A LEVEZA SUBTIL
Compreensão
A crença de que espírito serei
Não é compreensão espiritual.
É que isto é um pensamento, no final,
Não vivência de mim quando me sei.
Entendo quando vejo claramente
Que quanto percepciono, penso ou sinto
Ou quanto experimento e a mim me pinto
Jamais é quem eu sou, ali presente.
Não me posso encontrar no que estiver
Constantemente em mim a fenecer.
Sou
O que eu sou é uma luz de consciência
Por onde as percepções, toda a experiência
Todos os pensamentos, emoções
Vão e vêm e correm aos baldões.
O que fica é meu ser, eu verdadeiro,
Esta essência de mim que tudo joeiro.
Quando a mim me revejo deste jeito,
Tudo o que em vida ocorre e tomo a peito
Relativa importância tem então,
A absoluta jamais que teve em vão.
Honro sempre o que ocorre, mas o evento
Perde em seriedade, peso e alento.
Sou capaz de sentir meu ser vital,
O eu-sou, pano de fundo radical?
Em todos os momentos sou raiz
Que alimenta do mundo o seu cariz.
Sinto em mim que sou esta consciência
Ou perco-me do mundo na escorrência?
Reforço
De quem cuido que sou reforço a imagem.
Não sou eu mas meu ego a identidade
Fantasma que em mim há, na tecelagem
Do que ao meu pensamento mais agrade,
A ma impor, assumindo o meu controlo,
Ensombrando a alegria com tal dolo.
Nunca, a partir daqui a ligação
Terei ao ser, à fonte, enfim, a Deus.
O meu ego é impelido de atenção
Perseguir, dominar a terra e céus,
Lograr todo o poder e de ter mais,
Sem nunca saciar fomes que tais.
E precisa de ter um sentimento,
Perante os mais, de alguma distinção,
Uma separação cujo fermento
Há-de após culminar na oposição.
Um ego não persiste sem postigos
Por onde desconfia de inimigos.
Gratuito
O ego não é gratuito, quer obter
Alguma coisa doutrem, dos eventos...
Escondido interesse tem de haver,
Que sente a insuficiência dos proventos.
Se ainda lhe não chega, a sensação
É de carência a ter de encher-se então.
Um ego usa as pessoas, conjunturas
Para atingir aquilo que deseja.
Mesmo quando o lograr, dele o que apuras
É que nada sacia o que ele almeja.
De metas fatalmente ali frustradas,
São constantes angústias as jornadas.
Em toda a actividade puja o medo,
O de não ser ninguém, não-existência,
O pânico da morte... Não sucedo
Nunca em vida de modo que a potência
Elimine este medo. Dissimulo
Com o afecto, uma compra... - e o ganho é nulo.
Nunca nos satisfaz esta ilusão.
Apenas a verdade de quem somos,
Se assumida a animar cada função,
Nos pode libertar de tais assomos
De medo em que me perco de mim mesmo,
Num ego o eu matando em tudo a esmo.
Caem
Alguns famosos caem no mesmo erro
Da ficção colectiva e dela à imagem
Se identificam com o mesmo aferro
Que se ela fiel fora na triagem
Ao que deveras são. E aquilo mente:
Uma ilusão os cobre, permanente.
Pior é que desatam realmente
A se considerar superiores
Frente a qualquer mortal, a toda a gente...
Terminam alienados dos pendores
Tanto dos outros como deles mesmos,
De solidão queimados nos torresmos.
Da popularidade mais e mais
Dependendo em contínua correnteza,
Rodeados apenas pelos tais
Que alimentam a imagem de grandeza,
De criar findarão sempre incapazes
Relações genuínas eficazes.
Relações
Envolvido o famoso em genuínas
Relações é difícil com quenquer.
Pelo ego a genuína não afinas,
Não cria imagens falsas sem saber,
Há um fluir de atenção bem transparente,
Sincera e consciente para o par.
Não implica carência ali presente,
Ao invés, é gratuita e singular.
A atenção consciente é só presença,
Fulcral para uma autêntica união:
Partilhar a alegria da sentença
Que a vida generosa houver à mão.
Um ego ambiciona alguma coisa,
Se crê que nada obtém é indiferente,
O interesse que tem risca da loisa,
No caminho abandona toda a gente.
Na relação egóica predomina
Uma necessidade por avença.
Frustrada após, é ira, a queixa a mina
E a mágoa, no final, é indiferença.
Atenção
Se atenção positiva não lograrem,
Os egos buscar vão alternativa
À negativa então que provocarem:
Muita criança o faz de forma viva,
Porta-se mal, que quer ter atenção
E deste modo a tem, queiram ou não.
Alguns egos levar ao crime irão
Quando andam à procura de ter fama.
Pela notoriedade e punição
Têm a atenção dos mais, quem contra clama.
“Digam-me que eu existo, relevante,”
- Implicam – “que não sou vazio hiante!”
São as versões extremas mais letais
Do que são, afinal, egos normais.
Vítima
De vítima o papel muito comum
Dum ego, compaixão, pena, interesse
Dos mais por seus problemas lhe oferece.
Ser ofendido como mais nenhum,
Magoado se queixar e assim por diante
Compensa o que é ser nulo em cada instante.
Quando eu me identifico com a história
Em que papel de vítima me dei,
Não quero que ela acabe, extinta a glória,
Com meus problemas nunca findarei.
É que do ego a final, final verdade
É que eles são a sua identidade.
Se ninguém quer-me ouvir a história triste,
Repito-a interminável na cabeça,
De mim mesmo a sentir que a pena existe,
Tratado iniquamente pela avessa
Vida, pelos demais, sina e por Deus...
E eis como findo alguém: o ego é dos meus!
Relacionamento
Num relacionamento que era amor
A representação é bem frequente,
A atrair e manter meu par quem for
O que me faz feliz daqui em frente,
Me irá fazer sentir especial
E o que preciso satisfaz total...
Represento o papel que tu quiseres
Que eu seja e representas, por teu lado,
O que eu te quiser ver. E ao manteres
Este implícito acordo, ambos andamos
A cumprir o inconsciente que em nós manda
E nem o vislumbramos da varanda.
