SÉTIMO TROVÁRIO
DESVENDO O SER QUE ME CALHOU
Escolha aleatoriamente um número entre 835 e 1001, inclusive.
Leia o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
835 - Desvendo o ser que me calhou
Desvendo o ser que me calhou
Na quadra breve
Com a rima que sustentou
O ser que sou
No verso leve.
Aponto o poema
A cada aresta,
Abrindo a fresta
À luz, por lema.
Cada articulação
Que ali desvendo
É um mapa de meu chão.
No poema me vou lendo
E, assim, sendo.
836 - Polirmos
As palavras, diamantes siderais,
Vectores têm bons e maus.
Mas, se as polirmos demais,
Ficamos apenas com calhaus.
837 - Disciplinado
Todos somos criativos e talentosos.
Porém, como é rara qualquer jóia, reparo
Que não somos disciplinados mas fogosos:
Qualquer disciplinado é o diamante raro.
838 - Rir
Rir é um instrumento temperado,
Tão poderoso para sobreviver em qualquer chão
E tão sagrado
Como a oração.
839 - Mudamos
Mudamos por inteiro quando adregue
Acompanharmos os mais nos desgostos e má sorte,
A esperarmos em silêncio que a morte,
A morte chegue.
840 - Conforto
A esperança e o riso têm lugar
Das lágrimas e do luto ao lado da parada
E quantas vezes o maior conforto se vai dar
Não dizendo rigorosamente nada.
841 - Prendas
Umas às outras as pessoas dão,
Ao se darem, coisas que ser dadas
Nunca poderão
Como prendas embrulhadas.
842 - Finge
Nem tudo o que luz é oiro,
Também o tiro que mata.
Finge a lata que é um tesoiro,
Nem tudo o que brilha é prata.
843 - Obstáculos
Quantas oportunidades perdidas
Por obstáculos submersos que me miram
Às escondidas
E que, afinal, nunca existiram!
844 - Nuvem
A nuvem é o elemento
Com qualquer alma humana em aliança:
Perene movimento
E mudança.
845 - Redor
Dos dados e acontecimentos a variedade
Que em redor vemos e sentimos
São duma única e mesma realidade
As diferentes manifestações que lhe intuímos.
846 - Nome
Nome que pode ser nomeado
Deixa-nos de realidade à fome,
Não é nunca, malfadado,
O verdadeiro nome.
847 - Lago
A sabedoria é um lago a arredondar
Límpido e fresco perante quenquer:
Pode-se-lhe entrar
Por um lado qualquer.
848 - Ciclo
Ao ciclo da metamorfose acabe-o
Magicamente cada um:
Quando o homem comum atinge o conhecimento é sábio,
Quando o sábio atinge o conhecimento é um homem comum.
849 - Começar
Começar persuade
O coração.
- É já metade
De qualquer acção.
850 - Mesquinho
A comparação
Com a enorme de alguns povos miséria
Torna mesquinho e vão
O doméstico problema, em pesagem séria.
851 - Remorso
Ser alguém realizado
No fim da física vida
É remorso em nenhum lado
Sentir da história vivida.
852 - Obriga
Alguma infelicidade
Obriga, na dor maldosa,
A conhecer de verdade
Como a vida é preciosa.
853 - Cara
Fácil é reconhecer
Nossa cara verdadeira.
Já consegui-la viver
É bem difícil canseira.
854 - Amigo
A mais sábia sorte
Provém donde era menos de supor:
- É a que te torna amigo da morte,
O derradeiro professor!
855 - Derradeira
Só a morte ao aceitar,
A derradeira despedida,
Se pode encontrar
A verdadeira vida.
856 - Mente
Como repudiar da mente
O traço,
Sem a mente estar presente?
A mente é todo o espaço.
857 - Firmamento
Menos azul
O firmamento não é
Porque as nuvens o ocultam atrás do véu de tule
Ou porque o cego o não vê.
858 - Estimula
Tudo o que estimula o crescimento
Da civilização na terra
Trabalha ao mesmo tempo
Contra a guerra.
