Primeiro  Trovário

 

 

OS  PORTAIS  DA  PLENITUDE  AFLORA  O  AMOR

 

 

 

 

 

 

 

 

Escolha aleatoriamente um número entre 1 e 141, inclusive.

Leia o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.

 

 

 

 

 

 

1 - Portais da Plenitude

 

Os portais da plenitude aflora o amor,

O dever lendo em cada pegada do trilho,

Do ser auscultando o fulgor,

Do abismo ao infinito vislumbrando que propor

Para o círculo completar do amor ao brilho.

 

Retomo a pauta do dever,

Desvendo o ser que me calhou,

O canto elevo ao alvorecer:

- É amor apenas quanto sou.

 

Dever e ser misteriosos se entrelaçam

O infindo e a profundeza unificando

Nos laços que de afecto tudo abraçam.

 

Sou tudo não sei como nem sei quando,

Sei que a alegria por aqui me vai talhando.

 

 

 

 

 

 

2 - Os Portais da Plenitude Aflora o Amor

 

Os portais da plenitude aflora o amor

No poema de métrica regular

E rima paralela à do tambor

Do coração que nos mede cada alvor

De afectos com que iremos madrugar.

 

É o amor apaixonado

Como a amizade também,

De laços cada recado

Que a família em lar retém.

 

São sentimentos e é vontade

E a dádiva por alicerce permanente

Do poema que no imo segue o que nos grade.

 

O verso configura o que perene sente

Por trás do que muda constantemente.

 

 


3 - Veste

 

Veste teu corpo uma veste

Como um termo veste um facto:

Não só por fora o reveste,

Dum poema evoca o pacto.

 

O teu corpo é divinal:

Vestindo o termo preciso,

Aura veste celestial,

Traz à terra o Paraíso.

 

Por isso nestas palavras

Termos à veste provada

Aponho, mas nestas lavras

Dás-te, deusa, e eu não dei nada.

 

 

4 - Voz

 

Quando a voz me murmurou:

"Ai quantas saudades tuas!",

Senti que a mim me curou,

Pois que numa me juntou

As minhas metades duas.

 

 

5 - Ambos

 

Amor e realização

Andam sempre de mãos dadas

E, sem ambos, sempre em vão

São alegrias tentadas,

 

Já que apenas temporária

É a felicidade haurida,

Pois nada, na vida vária,

A faz durar em seguida.

 

Mas, se a paixão move alguém,

Vemo-lo dando o melhor

E a felicidade advém

Contagiosa em redor.

 

 

6 - Incurável

 

Como consegue resistir

E desistir de tanto, tanto,

Por amor dela, a se extinguir

Dum incurável morbo em pranto?

- Nele profundo, a dar vigor,

O amor mais vivo é do que a dor.

 

 

7 - Viagem

 

Todas as relações são

Uma viagem: nenhuma

Há-de ser segura então.

O mais que por mim se arruma

 

É arranjar a companhia

Com quem de me passear

Eu nunca me importaria

Por todo e qualquer lugar.

 

Mesmo a relação de amor

Quem vai dela ser senhor?

 

 

8 - Ajudar

 

A única forma de ajudar alguém

É me predispor sempre a escutá-lo então.

Só quando o que tentam dizer toca bem

Fundo em meu ouvido entendo o que é malsão

E as necessidades lhes irei cobrir.

Os confrontos duros que na altura ouvir

 

Me dirão que ajuda realmente ajuda

Naquele específico momento ali.

Como cada qual passa por fase aguda

Vária, diferente, em cada agora e aqui,

Como uma doença imprevisível fere,

- Aprender a ouvir tem de empenhar quenquer.

 

 

9 - Proteger-me

 

Em vez de dizer: "eu vou estar contigo,

Que posso fazer para apoiar-te em mim?",

Vejo-me a afirmar: "qual vai ser teu castigo

Do mal que fizeste? Qual teu erro, enfim?

Onde é que falhaste?" O que é também dizer:

Como proteger-me de algum mal que houver?

 

Sempre anda escondido de valor juízo

Na teorização que inócua a mim parece,

E um não assumido medo mal preciso

Na profundidade que meu imo esquece.

Então sempre a outrem, ao fim, mal me ligo,

Torno-me ameaça onde é de ser abrigo.

 

 

10 - Tratar

 

Não vês o que estás fazendo?

Estás a tratar alguém

Como objecto despiciendo,

De teorias refém

Com que anónimo o andas lendo.

 

As teorias sobre nós

Doutras pessoas quaisquer

São sentidas como atroz

Violação que a me fazer

Comete quem é feroz.

 

Eu sinto às vezes ideias

Que os amigos me apresentam

De meu morbo e suas teias

Como imposição que tentam,

Um fardo a atar-me com peias.

 

Não são preocupação

Devida, em primeira apanha,

A ter comigo atenção,

E favor nada em mim ganha

Com tal teoria à mão.

 

Tal teoria é-me infligida,

Não é de a mim me ajudar.

Minha doença é sentida

De modo a tanto assustar

Que precisam, em seguida,

 

De encontrar uma razão,

Um significado tal

Que os acalme a solução.

As teorias dão sinal

Da ajuda que quererão,

 

Não são de ajudar-me a mim,

Mas de os ajudar a eles.

E causam-me sempre, ao fim,

Muito mais rasgões que aqueles

Que me inflige a doença assim.

 

 

11 - Guia-se

 

A vera iluminação,

Quando ela se concretiza,

É comunitária acção,

A misericórdia visa,

Guia-se por compaixão

E com engenho enfatiza

Quanto pode auxiliar,

Para suprema alcançar

A final libertação.

 

A vivência iluminada

Sempre é serviço altruísta.

Somos todos, de jornada,

Um no mesmo Eu que se invista,

Corpo místico na estrada

De Deus, a abrir-nos a pista.

Então, os outros servindo,

Sirvo o meu Eu que vem vindo,

Não mais o perco de vista.

 

Quando Cristo recomenda:

"Ama o outro como a ti",

Quer dizer, por trás da venda:

"Ama o próximo que é o teu,

Que a teu lado andar aí,

Que ele é que é teu próprio Eu."

 

 

12 - Sejam

 

Sejam jovens, sejam velhos,

Sejam homens ou mulheres,

Ágeis ou frágeis de artelhos,

Ricos ou sem ter haveres,

Do Oriente ou Ocidente,

Toda, toda, toda a gente,

 

Quando nós lhes perguntamos

O que é que os faz mais felizes,

Quatro em cinco reparamos

Que respondem que as raízes

São deles a relação

Com quem ama o coração.

 

 

13 - Pulsão

 

Desejo de relação

É a pulsão mais poderosa

Que os humanos reterão,

A energia mais fogosa,

Fundamento a que se inclina

A raça que ela aglutina.

 

A solução derradeira

Do problema da existência

É uma união que emparceira

Pessoas, por excelência,

A fusão, o amor a ser:

- O Deus Uno a se fazer!

 

 

14 - Fonte

 

A relação de carinho

Fonte de satisfação

É na vida, se adivinho

Que estável a tenho à mão.

 

E um antídoto eis que é muito

Eficaz contra os efeitos

Nocivos de todo o intuito

Das desgraças e seus jeitos.

 

Quem sente genuinamente

Que é dum grupo solidário

Supera os muros em frente

Que tolhem-lhe o rumo vário

 

Muito melhor do que aqueles

Que se sentem isolados,

Sem que lhes proteja as peles

De ser marginalizados

 

Qualquer rede comunal

De suporte emocional.

 

 

15 - Casais

 

Os casais que se concentram

E sonham com o futuro

Na esperança é que se centram,

O carburante seguro

 

Que lhes move a relação

E que a impele a superar

Os obstáculos do chão

Do caminho a caminhar.

 

 

16 - Quotidianos

 

Aqueles que não perdoam

Provocações ou recusas

Ou erros que nos povoam

Quotidianos que acusas

 

É porque frequentemente

Obcecados viverão

Com a pequena, indigente

Ofensa que lhe imporão

 

O parceiro, o familiar,

Os amigos mais chegados…

E assim irão acabar,

Bebés sempre esperneados,

 

No isolamento, ofuscados

Com os ajustes de contas,

Negramente amargurados,

Sem terem medidas prontas

 

Para se reconciliar.

Não logram paz interior

Com vigor recuperar

A inaugurar novo alvor.

 

 

17 - Útil

 

A mais útil esperança

Nas íntimas relações

É a que nunca, no que alcança,

Oculta os negros senões,

 

Nem anestesia a dor

Da dificuldade real,

Não neutraliza o humor

Da humildade crucial

 

De que todos precisamos

Para as falhas conhecer,

Nem supérfluos ata aos ramos

Motivos de muda haver.

