SÉTIMO  TROVÁRIO

 

 

DESVENDO  O  SER  QUE  ME  CALHOU

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha aleatoriamente um número entre 835 e 1001, inclusive.

Leia o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

835 - Desvendo o ser que me calhou

 

Desvendo o ser que me calhou

Na quadra breve

Com a rima que sustentou

O ser que sou

No verso leve.

 

Aponto o poema

A cada aresta,

Abrindo a fresta

À luz, por lema.

 

Cada articulação

Que ali desvendo

É um mapa de meu chão.

 

No poema me vou lendo

E, assim, sendo.

 

 


836 - Polirmos

 

As palavras, diamantes siderais,

Vectores têm bons e maus.

Mas, se as polirmos demais,

Ficamos apenas com calhaus.

 

 

837 - Disciplinado

 

Todos somos criativos e talentosos.

Porém, como é rara qualquer jóia, reparo

Que não somos disciplinados mas fogosos:

Qualquer disciplinado é o diamante raro.

 

 

838 - Rir

 

Rir é um instrumento temperado,

Tão poderoso para sobreviver em qualquer chão

E tão sagrado

Como a oração.

 

 

839 - Mudamos

 

Mudamos por inteiro quando adregue

Acompanharmos os mais nos desgostos e má sorte,

A esperarmos em silêncio que a morte,

A morte chegue.

 

 

840 - Conforto

 

A esperança e o riso têm lugar

Das lágrimas e do luto ao lado da parada

E quantas vezes o maior conforto se vai dar

Não dizendo rigorosamente nada.

 

 

841 - Prendas

 

Umas às outras as pessoas dão,

Ao se darem, coisas que ser dadas

Nunca poderão

Como prendas embrulhadas.

 

 

842 - Finge

 

Nem tudo o que luz é oiro,

Também o tiro que mata.

Finge a lata que é um tesoiro,

Nem tudo o que brilha é prata.

 

 

843 - Obstáculos

 

Quantas oportunidades perdidas

Por obstáculos submersos que me miram

Às escondidas

E que, afinal, nunca existiram!

 

 

844 - Nuvem

 

A nuvem é o elemento

Com qualquer alma humana em aliança:

Perene movimento

E mudança.

 

 

845 - Redor

 

Dos dados e acontecimentos a variedade

Que em redor vemos e sentimos

São duma única e mesma realidade

As diferentes manifestações que lhe intuímos.

 

 

846 - Nome

 

Nome que pode ser nomeado

Deixa-nos de realidade à fome,

Não é nunca, malfadado,

O verdadeiro nome.

 

 

847 - Lago

 

A sabedoria é um lago a arredondar

Límpido e fresco perante quenquer:

Pode-se-lhe entrar

Por um lado qualquer.

 

 

848 - Ciclo

 

Ao ciclo da metamorfose acabe-o

Magicamente cada um:

Quando o homem comum atinge o conhecimento é sábio,

Quando o sábio atinge o conhecimento é um homem comum.

 

 

849 - Começar

 

Começar persuade

O coração.

- É já metade

De qualquer acção.

 

 

850 - Mesquinho

 

A comparação

Com a enorme de alguns povos miséria

Torna mesquinho e vão

O doméstico problema, em pesagem séria.

 

 

851 - Remorso

 

Ser alguém realizado

No fim da física vida

É remorso em nenhum lado

Sentir da história vivida.

 

 

852 - Obriga

 

Alguma infelicidade

Obriga, na dor maldosa,

A conhecer de verdade

Como a vida é preciosa.

 

 

853 - Cara

 

Fácil é reconhecer

Nossa cara verdadeira.

Já consegui-la viver

É bem difícil canseira.

 

 

854 - Amigo

 

A mais sábia sorte

Provém donde era menos de supor:

- É a que te torna amigo da morte,

O derradeiro professor!

 

 

855 - Derradeira

 

Só a morte ao aceitar,

A derradeira despedida,

Se pode encontrar

A verdadeira vida.

 

 

856 - Mente

 

Como repudiar da mente

O traço,

Sem a mente estar presente?

A mente é todo o espaço.

 

 

857 - Firmamento

 

Menos azul

O firmamento não é

Porque as nuvens o ocultam atrás do véu de tule

Ou porque o cego o não vê.

 

 

858 - Estimula

 

Tudo o que estimula o crescimento

Da civilização na terra

Trabalha ao mesmo tempo

Contra a guerra.

