O  SABOR  DOS  DIAS

 

 

 

PRIMEIRO  TROVÁRIO

  

O  AMOR  CANTO  EM   VERSO   BREVE

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha um número aleatório entre 1 e 106 inclusive.

 

Descubra o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 – O sabor dos dias

 

O amor canto em verso breve,

Também o sabor dos dias,

Desvendo o rio que leve

Ao mar fundo que me eleve

Do invulgar às gelosias.

 

O afecto na quadra viso

Tal do cotio o que for

Ao sonho que nem diviso,

O insólito a me propor.

 

Laços canto em metro incerto,

Dos dias o desencontro,

Dos cumes o longe aberto.

 

Já nos trovários me encontro,

Tudo, ao rir, é reencontro.

 

 

2 – O amor canto em verso breve

 

O amor canto em verso breve

De métrica regular

Com rima que nos eleve

Ao par, dum amor o leve

Espelho do similar.

 

Em todas as dimensões,

Em todas as conjunturas,

É o laço das emoções

Com as vontades mais puras.

 

E é das ausências castigo,

Na lógica das traições

Dos corações sem abrigo.

 

O amor são tantos baldões

- E nós crendo-o sem senões!

 

 

3 – Três

 

Há três coisas que a um adulto

A criança há-de ensinar:

Feliz e contente andar

Sem motivo, mesmo estulto;

 

Com algo andar ocupado

Agora e constantemente;

Exigir mui veemente

O que tiver desejado.

 

Com todas as três, enfim,

Enche a vida adulta assim.

 

 

4 – Pai

 

Quenquer pode ser amigo

De meus filhos, porém eu

Único posso e me obrigo

A ser pai que têm de seu.

 

Sou quem tem de os ajudar

A crescer, devir adultos

Independentes e, a par,

A compreenderem, cultos,

 

As regras como os limites.

Os amigos podem ter

Acaso, quaisquer palpites,

Que só um pai tem o saber.

 

 

5 – Relações

 

Relações optimizadas

Com meus filhos posso ter

Mesmo (e só) se demarcadas

Nos limites a reter.

 

Limites dão à criança

A segurança a sentir.

Mais bem qualquer lar alcança

Se bem cedo os imprimir.

 

 

6 – Casamento

 

O casamento é espantoso:

Dois que lançam dados juntos,

Uma e outra vez, no gozo

Do terror que há nos assuntos

E do entusiasmo encontrado

De ignorar o resultado!

 

Diariamente bate à porta

A sorte, a oportunidade.

Uns ouvem-na no que exorta,

Outros, não, se não agrade.

Não basta ouvi-la, porém,

Mas deixá-la entrar também,

 

Saudá-la, torná-la amiga

E cooperar com ela.

Ter a própria sorte obriga

A abrir larga uma janela.

O casamento, espantoso,

Fisga o peixe mais gostoso.

 

 

7 – Acordos

 

A tendência a discutir

Em redor, sem resolver,

Dentro dos casais porvir

Do lar é dar a perder.

 

Discutir bem, diferenças

Permite expor logo então,

Leva a acordos as sentenças,

Fortalece a relação.

 

Não discutir não é, pois,

O que torna o lar feliz,

Mas discutir bem. Depois

Pouco importa o que alguém diz.

 

 

8 – Invés

 

O invés da privacidade,

Não é invasão, é abertura:

O privado, de verdade,

É aquilo que me inaugura.

 

É o que partilhar permite

Esperanças, fantasias,

Sonhos, medos, um palpite,

Nos faz sentir alegrias

 

Porque podemos expor

Equívocos e defeitos

E continuar, sem temor,

Ao amor a ser atreitos.

 

A privacidade é espaço

Entre nós e os mais queridos

Onde sei de qualquer laço

E não há quaisquer arguidos.

 

 

9 – Medo

 

Quero o coração em paz,

Com alguém com quem viver

Sem ter medo de o perder

Um dia após, se lhe apraz.

 

O tempo então devagar

Em silêncio ficaria:

Resta para conversar

Toda a vida, dia a dia.

 

 

10 – Pobres

 

Dois pobres enamorados:

Só o relógio é o que ele tem,

Ela, uns cabelos doirados

E ambos o amor que convém.

 

Querem trocar um presente.

Ele o seu relógio vende

E de pedras compra um pente

Que aos cabelos dela rende.

 

Ela vende a cabeleira,

Do dinheiro uma corrente

Compra para ser parceira

Do relógio, no amor crente.

 

E, na festa de noivado

Ao relógio já vendido

Ela a corrente há ofertado,

Ele, o pente oferecido

Ao cabelo já cortado.

 

Assim é o amor da gente:

Em contrapé da corrente.

 

Mas, por isso, que ternura:

É uma ingenuidade pura!

 

 

11 – Perfeito

 

Não é o amor encontrar

Uma pessoa perfeita.

É o perfeito retratar

Na imperfeita que o tocar

E torná-la então a eleita.

 

O amor é a combinação

Duma atracção instintiva

Com a decidida opção

De lhe dar ocasião

A que de vez então viva.

 

E no correr deste leito

É o rio sempre imperfeito.

 

 

12 – Artes

 

Provam as artes que mais

Somos do que os animais.

 

O amor, porém, é que prova

E as artes são a palavra

Com que o amor tudo inova

À medida que nos lavra.

 

Que o amor é o outro lado

A ser quase desvelado.

 

 

13 – Através

 

Através de ti sabia

Admirar o mundo inteiro.

Hoje, sem ti, parecia

Que o que vejo, a que me abeiro,

Nem sequer existiria:

Sem ti é que eu encegueiro

E tudo perde a magia,

Esvaziado e leveiro,

Véu de seda que se esfia,

E nu fico ao nevoeiro.

 

 

14 – Espaço

 

Nunca sabemos ao certo

Qual o espaço que ocupamos

Na vida dos outros: perto

Ou longe, o que ali meçamos

Deixa o mistério encoberto.

Contudo, da névoa emerge

O afecto que cultivemos

E o melhor laço converge

De, ante os muros que nós vemos,

Desejarmos preservar

A relação que aflorar.

Não uma emoção que manda,

Volátil e caprichosa,

Mas vontade que a comanda,

Fiel e sempre operosa.

 

 

15 – Talentos

 

A mulher casa também

Com talentos do marido.

Não se impressiona, porém,

Mais tarde com tal tecido,

Mas sempre há-de fazer crer

Que aquilo que pretender

Não é mais que ir no sentido

Do que lhe é dali devido.

 

 

16 – Blandícias

 

Blandícias de amor carnal

Mais poder no solitário

Têm do que no normal

Que se atar comunitário.

 

A mais rude tentação

Do encontro duma mulher

Não vem: a imaginação

Duma ausente ela requer.

 

O delicioso atractivo

De longe se exerce mais

Do que de perto ou ao vivo,

Na magia dos sinais.

 

 

17 – Indivíduo

 

O indivíduo é um capital

Que permanente requer,

De tão reduzido ser,

Ser restaurado, afinal,

Mediante a relação

Com outrem, de mão na mão.

 

Fora disto é o desperdício

Dum mero inútil resquício.