 

Esperança que não cega

Ante a possibilidade

De que à relação adrega

Que qualquer doença a invade

 

Que, por muito indesejável,

Pode até ser incurável.

 

É nesta crueza franca

Que de novo sempre arranca

 

E é provável que à fronteira

Ao fim chegue então inteira.

 

 

18 - Perdão

 

O perdão requer mudança

Cara a cara e bem sincera

Entre ofendido que o lança

E um ofensor que o alcança

Arrependido do que era.

 

Quando a ferida é profunda

E o diálogo, impossível,

O perdão é a sós que funda,

Na intimidade fecunda,

No silêncio, o que é vivível.

 

Perdoar não é negar,

Justificar, esquecer

A agressão havida a par,

Antes a tenta explicar,

Ao impessoal a rever.

 

Então aceita fracassos,

Incompatibilidades,

Como as partes, os pedaços,

Perigosos estilhaços

Da vida a fazer maldades.

 

 

19 - Raio

 

Onde melhor se traduz

A estrela na noite escura

É que és um raio de luz

Logo em tua formosura.

 

Mas então, se em gesto meigo

A Via Láctea semeias,

Do templo sagrado leigo,

Encho de Deus minhas veias.

 

Se eu, no fim, for uma estrela,

És tu que em mim a revela.

 

 

20 - Provável

 

Quando alguém está seguro

Duma relação e fé

Na longa vida lhe apuro,

Então mais provável é

 

Que considere qualquer

Dos obstáculos na estrada

Por montículo a volver,

Nunca montanha escalvada.

 

É assim no amor, na amizade,

Tal como entre pais e filhos,

Entre irmãos na alacridade,

- É a lei dos nossos atilhos.

 

 

21 - Aceitar

 

Importa na aceitação

Aceitar o entendimento

De que bem não se darão

A todo e qualquer momento,

Que sempre há uma discussão,

Que é do laço em elemento.

E que isto, porque convém,

Afinal, sempre está bem.

 

 

22 - Brigas

 

Quando dois entes confiam

Que o outro quer o melhor

Para si, as brigas triam

E bem antes do sol-pôr

As resolvem a contento,

Mero pó que leva o vento.

 

 

23 - Pausa

 

Jamais há falta de aplauso

No contexto da amizade.

Desde a escola nela pauso

Até que a pausa me invade

Da reforma onde mais causo

Apoio ao fruir que agrade.

 

Meus amigos e parentes

Em todas as circunstâncias

Se apoiam ali presentes,

Em mais ou menos instâncias.

Uns aos outros firmemente

Dão as mãos, é ponto assente.

 

A aplaudir e a dar mais força

É que a amizade se esforça.

 

Porque nunca há falta disto

Nela à vida é que me alisto.

 

 

24 - Proteger

 

Quando proteger a uma mulher um homem,

Não indica a sério que ele a cuida fraca,

Inapta a tratar de anéis que a vis consomem,

Ou por demais débil ante quanto a ataca.

 

Mais perfeitamente pode estar mostrando

Que ela é valiosa demasiado então,

Demais importante para ir travando

Sozinha as batalhas que uma vida são,

 

Sempre, eternamente abandonada só

Perante a iminência de tombar no pó.

 

Longe de a humilhar, enaltecê-la isto

Há-de sempre enquanto é amor que ali avisto.

 

 

25 - Valorizamos

 

Se valorizamos relações estreitas,

Muito duradoiras, de qualquer feitio,

Então depender é, das acções afeitas,

Virtude a tentar, de que há-de haver ousio.

 

E é depender doutrem e será pender

Outrem de nós outros, paridade igual.

Esta dependência praticar quenquer

É freima diária, dum alvor sinal.

 

Toda a independência que lutar vá contra

Os laços deslaça: ao fim ninguém encontra.

 

 

26 - Privacidade

 

A privacidade me agravar pressões

Irá porventura à nuclear família.

Poderá impedir doutrem quaisquer tenções

De se imiscuir onde houver só vigília

 

Em nossos assuntos que ninguém partilha,

Mas pode também a relutância nossa

Em buscar ajuda acrescentar a ilha

Quando é de evitar apenas vaga mossa.

 

Esconder tentamos os problemas tidos

Atrás de fachada familiar perfeita.

Esmagam as pedras os vitrais fingidos

E a santa capela não tem santa eleita.

 

 

27 - Instrumentais

 

Instrumentais laços compromissos são

Ao longo do tempo, acaso a vida inteira.

Práticos problemas resolver irão,

Que no mesmo barco alinha a nossa esteira.

 

Laços afectivos em afectos frágeis

Vão evanescentes se apoiar volúveis.

Então contingentes hão-de ser, como ágeis

Em se transmudar, nas águas sais solúveis.

 

Desde que os humanos a existir começam

Que nós uns dos outros precisamos bem,

Por satisfação emocional que aqueçam,

A sobrevivermos, por igual, também.

 

Não são só crianças que precisam ser

Úteis, requeridas, com lhes ser benéfico

O facto de o serem ante assim quenquer.

Todos precisamos, que não é maléfico,

 

De uns aos outros sermos úteis vida fora

E tão mais felizes quão menor demora.

 

 

28 - Viverá

 

Qualquer fumador com excessivo peso,

De colesterol, arterial tensão

Cheio e bebedor sem nunca andar repeso,

Se amigos, família bem chegados são,

 

Viverá mais tempo que o sozinho vive

E bem mais saudável, que o amor deveras

Protege real a quem se não lhe esquive,

Antes nele aposte a fermentar as eras.

 

A longevidade os laços bons fermentam,

Brisas que à semente o sol abrir intentam.

 

 

29 - Goza

 

Goza bem a vida, que é o que mais importa.

Não te preocupes com dinheiro a sério,

Encontrarás sempre algum à tua porta

Para te aguentar assente em teu mistério.

 

Antes sê o amigo de família, amigos,

E terás de teu teus mais subtis abrigos.

 

 

30 - Companhia

 

Parentes e amigos, se são bem chegados,

Sejam semelhantes, diferentes sejam,

Imenso prazer de tais comparsas dados,

De tal companhia tiram quando o almejam.

 

Têm um efeito relaxante então

Cada qual no outro, brincam entre si,

Riem muito juntos: rir é quase o pão,

Sacramento vivo a alimentar ali.

 

Quer seja a brincar para afastar tormentos,

Apenas a dar umas risadas breves,

Quer a dissipar de algum problema os ventos,

Quem do riso foge às sinecuras leves?

 

 

31 - Afectuosa

 

Quando a relação é afectuosa, estreita,

Muito duradoira, de falar o modo

Dum para com outro, o que dizemos, feita

A conta final, a ocasião de todo

 

O comportamento singular vai ter

Um significado em que a palavra é nada:

- Há um entendimento por de nós qualquer

Além das palavras, a abrir sempre a estrada.

 

 

32 - Refúgio

 

Os amigos criam um refúgio firme

Sempre um para o outro, tal privado reino

E muito seguro, onde ninguém confirme

Que forçado irá ter de enfrentar, sem treino,

 

E directamente o mundo que é cruel.

E também não é constantemente, enfim,

Nunca avaliado e de julgar papel

Não é uma função desta amizade assim.

 

Fácil encontrar é quem receba bem

Quando bem agimos, quando somos bons.

Mas quem vai amar-nos quando o erro vem,

Nos portamos mal, negros vestimos tons?

 

 

33 - Protecção

 

Demasiadas vezes protecção sinónimo

É, nas relações entre mulher e homem,

De mero controlo e, por igual, homónimo

É ser dependente a controlado ser.

Quem for dependente (e se o poder lhe tomem)

Tem de suportar noutrem algum poder

Que sobre ele exerça, a mal ou bem querer.

 

Põe a dependência com premência aquele

De quem se depende em posição de alerta,

Já que é responsável de uso não fazer

Perverso ao poder a que o momento apele:

Outorgado foi-lhe para a via aberta

Manter para a vida que outrem nutre esperta.

 

 

34 - Privados

 

Quanto mais privados indivíduos somos,

Mais distanciados da família andamos.

Quanto mais distantes nós do lar nos pomos,

Bem mais de nós próprios afinal ficamos.

Bem mais solitários nos de vez sentimos

Quanto mais de nós nos distanciados vimos.

 

 

35 - Compromisso

 

Qualquer compromisso avaliar-nos há-de

Que necessidades prioridade são

Em dado momento e que contrato agrade

Baseado nelas, combinado então

 

Com conhecimento de eventual conflito

Mas que pouco importa, dado o nosso fito.

 

Há um entendimento mútuo, sem sinais,

De que amigos, lar, perenes somam mais

 

Do que o somatório de seus membros todos

Se individuais os conto em meus engodos.

