Primeiro Trovário
OS PORTAIS DA PLENITUDE AFLORA O AMOR
Escolha aleatoriamente um número entre 1 e 141, inclusive.
Leia o poema correspondente como uma mensagem particular para o seu dia de hoje.
1 - Portais da Plenitude
Os portais da plenitude aflora o amor,
O dever lendo em cada pegada do trilho,
Do ser auscultando o fulgor,
Do abismo ao infinito vislumbrando que propor
Para o círculo completar do amor ao brilho.
Retomo a pauta do dever,
Desvendo o ser que me calhou,
O canto elevo ao alvorecer:
- É amor apenas quanto sou.
Dever e ser misteriosos se entrelaçam
O infindo e a profundeza unificando
Nos laços que de afecto tudo abraçam.
Sou tudo não sei como nem sei quando,
Sei que a alegria por aqui me vai talhando.
2 - Os Portais da Plenitude Aflora o Amor
Os portais da plenitude aflora o amor
No poema de métrica regular
E rima paralela à do tambor
Do coração que nos mede cada alvor
De afectos com que iremos madrugar.
É o amor apaixonado
Como a amizade também,
De laços cada recado
Que a família em lar retém.
São sentimentos e é vontade
E a dádiva por alicerce permanente
Do poema que no imo segue o que nos grade.
O verso configura o que perene sente
Por trás do que muda constantemente.
3 - Veste
Veste teu corpo uma veste
Como um termo veste um facto:
Não só por fora o reveste,
Dum poema evoca o pacto.
O teu corpo é divinal:
Vestindo o termo preciso,
Aura veste celestial,
Traz à terra o Paraíso.
Por isso nestas palavras
Termos à veste provada
Aponho, mas nestas lavras
Dás-te, deusa, e eu não dei nada.
4 - Voz
Quando a voz me murmurou:
"Ai quantas saudades tuas!",
Senti que a mim me curou,
Pois que numa me juntou
As minhas metades duas.
5 - Ambos
Amor e realização
Andam sempre de mãos dadas
E, sem ambos, sempre em vão
São alegrias tentadas,
Já que apenas temporária
É a felicidade haurida,
Pois nada, na vida vária,
A faz durar em seguida.
Mas, se a paixão move alguém,
Vemo-lo dando o melhor
E a felicidade advém
Contagiosa em redor.
6 - Incurável
Como consegue resistir
E desistir de tanto, tanto,
Por amor dela, a se extinguir
Dum incurável morbo em pranto?
- Nele profundo, a dar vigor,
O amor mais vivo é do que a dor.
7 - Viagem
Todas as relações são
Uma viagem: nenhuma
Há-de ser segura então.
O mais que por mim se arruma
É arranjar a companhia
Com quem de me passear
Eu nunca me importaria
Por todo e qualquer lugar.
Mesmo a relação de amor
Quem vai dela ser senhor?
8 - Ajudar
A única forma de ajudar alguém
É me predispor sempre a escutá-lo então.
Só quando o que tentam dizer toca bem
Fundo em meu ouvido entendo o que é malsão
E as necessidades lhes irei cobrir.
Os confrontos duros que na altura ouvir
Me dirão que ajuda realmente ajuda
Naquele específico momento ali.
Como cada qual passa por fase aguda
Vária, diferente, em cada agora e aqui,
Como uma doença imprevisível fere,
- Aprender a ouvir tem de empenhar quenquer.
9 - Proteger-me
Em vez de dizer: "eu vou estar contigo,
Que posso fazer para apoiar-te em mim?",
Vejo-me a afirmar: "qual vai ser teu castigo
Do mal que fizeste? Qual teu erro, enfim?
Onde é que falhaste?" O que é também dizer:
Como proteger-me de algum mal que houver?
Sempre anda escondido de valor juízo
Na teorização que inócua a mim parece,
E um não assumido medo mal preciso
Na profundidade que meu imo esquece.
Então sempre a outrem, ao fim, mal me ligo,
Torno-me ameaça onde é de ser abrigo.
10 - Tratar
Não vês o que estás fazendo?
Estás a tratar alguém
Como objecto despiciendo,
De teorias refém
Com que anónimo o andas lendo.
As teorias sobre nós
Doutras pessoas quaisquer
São sentidas como atroz
Violação que a me fazer
Comete quem é feroz.
Eu sinto às vezes ideias
Que os amigos me apresentam
De meu morbo e suas teias
Como imposição que tentam,
Um fardo a atar-me com peias.
Não são preocupação
Devida, em primeira apanha,
A ter comigo atenção,
E favor nada em mim ganha
Com tal teoria à mão.
Tal teoria é-me infligida,
Não é de a mim me ajudar.
Minha doença é sentida
De modo a tanto assustar
Que precisam, em seguida,
De encontrar uma razão,
Um significado tal
Que os acalme a solução.
As teorias dão sinal
Da ajuda que quererão,
Não são de ajudar-me a mim,
Mas de os ajudar a eles.
E causam-me sempre, ao fim,
Muito mais rasgões que aqueles
Que me inflige a doença assim.
11 - Guia-se
A vera iluminação,
Quando ela se concretiza,
É comunitária acção,
A misericórdia visa,
Guia-se por compaixão
E com engenho enfatiza
Quanto pode auxiliar,
Para suprema alcançar
A final libertação.
A vivência iluminada
Sempre é serviço altruísta.
Somos todos, de jornada,
Um no mesmo Eu que se invista,
Corpo místico na estrada
De Deus, a abrir-nos a pista.
Então, os outros servindo,
Sirvo o meu Eu que vem vindo,
Não mais o perco de vista.
Quando Cristo recomenda:
"Ama o outro como a ti",
Quer dizer, por trás da venda:
"Ama o próximo que é o teu,
Que a teu lado andar aí,
Que ele é que é teu próprio Eu."
12 - Sejam
Sejam jovens, sejam velhos,
Sejam homens ou mulheres,
Ágeis ou frágeis de artelhos,
Ricos ou sem ter haveres,
Do Oriente ou Ocidente,
Toda, toda, toda a gente,
Quando nós lhes perguntamos
O que é que os faz mais felizes,
Quatro em cinco reparamos
Que respondem que as raízes
São deles a relação
Com quem ama o coração.
13 - Pulsão
Desejo de relação
É a pulsão mais poderosa
Que os humanos reterão,
A energia mais fogosa,
Fundamento a que se inclina
A raça que ela aglutina.
A solução derradeira
Do problema da existência
É uma união que emparceira
Pessoas, por excelência,
A fusão, o amor a ser:
- O Deus Uno a se fazer!
14 - Fonte
A relação de carinho
Fonte de satisfação
É na vida, se adivinho
Que estável a tenho à mão.
E um antídoto eis que é muito
Eficaz contra os efeitos
Nocivos de todo o intuito
Das desgraças e seus jeitos.
Quem sente genuinamente
Que é dum grupo solidário
Supera os muros em frente
Que tolhem-lhe o rumo vário
Muito melhor do que aqueles
Que se sentem isolados,
Sem que lhes proteja as peles
De ser marginalizados
Qualquer rede comunal
De suporte emocional.
15 - Casais
Os casais que se concentram
E sonham com o futuro
Na esperança é que se centram,
O carburante seguro
Que lhes move a relação
E que a impele a superar
Os obstáculos do chão
Do caminho a caminhar.
16 - Quotidianos
Aqueles que não perdoam
Provocações ou recusas
Ou erros que nos povoam
Quotidianos que acusas
É porque frequentemente
Obcecados viverão
Com a pequena, indigente
Ofensa que lhe imporão
O parceiro, o familiar,
Os amigos mais chegados…
E assim irão acabar,
Bebés sempre esperneados,
No isolamento, ofuscados
Com os ajustes de contas,
Negramente amargurados,
Sem terem medidas prontas
Para se reconciliar.
Não logram paz interior
Com vigor recuperar
A inaugurar novo alvor.
17 - Útil
A mais útil esperança
Nas íntimas relações
É a que nunca, no que alcança,
Oculta os negros senões,
Nem anestesia a dor
Da dificuldade real,
Não neutraliza o humor
Da humildade crucial
De que todos precisamos
Para as falhas conhecer,
Nem supérfluos ata aos ramos
Motivos de muda haver.
