A DISTANTE LEVEZA
Guarda
A guarda mais reforçada
Pomo-la às portas do nada:
Com o vazio
Tanto me arrepio
Que em nenhuma jornada
É sina a ser divulgada.
Mentira
A mentira cheira a morte
E, desta sorte,
Eu, como quenquer,
Prefiro-a esquecer.
Reposta a verdade ou não,
Recuso pisar daquela o chão.
Fogo
De mal nada aprazais
Com o fogo que nos queima a pele
Se vos não chegardes demais
A ele.
Com o fogo real
Ou o de qualquer outro sinal.
Garante
A cautela
Garante a sobrevivência,
Alicerce que tutela
Ser bem sucedida a existência.
Perene põe-nos à mão
A civilização.
Preenche
No termo,
Qualquer decisão final
Preenche meu afectivo ermo:
É sempre uma decisão emocional.
Ficarei sempre então ao abrigo
De mim comigo.
Beleza
Ver a beleza da flor
Lograr-nos-á despertar
Dos enganos
O calor
Singular
Dos humanos.
Contemplo
Contemplo a flor,
O cristal,
Do lume o fulgor,
- A porta onde me inundo
Do outro mundo.
Crer
Crer que estou certo e o outro errado
Perpetua a separação e o conflito
Entre humanos, por todo o lado:
Ser humano, então,
Não é senão
Um grito.
Torno
Quando me torno consciente
De meu ego,
Esta consciência emergente
Sou eu que em mim pego.
Aqui sou eu, afinal,
No meu essencial.
Imagem
Não eu, mas a imagem de mim
Com a imagem doutrem cria uma interacção.
Por igual outrem, desdobrado assim,
Me irá dar a mão.
Seremos quatro a tentar interagir
E nem meu eu nem o dele logramos discernir.
Sentir
Alienação
É não me sentir à vontade
Em nenhuma situação,
Com nenhuma individualidade,
Em nenhum lugar,
- Nem comigo, a par.
Perpetuar
Ao perpetuar emoções antigas,
Andamos a carregar
Um acúmulo de dor nas frágeis vigas
De nosso corpo, devagar,
Assim a lhe impor
Devir corpo de dor.
Negam
Homens que negam o feminino,
Até de si próprios diante,
Do mundo comandam o destino?
Ei-lo desequilibrado num instante.
É, na clínica da insanidade,
A história da humanidade.
Contente
Contente de não ser ninguém
E de não sobressair,
Eis-me em sintonia, então, também
Com o infinitamente diverso
Poderio do Universo
De gerar porvir.
Absoluta
Não existe verdade absoluta ou é de existir?
Às vezes, para afastar o medo,
Cedo
E que existe acabo por insistir.
Mas não,
Nunca a tenho nem terei à mão.