A PEGADA EM CONTRA-PÉ
Belo
O som mais belo da natureza
(A cada qual convence-o
Quem o mais preza)
É o silêncio.
Aprecia
Não te deixes pear
Pelas críticas.
Aprecia que alguém ande a reparar
E converte tuas pegadas somíticas.
Três
Três coisas choramos
Vida fora:
As que perdemos, as que encontramos
E as magníficas que tanto ganham pela demora.
Divórcio
Um divórcio é sempre uma amputação:
Sobrevivemos após,
Mas então
Com um pouco menos de nós.
Detrás
Por detrás dos dias belos
A vida traz muita amargura.
Porém, se não estás pelos cabelos,
Como saberás a tua altura?
Constata
De nada serve combater o sistema
- Constata eternamente o injustiçado.
E só mudou o lema
Quando todos como um só se hão levantado.
Localização
Nunca uma localização física
Me transforma o lar que quis,
Por qualquer magia narcísica,
Numa família feliz.
Solto
Vemos tudo solto, tudo solto,
A miúdo.
Por isso é que com tudo me revolto:
- Tudo tem a ver com tudo.
Nele
Um beijo:
Uma montra.
- Será que a gente se perde nele de desejo
Ou nele se encontra?
Ganhar
Ganhar maturidade
É aprender e apreciar, a cada instante,
Em profundidade,
O que é deveras importante.
Instante
O amor é frágil, tão frágil
Que é muito fácil desfazê-lo.
Mas também tão ágil, tão ágil
Que num instante estás de novo a revivê-lo.
Hábito
Não esperes demasiado
Para te fazer acontecer.
A vida tem o hábito danado
De passar a correr.
Trabalho
Tanto trabalho a ignorar os afectos, com um ardor
Sem medida!...
A vida é para servir o amor,
Não o amor para servir a vida.
Segredo
Quando a apostar se estiver,
O segredo de ganhar
É saber
Quando parar.
Contradição
O amor não é uma contradição qualquer,
É a contradição na sua pureza:
Dá-nos um infinito poder
Numa infinita fraqueza.
Metas
O amor tem dias?
Experimenta destruir-lhe a trama...
Que são as ambições senão metas vazias
Se não se puder estar com quem se ama?
Adivinhara
Se eu adivinhara que desejar ver-te
Apressaria a tua vinda,
Ter-te-ia desejado, solerte,
Mais ainda.
Medo
Há quem se engane
A querer aprofundar o passado
Porque um medo há que sempre o dane:
- Que futuro é o esperado?
Expor-se
Fazer figura de parvo,
Expor-se ao ridículo, na mensagem,
Se fundo nisto escarvo,
Que coragem!
Ama
Ama, que seja o teu credo.
Ama tudo e todos a eito.
Lembra-te de que primeiro vem o medo
E depois vem o respeito.
Dar
Dar, seja lá o que for,
Parece inimaginável.
Quando começa, porém, é um calor
Na vida tão agradável, tão agradável!
Interior
No interior desta carne de mamífero
Há uma pessoa as grades a empurrar,
Um ser lucífero
Com falta de ar.
Dinheiro
O dinheiro não é para lhe prestar preito,
Ídolo no altar intocável de infinitas demãos,
O dinheiro foi feito
Para mudar de mãos.
Cobiça
A cobiça do tirano
Tem dum único freio o recorte
Que de vez lhe finda o dano:
- A morte.
Tarde
Para o que sentem desperta,
Em teu redor:
- Se a morte é certa,
Quanto mais tarde, melhor!
Zelo
O zelo do poder
Mais empecilha quem por bem vier
Do que atalha ao malvado
O rumo traçado.
Inimigo
O coração inimigo reveste da roupa
Que melhor te socorre,
Senão quem o inimigo poupa
Às mãos lhe morre.
Valor
Só tem real valor o momento vivido
Quando transformado,
Uma vez fruído,
Em passado.
Medo
O medo é terreno maninho,
De má sorte:
É meio caminho
Para a morte.
Vindoiros
Uma geração esclarecida
O que a faz
É deixar aos vindoiros esta vida
Livre e em paz.
Melhor
Quando alguém se alteia,
Cabe ao calado
Que se não falseia
O melhor bocado.
Germinar
A vida, que desmedida
Ao germinar na berma da estrada!
Depois, porém, rosa colhida,
É rosa fanada.
Tragédia
A grande tragédia que nunca ecoa
Não é a brutalidade das pessoas más
Mas o silêncio onde se esconde por trás
A gente boa.