Esperança que não cega
Ante a possibilidade
De que à relação adrega
Que qualquer doença a invade
Que, por muito indesejável,
Pode até ser incurável.
É nesta crueza franca
Que de novo sempre arranca
E é provável que à fronteira
Ao fim chegue então inteira.
18 - Perdão
O perdão requer mudança
Cara a cara e bem sincera
Entre ofendido que o lança
E um ofensor que o alcança
Arrependido do que era.
Quando a ferida é profunda
E o diálogo, impossível,
O perdão é a sós que funda,
Na intimidade fecunda,
No silêncio, o que é vivível.
Perdoar não é negar,
Justificar, esquecer
A agressão havida a par,
Antes a tenta explicar,
Ao impessoal a rever.
Então aceita fracassos,
Incompatibilidades,
Como as partes, os pedaços,
Perigosos estilhaços
Da vida a fazer maldades.
19 - Raio
Onde melhor se traduz
A estrela na noite escura
É que és um raio de luz
Logo em tua formosura.
Mas então, se em gesto meigo
A Via Láctea semeias,
Do templo sagrado leigo,
Encho de Deus minhas veias.
Se eu, no fim, for uma estrela,
És tu que em mim a revela.
20 - Provável
Quando alguém está seguro
Duma relação e fé
Na longa vida lhe apuro,
Então mais provável é
Que considere qualquer
Dos obstáculos na estrada
Por montículo a volver,
Nunca montanha escalvada.
É assim no amor, na amizade,
Tal como entre pais e filhos,
Entre irmãos na alacridade,
- É a lei dos nossos atilhos.
21 - Aceitar
Importa na aceitação
Aceitar o entendimento
De que bem não se darão
A todo e qualquer momento,
Que sempre há uma discussão,
Que é do laço em elemento.
E que isto, porque convém,
Afinal, sempre está bem.
22 - Brigas
Quando dois entes confiam
Que o outro quer o melhor
Para si, as brigas triam
E bem antes do sol-pôr
As resolvem a contento,
Mero pó que leva o vento.
23 - Pausa
Jamais há falta de aplauso
No contexto da amizade.
Desde a escola nela pauso
Até que a pausa me invade
Da reforma onde mais causo
Apoio ao fruir que agrade.
Meus amigos e parentes
Em todas as circunstâncias
Se apoiam ali presentes,
Em mais ou menos instâncias.
Uns aos outros firmemente
Dão as mãos, é ponto assente.
A aplaudir e a dar mais força
É que a amizade se esforça.
Porque nunca há falta disto
Nela à vida é que me alisto.
24 - Proteger
Quando proteger a uma mulher um homem,
Não indica a sério que ele a cuida fraca,
Inapta a tratar de anéis que a vis consomem,
Ou por demais débil ante quanto a ataca.
Mais perfeitamente pode estar mostrando
Que ela é valiosa demasiado então,
Demais importante para ir travando
Sozinha as batalhas que uma vida são,
Sempre, eternamente abandonada só
Perante a iminência de tombar no pó.
Longe de a humilhar, enaltecê-la isto
Há-de sempre enquanto é amor que ali avisto.
25 - Valorizamos
Se valorizamos relações estreitas,
Muito duradoiras, de qualquer feitio,
Então depender é, das acções afeitas,
Virtude a tentar, de que há-de haver ousio.
E é depender doutrem e será pender
Outrem de nós outros, paridade igual.
Esta dependência praticar quenquer
É freima diária, dum alvor sinal.
Toda a independência que lutar vá contra
Os laços deslaça: ao fim ninguém encontra.
26 - Privacidade
A privacidade me agravar pressões
Irá porventura à nuclear família.
Poderá impedir doutrem quaisquer tenções
De se imiscuir onde houver só vigília
Em nossos assuntos que ninguém partilha,
Mas pode também a relutância nossa
Em buscar ajuda acrescentar a ilha
Quando é de evitar apenas vaga mossa.
Esconder tentamos os problemas tidos
Atrás de fachada familiar perfeita.
Esmagam as pedras os vitrais fingidos
E a santa capela não tem santa eleita.
27 - Instrumentais
Instrumentais laços compromissos são
Ao longo do tempo, acaso a vida inteira.
Práticos problemas resolver irão,
Que no mesmo barco alinha a nossa esteira.
Laços afectivos em afectos frágeis
Vão evanescentes se apoiar volúveis.
Então contingentes hão-de ser, como ágeis
Em se transmudar, nas águas sais solúveis.
Desde que os humanos a existir começam
Que nós uns dos outros precisamos bem,
Por satisfação emocional que aqueçam,
A sobrevivermos, por igual, também.
Não são só crianças que precisam ser
Úteis, requeridas, com lhes ser benéfico
O facto de o serem ante assim quenquer.
Todos precisamos, que não é maléfico,
De uns aos outros sermos úteis vida fora
E tão mais felizes quão menor demora.
28 - Viverá
Qualquer fumador com excessivo peso,
De colesterol, arterial tensão
Cheio e bebedor sem nunca andar repeso,
Se amigos, família bem chegados são,
Viverá mais tempo que o sozinho vive
E bem mais saudável, que o amor deveras
Protege real a quem se não lhe esquive,
Antes nele aposte a fermentar as eras.
A longevidade os laços bons fermentam,
Brisas que à semente o sol abrir intentam.
29 - Goza
Goza bem a vida, que é o que mais importa.
Não te preocupes com dinheiro a sério,
Encontrarás sempre algum à tua porta
Para te aguentar assente em teu mistério.
Antes sê o amigo de família, amigos,
E terás de teu teus mais subtis abrigos.
30 - Companhia
Parentes e amigos, se são bem chegados,
Sejam semelhantes, diferentes sejam,
Imenso prazer de tais comparsas dados,
De tal companhia tiram quando o almejam.
Têm um efeito relaxante então
Cada qual no outro, brincam entre si,
Riem muito juntos: rir é quase o pão,
Sacramento vivo a alimentar ali.
Quer seja a brincar para afastar tormentos,
Apenas a dar umas risadas breves,
Quer a dissipar de algum problema os ventos,
Quem do riso foge às sinecuras leves?
31 - Afectuosa
Quando a relação é afectuosa, estreita,
Muito duradoira, de falar o modo
Dum para com outro, o que dizemos, feita
A conta final, a ocasião de todo
O comportamento singular vai ter
Um significado em que a palavra é nada:
- Há um entendimento por de nós qualquer
Além das palavras, a abrir sempre a estrada.
32 - Refúgio
Os amigos criam um refúgio firme
Sempre um para o outro, tal privado reino
E muito seguro, onde ninguém confirme
Que forçado irá ter de enfrentar, sem treino,
E directamente o mundo que é cruel.
E também não é constantemente, enfim,
Nunca avaliado e de julgar papel
Não é uma função desta amizade assim.
Fácil encontrar é quem receba bem
Quando bem agimos, quando somos bons.
Mas quem vai amar-nos quando o erro vem,
Nos portamos mal, negros vestimos tons?
33 - Protecção
Demasiadas vezes protecção sinónimo
É, nas relações entre mulher e homem,
De mero controlo e, por igual, homónimo
É ser dependente a controlado ser.
Quem for dependente (e se o poder lhe tomem)
Tem de suportar noutrem algum poder
Que sobre ele exerça, a mal ou bem querer.
Põe a dependência com premência aquele
De quem se depende em posição de alerta,
Já que é responsável de uso não fazer
Perverso ao poder a que o momento apele:
Outorgado foi-lhe para a via aberta
Manter para a vida que outrem nutre esperta.
34 - Privados
Quanto mais privados indivíduos somos,
Mais distanciados da família andamos.
Quanto mais distantes nós do lar nos pomos,
Bem mais de nós próprios afinal ficamos.
Bem mais solitários nos de vez sentimos
Quanto mais de nós nos distanciados vimos.
35 - Compromisso
Qualquer compromisso avaliar-nos há-de
Que necessidades prioridade são
Em dado momento e que contrato agrade
Baseado nelas, combinado então
Com conhecimento de eventual conflito
Mas que pouco importa, dado o nosso fito.
Há um entendimento mútuo, sem sinais,
De que amigos, lar, perenes somam mais
Do que o somatório de seus membros todos
Se individuais os conto em meus engodos.
