O  PESADO  FARDO

 

 

 

Miúda

 

A miúda não se lembra

Como em velcro atar sapatos?

Mas lembra que algo a desmembra:

Que a mãe não cumpra com pactos.

- Há semanas prometeu

Chocolate e nunca o deu!

 

 

Doença

 

É sempre a desigualdade

Que houver entre rico e pobre

A doença de mais idade

Que fará com que sossobre

Fatalmente, no caminho,

Qualquer país que adivinho.

 

 

Chave

 

Que há-de haver que me persuade,

De paz com tanto teor

Que de vez me reconforte?

- Chave de felicidade

É jogarmos o melhor

Com o que nos calhe em sorte.

 

 

Comer

 

A pessoa esfomeada

Vai comer um rabanete

Mesmo sem lavar nem nada.

Mas, se tiver um banquete,

Nem para o rabanete olha.

- E assim é qualquer escolha.

 

 

Viajo

 

Viajo pelo mundo fora.

Não há fadiga ou doença

Que àquela terra pertença

Para onde irei agora.

Espelha o que me convém:

Aquela terra é um Além.

 

 

Rumo

 

Rumo de satisfação

É acorrer onde não há

Aquilo que se deseja:

Perde-se o apetite então

Ao vislumbrar acolá

Tal fundura que a nem veja.

 

 

Ambiente

 

Tudo o que se move

Tem de se moldar

Ao que quer que aprove

O ambiente a par,

Sempre indiferente

Ao pendor do agente.

 

 

Casar

 

Casar com uma mulher

Pela formosura dela

É qualquer ave comer

Pela cantoria bela.

É sempre de qualquer um

O seu erro mais comum.

 

 

Sequer

 

Argumentar, discutir?

Nem sequer é construtivo,

Quanto mais ser criativo!

Que importará discernir

Quem está certo ou errado?

Ninguém leva a nenhum lado...

 

 

Busca

 

Busca a lógica a certeza,

Não tem lógica o real:

A certeza que ele preza

É sempre incerta, afinal.

Vale a probabilidade,

Agrade ou não nos agrade.

 

 

Sucede

 

Quem bem sucede na vida

Não será o bem sucedido,

É o que faz, descomedido,

Ocorrer vida à medida:

Daqui vem da humanidade

Progredir em toda a idade.

 

 

Pendores

 

Há pendores positivos

Que jamais óbvios serão.

Os vitoriosos furtivos

Captam os sinais que dão:

Captam um valor a haver

Que mais ninguém logra ver.

 

 

História

 

A história anda pejada de visões,

De impraticáveis sonhos que instigaram

Esforços que no fim já transmudaram

O sonho em realidade sem senões.

Se restringir o sonho, o que consigo

É que então passo algum jamais prossigo.

 

 

Escolha

 

Se a tivermos mapeada,

A escolha pouco provável

Poderá ser rejeitada

Mas é sempre retomável.

Se fora do mapa, em suma,

Escolha não há nenhuma.

 

 

Crucial

 

Ter bom pensamento crítico

É crucial mas não chega:

Derrubado o dogma mítico,

No desvão que é que se entrega?

- Pensamento construtivo

É um gerador, não um crivo.

 

 

Induz-se

 

Progresso não se deduz,

Induz-se, correndo riscos.

Se acolá procuras luz,

Só tens noite em teus apriscos:

Só saltando o horizonte

Para a luz encontras ponte.

 

 

Criarmos

 

Ao criarmos, de antemão

Ignoro que é que irá dar

Mas queremos realizar

A novidade em questão.

Matar tal capacidade

É matar-me a identidade.

 

 

Gerar

 

Às vezes, o criativo

É só quem mais investiu

Em gerar o novo ao vivo,

Não quem mais génio sentiu.

Aplicar-se é então medida

De gerar do estrume vida.

 

 

Impor-se

 

Ninguém será criativo

Só por ser determinado.

Deve impor-se tal motivo,

Mesmo ao fim se for gorado.

Entretanto, alguns irão

Criar daqui novo chão.

 

 

Flanco

 

Flanco à criatividade

Fere a colheita de ideias,

Se ninguém se persuade,

Sejam embora às mancheias.