 

 

859 - Crê

 

O homem crê no que queira crer,

Naquilo em que gosta de acreditar:

No que as opiniões lhe apoiar,

No que as paixões lhe aviva e leva a acontecer.

 

 

860 - Óculos

 

Cada qual o mundo, visando o teor

Do que convém ao que recolha,

Vê dos óculos com a cor

Com que o olha.

 

 

861 - Condiciona

 

Do observador a perspectiva ou posição

Condiciona (e põe reserva)

Fatalmente à percepção

Do evento que observa.

 

 

862 - Diário

 

A memória

É o diário que, com arte,

Levamos connosco, íntima vitória,

A toda a parte.

 

 

863 - Probabilidade

 

Uma probabilidade com optimismo medida

É uma tendência humana que se consome

Como procurar comida

Quando temos fome.

 

 

864 - Perspectiva

 

A perspectiva optimista do amanhã

Atenua nosso desengano do presente

E torna mais tolerável e mais chã

A decepção com que a vida nos fermente.

 

 

865 - Segredo

 

O segredo da humanidade

Vincula o indivíduo e o evento:

O indivíduo molda os eventos que invade,

Os eventos formam o indivíduo momento a momento.

 

 

866 - Explosivo

 

O poder explosivo do bom humor,

Na função primordial, é o evento

Purgante e libertador

Do negativo sentimento.

 

 

867 - Cavalo

 

Um cavalo nunca corre

Tão depressa como quando

Outros cavalos percorre

A ultrapassá-los voando.

 

 

868 - Conjuntura

 

Um optimismo fascina,

Que é doutra profundidade,

Na conjuntura maligna

Que é sempre uma adversidade.

 

 

869 - Cidade

 

Cidade: o enorme vão

Do íntimo cinzento

Na imensidão

De cimento.

 

 

870 - Integridade

 

Integridade é fazer

O que estiver certo

Mesmo quando a ver

Ninguém houver por perto.

 

 

871 - Objectivo

 

O objectivo da existência

Não é felicidade atingir,

O fito de excelência

É servir.

 

 

872 - Pedagogo

 

Pedagogo, mais do que arte,

É amor do fundo do peito:

Cada qual, em boa parte,

É o que a escola dele há feito.

 

 

873 - Dogma

 

Um dogma é sempre um produto,

Sustentáculo arbitrário

Dum poderio corrupto

Fatalmente autoritário.

 

 

874 - Heréticas

 

Deus não consideraria

Como heréticas, doutrinas

Que o seguidor, todavia,

Condena às mais letais sinas.

 

 

875 - Acusação

 

A acusação de heresia

Muitas vezes não combate

Um erro que denuncia,

Mas novidade que a abate.

 

 

876 - Denúncia

 

É mais fácil acusar

Quem denuncia a injustiça

Que a injustiça reparar

Que a denúncia traz à liça.

 

 

877 - Supomos

 

A verdade em nós está,

Cá dentro mora,

Não vem, como supomos, de lá

De fora.

 

 

878 - Entendem

 

Poeta que já entendeu o peso

Do que escrever lhe convém

É alguém que acaba surpreso

Com o que, afinal, já sabia muito bem.

 

 

879 - Seguinte

 

O dia seguinte é sempre o melhor:

Temos outra oportunidade

De cumprir o que certo for,

Quando falhámos de verdade.

 

 

880 - Sempre

 

Sempre que parto, duvido

Se não devia ter ficado.

Sempre que fico, o enfado

É se não devia ter partido.

 

 

881 - Modo

 

O mundo é de tal modo traçado

Que, tarde ou cedo, tudo se alcança.

Não há nada tão desesperado

Que não haja lá uma fresta de esperança.

 

 

882 - Coragem

 

Mais coragem vais ter de assumir

Para às origens regressar

Que para partir

Para qualquer outro lugar.

 

 

883 - Promete

 

Todo e qualquer programa ou ideologia

Que nos promete o céu

Deveras é o inferno que anuncia,

A coberto de tal véu.

 

 

884 - Daninha

 

Erva daninha não é o invasor campestre

A ser destruído, esmagado,

É apenas, como qualquer de nós, flor silvestre

A crescer em lugar errado.

 

 

885 - Crucial

 

Repara como o mundo anda esculpido

Pelo tempo e pelo homem, a par.

É crucial ter bom ouvido

Para ouvir as pedras a cantar.

 

 

886 - Tropeçar

 

Não ser capaz de tropeçar indicia

Experiência tão dolorosa e treda

Quanto seria

A queda.