A representação árduo trabalho
Acarreta. Os papéis nunca mantidos
Indefinidamente são no esgalho
Desta vida em comum, nos seus sortidos.
As máscaras aí, ao cair, trocam
Dois egos nus que em ira desembocam.
Necessidade fruste, corpo em dor
Contra o par apontado, o companheiro,
Por não ter conseguido contrapor
O medo e a carência por inteiro.
Tudo parte integrante da noção
Da identidade egóica no desvão.
Tribos
À medida que as tribos evoluíram,
A civilização triou funções:
Governante, guerreiro então saíram,
Lavrador, mercador, os artesões...
Desenvolveu-se a escada dentre classes
Para que teu degrau nunca ultrapasses.
A função determina a identidade,
Do berço dependendo onde nasceu,
Quem é aos olhos doutrem de verdade
E quem aos próprios olhos for de seu.
O papel da função era a pessoa
Aos olhos doutrem e que em si ecoa.
Poucos na história humana deram conta
Da irrelevância de qualquer sistema
Para identificar, em quanto aponta,
Temporal, limitado que é por lema,
A luz intemporal de mim que emano,
Que brilha eterna em cada ser humano.
Parabéns
Dou parabéns a quem ignora o que é.
Perguntarão: é bom andar confuso?
Na confusão se eu perguntar que vê,
Diz cada qual: “não sei...” E, sem abuso,
Nem vê que esta resposta nunca tem
Nenhuma confusão nela, porém.
Há confusão apenas se afirmar:
“Não sei mas lá saber eu deveria.”
Pior: “não sei mas devo desvendar.”
E se deixar de crer, porém, que um dia
Tem de saber quem é, ter um conceito
De identidade preso ali ao peito?
Conseguirá deixar de procurar
A identidade sua em pensamento?
Aquele que deixar de acreditar
Que tem de ler quem é nalgum momento,
A confusão que o doma logo esquece
E, de repente, ali desaparece.
Totalmente aceitando que se ignora,
Num estado de paz e lucidez
Vai penetrando inteiro, desde agora,
O que próximo então do que é de vez
O leva, o que jamais conseguiria
Atingir por conceitos algum dia.
Infelicidade
Quando infelicidade há dentro em mim,
Primeiro reconheço que ela existe.
Nunca “sou infeliz” afirmo, ao fim,
Que a infelicidade que persiste
Nunca tem nada a ver com quem eu sou,
Nem donde eu chego nem por onde eu vou.
“Noto infelicidade em mim, cá dentro”
- É aquilo que direi, dela a tirar-me.
Vejo após que razão a pôs no centro,
Evento em que me encontro e me desarme...
Posso ter de partir para mudar
O conjuntura ou outra recriar.
Se então nada puder, encaro os factos:
São como são aí, posso acolhê-los
Ou me martirizar com os impactos.
Motivo do infeliz são sempre os elos
Que o pensamento cria com o evento:
Nunca um evento em si é meu tormento.
Terei de ser consciente do que penso,
Isolá-lo do evento, neutro nele:
Este é aquilo que for, lá fora denso,
Existe o facto e o que penso dele.
Em vez de histórias me contar, eu cinjo-
-Me aos factos e de os ser já me não finjo.
“Estou arruinado” – é mesmo história.
“Nada me resta na matriz bancária”
- É mero facto de eu reter memória.
Os factos encarar traz força vária:
O que eu penso é que mais cria a emoção
Que sinto dum evento ante a lesão.
Procura
Nunca procures a felicidade,
Quem a procura nunca a encontrará.
Felicidade é esquiva em toda a idade
E a busca é antítese do que haja lá.
Já da infelicidade libertar-se
É atingível agora de imediato:
É só encarar os factos sem disfarce,
Sem história inventar em que as mãos ato.
Toda a infelicidade encobre o estado
De bem-estar e paz interior,
A fonte natural que me há gerado:
Eis a felicidade a me propor.
Criancice
Muito adulto a criança aprisionar
Irá na criancice toda a vida.
Então com velhos vamos deparar
Em criancices fora do lugar,
São velhos de crianças à medida.
Seremos nós capazes de ocupar
Função de mãe ou pai cumprindo bem?
Será de convertê-las sem confiar
Num papel continuado que eu herdar,
No qual serei actor, mas eu, ninguém.
É crucial à função satisfazer
Carências das crianças, evitar
Cada qual de em perigo se envolver,
Mostrar que deverá ou não fazer,
Sem se identificar com isto a par.
Quando isto se tornar a identidade
A função devém logo exagerada,
Domina toda a personalidade:
Darei com mimos tais que é insanidade,
Protejo tanto que a vida é abafada...
De repente serei controlador
E tão autoritário que a revolta
É o custo de crescer em meio à dor.
Por me identificar com um actor,
Em troca de ser eu, daquilo à solta.
Quando é que serei eu, meu imo invisto
A intuir um homem novo em lugar disto?
Progenitor
Quando um progenitor só desempenha
Papéis, a identidade permanece
Activa muito após o que desenha
Deixar de ser preciso ao que se tece.
Os pais já não conseguem de ser pais
Deixar, quando as crianças não são tais,
Adultas já serão defronte à vida.
Capazes não serão de abandonar
De ser imprescindíveis a guarida
Onde se sentem bem, ao filho a dar.
A ideia de que sei o que é melhor
Não logram pôr de lado, ao tal propor.
Papel de pai ou mãe, se é compulsivo,
Autêntica não há mais relação.
Definem-se tais pais por tal motivo,
Com medo de perder o que serão,
Só de perder ao terem o papel
De pais a que o ambiente os sempre impele.
Se quiser influir no filho adulto
E for contrariado, a criticar
Desata reprovando, tal se estulto
O filho fora, até se ele inculpar.
E tudo é tentativa inconsciente
De o papel falso ter constantemente.
À tona preocupados mui parecem
Com os filhos e crêem sempre nisso.
