O PESADO FARDO
Miúda
A miúda não se lembra
Como em velcro atar sapatos?
Mas lembra que algo a desmembra:
Que a mãe não cumpra com pactos.
- Há semanas prometeu
Chocolate e nunca o deu!
Doença
É sempre a desigualdade
Que houver entre rico e pobre
A doença de mais idade
Que fará com que sossobre
Fatalmente, no caminho,
Qualquer país que adivinho.
Chave
Que há-de haver que me persuade,
De paz com tanto teor
Que de vez me reconforte?
- Chave de felicidade
É jogarmos o melhor
Com o que nos calhe em sorte.
Comer
A pessoa esfomeada
Vai comer um rabanete
Mesmo sem lavar nem nada.
Mas, se tiver um banquete,
Nem para o rabanete olha.
- E assim é qualquer escolha.
Viajo
Viajo pelo mundo fora.
Não há fadiga ou doença
Que àquela terra pertença
Para onde irei agora.
Espelha o que me convém:
Aquela terra é um Além.
Rumo
Rumo de satisfação
É acorrer onde não há
Aquilo que se deseja:
Perde-se o apetite então
Ao vislumbrar acolá
Tal fundura que a nem veja.
Ambiente
Tudo o que se move
Tem de se moldar
Ao que quer que aprove
O ambiente a par,
Sempre indiferente
Ao pendor do agente.
Casar
Casar com uma mulher
Pela formosura dela
É qualquer ave comer
Pela cantoria bela.
É sempre de qualquer um
O seu erro mais comum.
Sequer
Argumentar, discutir?
Nem sequer é construtivo,
Quanto mais ser criativo!
Que importará discernir
Quem está certo ou errado?
Ninguém leva a nenhum lado...
Busca
Busca a lógica a certeza,
Não tem lógica o real:
A certeza que ele preza
É sempre incerta, afinal.
Vale a probabilidade,
Agrade ou não nos agrade.
Sucede
Quem bem sucede na vida
Não será o bem sucedido,
É o que faz, descomedido,
Ocorrer vida à medida:
Daqui vem da humanidade
Progredir em toda a idade.
Pendores
Há pendores positivos
Que jamais óbvios serão.
Os vitoriosos furtivos
Captam os sinais que dão:
Captam um valor a haver
Que mais ninguém logra ver.
História
A história anda pejada de visões,
De impraticáveis sonhos que instigaram
Esforços que no fim já transmudaram
O sonho em realidade sem senões.
Se restringir o sonho, o que consigo
É que então passo algum jamais prossigo.
Escolha
Se a tivermos mapeada,
A escolha pouco provável
Poderá ser rejeitada
Mas é sempre retomável.
Se fora do mapa, em suma,
Escolha não há nenhuma.
Crucial
Ter bom pensamento crítico
É crucial mas não chega:
Derrubado o dogma mítico,
No desvão que é que se entrega?
- Pensamento construtivo
É um gerador, não um crivo.
Induz-se
Progresso não se deduz,
Induz-se, correndo riscos.
Se acolá procuras luz,
Só tens noite em teus apriscos:
Só saltando o horizonte
Para a luz encontras ponte.
Criarmos
Ao criarmos, de antemão
Ignoro que é que irá dar
Mas queremos realizar
A novidade em questão.
Matar tal capacidade
É matar-me a identidade.
Gerar
Às vezes, o criativo
É só quem mais investiu
Em gerar o novo ao vivo,
Não quem mais génio sentiu.
Aplicar-se é então medida
De gerar do estrume vida.
Impor-se
Ninguém será criativo
Só por ser determinado.
Deve impor-se tal motivo,
Mesmo ao fim se for gorado.
Entretanto, alguns irão
Criar daqui novo chão.
Flanco
Flanco à criatividade
Fere a colheita de ideias,
Se ninguém se persuade,
Sejam embora às mancheias.
E eis como a genialidade
Tanto custa a urdir as teias.