 

 

36 - Igualdade

 

Com analogia a relação que houver

Não tem nunca a ver quando igualdade busca.

Como nos tratamos antes tem a ver,

Se consideramos quanto o amor chamusca:

É mais equidade, justiça entre nós

Do que cópia algures do que vem de avós,

 

É como respeito e valorizo alguém

E a contribuição que ele puder fazer,

Não levar a mal se não pode ir além.

É como ajudá-lo, quando ele o quiser,

Ou mesmo operar ali por ele acaso,

Pois ser fraco ou forte é de quenquer, a prazo.

 

Há uma analogia em relações quaisquer:

É a de mim comigo e a do que então fizer.

 

 

37 - Busca

 

No amor busca o homem confiança plena,

Apreciação, admiração total,

Encorajamento, aceitação final.

A mulher prefere da atenção a antena,

Tranquilização, compreensão cordata,

Devoção, respeito de findar sem data.

 

Os laços de amigo, porém, não serão

Assim: lá buscar devotamento é vão…

 

Menos exigentes, findarão por ser

A rede de apoio a segurar quenquer.

 

 

38 - Tempo

 

Para o amor o tempo em relações é chave:

Se quero que dure, permitir irei

Que siga o caminho sem de tempo entrave,

Ziguezagueando por pauis sem lei,

Sem directamente cobrir auto-estrada,

Talhando o sendeiro como o quer de entrada.

 

Não é melhor táctica, nos laços bons,

Tomar decisões que pressurosas são,

Nem em tons de fúria nem de afecto em tons,

Por mais que lá veja o que outros não verão.

Se estou empenhado num trajecto longo,

Esperar devia o tempo em que me alongo.

 

As verdades brotam lentas e tranquilas,

Podem levar anos a ocupar as filas.

 

 

39 - Preocupado

 

No sexual amor preocupado vou

Com o que eu disser, como é que irá reagir

Àquilo o meu par e com que impacto entrou

Nesta relação, se irá querer seguir

A apostar comigo ou vai dizer que não

No jogo de espelhos o meu par de então.

 

Porém, entre amigos, quão se mais conhecem,

Menos se preocupam, de espelhar se esquecem.

 

Desanuviado, tudo finda em brando

E gozoso encontro a haver de vez em quando.

 

 

40 - Liberta-o

 

Se amares alguém, então liberta-o todo.

Se, após libertado, para ti voltar,

Terás a certeza de que te ama em modo

Tal que no golfão já poderás nadar

Da felicidade que fulcral desejas

E em ti se consuma no que tanto almejas.

 

Mas, se não voltar, ficas então sabendo

Que não era vero tal encontro havido.

Sacode-o de ti, virando e atrás volvendo,

E muita coragem hás-de ter sentido,

Mormente se aquele único em ti tocou

E, depois da espera, te por fim frustrou.

 

Nada disto ocorre com parente, amigo:

Dão-te a segurança de que estão ali,

Pois um para o outro sereis sempre abrigo

Quando for preciso e onde o mal senti,

Junto à liberdade de ser cada qual,

Livre de ir e vir, sempre a si mesmo igual,

 

Livre de estar lá como de não estar.

Jamais é questão de abandonado ser

Nem desapontado, que sempre há lugar

Dentro da amizade a libertar quenquer.

Amor e amizade são pendor oposto,

Em certos vectores, dum só mesmo rosto.

 

 

41 - Auto-suficiência

 

A um grau razoável aspirar defendo

De auto-suficiência, de ganhar a vida,

Pagar as despesas, que, saudável sendo,

É bem positivo e apropriado à lida.

Contra a independência sou, por outro lado,

Que, estremando aquilo, todos há isolado.

 

Prefiro cuidar de quem à minha volta

Vive a batalhar e que me cuidem eles

Em troca, atenciosos pela vida envolta.

Quero confiar a um ponto tal que, imbeles

Embora meus gritos, se me corre mal

Tudo, eles me ajudem com fervor total.

 

Se eu cometer erros, mal sair-me, enfim,

Serei perdoado, de excluído em vez,

Aceite serei, já não julgado assim.

Quero confiar em mim de tal jaez

Que, caso se inverta tudo, a todos dou

Consideração, compreensivo sou,

 

Embora isto custe inominável custo

Para a minha vida ou de alguém mais também.

Suspeito que nisto não difiro, ajusto

Ao que muitos outros visarão por bem,

Já que a maior parte das pessoas quer

O que mais as cura e muito pouco as fere.

 

 

42 - Dependência

 

À nossa egoidade a dependência ameaça

- É crença comum, como indivíduo perco.

O individualismo a independência traça,

Confundo indivíduo com todo este cerco.

Ora, a independência contra mim milita

E como indivíduo me destrói, maldita.

 

Sendo independente, toda a força vai

A uma autonomia dedicada ser.

Hei-de ser capaz, no que de mim me sai,

De por minhas mãos tudo por mim fazer.

Menos tempo temos de evoluir pendores

Naqueles aspectos que em mim são melhores:

 

Aquilo em que gosto antes de mais agir,

Personalidade que em mim faz que sou.

Se, ao invés, for parte dum anel que, ao ir,

Todo interdepende, com auxílio vou

Duns para com outros: no que não sou bom

Com os demais conto e dou-lhes meu condão.

 

Para além do apoio, amor que aqui partilho,

Tenho a ocasião de evoluir melhor.

Poderá não ser tão vário meu rebrilho

Por em mil facetas já me não propor,

Mas provavelmente serei mais feliz

E bem mais eu próprio neste meu cariz.

 

 

43 - Abarcado

 

Muito é o abarcado de amizade em laços:

É uma aceitação e de pertença afecto,

Serão os dois lados de sentir os traços

De estar confortável doutrem sob o tecto,

Mais o sentimento de seguro andar

E com confiança, como em nosso lar.

 

E é o relaxamento, este viver no alívio

Que experimentamos quando nós sabemos

Nunca avaliados sermos, por oblívio.

Com força demais nós de tentar não temos

E é o melhor estado a convivência fácil

Quando demais nunca nada é assim tão grácil.

 

 

44 - Complementar

 

Ser complementar é o que a amizade impõe,

Uma prontidão para aceitar, leveiro,

E para aprender que divergir supõe,

E aos mais permitir o espaço todo inteiro,

Tão largo e folgado que acomode opostos

E mesmo atitudes de abolidos rostos.

 

Nunca tem a ver com esquivar conflitos

Mas com redução do que é que importam eles,

Com longe do centro desviar atritos

Para poder-se ir além de nossas peles.

Não é de ignorar qualquer fatal confronto,

Antes quem ferir sempre eficaz afronto.

 

Mas em perspectiva discrimino as brigas,

Entre as que mais contam e as que não são nada,

Sinto a diferença em competir em ligas

Que beneficiam e as que logo à entrada

Dão um vencedor para milhões vencidos:

Encorajo aquelas, salvo aqui perdidos.

 

 

45 - Pressão

 

A pressão imposta aos conjugais enlaces

Finda insuportável em modelos de hoje.

Na familiar rede alargada outras faces

De parentes vários aguentar quem foge

Ao peso da vida poderão contentes,

São com que falar, se houver lesões urgentes.

 

Escolher podemos a melhor pessoa

A que peço ajuda no difícil transe.

No lar nuclear serão os pais, à toa,

Que os filhos tutelam, falhe embora o lance,

Em vez de irem todos contribuir, cordatos,

Para o bem comum duma família os actos.

 

Os pais têm então de confiar em si

Tal como um no outro, tal jamais outrora.

Isto é ameaçado ao se fixar aqui

Ser independente como meta agora.

Desapontamento aumentará então

Duns com outros mais e só por tal razão.

 

Um só indivíduo substituir não pode

Um clã por inteiro, se realista for.

Importa escolher o que a ajudar acode:

Confiar nos amigos, teia à vida a impor.

A amizade estreita alternativa fica

Do amor aos canais, quando ele não se aplica.

 

 

46 - Avaliativo

 

Do cônjuge mais avaliativo sou

Do que o sou perante um qualquer meu amigo.

Os pecados, erros de meu par eu vou

Sentir mais em mim que o que de alguém lobrigo.

Se um amigo infiel ao outro for e o conta,

É coscuvilhice, só conversa tonta.

 

Se infiel é o par, então nem narra o caso:

Mais que chã conversa, alterar pode tudo,

E devastador como humilhante, acaso,

Há-de ser por fim, mesmo se nem lhe aludo.

Se há menos em jogo, poderei dar mais,

O incondicional é de amizades reais.

 

Já no casamento é contratual questão

De obrigações mútuas que cumprir-se exigem.

Não é que impessoal finde, em legal tenção,

Mas que quer padrões em que atitudes vigem.