Por trás o que os ocupa e nunca esquecem
É preservar da imagem o chamiço,
De modo a garantir a identidade
Fictícia a que o papel os persuade.
Motivações egóicas narcisismo
São sempre e pelo próprio interesse,
Por mais bem disfarçadas por um sismo
Ameaçador que após nunca acontece.
Enganam toda a gente com o apego,
A começar por quem detém o ego.
Confundindo
Se como pai ou mãe se identifica
Alguém, se confundindo no papel,
Pode uma plenitude por que apele
Crer que através dos filhos autentica.
Seu ego irá tentar manipular
Então os filhos por que tem de olhar:
“Quero que chegues onde não cheguei,
Que alguém sejas no mundo, que também
Eu através de ti alguém serei.
Nunca me desiludas! Vida além
Eu me sacrifiquei tanto por ti,
Que, quando em ti reprovo o que em ti vi,
É para te sentires constrangido,
Culpado, ao meu desejo ao fim cedendo,
Que a ti sei o melhor que é dirigido.
Continuarei a amar-te: vais fazendo
Tu aquilo que sei que era o melhor
Que para ti a vida anda a propor.”
Quando consciente torno este inconsciente,
Apercebo-me logo: mas que absurdo!
Todo o ego que por trás a tudo é surdo
Devém então visível de repente.
A disfunção revela-se diante
E o mal que a todos faz será gritante.
Dominados
Se teus pais são dois egos inconscientes,
Por egos dominados que em ti mandam,
Não lhes grites que são de tal agentes,
Escravos a cuidar que te comandam.
Os egos tomarão a defensiva
Atitude em que cada sobreviva.
Basta reconhecer que são os egos
Que os levarão a agir de tal maneira,
Não quem no imo serão dos aconchegos.
Os egóicos padrões da vida inteira
Dos egos se dissolvem por milagre
Se não me oponho no imo e os não consagre.
A minha oposição só lhes dá força.
Se não se dissolverem, aceitar
Um tal comportamento e o custo a que orça
Poderei de meus pais e não ligar,
Com compaixão, sem ter de reagir
Que eles não são aquilo a lá bulir.
Aprovar-me
“Os meus pais aprovar-me deveriam
O meu comportamento, compreender-me,
Como sou me aceitar.” Porque deviam?
Não o farão se seu poder enferme
Duma incapacidade para tal,
Se dentro aquilo não lhes der sinal:
A consciência deles inda não
Trepou para activar esta missão
Se ainda não lograrem se deixar
De se identificar com seu papel.
“Não poderei sentir-me em meu lugar
Feliz e satisfeito em minha pele
Sem ter a aprovação, não dos iguais,
Mas, com compreensão, a dos meus pais.”
Ora, que diferença verdadeira
A aprovação ou não faz de quenquer?
É sempre uma inconsciente e vã peneira
Esta auto-imagem falsa do ego a ser.
Emoções negativas origina,
Fruste infelicidade é disto a sina.
É mim próprio devir, sem mais querelas,
Que me à felicidade abre as janelas.
Pensamentos
Alguns dos pensamentos que me passam
São interiorizada a voz dos pais:
“Não és bastante bom, vê os que ultrapassam.
Não vais a lado algum com jeitos tais...”
Se minha consciência reactivar,
Reconheço o que é voz em meu lugar.
É um pensamento antigo, do passado,
Dele condicionado e ao meu dispor.
Não preciso de tê-lo acreditado,
Uso ou não, como entendo que é melhor.
É minha antiguidade, não mais que isso,
De velharia a trato, é o compromisso.
A consciência activa é uma presença,
Sou eu a mim presente agora aqui.
E apenas neste agora dou sentença,
O inconsciente de antanho dissolvi.
Dentro de mim sou eu quem revigora,
De tudo em mim disponho a toda a hora.
Mote
A relação com pais primordial
É sempre e dá-me o mote às subsequentes.
É o teste da presença principal
De mim a mim em todas as sementes.
Quão mais longe é o passado partilhado
De mais presença mim hei precisado.
Senão eu andarei a reviver
O passado sem conta. E sem eu ser.
Mágoa
Muita criança a mágoa guarda havida,
Aos pais a ira por faltar, no laço
Ser ele autêntico em partilha haurida,
Uma presença com humano traço.
Relacionar-se com papéis, carência
É na criança, embora, em pais, consciência.
Podemos dar nosso melhor, que tal
Com tudo certo, por si nunca chega.
É que fazer jamais, na vida real,
Basta se ignoro o ser em mim que achega.
Não sabe um ego nada do que é ser,
Crê que me salva se eu de vez fizer.
Se, dominados pelo ego, cremos
Que se fizermos cada vez mais, mais
Acabaremos, com os nossos remos,
De acumular do viajante os cais,
Cremos que algures no futuro plenos
Nos sentiremos, sem de angústia trenos.
Tal nunca ocorrerá, que acabaremos
Por nos perder em actos de fazer.
O mundo inteiro a se perder o vemos,
De fazer tanto sem raiz em ser.
E, nesta via, o que deveu ser útil
Tornará o mundo cada vez mais fútil.
Traz
Como se traz duma família ao meio
O ser que atarefado anda perdido?
A relação com nossos filhos leio
Que por mil freimas muito se há sumido.
Ora, o segredo é dar-lhes atenção,
O coração presente ao coração.
Não atenção às formas, meras freimas,
De fazer actos ou de avaliar.
“Já fizeste os trabalhos tira-teimas?
Come o que tens no prato em teu lugar!
O quarto arruma, lava os dentes, faz
Isto ou aquilo como a nós apraz!”
Que é que é preciso laborar depois?
- É o que resume a vida em muito lar.
Ligar à freima ocupa tudo, pois,
E é imprescindível ter o seu lugar.
Mas, se for única a existir ali,
O primordial perdeu-se: o imo em si.
Meu ser e o deles findam encobertos
Pelo fazer de mil acções atadas,
Ocupações do mundo a ter acertos...
E nós perdidos entre as mil jornadas!
Uma atenção informe é inseparável
De meu ser com o deles partilhável.