 

 

887 - Desperdiça

 

Quando alguém desperdiça, tresmalhada,

A juventude,

É que a juventude é desperdiçada

Em quem ela ilude.

 

 

888 - Recozem

 

Ocorre às vezes com as ideias:

Recozem em fogo brando, soltas as pontas,

Sem te aperceberes das teias,

- Até ficarem prontas!

 

 

889 - Raiz

 

A raiz implica

Que partir para outro lugar

Apenas significa

Que terei de voltar.

 

 

890 - Preço

 

O preço a pagar por querer mais

É perder o que se tem.

E talvez, aliás,

O que se é também.

 

 

891 - Transparentemente

 

Sempre à mão,

Agudo e transparentemente vítreo,

Jamais te pode roubar nenhum ladrão

Teu livre arbítrio.

 

 

892 - Existência

 

Outra existência não perde

Ninguém senão a que vive

E não vive, por mais que se esquive,

A que perde, por mais que ele herde.

 

 

893 - Perturbações

 

As coisas nunca me atingem,

De mim permanecem fora.

As perturbações que fingem

São juízo que em mim mora.

 

 

894 - Estável

 

O estável nunca se alcança

Nem teus pés os firma o chão.

O mundo é apenas mudança

E o mais firme é opinião

 

 

895 - Piora

 

Quer dentro ou fora nos tomem

O que for a nossa lida,

O que não piora o homem

Também não piora a vida.

 

 

896 - Feito

 

Feito foste como parte,

Vais dissolver-te na origem

E retomado és, com arte,

Da génese na vertigem.

 

 

897 - Efémera

 

O que recorda a lembrança

É uma efémera janela

Tanto quanto é quanto alcança

O que evocado for nela.

 

 

898 - Breve

 

Tudo passa e em breve não

É mais que um nome lendário

Que breve obliteração

Também sepulta sumário.

 

 

899 - Esquecido

 

Em breve esquecido tudo

Hás-de ter, de olhar volvido.

E todos, de rosto mudo,

Te terão, breve, esquecido.

 

 

900 - Pecador

 

Pecador é o homem são

Que, da noite para o dia,

Falha o objectivo bom

E desde então se transvia.

 

 

901 - Pouco

 

Um pouco mais, fecharás

Os olhos e ao que te houver

Levado ao sepulcro, atrás

Já um outro chora qualquer.

 

 

902 - Vizinhos

 

Mais o que os vizinhos pensam

De nós nós apreendemos

Que o que em nós próprios condensam

Os pensamentos que temos.

 

 

903 - Exército

 

Capaz de mover montanhas

Embora de pedintes famintos em toda a banda,

Um exército ganhas

Se acreditar em quem o comanda.

 

 

904 - Força

 

Uma imutabilidade

Tem sempre força maior

Em toda a comunidade

Que da ciência o fulgor.

 

 

905 - Experiência

 

A experiência confere

Os indícios:

Onde homens houver,

Há vícios.

 

 

906 - Conduz

 

Estado que unicamente

Conduz homens por temor

É reino de crime ausente,

Não de virtude fulgor.

 

 

907 - Calendário

 

Só teremos mais um dia,

Do calendário na jeira.

Contudo, na fantasia,

Temos uma vida inteira.

 

 

908 - Orar

 

Orar é ter esperança,

Ter esperança é admitir

Frechas de desesperança

No espírito a já pungir.

 

909 - Tela

 

Retratos somos, retratos,

Na tela aqui repintados.

E todos somos, nos actos,

Retratos inacabados.

 

 

910 - Escapa

 

Mas com que facilidade,

De alegrias ou de abrolhos,

Nos escapa a realidade

Que temos perante os olhos!

 

 

911 - Redor

 

Em redor tantos temores

Mudam as vidas em ermos

Que às vezes mesmo os melhores

Engolem os próprios termos.

 

 

912 - Pouco

 

Quando algo desagradável

Nos espera um pouco além,

O tempo mais imparável

É que então não se detém.

 

 

913 - Receamos

 

Quando receamos tanto

Que o tempo mais devagar

Queremos, é que, entretanto,

Mais depressa ele há-de andar.

 

 

914 - Convidativo

 

Nunca o exterior parece

Tão convidativo ao centro,

Como se se permanece

Aprisionado cá dentro.

 

 

915 - Estragos

 

É frequente a indiferença,

Tal como a desatenção,

De mais estragos sentença

Ser que antipatias são.