 

 

18 – Portas

 

Não é isto o casamento,

Duas portas em dois mundos,

Ida e vinda nos fecundos

Caminhos do entrosamento?

 

De tal modo que fechados

Nunca mais enlouqueçamos

Nos trilhos dos mesmos tramos,

Sala de espelhos blindados.

 

É por isto que sentimos

A precisão de casar:

A abrir-nos outro lugar

Um outro além pressentimos.

 

 

19 – Queixar-me

 

Queixar-me da solidão?

Só lograrei que me escutem

Quando enfim meu coração

Línguas falar que percutem

O íntimo da multidão

E então o amor executem

Semeando todo o chão.

 

 

20 – Triste

 

Que triste viver no meio

Duma família, dum lar,

A conversar, conversar,

Sem ninguém ver o entremeio!

 

A frase atirada ao ar

Tal bola jogada à toa.

Tudo bem, foi bola boa,

Então, se alguém a apanhar;

 

Se não, vai cair ao chão

E atira-se outra em lugar.

Fale-se o que se falar

Parece haver no desvão

 

Entre eles dupla vidraça:

- Ninguém vê o outro que passa.

 

 

21 – Aprender

 

A nova oportunidade

De aprender a ser deveras

É aceitar como, em verdade,

Pode alguém doutras esferas

Provir e ser diferente

Quando eu amo, impenitente.

 

 

Como pensar e sentir

Pode de forma diversa

Da minha quem vejo vir

Com gosto que nunca versa

O que prefiro em meu dia

E auras novas principia.

 

Diz o que eu nunca direi

E não vê nunca o que vejo…

Único é quem amo: a lei

É que é doutro mundo o ensejo,

Não uma cópia de mim,

Ao decalque porá fim.

 

 

22 – Procures

 

Amigos sem ter defeitos

Não os procures jamais,

Que a vida então, pelos jeitos,

Perdes sem amigos tais.

 

E defeitos não procures

Nos amigos, de caminho,

Que, a pouco e pouco, o que augures

É que acabarás sozinho.

 

 

23 – Quando

 

Quando um diz: “agora não!”

Quando o outro demonstra afecto,

Casados não ficarão

Partilhando comum tecto.

 

Se estiveres ocupado,

Aos pedidos de atenção

Responde: “ando atrapalhado,

Mas diz qual a pretensão.”

 

Disputas que principiam

Por “és sempre” e  por “tu nunca”

Um ao outro desafiam,

Logo o lar é uma espelunca.

 

Em vez da crítica vaga,

Explica o que te irritou.

Se o alvo és tu desta adaga,

Pára a escalada que alçou.

 

Levar os olhos aos céus

Quando o parceiro conversa,

Negativos escarcéus

Cumula em tudo o que versa.

 

O teu gesto negativo

Com positivos emenda:

Afaga e sorri mui vivo…

Talvez teu lar não se ofenda.

 

 

24 – Corações

 

Em toda a comunidade

Há trabalhos por fazer,

Como toda a nação há-de

Por curar feridas ter.

 

Ao lado destes senões

Anda o remédio singelo:

Em todos os corações

Há poder para fazê-lo.

 

 

25 – Ciúme

 

Amor sem ciúme algum

Não é nunca amor nenhum.

 

Ciúme quem não sentir

Não ama, anda-se a mentir.

 

Mas o ciúme também

Falta de estima por quem

 

Se amar sempre significa:

Quem no outro não crer, explica

 

Nisto que não tem amor:

- Outrem usa em seu favor.

 

- Entre os pratos da balança

Quem o equilíbrio alcança?

 

 

26 – Mostra

 

Qualquer mostra de paixão,

O que é tão delicioso,

Tão voluptuoso, tão

Mais sublime, tão mais belo

Que quanto no mundo gozo,

Quando é de mim que, singelo,

 

Se trata, logo se muda

Numa infâmia intolerável,

Monstruosa dor aguda,

Se é com outrem que amorável

Se porta quem eu amar:

- Que braseiro a me queimar!

 

O amor nos contrasta, atroz,

Liso à frente e atrás com nós.

 

 

27 – Muro

 

O muro entre um coração

E outro coração humano

É intransponível travão:

- Em nosso imo a solidão

É de fundo o eterno pano.

 

 

28 – Arde

 

O amor arde onde o não vês:

Pensa num antigo amor

Por semana alguma vez

Um sujeito em cada três,

Com quem nem é de supor.

 

Terra fértil do quintal,

De lado a aguardar sinal,

 

É o braseiro em torno à chama

Tal amor que não se inflama.

 

 

29 – Reverso

 

Do pobre ignaro altivez

Ante dum filho a instrução

Do reverso esconde a tez

Que é do filho a deserção.

 

É o pior custo que sobre

À luta de quem é pobre.

 

E nunca a escola aboliu

A traição que ali se viu.

 

 

30 – Importa

 

Que é que faz que alguém nos ame?

Sei lá bem! Seja o que for

É o que importa, é o que se aclame,

Nada ante isto tem valor.

 

E, se aquilo não existe,

Ninguém o pode criar,

Nem quando a bondade insiste

Com a heroicidade a par.

 

E, quando o amor nos não calha,

Não há nada que nos valha,

 

Então só milagre ou graça...

- Nada mais no-lo congraça.

 

 

31 – Diariamente

 

De meu amor pela fada

Diariamente empreendo

Qualquer manifestação:

De fadiga a caminhada,

Reter um termo pudendo,

Entoar certa canção,

- Tudo apenas para honrar

A fada de meu sonhar.

 

Escalo o pico escabroso

Do lado mais ardoroso,

No lago ao barco dou voltas

Enormes, de esteiras soltas,

Contudo, num tempo curto

Para em breve ficar surto.

 

Volto mesmo esfomeado

E até à noite me fico

Sem alimento tomado

- Por ela, a quem o dedico.

 

Levo seu nome e louvor

Até aos cumes distantes,

Desfiladeiros de amor

Jamais visitados dantes.

 

E, se em mim tudo renovo,

O amor mesmo é o mundo novo.

 

 

32 – Espanto

 

Tal o espanto enternecido

Duma pedra a que a raiz

Se apega em jeito torcido

E que a vê ganhar matiz

 

Na primeira Primavera,

Meditando lá consigo:

Fui eu, na aspereza fera,

Na secura a que me obrigo,

 

Eu, calhau, que no meu ventre

A gerei bela na vida,

- Tal eu sou quando em mim entre

E amor dou a quem me olvida.

 

 

33 – Lutar

 

Contra o ódio e o desprezo

Como contra a zombaria

De lutar ainda me prezo,

De lutar com alegria.

 

Contra a esperança, porém,

E a certeza inabalável

De quem me preza e quer bem

De vez fico vulnerável.

 

A quem em mim acredita

Não lhe posso destruir

A ilusão com que me fita:

É que a mim é me atingir.

 

Pois destruir a ilusão

Dos que nos amam é sorte

Que nos derruba no chão,

É bem pior do que a morte.

 

 

34 – Húmus

 

É o amor algo que morre

E que, ao morrer, apodrece

E húmus forma que socorre

O amor novo que aparece.