E eis como a genialidade

Tanto custa a urdir as teias.

 

 

Tendemos

 

Tendemos a preservar

Somente uma solução

Quando há dezenas a par

Que viáveis ser poderão.

Pode o porvir vir por elas

E trancamos-lhe as janelas.

 

 

Moldar

 

Quem tem uma ideia nova

Tem de a moldar ao ouvinte

Ou logo este lha reprova,

Quantas vezes com acinte:

É de todo o tempo a sorte

De a condenarmos à morte.

 

 

Quanto

 

O pensamento é suporte

Tanto quanto exploração:

Além alicerça o norte,

Aqui rompe um novo chão.

Para pensar pioneiro

Bússola e mapa requeiro.

 

 

Testar-nos

 

Aquilo que o amor faz

É testar-nos, complicado,

Mas afasta o medo atrás.

O medo então põe de lado,

Agarra-te ao teu amor

E a vida inteira é calor.

 

 

Ajuda

 

Qualquer bom mediador

Ajuda a ver a verdade

Que sabemos do anterior

Mas que já não persuade:

Tão fanada anda na lista

Que a já perdemos de vista.

 

 

Importa

 

O que importa ao ser humano

Não é riqueza ou dinheiro,

Em comum de fundo é o pano

Que o abrace por inteiro:

Da família e dos amigos

Os ternurentos abrigos.

 

 

Vislumbre

 

É somente despertando

Que sei o que é despertar:

Um vislumbre basta quando

O trilho se iniciar.

Como aí transpus o nível,

Devém algo irreversível.

 

 

Ego

 

O meu ego não sou eu,

É a mania de que sou

E não sou terra nem céu,

Nem sequer trilho onde vou.

O que eu sou lá na fundura

É o Infinito à procura.

 

 

Tornarei

 

Eu não me tornarei bom

Por ser bom eu tentar ser

Mas de bondade meu tom

Em meu imo ao surpreender

E à superfície ao deixar

Esta fundura aflorar.

 

 

Mudar

 

Mudar o real exterior

Sem o interior mudar

Durante o tempo anterior

É um pesadelo gerar:

Cristandade, comunismo,

- Dois flancos, o mesmo abismo.

 

 

Rota

 

Descobrir a insanidade

É a nossa rota pioneira

De atingir a sanidade

Com a cura derradeira.

Se sempre me creio são,

Nunca terei cura então.

 

 

Repara

 

Repara bem no que vives,

Olha o que andas a fazer,

Que sofrimento motives.

Há um rumo outro a percorrer:

É viável despertar,

O Infindo o hoje a fermentar.

 

 

Quanto

 

Quanto mais o que eu pensar

Minha espiritualidade

For, mais me irei afastar

Do que é a minha identidade:

- Minha identidade além

Mora do que em mim retém.

 

 

Imo

 

Minha espiritualidade

Não é aquilo em que acredito,

É que consciência me invade

Do imo fundo que concito:

Daqui arroteio, inundo

A mim, aos outros e ao mundo.

 

 

Vir

 

Quem não vir além da forma,

Dos ritos e dos conceitos

Mais rígido se conforma

Quão mais se inovam os peitos.

Formam o ego colectivo

Pronto a matar quanto é vivo.

 

 

Ossificam

 

Sinagogas e mesquitas,

Igrejas, religiões

Ossificam o que fitas,

Sangram dentro os corações

E o cadáver erguerão

Clamando que é a salvação.

 

 

Igual

 

Enquanto o homem continuar

A ser aquilo que foi,

Então há-de fermentar

Sempre um mundo que nos dói:

Se igual for a disfunção,

Igual é o mal em acção.

 

 

Encobrimos

 

Sei lá o que é realidade!

Encobrimos o mistério

Com um termo que me agrade

E creio ter dela o império:

Não há maior falsidade,

Não é de oiro este minério.

 

 

Milagre

 

O milagre dos milagres

É captar-me anterior

À emoção, termo que sagres,

Seja o produto o que for:

Não me confino ao produto,

Sou produtor do conduto.