 

 

916 - Pensamento

 

O pensamento é capaz

De deixar mais cicatrizes

Profundas à frente e atrás

Que tudo o mais que avalizes.

 

 

917 - Luzentes

 

Mesmo entre grandes amigos

Cada qual crê que a acender

Tem mais luzentes postigos

Que os vindos doutro qualquer.

 

 

918 - Alheia

 

Da alheia verdade o abismo

E tudo o mais a que ele orça

Quer o fundamentalismo

Impor a outrem à força.

 

 

919 - Mistério

 

A resposta ao mistério impertinente

Com que te atrapalhes

Encontra-se invariavelmente

Nos detalhes.

 

 

920 - Revela

 

Aquilo que alguém fizer

Na hora da dificuldade

É que o que deveras valer

Nos revela de verdade.

 

 

921 - Labor

 

O labor dum escritor

É examinar com verdade,

Com o estilete do amor,

Deveras a humanidade.

 

 

922 - Chamar-nos

 

Podemos chamar-nos à razão

Durante o dia inteiro, com acerto,

E ainda assim sentir a convulsão

Dum estomacal aperto.

 

 

923 - Perde

 

Verdade que nos apanha

De mente desprevenida

Mais fácil perde que ganha,

De passar despercebida.

 

 

924 - Equilibrar

 

Viver-morrer sempre foi

Equilibrar dor-prazer.

Não julgues que morrer dói

Tanto como dói viver.

 

 

925 - Multidão

 

A multidão acredita

No que quer acreditar,

Aparte do que lhe dita

O que tiver ante o olhar.

 

 

926 - Barca

 

Mal a barca é surta,

Logo vem o afundamento:

A vida é curta,

Sonho dum momento.

 

 

927 - Num

 

A virtude e o defeito

Num só sujeito convivem,

E as circunstâncias a jeito

É que para uma ou outra o motivem.

 

 

928 - Minha

 

Em terra minha, leveiro,

Gradando quanto me grade,

Até mesmo o cativeiro

Saberia a liberdade.

 

 

929 - Perdas

 

Com perdas de bens te enganas,

Mesmo quando as mais severas.

Apenas perdas humanas

Nos empobrecem deveras.

 

 

930 - Inocência

 

Quer calcorreando a estrada,

Quer pisando o trilho,

A inocência vive sempre rodeada

De seu próprio brilho.

 

 

931 - Dificuldade

 

O pensar que pensa o mundo

Tem dificuldade, a par,

Por mais que seja facundo,

De a si próprio se pensar.

 

 

932 - Caminho

 

Quando de medo me inundo

E caminho a vida a esmo,

Poderei fugir do mundo,

Nunca, porém, de mim mesmo.

 

 

933 - Oportunos

 

Jamais para decairmos,

As perdas e sofrimentos

São para nos construirmos

Mui oportunos momentos.

 

 

934 - Pior

 

Importa andar consciente

De que esta é minha sentença:

O pior, pior doente

É o que nega a própria doença.

 

 

935 - Partículas

 

As partículas atómicas

Conhecem que nunca viram,

Não da mente as tragicómicas

Funções que os sempre assumiram.

 

 

936 - Resposta

 

Resposta onde ninguém pensa

Que é não-resposta convence-o.

Sabedoria em sentença,

Do sábio será o silêncio.

 

 

937 - Fortes

 

Dos fortes um atributo

Há-de ser sempre o perdão

E dos fracos o produto,

Em norma, a condenação.

 

 

938 - Fruir

 

Fruir do belo é ser rico

Mesmo sem ter dinheirama

E alegre, se alegre fico

Sem razões de rir da trama.

 

 

939 - Irriga

 

No belo da chuva a gota

Irriga da flor a essência

Como uma lágrima anota

Que nos irriga a existência.

 

 

940 - Evoque

 

Evoque sempre a medida

Que pelo melhor responde:

- A qualidade de vida

Sempre o mais simples a esconde.

 

 

941 - Qualidade

 

Por qualidade de vida

O anonimato faz mais,

Mais saudável é medida

Do que a fama o foi jamais.

 

 

942 - Pelourinho

 

Preocupação e stresse

É o que ao pelourinho te ata:

Rápida a ti te envelhece

A emoção que te maltrata.

 

 

943 - Combustível

 

Teu combustível na lida

É o belo, prazer da viagem.

Ter qualidade de vida

Sem o belo é uma miragem.

 

 

944 - Escravos

 

Sociedades democráticas

São livres mas muitos vão

Escravos ser de autocráticas

Ilusões vãs da emoção.