 

O amor defunto a viver

Continua uma secreta

Vida no novo que houver

De aflorar, planta discreta.

 

Desta forma bem real

É que o amor é imortal.

 

 

35 – Filho

 

Ao filho o suficiente

Para poder actuar

Qualquer plano, ao ir em frente,

Será sempre de lhe dar.

 

Mas será de lhe negar

O suficiente à mão,

Quando quiser, em lugar,

Nada agir, vivendo em vão.

 

 

36 – Olhos

 

Os olhos de quem nos ama

Nesta nossa escuridão

Vêem o que em nós se acama,

Entesouram-nos, seu pão.

 

Deles somos a riqueza.

Nosso mau pendor seria

A derrota que tem presa

A manhã que se anuncia.

 

 

37 – Namorados

 

No dia dos namorados

Tudo se compra e se vende,

Mas ninguém compra cuidados

E ao amor quem é que entende?

 

Duas canecas de amor

Com os bojos encaixados

Buscando encaixe melhor?

É o dia dos namorados.

 

Ou então é um chocolate

Com licor que aos mais prendados

Se liquefaz, se dilate

Em dia de namorados.

 

Se a camisola te entrego

Dum abraço em corpo inteiro,

Dois num é o voto que lego,

De mês a mês mais certeiro.

 

Um amor disto não pende,

Muito menos a ternura.

E o que não vende quem vende

É o amor que em nós se apura.

 

 

O que importa, pois, mulher,

É fazer, para além disto,

O que nos apetecer

- E a isto é que eu não resisto!

 

 

38 – Através

 

É através das divergências

Que acabamos por crescer.

Quando marido e mulher

Criam lugar às tendências,

 

À ideia de cada qual,

Vai ser então que as crianças

Apreendem o sinal:

- Apanham tudo o que alcanças.

 

E nunca mais terão medo

De criar o próprio credo.

 

 

39 – Sozinho

 

Sozinho fica quem ama,

Tal qual como quando morre.

Quem do transe vive a trama

Que lhe importa o mais que ocorre?

 

E outrem que o pese, que exorta,

Esmaga o nariz na porta.

 

 

40 -  Alma

 

Alma que outra reconhece

Cumpre uma missão divina,

A de encontrar um irmão,

Uma luz que não fenece.

 

Atar-se-á, no que destina,

No lapso da inspiração,

Ao toque da eternidade:

- Ao berço da humanidade.

 

 

41 – Reconheçam

 

Reconheçam vossas almas,

Saibam deveras quem são,

Sintam as afinidades,

O gosto de bater palmas,

Primeiro aos que estão à mão,

Depois às antiguidades.

 

As amizades antigas,

“Reconheço-o de algum lado”,

Crê que nelas interligas

O presente com passado:

- Nelas fazes de verdade

Pontes com a eternidade.

 

 

42 – Deixes

 

Não deixes ninguém largar

Tudo por ti, nunca largues

Nada por alguém. Alargues

Embora a todo o lugar

 

Tuas vistas, não há nada

Nem ninguém que por fim valha

Nossa vida e na jornada

A escolha do que nos calha.

 

Todo o verdadeiro amor

Terá de ser doce, lento,

O encantamento propor.

E quando arrebatamento,

 

Violência, velocidade,

Tomam conta do caminho,

Anormal realidade

Criam de que me avizinho,

 

Que irá, mais cedo ou mais tarde,

Causar crispação, soltar

Mil fagulhas, com alarde,

Fatídica alguém magoar.

 

O amor é calmo, sereno,

A paixão é arrebatada.

Para não ferir em pleno

Pessoa que for amada,

 

Pacifica o coração,

Repara se quanto queres

Não é mesmo uma ilusão,

Um sonho de malmequeres,

 

Sério confere a verdade.

Dá tempo ao tempo depois,

Que lento o tempo te grade,

Aliado que é de vós dois.

 

 

43 – Amar

 

Que é que terei de fazer?

Amar sempre tudo e todos

Mais o invisível que houver,

Nos vários níveis e modos.

 

Pelo amor atinjo o céu,

Perpetuo o céu na terra,

Apoio outrem que sofreu,

Curei-o do mal que o ferra.

 

Através do amor elevo

O espírito nas alturas,

O amor atrai o que cevo,

Novos mundos nele apuras

 

De a humanidade habitar.

Disseca fragilidades,

Oprimidos que topar

Fortalece em liberdades,

 

O amor salta qualquer muro.

O amor nos escolhe, imbele,

Tão forte quão inseguro,

Se o escolhermos a ele.

 

 

44 – Mágico

 

Encontro mágico, o amor

Ocorre só quando estamos

A guiar-nos ao calor

Do trilho de nossos ramos.

 

Um homem no seu caminho

Vive muito, muito vive

E vive bem, no cantinho

Onde tal segredo arquive.

 

 

45 – Descobrir

 

Descobrir teu próprio fito

No fito doutra pessoa

É o milagre que, bendito,

A sina má torna boa.

 

E tudo transforma, tudo.

Ressentimento e pressão

Nos elimina a miúdo,

Trocando-as na sensação

 

De alegria, ao operar

O que andamos operando.

É um outro modo de amar,

Amor deveras amando.

 

 

46 – Incondicional

 

Sentir a abundância dentro

É sentir um infinito,

Infinito Amor onde entro,

Incondicional que fito.

 

E aprender a ir acima

Apanhar tal demasia,

Espalhá-lo em todo o clima.

E eis que a vida principia,

 

Desata toda a mexer,

A mudar como devia.

Quem restrição não tiver

Dentro em si, tal como o dia

 

Apagou a negridão,

Ilumina inteiro o chão.

 

 

47 – Pais

 

Se teus pais te não deixarem,

Nada aprendes sobre a vida.

Mas repara que a tentarem

Andarão que desmedida

 

Não seja a trilha que tenhas

De transpor para aprender.

O intuito é bom, mas desdenhas.

Se cuidado não houver,

 

Rodeiam-te restrições,

Orientações e normas,

Regras e limitações

Com que mal tu te conformas

 

E que ao fim te não permitem

Defrontar quaisquer escolhas

Que importam, que vida emitem,

Nem que os efeitos recolhas.

Convém então que em conjunto

Deliberem deste assunto,

 

Pais e filhos, as mãos dando,

Enquanto vão seroando.

 

 

48 – Mede

 

Não se mede o amor

Entre dois amantes

Pelo enganador

Número de vezes

Que eles, mui galantes,

Se tocam, corteses,

Antes no-lo afiançam

Mas é quantas vezes

Um ao outro alcançam

No mundo interior,

Onde os fogos dançam

Do que for o amor.

 

 

49 – És

 

O ser que és tu é de Amor,

Tu és o que o Amor é.

Por isso, ao sê-lo, o calor

De ser feliz toma pé.

Se não te permitem sê-lo

Ou se tu to não permites,

Do calcanhar ao cabelo

Te entristecem os limites.

 

É o Amor outra palavra

Para Deus dum novo modo.

Quem tu és, na tua lavra,

É tal Deus real e todo.

 

És sempre teofania,

Expressão da divindade,

Vivenciando em cada dia

Tua própria identidade.