Cada qual vai ter de garantir promessas

Para que eficaz o laço peça meças.

 

 

47 - Parecer-lhes-ás

 

Em menos do que uma espera

Parecer-lhes-ás um deus,

(Quando eras apenas fera)

Desde que aos princípios teus

Voltes que te põem são

E são fruto da razão.

 

Tanto os homens alheado

Vivem o dia a teu lado!

 

 

48 - Acaso

 

Da vida familiar

O condão é apresentar

Cada qual, no dia-a-dia,

Aos demais, pois, doutro modo,

Ninguém o conheceria

Acaso, de todo em todo.

Tal quebra do anonimato

Constrói-nos, mas a recato.

 

 

49 - Conhece

 

Quando alguém conhece alguém

Principiamos o esboço

Que durante a relação,

Seja embora íntima ou não,

Se completa tempo além:

Retrato fruta em caroço

 

A pastel, a tinta preta,

A óleo ou aguarela,

Que só após da morte a meta,

Por não haver mais sequela,

 

Se pode considerar

Que então está terminado.

E talvez nem se calhar

Em tal altura há findado.

 

 

50 - Mulher

 

A mulher tem mui diversa

Aparência se é feliz,

Se a beleza que dispersa

De bem-estar tem cariz

Ou de saber, na jornada,

Que é profundamente amada.

 

Até mesmo a mulher feia

Acaba atraindo olhares

Se vida feliz a alteia

Entronizando-lhe altares

E toda irradia a luz

Em que a vida se traduz,

 

Enquanto a mulher penteada

Muito elaboradamente,

Toda em jóias marchetada,

Decorativo é pingente

Se não transpira a contento

Integral contentamento.

 

 

51 - União

 

A ligação amorosa

É união de muitas partes:

Uma sensação gostosa

De especial ser que repartes,

O físico que estremece,

O ciúme, a perda, a prece…

 

Não é nunca trajectória

Projectada em linha recta,

É um baralho sem memória

De cartas que, mal se enceta,

Jogamos ao baralhar,

Carta a carta a se encaixar.

 

Qual o fim, qual o destino,

Sei lá bem a que me inclino!

 

 

52 - Grande

 

O grande amor acontece

E acontece só uma vez,

Não pode haver na quermesse

Mais que a prenda do entremez.

 

É que este único amor dura

E perdura na memória,

Na língua e nos olhos pura

A amada imagem em glória

E nunca pode, esquecido,

Ser vida fora perdido.

 

 

53 - Momento

 

Não pode ter sido amor

Nem sequer uma paixão,

Que um momento sem valor

Não é disto ocasião,

Antes reconhecimento

Foi muito além deste evento:

 

Tal se cada conhecera

O outro mas não somente

Dum anterior dia ou era,

Antes desde eternamente

E também (ninguém o augura)

Desde uma data futura.

 

O amor, quando nele cismo,

É da infinidade o abismo.

 

 

54 - Enguiço

 

Claro que foi, foi amor

No momento, aquela noite.

Ambos tombam ao fulgor

Dum enguiço que os acoite,

Tombam no enfeitiçamento

Que eterno torna o momento.

 

Podemos chamar-lhe amor,

Obsessão, romance acaso,

Duma ilusão o estupor,

Depende de qual o prazo

Que alguém distar deste evento

E de qual o envolvimento,

 

Mais ainda do poder

De acreditar na noção

De dois entes que hão-de ser

No Universo a agitação

De quem está destinado

A encontrar-se em todo o lado.

 

Se calhar são os dois feitos

De sempre um ao outro afeitos.

 

 

55 - Cuidas

 

Cuidas que os que nós amámos

Nos deixam alguma vez?

Cuidas que os não recordamos

Com muito mais nitidez

Do que nunca nos momentos

Mais difíceis, nos tormentos?

 

Cada qual dentro de ti

Está vivo e se revela

Com mais nitidez ali

Se precisas dele ou dela.

Senão como produzir

Poderias o porvir?

 

 

56 - Força

 

Há uma força em simultâneo

Maravilhosa e terrível,

Mais que da morte o calcâneo,

Que da inteligência o nível,

Que as forças da natureza

E tudo o que o mundo preza.

 

É acaso o mais misterioso

Poder a que não há escudo,

Poder de que tens o gozo

Na escala a que entregas tudo:

- De teu coração é o voo,

O voo que te salvou,

 

De pedra algures no chão,

A rei ser da criação.

 

 

57 - Divórcio

 

Mesmo um bom divórcio fardo

Pesado é que, durante anos,

Molda os filhos como a dardo,

Perfis de arestas com danos.

 

Após, estes o que querem

Sabem: casamento forte,

Lar e todos a entenderem

O que é com maldita sorte

 

Crescer como eles cresceram.

Querem um mundo seguro

Para os filhos que ponderam:

Um só mundo, mesmo impuro,

 

E não os dois entre os quais

Andaram saltando, bolas

De jogo que pontapeais

Sem árbitro ou bandeirolas.

 

 

58 - Células

 

Filhos de divorciados,

Entre as células um elo,

(Os dois mundos separados

Dos pais, sem qualquer apelo)

- Definitivo senão

Do estado de solidão.

 

 

59 - Pedra

 

Para um lar a segurança

Dum filho é a pedra de toque.

É a diferença que alcança

Entre uns e outros o enfoque:

Dum divórcio, os inseguros,

Dum lar seguro, os seguros.

 

Mesmo o bom divórcio é

Sempre um mal crescendo ao pé,

 

Na perspectiva dos filhos,

Senão dos demais cadilhos.

 

 

60 - Núcleo

 

Famílias biparentais

Têm por núcleo crianças.

O divórcio inverte tais

Coordenadas que entranças,

 

Pois cada progenitor

É o centro então de seu mundo.

As crianças vão-se pôr

Fora, do lado infecundo.

 

E a infecundidade é o mote

Que um divorciado cote.

 

 

61 - Preciso

 

É preciso ser um louco

Para amar quem nos magoou

E ainda mais louco um pouco

Para crer que nos amou

Quem apenas nos magoa

E nem vê quanto nos doa.

 

 

62 - Ciúmes

 

Podem os ciúmes subir

Como uma maré que apaga

Os eventos que fundir

Se vieram à nossa plaga,

Gravados como uma glória

Na baixa-mar da memória.

 

Fica o vazio na brisa

Da praia deserta e lisa.

 

 

63 - Vive

 

Tudo vive em relação,

Os homens com animais,

O estranho com os que o são,

Vós com todos os que amais,

O marido com mulher,

Pai com filho e o mais que houver…

 

Se me cortar algum dia,

Outro qualquer sangraria

 

E, se salvarmos alguém,

A nós salvamos também.

 

 

64 - Função

 

A função duma criança

É crescer. Por que razão

Um pai se sente e se alcança

Tão desiludido então

Quando, como por magia,

Isto lhe acontece um dia?

 

 

65 - Dentro

 

Um mundo por dentro delas

Têm as gentes daqui.

Oferecem-te as estrelas,

Partilham suas janelas,

Emprestam-te um alibi,

 

A elas próprias se dão…

E o que em tudo isto arrebata

Tem tais raízes no chão

Que em nós é uma rota inata.

 

Não te preocupes, pois:

Aquece-te nestes sóis.

 

 

66 - Amparar-nos

 

Por que têm de partir

Aqueles a quem amamos,

De que tanto precisamos

A amparar-nos o porvir?

 

Para mui longe não vão,

Ainda os tens dentro de ti

E de certeza que não

Podes perdê-los daí.

 

Tua mãe fala contigo

E teu pai vem recordar-te

Como juntos cada parte

Perfizeram dum abrigo…

 

São mais presentes então

Se os ouves no coração,

 

Seja qual for o cadinho

Da morte a apurar caminho.

 

 

67 - Merecer

 

Só quem amar com bondade,

Mesmo não com permanência,

Merece a afectividade

Daquele, por excelência,

 

Que anda, afinal, dele à espera

Ao longo deste caminho

Que se estende de era em era

E vida fora adivinho.

 

Quem tal rumo não trilhar

Nunca então há-de encontrar.

 

É que, mesmo quando encontra,

Nunca vê o que está na montra.

 

 

68 - Perdoar

 

Fica mesmo mais barato

Não esperar das pessoas,

Perdoar cada pataco,

Embora do que lhes doas

Não mereçam nenhum acto:

 

Fá-lo por ti. O inimigo

A quem nós não perdoamos

Dormirá sempre ao abrigo

Da cama onde nos deitamos.

Perturbará, se o fustigo,

O sono onde repousamos.

 

De sono em tortura cheio

Só vivo uma vida a meio.