 

 

945 - Falha

 

Doutrem a falha o excita,

Não a suporta, repele…

- O insone até mesmo irrita

A sombra da própria pele.

 

 

946 - Sucumbo

 

Quando sucumbo à ansiedade,

A emoção vai-se tornar,

Mascarando-me a verdade,

Mais agitada que o mar.

 

 

947 - Repare

 

Repare se entende

No mundo o que acena:

- O forte compreende,

O frágil condena.

 

 

948 - Primeiro

 

Primeiro a beneficiar

Do perdão é quem perdoa,

Não aquele a quem calhar

Ser perdoado, acaso à toa.

 

 

949 - Fonte

 

O mundo dos pensamentos

Ora é fonte de deleite,

Ora de horror e tormentos,

Conforme o que nele aceite.

 

 

950 - Gerir

 

Ao gerir os pensamentos

Sou livre para pensar

E não escravo dos ventos

Da mente que me calhar.

 

 

951 - Suicídio

 

Em suicídio se alguém pensa,

A vida não quer propor

Matar, em final sentença,

- Quer antes matar a dor.

 

 

952 - Solidão

 

Se do mundo abandonados,

É a solidão superável;

De nós próprios se isolados,

É pior: ela é incurável.

 

 

953 - Ouvir

 

Ouvir é se esvaziar

Para ouvir outrem dizer

O que quer comunicar

- E não o que eu queira ler.

 

 

954 - Aprende

 

O que for inteligente

Aprende com próprios erros,

O que for sábio, premente,

Com os doutrem trepa aos cerros.

 

 

955 - Bomba

 

Há uma bomba emocional

Ante a amável aparência:

Aparente não é igual,

Faz perder a paciência.

 

 

956 - Sai

 

Não é o que entra pela boca

O que um homem contamina,

É o que sai da boca à louca

Que explosiva há-de ser mina.

 

 

957 - Procede

 

Aquilo que sai da boca

Procede do coração

E contamina na toca

Um homem, quando há lesão.

 

 

958 - Destino

 

O destino dito estável

Provém do que se recolha:

O destino inevitável

É, afinal, questão de escolha.

 

 

959 - Empreendedor

 

Do empreendedor apriscos

Guardam riscos de memória.

Quem trepa ao pódio sem riscos

Triunfa, afinal, sem glória.

 

 

960 - Evitar

 

Evitar todos os riscos

Não é viável vitória.

Sem riscos comer petiscos

Coroado é ser sem glória.

 

 

961 - Vírgulas

 

A vida humana é uma história

Sem jamais ponto final,

Só de vírgulas memória,

Sem que a reticência a abale.

 

 

962 - Solidão

 

A solidão é a medida

Do destino que vestimos:

A sós entramos na vida,

Sós dela nos despedimos.

 

 

963 - Carrasco

 

Por mais que nos provoque asco,

Não há culpados a esmo:

Do ser humano o carrasco

Maior é sempre ele mesmo.

 

 

964 - Menino

 

Um homem, frequentemente,

No mundo é gigante, fora,

Mas menino em quanto sente

E que pensa em cada hora.

 

 

965 - Mais

 

Tua vida é mais importante

Do que dinheiro aos milhões

E mais valiosa e brilhante

Que aplausos das multidões.

 

 

966 - Fere

 

Do homem o maior carrasco

Será sempre o próprio homem:

Nada o fere com mais asco,

De quantos males o tomem.

 

 

967 - Fé

 

A fé sempre acreditar

Foi que o que se sabe, ao fim,

Embora pedra angular,

Afinal, não é assim.

 

 

968 - Esconder-lhe

 

Sempre o saber é fecundo,

Mesmo às vezes se atrapalha.

A cura do mal do mundo

Não vem de esconder-lhe a falha.

 

 

969 - Acredite

 

Pouco importa à realidade

Que acredite nela ou não:

Ela existe de verdade

E atapeta-nos o chão

 

 

970 - Distância

 

Entre ter sabedoria

E conquistar mais poder

A distância que se avia

Nem sempre é muita em quenquer.

 

 

971 - Corpo

 

O corpo físico afecta

Todo o mundo material,

O espírito se projecta

Tal e qual no espiritual.

 

 

972 - Perdes

 

Perdes certeza do certo,

De por tal certeza agir?

Da maturidade é perto

Ou é decadência a vir.

 

 

973 - Perspectiva

 

Uma opinião de alguém

Depende, na feição dada,

Sempre de quanto é refém

Da perspectiva adoptada.