Medo
No fundo, o medo há-de ter
Este sentido:
- Medo de morrer
Sem ter vivido.
Descobrindo
Fui descobrindo que era eu
À medida que o mundo me foi dizendo que não.
Um homem devir homem sempre se deveu
A feri-lo a vida com uma qualquer lesão.
Repara
Repara da vida na maca
Com todo o tino:
Nem sempre o dono da faca
É o real assassino.
Colher
Do mundo nas desvairadas liças
Há muita caridadezinha que o mal engrosse:
Gente demais que julga reparar as injustiças
Com uma colher de doce.
Igual
A disciplina
Persuade
Quando é igual e se inclina
À liberdade.
Noção
Todos somos para nós próprios estranhos
E se temos noção de quem somos,
É porque vivemos com nossos gadanhos
Fixos nos olhos dos outros de que dispomos.
Palavras
São palavras, podemos sempre retirá-las.
Se se quiser, porém, magoar alguém a sério,
Das palavras o império
Fere bem pior que as balas.
Falsa
Na hora do desespero,
Uma falsa esperança que o reassuma
Se falhar, é o destempero:
É pior que esperança nenhuma.
Vale
Sendo uma vida plena,
Mesmo se nunca definitiva acontecer,
O amor vale a pena,
Por mais que nos faça sofrer.
Vaso
Somos o vaso quebrado
E nada o repara, nem de longe nem de perto...
Até que alguém nos caminha ao lado:
- O amor é o conserto.
Dor
Da dor o fermento
Provoca confusão:
Na vida o maior tormento
É o da própria imaginação.
Ousada
Quanto mais ignorante
Uma pessoa,
Mais ousada, mais impante
Se torna à toa.
Lutamos
Há magia
Na medida
Em que ao momento efémero e frágil deste dia
Lutamos por agarrar a vida.
Teme
Teme menos o crocodilo
Que pelas margens se esconde
Do que o homem poderoso do codicilo
Que pelo palácio rasteja, ninguém sabe bem por onde.
Desejo
Repara nas casas
Mas perenemente fecundo:
Deseja tanto um par de asas
Que mudes o mundo!
Sonho
Se teu sonho não suportar o furor
Duma derrota,
Então anota:
- Nunca serás um voador.
Suspeitam
Os violentos
Nos outros suspeitam, por essência,
De violência.
Atentos, pois, pacíficos! Atentos!
Aspecto
Quando o aspecto melhora,
Até o mau humor, o mais desagradável,
Agora
Devém tolerável.
Basta
Quando estão em jogo os sentimentos,
Por vezes a alacridade
Termina em tormentos...
Então já não nos basta ter boa vontade.
Caiu
Quando o mundo te caiu em cima,
Esborrachando-te no chão,
É o clima
Donde vai nascer algo de bom.
Esforça
Em nosso mundo há um tabu
Que ninguém diz:
- Ele não se esforça tanto como tu
E, por isso, é mais feliz.
Atrás
Corremos atrás da vida.
Ora, a vida deveras é sempre noutro lugar.
- Vivemos em despedida,
Sem parar, sem parar, sem parar...
Ricos
Sempre os ricos irão reprovar
Que o pobre opere algo
Que não seja atender, singular,
Deles cada capricho de fidalgo.
Belo
O belo, quem o preza
Quantas vezes delira!
Ora, não há beleza
Na mentira.
Céu
A ideia de céu desafia
A lógica, que é só terrena.
Mas representa a esperança – quem sabe? - de algum dia...
- E na esperança eu creio, com a fé mais plena.
Acreditar
Podemos acreditar no Céu
E, simultaneamente, que é inevitável,
Julgo eu,
Que o Céu é inacreditável.
Difícil
Difícil é decidir
Agir.
Depois a consequência
É mera persistência.
Êxito
O êxito devia ser a camisa
Que todos os dias
Pelos ombros nos desliza,
Não o fraque formal de ocasionais mordomias.
Sonhando
Se não souber estar sozinho,
Sonhando vidas na escuridão de meu armário,
Então só saberei, comezinho,
Estar solitário.
Assustador
Nada mais assustador que o pretensamente grácil
Míssil
De quem tenta a resposta fácil
Para a questão difícil.
Música
A música que nos tinge
De fulgor,
Quando nos atinge
Não provoca dor.
Acordar
A piada que urdo
É acordar à vontade
Para o absurdo
Da normalidade.