 

 

69 - Desiste

 

Se você não compreender

Aquilo que se esconder

 

Dos outros por trás das falhas,

Deles desiste das calhas.

 

É que, para perdoar,

Não basta, não basta amar,

 

Antes pensar é preciso

E entender com todo o siso.

 

 

70 - Talhar

 

A solidariedade

Talhar, o dom de pensar,

O amor mútuo, em toda a idade,

 

É muito mais importante

Que o dinheiro a arrecadar

Mundo fora vida adiante.

 

 

71 - Traz

 

O que a vida traz amamos,

Carros, conforto, prestígio,

Casa, dinheiro sem amos,

Da fama o fugaz fastígio…

 

Quem for a sério, sonhar

Ama: doar-se, coexistir,

Criar e dialogar,

Falar tanto quanto ouvir…

 

- Entre os dois sempre balanço

Mas só neste é que me alcanço.

 

 

72 - Clima

 

Quando há clima de respeito,

Clima de compreensão,

Tomar vivências a peito

Que a nós só mágoa nos dão,

 

Delas falar, alivia,

Gratifica e ferramentas

Dá no pão de cada dia

A superar as tormentas.

 

 

73 - Riquezas

 

Todos têm escondidas

Riquezas dentro de si,

Mesmo as mentes mais perdidas,

Marginais sem alibi,

 

Mesmo os que erram e fracassam

Continuamente, fatais.

Garimpe os oiros que grassam

Dos rios nos pedregais

 

Daqueles que você ama.

Garimpe os oiros que brilham

Por dentro de si na trama

Do que os gestos mais perfilham.

 

Poucos sabem garimpá-lo,

Ao oiro que há nas matrizes,

Poucos, por isso, o regalo

Hão-de ter de ser felizes.

 

 

74 - Melhor

 

O melhor que houver na vida

Terá de ser cultivado.

Muito marido, na lida,

Só descobre que há magoado

A mulher que à angústia cede

Quando ela o divórcio pede.

 

Algumas esposas só

Entendem o lar desfeito

Quando o grão final de pó

Do amor já voou do leito.

Não há mais chuva na eira

Que replante a sementeira.

 

Alguns apenas investem

De vida na qualidade

Quando a cama já revestem

Dum hospital, na orfandade.

Tarde então será demais

Para utopias que tais.

 

 

75 - Paredes

 

Nas paredes tu reparas

As rachas que fenderão,

Não as fendas de anteparas

Que minam a relação.

 

E da torneira que vaza

Estancas água a verter,

Não o vazamento em casa

Das afeições a morrer.

 

Não te perguntas então

Por que ocos teus anos são?

 

 

76 - Histórias

 

As histórias não partilham

Doravante pais e filhos,

Os eventos já não brilham

Da vida entre trocadilhos.

 

A família anda a tornar-se

Num grupo de gente estranha:

Cada qual vive a isolar-se

Na vida própria que apanha.

 

Uns dos outros já perdidos,

No nada são dissolvidos.

 

 

77 - Ajuda

 

A vida tão preciosa

Não será para que escolha

Preservá-la, especiosa,

Em vez de ajudar: acolha

 

Quem de si for precisado.

Todos morrerão, um dia,

E não há maior legado

Que a ajuda que espalharia.

 

 

78 - Alquimia

 

Se um dia te sentes só,

Assustado com o mal,

Não te esqueças deste pó

De alquimia universal:

Por longe que ande em meu ramo,

Não te esqueças de que te amo.

 

Porque é deveras verdade

E aquilo que de melhor

Quem a tal se persuade

Poderá sempre propor,

Poderá sempre fazer

Por ele, outrem, por quenquer.

 

 

79 - Amigos

 

Somos amigos, bem mais,

Às vezes muito melhores

Do que serão muitos pais,

Sempre a cobrarem favores.

Amigos porque queremos,

Nunca obrigados seremos.

 

Escolhemos ser amigos,

Ninguém impõe tais abrigos.

 

 

80 - Consegui-lo

 

Se houver de renunciar,

Não podendo mais fazer

Por alguém a quem me doar,

Consegui-lo hei-de poder.

 

É que em meu íntimo guardo

A inestimável memória

Do que vivemos, com que ardo

Muito além da fátua glória.

 

As boas recordações

São o bem mais precioso

Que se pode aos corações

Doutrem dar com mútuo gozo.

 

 

81 - Respira

 

Um homem deve saber

Que respira porque a mãe

Lhe olhou para o rosto e, ao ver

Quão lindo ele era também,

Deliberou livremente

Amamentar-lhe a semente.

 

A criança (que então vive

Porque a mãe já desistiu

De tanto que se lhe esquive

Para quando à luz o deu)

Deve ver se não olvida

Que à mãe é que deve a vida.

 

 

82 - Atamos

 

À luz damos nossos filhos,

Não os criamos de todo.

Atamos neles cadilhos,

Fundo a vida deste modo,

 

Reivindico seus pecados

Como as vitórias havidas

Tal se foram meus os dados,

Fruto de minhas corridas.

 

Um filho é um eu imortal

E, se por mim veio ao mundo,

Tomar não devo o fanal

Do fado dele em que abundo:

 

Meus não são os actos seus

Nem culpá-lo irei dos meus.

 

 

83 - Parcela

 

Ninguém pode alguém mudar

Numa parcela de gente.

Cada qual pode-se olhar

Como inteiro, integral ente,

Ou parcial: e meu viver

Vai conforme o que escolher.

 

Porém, se o tomo por parte,

O resto porei aparte.

 

Traio-lhe o que é nesta imagem

E aqui finda a comum viagem.

 

 

84 - Envolve

 

Qualquer boa relação

E por melhor que ela seja

Sempre envolve discussão.

 

Caso contrário, viceja,

Não um relacionamento

Que um encontro sempre almeja

 

De dois num só movimento,

Vidas que antes são distintas,

Mas de ambos o isolamento,

 

Onde em comum nada sintas.

A fricção é só o momento

Saudável de ajustar cintas.

 

 

85 - Pais

 

Quando os pais se separarem

É importante que reparem

 

Que nunca se separaram

Dos filhos que ambos geraram.

 

Cuidar deles em conjunto

Então é primário assunto.

 

Alguma civilidade

Bem como mútuo apoio

É o que aos filhos mais persuade,

Trigo que lhes monda o joio.

 

E por quê prejudicá-los?

- Não têm culpa dos abalos…

 

 

86 - Mútuo

 

Se houver mútuo envolvimento

E vera seriedade,

Tanto quanto um casamento,

Dura, sem solenidade,

A união de facto, intento

Sem papéis mas de verdade,

Que eles não desistirão

Nos muros que enfrentarão.

 

Vivemos no imediatismo,

Ninguém com a frustração

Sabe lidar, é um abismo,

Nem a tença adiar, chão,

Hoje logra em seu autismo.

A lutar não tenderão

 

Por aquilo em que acreditam

Os que pouca fé concitam.

 

De hoje a crise das nações

É crise de convicções.

 

 

87 - Podem

 

Podem bater, ameaçar,

Podem gritar: morrem de medo

Duma mulher, basta-os tocar.

Pode não ser, ouvido o credo,

 

Certa mulher com quem casaram,

Mas há sempre uma que os assusta,

Molda a caprichos que os ataram.

E quanta mãe a tal se ajusta!

 

Seja quem for, tais homens são

Dum medo vil a vil função.

 

 

88 - Mal

 

Mal na civilização

Era a deflorestação,

 

Fim da camada de ozono,

Morte aos pandas, de abandono,

 

O tabaco, os alimentos

Cancerígenos fermentos,

 

A situação nas prisões

Dando a mil crimes lições…

 

Mas bem pior do que tudo

E com tudo bem conexo

É o mal com que mais me iludo:

O mal com que vivo o sexo.

 

É sempre meu mal maior,

Pois com ele me confundo:

Desligo sexo de amor

E sozinho vou ao fundo.

 

 

89 - Tolera

 

Pode um homem tolerar

Uma semana de sede,

Ou duas de fome, a par,

Anos sem tecto ou parede,

- Não tolera nunca, não,

Apenas a solidão.

 

A pior é das torturas,

De todos os sofrimentos.

O que procuro procuras:

Da companhia alimentos.

Sou contigo sofredor

Deste afecto destruidor:

 

Sentir que ninguém no mundo

Comigo se importa a fundo.

 

 

90 - Mentira

 

É o amor escravidão,

Escravidão consentida?

É mentira, não é, não,

Antes é minha medida,

Que a liberdade só existe

Se, presente, ele persiste.

 

Quem se entrega totalmente

Então plenamente é que ama,

É que então livre se sente

E a liberdade proclama

Sem palavras mesmo acaso,

Com todo o ser e sem prazo.