859 - Crê
O homem crê no que queira crer,
Naquilo em que gosta de acreditar:
No que as opiniões lhe apoiar,
No que as paixões lhe aviva e leva a acontecer.
860 - Óculos
Cada qual o mundo, visando o teor
Do que convém ao que recolha,
Vê dos óculos com a cor
Com que o olha.
861 - Condiciona
Do observador a perspectiva ou posição
Condiciona (e põe reserva)
Fatalmente à percepção
Do evento que observa.
862 - Diário
A memória
É o diário que, com arte,
Levamos connosco, íntima vitória,
A toda a parte.
863 - Probabilidade
Uma probabilidade com optimismo medida
É uma tendência humana que se consome
Como procurar comida
Quando temos fome.
864 - Perspectiva
A perspectiva optimista do amanhã
Atenua nosso desengano do presente
E torna mais tolerável e mais chã
A decepção com que a vida nos fermente.
865 - Segredo
O segredo da humanidade
Vincula o indivíduo e o evento:
O indivíduo molda os eventos que invade,
Os eventos formam o indivíduo momento a momento.
866 - Explosivo
O poder explosivo do bom humor,
Na função primordial, é o evento
Purgante e libertador
Do negativo sentimento.
867 - Cavalo
Um cavalo nunca corre
Tão depressa como quando
Outros cavalos percorre
A ultrapassá-los voando.
868 - Conjuntura
Um optimismo fascina,
Que é doutra profundidade,
Na conjuntura maligna
Que é sempre uma adversidade.
869 - Cidade
Cidade: o enorme vão
Do íntimo cinzento
Na imensidão
De cimento.
870 - Integridade
Integridade é fazer
O que estiver certo
Mesmo quando a ver
Ninguém houver por perto.
871 - Objectivo
O objectivo da existência
Não é felicidade atingir,
O fito de excelência
É servir.
872 - Pedagogo
Pedagogo, mais do que arte,
É amor do fundo do peito:
Cada qual, em boa parte,
É o que a escola dele há feito.
873 - Dogma
Um dogma é sempre um produto,
Sustentáculo arbitrário
Dum poderio corrupto
Fatalmente autoritário.
874 - Heréticas
Deus não consideraria
Como heréticas, doutrinas
Que o seguidor, todavia,
Condena às mais letais sinas.
875 - Acusação
A acusação de heresia
Muitas vezes não combate
Um erro que denuncia,
Mas novidade que a abate.
876 - Denúncia
É mais fácil acusar
Quem denuncia a injustiça
Que a injustiça reparar
Que a denúncia traz à liça.
877 - Supomos
A verdade em nós está,
Cá dentro mora,
Não vem, como supomos, de lá
De fora.
878 - Entendem
Poeta que já entendeu o peso
Do que escrever lhe convém
É alguém que acaba surpreso
Com o que, afinal, já sabia muito bem.
879 - Seguinte
O dia seguinte é sempre o melhor:
Temos outra oportunidade
De cumprir o que certo for,
Quando falhámos de verdade.
880 - Sempre
Sempre que parto, duvido
Se não devia ter ficado.
Sempre que fico, o enfado
É se não devia ter partido.
881 - Modo
O mundo é de tal modo traçado
Que, tarde ou cedo, tudo se alcança.
Não há nada tão desesperado
Que não haja lá uma fresta de esperança.
882 - Coragem
Mais coragem vais ter de assumir
Para às origens regressar
Que para partir
Para qualquer outro lugar.
883 - Promete
Todo e qualquer programa ou ideologia
Que nos promete o céu
Deveras é o inferno que anuncia,
A coberto de tal véu.
884 - Daninha
Erva daninha não é o invasor campestre
A ser destruído, esmagado,
É apenas, como qualquer de nós, flor silvestre
A crescer em lugar errado.
885 - Crucial
Repara como o mundo anda esculpido
Pelo tempo e pelo homem, a par.
É crucial ter bom ouvido
Para ouvir as pedras a cantar.
886 - Tropeçar
Não ser capaz de tropeçar indicia
Experiência tão dolorosa e treda
Quanto seria
A queda.