Ao ajudar, olhar, ouvir os filhos,
Tranquilo alerta para estar presente,
Sem almejar de partilhar os trilhos
Para além nunca, no momento assente,
Deixo de ser só pai ou mãe então,
De mim presença entrando em comunhão.
Então seremos, por detrás dos factos,
Os nossos eus a partilhar impactos.
Toda
Toda a função, todo o papel que agir
Desenharão a dimensão humana.
Tem seu lugar, dignificada é de ir,
Mas por si só não chega, mais que lhana.
A vida plena e verdadeira é mais
E salta fora de quaisquer varais.
A dimensão humana insuficiente
Do esforço não depende do que actuar.
É que por trás existe o ser agente,
Sou eu tranquilo, consciente, a par.
A dimensão humana são produtos
Que eu crio, moldo, de mim meros frutos.
E dimensão humana é teia em formas,
O ser do eu é informe e actua normas.
Ser eu em minha dimensão de humano
Interligado é como eu nela emano.
Feito
No feito humano superior aos filhos
(Maior, mais forte, mais saber, fazer...)
Sem dúvida serei ante quenquer.
Quando esta dimensão der meus atilhos
Únicos que conheço à minha vida,
Sentir-me-ei superior ao filho em lida,
Embora inconsciente. E tornarei
Meus filhos inferiores, de igual modo
Inconsciente de tal. Não há de todo
Igualdade entre mim e os filhos que hei.
Porque apenas atendo ali às formas,
Iguais nunca seremos por tais normas.
Aos filhos há-de haver aqui amor
De humano, intermitente, limitado,
Às vezes possessivo, angustiado,
Que aqui desnivelado é nosso teor.
Só para além das formas iguais somos,
No ser que somos delas nos assomos.
Na dimensão sem forma dentro em mim
É que amor verdadeiro pode haver
No relacionamento que tiver.
Na presença que sou, meu eu assim,
Noutrem me reconheço, na família,
E eles amados sentem-se, em vigília.
Reconhecer-me
Reconhecer-me noutrem é o amor.
A diferença em nós entremostrada,
Como a ilusão no agido é aprisionada,
Rasteira humana de ignorar o autor.
Ânsia de amor desde o bebé presente
É a de reconhecido se sentir,
Não do que opera ao nível de ir e vir,
Antes do ser que ele é, do actor agente.
Não é reconhecer o que pratica,
É vê-lo ali neste acto que o explica.
Se os pais só virem o acto e não o autor,
Os filhos vão sentir que a relação
Plena não é, que falta o coração,
O mais vital, e então só resta a dor.
Dignificar dos actos dimensão
Negligencia o ser que exprimirão.
Todo o ressentimento como a dor
Perguntam: porque não me reconheces?
Dos pais o amor vital serão as preces
Ao deus que nos habita, do eu palor.
Cósmico
Deus é o amor do cósmico espectáculo,
A vida única existente em tudo:
Por trás, por dentro e para além pináculo
De quanto existe, a se mostrar lá mudo.
O amor implica a dualidade eterna:
Quem ama e quem é amado, ambos sujeitos.
Por isso o amor é conhecer, nos jeitos,
A unicidade em dualidade terna.
Assim Deus nasce na mundana forma:
O amor o mundo torna menos denso,
Mais transparente àquele Deus que enforma,
Íntima Luz que nele sinto e penso.
Eficazes
Eficazes seremos no que agirmos
Se o agir for obrado pelo que é,
Não como meio de adaptar que virmos
A minha imagem ao que pus de pé.
A minha identidade nunca são
Papéis que represento pelo chão.
De identidade são noções fictícias
Os papéis que assumir anos além:
Confundidos comigo, são primícias
Dum ego que a mim próprio não me tem.
Poderosos do mundo, a identidade
É a do papel de cada, da inverdade.
Incônscio jogador em jogo egóico,
O jogo se lhe antolha o que é importante.
Porém, é destituído, paranóico
De algum vero propósito adiante.
É história que produz muito ruído,
De todo destituída de sentido.
Famosos
No mundo dos famosos, só papéis,
Quem não projecta a imagem tida em mente
E opera por quem for, indiferente,
Quem não aparentar ter mais anéis
Destaca-se de forma tão notável
Que a diferença faz num mundo instável.
São eles portadores de consciência
Nova, por este agir fortalecida,
Em virtude de ao Todo andar unida
E desta sintonia haurir premência.
A influência ultrapassa mui de longe
Os actos e as funções, tal a dum monge.
Destas pessoas a presença mera
Transforma aqueles com que cada opera.
Executo
Se não me identifico com papéis
E me executo como sinto eu ser,
Não há um ego a tolher-me nos batéis
De actos de marinhagem que eu fizer.
Não cultivo interesses paralelos:
Defender, reforçar de ego meus elos.
Os meus actos detêm bem maior
Poder de me centrar na conjuntura.
Uno com ela findo, não no teor
De hábitos meus que o meio configura...
Não tento ser ninguém em especial:
Sou eu, na plenitude mais total.
Somos mais poderosos, eficazes,
Quão mais nós próprios, integrais em pleno.
Não de procurar sê-lo, ladravazes,
Mas de sê-lo espontâneos, sem aceno.
Sempre que procurar ser isto, aquilo,
Represento um papel, o ego perfilo.
“Sê tu próprio” ser pode um bom conselho,
Mas o ego dá-lhe logo a volta inversa:
“Como poderei sê-lo?” E destrambelho,
Que a mente traça o plano, na conversa.
Da estratégia deriva um outro guião:
Outro papel, o ego a manter-me à mão.
É uma pergunta errada: eu sou eu mesmo.
Não vou acrescentar nada ao que sou
E nada é de fazer, no mundo a esmo,
Para eu ser eu mesmo que aqui estou.
Não sei quem sou? Pois não. Qual é o problema?
Se à vontade sentir-me, sem mais lema,
Eu sou quem sobra, aquele enigma eterno,
Sou o ser que subjaz ao que é humano,
A potencialidade em grau superno
E nunca o definido onde eu me emano.
