Em admitir, revelar

A faceta que terão

Que lhes viemos mostrar.

 

 

220 – Função

 

Função de alma é despertar-te

A ti, de todos os modos,

A de Deus é os outros todos.

Nós dobramo-lo destarte:

Vendo os outros sob os modos

De quem no fundo eles são,

E acordando-lho, constantes.

Difícil programação:

Não nos crêem, hesitantes.

 

Mas há uma segunda via:

A de quem és evocando.

Fácil, não precisaria

Doutro crer, o teu bastando.

 

Constantemente o mostrando,

Acabas por recordar

Aos outros quem são e quando,

Vêem-se no teu lugar.

 

 

221 – Pensamentos

 

Como é que tua mente foi buscar

Os pensamentos que ela tem agora?

Não sabes que o teu mundo manobrar

A tua mente foi para pensar

Da forma que tu pensas toda a hora?

 

Não seria melhor andares tu

E não o mundo, fora, a manobrá-la?

Não seria melhor pensar a nu

Nos termos que tu queres, não no cru

Pensamento dos outros que te abala?

 

Não ficas tu melhor com criativo

Pensamento que é teu e que te exprime

Do que com um pensar repetitivo?

Contudo, a tua mente, ao reactivo

Pensamento que é doutrem não se exime.

 

De conceitos repleta vive cheia

Duma experiência alheia resultantes.

Poucos serão os teus, dentro da teia,

Os autoproduzidos, mal ameia

A preferência tua ante as restantes.

 

Teu próprio pensamento de raiz

Sobre o dinheiro é exemplo perspicaz.

Teu pensar de que é mau te contradiz

Tua vivência: que é óptima matriz!

E andas às voltas, mentes… É eficaz?

 

 

222 – Círculo

 

És mesmo o que cuidas que és,

És círculo vicioso

Se negativo te vês.

Rompe-o, voluntarioso!

 

Tua vivência actual

Baseia-se na anterior.

Pensar conduz, em geral,

A agir dum dado teor,

 

Agir leva ao pensamento

Que a agir leva uma outra vez…

E assim neste enrolamento

Atado sempre te vês.

 

Pode ser uma alegria

Se o que for orientador

É pensar alegre o dia,

Mas é um inferno de dor

Se o cuidar for infernal.

Então só resta mudar

Do pensamento o sinal

Para o sol poder brilhar.

 

 

223 – Palco

 

Quando dois trabalhadores

Por igual qualificados,

Um é palco de louvores,

Outro cai nos postergados,

 

Não do que um ande a fazer,

Do que ambos estão a ser,

 

Vê que um vive muito aberto,

Simpático, interessado,

Prestável, atento, esperto,

Bem disposto e confiado,

 

Enquanto outro anda fechado,

Carrancudo, rabugento,

Distante, pouco empenhado,

Incivil e desatento.

 

E se vais seleccionar

Ainda estados mais sublimes?

Findas a priorizar

Os que no píncaro encimes:

 

Misericórdia, bondade,

Amor e compreensão,

Compaixão e piedade,

Justa equidade e perdão.

 

A vivência atrai vivência

E aprofunda a experiência.

 

Não estás neste planeta

Para não produzir nada

Com o teu corpo maneta,

Nunca afeito à vera enxada.

 

Estás para produzir

Com alma o que te couber.

Corpo é instrumento a cumprir

O que dele a alma quiser.

 

A tua mente é uma força

Que o corpo te faz andar.

Tens neste o poder que força

De alma as ânsias a criar.

 

 

224 – Afirmação

 

A afirmação não resulta

Se for mera afirmação

Daquilo que desoculta

As verdades que serão,

 

Que virão a ser verdade.

Só resulta se afirmar

Algo cuja identidade

Ali já sabes estar.

 

A melhor afirmação

É de reconhecimento,

Testemunha gratidão

Do que, oculto, é o meu momento.

 

Em pleno inêxito digo:

“Pelo êxito em minha vida,

Meu Deus, meu Deus, te bendigo.”

Esta ideia convivida

 

Produz grandes resultados

Quando é saber verdadeiro:

Não tenta produzir dados,

Tem o conceito certeiro

 

De que os fins por nós queridos

Já nos foram produzidos.