 

 

Percepção

 

Minha percepção de mim

Terei de ma libertar

Da misturada sem fim

Com que se identificar,

Tudo produto dos eus:

Não sou eu nem são dos meus.

 

 

Rótulos

 

Quanto mais atribuir

Rótulos a quaisquer dados,

Mais fútil, frio, a seguir,

Será o mundo de meus fados.

Mais e mais findo insensível

Ao milagre que é vivível.

 

 

Ganho

 

Quão mais ganho em intelecto

Mais perco em sabedoria,

Em amor, em alegria:

Tapei meu céu com um tecto!

Terei de recuperar

A prima fonte a jorrar.

 

 

Refiro

 

Quando me refiro a mim

E digo eu, que é que digo:

Sou uma fonte sem fim

Ou só aquilo a que me ligo?

Venha de mim, doutrem venha,

Paro disto na resenha?

 

 

Ilusão

 

Meu ego é uma ilusão de óptica

Da consciência que tenho:

Aprisiona-me, despótica,

Aos actos em que eu advenho,

Ignorando o gerador

Que sou antes de os propor.

 

 

Uso

 

Quando uso a palavra eu,

Aquele a que me refiro

O eu não sou que floresceu

Mas dele a gesta que aufiro?

Eu sou a fonte infinita

Dos mil gestos que concita.

 

 

Além

 

Se nenhum eu além vir

Do que pensar ou sentir,

 

Então espiritualmente

Serei mesmo inconsciente:

 

Não vejo o que anima tudo,

Serei cego, surdo e mudo.

 

 

Voz

 

A voz dentro da cabeça

Não é o pensado, é quem pensa,

Em que cada um tropeça,

Que é ele sem pagar tença.

Se me pergunta “que voz?”,

É bem cego então após.

 

 

Coisas

 

Com coisas me identifico,

O brinquedo devém carro,

Casa, roupa... Em tudo esbarro

E aí perdido me fico.

Perdido de mim, sossego

Não encontro mais neste ego.

 

 

Sou

 

Não sou o que tenho ou não,

Nem o que creio ou que penso,

Nem de mim a percepção,

Nem meu feito mais intenso...

Nada. Sou apenas isto:

Quem vive por dentro disto.

 

 

Tenha

 

Muito há quem não tenha posses

E tenha um ego maior

Que os milionários que endosses

Ao inferno, em teu supor!

Se sem apego, estes são

Um céu que os mais nem verão.

 

 

Muito

 

Há muito anti-consumismo,

Muita anti-propriedade

Que não passa dum abismo

Dum ego que tudo invade:

É promover auto-imagem,

- Não é amar, em tal triagem.

 

 

Considero

 

Se me considero certo

E os demais, então, errados,

É o ego em mim que desperto,

Não sou mais eu, sou meus dados:

De mim caí na inconsciência,

Algemei a minha essência.

 

 

Ato-me

 

Para a minha identidade

Ter solidez, permanência,

Ato-me à propriedade:

Terras, solar de excelência...

- E o mundo é que a mim me tem

Sem me pertencer ninguém.

 

 

Confundo

 

Quando confundo meu ter

Com o ser que sou, então

Tão mais sou quão mais tiver,

Não mais paro a comer chão...

Vejo-me como os mais vêem:

Não sou eu, é o que os pés têm.

 

 

Domina

 

Se um ego domina tudo,

A obsessão da carência

O contrário gera amiúdo,

Traz-lhe a queda, em consequência:

Foi com Hitler, Estaline...

- Com quem não sirva e domine.

 

 

Infeliz

 

Quem se deixar dominar

Por seu ego em vez de si,

Infeliz se irá tornar

E aos mais que encontrar ali.

Não trará o gozo superno,

Talha aos mais e a si o inferno.

 

 

Planeta

 

As necessidades básicas

Do planeta por inteiro,

Com poucas mudanças fásicas

Fartam todo o companheiro:

É só do ego darmos cabo,

- É quem quer mais, nunca acabo.

 

 

Estruturas

 

Estruturas económicas,

Quando lucro apenas visam,

Institucionais atómicas

Bombas do ego nelas gizam

Que nos tornam, de ignorados,

Meros números somados.