 

 

91 - Ninguém

 

No amor ninguém magoar

Poderá ninguém de vez,

Do que sente deve dar

Cada qual conta, ao invés,

E ninguém pode culpar

Outrem do próprio revés.

 

Se já me senti ferido

De perder a quem amei,

Hoje vivo convencido

De ninguém perder, por lei,

A ninguém, que possuído

Ninguém é na nossa grei.

 

Da liberdade experiência

Verdadeira é ter do mundo

A mais importante essência:

Do amor quem me entregue ao fundo,

Sem ter dele a dependência

Nem possuí-lo, infecundo.

 

 

92 - Pedra

 

Cai uma pedra no lago

De minha vida, é a paixão.

Pode descrever o afago

Da beleza num vulcão

Dum encontro fulminante

Entre dois, vida adiante,

 

Mas não se limita a isto,

Apelo do inesperado,

Vontade, em tudo o que alisto,

De agir logo afervorado

Com esta certeza insana

De um sonho cumprir com gana.

 

A paixão dá-me sinais

Que me guiam vida fora.

Cabe-me decifrar quais

Eles aqui são e agora.

Por eles agindo em pleno

Sei o que acolho e condeno.

 

 

93 - Dou-te

 

Em vez de te oferecer

O que adorarias ter,

 

Dou-te uma coisa que é minha,

Que é de mim próprio vizinha.

 

É um presente em que te aceito,

Vero sinal de respeito

 

Por ti diante de mim,

Pedindo que tu, assim,

 

Compreendas que importante

A teu lado, a todo o instante,

 

É estar confiantemente.

Agora em ti tens presente

 

De mim mesmo aquela parte

Que te entreguei, de tal arte

 

Que é de espontânea vontade

Que me dou em liberdade.

 

 

94 - Primeira

 

Importa a primeira chispa,

Lume do primo desejo

Que subterrâneo nos dispa,

Proibido no incerto ensejo,

 

Não consentido ou buscado.

Ignoras se estás perante

Metade que te há faltado,

Teu perdido outro eu distante,

 

Nem ele tão-pouco o sabe.

Algo os atrai, todavia.

Ora, urge crer que ali cabe

A verdade da magia.

 

 

95 - Prazer

 

Maior prazer não é sexo,

É paixão com que é fruído.

Se o valor desta conexo

Grande for no que é vivido,

O sexo vem consumar

A dança que o par dançar.

 

Ele jamais, afinal,

Será o ponto principal.

 

 

96 - Transbordar

 

Quem andar apaixonado

Sempre anda a fazer amor

Mesmo não o tendo andado.

Quando os corpos com ardor

Se encontram, tudo se enlaça,

É só o transbordar da taça.

 

Poderão juntos ficar

Horas, dias ou semanas,

Pode a dança começar

Num dia em que a luz emanas

E findar noutro qualquer

Ou nunca, tanto é o prazer.

 

Nada a ver tem tal amplexo

Com uns minutos de sexo.

 

 

97 - Bastante

 

Não sei se ela voltará,

Mas, pela primeira vez,

Não faz diferença alguma.

É bastante tê-la cá,

De minha mente na tez,

Na afeição de que ela é a suma.

 

Vou colorindo a cidade

Dela com os passos belos,

As palavras, o carinho…

Se outro lugar mais me agrade,

Tem oiro de seus cabelos,

Seu nome, a lembrar um ninho.

 

Tudo o mais que aqui vivi,

Todo o mal por que passei,

No porvir não serão nada

Ao pé do que lembro ali.

E o sonho que sonharei

É com ela de mão dada.

 

 

98 - Poder

 

Por que é que a mulher se entrega

A um homem de que não gosta?

É um poder que a porá cega:

A consciência em que aposta

De que ele finda impotente

Às mãos débeis com que o tente.

 

É o que sente por aquela

Que a possuir mas que, esquivo

E por mais que ele a atropele,

Acaba dela cativo.

 

 

99 - Aceitar

 

Todos os dias preciso

De a mim me reconstruir

Para aceitar que ter siso

É amar alguém, a seguir,

Porém tanto e tão a esmo

Que o ame mais que a mim mesmo.

 

 

100 - Forças

 

Das naturezas diversas

Nasce o amor, contradição

Onde ganha forças tersas:

Confronto e transformação

Eis onde, sem mais reserva,

Vivo um amor se preserva.

 

 

101 - Entendes

 

Entendes tudo mui bem

Mas de entender, de repente,

Deixaste de vez, porém.

Tal qualquer marido assente,

 

A esposa a considerar

Começaste como parte

Dos utensílios do lar,

Um móvel mais posto aparte.

 

Depois na lareira a brasa

Apagou-se-te na casa.

 

 

102 - Dominamos

 

Dominamos a energia

Do sol, do vento, do mar…

Se se dominar um dia

Toda a energia de amar,

Mais ela importará logo

Que a descoberta do fogo:

 

- Vai ser, num gesto fecundo,

Do nada criar um mundo.

 

 

103 - Esforço

 

Que te leva a acreditar

Dever ser recompensado

Com o acordo de teu par

Teu esforço denodade,

Com o reconhecimento

E todo o agradecimento

 

De quenquer a quem amares?

Estás aqui por caminho

Ser este de caminhares

Em teu destino sozinho,

Nunca por teu fito ser

Comprar um amor qualquer!

 

 

104 - Instrumento

 

Ser instrumento do amor

E jamais o dono dele

Garante inteiro o fervor

Por alguém, que o fogo impele,

Não, porém, por convenção

Obrigar o coração.

 

 

105 - Pior

 

Pior do que caminhar

Só na urbe e miserável,

Com alguém ao lado é estar

Fazendo que indubitável

 

Sinta tal se não tivera

Peso algum em minha esfera.

 

Mais do que o vazio, é um nada

Perdido à margem da estrada.

 

 

106 - Importa

 

Nada existe de pior

Do que sentir que ninguém

Se importa com o factor

De sermos ou não alguém,

 

Que ninguém interessado

No comentário que temos

Há-de haver em nenhum lado,

Sobre a vida que vivemos,

 

Que o mundo continuar

Poderá perfeitamente

Sem nossa presença a par,

Parasita renitente.

 

 

107 - Embora

 

Tudo embora irá de vez,

Fica o amor que move o céu,

As estrelas que nem vês,

Os homens, o peito ao léu,

 

As árvores, os insectos,

Nos obriga a caminhar

Pelo chão, parede e tectos

Perigosos de gelar,

 

Que nos enche de alegria,

De medo, mas sobretudo

Que, num halo de magia,

- Vai dar um sentido a tudo.

 

 

108 - Fogo

 

Se procuras o lugar

Da esconsa felicidade

E se eu procuro espalhar

O amor por toda a cidade,

Do mesmo andamos em busca,

Que igual fogo nos chamusca.

 

 

109 - Confirmar

 

Poderei viver sem ela

Mas gosto de novamente

Encontrá-la e à janela

Lhe confirmar, renitente,

 

Aquilo que jamais disse

Quando juntos estivemos:

Amo-te, em minha sandice,

Mais do que a mim, nos extremos.

 

Poderei seguir em frente,

Em paz, no caminho meu,

Que este amor assim pungente

Afinal me redimiu.

 

 

110 - Confusão

 

No dia em que permitir

Que o vero amor apareça,

O já ordenado, a seguir

É confusão, peça a peça,

- E errado finda, bem perto,

Tudo quanto achámos certo.

 

 

111 - Souber

 

Quando o homem souber amar

Será o mundo verdadeiro.

Até lá vivo a pensar

Que conheço o amor inteiro

Mas sem coragem nem fé

De enfrentá-lo tal qual é.

 

 

112 - Sacrificar

 

Quem afirma estar contente

Por sacrificar a vida

Por quem ama fundamente

Crê que quem ama o convida

Por ele a sofrer tormentos,

Que o amor são sofrimentos?

 

Se crê que sim, pois então

Saiba que deve ser não.

 

Sempre o amor é o infinito

A desabrochar num grito.

 

Mesmo quando grita assim

Sou eu nascendo de mim.

 

Isto tem sempre a magia

Da torrente da alegria.

 

 

113 - Serve

 

O saber acumulado

Serve para cozinhar,

Gastar menos que o poupado,

Dum Inverno se abrigar,

Os limites respeitar,

Descobrir para que lado

Vai o comboio, o autocarro

E ver se nunca me esbarro.

 

Porém, um amor passado,

Qualquer que seja o fulgor,

A quenquer terá ensinado

A amar, como amar melhor?

 

Ou antes, pelo contrário,

Para uma entrega completa,

As cicatrizes, sumário,

Tens de esquecer ante a meta,

Cicatrizes que somaram

Os que antes por ti passaram?