Velho
Quão mais velho, mais poder
De ajudar o mundo:
Bola de neve a tombar no fundo,
Quão mais me enrolo, mais me vejo a crescer.
Julgas
Nem todo o êxito é trabalho,
Nem toda a pobreza, preguiça.
Tem-no em mente quando julgas o que valho
Ou o que vales quando a vida se te enguiça.
Discordas
Aprenderás melhor
Quando discordas de alguém,
Que és obrigado a aprender um ror
Por ti e mais por ti além.
História
Da individual à colectiva,
A história não é nunca, não,
Um acidente que viva,
- É uma opção!
Freima
Mudar a vida para melhor,
Que freima mais funda e constante!
Na lareira não há calor
Se a só soprar um instante.
Parte
Somos parte do Universo.
Como somos todos um, no fundo, então
Tanto podemos ser dele o berço
Como a destruição.
Retomo
Retomo o destino em mão
Deixando morrer aquilo
Que não desejo, determinado e tranquilo,
Passar à nova geração.
Determina
O medo determina o que rejeitas e reténs,
Onde pões os pés:
Diz-me que medo tens,
Dir-te-ei quem és.
Intuito
Apenas o amor,
Supremo intuito de união,
Fará que dois se irão propor
Ser um só em construção.
Culpado
O culpado na impunidade
É um convite a mais verdade
Ou a abandonarmos a liça
Escapando, por igual, à justiça?
Condenado
Num mundo unificado,
Como expulsaria alguém do Paraíso
Sem a mim próprio me ter expulsado
No condenado que viso?
Recupero-o
Nenhum meu afecto
Poderá perder-se pelo espaço a esmo.
Mais tarde ou mais cedo, recupero-o sob meu tecto
E reencontro-me a mim mesmo.
Imagem
Recriaste a imagem que te enaltece,
Trocaste-a contra a que te denegria?
- Teu caminho de recuperação logo aparece
De auto-estima na via.
Livremente
Usa livremente a imaginação.
Vislumbrarás, em seguida,
Uma melhor opção
De vida.
Prepara
Prepara teu novo papel,
Consciente
De poder inventar-te e reinventar-te, a granel,
Eternamente.
Amar
O amor,
Amar alguém de verdade,
Que dor
E que felicidade!
Queimar
O amor,
De tanto queimar ao ser
Fulgor,
Tem de doer.
Descubro-me
Descubro-me novo, a cada momento,
Nem que seja num pensamento.
É o que a vida tem de mais interessante
Na pegada do instante.
Escolhe
A realidade da vida,
Maldita seja,
É que ninguém escolhe, à partida.
O que deseja.
Nascer
“Quero-te como tu te quiseres”
- É todo um mundo novo
A nascer do ovo
Entre os humanos afazeres.
Quantos
Quantos, fartos do próprio mundo
Entediado ou zaragateiro,
Em vez de abandonarem o terreno infecundo,
Antes me querem lá com eles prisioneiro!
Acontece
Ser feliz,
Só quando não dependo
Do que acontece, de raiz.
- E sendo!
Beleza
No sexo, a complexidade
É, no fundo, uma ilusão:
A beleza dele está na simplicidade
E na paixão.
Tocar
Não sabes tocar harmónio?
Usa os dedos doutrem, não os teus.
Não precisas de conhecer teu próprio demónio
Para encontrar Deus.
Louca
A entrega mais louca possível
É a que nada exige em troca.
Por mais que se antolhe incrível,
É a que no real deveras desemboca.
Desejo
O desejo se desperta e se exacerba
Em concreto
Não lhe entregando logo a verba
De seu objecto.
Duas
O desejo a que te inclinas,
Às duas por três,
Não é o que vês,
É o que imaginas.
Também
- Amo-te a ti.
- Também te amo, com tudo o que é meu.
- Perdão, porém, nem sei o que te estou a dizer ali...
- Nem eu.
Humano
Nem com prece,
Nem palpite:
Um humano se conhece
Só quando vai ao limite.
Arte
Arte do sexo, apurar
A delícia do bolo,
É controlar
O descontrolo.
Flutuar
Há sofrimentos que esquecidos
Só poderão ser quando fores
Capaz de flutuar tempos indefinidos
Acima de todas as dores.
Parceiro
Tu,
Meu parceiro fecundo,
É que me fazes sentir, sem tabu,
Parte do mundo.