 

 

50 – Gosto

 

O amor é incondicional.

Menos, não seria amor,

Mas gosto individual.

O amor é unificador,

 

Interesse unificado.

É uma experiência do Eu

Quando os outros, doutro lado,

Vê como bocado seu.

 

Quando são parte de ti

Todos os mais, à cabeça,

Então como Amor te vi,

És mesmo Unidade expressa.

 

 

51 – Provas

 

Tu, quando os outros amares

Só por causa de quem fores,

Provas nada procurares

Que deles venha, os valores

De teu amor não fundares

Naquilo que alguém puder

Deles acaso colher.

 

É que para ser feliz

Ninguém doutrem receber

Precisará de raiz,

Mesmo se o não entender.

 

 

52 – Doutrem

 

O que doutrem tu quiseres

Dá-lhe antes de o receberes.

 

E o que quiseres viver,

Qualquer conjuntura boa,

Dá-o a viver a qualquer,

A qualquer outra pessoa.

 

É o modo mais eficaz

De o poder de criação

Usar de forma capaz

E de haver retribuição.

 

 

53 – Farás

 

Aos outros farás aquilo

Que a ti queres que fizessem.

É da razão teu sigilo,

Mesmo quando outros o esquecem.

 

Porém, o que a outrem fazes

É o que será feito a ti,

Tarde ou cedo, feitas pazes

Cada qual consigo, em si.

 

Sem castigo ou recompensa,

Tudo opera com retorno:

O que à vida jogo, adensa,

Volta à partida que adorno.

 

 

54 – Caias

 

Jamais caias na armadilha

De tratar bem a pessoa

Só por ir encher a bilha

Dela na nascente boa,

 

Para que te trate bem,

Que, se não tomas cuidado,

Manipulação também

É o que vem do passo dado.

 

Os outros tratarás bem,

Porque assim tal qual é que és

E que escolhes ser também,

Uno da cabeça aos pés.

 

Sem mais nenhum outro fito,

Amigo apenas, gratuito.

 

 

55 – Sofrimento

 

A dor mais o sofrimento

A mesma coisa não são.

A dor é o físico evento

De emocional percussão.

 

O sofrimento te enrista

E te põe defronte à tela:

Será teu ponto de vista

Relativamente a ela.

 

Podes ter dor sem sofrer,

Tu é que o tens de escolher.

 

Há muito quem sinta dor

Sem sentir o sofrimento:

Ao dar à luz se propor,

Se alegra a mãe do momento.

 

Com prazer, com alegria,

Acaba sentindo a dor.

O sofrimento esvazia,

Vencido ali pelo amor.

 

 

56 – Dera

 

Quem nos dera perceber

Que Deus e nós somos Um,

Que um somos com tudo e todos,

Que eterna é a Vida no Ser,

Sem princípio ou fim algum!

Mudariam logo os bodos

Do percurso da existência

E mesmo transformariam,

De vez e desde bem fundo,

Toda a nossa experiência

 

- E um novo rosto dariam

Ao velho rosto do mundo.

 

 

57 – Lutas

 

Zangas, lutas e matanças,

Uma impotência de amar

Abertamente, que cansas

Mui breve de partilhar,

 

Só por teimar em mudar

As conjunturas da vida

Em vez de as crenças trocar

Que as geram, lhes dão guarida.

 

Se trocas esta matriz,

Muda a outra de cariz.

 

É viável ter a paz:

- Muda a agulha que é eficaz!

 

 

58 – Simples

 

Simples e comum

É a pedra primeira:

- Todos somos um.

E é guia cimeira.

 

Pela raça humana

Verdade ignorada,

Disto é que lhe emana

Vida desgraçada.

 

De separação

A mentalidade

Toda a criação

Sustenta, em verdade:

 

As religiões,

Políticas metas,

As instituições,

Da moeda espoletas,

 

Mesmo a educação,

- Da vida a abordagem

Tem sempre o bordão

Da falsa focagem

 

Da separação.

A ideia de sermos

Em desunião

Faz todos sofrermos.

 

Este sofrimento

Mais sofrer fará:

Dividindo, aumento

Quanta dor há cá.

 

 

59 – Justo

 

Pode um deus justo exigir

Infindável sofrimento,

Angústia e padecimento,

Sacrifício sem porvir

Ou qualquer tipo de dor,

Seja embora por amor?

 

Deus não faz isto jamais,

Pede-vos só que se incluam

No grupo dos que amam mais,

Sem que os demais dele excluam.

 

E um pouco mais longe vai:

Recomenda colocar

Cada qual que à rua sai

A si em primo lugar,

Para a tempo poder ver

De tudo o trilho a correr.

 

 

60 – Extirpais

 

O amor é contrafacção

Mas jamais lhe chamais isto,

Fazeis dele transacção

E nunca extirpais o quisto.

 

Não dizem “toco-lhe muito”,

“Amo-te muito” antes dizem.

O engano faz que gratuito

Desapontamento gizem.

 

Depois, então, no vazio,

Em vez de calor, há frio.

 

 

61 – Sexo

 

Queres sexo sem amor?

Vai em frente até deixar

De o querer com tal furor.

A razão para acabar

 

Com isso efectivamente

Ou com qualquer outra escolha

É sempre o teu emergente

Pensamento que recolha

 

A imagem de quem tu és,

Por fim, da cabeça aos pés.

 

 

62 – Todos

 

Mestres são os que escolheram

Apenas o amor nos casos

Todos, todos os momentos,

Em todas as conjunturas.

Ao serem mortos, morreram

Amando o assassino. Acasos

De perseguidos, tormentos,

Por tiranos preces puras

Geraram sempre seguras.

 

Tens muita dificuldade

Em entender algo disto,

Quanto mais em o emular.

Dos mestres identidade,

Foi como operaram: visto

Em todo o tempo e lugar,

Pouco importa a religião,

O saber ou tradição,

Todos nisto conjugaram

Os trilhos que os pés rasgaram.

 

 

63 – Total

 

Um amor não é uma ausência

Duma emoção de ódio, raiva,

Mas a soma de excelência

De todo o sentir que eu saiba,

É o total então obtido,

O Tudo, em todo o sentido.

 

 

64 – Imo

 

O que teu imo procura

É o mais alto sentimento

De amor que imaginar possas.

É o maior desejo de alma,

Dela o fito e a figura,

Pois sentir é dela o intento.

Do conhecimento as bossas

Ela já tem, todavia

É apenas conceptual.

Mas o sentimento, não,

Tem sempre nele, ao invés,

Experiencial magia:

Alma quer sentir-se tal,

Conhecer-se neste chão

De experiência de seus pés.

 

E o sentimento sublime

A vivência da unidade

É com tudo aquilo que é.

Grande horizonte que exprime

Quanto buscar tal verdade

Qualquer alma, em boa fé:

 

O sentimento a que atreito

Sempre sou do amor perfeito.

 

 

65 – Afecto

 

Teu imo sempre procura

Teu afecto mais sublime,

Experienciar na secura

Todo o amor que em tudo imprime.

 

Alma é sempre o amor perfeito

E sabe-o, sabe-o bem fundo.