Sou a energia pura que unifica
Tudo em que toca, molda e que me explica.
Definir-te
Deixa de definir-te a ti e aos mais:
Não vais morrer, irás ressuscitar.
Outrem te definir? É não ligar,
Estão-te a limitar, com jeitos tais.
Sempre que interagires com alguém,
Não sejas só função, só tal papel,
Sê presença consciente perante ele,
Sê do fundo os afectos que te advêm.
Sê tu, nunca a falaz definição,
Pois um conceito nunca trilha o chão...
Carência
O ego terá carência de papéis,
Tem de representar, deste erro instante:
“Não sou bastante bom, sou de ouropéis
E vem logo outra chusma ali adiante...
Buscarei o papel de me ir obter
O requerido para eu próprio ser,
Que terei de ter mais para ser mais...”
Não podemos ser mais que quanto somos,
Que sob o corpo e a mente, enquanto tais,
Unos somos da vida com assomos,
Unos com o ser do imo que se alonga,
Do dedo do Infinito ponta oblonga.
Na forma, superiores a uns somos
E a muitos outros somos inferiores.
No imo, de nada disto nós dispomos,
Nem mais nem menos são nossos teores.
Tal reconhecimento é de humildade
E de auto-estima vera que persuade.
Para o ego visões contraditórias,
Somos o mesmo, sem as vis vanglórias.
Negatividade
Há negatividade em mim, cá dentro?
Terei de andar alerta às emoções,
Aos pensamentos, quando em mim me adentro,
Às infelicidades em meu centro,
Acaso às mais subtis, quase ilusões.
Atento aos pensamentos que as fundarem,
Que as vão justificando ou explicando
E que as, na actualidade, originarem,
No instante em que, consciente conta dando,
De quanto negativo a incubar ando
Verifico os esforços fracassarem,
Logro, afinal, é ser bem sucedido:
Até ter tal consciência, a identidade
Minha com esta noite tem mentido,
Fundindo-me ao meu ego em quanto lido,
Sem eu tomar consciência da inverdade.
Eu me identificar jamais irei
Agora com acções ou pensamentos:
São o que são, não eu que aqui me sei.
Não vou negá-los, são os meus momentos,
Reconhecido deles nos fermentos,
Mas não sou eu que sou quem dita a lei.
Antes eu era aqueles pensamentos,
Emoções, reacções... Porém, agora
Sou presença consciente e aqui, de fora,
Observo lúcido os demais eventos.
Livre
Um dia findarei livre do ego:
Quem o diz é meu ego espertamente.
Do ego libertar-me, fundo pego,
Não é freima demais, antes sossego:
É só de tudo em mim andar consciente.
Andar consciente de emoções e sonhos,
De pensamentos e utopias de oiro,
Corram eles alegres ou medonhos.
É de reter das crenças os medronhos
Sem se embriagar do alvor com o tesoiro.
Fazer não é questão, questão é ver.
E ver com atenção. Neste sentido,
Para me libertar, nada a fazer:
Quando eu de mim consciência retiver,
As rédeas tomo e opero então erguido.
Maior do que a esperteza do ego meu
É meu eu consciente enfim liberto,
Em cada trilho a me lavrar o céu,
Maior inteligência que ocorreu
Quando me distingui do que acoberto.
Tudo em meu interior é impessoal,
Tomo-o em conta como o demais mundo.
Nunca me identifico então com tal,
É da interioridade um estendal:
Parte dela, com ela eu não me fundo.
A história pessoal é mera história,
Conjunto de emoções e pensamentos,
Secundária tal qual qualquer memória,
Não vem cimeira aqui cantar vitória,
Da consciência a comandar momentos.
Sou a luz da presença aqui presente,
Consciência que antecede e é mais profunda
Que qualquer pensamento, emoção, tente
Embora qualquer deles, quando atente,
Ser tomado por mim, o eu que os funda.
Luta
Após a luta, a mente humana cria
Mil e uma histórias logo a se acalmar.
“Nem acredito no que a mim faria!
Esteve perto de me ali cegar...
Julga que é domo acaso disto tudo?!
Nunca respeita meu querer ser mudo,
Privacidade de ninguém aceita,
Nunca mais volto a confiar-me dele.
Irá tentar outra partida atreita
A arreliar-me no que a mim me impele.
Não lhe permito nada disto agora,
Uma lição vou dar-lhe, não demora...”
Ininterrupta continua a mente
A cogitar, falando dias, meses...
E, para o corpo, continuar em frente,
Sempre lutando, sem ver mais reveses,
É lei contínua, uma emoção gerando
Que vai a mente uma vez mais lançando.
E tudo é um ego da emoção doirado
Que a maioria dos humanos vive.
Qualquer evento do tufão tomado
Jamais um fim de vez terá que arquive.
Maquinações dum ego em minha história
Nunca de mim irão mover a glória.
Monges
Tanzan e Ekido, monges zen andavam
Na estrada longa de batida terra,
Toda encharcada das monções que davam
Chuvadas fortes da campina à serra.
Junto a uma aldeia uma donzela vêem
Que atravessar bem pretendia a estrada.
A lama é tanta que o quimono, crêem,
Findar iria com seda enlameada.
Tanzan se apresta a pegar nela ao colo
E transportou-a para o outro lado.
O seu caminho seguem, neste solo,
Sempre em silêncio, norma em seu estado.
Horas mais tarde, quando ao templo tornam
Onde instalados a viver laboram,
Ekido ter-se não se tem e adornam
O caso em termos que em mais zen vigoram:
“Porque levaste a rapariga ao colo,
Ao outro lado da enlameada estrada?
Papel de monge não é o desse rolo,
Não deveremos jogar tal jogada.”
Tanzan parou e, sem quaisquer demoras,
Lhe retorquiu ao comentário tolo:
“A rapariga larguei já vão horas.
Ainda estás com ela aí ao colo?”
A vida ameia como Ekido a tem,
De abandonar sempre incapaz, cá dentro,
Montes de tralha que de antanho vem:
É o mundo inteiro a ter perdido o centro.