Mística
Traído o mistério,
Mística, sem ética, não:
É o império,
Não da mística, mas da mistificação.
Conforme
De múltiplos e variados modos,
Conforme as épocas e culturas de cada traslado,
O que diz respeito a todos
Por todos deve ser tratado.
Definir
Definir fins
Sem meios de os atingir algum dia,
Nem serão meios festins,
Tudo é pura fantasia.
Fincou
A história é uma caixa de surpresas
Acelerada.
Quem no aqui fincou as presas
Vai ter a vida gorada.
Preparemo-nos
Preparemo-nos para combater
Tudo o que estragar a vida
E voluntariemo-nos para quanto feliz a fizer,
À nossa como à doutrem medida.
Leva
Um mundo de irmãos
É o que nos leva à vigília:
Tornar a humanidade inteira, dadas as mãos,
Uma única família.
Somos
Somos todos equipados da mesma forma
De humanidade partilhada.
E somos únicos na norma
Do nosso trilho na comum estrada.
Biografia
A biografia de cada humano,
Além de evento singular,
É sempre a tecelagem dum pano
Por acabar.
Erro
O erro pode ser louco
Mas é raro ser fortuito:
Quem pensa pouco
Erra muito.
Terror
Que é que afasta ou traz
O terror à Terra?
A verdade é a força da paz,
A mentira, a da guerra.
Artilhar
Temos de artilhar bem os artelhos
Para rasgar o inusitado caminho.
Vinho novo em odres velhos
Quebra os odres, esparge o vinho.
Viver
Queremos viver num planeta
Que nos agrade
Ou numa escola, mais ou menos secreta,
De desumanidade?
Soluções
Não há soluções definitivas.
Definitivos são os problemas
Para que as pegadas se mantenham vivas
E os lemas.
Futuro
O passado já morreu,
Não o fito,
Prescreveu.
O futuro é que inda não foi escrito.
Crítica
A crítica, por mais voltas que dê,
Por mais fiel que seja dos lemas a um qualquer lema,
Jamais é
Reprodutora do sistema.
Pior
A pior idolatria
É tentar enclausurar Deus (e o que a ele respeita) no engano
Da fantasia
De qualquer conceito humano.
Adesão
Uma fé assumida
Não é, no que destina,
Mera adesão a uma doutrina,
É uma forma de vida.
Nenhuma
Que nenhuma fé dê a ideia,
Por palavras, actos, instituições – gestos seus,
De que é a inteira, ou sequer meia
Proprietária de Deus!
Ver
Temos de fazer
O que quisermos ver no mundo.
É do artista o dever
Como do canalizador mais imundo.
Deitados
Não podemos esperar
Deitados debaixo da oliveira
Que as azeitonas nos venham tombar
À beira.
Perdem
Na guerra, uns perdem a vida,
Outros, não, mas, se calhar,
Por qualquer desgraça lá ocorrida,
Perdem o que dela restar.
Fácil
É mais fácil não crer.
Todavia, a dificuldade
É que isso não quer dizer
Que não seja verdade.
Sabe
Sabe bem ter razão
Mas sabe melhor ainda ter
A atenção
Que se merecer.
Desperdiçá-la
A vida é tão curta!
Desperdiçá-la, fazendo aquilo de que não gostamos?
Ninguém ma furta,
Eu é que ma furto, cortando-lhe os virentes ramos.
Evitar
Usa os chapéus,
A evitar da cabeça o escaldão:
Sê generoso com os teus,
Ou outros o serão.
Banca
Em relação à banca, legal tentativa de avarento ser,
É bom que me lembre:
Se alguém começa a dever,
Deve para sempre.
Previne
Prevê e previne, não vão as novas
De ti escarnecer.
As mais árduas provas
São as que se não conseguem prever.
Conhece
Quando toda a gente conhece toda a gente,
Nada desaparece repentinamente
Nem fica perdido
Muito tempo seguido.
Vale
Por mais que o desminta, a cada momento,
O valor de troca,
O que vale não é o instrumento
Mas a música que toca.
Dogmas
Os dogmas do passado mui tranquilo
São inadequados?
É de pensar e agir, mesmo em sigilo,
Com novas charruas que nos lavrem os prados.
Nascido
O sentido mais fundo
De termos nascido da história nas calhas
É que todos viemos trazer ao mundo
Muito mais do que migalhas.
Transmuda-se
Transmuda-se meu imo na luz da infinda amplidão
Para eu poder ver os perigos em frente,
Mesmo quando forem feitos somente
De escuridão.