Mas deseja mais a peito

Tornar o saber fecundo:

 

Quer sê-lo numa experiência.

Claro que buscas ser Deus:

Que julgavas, de evidência,

Serem objectivos teus?

 

 

66 – Difícil

 

Crês difícil o caminho

De Cristo, Buda ou Maomé,

Mais difícil é o cadinho

De alguém recusar o que é.

 

Bem mais fácil é aceitá-lo:

És bondade, compreensão,

Misericórdia e regalo,

És piedade, paz, perdão,

 

Alegria e luz, paciência,

Força e coragem serena.

Pronto a ajudar na premência,

A consolar se gangrena

 

O tempo de mágoa e dor,

A curar horas de chagas,

Ensinar se a luz se for.

Sabedoria nas plagas

 

Do oceano do Infinito,

És verdade, a mais sublime,

A paz suprema que agito,

O amor grande a que me arrime.

 

És tudo isto e muito mais.

Momentos houve nos dias

Em que lhes viste os sinais,

Agora fá-los teus guias.

 

 

67 – Âmago

 

Bem no âmago de teu eu

És a faúlha divina

A que chamamos amor,

Verdade de ti sem véu.

 

Uma coisa é ser amor,

Outra muito diferente

É o amor em algo pôr

Que se crie à nossa frente.

 

Qualquer alma quer criar

Algo por si mesma, a ver

Se se pode vislumbrar

Na vivência que tiver.

 

Então tenta realizar

O mais sublime ideal

Que dela logre alcançar

Através do acto final.

 

Tal ânsia de assim agir

É o que chamamos paixão.

Mata a paixão e a seguir

Vês que Deus mataste em vão.

 

A paixão é Deus querendo,

Deus querendo saudar-te.

Mas repara que, em fazendo

Deus as obras de tal arte,

 

Deus-em-ti se realiza,

Não precisa de mais nada.

Já o homem sente e precisa

Dum retorno da jornada.

 

Se vamos amar alguém,

Isso é bom, mas o melhor

É recebermos também

Nós em troca algum amor.

 

Isto já não é paixão,

É apenas expectativa.

É a fonte do borbotão

De infelicidade esquiva

 

Dos homens, de ti, dos teus…

- E é o que os separa de Deus.

 

 

68 – Função

 

Perante os teus dependentes

A tua função vai ser

Torná-los independentes,

Ensinar todo e qualquer,

 

O mais rápido possível,

A se desenvencilhar

Em todo o terreno e nível

Sem de ti mais precisar.

 

Não serás bênção nenhuma

Enquanto eles precisarem

Para sobreviver duma

Mãozinha que te impetrarem.

Sê-lo-ás deveras apenas

Quando enfim se aperceberem

De inúteis serem, pequenas,

As ajudas que acolherem.

 

Para Deus o mais sublime

Será quando tu e os teus

Virem o que tudo encime:

- Ninguém precisa de Deus!

 

 

69 – Maior

 

Todo o vosso maior sonho,

Vosso mais alto ideal,

Esperança mais preciosa,

É doutrem sempre o medronho,

É dum alheio quintal

Que mata a fome gostosa:

É sempre relacionado

Ao vosso outro adorado,

 

Nunca ao adorado Eu

Que aqui nada tem de seu.

 

O teu teste à relação

Tem sempre a ver com a forma

Como o outro corresponde

Aos teus ideais ou não

E como te viste, em norma,

Aos dele, que te responde,

A corresponder também,

Quando o teste que convém

 

É veres bem, ante os céus,

Se correspondes aos teus.

 

 

70 – Única

 

As relações são sagradas,

Proporcionam a maior

Da vida oportunidade,

Dela a única, aliás,

Ao criarem as estradas,

Ao abrirem o pendor

De exprimir a identidade

Mais alta que tu terás

De teu eu alto e profundo

A semear-se no mundo.

 

Fracassam as relações

Quando as encarares como

Tua ocasião melhor

Das conceptualizações

Mais elevadas, de tomo,

Doutrem, seja lá quem for,

De ti te esquecendo então

Perdido na escuridão.

 

 

71 – Deixarás

 

Deixarás que cada qual

Numa relação envolto

Se preocupe com o Eu:

O que está sendo, afinal,

Que anda a fazer, desenvolto,

O que está tendo de seu,

Que será que vai querer,

Que é que anda a pedir e a dar,

Que procura apreender,

Que é que pretende criar…

 

E as relações cumprirão

De forma magnificente

O fim que elas visarão

E o de todo o interveniente.

 

Cada qual, na relação

Doutrem não se ocupe então,

 

Que não é terreno seu,

Preocupe-se com o Eu.

 

 

72 – Mestria

 

A mestria é de saber

Que não nos importa nada

O que outrem esteja a ser,

A fazer, ter ou dizer,

Ou exigir de soldada,

Não importa o que pensar,

Esperar ou planear…

 

Apenas importa aquilo

Que tu estejas a ser

Em relação ao asilo

Que tal propõe a quenquer.

O mais amoroso agente

Egocêntrico se sente:

 

Se amar-te a ti não consegues,

Não consegues a quenquer.

E noutrem nunca delegues

De te amar o teu querer.

 

Procurar o amor por si

Do amor doutrem através

Troca a bússola que ali

O norte indica ao invés.

 

“Se amar os outros consigo,

Então eles amar-me-ão,

Digno sou de ser amigo,

Amar-me a mim logro então”

-  Eis o pensar do perigo,

Mata em ovo a solução.

 

Ao invés há muitos, muitos

Que a si próprios se detestam,

Pois julgam que os mais, gratuitos,

Os não amam e os infestam.

 

É uma doença: a verdade

É que os amam os demais,

Mas que importa a realidade?

Por mais que jurem os tais

Amor terem, mesmo ardente,

Nunca vai ser suficiente:

 

- Aquele que se não ama

Já perdeu lugar e chama.

 

 

73 – Campanha

 

Há os que tentam descobrir

Por que é que alguém gosta deles,

Não crêem, vão prosseguir

Em campanha para aqueles

 

Que os amam irem prová-lo:

Para tal irão pedir

Que mudem, em seu regalo,

Atitudes a seguir.

 

Se algo os leva a acreditar

Que os ama de facto alguém,

Logo os leva a preocupar

Conservar o amor que tem.

 

Então, a manter o amor,

Vão alterar as sequelas

Dos jeitos de quanto for

O comportamento delas.

 

O resultado são dois

Perdendo-se finalmente

Numa relação depois.

Nela entraram tendo em mente

 

A si se encontrarem fundo

E perdem-se em lugar disto.

Esta perda de eu fecundo

Numa relação que é um quisto

 

É o que causa a dor a mais

E a amargura nos casais.

 

 

74 – Controlo

 

Quando a vida for vivida

Como um controlo de riscos,

Lucros de optimização,

A vantagem prometida

Sai lograda, de olhos piscos,

E acaba dentro em prisão.

Perde-se a oportunidade,

Não se aproveita o momento.

Vivida desta maneira,

Toda o vida o medo invade,

Fica errado o pensamento

Que de ti dá, te emparceira.