36 - Igualdade
Com analogia a relação que houver
Não tem nunca a ver quando igualdade busca.
Como nos tratamos antes tem a ver,
Se consideramos quanto o amor chamusca:
É mais equidade, justiça entre nós
Do que cópia algures do que vem de avós,
É como respeito e valorizo alguém
E a contribuição que ele puder fazer,
Não levar a mal se não pode ir além.
É como ajudá-lo, quando ele o quiser,
Ou mesmo operar ali por ele acaso,
Pois ser fraco ou forte é de quenquer, a prazo.
Há uma analogia em relações quaisquer:
É a de mim comigo e a do que então fizer.
37 - Busca
No amor busca o homem confiança plena,
Apreciação, admiração total,
Encorajamento, aceitação final.
A mulher prefere da atenção a antena,
Tranquilização, compreensão cordata,
Devoção, respeito de findar sem data.
Os laços de amigo, porém, não serão
Assim: lá buscar devotamento é vão…
Menos exigentes, findarão por ser
A rede de apoio a segurar quenquer.
38 - Tempo
Para o amor o tempo em relações é chave:
Se quero que dure, permitir irei
Que siga o caminho sem de tempo entrave,
Ziguezagueando por pauis sem lei,
Sem directamente cobrir auto-estrada,
Talhando o sendeiro como o quer de entrada.
Não é melhor táctica, nos laços bons,
Tomar decisões que pressurosas são,
Nem em tons de fúria nem de afecto em tons,
Por mais que lá veja o que outros não verão.
Se estou empenhado num trajecto longo,
Esperar devia o tempo em que me alongo.
As verdades brotam lentas e tranquilas,
Podem levar anos a ocupar as filas.
39 - Preocupado
No sexual amor preocupado vou
Com o que eu disser, como é que irá reagir
Àquilo o meu par e com que impacto entrou
Nesta relação, se irá querer seguir
A apostar comigo ou vai dizer que não
No jogo de espelhos o meu par de então.
Porém, entre amigos, quão se mais conhecem,
Menos se preocupam, de espelhar se esquecem.
Desanuviado, tudo finda em brando
E gozoso encontro a haver de vez em quando.
40 - Liberta-o
Se amares alguém, então liberta-o todo.
Se, após libertado, para ti voltar,
Terás a certeza de que te ama em modo
Tal que no golfão já poderás nadar
Da felicidade que fulcral desejas
E em ti se consuma no que tanto almejas.
Mas, se não voltar, ficas então sabendo
Que não era vero tal encontro havido.
Sacode-o de ti, virando e atrás volvendo,
E muita coragem hás-de ter sentido,
Mormente se aquele único em ti tocou
E, depois da espera, te por fim frustrou.
Nada disto ocorre com parente, amigo:
Dão-te a segurança de que estão ali,
Pois um para o outro sereis sempre abrigo
Quando for preciso e onde o mal senti,
Junto à liberdade de ser cada qual,
Livre de ir e vir, sempre a si mesmo igual,
Livre de estar lá como de não estar.
Jamais é questão de abandonado ser
Nem desapontado, que sempre há lugar
Dentro da amizade a libertar quenquer.
Amor e amizade são pendor oposto,
Em certos vectores, dum só mesmo rosto.
41 - Auto-suficiência
A um grau razoável aspirar defendo
De auto-suficiência, de ganhar a vida,
Pagar as despesas, que, saudável sendo,
É bem positivo e apropriado à lida.
Contra a independência sou, por outro lado,
Que, estremando aquilo, todos há isolado.
Prefiro cuidar de quem à minha volta
Vive a batalhar e que me cuidem eles
Em troca, atenciosos pela vida envolta.
Quero confiar a um ponto tal que, imbeles
Embora meus gritos, se me corre mal
Tudo, eles me ajudem com fervor total.
Se eu cometer erros, mal sair-me, enfim,
Serei perdoado, de excluído em vez,
Aceite serei, já não julgado assim.
Quero confiar em mim de tal jaez
Que, caso se inverta tudo, a todos dou
Consideração, compreensivo sou,
Embora isto custe inominável custo
Para a minha vida ou de alguém mais também.
Suspeito que nisto não difiro, ajusto
Ao que muitos outros visarão por bem,
Já que a maior parte das pessoas quer
O que mais as cura e muito pouco as fere.
42 - Dependência
À nossa egoidade a dependência ameaça
- É crença comum, como indivíduo perco.
O individualismo a independência traça,
Confundo indivíduo com todo este cerco.
Ora, a independência contra mim milita
E como indivíduo me destrói, maldita.
Sendo independente, toda a força vai
A uma autonomia dedicada ser.
Hei-de ser capaz, no que de mim me sai,
De por minhas mãos tudo por mim fazer.
Menos tempo temos de evoluir pendores
Naqueles aspectos que em mim são melhores:
Aquilo em que gosto antes de mais agir,
Personalidade que em mim faz que sou.
Se, ao invés, for parte dum anel que, ao ir,
Todo interdepende, com auxílio vou
Duns para com outros: no que não sou bom
Com os demais conto e dou-lhes meu condão.
Para além do apoio, amor que aqui partilho,
Tenho a ocasião de evoluir melhor.
Poderá não ser tão vário meu rebrilho
Por em mil facetas já me não propor,
Mas provavelmente serei mais feliz
E bem mais eu próprio neste meu cariz.
43 - Abarcado
Muito é o abarcado de amizade em laços:
É uma aceitação e de pertença afecto,
Serão os dois lados de sentir os traços
De estar confortável doutrem sob o tecto,
Mais o sentimento de seguro andar
E com confiança, como em nosso lar.
E é o relaxamento, este viver no alívio
Que experimentamos quando nós sabemos
Nunca avaliados sermos, por oblívio.
Com força demais nós de tentar não temos
E é o melhor estado a convivência fácil
Quando demais nunca nada é assim tão grácil.
44 - Complementar
Ser complementar é o que a amizade impõe,
Uma prontidão para aceitar, leveiro,
E para aprender que divergir supõe,
E aos mais permitir o espaço todo inteiro,
Tão largo e folgado que acomode opostos
E mesmo atitudes de abolidos rostos.
Nunca tem a ver com esquivar conflitos
Mas com redução do que é que importam eles,
Com longe do centro desviar atritos
Para poder-se ir além de nossas peles.
Não é de ignorar qualquer fatal confronto,
Antes quem ferir sempre eficaz afronto.
Mas em perspectiva discrimino as brigas,
Entre as que mais contam e as que não são nada,
Sinto a diferença em competir em ligas
Que beneficiam e as que logo à entrada
Dão um vencedor para milhões vencidos:
Encorajo aquelas, salvo aqui perdidos.
45 - Pressão
A pressão imposta aos conjugais enlaces
Finda insuportável em modelos de hoje.
Na familiar rede alargada outras faces
De parentes vários aguentar quem foge
Ao peso da vida poderão contentes,
São com que falar, se houver lesões urgentes.
Escolher podemos a melhor pessoa
A que peço ajuda no difícil transe.
No lar nuclear serão os pais, à toa,
Que os filhos tutelam, falhe embora o lance,
Em vez de irem todos contribuir, cordatos,
Para o bem comum duma família os actos.
Os pais têm então de confiar em si
Tal como um no outro, tal jamais outrora.
Isto é ameaçado ao se fixar aqui
Ser independente como meta agora.
Desapontamento aumentará então
Duns com outros mais e só por tal razão.
Um só indivíduo substituir não pode
Um clã por inteiro, se realista for.
Importa escolher o que a ajudar acode:
Confiar nos amigos, teia à vida a impor.
A amizade estreita alternativa fica
Do amor aos canais, quando ele não se aplica.
46 - Avaliativo
Do cônjuge mais avaliativo sou
Do que o sou perante um qualquer meu amigo.
Os pecados, erros de meu par eu vou
Sentir mais em mim que o que de alguém lobrigo.
Se um amigo infiel ao outro for e o conta,
É coscuvilhice, só conversa tonta.
Se infiel é o par, então nem narra o caso:
Mais que chã conversa, alterar pode tudo,
E devastador como humilhante, acaso,
Há-de ser por fim, mesmo se nem lhe aludo.
Se há menos em jogo, poderei dar mais,
O incondicional é de amizades reais.