 

 

Mais

 

Eu mais o corpo que habito

Somos dois mundos diversos,

Muitas vezes em conflito,

Outras mais, irmãos conversos.

Confundi-los num só, peça

É de quem não tem cabeça.

 

 

Firme

 

Ter do corpo a consciência

É mantê-lo ao lado então,

Lograr-me a libertação

Do ego através da vivência:

Informe, sou eu em mim,

Não as formas do ego ao fim.

 

 

Esguichar

 

Meu ego é um conglomerado

De formas de pensamento

A esguichar por todo o lado.

Eu sou delas o fermento.

Quem confundir os dois lados

Mata-me nos meus traslados.

 

 

Consciência

 

Consciência que diz “existo”

Não é consciência que pensa,

É a que pensar antes disto

E que desta olha a sentença.

Se eu não pensara que penso,

Nem eu era que convenço.

 

 

Sonhara

 

Se eu fora só pensamento,

Nem soubera que pensava,

Sonhara a todo o momento

Sem do sonho erguer a trava.

A mim e ao mundo sem elo,

Era a vida um pesadelo.

 

 

Nível

 

Se sei que estou a sonhar,

Consciente dentro do sonho,

Outro nível de pensar

Assumo e livre me ponho.

Eu sou esta liberdade

Que a sonhar o sonho invade.

 

 

Fora

 

Meu ego me identifica

Com uma forma qualquer

Que fora de mim me fica,

No imo ou no mundo a ver.

Toda a forma é aniquilada?

- Vai-se o ego na enxurrada.

 

 

Serração

 

Se tudo fora de mim

Como na morte se esvai

E eu sobrevivo ao serrim

Que de tal serração cai,

Então meu eu libertado

Encontro de todo o dado.

 

 

Contra

 

Mesmo quando perdi tudo,

Não se sinto garantido

Do ego contra o sobretudo:

De vítima me há vestido.

Com tal identificado,

Já não sou eu deste lado.

 

 

Resistência

 

A resistência interior,

Minha negatividade,

Criará uma exterior

No Universo que me invade:

A vida, ao bem reparar,

Não vai-me então ajudar.

 

 

Abro-me

 

Quando no íntimo me entrego,

Abro-me a uma dimensão

De consciência cujo rego

Carreia uma aluvião

Que do Todo chega a mim

A se estende além sem fim.

 

 

Confio

 

Quando não puder agir,

Confio na intimidade

Em paz e serenidade

Que de entregar-me surgir:

Confio-me a infindos céus,

Ao misterioso de Deus.

 

 

Física

 

O ego é física violência

Até guerra entre as nações.

Se do eu tomo consciência,

Sou só quem gera os padrões:

Poderei sempre trocá-los,

De paz no acordo afiná-los.

 

 

Ressentimento

 

Ressentimento é emoção

Que os queixumes acompanha

Que o ego alimentarão

Com mil fúrias e com sanha.

Perco-me doutrem assim

Quanto me perco de mim.

 

 

Perdão

 

O perdão não é fraqueza,

É força de mutação,

É olhar além do que preza

Quem se atola aqui no chão,

É mirar-lhe no imo, ao fundo,

O Eu que ele é, luz do mundo.

 

 

Plano

 

No primeiro plano é a voz,

O pensador que anda em mim.

Porém, no segundo, após,

Sou cônscio dele, por fim:

Dele então me libertei,

Sou eu no que em mim pensei.

 

 

Sempre

 

O ego é sempre inconsciência.

Quando nele reparar,

Ao dele me libertar,

Mato-o: é tomar consciência.

Resta-me dele, ao final,

Só a carga do meu bornal.

 

 

Milhões

 

O ego, quando colectivo,

Tem milhões de anos de história.

Se o reconheço, me esquivo,

Enfraqueço-o na memória.

Poderei olhar a herança

Como um dado que se alcança.

 

 

Erro

 

Para que eu tenha razão,

Outrem tem de andar errado:

O ego adora a afirmação

De haver erro do outro lado.

Aprisiona o outro aí

Como o eu prendeu em si.