 

Tu não és medo, és amor

Que não requer protecção,

Que não pode ser perdido.

Seguro de tal fulgor,

Para quê tal prevenção,

Tanta busca sem sentido?

 

 

75 – Crítico

 

No mais crítico momento

Duma relação humana

Só uma questão toma assento:

- Que faria o amor que irmana?

 

Mais nenhuma é relevante

Para qualquer alma atenta,

Nem significa bastante,

Importa ou a representa.

 

É só no senso do amor

Que ela talha seu teor.

 

 

76 – Vítima

 

Quando és vítima de abuso,

Se procuras o melhor,

Na situação, em teu uso,

O mínimo a contrapor,

Antes que aumente no dobro,

Será de vez pôr-lhe cobro.

 

É bom tanto para ti

Como para o abusador,

Que abusador que sofri,

Vítima e vitimador,

Sofre abuso se o deixar

Continuar a abusar.

 

Ao abusador não faz

Isto bem, vai fazer mal,

Porque se ele se compraz

Vendo que um abuso tal

Tolerado é, que lição

Aprendeu na ocasião?

 

Porém, se ele o abuso vir

Que não é mais tolerado,

Permitido descobrir

Que lhe vai ser neste estado?

- De amor os outros cobrir

Não é tudo permitir.

Os pais podem descobrir

Isto cedo com os filhos.

O adulto é lento a atingir

Com o adulto tais nodilhos.

E uns com outros os países

Quando aprendem tais matrizes?

 

Déspotas deixar levar

A melhor nunca podemos,

É obrigá-los a acabar

Com despotismos que vemos.

O amor do tirano e o meu

Isto exigem ter de céu.

 

 

77 – Obriga

 

Não te obriga a relação,

Dá-te uma oportunidade.

Esta, não a obrigação,

É da religiosidade

A pedra angular à mão,

Chão da espiritualidade.

 

Enquanto vês ao contrário

Nunca entendes o sumário.

 

 

78 – Relacionamento

 

Falas como se manter

Um relacionamento era

Um êxito de quenquer.

Não confundas, na quimera,

Longevidade visada

Com competência acabada.

 

No mundo a tua função

Não é ver que tempo podes

Manter uma relação

Mas definir, quando acodes,

Quem é que és tu realmente

E experienciá-lo, vivente.

 

Não é justificação

Para relacionamentos

Que têm curta duração,

Mas não há regulamentos,

Nem os quesitos que doiras

Para as que são duradoiras.

 

Duradoiras relações

Representam, todavia,

Óptimas ocasiões

De mútuo crescer, magia

De expressão mútua trocar,

Mutuamente realizar.

 

O que, já por si bastante,

É mesmo gratificante.

 

 

79 – Gentes

 

Das gentes a maioria

Entrará nas relações

Por razões de fantasia,

Erradas motivações.

 

Para findar solidão

Ou preencher um vazio,

Em busca do amor-paixão,

Para amar alguém que alio…

 

Ou para lisonjear

Um ego piramidal,

Com depressões acabar,

Ter melhor vida sexual,

 

Ou para recuperar

De relação anterior,

Até para se livrar

Do tédio preguiçador…

 

Nenhum daqueles motivos

Resultará nunca em nada,

Só se os caminhos esquivos

Derem outra volta à estrada.

 

E também tal relação

Não resulta nunca, não.

 

 

80 – Verifica

 

Tu e tua companheira

Verifica se de acordo

Estão no lavrar da jeira,

Objectivo de ir a bordo.

 

Se conscientes concordarem

Que a meta da relação

É uma ocasião criarem

E não uma obrigação,

 

Ocasião de crescimento,

De plena auto-expressão,

De ter vidas em aumento

No mais alto diapasão,

 

Ocasião para sarar

Qualquer pensamento falso,

Ideia menor a par,

Que vos tenha ido no encalço,

 

Sobre vós e sobre o encontro

Com Deus pela comunhão

De almas, neste reencontro

De dois num só coração,

 

Se fizerdes estes votos

E já não os do costume,

Os augúrios não são botos,

São bons e sem azedume.

 

Arrancais com pé direito,

É partida de excelência.

Porém, de êxito a respeito,

Nada garante a evidência.

 

Na vida ter garantia

Se queres, então não queres

A vida que é fugidia,

Mas o ensaio tu preferes

 

Dum guião dantes escrito.

A vida, por natureza,

Nada a garante, ou o fito

Dela que nela se preza

 

Sairia então frustrado

E vós, por igual, dela ao lado.

 

 

81 – Manter

 

Manter uma relação

Nos tempos duros, nas crises…

Não fujas ao furacão,

Encara-o com gratidão

Por que no gelo deslizes.

 

São a dádiva divina,

Gloriosa oportunidade

De fazer o que te inclina

A fazer a tua sina,

Na vida o que persuade.

 

Faz o que te propuseste

Mais o esforço por não ver

Noutrem o inimigo agreste,

O adversário que não preste,

Que terias de abater.

 

Procura não ver ninguém

Nem nada como inimigo,

Nem o problema também.

Domina a técnica bem

De os encarar como abrigo:

 

Aquela oportunidade

De definir em verdade

 

Quem és tu, de ti no fundo,

Quem queres ser neste mundo.

 

 

82 – Esteja

 

Nunca prejudicarão

Ninguém nem a relação

Ao verem num outro mais

Do que ele esteja a mostrar,

Porque há mais a decifrar,

Bem mais por trás dos sinais.

 

Apenas o medo impede

De vo-lo mostrarem eles.

Se virem que vês na sede

Mais que a parede das peles,

 

Sentir-se-ão confiantes,

Abrem-te a porta uns instantes,

 

E mostram-te, ao te acolher,

Claro o que já estás a ver.

 

 

83 – Brinca

 

Sempre o sexo é permitido:

Se Deus te quisera quedo,

Não to dava divertido,

Não te daria o brinquedo.

 

Será que os dás a teus filhos

Quando que brinquem não queres?

Brinca ao sexo, os teus atilhos,

Se divertir-te preferes,

 

São os do maravilhoso

Divertimento que auferes.

É o mais divertido gozo

Que no teu corpo conferes.

 

Não destruas a inocência

Nem o sexual prazer,

Pureza da complacência,

A alegria que tiver,

 

Dando ao sexo um uso mau.

Não o uses para alcançar

Poder (larga o varapau)

Nem num oculto visar,

 

A satisfazer teu ego,

Nem para alguém dominar,

Por nenhum outro aconchego

Que não seja partilhar

 

Da mais feliz alegria

E do êxtase mais sublime

Dado e trocado algum dia

Num amor que vos encime,

 

Amor, amor, recriado

Até numa nova vida.

É um delicioso fado

A engrandecer quem convida.

 

Nunca nada de sagrado

Se atingiu na negação,

Mas o desejo é mudado

À medida que se vão

 

Descortinando verdades

Mais sublimes de ano em ano.

Então, correndo as idades,

Muitos baixam, lento, o pano

 

Da actividade sexual,

Bem como doutra qualquer

Intervenção corporal,

Porque outras, a aparecer,

 

Devêm prioritárias,

Mudam tudo o que era dantes,

E agora, em lides diárias,

São muito mais deleitantes.