Já no casamento é contratual questão
De obrigações mútuas que cumprir-se exigem.
Não é que impessoal finde, em legal tenção,
Mas que quer padrões em que atitudes vigem.
Cada qual vai ter de garantir promessas
Para que eficaz o laço peça meças.
47 - Parecer-lhes-ás
Em menos do que uma espera
Parecer-lhes-ás um deus,
(Quando eras apenas fera)
Desde que aos princípios teus
Voltes que te põem são
E são fruto da razão.
Tanto os homens alheado
Vivem o dia a teu lado!
48 - Acaso
Da vida familiar
O condão é apresentar
Cada qual, no dia-a-dia,
Aos demais, pois, doutro modo,
Ninguém o conheceria
Acaso, de todo em todo.
Tal quebra do anonimato
Constrói-nos, mas a recato.
49 - Conhece
Quando alguém conhece alguém
Principiamos o esboço
Que durante a relação,
Seja embora íntima ou não,
Se completa tempo além:
Retrato fruta em caroço
A pastel, a tinta preta,
A óleo ou aguarela,
Que só após da morte a meta,
Por não haver mais sequela,
Se pode considerar
Que então está terminado.
E talvez nem se calhar
Em tal altura há findado.
50 - Mulher
A mulher tem mui diversa
Aparência se é feliz,
Se a beleza que dispersa
De bem-estar tem cariz
Ou de saber, na jornada,
Que é profundamente amada.
Até mesmo a mulher feia
Acaba atraindo olhares
Se vida feliz a alteia
Entronizando-lhe altares
E toda irradia a luz
Em que a vida se traduz,
Enquanto a mulher penteada
Muito elaboradamente,
Toda em jóias marchetada,
Decorativo é pingente
Se não transpira a contento
Integral contentamento.
51 - União
A ligação amorosa
É união de muitas partes:
Uma sensação gostosa
De especial ser que repartes,
O físico que estremece,
O ciúme, a perda, a prece…
Não é nunca trajectória
Projectada em linha recta,
É um baralho sem memória
De cartas que, mal se enceta,
Jogamos ao baralhar,
Carta a carta a se encaixar.
Qual o fim, qual o destino,
Sei lá bem a que me inclino!
52 - Grande
O grande amor acontece
E acontece só uma vez,
Não pode haver na quermesse
Mais que a prenda do entremez.
É que este único amor dura
E perdura na memória,
Na língua e nos olhos pura
A amada imagem em glória
E nunca pode, esquecido,
Ser vida fora perdido.
53 - Momento
Não pode ter sido amor
Nem sequer uma paixão,
Que um momento sem valor
Não é disto ocasião,
Antes reconhecimento
Foi muito além deste evento:
Tal se cada conhecera
O outro mas não somente
Dum anterior dia ou era,
Antes desde eternamente
E também (ninguém o augura)
Desde uma data futura.
O amor, quando nele cismo,
É da infinidade o abismo.
54 - Enguiço
Claro que foi, foi amor
No momento, aquela noite.
Ambos tombam ao fulgor
Dum enguiço que os acoite,
Tombam no enfeitiçamento
Que eterno torna o momento.
Podemos chamar-lhe amor,
Obsessão, romance acaso,
Duma ilusão o estupor,
Depende de qual o prazo
Que alguém distar deste evento
E de qual o envolvimento,
Mais ainda do poder
De acreditar na noção
De dois entes que hão-de ser
No Universo a agitação
De quem está destinado
A encontrar-se em todo o lado.
Se calhar são os dois feitos
De sempre um ao outro afeitos.
55 - Cuidas
Cuidas que os que nós amámos
Nos deixam alguma vez?
Cuidas que os não recordamos
Com muito mais nitidez
Do que nunca nos momentos
Mais difíceis, nos tormentos?
Cada qual dentro de ti
Está vivo e se revela
Com mais nitidez ali
Se precisas dele ou dela.
Senão como produzir
Poderias o porvir?
56 - Força
Há uma força em simultâneo
Maravilhosa e terrível,
Mais que da morte o calcâneo,
Que da inteligência o nível,
Que as forças da natureza
E tudo o que o mundo preza.
É acaso o mais misterioso
Poder a que não há escudo,
Poder de que tens o gozo
Na escala a que entregas tudo:
- De teu coração é o voo,
O voo que te salvou,
De pedra algures no chão,
A rei ser da criação.
57 - Divórcio
Mesmo um bom divórcio fardo
Pesado é que, durante anos,
Molda os filhos como a dardo,
Perfis de arestas com danos.
Após, estes o que querem
Sabem: casamento forte,
Lar e todos a entenderem
O que é com maldita sorte
Crescer como eles cresceram.
Querem um mundo seguro
Para os filhos que ponderam:
Um só mundo, mesmo impuro,
E não os dois entre os quais
Andaram saltando, bolas
De jogo que pontapeais
Sem árbitro ou bandeirolas.
58 - Células
Filhos de divorciados,
Entre as células um elo,
(Os dois mundos separados
Dos pais, sem qualquer apelo)
- Definitivo senão
Do estado de solidão.
59 - Pedra
Para um lar a segurança
Dum filho é a pedra de toque.
É a diferença que alcança
Entre uns e outros o enfoque:
Dum divórcio, os inseguros,
Dum lar seguro, os seguros.
Mesmo o bom divórcio é
Sempre um mal crescendo ao pé,
Na perspectiva dos filhos,
Senão dos demais cadilhos.
60 - Núcleo
Famílias biparentais
Têm por núcleo crianças.
O divórcio inverte tais
Coordenadas que entranças,
Pois cada progenitor
É o centro então de seu mundo.
As crianças vão-se pôr
Fora, do lado infecundo.
E a infecundidade é o mote
Que um divorciado cote.
61 - Preciso
É preciso ser um louco
Para amar quem nos magoou
E ainda mais louco um pouco
Para crer que nos amou
Quem apenas nos magoa
E nem vê quanto nos doa.
62 - Ciúmes
Podem os ciúmes subir
Como uma maré que apaga
Os eventos que fundir
Se vieram à nossa plaga,
Gravados como uma glória
Na baixa-mar da memória.
Fica o vazio na brisa
Da praia deserta e lisa.
63 - Vive
Tudo vive em relação,
Os homens com animais,
O estranho com os que o são,
Vós com todos os que amais,
O marido com mulher,
Pai com filho e o mais que houver…
Se me cortar algum dia,
Outro qualquer sangraria
E, se salvarmos alguém,
A nós salvamos também.
64 - Função
A função duma criança
É crescer. Por que razão
Um pai se sente e se alcança
Tão desiludido então
Quando, como por magia,
Isto lhe acontece um dia?
65 - Dentro
Um mundo por dentro delas
Têm as gentes daqui.
Oferecem-te as estrelas,
Partilham suas janelas,
Emprestam-te um alibi,
A elas próprias se dão…
E o que em tudo isto arrebata
Tem tais raízes no chão
Que em nós é uma rota inata.
Não te preocupes, pois:
Aquece-te nestes sóis.
66 - Amparar-nos
Por que têm de partir
Aqueles a quem amamos,
De que tanto precisamos
A amparar-nos o porvir?
Para mui longe não vão,
Ainda os tens dentro de ti
E de certeza que não
Podes perdê-los daí.
Tua mãe fala contigo
E teu pai vem recordar-te
Como juntos cada parte
Perfizeram dum abrigo…
São mais presentes então
Se os ouves no coração,
Seja qual for o cadinho
Da morte a apurar caminho.
67 - Merecer
Só quem amar com bondade,
Mesmo não com permanência,
Merece a afectividade
Daquele, por excelência,
Que anda, afinal, dele à espera
Ao longo deste caminho
Que se estende de era em era
E vida fora adivinho.
Quem tal rumo não trilhar
Nunca então há-de encontrar.
É que, mesmo quando encontra,
Nunca vê o que está na montra.
68 - Perdoar
Fica mesmo mais barato
Não esperar das pessoas,
Perdoar cada pataco,
Embora do que lhes doas
Não mereçam nenhum acto:
Fá-lo por ti. O inimigo
A quem nós não perdoamos
Dormirá sempre ao abrigo
Da cama onde nos deitamos.
Perturbará, se o fustigo,
O sono onde repousamos.