 

 

 

Há uma Verdade absoluta

Donde as relativas vêm,

Cada qual sempre em disputa

Da luz vislumbrada além.

Nunca a detemos em vida:

É o que lhe ilumina a lida.

 

 

Verdade

 

A verdade por palavras

Poderemos traduzi-la,

Mas jamais é de tais lavras,

A verdade é doutra fila:

Palavras são a janela

Donde aponto para ela.

 

 

Fundura

 

A verdade mora em mim,

Sou eu da cabeça aos pés

Cá na fundura do fim.

Se outra busco, é só revés.

Em meu imo, o Universo

Entra inteiro: eu sou o berço.

 

 

Mandamentos

 

Mandamentos, leis e regras

São as normas requeridas

Aos desligados. Se integras

Teu imo nas tuas lidas,

Tua verdade interior

É agir o que queira o amor.

 

 

Louco

 

Ego humano colectivo,

Sempre este “nós” contra um “eles”,

Mais que um eu é louco esquivo,

Nem vês como é que o repeles.

E da História a violência

É disto a maior pendência.

 

 

Mal

 

Um inimigo é o padrão

Do mal que em mim não lobrigo.

Vejo o sinal nele então

Do que é o mal, é como o amigo...

Terei muito que aprender

Do inimigo que eu fizer!

 

 

Renega-te

 

Renega-te a ti mesmo quer dizer

Renega-te a ilusão da identidade.

Se foras quem tu és, não ia haver

Sentido algum nos trilhos que isto invade.

Despir-te de teu ego que carregas

Livra teu eu, porém, de quanto o negas.

 

 

Andei

 

Do que acontece andei a me perder,

Em quanto acumulei e em mim carrego,

Fardo às costas pesado de sofrer,

Comigo confundido. E é só meu ego.

Perco-me assim na mente, neste mundo,

De mim mesmo ignorando a luz ao fundo.

 

 

Aceito

 

Quando aceito que tudo é transitório,

Do mais sólido embora material,

A paz dentro de mim devém o empório

De meu eu mais e mais universal.

O efémero desperta a dimensão

Do informe que em mim pisa um outro chão.

 

 

Fama

 

Tanto a fama sublinhar

É manifestar loucura

Dum ego tanto a alastrar

Que o mundo assim não tem cura.

É tudo tão ilusório

Que os eus findam num velório.

 

 

Contentar-se

 

Elogio, admiração

Quando um ego não obtém,

Doutras formas de atenção

Tem de contentar-se então:

Desempenha vida além

Quaisquer papéis que lha dêem.

 

 

Apaixonar-se

 

Apaixonar-se em regra intensifica

Toda a egóica carência que se tem:

Viciado cada qual no outro fica,

Na imagem que tem dele e lhe convém.

Não é o amor deveras, que não lista

Carência alguma ali a ter em vista

 

 

Função

 

Hoje em dia a mui poucos é atribuída

Para a vida a função predestinada

E nela a identidade definida,

Para ele e os demais ali fundada.

Cada vez há mais gente mui confusa:

Onde entra, com que fim, que ser é que usa?...

 

 

Si

 

As pessoas não se ligam

Entre si como pessoas.

Com imagens que condigam

É que brigam ou dão loas.

Andam os eus muito ausentes

De encontros mútuos presentes.

 

 

Imagem

 

Tenho uma imagem mental

Daquilo que os outros são.

Mas tenho outra, por igual,

De quem eu for, sempre à mão:

Quando estou a interagir,

Não sou eu mas ela a ir.

 

 

Felicidade

 

Felicidade é papel

Por muitos desempenhado

E por trás deste ouropel

De mui colorido alçado,

A sorrir com esplendor,

Esconde-se é muita dor.

 

 

Estar

 

Estar óptimo é um papel

Socialmente estimulado.

Estar triste outro quartel

Do mundo o tem programado.

E nenhum deles de meu

Nada tem: lá não sou eu.

 

 

Manipulo

 

Quando pelo meu ego me apercebo

De quanto manipulo tudo em volta,

Toda a futilidade então percebo

Que dele é proveniente e que anda à solta.