 

 

84 – Busca

 

Seja onde for que encontremos

O amor incondicional

De que em busca ao mundo viemos

É num espaço sacral:

 

É o santuário donde graça,

Revelação são colhidas,

De cotio travestidas

De amor que tudo congraça

 

E compreensão profunda.

- E eis o que a raiz me inunda.

 

 

85 – Seguro

 

Quando é seguro e outrem há

Que a se preocupar acorre

Com o que outrora haverá

Ocorrido e agora ocorre

 

Com nosso afecto a sentir,

Sentimentos reprimidos

Podem então emergir

E os eventos já sofridos

 

E que traumáticos foram

Serão, enfim, recordados.

Mas como os membros demoram

A não ser adormentados!

 

 

86 – Esforço

 

Sobre outrem ter o poder

É um esforço a compensar,

Retaliar pelos maus tratos,

Rejeição e humilhação.

É uma parte de quenquer

Para se identificar

Com o agressor e seus actos,

Justiça de Talião.

 

Menino que quer amor

E ao invés é maltratado,

Converte-se no terror

De maltratar por seu lado.

 

É o que eterniza a cadeia

Que o mundo prende na teia.

 

 

87 – Dentro

 

Por dentro de cada qual

Masculino e feminino

Devem casar por igual,

Com o todo por destino

Como fim potencial.

 

Tal encontro e união

São casamento interior,

De amor e de alma a fusão,

Sendo a alegria o calor

Que vem de tal combustão.

 

Esta possibilidade

De que do interior visemos

A nossa integralidade

Faz que nos apaixonemos

À primeira, em toda a idade.

 

Projectamos sobre o amado

Outra metade de nós

Por quem temos ansiado,

Alma gémea por que após

Rebusco por todo o lado:

 

Sendo a parte em nós perdida,

Queremo-la reavida.

 

 

88 – Instila

 

Quando um pai se encoleriza

E descontroladamente

Tudo em redor traumatiza,

É um evento contundente.

 

Ele então instila o medo

Como base da atitude

Para com ele e seu credo,

A obediência é virtude

 

Requerida sem apelo.

O amor aqui não prospera

Debaixo deste atropelo:

Só do medo nasce a fera.

 

E ninguém se realiza,

Ao contrário do que visa.

 

 

89 – Desafio

 

Não podemos controlar

Os eventos e fazer

Todos os mais nos amar

Tal qual o queira quenquer.

 

Assim é que as coisas são,

É o desafio da vida

E o que faremos então

É que nos mede a medida.

 

Se crescerei do interior

Através de minha escolha

Ou se diminuído for

Pelo que em acto eu acolha.

 

Quem me torno em resultado

De minha resposta à vida

É a lenda interior, o fado,

De todos a história erguida.

 

 

90 – Narcisista

 

O narcisista transforma

O filho em co-dependente

Com os demais cuja norma

Ponha o narcisista à frente

E doutro a necessidade

Atrás, feita veleidade.

 

O narcisista pulula

E o resto do mundo anula.

 

 

91 – Crescer

 

Quem crescer numa família

Que seja disfuncional,

Em que o poder é quezília,

Regulador principal,

 

Precisa de exterminar

O perverso potencial

De se vir a transformar

Noutro como eles igual,

 

Antes de livre ficar

Então verdadeiramente

De para o mundo voar

A se descobrir de frente.

 

 

92 – Acima

 

O amor, mais que a obediência

Às autoridades guia

Qualquer acção de excelência.

Acima da lei, poder,

Amor é de alma energia:

Se a silencia quenquer,

Não mais a consultaria.

 

Defunto adiado há-de ser

Mais e mais em cada dia.

 

 

93 – Dormir

 

Na família distorcida

Toda a positiva força

Das filhas é preterida,

Posta a dormir, quando torça

 

Por saúde procurada.

Resulta incapacidade

De se defender, de entrada,

E, desde a mais breve idade,

 

Ficam elas predispostas

A mais tarde, já goradas,

Perderem sempre as apostas,

Ser vítimas maltratadas.

 

 

94 – Infância

 

Infância na natureza

Frequentemente alimenta

E um refrigério fomenta

Na criança a quem despreza,

Do sonho desiludida,

A família distorcida.

 

A verdura da colina,

Tronco de árvore especial,

Recanto em jardim sacral,

Junto ao rio uma ravina,

Podem ser o lar que acalma

Da criança a frágil alma.

 

E sonhar muito acordado,

A solidão na natura,

Escutar do melro a jura

Permitem, por outro lado,

Nosso próprio pensamento

Ouvir e do anseio o vento,

 

Sentir a própria verdade

Que germina da vivência,

Tomar até consciência

De que um lugar que me agrade

Tenho num belo Universo

Benevolente e converso.

 

Apenas na solidão

Ouvimos a cantoria

A reprogramar o dia

Do rouxinol no sertão,

Nossa voz interior,

Guia da semente à flor.

 

 

95 – Fama

 

Fama é máscara perante

Os outros: como poder,

É cobiçada e garante

Que a falta de amor que houver

Compensa. Porém distante

Dos outros nos torna mais,

Mas viabiliza adiante

Mais dois estranhos sinais:

Sentimo-nos superiores

E temos o que queremos.

Mas de solidão horrores,

Da glória em plenos fulgores,

É aquilo que mais sofremos.

 

 

96 – Sentir

 

Há muita criança adulta

Dum lar que é disfuncional

Que no que sente é uma estulta

Por ninguém lhe dar aval

Ao sentir que a catapulta,

Ou por puni-la por tal.

 

- E tal sorte é sempre inulta:

Ninguém vê nenhum sinal

Da muda que tanto exulta.

Ora, se o mundo anda mal,

Quem aplica ali a multa

Que mude a vida abismal,

Troque-a por sadia e culta?

 

 

97 – Aprendemos

 

Aprendemos a enterrar

Afectos e sentimentos

Ao serem indesejáveis.

Na infância, se envergonhar

De emoções soltar aos ventos

É dever dos inadiáveis,

Ainda mais se, de exprimi-los,

Magoámos outrem, tranquilos,

Que então se afastou de nós

Ou nos castigou após.

 

Se ninguém interessado

No que sentíamos houve,

Podemos nunca aprendido

Haver a discriminado

Ler o afecto que nos coube,

Nem a revê-lo exprimido.

Fico por desenvolver

Na emoção que em mim houver,

Sinto-me um analfabeto

Incapaz de ler o afecto.

 

Se a cólera aterradora,

Mau tratamento verbal,

Sexual ou físico até,

Sobre nós caiu de fora,

Dum pai ou guardião fatal

De que pende ter-me em pé,

Afecto e recordação

São enterrados no chão,

Finda a amnésia que me invade

Noutra personalidade.

 

 

98 – Ambiciosos

 

Ambiciosos, narcisistas,

Filhos têm promovendo

Doutrem ambições e vistas,

A imagem engrandecendo

Daqueles, ao espelharem

O portento das conquistas

Que os maiores celebrarem,

Ao então continuarem

Da família o nome e as listas.