De sono em tortura cheio
Só vivo uma vida a meio.
69 - Desiste
Se você não compreender
Aquilo que se esconder
Dos outros por trás das falhas,
Deles desiste das calhas.
É que, para perdoar,
Não basta, não basta amar,
Antes pensar é preciso
E entender com todo o siso.
70 - Talhar
A solidariedade
Talhar, o dom de pensar,
O amor mútuo, em toda a idade,
É muito mais importante
Que o dinheiro a arrecadar
Mundo fora vida adiante.
71 - Traz
O que a vida traz amamos,
Carros, conforto, prestígio,
Casa, dinheiro sem amos,
Da fama o fugaz fastígio…
Quem for a sério, sonhar
Ama: doar-se, coexistir,
Criar e dialogar,
Falar tanto quanto ouvir…
- Entre os dois sempre balanço
Mas só neste é que me alcanço.
72 - Clima
Quando há clima de respeito,
Clima de compreensão,
Tomar vivências a peito
Que a nós só mágoa nos dão,
Delas falar, alivia,
Gratifica e ferramentas
Dá no pão de cada dia
A superar as tormentas.
73 - Riquezas
Todos têm escondidas
Riquezas dentro de si,
Mesmo as mentes mais perdidas,
Marginais sem alibi,
Mesmo os que erram e fracassam
Continuamente, fatais.
Garimpe os oiros que grassam
Dos rios nos pedregais
Daqueles que você ama.
Garimpe os oiros que brilham
Por dentro de si na trama
Do que os gestos mais perfilham.
Poucos sabem garimpá-lo,
Ao oiro que há nas matrizes,
Poucos, por isso, o regalo
Hão-de ter de ser felizes.
74 - Melhor
O melhor que houver na vida
Terá de ser cultivado.
Muito marido, na lida,
Só descobre que há magoado
A mulher que à angústia cede
Quando ela o divórcio pede.
Algumas esposas só
Entendem o lar desfeito
Quando o grão final de pó
Do amor já voou do leito.
Não há mais chuva na eira
Que replante a sementeira.
Alguns apenas investem
De vida na qualidade
Quando a cama já revestem
Dum hospital, na orfandade.
Tarde então será demais
Para utopias que tais.
75 - Paredes
Nas paredes tu reparas
As rachas que fenderão,
Não as fendas de anteparas
Que minam a relação.
E da torneira que vaza
Estancas água a verter,
Não o vazamento em casa
Das afeições a morrer.
Não te perguntas então
Por que ocos teus anos são?
76 - Histórias
As histórias não partilham
Doravante pais e filhos,
Os eventos já não brilham
Da vida entre trocadilhos.
A família anda a tornar-se
Num grupo de gente estranha:
Cada qual vive a isolar-se
Na vida própria que apanha.
Uns dos outros já perdidos,
No nada são dissolvidos.
77 - Ajuda
A vida tão preciosa
Não será para que escolha
Preservá-la, especiosa,
Em vez de ajudar: acolha
Quem de si for precisado.
Todos morrerão, um dia,
E não há maior legado
Que a ajuda que espalharia.
78 - Alquimia
Se um dia te sentes só,
Assustado com o mal,
Não te esqueças deste pó
De alquimia universal:
Por longe que ande em meu ramo,
Não te esqueças de que te amo.
Porque é deveras verdade
E aquilo que de melhor
Quem a tal se persuade
Poderá sempre propor,
Poderá sempre fazer
Por ele, outrem, por quenquer.
79 - Amigos
Somos amigos, bem mais,
Às vezes muito melhores
Do que serão muitos pais,
Sempre a cobrarem favores.
Amigos porque queremos,
Nunca obrigados seremos.
Escolhemos ser amigos,
Ninguém impõe tais abrigos.
80 - Consegui-lo
Se houver de renunciar,
Não podendo mais fazer
Por alguém a quem me doar,
Consegui-lo hei-de poder.
É que em meu íntimo guardo
A inestimável memória
Do que vivemos, com que ardo
Muito além da fátua glória.
As boas recordações
São o bem mais precioso
Que se pode aos corações
Doutrem dar com mútuo gozo.
81 - Respira
Um homem deve saber
Que respira porque a mãe
Lhe olhou para o rosto e, ao ver
Quão lindo ele era também,
Deliberou livremente
Amamentar-lhe a semente.
A criança (que então vive
Porque a mãe já desistiu
De tanto que se lhe esquive
Para quando à luz o deu)
Deve ver se não olvida
Que à mãe é que deve a vida.
82 - Atamos
À luz damos nossos filhos,
Não os criamos de todo.
Atamos neles cadilhos,
Fundo a vida deste modo,
Reivindico seus pecados
Como as vitórias havidas
Tal se foram meus os dados,
Fruto de minhas corridas.
Um filho é um eu imortal
E, se por mim veio ao mundo,
Tomar não devo o fanal
Do fado dele em que abundo:
Meus não são os actos seus
Nem culpá-lo irei dos meus.
83 - Parcela
Ninguém pode alguém mudar
Numa parcela de gente.
Cada qual pode-se olhar
Como inteiro, integral ente,
Ou parcial: e meu viver
Vai conforme o que escolher.
Porém, se o tomo por parte,
O resto porei aparte.
Traio-lhe o que é nesta imagem
E aqui finda a comum viagem.
84 - Envolve
Qualquer boa relação
E por melhor que ela seja
Sempre envolve discussão.
Caso contrário, viceja,
Não um relacionamento
Que um encontro sempre almeja
De dois num só movimento,
Vidas que antes são distintas,
Mas de ambos o isolamento,
Onde em comum nada sintas.
A fricção é só o momento
Saudável de ajustar cintas.
85 - Pais
Quando os pais se separarem
É importante que reparem
Que nunca se separaram
Dos filhos que ambos geraram.
Cuidar deles em conjunto
Então é primário assunto.
Alguma civilidade
Bem como mútuo apoio
É o que aos filhos mais persuade,
Trigo que lhes monda o joio.
E por quê prejudicá-los?
- Não têm culpa dos abalos…
86 - Mútuo
Se houver mútuo envolvimento
E vera seriedade,
Tanto quanto um casamento,
Dura, sem solenidade,
A união de facto, intento
Sem papéis mas de verdade,
Que eles não desistirão
Nos muros que enfrentarão.
Vivemos no imediatismo,
Ninguém com a frustração
Sabe lidar, é um abismo,
Nem a tença adiar, chão,
Hoje logra em seu autismo.
A lutar não tenderão
Por aquilo em que acreditam
Os que pouca fé concitam.
De hoje a crise das nações
É crise de convicções.
87 - Podem
Podem bater, ameaçar,
Podem gritar: morrem de medo
Duma mulher, basta-os tocar.
Pode não ser, ouvido o credo,
Certa mulher com quem casaram,
Mas há sempre uma que os assusta,
Molda a caprichos que os ataram.
E quanta mãe a tal se ajusta!
Seja quem for, tais homens são
Dum medo vil a vil função.
88 - Mal
Mal na civilização
Era a deflorestação,
Fim da camada de ozono,
Morte aos pandas, de abandono,
O tabaco, os alimentos
Cancerígenos fermentos,
A situação nas prisões
Dando a mil crimes lições…
Mas bem pior do que tudo
E com tudo bem conexo
É o mal com que mais me iludo:
O mal com que vivo o sexo.
É sempre meu mal maior,
Pois com ele me confundo:
Desligo sexo de amor
E sozinho vou ao fundo.
89 - Tolera
Pode um homem tolerar
Uma semana de sede,
Ou duas de fome, a par,
Anos sem tecto ou parede,
- Não tolera nunca, não,
Apenas a solidão.
A pior é das torturas,
De todos os sofrimentos.
O que procuro procuras:
Da companhia alimentos.
Sou contigo sofredor
Deste afecto destruidor:
Sentir que ninguém no mundo
Comigo se importa a fundo.
90 - Mentira
É o amor escravidão,
Escravidão consentida?
É mentira, não é, não,
Antes é minha medida,
Que a liberdade só existe
Se, presente, ele persiste.
Quem se entrega totalmente
Então plenamente é que ama,
É que então livre se sente
E a liberdade proclama
Sem palavras mesmo acaso,
Com todo o ser e sem prazo.