Tal inconsciente então finda sozinho,

A consciência na muda é o grande ancinho.

 

 

Declara

 

Um ego declara, bronco:

Eu não devia sofrer!

Deste pensamento o ronco

Grita, por mais nos doer.

- A dor é de ser colhida

Para então ser transcendida.

 

 

Reconhece

 

Se alguém nos reconhece, o que isto atrai

É a dimensão do ser mais plenamente

A nosso mundo aqui, por mão da gente:

É o que redime o mundo que a nós sai.

É com cônjuge e filhos, no momento,

E com os mais, de todo o tempo ao vento.

 

 

Agir

 

Agir o que requer a conjuntura

Sem convertê-lo num papel de preso

Com que me identifico, sempre leso,

- Em arte de viver é o que se apura

Que terei de aprender a vida inteira:

Por isso aqui nasci, do mundo à beira.

 

 

Egóico

 

O drama egóico terrenal recria

O sofrimento, a dor de mundo além.

A desgraceira oriunda desta via

Finda por ser o que a destrói também:

É o fogo em tudo quanto um ego tome

Que este igual ego por igual consome.

 

 

Vista

 

A esperteza decide,

Com vista curta pune.

A inteligência a vide

Vê como ata e reúne.

A esperteza divide,

A inteligência une.

 

 

Incônscios

 

Há pensamentos supostos,

Incônscios de quanto são

Como o real pressupostos

E o real escapa à mão:

Representação não é

O real que aponte ao pé.

 

 

Abandonar

 

Não prendas a verdade e te limita

A abandonar as tuas opiniões:

A tua identidade aí saltita,

Da mente além, no vácuo dos salões:

És tu sem forma. Os turbilhões te exigem

Pronto a incarnar em todos quantos vigem.

 

 

Colectivo

 

Quando um ego individual

Busca, insatisfeito, abrigo

Num colectivo, o sinal

Não é do eu, de ego é perigo

E tanto mais camuflado

Quanto é de dom disfarçado.

 

 

Convertidos

 

Pensamentos, emoções

São nossa interioridade.

São o ego se a identidade

Contigo for que lhe impões,

Se dominam no que é teu,

Convertidos em teu eu.

 

 

Circuito

 

Ego é mente inconsciente

E inconsciente emoção

Que à mente responde urgente,

Circuito fechado então.

E eu a crer que sou aquela

Roda sem quem mande nela!

 

 

Abandona

 

Abandona a tua história

Onde te de vez perdeste,

Retorna ao lugar da glória,

De todo o poder que investe:

Este aqui agora assente

Só no momento presente!

 

 

Pré-púbere

 

A pré-púbere mulher,

Corpo de dor colectivo,

A si muito se refere

Vendo tudo negativo,

Herdeira do pior de antanho

Que lhe roubou todo o ganho.

 

 

Equilíbrio

 

Masculino e feminino,

Se de equilíbrio dotados,

Tolhem ao ego o destino,

Com crescimentos travados.

Nem há guerra à natureza

Nem ao ser que em nós se preza.

 

 

Perde

 

À medida que consciente

Cada um em si devém,

O ego perde o prepotente

Poder que sobre o eu tem:

Identificada à mente

Cada vez há menos gente.

 

 

Desejo

 

A criança entregue à dor

Dum desejo recusado...

Satisfazer-lho é propor

Um simples aprendizado:

“Quão mais dor eu revelar,

Mais logro o que desejar.”

 

 

Ser-me

 

Com ou sem corpo de dor,

Deverei sempre ser pleno

Porque o sou, seja o que for

Que me distraia no aceno.

Não é questão de tornar-me,

É de ser-me, ao incarnar-me.

 

 

Medo

 

Se calhar não me quero conhecer

Por ter medo daquilo que encontrar:

É que o medo secreto de mau ser

Tolhe a vontade de ir-nos decifrar.

Mas nada do que sobre mim conheça

Sou eu em mim: é uma moldada peça.

 

 

Perpasso

 

Não acresças tempo em ti,

Remove o tempo de vez!

O ego apago então dali,

Saio eu puro do entremez:

Eu sou o eterno presente

Que em tudo perpasso assente.