887 - Desperdiça
Quando alguém desperdiça, tresmalhada,
A juventude,
É que a juventude é desperdiçada
Em quem ela ilude.
888 - Recozem
Ocorre às vezes com as ideias:
Recozem em fogo brando, soltas as pontas,
Sem te aperceberes das teias,
- Até ficarem prontas!
889 - Raiz
A raiz implica
Que partir para outro lugar
Apenas significa
Que terei de voltar.
890 - Preço
O preço a pagar por querer mais
É perder o que se tem.
E talvez, aliás,
O que se é também.
891 - Transparentemente
Sempre à mão,
Agudo e transparentemente vítreo,
Jamais te pode roubar nenhum ladrão
Teu livre arbítrio.
892 - Existência
Outra existência não perde
Ninguém senão a que vive
E não vive, por mais que se esquive,
A que perde, por mais que ele herde.
893 - Perturbações
As coisas nunca me atingem,
De mim permanecem fora.
As perturbações que fingem
São juízo que em mim mora.
894 - Estável
O estável nunca se alcança
Nem teus pés os firma o chão.
O mundo é apenas mudança
E o mais firme é opinião
895 - Piora
Quer dentro ou fora nos tomem
O que for a nossa lida,
O que não piora o homem
Também não piora a vida.
896 - Feito
Feito foste como parte,
Vais dissolver-te na origem
E retomado és, com arte,
Da génese na vertigem.
897 - Efémera
O que recorda a lembrança
É uma efémera janela
Tanto quanto é quanto alcança
O que evocado for nela.
898 - Breve
Tudo passa e em breve não
É mais que um nome lendário
Que breve obliteração
Também sepulta sumário.
899 - Esquecido
Em breve esquecido tudo
Hás-de ter, de olhar volvido.
E todos, de rosto mudo,
Te terão, breve, esquecido.
900 - Pecador
Pecador é o homem são
Que, da noite para o dia,
Falha o objectivo bom
E desde então se transvia.
901 - Pouco
Um pouco mais, fecharás
Os olhos e ao que te houver
Levado ao sepulcro, atrás
Já um outro chora qualquer.
902 - Vizinhos
Mais o que os vizinhos pensam
De nós nós apreendemos
Que o que em nós próprios condensam
Os pensamentos que temos.
903 - Exército
Capaz de mover montanhas
Embora de pedintes famintos em toda a banda,
Um exército ganhas
Se acreditar em quem o comanda.
904 - Força
Uma imutabilidade
Tem sempre força maior
Em toda a comunidade
Que da ciência o fulgor.
905 - Experiência
A experiência confere
Os indícios:
Onde homens houver,
Há vícios.
906 - Conduz
Estado que unicamente
Conduz homens por temor
É reino de crime ausente,
Não de virtude fulgor.
907 - Calendário
Só teremos mais um dia,
Do calendário na jeira.
Contudo, na fantasia,
Temos uma vida inteira.
908 - Orar
Orar é ter esperança,
Ter esperança é admitir
Frechas de desesperança
No espírito a já pungir.
909 - Tela
Retratos somos, retratos,
Na tela aqui repintados.
E todos somos, nos actos,
Retratos inacabados.
910 - Escapa
Mas com que facilidade,
De alegrias ou de abrolhos,
Nos escapa a realidade
Que temos perante os olhos!
911 - Redor
Em redor tantos temores
Mudam as vidas em ermos
Que às vezes mesmo os melhores
Engolem os próprios termos.
912 - Pouco
Quando algo desagradável
Nos espera um pouco além,
O tempo mais imparável
É que então não se detém.
913 - Receamos
Quando receamos tanto
Que o tempo mais devagar
Queremos, é que, entretanto,
Mais depressa ele há-de andar.
914 - Convidativo
Nunca o exterior parece
Tão convidativo ao centro,
Como se se permanece
Aprisionado cá dentro.
915 - Estragos
É frequente a indiferença,
Tal como a desatenção,
De mais estragos sentença
Ser que antipatias são.