91 - Ninguém
No amor ninguém magoar
Poderá ninguém de vez,
Do que sente deve dar
Cada qual conta, ao invés,
E ninguém pode culpar
Outrem do próprio revés.
Se já me senti ferido
De perder a quem amei,
Hoje vivo convencido
De ninguém perder, por lei,
A ninguém, que possuído
Ninguém é na nossa grei.
Da liberdade experiência
Verdadeira é ter do mundo
A mais importante essência:
Do amor quem me entregue ao fundo,
Sem ter dele a dependência
Nem possuí-lo, infecundo.
92 - Pedra
Cai uma pedra no lago
De minha vida, é a paixão.
Pode descrever o afago
Da beleza num vulcão
Dum encontro fulminante
Entre dois, vida adiante,
Mas não se limita a isto,
Apelo do inesperado,
Vontade, em tudo o que alisto,
De agir logo afervorado
Com esta certeza insana
De um sonho cumprir com gana.
A paixão dá-me sinais
Que me guiam vida fora.
Cabe-me decifrar quais
Eles aqui são e agora.
Por eles agindo em pleno
Sei o que acolho e condeno.
93 - Dou-te
Em vez de te oferecer
O que adorarias ter,
Dou-te uma coisa que é minha,
Que é de mim próprio vizinha.
É um presente em que te aceito,
Vero sinal de respeito
Por ti diante de mim,
Pedindo que tu, assim,
Compreendas que importante
A teu lado, a todo o instante,
É estar confiantemente.
Agora em ti tens presente
De mim mesmo aquela parte
Que te entreguei, de tal arte
Que é de espontânea vontade
Que me dou em liberdade.
94 - Primeira
Importa a primeira chispa,
Lume do primo desejo
Que subterrâneo nos dispa,
Proibido no incerto ensejo,
Não consentido ou buscado.
Ignoras se estás perante
Metade que te há faltado,
Teu perdido outro eu distante,
Nem ele tão-pouco o sabe.
Algo os atrai, todavia.
Ora, urge crer que ali cabe
A verdade da magia.
95 - Prazer
Maior prazer não é sexo,
É paixão com que é fruído.
Se o valor desta conexo
Grande for no que é vivido,
O sexo vem consumar
A dança que o par dançar.
Ele jamais, afinal,
Será o ponto principal.
96 - Transbordar
Quem andar apaixonado
Sempre anda a fazer amor
Mesmo não o tendo andado.
Quando os corpos com ardor
Se encontram, tudo se enlaça,
É só o transbordar da taça.
Poderão juntos ficar
Horas, dias ou semanas,
Pode a dança começar
Num dia em que a luz emanas
E findar noutro qualquer
Ou nunca, tanto é o prazer.
Nada a ver tem tal amplexo
Com uns minutos de sexo.
97 - Bastante
Não sei se ela voltará,
Mas, pela primeira vez,
Não faz diferença alguma.
É bastante tê-la cá,
De minha mente na tez,
Na afeição de que ela é a suma.
Vou colorindo a cidade
Dela com os passos belos,
As palavras, o carinho…
Se outro lugar mais me agrade,
Tem oiro de seus cabelos,
Seu nome, a lembrar um ninho.
Tudo o mais que aqui vivi,
Todo o mal por que passei,
No porvir não serão nada
Ao pé do que lembro ali.
E o sonho que sonharei
É com ela de mão dada.
98 - Poder
Por que é que a mulher se entrega
A um homem de que não gosta?
É um poder que a porá cega:
A consciência em que aposta
De que ele finda impotente
Às mãos débeis com que o tente.
É o que sente por aquela
Que a possuir mas que, esquivo
E por mais que ele a atropele,
Acaba dela cativo.
99 - Aceitar
Todos os dias preciso
De a mim me reconstruir
Para aceitar que ter siso
É amar alguém, a seguir,
Porém tanto e tão a esmo
Que o ame mais que a mim mesmo.
100 - Forças
Das naturezas diversas
Nasce o amor, contradição
Onde ganha forças tersas:
Confronto e transformação
Eis onde, sem mais reserva,
Vivo um amor se preserva.
101 - Entendes
Entendes tudo mui bem
Mas de entender, de repente,
Deixaste de vez, porém.
Tal qualquer marido assente,
A esposa a considerar
Começaste como parte
Dos utensílios do lar,
Um móvel mais posto aparte.
Depois na lareira a brasa
Apagou-se-te na casa.
102 - Dominamos
Dominamos a energia
Do sol, do vento, do mar…
Se se dominar um dia
Toda a energia de amar,
Mais ela importará logo
Que a descoberta do fogo:
- Vai ser, num gesto fecundo,
Do nada criar um mundo.
103 - Esforço
Que te leva a acreditar
Dever ser recompensado
Com o acordo de teu par
Teu esforço denodade,
Com o reconhecimento
E todo o agradecimento
De quenquer a quem amares?
Estás aqui por caminho
Ser este de caminhares
Em teu destino sozinho,
Nunca por teu fito ser
Comprar um amor qualquer!
104 - Instrumento
Ser instrumento do amor
E jamais o dono dele
Garante inteiro o fervor
Por alguém, que o fogo impele,
Não, porém, por convenção
Obrigar o coração.
105 - Pior
Pior do que caminhar
Só na urbe e miserável,
Com alguém ao lado é estar
Fazendo que indubitável
Sinta tal se não tivera
Peso algum em minha esfera.
Mais do que o vazio, é um nada
Perdido à margem da estrada.
106 - Importa
Nada existe de pior
Do que sentir que ninguém
Se importa com o factor
De sermos ou não alguém,
Que ninguém interessado
No comentário que temos
Há-de haver em nenhum lado,
Sobre a vida que vivemos,
Que o mundo continuar
Poderá perfeitamente
Sem nossa presença a par,
Parasita renitente.
107 - Embora
Tudo embora irá de vez,
Fica o amor que move o céu,
As estrelas que nem vês,
Os homens, o peito ao léu,
As árvores, os insectos,
Nos obriga a caminhar
Pelo chão, parede e tectos
Perigosos de gelar,
Que nos enche de alegria,
De medo, mas sobretudo
Que, num halo de magia,
- Vai dar um sentido a tudo.
108 - Fogo
Se procuras o lugar
Da esconsa felicidade
E se eu procuro espalhar
O amor por toda a cidade,
Do mesmo andamos em busca,
Que igual fogo nos chamusca.
109 - Confirmar
Poderei viver sem ela
Mas gosto de novamente
Encontrá-la e à janela
Lhe confirmar, renitente,
Aquilo que jamais disse
Quando juntos estivemos:
Amo-te, em minha sandice,
Mais do que a mim, nos extremos.
Poderei seguir em frente,
Em paz, no caminho meu,
Que este amor assim pungente
Afinal me redimiu.
110 - Confusão
No dia em que permitir
Que o vero amor apareça,
O já ordenado, a seguir
É confusão, peça a peça,
- E errado finda, bem perto,
Tudo quanto achámos certo.
111 - Souber
Quando o homem souber amar
Será o mundo verdadeiro.
Até lá vivo a pensar
Que conheço o amor inteiro
Mas sem coragem nem fé
De enfrentá-lo tal qual é.
112 - Sacrificar
Quem afirma estar contente
Por sacrificar a vida
Por quem ama fundamente
Crê que quem ama o convida
Por ele a sofrer tormentos,
Que o amor são sofrimentos?
Se crê que sim, pois então
Saiba que deve ser não.
Sempre o amor é o infinito
A desabrochar num grito.
Mesmo quando grita assim
Sou eu nascendo de mim.
Isto tem sempre a magia
Da torrente da alegria.
113 - Serve
O saber acumulado
Serve para cozinhar,
Gastar menos que o poupado,
Dum Inverno se abrigar,
Os limites respeitar,
Descobrir para que lado
Vai o comboio, o autocarro
E ver se nunca me esbarro.
Porém, um amor passado,
Qualquer que seja o fulgor,
A quenquer terá ensinado
A amar, como amar melhor?
Ou antes, pelo contrário,
Para uma entrega completa,
As cicatrizes, sumário,
Tens de esquecer ante a meta,
Cicatrizes que somaram
Os que antes por ti passaram?
Para a energia do amor
Qualquer alma atravessar
Ela terá de a encontrar
Acabada de nascer.