 

Para a energia do amor

Qualquer alma atravessar

Ela terá de a encontrar

Acabada de nascer.

Aquele que infeliz for

É que ele aprisionar quer

 

Tal energia: é impossível.

Limpar a história pessoal

É manter limpo o canal,

Pronto a quanto for vivível,

É deixar que cada dia

Se manifeste a energia

 

Como ela o bem desejar

E dela deixar-se guiar.

 

 

114 - Amo-te

 

Amo-te mesmo à distância,

Nem telemóvel aplico,

Amo-te sem qualquer ânsia,

Que dentro em ti eu me fico

Como tu dentro de mim:

- Dois num só, começo e fim.

 

 

115 - Importante

 

O importante sempre fica.

Àquilo que embora vai

O importante não se aplica,

É o galho seco que cai.

 

Nós é que tal o julgamos,

Mas é inútil, sem valor,

Como quando controlamos

Com falso poder o amor:

 

Posso ficar convencido,

Mas o amor já foi traído.

 

 

116 - Apesar

 

Apesar doa ornamentos,

Do crédito dos cartões,

De ricos, de sabidões,

De poderosos portentos,

 

Sabemos bem que, no fundo,

É tudo busca de amor,

De carinho, de calor,

De andar, no mapa do mundo,

 

Como quer que ele se trame,

Com alguém que, enfim, nos ame.

 

 

117 - Fome

 

É melhor ter fome que ficar sozinho,

Que se estou sozinho, em solidão imposta

E não na escolhida de que a mente gosta,

Forço-me a aceitá-la, de ninguém vizinho

E é como se já não mais fizera parte

Da raça humanal, de vez cá posto aparte.

 

Tenho a liberdade que jamais sonhei?

Decerto é mentira, que ninguém a quer.

Todos ansiamos por reter quenquer,

Livre compromisso, não de imposta lei,

Connosco a admirar, a comentar, a rir

De entrevistas, filmes ou do sol que abrir…

 

Ter com quem cortar a sanduíche pobre,

Que nosso dinheiro já não compra duas,

Que é melhor comer metade em plenas ruas

Que comê-la inteira e coração não sobre.

É melhor ligeiro ter de vir a casa

Que vaguear vazio, o coração sem brasa.

 

 

118 - Porta

 

À porta do convento bate o camponês.

Quando abre o irmão porteiro, dá-lhe um cacho de uvas:

- Entrego-as de presente, antes que venham chuvas

Estragar o melhor que amadurou meu mês.

 

- Obrigado! Levá-las vou logo ao abade

Que vai feliz ficar com esta doce oferta.

- Não! Trouxe-as para si, que sempre a porta aberta

Me foi por suas mãos, sem que a má sina o enfade,

 

Quando foi destruído o campo pela seca

E me deu pão e vinho uma estação inteira.

Quero que o cacho de uvas lhe dê uma fagueira

Mancheia de sol e água, a bênção que me obceca.

 

Coloca o irmão porteiro as uvas ante si,

Admira-as realmente, lindas que elas são!

Por isto é que ao abade insiste em dar então

O presente: "ele, sim, que eu tal não mereci!"

 

O abade com as uvas fica assaz contente,

Mas lembra um acamado: "vou dar-lhe alegria,

Que a doença o tolheu e o cacho tem magia."

E as uvas vão parar à cama do doente.

 

"Meu irmão cozinheiro" - pensou este então -

"Tem cuidado de mim com o melhor que tem.

Quanta felicidade, se lho der alguém,

Irá sentir!" - E oferta-lhe o cacho ao serão.

 

Pois o irmão cozinheiro ficou deslumbrado

Da beleza do cacho: "para apreciá-lo,

Só mesmo o sacristão que cuida com regalo

Da guarda do mosteiro, santo já nimbado."

 

Dá o irmão sacristão as uvas ao noviço

Mais jovem e mais verde que anda no rebanho

Para ele entender que o mais etéreo ganho

É ver obra de Deus no mínimo chamiço.

 

Encantado, o noviço recordou o dia

Em que a primeira vez se lhe abrira o mosteiro,

Quis fazer a surpresa ao velho irmão porteiro:

"Coma as uvas, far-lhe-ão sápida companhia!"

 

O irmão porteiro entende que aquele presente

A si se destinava, saboreou os bagos

E adormeceu feliz com luz nos olhos vagos,

Que o círculo do amor fechou com toda a gente.

 

 

119 - Sacrificara

 

Sacrificara desejos

Para o amarem como amavam

Seus pares, em mil ensejos,

Como em miúdo costumavam,

 

Sabendo embora que amor,

Se for amor verdadeiro,

Modifica seu teor

Com o tempo passageiro,

 

Cresce, descobrindo, atento,

Novos modos de ir no vento.

 

Fez aquele sacrifício,

- Não ficou de amor resquício.

 

 

120 - Prenda

 

Uma prenda que te prenda

É prenda que aprenda a dar,

Embora a prenda não renda

A renda que renda amar.

 

É que quanto mais me renda

À prenda que é de eu te amar,

Tanto mais me rende a prenda

Que a ti me prende no lar.

 

 

121 - Ensiná-los

 

Posso arranjar mais amigos,

Ensiná-los a ser loucos

Para abrirem os postigos

De sábios serem aos poucos.

 

Dir-lhes-ei que o manual

Rasguem da boa conduta,

Olhem da vida o fanal

Próprio que ao longe os recruta,

 

Os desejos e utopias,

A aventura que há nos dias

 

E, em troca de quanto arquivam,

Vivam, vivam, vivam, vivam!

 

 

122 - Terror

 

Terror de ficar sozinho,

Terror do escuro diabo

Ou do que cuida o vizinho,

Terror de levar a cabo

Passos fora do caminho,

 

Terror do que julgar Deus,

Dos comentários de iguais,

Das leis dos códigos meus,

De julgamentos fatais,

De arriscar perder os céus,

 

De ganhar gerando inveja,

De amar e ser rejeitado,

De aumento pedir que veja,

Dum convite ponderado,

Do ignoto que além viceja,

 

Terror da língua estrangeira,

De outrem não impressionar,

De andar de morrer à beira,

De o defeito se notar,

De a bondade ser ligeira…

 

- É um regime de terror

A vida que me fascina,

Vivo no sangue e suor

Da sombra da guilhotina…

- Só queria algum amor!

 

 

123 - Caminhavam

 

Cavalo e cão mais seu dono

Caminhavam pela estrada.

Ao trepar dum cume ao trono

Tombaram no eterno sono,

Dum raio pela lançada.

 

Não percebendo que a morte

Os já colhera no abraço,

Continuaram seu norte,

Fazendo contas à sorte,

Não vão cair nalgum laço.

 

Numa curva do caminho

Avistaram um portão

De mármore e de azevinho,

De oiros a brilhar loirinho,

Com fonte a meio do chão.

 

"Que lugar" - pergunta ao guarda -

"É este aqui tão bonito?"

"É o Céu!" - diz-lhe ele em voz tarda,

Alisando a fina farda.

"Bom é que é o Céu que visito,

 

Estamos com muita sede…"

"Bebe só tu, à vontade."

"Mas aos meus animais vede

Como a sede os haustos mede…"

"Nenhum isto aqui me invade!"

 

O dono, desapontado,

Parte, não bebe sozinho.

Caminhando, fatigado,

Chega a um portão desgastado,

De terra aberto a um caminho.

 

O guarda dorme no chão.

"Quase de sede morremos,

Eu, meu cavalo e meu cão"

- Diz-lhe, ao acordá-lo então. -

"Será que beber podemos?"

 

"Entre as pedras há uma fonte,

Vão à vontade beber."

Os três vão logo defronte

E bebem onde ele aponte,

Voltam para agradecer.

 

"Retornem quando quiserem."

"E o nome deste lugar?"

"Céu!" "Céu?! Mas há dois que auferem

Deste mesmo nome terem?!"

"O outro é um céu de enganar,

 

Lá em baixo aquilo é o inferno."

"Deveriam proibir

Que usem vosso nome eterno,

Traiçoeiro engano é superno…"

Responde o guarda, a sorrir:

 

"De forma alguma! Em verdade

Fazem-nos grande favor:

Fica lá toda a entidade

A que abandonar agrade

O seu amigo melhor."

 

 

124 - Soldado

 

Qual a razão verdadeira

Por que um soldado a morrer

Se dispõe na guerra inteira?

 

Um patriotismo qualquer,

A família ou a nação?...

Não pense nisto sequer!

 

É pela equipa que são:

Estão ali em conjunto,

Coesos de coração.

 

Não há nenhum outro assunto

Que lhes pese e os prenda ao chão,

O mais vai nisto por junto.

 

 

125 - Culpa

 

É de culpa o sentimento

Uma das pedras de base

De quem tem bom casamento.