Tendemos
Tendemos a preservar
Somente uma solução
Quando há dezenas a par
Que viáveis ser poderão.
Pode o porvir vir por elas
E trancamos-lhe as janelas.
Moldar
Quem tem uma ideia nova
Tem de a moldar ao ouvinte
Ou logo este lha reprova,
Quantas vezes com acinte:
É de todo o tempo a sorte
De a condenarmos à morte.
Quanto
O pensamento é suporte
Tanto quanto exploração:
Além alicerça o norte,
Aqui rompe um novo chão.
Para pensar pioneiro
Bússola e mapa requeiro.
Testar-nos
Aquilo que o amor faz
É testar-nos, complicado,
Mas afasta o medo atrás.
O medo então põe de lado,
Agarra-te ao teu amor
E a vida inteira é calor.
Ajuda
Qualquer bom mediador
Ajuda a ver a verdade
Que sabemos do anterior
Mas que já não persuade:
Tão fanada anda na lista
Que a já perdemos de vista.
Importa
O que importa ao ser humano
Não é riqueza ou dinheiro,
Em comum de fundo é o pano
Que o abrace por inteiro:
Da família e dos amigos
Os ternurentos abrigos.
Vislumbre
É somente despertando
Que sei o que é despertar:
Um vislumbre basta quando
O trilho se iniciar.
Como aí transpus o nível,
Devém algo irreversível.
Ego
O meu ego não sou eu,
É a mania de que sou
E não sou terra nem céu,
Nem sequer trilho onde vou.
O que eu sou lá na fundura
É o Infinito à procura.
Tornarei
Eu não me tornarei bom
Por ser bom eu tentar ser
Mas de bondade meu tom
Em meu imo ao surpreender
E à superfície ao deixar
Esta fundura aflorar.
Mudar
Mudar o real exterior
Sem o interior mudar
Durante o tempo anterior
É um pesadelo gerar:
Cristandade, comunismo,
- Dois flancos, o mesmo abismo.
Rota
Descobrir a insanidade
É a nossa rota pioneira
De atingir a sanidade
Com a cura derradeira.
Se sempre me creio são,
Nunca terei cura então.
Repara
Repara bem no que vives,
Olha o que andas a fazer,
Que sofrimento motives.
Há um rumo outro a percorrer:
É viável despertar,
O Infindo o hoje a fermentar.
Quanto
Quanto mais o que eu pensar
Minha espiritualidade
For, mais me irei afastar
Do que é a minha identidade:
- Minha identidade além
Mora do que em mim retém.
Imo
Minha espiritualidade
Não é aquilo em que acredito,
É que consciência me invade
Do imo fundo que concito:
Daqui arroteio, inundo
A mim, aos outros e ao mundo.
Vir
Quem não vir além da forma,
Dos ritos e dos conceitos
Mais rígido se conforma
Quão mais se inovam os peitos.
Formam o ego colectivo
Pronto a matar quanto é vivo.
Ossificam
Sinagogas e mesquitas,
Igrejas, religiões
Ossificam o que fitas,
Sangram dentro os corações
E o cadáver erguerão
Clamando que é a salvação.
Igual
Enquanto o homem continuar
A ser aquilo que foi,
Então há-de fermentar
Sempre um mundo que nos dói:
Se igual for a disfunção,
Igual é o mal em acção.
Encobrimos
Sei lá o que é realidade!
Encobrimos o mistério
Com um termo que me agrade
E creio ter dela o império:
Não há maior falsidade,
Não é de oiro este minério.
Milagre
O milagre dos milagres
É captar-me anterior
À emoção, termo que sagres,
Seja o produto o que for:
Não me confino ao produto,
Sou produtor do conduto.
Percepção
Minha percepção de mim
Terei de ma libertar
Da misturada sem fim
Com que se identificar,
Tudo produto dos eus:
Não sou eu nem são dos meus.