916 - Pensamento
O pensamento é capaz
De deixar mais cicatrizes
Profundas à frente e atrás
Que tudo o mais que avalizes.
917 - Luzentes
Mesmo entre grandes amigos
Cada qual crê que a acender
Tem mais luzentes postigos
Que os vindos doutro qualquer.
918 - Alheia
Da alheia verdade o abismo
E tudo o mais a que ele orça
Quer o fundamentalismo
Impor a outrem à força.
919 - Mistério
A resposta ao mistério impertinente
Com que te atrapalhes
Encontra-se invariavelmente
Nos detalhes.
920 - Revela
Aquilo que alguém fizer
Na hora da dificuldade
É que o que deveras valer
Nos revela de verdade.
921 - Labor
O labor dum escritor
É examinar com verdade,
Com o estilete do amor,
Deveras a humanidade.
922 - Chamar-nos
Podemos chamar-nos à razão
Durante o dia inteiro, com acerto,
E ainda assim sentir a convulsão
Dum estomacal aperto.
923 - Perde
Verdade que nos apanha
De mente desprevenida
Mais fácil perde que ganha,
De passar despercebida.
924 - Equilibrar
Viver-morrer sempre foi
Equilibrar dor-prazer.
Não julgues que morrer dói
Tanto como dói viver.
925 - Multidão
A multidão acredita
No que quer acreditar,
Aparte do que lhe dita
O que tiver ante o olhar.
926 - Barca
Mal a barca é surta,
Logo vem o afundamento:
A vida é curta,
Sonho dum momento.
927 - Num
A virtude e o defeito
Num só sujeito convivem,
E as circunstâncias a jeito
É que para uma ou outra o motivem.
928 - Minha
Em terra minha, leveiro,
Gradando quanto me grade,
Até mesmo o cativeiro
Saberia a liberdade.
929 - Perdas
Com perdas de bens te enganas,
Mesmo quando as mais severas.
Apenas perdas humanas
Nos empobrecem deveras.
930 - Inocência
Quer calcorreando a estrada,
Quer pisando o trilho,
A inocência vive sempre rodeada
De seu próprio brilho.
931 - Dificuldade
O pensar que pensa o mundo
Tem dificuldade, a par,
Por mais que seja facundo,
De a si próprio se pensar.
932 - Caminho
Quando de medo me inundo
E caminho a vida a esmo,
Poderei fugir do mundo,
Nunca, porém, de mim mesmo.
933 - Oportunos
Jamais para decairmos,
As perdas e sofrimentos
São para nos construirmos
Mui oportunos momentos.
934 - Pior
Importa andar consciente
De que esta é minha sentença:
O pior, pior doente
É o que nega a própria doença.
935 - Partículas
As partículas atómicas
Conhecem que nunca viram,
Não da mente as tragicómicas
Funções que os sempre assumiram.
936 - Resposta
Resposta onde ninguém pensa
Que é não-resposta convence-o.
Sabedoria em sentença,
Do sábio será o silêncio.
937 - Fortes
Dos fortes um atributo
Há-de ser sempre o perdão
E dos fracos o produto,
Em norma, a condenação.
938 - Fruir
Fruir do belo é ser rico
Mesmo sem ter dinheirama
E alegre, se alegre fico
Sem razões de rir da trama.
939 - Irriga
No belo da chuva a gota
Irriga da flor a essência
Como uma lágrima anota
Que nos irriga a existência.
940 - Evoque
Evoque sempre a medida
Que pelo melhor responde:
- A qualidade de vida
Sempre o mais simples a esconde.
941 - Qualidade
Por qualidade de vida
O anonimato faz mais,
Mais saudável é medida
Do que a fama o foi jamais.
942 - Pelourinho
Preocupação e stresse
É o que ao pelourinho te ata:
Rápida a ti te envelhece
A emoção que te maltrata.
943 - Combustível
Teu combustível na lida
É o belo, prazer da viagem.
Ter qualidade de vida
Sem o belo é uma miragem.
944 - Escravos
Sociedades democráticas
São livres mas muitos vão
Escravos ser de autocráticas
Ilusões vãs da emoção.