 

A consciência de quem case

Atenta ali sempre opera.

O valor, em qualquer fase,

 

Com alta estima lidera.

E sentimos o dever

De evitar uma acção mera

 

Que obrigue, contra o querer,

Na relva da Primavera,

O remorso a florescer.

 

 

126 - Melodia

 

Se a conversa for a letra,

Então é música o riso

E o convívio nos impetra

A melodia que viso

Repetidamente ouvida,

Sem fatigar, toda a vida.

 

 

127 - Encarar

 

Encarar o teu parceiro

Como quem tem de mudar

Para mudar o atoleiro

Em que derivou teu lar

É uma forma de fugir:

Nada melhora a seguir.

 

Antes irás colocar

O teu par na defensiva,

Sombrio papel ao dar

A quem sã busca inventiva.

Ninguém muda em resultado

Deste rumo desviado.

 

A responsabilidade

Ninguém toma do que houver,

Fica na totalidade

Infeliz quem o viver.

A teu par de mau dar tom

Ignora quanto ele é bom.

 

O verdadeiro conserto

É a ti próprio te mudar.

Corrige teu desacerto

E o melhor vai procurar

No cônjuge, que o merece:

- Logo a magia acontece.

 

O teu optimismo aumenta,

Teu par sente-se melhor:

Ser apreciado acalenta

Quem penalizado for.

Para mudar motivados

Ambos findam alegrados.

 

 

128 - Só

 

Não é compromisso o amor,

Hábito ou dívida até,

Nem romântico fervor.

Que é que é o amor? O amor é!

 

Só e sem definições.

Ama apenas, sem perguntas,

Ama apenas, sem tenções,

Senão joio ao trigo juntas.

 

E amor não é o que ali pões.

 

 

129 - Bruxas

 

Às bruxas a nova caça

Começa a ganhar terreno.

Ferro em brasa não abraça

Mas a repressão em pleno

Na ironia treda e baça.

 

Todo aquele que descobre

Um dom por acaso em si,

Se da faculdade nobre

Falar que aflorar ali,

Logo a desconfiança o cobre.

 

E o marido, o pai, o filho,

A esposa, seja quem for,

Em vez de orgulho do trilho,

Proíbem qualquer teor

De menção, pois dá sarilho.

 

Ao ridículo com medo

De expor o lar, tarde ou cedo.

 

 

130 - Manifeste

 

Todos temos um dever,

Dever para com o amor:

Que se manifeste, ao ser,

Do modo que achar melhor.

 

Não podemos nem devemos

Assustar-nos quando a treva

Dum erro que cometemos

Se ergue, bulcão que se eleva,

 

Tentando em nós controlar

Nossa mente e coração.

Não nos vamos assustar

Quando ela se erguer do chão

 

A querer fazer-se ouvir:

- Só amor é nosso porvir!

 

 

131 - Entregar-se

 

Entregar-se inteiramente

Ao amor é renunciar

A tudo, inclusivamente

Ao seu próprio bem-estar,

À própria capacidade

De escolher o que lhe agrade.

 

A profundeza de amar…

Não queremos, na verdade,

Ser salvos nem nos salvar

Como Deus nos persuade,

Queremos o permanente

Controlo do passo em frente.

 

Quero ter consciência plena

Da decisão a tomar,

Capaz de escolher a cena

A que me irei devotar.

Não é com o amor assim:

Chegou, instala-se em mim,

 

Desata a conduzir tudo.

Apenas almas mui fortes

Se deixam ir, sem escudo,

Quaisquer que sejam os nortes

E, quão mais abandonadas,

Mais de vez vão encontradas.

 

 

132 - Longe

 

O lado belo do amor

É o amor que desafia,

Amor entre dois estranhos

Que trazem de longe o dia

E que amanhã, sem rumor,

Já partiram, com os ganhos

De irem para um mundo ignoto

Onde quenquer gostaria

De enraizar dele o pé boto.

 

 

133 - Busca

 

Em busca de eros corremos.

Se em amizade ele muda,

Que o amor é inútil cremos.

Nunca nos apercebemos

Que a amizade nos acuda,

 

Que ela é que irá conduzir

À forma de amor maior,

Ao ágape do porvir

Onde partilho, a seguir,

Tudo o que sou feito Amor.

 

 

134 - Guerrear

 

Guerrear pode ao fim ser

Um acto de amor veraz:

Podemos desenvolver

O contendor que acorrer

E aprimorá-lo, tenaz.

 

Basta que, sem reboliço,

Nós trabalhemos por isso.

 

Em lugar de raiva e ódio,

O ringue é de amor um bródio.

 

 

135 - Frustrado

 

O amor frustrado é que ameia

E se realiza em despeito

Na infelicidade alheia.

Beija os noivos a preceito

 

Mas dentro vai murmurando:

Nenhum para o outro é feito.

Tenta o mundo ir colocando

Em ordem, que o próprio peito

 

É a desordem permanente.

E também a maquilhada

Sempre exageradamente,

Cabeleira alvoroçada,

 

É só tibieza aceite,

Amor social conformado

Sem afecto a que respeite.

Afeita ao papel moldado,

 

Com o mundo corta os laços,

Bom combate não há mais.

Esvaziam-se os abraços,

Do amor findam os sinais.

 

 

136 - Amar

 

Amar o nosso inimigo

Não é dele, enfim, gostar,

Pois gostar ninguém lobrigo

De quem mal lhe ande a tramar,

Que amesquinhar-lhe o sofrido

Cotio tente vivido.

 

Mas o amor de comunhão

É muito mais que gostar,

Devora o que tem à mão,

Tudo invade, liminar.

De agredir a tentativa

Devém só poeira esquiva.

 

Se aprendeste a renascer,

A não ser cruel contigo,

Com teu imo a discorrer,

- Ao mundo abrir teu postigo

Só terá sentido agora

Se este amor és que devora.

 

 

137 - Casal

 

Enquanto o casal se amar

E julgar que o amor cresce,

Em breve sozinho o par

Pela vida anda a lutar,

Do lar o lume enobrece,

 

Participam na segura

Sempre comum aventura.

 

Isto é que amor engrandece

E o torna digno e depura.

E, mal a freima comece,

Cada qual logo oferece

O que dois num mais figura:

 

Desdobram-se no labor,

No lar, no campo, onde for…

 

Vão-se ambos acompanhando,

Terão filhos e, se sentem

Que com as mãos elevando

Algo vão juntos é quando

Os bons combates não mentem:

 

Tropeços haja ou deslizes,

Não deixam de ser felizes.

 

Mas tudo pode ocorrer

Duma maneira contrária:

Livre ele sentir não ser

De seguir qualquer mulher,

Ela de em vida sumária

 

Sacrificar a carreira

Sem sol despontar na leira.

 

Ao invés da criação,

Cada um irá roubado

Sentir-se no coração.

E o que faria a união

Vai só mostrar o mau lado.

 

E o mais nobre sentimento

É de ódio fonte e tormento.

 

 

138 - Entusiasmo

 

Entusiasmo é sempre amor

De algo, alguém ou duma ideia,

Quando amamos com fervor,

Afectos em maré-cheia,

E advém a serenidade

Duma fé que tudo invade.

 

Esta força estranha faz

Que sempre as decisões certas

Tomemos de que é capaz,

Na hora exacta, despertas

Garras de que, surpreendidos,

Nem nos sabemos sortidos.

 

Durante o que é bom combate

Nada mais tem importância,

Levados para o embate

Com fogo, da relevância

Do entusiasmo que acometa

O caminho para a meta.

 

O entusiasmo normalmente

Tem todo o poder na infância,

O divino ainda é recente

E atiramo-nos com ânsia

Aos brinquedos duma vida:

- Tal é de homem a medida.

 

 

139 - Criança

 

Sempre a criança ensinar

Pode ao adulto três pistas:

Dum nada contente andar,

Sempre de algo se ocupar,

Exigir do sonho as listas.

 

 

140 - Frente

 

Um dia em frente surgiste

E, a partir daquele dia,

Do vale a beleza existe,

A silhueta me espia

 

Da montanha no horizonte,

Ao céu me lançando a ponte,

 

E a Lua troca de abrigo

A fazer crescer o trigo.

 

Nunca mais eu tive fome

Da vida que me consome.

 

 

141 - Rajadas

 

O Natal a norte é frio,

Com rajadas de nevão.

Só com amor o amacio,

Como de Inverno um roupão.

 

Quando um roupão ofereço,

Ofereço mais calor

No frio em que desfaleço:

- Ofereço nele amor.

 

No Natal de frio e neve,

Assim, um mero roupão

Em que amor secreto esteve

Traz ao Inverno o Verão.