 

 

974 - Dá

 

Na música, lei da vida,

Aquele que dá recebe

Tanto ou mais mesmo, em seguida,

Que o que ouve e nem se apercebe.

 

 

975 - Natura

 

Vemos que não somos nós

Que domamos a natura,

Ela é que, de pais a avós,

Nos domina a nós, segura.

 

 

976 - Símbolo

 

O símbolo não é nada,

O que importa é a realidade

Transparente à opacidade

Por trás dele camuflada.

 

 

977 - Estações

 

Terras vistas de comboio,

Tudo passa de corrida,

Baralhando trigo e joio,

Nas estações duma vida.

 

 

978 - Sinais

 

O rito, a marca sagrada

São só sinais com que mudo.

O símbolo nunca é nada,

A realidade é que é tudo.

 

 

979 - Falhar

 

Falhar e morrer é duro,

Mas é mais duro falhar

E persistir, inseguro,

Sofrendo o risco de errar.

 

 

980 - Dobro

 

Pratica o mal e verás,

Mesmo com bom objectivo,

Que ele um dia volta atrás

Forte o dobro, o dobro activo.

 

 

981 - Confiar

 

Confiar é muitas vezes

Abrir as portas, nos credos,

Perante incríveis reveses,

Ao mais terrível dos medos.

 

 

982 - Memória

 

A memória é uma ilusão

Da verdade que vivamos,

Que é sempre interpretação

Do que já vivenciámos.

 

 

983 - Escritor

 

Escritor preocupado

De estilo e não conteúdo,

Se original tem traslado,

Aborrido é sobretudo.

 

 

984 - Escolher

 

A liberdade absoluta

Não existe em nosso chão

Mas a de escolher que, enxuta,

Compromete a decisão.

 

 

985 - Poder

 

Hoje o homem recomeça

A aprender o que esqueceu:

O poder em que tropeça

É o interior, sempre seu.

 

 

986 - Sabor

 

De todos o melhor mel

Jamais experimentado

É da vida sempre infiel

O que for recuperado.

 

 

987 - Mentira

 

A mentira repetida

Acabará, de repente,

Muitas vezes, em seguida,

Por convencer toda a gente.

 

 

988 - Perto

 

Muitas vezes a má sorte

É boa sorte vivida,

Já que estar perto da morte

Te devolve o gosto à vida.

 

 

989 - Enrolem

 

Procurei sempre aventura

E por igual segurança,

Contudo nada assegura

Que ambos se enrolem em trança.

 

 

990 - Colhe

 

Sábio que for verdadeiro

De todos colhe as lições

E um herói que é herói cimeiro

Domina as próprias paixões.

 

 

991 - Escrever

 

Escrever só poderei

Sobre quanto realmente

Dentro em mim, no que me sei,

Me vem pungir veemente.

 

 

992 - Escolher

 

A liberdade uma ausência

Não será de compromissos,

Mas de escolher a apetência

Pelo melhor dos chamiços.

 

 

993 - Real

 

O real é só uma história

Que alguém contou a respeito

Do mundo e sua memória,

Dum perfil que tem seu jeito.

 

 

994 - Bárbaro

 

Jamais é tecnologia

Com que tantos se consomem

E alguém bárbaro faria,

Antes a mente dum homem.

 

 

995 - Mora

 

Lembra-te sempre que a morte

Mora onde morar a vida,

Saúde mental transporte

É da loucura hoje havida.

 

 

996 - Erros

 

Os erros são uma parte

Do que o mundo faz girar:

Bicho a que erro a morte acarte

Doutro é a sorte de jantar.

 

 

997 - Entristece-te

 

Se viveste um dia mais excitante

Que outro qualquer em tua vida,

Entristece-te de findar o instante

Mas ficas grato da madrugada acontecida.

 

 

998 - Templo

 

"Ai como isto nos demora!"

- Diz-te Jesus sempre a ti. -

"Do templo estou sempre fora,

Não deixam que eu entre ali…"

 

 

999 - Aprendes

 

Algo aprendes ao viver

E aprendes quando estudares,

Mas deveras aprender

Irás só quando ensinares.

 

 

1000 - Problema

 

Vencida a dificuldade,

O problema tido outrora

É duma simplicidade,

Afinal, aterradora.

 

 

1001 - Tragédia

 

O que a tragédia nos traz

É sempre a oportunidade

De reconstruir, capaz,

A vida que nos agrade.