Continua
Através das memórias o passado
Continua bem vivo dentro em nós.
É delas através que, com cuidado,
Aprendo com os erros, sigo após.
Só quando estas memórias, pensamentos,
Nos dominam inteiros, se transmudam
Num fardo problemático, alimentos
De nossa identidade a que se grudam.
Agrilhoada ao passado, é uma prisão
Tal personalidade encurralada.
De nossa identidade é uma noção,
Crendo que o julgo ser. E é uma fachada.
Este pequeno eu é uma ilusão
Que encobre a verdadeira identidade:
Minha presença ao mundo em mutação,
Meu eu sempre informal e sem idade.
História
Nossa história mental e emocional
É permanantemente revivida.
Todos bagagem carregamos tal,
Inútil, todavia, à nossa vida.
Assim nos limitamos todos nós
Com mágoa, culpa, hostilidade após.
O nosso pensamento emocional
Na identidade nossa se transmuda.
Às emoções antigas cada qual
Finda preso, que a elas quem acuda
A fortificar cria a identidade
Que buscamos perdida em cada idade.
Países
Países onde os actos de violência
Sofrida ou perpetrada, colectiva,
Foram milénios fora uma tendência,
Maior corpo de dor neles se arquiva.
Formarão a geral mentalidade
Por todos partilhada em sociedade.
Os mais do mundo juvenis países,
Mais abrigados da loucura histórica,
Mais saudáveis têm as matrizes.
O seu corpo de dor não é alegórica
Fantasia que aos outros lhes aluda,
Mas pesa menos em quenquer que acuda.
Na vida de cotio há violência
Em cada um, daquela pertinência.
Menos corpo de dor, mais frágil o ego,
Mais fácil superá-lo e ter sossego.
Pequeno
Sou um pequeno eu sempre carente
Com as carências nunca satisfeitas?
A falsa percepção de eu ser este ente
Distorce as relações a tal sujeitas:
Cremos que não há nada para dar,
O mundo e toda a gente a se negar.
Toda a realidade é baseada
Na visão ilusória de quem são,
O que de negativa afecta a estrada,
Toda arruinando ali a relação.
Se a carência fizer de quem sou parte,
Sempre carente irei ler-me, destarte.
Em vez de conhecer o que de bom
Em nossa vida existe florescendo,
Na carência centramos todo o tom.
Ora, saber do bom que já vai sendo
É a base imprescindível que, sem ânsia,
Faz surgir entre nós toda a abundância.
Aquilo que julgamos que nos negam
É aquilo que negamos nós ao mundo.
Andamos a negá-lo, que se apegam
A nós crenças de ser tudo infecundo:
Ao crermos ser pequenos, germinar
Faremos nada haver então que dar.
Quanto
Quanto cuido que os mais me irão negar,
- Estima, ajuda, afecto, acolhimento... –
É o que então eu por mim lhes irei dar.
Não tenho nada disto de momento?
Vou agir tal se o tenha aqui à mão
E logo tudo aqui brota do chão.
Então, pouco depois de pôr-me a dar,
Começo a receber magicamente.
Ninguém receber pode quanto, a par,
Não der primeiro generosamente.
O que de mim sair me determina
O que em mim há-de entrar da mundial mina.
Em mim já tenho tudo o que cuidar
Que o mundo não me dá, mas, se impedir
De fluir tudo por quanto é lugar,
Nem já discernirei de o possuir.
O que inclui a procura da abundância
Que exclui por via qualquer outra instância.
Jesus diria: “dai, dar-se-vos-á.
Uma medida cheia, transbordante,
Recalcada é lançada desde já
Para o vosso regaço, vida adiante.”
De tal maneira abunda esta medida
Que, morto, ressuscito de seguida.
Primeiro
Reconhece primeiro esta abundância
Da vida exterior, toda a riqueza
Que germina em redor com elegância:
Do sol calor sentir como te preza,
As magníficas flores do florista,
Do fruto suculento o sumo à lista,
Chuva que tamborila nos telhados...
A abundância da vida a residir
Na pegada dos passos teus trilhados.
Reconhecê-lo acorda o que a dormir
Dentro de ti abunda e que deserto
Parece enquanto em ti não for desperto.
Depois deixa-o sair por ti além.
A um estranho sorrir é já saída
De ti ao mundo, o que a um dador convém.
Pergunta-te que podes dar na lida,
Como ser útil a quenquer que seja
Ou numa conjuntura que te alveja...
Não terás de ter nada e vais sentir
Que és abundante consistentemente:
A abundância só chega ao que a possuir.
É a lei universal de toda a gente:
Abundância ou carência, interiores
Germes são do que a sério no imo fores.
Curiosidade
Há quem curiosidade insaciável
Sobre si próprio tenha, a querer mais.
Fascinado, um rosário interminável
De anos emprega a decifrar sinais.
Esmiuça a infância de desejos, medos,
A levantar-lhe o véu de mil segredos,
Camadas e camadas sobrepostas,
Da personalidade o perfil dando,
Do carácter as malhas recompostas...
Muito após, tais anais finalizando,
“Isto é tudo” – dirás – “que há sobre mim,
Isto é mesmo quem sou, sei-o por fim.”
Satisfeito de início, logo mudo:
A incompletude disto me apunhala,
De algo mais a suspeita, em pico agudo,
Me fere o peito, tal perdida bala.
Há mais, bem mais além-factualidade
Sempre outro sou – sem fim profundidade.
Saber-me
Conhecer algo sobre mim não é
Saber-me a mim que aquilo pus de pé.
De fora o que de mim for desvendando
São conteúdos que vim acumulando.
É a mente que terei condicionado
Por tramas e tramóias do passado,
De mim tudo o que aprendo é sobre mim,
Não é nunca quem sou, no meu confim.
Não são meus conteúdos minha essência,
Aquilo é de meu ego a existência.
Conhecer-me é saber-me ser eu mesmo,
Jamais idêntico a um conteúdo a esmo.
É verdade que em todos transpareço,
Nenhum me esgota ou mede quanto eu meço.