Rótulos
Quanto mais atribuir
Rótulos a quaisquer dados,
Mais fútil, frio, a seguir,
Será o mundo de meus fados.
Mais e mais findo insensível
Ao milagre que é vivível.
Ganho
Quão mais ganho em intelecto
Mais perco em sabedoria,
Em amor, em alegria:
Tapei meu céu com um tecto!
Terei de recuperar
A prima fonte a jorrar.
Refiro
Quando me refiro a mim
E digo eu, que é que digo:
Sou uma fonte sem fim
Ou só aquilo a que me ligo?
Venha de mim, doutrem venha,
Paro disto na resenha?
Ilusão
Meu ego é uma ilusão de óptica
Da consciência que tenho:
Aprisiona-me, despótica,
Aos actos em que eu advenho,
Ignorando o gerador
Que sou antes de os propor.
Uso
Quando uso a palavra eu,
Aquele a que me refiro
O eu não sou que floresceu
Mas dele a gesta que aufiro?
Eu sou a fonte infinita
Dos mil gestos que concita.
Além
Se nenhum eu além vir
Do que pensar ou sentir,
Então espiritualmente
Serei mesmo inconsciente:
Não vejo o que anima tudo,
Serei cego, surdo e mudo.
Voz
A voz dentro da cabeça
Não é o pensado, é quem pensa,
Em que cada um tropeça,
Que é ele sem pagar tença.
Se me pergunta “que voz?”,
É bem cego então após.
Coisas
Com coisas me identifico,
O brinquedo devém carro,
Casa, roupa... Em tudo esbarro
E aí perdido me fico.
Perdido de mim, sossego
Não encontro mais neste ego.
Sou
Não sou o que tenho ou não,
Nem o que creio ou que penso,
Nem de mim a percepção,
Nem meu feito mais intenso...
Nada. Sou apenas isto:
Quem vive por dentro disto.
Tenha
Muito há quem não tenha posses
E tenha um ego maior
Que os milionários que endosses
Ao inferno, em teu supor!
Se sem apego, estes são
Um céu que os mais nem verão.
Muito
Há muito anti-consumismo,
Muita anti-propriedade
Que não passa dum abismo
Dum ego que tudo invade:
É promover auto-imagem,
- Não é amar, em tal triagem.
Considero
Se me considero certo
E os demais, então, errados,
É o ego em mim que desperto,
Não sou mais eu, sou meus dados:
De mim caí na inconsciência,
Algemei a minha essência.
Ato-me
Para a minha identidade
Ter solidez, permanência,
Ato-me à propriedade:
Terras, solar de excelência...
- E o mundo é que a mim me tem
Sem me pertencer ninguém.
Confundo
Quando confundo meu ter
Com o ser que sou, então
Tão mais sou quão mais tiver,
Não mais paro a comer chão...
Vejo-me como os mais vêem:
Não sou eu, é o que os pés têm.
Domina
Se um ego domina tudo,
A obsessão da carência
O contrário gera amiúdo,
Traz-lhe a queda, em consequência:
Foi com Hitler, Estaline...
- Com quem não sirva e domine.
Infeliz
Quem se deixar dominar
Por seu ego em vez de si,
Infeliz se irá tornar
E aos mais que encontrar ali.
Não trará o gozo superno,
Talha aos mais e a si o inferno.
Planeta
As necessidades básicas
Do planeta por inteiro,
Com poucas mudanças fásicas
Fartam todo o companheiro:
É só do ego darmos cabo,
- É quem quer mais, nunca acabo.
Estruturas
Estruturas económicas,
Quando lucro apenas visam,
Institucionais atómicas
Bombas do ego nelas gizam
Que nos tornam, de ignorados,
Meros números somados.
Mais
Eu mais o corpo que habito
Somos dois mundos diversos,
Muitas vezes em conflito,
Outras mais, irmãos conversos.
Confundi-los num só, peça
É de quem não tem cabeça.