 

 

225 – Ordem

 

Numa ordem verdadeira

Ninguém para ser feliz

Faz algo com que emparceira;

É feliz uma pessoa,

Por isso faz o que diz

E não leva a vida à toa.

 

Ninguém toma uma atitude

Para devir condolente;

De condoer-se em virtude

Faz com tal o que é coerente.

 

Do imo a decisão precede

O agir do corpo em alguém

Que alta consciência levede;

O inconsciente, porém,

Ao invés é que procede.

 

A tua vida não é

Aquilo que o corpo faz,

Mas teu corpo põe de pé

Reflexos do que és capaz.

 

 

226 – Cancro

 

Há tanta gente que fuma

E de ter cancro se admira!

Que animal gordo consuma

E a artéria que não aspira

 

O espante ao ver bloqueada!

Passam vidas furiosas

E, depois um tudo-nada,

Cardíacas são morbosas.

 

Umas com outras competem,

Impiedosas e em tensão,

E as tromboses se repetem

Em grande consternação.

 

Por detrás disto a verdade

É que ali todos se matam

Da inquietação que os invade,

De tanto que se maltratam.

 

A inquietação deve ser

A pior acção mental

Após os ódios que houver.

É inútil, prejudicial,

 

Desperdício de energia,

Prejudica o organismo

Da bioquímica que cria

E provoca nele um sismo,

 

Da cardíaca paragem

A uma mera indigestão.

Respiramos outra aragem

Quando acaba a inquietação.

 

É uma atitude da mente

(Se inquietos os gestos meus)

Que não entendeu, à frente,

Dela a ligação com Deus.

 

Ódio, a emoção mental,

É a que mais profundamente

Nos é prejudicial.

O corpo envenena rente

 

E os efeitos dele são,

Na prática, irreversíveis.

Medo é mesmo oposição

Ao que és em todos os níveis

 

E, portanto, há-de-se opor

À tua física saúde.

É de inquietação um ror,

Muito ampliada amiúde.

 

Inquietação, ódio, medo,

Com mais os seus derivados,

Ansiedade, em boca o credo,

Amarguras e cuidados,

 

Impaciência, antipatia,

Avareza, criticismo,

Condenação da fasquia

Com que salto cada abismo,

 

- Atacam os organismos

Mesmo a nível celular.

Escravo em tais mecanismos

Nenhum corpo há-de vingar.

 

Por igual, a presunção,

Auto-indulgência, ganância

À doença levarão,

Mal-estar a matar de ânsia.

 

As doenças, frequentemente,

Primeiro cria-as a mente.

 

 

227 – Fome

 

Temos a fome abismal

De saber. Mas já sabemos,

Só que nós nunca queremos

A Verdade tal e qual,

 

Só queremos conhecer

Verdade como a entendemos.

É a barreira a nos tolher

A luz que nunca veremos.

 

Julgamos já que a Verdade

Conhecemos tal como é,

Que a entendemos neste pé,

Por isto nos persuade

 

O que ouvimos, lemos, vemos

Que quadre com tal padrão

Do entendimento que temos,

Rejeitando quanto não

 

Se enquadre dentro das linhas.

Chamamos tal de aprender,

Cuido aberto aqui quenquer

A vindimar quaisquer vinhas.

 

Infelizmente, porém,

Ninguém pode estar aberto

Aos ensinamentos bem

Enquanto se julgue certo,

 

Se a tudo fechar a grade,

Excepto à própria verdade.

 

 

228 – Tipo

 

O tipo de professor

Pouco importa, a educação

Que ao aluno anda a propor

É que alicerça no chão.

 

Tem aulas motivadoras,

Interessantes, que envolvem?

Os temas domina a horas,

As crianças desenvolvem?

 

Papelada, arrumação,

Não importam mais que ensino.

O mais é sombra no chão,

Comparado ao sol no pino.

 

 

229 – Mandarins

 

Mandarins da educação,

Na augusta sabedoria,

Das enxurradas farão

Alguma ideia algum dia

 

De ordenações, relatórios,

Procedimentos e linhas,

Quadros, dados meritórios,

De estatística adivinhas,

 

Mais sete pragas do Egipto

Que diariamente caem

Ante o director contrito

Da escola que com tal traem?

 

Perde-se este a vasculhar

Em papéis, sem resolver

O que primeiro há-de olhar:

- Os alunos a atender.