 

Crianças abandonadas

São-no emocionalmente

Sempre que não são amadas

Por si mesmas tão somente,

Delas se as necessidades

Não as julgam importantes,

Se o que sentem tais idades,

Sendo embora realidades,

Nunca, afinal, lho garantes.

 

 

99 – Aquisição

 

A aquisição de poder

Pode devir secundária

Ante as relações que houver

Se ouvido à voz solitária

Das almas prestar quenquer

E seu pendor feminino

Revalorizar com tino.

 

Devirão as relações

Então bem mais importantes.

Aos casais os furacões,

Em plena crise, gritantes,

Em muitas ocasiões

Atacam ameaçadores:

Esperança dão ou dores?

 

Dali pode resultar,

Quer um divórcio de vez,

Quer melhor aprofundar

Os sonhos que houve talvez

E é de escolher dentre o par.

Manter as formas não basta:

Novo lar quer nova casta.

 

 

100 – Converterem

 

Se são emocionalmente

Crianças abandonadas,

Crescem para transformadas

Num adulto que não sente

Se converterem, danadas.

 

Evitam sentir vazio,

Abandono ou impotência,

A vergonha ou insolência,

Tristeza, da raiva o frio,

Da angústia toda a evidência,

 

A beber, fumar, comer

Ou ver a televisão,

Dum modo que venha à mão

Num compulsivo viver

Que mais os arrasta ao chão.

 

Dependência e depressão

Mantêm-nos afastados

De conhecer, apurados,

Toda e qualquer emoção,

Do íntimo quaisquer traslados

 

Que informá-los poderiam

Da verdade a que fugiam.

 

 

101 – Princípio

 

Seja qual for o lugar,

O lugar em que o poder,

Mais que o amor, equidade,

É o princípio de reinar

Numa relação qualquer,

Família, povo, entidade,

Jamais é um lugar seguro

Para sentir com apuro

Nem para falar verdade.

 

Só se atinge um santuário

E se sente gradualmente

Da liberdade o sacrário

Que quer dizer realmente,

É que a verdade a seguir

Pode do fundo emergir.

 

Opressão e punição

Desde o benigno diferem

Ao reino até do terror.

Todavia a situação

É igual para os que a conferem,

Sempre do mesmo teor:

Estado policial

No qual há entorpecimento,

Negação do sentimento,

Repressão, até mental,

De recordar um evento

Traumático, doloroso,

Perda de espontaneidade

Em que a depressão invade

O dia sempre viscoso,

Atitudes obsessivas,

Dependências mortas-vivas…

 

Num lar que é disfuncional

A criança interioriza

As regras, a bem e a mal,

Tal e qual como o enfatiza

Qualquer cidadão normal

Do Estado policial.

 

Controlar o pensamento,

Suprimir o sentimento,

Comportamento inibir,

São impostos a partir

Do interior da pessoa,

Mal algum tempo se escoa.

 

Mais seguro é não saber

O que deveras se sente

Dos que ocupam o poder,

Pais ou rei no trono assente,

Não vá quenquer revelá-lo

Mesmo inadvertidamente

E logo sofrer o abalo

Dum castigo veemente.

 

Quando somos controlados

Por alguém que no poder

Quer que o espelhemos bem,

Do que sentimos os dados

Sobre uma coisa qualquer,

De irrelevantes além,

Serão puníveis também.

 

Idealmente, um lugar

Interiormente seguro

Onde podemos estar

É na relação que apuro:

Em contacto ficarei

Ali com meu pensamento,

Meu sentimento é de lei

Que o viva a cada momento

E a emoção sem ter castigo,

Julgamento ou abandono

É meu mais fiel abrigo,

Serei eu sem ter um dono.

Aqui posso confiar

Que não mais me mentirão,

Não existe exploração,

Nenhum outro vai ficar

Superior nem ter-me à mão,

Não trai nossas confidências

Nem viola nossas fronteiras.

 

Quem aproveite carências,

Mesmo com boas maneiras,

A vulnerabilidade,

Será réu de exploração

De nossa autenticidade.

 

Santuário dimensão

É espiritual de verdade.

Existe quando os que estão

Envoltos sentem ou sabem

Haver algo de sagrado

Em cada qual onde cabem.

Reconhecem alma haver

Presente na relação

E tomam todo o cuidado

Com a flor que hão-de colher.

 

 

102 – Reconhecer

 

Só quando posso sentir

O que são meus sentimentos,

Reconhecer a seguir

Porque os tenho e em que momentos,

 

É que poderei saber

O que dá sentido à vida,

Que trabalho irei fazer,

Que relação me convida…

 

É preciso consciente

Me tornar de meus afectos

Antes de a escolha fazer

De meus autênticos tectos,

 

Baseada no amor de alguém,

Do trabalho e do lugar,

Para a alegria que vem

E a espontaneidade a par

 

Serem parcelas da vida.

Para podermos saber

A emoção que for sentida

Outras pessoas quaisquer

 

Muito significativas

Tiveram de preocupar-se

Connosco em gestas activas,

Sem que a atenção nos esgarce

 

Tiveram de ter em conta

Como é que nós nos sentimos.

E foi pelo que isto apronta

Que então seguros nos vimos

 

Para falarmos verdade

E agir pelo que sabemos.

Assim, a escolha persuade

As vidas que conformemos

 

Como expressão genuína

Do para nós importante,

Desde que a escolha o destina

E haja que escolher diante.

 

E da espiral do poder

Só ali se livra quenquer.

 

 

103 – Domina

 

Domina a patriarquia

A nossa vida interior

Tal como o mundo exterior

O poder dominaria.

 

Se o poder desaparece,

Algema então resgatada,

Pelo si-próprio tomada,

É de cada qual a messe.

 

Se atravesso o sofrimento,

Aceito então minha sombra

Sem a projectar na alfombra

Dos mais a todo o momento.

 

Enfrento com compaixão

A verdade e com coragem

Vou seguir minha viagem

Íntegro pisando o chão.

As defesas e recusas

Ficam de vez para trás,

Com clareza vejo em paz,

Tiro ao que importa as eclusas.

 

Então possuir alguém,

Sobre outrem obter poder,

Famoso devir sequer,

Vingança obter também,

 

Não são metas compulsivas.

Descobrirei que há uma fonte

De sabedoria, ponte

Para curas redivivas

 

No mais profundo de nós,

Que é de oiro puro fulgor

No abismo da psique – o amor

Atando tudo em seus nós.

 

 

104 – Leitura

 

A leitura faz de nós

Todos grandes emigrantes:

Leva-nos do lar após

Mas, prendas mais importantes,

Novo lar dá-nos com arte

E, melhor, em toda a parte.

 

 

105 – Casado

 

O casado é mais feliz

Do que o solteiro isolado.

Do casamento é que fiz?

Ou ao lar mais inclinado

Anda o feliz dos que os mais

Que ao lar temem os sinais?

 

 

106 – Papel

 

Do papel a assinatura

Tem algo de especial:

Coabitar só não apura

Nenhum benefício igual.

 

À união de facto falta

De oiro formal a aliança

Que no pacto põe em alta

Quanto pode em segurança.

 

A insegurança é um engano,

Não é boa ao ser humano.