945 - Falha
Doutrem a falha o excita,
Não a suporta, repele…
- O insone até mesmo irrita
A sombra da própria pele.
946 - Sucumbo
Quando sucumbo à ansiedade,
A emoção vai-se tornar,
Mascarando-me a verdade,
Mais agitada que o mar.
947 - Repare
Repare se entende
No mundo o que acena:
- O forte compreende,
O frágil condena.
948 - Primeiro
Primeiro a beneficiar
Do perdão é quem perdoa,
Não aquele a quem calhar
Ser perdoado, acaso à toa.
949 - Fonte
O mundo dos pensamentos
Ora é fonte de deleite,
Ora de horror e tormentos,
Conforme o que nele aceite.
950 - Gerir
Ao gerir os pensamentos
Sou livre para pensar
E não escravo dos ventos
Da mente que me calhar.
951 - Suicídio
Em suicídio se alguém pensa,
A vida não quer propor
Matar, em final sentença,
- Quer antes matar a dor.
952 - Solidão
Se do mundo abandonados,
É a solidão superável;
De nós próprios se isolados,
É pior: ela é incurável.
953 - Ouvir
Ouvir é se esvaziar
Para ouvir outrem dizer
O que quer comunicar
- E não o que eu queira ler.
954 - Aprende
O que for inteligente
Aprende com próprios erros,
O que for sábio, premente,
Com os doutrem trepa aos cerros.
955 - Bomba
Há uma bomba emocional
Ante a amável aparência:
Aparente não é igual,
Faz perder a paciência.
956 - Sai
Não é o que entra pela boca
O que um homem contamina,
É o que sai da boca à louca
Que explosiva há-de ser mina.
957 - Procede
Aquilo que sai da boca
Procede do coração
E contamina na toca
Um homem, quando há lesão.
958 - Destino
O destino dito estável
Provém do que se recolha:
O destino inevitável
É, afinal, questão de escolha.
959 - Empreendedor
Do empreendedor apriscos
Guardam riscos de memória.
Quem trepa ao pódio sem riscos
Triunfa, afinal, sem glória.
960 - Evitar
Evitar todos os riscos
Não é viável vitória.
Sem riscos comer petiscos
Coroado é ser sem glória.
961 - Vírgulas
A vida humana é uma história
Sem jamais ponto final,
Só de vírgulas memória,
Sem que a reticência a abale.
962 - Solidão
A solidão é a medida
Do destino que vestimos:
A sós entramos na vida,
Sós dela nos despedimos.
963 - Carrasco
Por mais que nos provoque asco,
Não há culpados a esmo:
Do ser humano o carrasco
Maior é sempre ele mesmo.
964 - Menino
Um homem, frequentemente,
No mundo é gigante, fora,
Mas menino em quanto sente
E que pensa em cada hora.
965 - Mais
Tua vida é mais importante
Do que dinheiro aos milhões
E mais valiosa e brilhante
Que aplausos das multidões.
966 - Fere
Do homem o maior carrasco
Será sempre o próprio homem:
Nada o fere com mais asco,
De quantos males o tomem.
967 - Fé
A fé sempre acreditar
Foi que o que se sabe, ao fim,
Embora pedra angular,
Afinal, não é assim.
968 - Esconder-lhe
Sempre o saber é fecundo,
Mesmo às vezes se atrapalha.
A cura do mal do mundo
Não vem de esconder-lhe a falha.
969 - Acredite
Pouco importa à realidade
Que acredite nela ou não:
Ela existe de verdade
E atapeta-nos o chão
970 - Distância
Entre ter sabedoria
E conquistar mais poder
A distância que se avia
Nem sempre é muita em quenquer.
971 - Corpo
O corpo físico afecta
Todo o mundo material,
O espírito se projecta
Tal e qual no espiritual.
972 - Perdes
Perdes certeza do certo,
De por tal certeza agir?
Da maturidade é perto
Ou é decadência a vir.
973 - Perspectiva
Uma opinião de alguém
Depende, na feição dada,
Sempre de quanto é refém
Da perspectiva adoptada.