 

 

230 – Dor

 

Sentir dor é colocar

Trancas à porta de entrada

Duma casa já roubada,

É um guarda-costas lhe ir pôr

Junto à porta, a vigiar,

Ao reparar, envolvidos

Em cuidados e calor,

Os vidros ora partidos.

Sentir dor é após, com pressa,

Pôr na lesão a compressa.

 

 

231 – Afastado

 

Quando alguém anda obcecado,

O respeito dos valores,

Lealdade ao que anda ao lado,

A clareza entre os rumores

- Tudo às vezes é perdido,

Por racionalização

Afastado e refundido,

Perde-se de vez o chão.

 

Quando alguém anda obcecado,

Não anda, põe um travão.

 

 

232 – Amado

 

Amado ser e outrem amar

Em instituições fundadas

No poder não tem lugar.

E a família, se calhar,

Poderá ser das listadas.

 

Quando alguém um deus irado

Vier encontrar num pai,

Instrutor ou patrão dado,

Lições recebe, humilhado,

Ver como portar-se vai.

 

Irá desvalorizar

E reprimir dele no imo

Do feminino o aflorar,

Rasga, de fero, o talar

Manto com que trepa ao cimo,

 

Quanto compassivo for

E tudo o que é protector.

 

- Pedra angular do poder

É caminho de não ser.

 

 

233 – Ensina

 

Como é que o que ensina orgulho

Pode orgulho castigar?

Quem nos feitos deu mergulho

Pode o feito vir travar?

 

Como pode quem governa

Pelo direito e justiça

Que a verdade jura eterna,

Dele sagrada na liça,

 

Como pode escarnecer

Do que é justo e for verdade,

Governar como bem quer,

Centrado na falsidade?

 

 

234 – Inimigo

 

Quando com algo lutamos

Que nos pode destruir

(Das dependências os ramos,

Obsessões sempre a vir,

 

Uma perda de saúde,

Compulsões a me empurrar,

Ou destrutiva atitude…)

- Muito mais que derrotar

 

Um inimigo logramos

Sempre invariavelmente:

Igualmente conquistamos

A positiva semente

 

Que, inesperada por norma,

Gradualmente nos transforma.

 

 

235 – Armas

 

Com as armas nucleares

O poder de dominares

 

O mundo não pode ser

Separado do poder

 

De, em estilhas de cometa,

Destruir todo o planeta.

 

Se isto vier realmente

Adentrar-se em toda a mente,

 

Então confraternizar,

Muito mais que dominar,

 

É a nova prioridade

A aplicar-se, de verdade,

 

Em todas as relações,

Causas como instituições.

 

Seria o fim – bom seria! –

O fim da patriarquia.

 

 

236 – Mundo

 

Se o mundo da acção visível,

Sempre um mundo manifesto,

Brota do mundo invisível

Do pensamento, do apresto

Da intenção e da visão,

Do colectivo inconsciente

E colectiva demão

Que lhe empreste o consciente,

 

Então o esforço de paz

Contra-atacar deveria

Sempre a infiltração falaz

Do medo que ao fim nos guia,

Bem como a necessidade

De poder, em toda a idade,

Que o medo, afinal, nos cria.

 

 

237 – Sigo

 

Sigo a vida como surge

No voo de passarinho.

Sigo-a, não discuto o que urge,

Tomo o copo, bebo o vinho,

Como o pão que houver no prato

- E o melhor tento em meu acto.

 

 

238 – Básico

 

Se o básico é satisfeito,

O dinheiro só fomenta

Falsa alegria, se a jeito

Mais que aos mais a mim me inventa.

 

Dinheiro compra estatuto,

Alguns faz sentir melhor…

Quem procurar o produto

Noutras vias não vai pôr

 

Em moedas o desejado.

- O cientista, o missionário,

Um actor, um voluntário… -

Lugar mal remunerado

 

Acolhem, com outra pista,

- E é felicidade à vista.

 

 

239 – Humor

 

Quem for um extrovertido

Mais feliz que a maioria

É, mais que o introvertido:

O bom humor alivia

E torna, de praticável,

Todo o mundo mais sociável.

 

 

240 – Acompanha

 

Comportamento altruísta

Sempre acompanha os felizes.

É de os outros ter em vista?

Ou de terem tais matrizes

Os que felizes se sentem

Que os mais querem e acalentem?