Confies
Não confies em quem acredita
Que o trabalho é uma desgraça
E a pobreza, uma maldita
Doença que grassa.
Hoje
Devia haver um dia na semana
De não nos preocupar
Com a opinião ou juízo que doutrem emana...
- Ora, hoje é tal dia singular!
Acima
Embora em arremedos
Dum murmúrio mudo,
Os nossos maiores medos
Ouvimo-los acima de tudo.
Escolhas
Nem sempre a vida
Nos apresenta escolhas favoráveis.
A via da menor dor, então, é a da ida
Para nós, para os que amamos e os mais humanos abordáveis.
Desvendamos
As águas
Correrão
E nunca desvendaremos as mágoas
Que outrem abriga no coração.
Glórias
Somos todos ateus
Larvares:
Deixamos de ver as glórias de Deus
Mal se nos tornam familiares.
Reino
Entrar no reino de Deus
É despojar-se de tudo:
Mais que dos bens que são teus,
De quem sempre foste, desde miúdo.
Celebração
Da celebração tudo traz
Até ao derradeiro bolo:
Deus não deixa ninguém para trás,
Mesmo quando a este o julgam um ingénuo tolo.
Perdemos
Quando perdemos o medo
Que nos aterra,
Nada, nem sequer um credo,
Nos pode prender à terra.
Suportar
Só a beleza que o amor
Nos permite ver,
Do tempo sem pudor
Consegue suportar o intérmino correr.
Haverá
Onde houver uma qualquer forma
De escravidão
Haverá, por norma,
De alma uma deformação.
Sentimo-nos
Sentimo-nos sós
Quando nos esquecemos de que o Infinito tem coração e voz
E de que connosco fatalmente está
Onde quer que cada um vá.
Burocratas
Quando é que os burocratas de Deus
Entendem esta medida:
A bênção de Deus
Não pode ser comprada nem vendida?
Aves
As aves, capazes de voar,
Lembram-nos, nestes sinais,
De que é viável fazer muito mais
Do que poderíamos pensar.
Nunca
Nunca confies em ninguém
Cuja marca singular
É que não tem
Desejo de voar.
Ilhas
Das ilhas a separação
- O mar segreda
A qualquer orelha treda –
É uma ilusão.
Habitar
Qualquer homem gostaria de habitar a chuva,
Para que os que lhe pedem ajuda
Se pudessem transformar no campo da viúva
Fértil a cada muda.
Demónios
Os demónios mais perigosos
São os que dominam por inteiro,
Furiosos,
Os mais frágeis dentre nós, de que nem sequer me abeiro.
Bendito
Bendito quem me ajudou a aprender
Na minha toca
O que eu mais precisava de saber:
- Não pedir nada em troca.
Semeia
Embora a medo,
Quem semeia o mal, a iniquidade,
Mais tarde ou mais cedo
Colhê-los há-de.
Cativeiro
Quando do cativeiro a restrição
Nos é bem familiar,
Só vagamente nos apercebemos então
De que é possível outro viver noutro lar.
Mentiras
Há mentiras pregadas
Da vida na dança
Que são uma forma disfarçada
De esperança.
Falares
Quando falares com quem só te traz penas,
Afiança
Que confias apenas
Na tua desconfiança.
Valor
O valor que melhor nos grade
A essência
É que a beleza e a liberdade
Valem mais que a obediência.
Parte
A maior parte das pessoas
Não vê o que tem rente,
Nem que sejam as broas
À sua frente.
Fogo
O único fogo que não queima,
Antes acalma,
É o fogo duma boa toleima
De alma.
Bebé
Segurar nos braços um bebé jucundo,
De ternura fremindo toda a pele,
É sentir o imparável crescimento do mundo
A germinar através dele.
Medo
Ao medo não fujas, mal-afeito,
Vence-o!
Não imaginas quanto te respeito
Por não fugires ao teu silêncio.
Longínquas
É bom duvidar.
Prova que nossas mentes
Andam a se aventurar
Por terras longínquas cobertas de sementes.
Lei
A lei escrita na loisa
Da vida, fria tabela:
Quem quiser mesmo uma coisa
Tem de ir à luta por ela.
Esquecem
As pessoas, mais que ao fracasso,
Esquecem a todo o momento
Como o talento
É um bem escasso.
Chave
O que temos a perder
Nós nunca perceberemos
Até tudo já se ter
Perdido do que nós temos.