974 - Dá
Na música, lei da vida,
Aquele que dá recebe
Tanto ou mais mesmo, em seguida,
Que o que ouve e nem se apercebe.
975 - Natura
Vemos que não somos nós
Que domamos a natura,
Ela é que, de pais a avós,
Nos domina a nós, segura.
976 - Símbolo
O símbolo não é nada,
O que importa é a realidade
Transparente à opacidade
Por trás dele camuflada.
977 - Estações
Terras vistas de comboio,
Tudo passa de corrida,
Baralhando trigo e joio,
Nas estações duma vida.
978 - Sinais
O rito, a marca sagrada
São só sinais com que mudo.
O símbolo nunca é nada,
A realidade é que é tudo.
979 - Falhar
Falhar e morrer é duro,
Mas é mais duro falhar
E persistir, inseguro,
Sofrendo o risco de errar.
980 - Dobro
Pratica o mal e verás,
Mesmo com bom objectivo,
Que ele um dia volta atrás
Forte o dobro, o dobro activo.
981 - Confiar
Confiar é muitas vezes
Abrir as portas, nos credos,
Perante incríveis reveses,
Ao mais terrível dos medos.
982 - Memória
A memória é uma ilusão
Da verdade que vivamos,
Que é sempre interpretação
Do que já vivenciámos.
983 - Escritor
Escritor preocupado
De estilo e não conteúdo,
Se original tem traslado,
Aborrido é sobretudo.
984 - Escolher
A liberdade absoluta
Não existe em nosso chão
Mas a de escolher que, enxuta,
Compromete a decisão.
985 - Poder
Hoje o homem recomeça
A aprender o que esqueceu:
O poder em que tropeça
É o interior, sempre seu.
986 - Sabor
De todos o melhor mel
Jamais experimentado
É da vida sempre infiel
O que for recuperado.
987 - Mentira
A mentira repetida
Acabará, de repente,
Muitas vezes, em seguida,
Por convencer toda a gente.
988 - Perto
Muitas vezes a má sorte
É boa sorte vivida,
Já que estar perto da morte
Te devolve o gosto à vida.
989 - Enrolem
Procurei sempre aventura
E por igual segurança,
Contudo nada assegura
Que ambos se enrolem em trança.
990 - Colhe
Sábio que for verdadeiro
De todos colhe as lições
E um herói que é herói cimeiro
Domina as próprias paixões.
991 - Escrever
Escrever só poderei
Sobre quanto realmente
Dentro em mim, no que me sei,
Me vem pungir veemente.
992 - Escolher
A liberdade uma ausência
Não será de compromissos,
Mas de escolher a apetência
Pelo melhor dos chamiços.
993 - Real
O real é só uma história
Que alguém contou a respeito
Do mundo e sua memória,
Dum perfil que tem seu jeito.
994 - Bárbaro
Jamais é tecnologia
Com que tantos se consomem
E alguém bárbaro faria,
Antes a mente dum homem.
995 - Mora
Lembra-te sempre que a morte
Mora onde morar a vida,
Saúde mental transporte
É da loucura hoje havida.
996 - Erros
Os erros são uma parte
Do que o mundo faz girar:
Bicho a que erro a morte acarte
Doutro é a sorte de jantar.
997 - Entristece-te
Se viveste um dia mais excitante
Que outro qualquer em tua vida,
Entristece-te de findar o instante
Mas ficas grato da madrugada acontecida.
998 - Templo
"Ai como isto nos demora!"
- Diz-te Jesus sempre a ti. -
"Do templo estou sempre fora,
Não deixam que eu entre ali…"
999 - Aprendes
Algo aprendes ao viver
E aprendes quando estudares,
Mas deveras aprender
Irás só quando ensinares.
1000 - Problema
Vencida a dificuldade,
O problema tido outrora
É duma simplicidade,
Afinal, aterradora.
1001 - Tragédia
O que a tragédia nos traz
É sempre a oportunidade
De reconstruir, capaz,
A vida que nos agrade.