Aquele que infeliz for
É que ele aprisionar quer
Tal energia: é impossível.
Limpar a história pessoal
É manter limpo o canal,
Pronto a quanto for vivível,
É deixar que cada dia
Se manifeste a energia
Como ela o bem desejar
E dela deixar-se guiar.
114 - Amo-te
Amo-te mesmo à distância,
Nem telemóvel aplico,
Amo-te sem qualquer ânsia,
Que dentro em ti eu me fico
Como tu dentro de mim:
- Dois num só, começo e fim.
115 - Importante
O importante sempre fica.
Àquilo que embora vai
O importante não se aplica,
É o galho seco que cai.
Nós é que tal o julgamos,
Mas é inútil, sem valor,
Como quando controlamos
Com falso poder o amor:
Posso ficar convencido,
Mas o amor já foi traído.
116 - Apesar
Apesar doa ornamentos,
Do crédito dos cartões,
De ricos, de sabidões,
De poderosos portentos,
Sabemos bem que, no fundo,
É tudo busca de amor,
De carinho, de calor,
De andar, no mapa do mundo,
Como quer que ele se trame,
Com alguém que, enfim, nos ame.
117 - Fome
É melhor ter fome que ficar sozinho,
Que se estou sozinho, em solidão imposta
E não na escolhida de que a mente gosta,
Forço-me a aceitá-la, de ninguém vizinho
E é como se já não mais fizera parte
Da raça humanal, de vez cá posto aparte.
Tenho a liberdade que jamais sonhei?
Decerto é mentira, que ninguém a quer.
Todos ansiamos por reter quenquer,
Livre compromisso, não de imposta lei,
Connosco a admirar, a comentar, a rir
De entrevistas, filmes ou do sol que abrir…
Ter com quem cortar a sanduíche pobre,
Que nosso dinheiro já não compra duas,
Que é melhor comer metade em plenas ruas
Que comê-la inteira e coração não sobre.
É melhor ligeiro ter de vir a casa
Que vaguear vazio, o coração sem brasa.
118 - Porta
À porta do convento bate o camponês.
Quando abre o irmão porteiro, dá-lhe um cacho de uvas:
- Entrego-as de presente, antes que venham chuvas
Estragar o melhor que amadurou meu mês.
- Obrigado! Levá-las vou logo ao abade
Que vai feliz ficar com esta doce oferta.
- Não! Trouxe-as para si, que sempre a porta aberta
Me foi por suas mãos, sem que a má sina o enfade,
Quando foi destruído o campo pela seca
E me deu pão e vinho uma estação inteira.
Quero que o cacho de uvas lhe dê uma fagueira
Mancheia de sol e água, a bênção que me obceca.
Coloca o irmão porteiro as uvas ante si,
Admira-as realmente, lindas que elas são!
Por isto é que ao abade insiste em dar então
O presente: "ele, sim, que eu tal não mereci!"
O abade com as uvas fica assaz contente,
Mas lembra um acamado: "vou dar-lhe alegria,
Que a doença o tolheu e o cacho tem magia."
E as uvas vão parar à cama do doente.
"Meu irmão cozinheiro" - pensou este então -
"Tem cuidado de mim com o melhor que tem.
Quanta felicidade, se lho der alguém,
Irá sentir!" - E oferta-lhe o cacho ao serão.
Pois o irmão cozinheiro ficou deslumbrado
Da beleza do cacho: "para apreciá-lo,
Só mesmo o sacristão que cuida com regalo
Da guarda do mosteiro, santo já nimbado."
Dá o irmão sacristão as uvas ao noviço
Mais jovem e mais verde que anda no rebanho
Para ele entender que o mais etéreo ganho
É ver obra de Deus no mínimo chamiço.
Encantado, o noviço recordou o dia
Em que a primeira vez se lhe abrira o mosteiro,
Quis fazer a surpresa ao velho irmão porteiro:
"Coma as uvas, far-lhe-ão sápida companhia!"
O irmão porteiro entende que aquele presente
A si se destinava, saboreou os bagos
E adormeceu feliz com luz nos olhos vagos,
Que o círculo do amor fechou com toda a gente.
119 - Sacrificara
Sacrificara desejos
Para o amarem como amavam
Seus pares, em mil ensejos,
Como em miúdo costumavam,
Sabendo embora que amor,
Se for amor verdadeiro,
Modifica seu teor
Com o tempo passageiro,
Cresce, descobrindo, atento,
Novos modos de ir no vento.
Fez aquele sacrifício,
- Não ficou de amor resquício.
120 - Prenda
Uma prenda que te prenda
É prenda que aprenda a dar,
Embora a prenda não renda
A renda que renda amar.
É que quanto mais me renda
À prenda que é de eu te amar,
Tanto mais me rende a prenda
Que a ti me prende no lar.
121 - Ensiná-los
Posso arranjar mais amigos,
Ensiná-los a ser loucos
Para abrirem os postigos
De sábios serem aos poucos.
Dir-lhes-ei que o manual
Rasguem da boa conduta,
Olhem da vida o fanal
Próprio que ao longe os recruta,
Os desejos e utopias,
A aventura que há nos dias
E, em troca de quanto arquivam,
Vivam, vivam, vivam, vivam!
122 - Terror
Terror de ficar sozinho,
Terror do escuro diabo
Ou do que cuida o vizinho,
Terror de levar a cabo
Passos fora do caminho,
Terror do que julgar Deus,
Dos comentários de iguais,
Das leis dos códigos meus,
De julgamentos fatais,
De arriscar perder os céus,
De ganhar gerando inveja,
De amar e ser rejeitado,
De aumento pedir que veja,
Dum convite ponderado,
Do ignoto que além viceja,
Terror da língua estrangeira,
De outrem não impressionar,
De andar de morrer à beira,
De o defeito se notar,
De a bondade ser ligeira…
- É um regime de terror
A vida que me fascina,
Vivo no sangue e suor
Da sombra da guilhotina…
- Só queria algum amor!
123 - Caminhavam
Cavalo e cão mais seu dono
Caminhavam pela estrada.
Ao trepar dum cume ao trono
Tombaram no eterno sono,
Dum raio pela lançada.
Não percebendo que a morte
Os já colhera no abraço,
Continuaram seu norte,
Fazendo contas à sorte,
Não vão cair nalgum laço.
Numa curva do caminho
Avistaram um portão
De mármore e de azevinho,
De oiros a brilhar loirinho,
Com fonte a meio do chão.
"Que lugar" - pergunta ao guarda -
"É este aqui tão bonito?"
"É o Céu!" - diz-lhe ele em voz tarda,
Alisando a fina farda.
"Bom é que é o Céu que visito,
Estamos com muita sede…"
"Bebe só tu, à vontade."
"Mas aos meus animais vede
Como a sede os haustos mede…"
"Nenhum isto aqui me invade!"
O dono, desapontado,
Parte, não bebe sozinho.
Caminhando, fatigado,
Chega a um portão desgastado,
De terra aberto a um caminho.
O guarda dorme no chão.
"Quase de sede morremos,
Eu, meu cavalo e meu cão"
- Diz-lhe, ao acordá-lo então. -
"Será que beber podemos?"
"Entre as pedras há uma fonte,
Vão à vontade beber."
Os três vão logo defronte
E bebem onde ele aponte,
Voltam para agradecer.
"Retornem quando quiserem."
"E o nome deste lugar?"
"Céu!" "Céu?! Mas há dois que auferem
Deste mesmo nome terem?!"
"O outro é um céu de enganar,
Lá em baixo aquilo é o inferno."
"Deveriam proibir
Que usem vosso nome eterno,
Traiçoeiro engano é superno…"
Responde o guarda, a sorrir:
"De forma alguma! Em verdade
Fazem-nos grande favor:
Fica lá toda a entidade
A que abandonar agrade
O seu amigo melhor."
124 - Soldado
Qual a razão verdadeira
Por que um soldado a morrer
Se dispõe na guerra inteira?
Um patriotismo qualquer,
A família ou a nação?...
Não pense nisto sequer!
É pela equipa que são:
Estão ali em conjunto,
Coesos de coração.
Não há nenhum outro assunto
Que lhes pese e os prenda ao chão,
O mais vai nisto por junto.