Indivíduos
Dos indivíduos a maior fatia
Pelos conteúdos se define em vida:
Tudo o que pensam, percepcionam, ia
A quanto agirem debitar a lida.
É o conteúdo que a atenção absorve,
Identifica-os: é o além que os sorve.
A “minha vida” quando a digo, não
É a minha vida que serei aqui
Mas a que tenho ou aparento então.
É o conteúdo referir que vi:
Idade, estado, relações, saúde,
Labor, dinheiro, emocional virtude...
A circunstância interior, externa,
Nosso passado e o porvir ignoto
São conteúdos: todo o evento aderna
No cais que sou e donde tudo anoto,
Outro e diverso do que aqui me advenha,
Donde encaminho a frota ali que tenha.
Que existirá do conteúdo além?
O que permite que o conteúdo seja
Domínio íntimo que a mente tem,
Que escolhe, enjeita, impõe que meta almeja:
O eu informe que dá forma a tudo,
Distinto tanto quanto ali me grudo.
Mestre
Mestre Hakuin, na cidade japonesa,
Goza de grande estima, que o procura
Quem busca orientação: quem mais o preza
Quer duma espiritual doença a cura.
Um dia a adolescente, do vizinho
Filha bela, engravida. Quando os pais,
Irados e severos, sujo o ninho,
Perguntam quem é o pai de arranjos tais,
Confessa a filha que é o mestre zen.
Correm a confrontar eles Hakuin:
Gritos, acusações, quanto o condene,
Que a filha o proclamara pai assim.
O mestre reparou em tal mistério
E comentou apenas logo: “a sério?!”
O escândalo espalhou-se na cidade
E além dela, tal de uso é nestes casos.
A reputação finda (isto persuade...)
E ninguém mais o busca em nenhuns prazos.
Não se preocupa o mestre, inabalável.
Nasce a criança, os pais dão-lhe o bebé:
“És o pai, toma e vê como é agradável!”
Tomou-a com amor, nela com fé.
Um ano após, arrependida, a mãe
Confessa aos pais que o verdadeiro pai
É o moço jovem lá dum talho além.
Aflitos correm a Hakuin, num ai,
Pedem desculpa mais o seu perdão.
“Nós lamentamos, o bebé queremos.
A nossa filha confessou que não
É da criança o pai. Por ela viemos...”
Ao devolver-lhes o bebé-mistério
O mestre proferiu somente: “a sério?!”
À falsidade, à boa ou má notícia
Responde o mestre como à sã verdade:
Deixa o momento ser. Não há malícia.
O drama humano assim nunca o invade.
É o momento presente tal como é,
Nunca um evento tem fulgor pessoal.
Jamais é vítima de alguém ao pé,
Poder sobre ele nada tem real.
À mercê só ficamos do que ocorre
Se resistirmos ao que ocorre então,
Determinar se deixo que me forre
O mundo do que eu for por sua mão.
O mestre tomou conta do bebé:
Não resistir do mal faz bem até.
Como é que um ego reagia ali,
Perante eventos a matá-lo em si?
Relação
A relação primordial de nossa vida
É com o agora mais as formas que reveste:
O que acontece, o que aqui é, sempre em corrida,
Sempre mutável mas que as roupas do aqui veste.
Disfuncional se a relação for com o agora,
Reflectir-se-á nas relações e conjunturas
Que vida além encontraremos sem demora.
Definir o ego é no esqueleto que o depuras:
Disfuncional é a relação com o presente.
Este é o momento em que podemos decidir
Que relação queremos ter e ser vigente
Com o presente, este momento a já fugir.
Atinjo
Quando atinjo consciência de mim mesmo,
A mim próprio presente, ao ser presença,
De decidir capaz, na vida a esmo,
Serei da relação a ter na imensa
Cachoeira a despenhar-se do presente.
Quero-o ter por aliado ou inimigo?
Presente é vida, intérmina corrente,
Com ela é a relação que aqui lobrigo.
Quando decido que o momento quero
Ter por aliado devo dar o passo:
Torno-me comparsa, acolho com esmero
E com nenhum disfarce me embaraço.
Em breve logo chegam resultados:
Torna-se a vida aliada, mui prestáveis
Os bons ambientes, cooperantes fados...
Só uma escolha: e as vidas são amáveis!
Transformar
Transformar o presente em meu aliado
De meu ego é o fim sempre, que é incapaz
De entrar em sintonia com o dado
Que aqui for, consonância com veraz
Vida, na correnteza inestancável
Do agora de mareta inextricável.
O ego ignora, resiste e desvalora
O agora, já que em tempo se baseia,
Quão mais forte o ego, mais o tempo mora
E nos domina a vida em maré cheia:
Passado é só o pensado e o é o futuro,
Creio-me aquele e este é o que inauguro.
Do passado tracei a identidade,
No futuro tratei de a realizar.
O medo, expectativa e ansiedade,
A mágoa, a culpa, a ira irão entrar...
- Só darei cabo dispo quanto assente
Meu eu nas águas vivas do presente.
Obstáculo
Se o meio do presente é muito duro
Meu ego como obstáculo mo encara.
Pretende ultrapassá-lo com apuro
E tudo é impaciência, fruste escara.
A frustração, o stresse é, na cultura,
De muita gente o quotidiano real,
A tal ponto que, ao fim, se configura
Que deles é o estado mais normal.
A vida deste agora, ei-la problema
E nós vivemos deles todos cheios.
De resolvê-los temos nós, por lema,
De ser felizes a cumprir anseios,
Só para nos sentirmos realizados
E principiarmos a viver deveras.
Assim pensamos, de ego bem pejados,
Mas é um problema que atrás doutro esperas.
Mal o presente como um muro encaras,
Logo os problemas não terão mais fim.
“Sou o que queiras” – são da vida as caras –
“Como me tratas, trato-te eu assim.
Vês-me problema? Sou-o para ti.
Muro que afasta? Serei muro então...”
Não é o agora uma atitude em si,
Eu é que imponho quantas tenho à mão.
Momentos
O momento presente é o que acontece.