 

 

Entrega

 

A entrega sem resistência

Ao agora-aqui, à vida

Que sou eu por excelência,

É entrega, em igual medida,

De tudo o que em mim decorre

Ao que, Infindo, me percorre.

 

 

Tetraplégico

 

Tetraplégico a correr

De rodas cadeira, em lida,

Se se entrega inteiro à vida

Que nele mal decorrer,

Acabará por dizer:

“Que mais pedir em seguida?”

 

 

Real

 

Para o ego o que é fraqueza

É a real força verdadeira.

Esta verdade o que preza

Opõe-se à cultura inteira

E ao modo em que condiciona

O que em todos vem à tona.

 

 

Tentes

 

Não tentes ser a montanha

Mas o vale do Universo:

Toda e qualquer prenda apanha

Que a ti corre em rio terso.

Quem se exalta, desta incúria

Termina a vida em penúria.

 

 

Será

 

Deus será o amor sem forma

E sem forma consciente

Que o fundo meu me conforma,

Eu no que sou toda a gente.

Este é que é meu Deus em mim,

Que, em si, nem mesmo um confim.

 

 

Ver

 

Ver que tudo irá passar

Do real é indicador.

O impermanente apontar

Aponta o eterno supor:

Só o eterno em nós conhece

Que impermanência acontece.

 

 

Aquilo

 

Aquilo que me perturba,

Mais ligeiro ou mais intenso,

Não é alheia ou minha turba,

Aquilo não é que eu penso:

Sempre me atinge em virtude

Da torta minha atitude.

 

 

Fechar

 

Como qualquer outra droga,

Televisão dependência

Cria em quem nela se afoga,

De a fechar sem precedência:

O botão de desligar

Nenhum dedo o irá palpar.

 

 

Convoca

 

A televisão importa

Se convoca o pensamento,

Se à mente nos abre a porta

De autónomo movimento.

Estimula então a mente

Por si própria a ser presente.

 

 

Rede

 

Quando findo viciado

Numa rede social,

Cada vez mais trivial,

Irrelevante é o seu dado.

Sou um mero prisioneiro

Da imagem de que me abeiro.

 

 

Pano

 

De repente, a sensação

De contentamento, paz,

Vivacidade no chão

Do pé que o meu trilho faz:

Pano de fundo invisível

Sem o qual nada é exequível.

 

 

Simples

 

Sempre que houver gentileza

Como reconhecimento

Do valor e da beleza

Do simples deste momento,

Busca a origem da vivência

Em ti, não de ti na ausência.

 

 

Silêncio

 

Em boa triagem,

Silêncio de Deus

É de Deus linguagem,

Linguagem dos céus.

Tudo o mais, então,

É má tradução.

 

 

Consoante

 

O que é bom e verdadeiro

É o que me exprime do fundo,

Consoante dele me inundo

Numa sintonia inteiro,

Seja em que domínio for,

Com o meu fito interior.

 

 

Envolve

 

Meu propósito exterior

Envolve sempre o futuro,

Seja lá eu o que for.

Mas é sempre o que inauguro

A partir daqui agora

Que sou eu a ser na hora.

 

 

Sabedoria

 

Se já não se identifica

O ego com o retorno,

A velhice então se aplica

Da sabedoria ao forno:

Para o íntimo abertura

Tudo então se lhe afigura.

 

 

Encéfalo

 

Sofre o encéfalo lesões:

É perdida a consciência?

A consciência corrimões

Não tem é dele na ausência.

A Consciência não tem perda:

Toda ela o Cosmos herda.

 

 

Curador

 

Curador espiritual

É quem gera consciência

Em qualquer rotina actual,

Na interacção com sapiência

Ou por tudo promover

O mero facto de ser.

 

 

Momento

 

Nada nos vai libertar.

É só o momento presente

Que posso nas mãos tomar,

De Céus semear-lhe a semente.

Se for isto o meu agir,

O novo mundo há-de vir.

 

 

Todos

 

Todos os corpos de dor

E dos eus toda a unidade

Se interligam, como a impor

Que Um são todos de verdade:

Todos influem em todos

De subliminares modos.