125 - Culpa
É de culpa o sentimento
Uma das pedras de base
De quem tem bom casamento.
A consciência de quem case
Atenta ali sempre opera.
O valor, em qualquer fase,
Com alta estima lidera.
E sentimos o dever
De evitar uma acção mera
Que obrigue, contra o querer,
Na relva da Primavera,
O remorso a florescer.
126 - Melodia
Se a conversa for a letra,
Então é música o riso
E o convívio nos impetra
A melodia que viso
Repetidamente ouvida,
Sem fatigar, toda a vida.
127 - Encarar
Encarar o teu parceiro
Como quem tem de mudar
Para mudar o atoleiro
Em que derivou teu lar
É uma forma de fugir:
Nada melhora a seguir.
Antes irás colocar
O teu par na defensiva,
Sombrio papel ao dar
A quem sã busca inventiva.
Ninguém muda em resultado
Deste rumo desviado.
A responsabilidade
Ninguém toma do que houver,
Fica na totalidade
Infeliz quem o viver.
A teu par de mau dar tom
Ignora quanto ele é bom.
O verdadeiro conserto
É a ti próprio te mudar.
Corrige teu desacerto
E o melhor vai procurar
No cônjuge, que o merece:
- Logo a magia acontece.
O teu optimismo aumenta,
Teu par sente-se melhor:
Ser apreciado acalenta
Quem penalizado for.
Para mudar motivados
Ambos findam alegrados.
128 - Só
Não é compromisso o amor,
Hábito ou dívida até,
Nem romântico fervor.
Que é que é o amor? O amor é!
Só e sem definições.
Ama apenas, sem perguntas,
Ama apenas, sem tenções,
Senão joio ao trigo juntas.
E amor não é o que ali pões.
129 - Bruxas
Às bruxas a nova caça
Começa a ganhar terreno.
Ferro em brasa não abraça
Mas a repressão em pleno
Na ironia treda e baça.
Todo aquele que descobre
Um dom por acaso em si,
Se da faculdade nobre
Falar que aflorar ali,
Logo a desconfiança o cobre.
E o marido, o pai, o filho,
A esposa, seja quem for,
Em vez de orgulho do trilho,
Proíbem qualquer teor
De menção, pois dá sarilho.
Ao ridículo com medo
De expor o lar, tarde ou cedo.
130 - Manifeste
Todos temos um dever,
Dever para com o amor:
Que se manifeste, ao ser,
Do modo que achar melhor.
Não podemos nem devemos
Assustar-nos quando a treva
Dum erro que cometemos
Se ergue, bulcão que se eleva,
Tentando em nós controlar
Nossa mente e coração.
Não nos vamos assustar
Quando ela se erguer do chão
A querer fazer-se ouvir:
- Só amor é nosso porvir!
131 - Entregar-se
Entregar-se inteiramente
Ao amor é renunciar
A tudo, inclusivamente
Ao seu próprio bem-estar,
À própria capacidade
De escolher o que lhe agrade.
A profundeza de amar…
Não queremos, na verdade,
Ser salvos nem nos salvar
Como Deus nos persuade,
Queremos o permanente
Controlo do passo em frente.
Quero ter consciência plena
Da decisão a tomar,
Capaz de escolher a cena
A que me irei devotar.
Não é com o amor assim:
Chegou, instala-se em mim,
Desata a conduzir tudo.
Apenas almas mui fortes
Se deixam ir, sem escudo,
Quaisquer que sejam os nortes
E, quão mais abandonadas,
Mais de vez vão encontradas.
132 - Longe
O lado belo do amor
É o amor que desafia,
Amor entre dois estranhos
Que trazem de longe o dia
E que amanhã, sem rumor,
Já partiram, com os ganhos
De irem para um mundo ignoto
Onde quenquer gostaria
De enraizar dele o pé boto.
133 - Busca
Em busca de eros corremos.
Se em amizade ele muda,
Que o amor é inútil cremos.
Nunca nos apercebemos
Que a amizade nos acuda,
Que ela é que irá conduzir
À forma de amor maior,
Ao ágape do porvir
Onde partilho, a seguir,
Tudo o que sou feito Amor.
134 - Guerrear
Guerrear pode ao fim ser
Um acto de amor veraz:
Podemos desenvolver
O contendor que acorrer
E aprimorá-lo, tenaz.
Basta que, sem reboliço,
Nós trabalhemos por isso.
Em lugar de raiva e ódio,
O ringue é de amor um bródio.
135 - Frustrado
O amor frustrado é que ameia
E se realiza em despeito
Na infelicidade alheia.
Beija os noivos a preceito
Mas dentro vai murmurando:
Nenhum para o outro é feito.
Tenta o mundo ir colocando
Em ordem, que o próprio peito
É a desordem permanente.
E também a maquilhada
Sempre exageradamente,
Cabeleira alvoroçada,
É só tibieza aceite,
Amor social conformado
Sem afecto a que respeite.
Afeita ao papel moldado,
Com o mundo corta os laços,
Bom combate não há mais.
Esvaziam-se os abraços,
Do amor findam os sinais.
136 - Amar
Amar o nosso inimigo
Não é dele, enfim, gostar,
Pois gostar ninguém lobrigo
De quem mal lhe ande a tramar,
Que amesquinhar-lhe o sofrido
Cotio tente vivido.
Mas o amor de comunhão
É muito mais que gostar,
Devora o que tem à mão,
Tudo invade, liminar.
De agredir a tentativa
Devém só poeira esquiva.
Se aprendeste a renascer,
A não ser cruel contigo,
Com teu imo a discorrer,
- Ao mundo abrir teu postigo
Só terá sentido agora
Se este amor és que devora.
137 - Casal
Enquanto o casal se amar
E julgar que o amor cresce,
Em breve sozinho o par
Pela vida anda a lutar,
Do lar o lume enobrece,
Participam na segura
Sempre comum aventura.
Isto é que amor engrandece
E o torna digno e depura.
E, mal a freima comece,
Cada qual logo oferece
O que dois num mais figura:
Desdobram-se no labor,
No lar, no campo, onde for…
Vão-se ambos acompanhando,
Terão filhos e, se sentem
Que com as mãos elevando
Algo vão juntos é quando
Os bons combates não mentem:
Tropeços haja ou deslizes,
Não deixam de ser felizes.
Mas tudo pode ocorrer
Duma maneira contrária:
Livre ele sentir não ser
De seguir qualquer mulher,
Ela de em vida sumária
Sacrificar a carreira
Sem sol despontar na leira.
Ao invés da criação,
Cada um irá roubado
Sentir-se no coração.
E o que faria a união
Vai só mostrar o mau lado.
E o mais nobre sentimento
É de ódio fonte e tormento.
138 - Entusiasmo
Entusiasmo é sempre amor
De algo, alguém ou duma ideia,
Quando amamos com fervor,
Afectos em maré-cheia,
E advém a serenidade
Duma fé que tudo invade.
Esta força estranha faz
Que sempre as decisões certas
Tomemos de que é capaz,
Na hora exacta, despertas
Garras de que, surpreendidos,
Nem nos sabemos sortidos.
Durante o que é bom combate
Nada mais tem importância,
Levados para o embate
Com fogo, da relevância
Do entusiasmo que acometa
O caminho para a meta.
O entusiasmo normalmente
Tem todo o poder na infância,
O divino ainda é recente
E atiramo-nos com ânsia
Aos brinquedos duma vida:
- Tal é de homem a medida.
139 - Criança
Sempre a criança ensinar
Pode ao adulto três pistas:
Dum nada contente andar,
Sempre de algo se ocupar,
Exigir do sonho as listas.
140 - Frente
Um dia em frente surgiste
E, a partir daquele dia,
Do vale a beleza existe,
A silhueta me espia
Da montanha no horizonte,
Ao céu me lançando a ponte,
E a Lua troca de abrigo
A fazer crescer o trigo.
Nunca mais eu tive fome
Da vida que me consome.
141 - Rajadas
O Natal a norte é frio,
Com rajadas de nevão.
Só com amor o amacio,
Como de Inverno um roupão.
Quando um roupão ofereço,
Ofereço mais calor
No frio em que desfaleço:
- Ofereço nele amor.
No Natal de frio e neve,
Assim, um mero roupão
Em que amor secreto esteve
Traz ao Inverno o Verão.