Como continuamente vai mudando,
Cada dia em milhares, larga messe
De momentos diversos se entretece.
O tempo é intérmina cadeia andando
De bons momentos, de momentos maus.
Não há nunca, porém, vários momentos:
É sempre este momento a saltar vaus,
A vida é sempre agora, nos calhaus
Que mudam a constante nos eventos.
A vida desenrola-se no agora:
O passado, o porvir apenas são
Se nos lembrarmos deles, na demora,
Ou se os anteciparmos nesta hora.
Logo, um eterno agora é o que serão.
Parece
Porque é que nos parece que há momentos?
O momento presente é confundido
Com o que ocorre: conteúdo aos centos.
O pavilhão do agora, aos pensamentos
Parece o que acontece. Eis-me iludido.
O que no espaço dele desenrola
Aquele espaço não será jamais.
Presente e conteúdo fundo em bola,
Origem da ilusão do tempo em mola,
A estender-se em meu ego mais e mais.
Assim de mim me perco e não sou eu
A viver-me mas quanto apareceu.
Tomarmos
Tomarmos consciência do silêncio
É ligar-nos à informe, intemporal
Dimensão dentro em nós. O imo convence-o
A levar-nos além do ego actual,
Quer o leve impregnado da natiura,
Quer já da matinal, ligeira alvura,
Quer do intervalo mudo de entre sons...
Silêncio não tem forma e conscientes
Por qualquer pensamento, sem os tons,
Não o podemos ser, sempre impotentes.
O pensamento é forma. Significa:
Silêncio tem o que em silêncio fica.
Se estiver em silêncio, o pensamento
Arredado findou de minha mente,
Se este silêncio ouvir for o que tento.
Sou o que fui antes de feito gente,
Sou o que for após deixar de o ser:
Consciência eterna, nada a ma tolher.
Propósito
Com a sobrevivência garantida,
O propósito, o fito é a medida.
Muitos sentem-se presos à rotina,
A cela de cotio é deles sina.
Muitos crêem que a vida passa ao lado,
Que ao lado passou e que há findado.
Outros são limitados por trabalho,
Família a sustentar, da vida o galho.
Alguns são consumidos pelo stresse,
Outros do tédio, em fatal quermesse.
Alguns se perdem no que muito fazem,
Outros na estagnação, que nada aprazem.
Alguns quererão prosperidade,
A crer que daí vem a liberdade,
Outros que a liberdade já viveram
Sentido em vida então nunca tiveram...
- O primário propósito da vida
Não é externo, é do imo a luz vivida.
Não é nunca, portanto, o que fazemos,
Mas o que somos, que consciência erguemos.
Enquanto
Enquanto consciência não tiver
Do que em meu imo for, do que é meu ser,
Continuo a buscar significado
Em actos do porvir ou do passado.
Continuo do tempo prisioneiro,
Do espaço em celas a viver ronceiro.
Qualquer satisfação que encontre aí
Finda em desilusão que sempre vi:
Invariavelmente destruída
Há-de ser tempo fora, de seguida.
Só temporariamente e relativo
Vale do espaço-tempo um fim que arquivo.
Filho
Se um filho significa a tua vida
Onde o significado irá parar
Quando de ti já não mais precisar
Nem ouvidos te der à fé delida?
Se os outros são quem dá significado
À vida que tiveres, dependente
Ficas de os outros terem melhorado
Para a vida pintar de algo contente.
Se for sobressair, bem sucedido,
Que ocorrerá se nunca enfim ganhares,
Se de sorte a maré te houver perdido,
Como é fatal em mil e um patamares?
Só de imaginação e de memórias
Vives. Significado pouco dão
E tristes serão sempre estas vanglórias
Que dentro ecoam sempre um oco vão.
Propícia
Toda a velhice é uma propícia fase
Para uma consciência florescer.
Para os perdidos do exterior na base
Será um tardio e bom retroceder
A casa do imo, ao eu presente agora,
Quando desperta o íman interior.
Intensificam muitos cada hora,
De despertar culminam o fulgor.
De repente a ladeira para a morte
Não é tragédia mas a grande sorte.
Expansão
A expansão da vida natural,
O movimento externo a se exprimir,
É do ego usurpação tradicional,
Com os meninos logo a competir:
“Olha o que eu já consigo bem fazer!
Nem tu consegues nem, aliás, quenquer.”
É já o ego a tentar sobressair,
Idêntico a tornar-se ao fito externo,
Com os“mais do que tu a prosseguir,
Fortalecendo-se do truque eterno
De se robustecer diminuindo
Os mais que pelos trilhos vão surdindo.
Crescendo
Crescendo a consciência de mim mesmo,
Deixa de controlar-me o ego a vida,
Sem velhice nem mais tragédia a esmo
Para nós acordarmos de seguida.
Quando a auto-consciência além borbota,
O abanão de espertar já se nem nota.
É voluntariamente que se abraça
O itinerário de abrir bem os olhos,
Embora nos achemos no que enlaça
O ciclo exterior de ir aos abrolhos
Em crescimento ou expansão corrente,
Função dos trilhos em que a vida assente.
Quando este ciclo mo largar meu ego,
A espiritual dimensão vem ao mundo.
No movimento externo eu a delego
(Palavra ou acto, criação que inundo...)
Tão poderosa como em meu retorno:
Meu eu informe mundo fora entorno.
Inteligência
A inteligência humana, afloramento
Da universal razão, ínfima em mim,
Tem sido distorcida em meu fermento
Pelo meu ego, a envenenar-me assim.
É inteligência a me servir loucura
E mundo fora muita tem procura.
O átomo dividir requer saber.
Usá-lo a construir bombas atómicas
Seria uma comédia das mais cómicas
Se não fora a tragédia prometer.
A inteligência pode ser bem louca
Ou então revelar-se muito pouca.
É inofensiva a estupidez dum burro,
Porém, a estupidez inteligente
É perigosa, não a apago a murro,
Quão mais esperta mais perigo aumente.
Ameaça hoje em dia, à evidência,
Nossa (e de tudo o mais) sobrevivência.