Firme
Ter do corpo a consciência
É mantê-lo ao lado então,
Lograr-me a libertação
Do ego através da vivência:
Informe, sou eu em mim,
Não as formas do ego ao fim.
Esguichar
Meu ego é um conglomerado
De formas de pensamento
A esguichar por todo o lado.
Eu sou delas o fermento.
Quem confundir os dois lados
Mata-me nos meus traslados.
Consciência
Consciência que diz “existo”
Não é consciência que pensa,
É a que pensar antes disto
E que desta olha a sentença.
Se eu não pensara que penso,
Nem eu era que convenço.
Sonhara
Se eu fora só pensamento,
Nem soubera que pensava,
Sonhara a todo o momento
Sem do sonho erguer a trava.
A mim e ao mundo sem elo,
Era a vida um pesadelo.
Nível
Se sei que estou a sonhar,
Consciente dentro do sonho,
Outro nível de pensar
Assumo e livre me ponho.
Eu sou esta liberdade
Que a sonhar o sonho invade.
Fora
Meu ego me identifica
Com uma forma qualquer
Que fora de mim me fica,
No imo ou no mundo a ver.
Toda a forma é aniquilada?
- Vai-se o ego na enxurrada.
Serração
Se tudo fora de mim
Como na morte se esvai
E eu sobrevivo ao serrim
Que de tal serração cai,
Então meu eu libertado
Encontro de todo o dado.
Contra
Mesmo quando perdi tudo,
Não se sinto garantido
Do ego contra o sobretudo:
De vítima me há vestido.
Com tal identificado,
Já não sou eu deste lado.
Resistência
A resistência interior,
Minha negatividade,
Criará uma exterior
No Universo que me invade:
A vida, ao bem reparar,
Não vai-me então ajudar.
Abro-me
Quando no íntimo me entrego,
Abro-me a uma dimensão
De consciência cujo rego
Carreia uma aluvião
Que do Todo chega a mim
A se estende além sem fim.
Confio
Quando não puder agir,
Confio na intimidade
Em paz e serenidade
Que de entregar-me surgir:
Confio-me a infindos céus,
Ao misterioso de Deus.
Física
O ego é física violência
Até guerra entre as nações.
Se do eu tomo consciência,
Sou só quem gera os padrões:
Poderei sempre trocá-los,
De paz no acordo afiná-los.
Ressentimento
Ressentimento é emoção
Que os queixumes acompanha
Que o ego alimentarão
Com mil fúrias e com sanha.
Perco-me doutrem assim
Quanto me perco de mim.
Perdão
O perdão não é fraqueza,
É força de mutação,
É olhar além do que preza
Quem se atola aqui no chão,
É mirar-lhe no imo, ao fundo,
O Eu que ele é, luz do mundo.
Plano
No primeiro plano é a voz,
O pensador que anda em mim.
Porém, no segundo, após,
Sou cônscio dele, por fim:
Dele então me libertei,
Sou eu no que em mim pensei.
Sempre
O ego é sempre inconsciência.
Quando nele reparar,
Ao dele me libertar,
Mato-o: é tomar consciência.
Resta-me dele, ao final,
Só a carga do meu bornal.
Milhões
O ego, quando colectivo,
Tem milhões de anos de história.
Se o reconheço, me esquivo,
Enfraqueço-o na memória.
Poderei olhar a herança
Como um dado que se alcança.
Erro
Para que eu tenha razão,
Outrem tem de andar errado:
O ego adora a afirmação
De haver erro do outro lado.
Aprisiona o outro aí
Como o eu prendeu em si.
Há
Há uma Verdade absoluta
Donde as relativas vêm,
Cada qual sempre em disputa
Da luz vislumbrada além.
Nunca a detemos em vida:
É o que lhe ilumina a lida.
Verdade
A verdade por palavras
Poderemos traduzi-la,
Mas jamais é de tais lavras,
A verdade é doutra fila:
Palavras são a janela
Donde aponto para ela.
Fundura
A verdade mora em mim,
Sou eu da cabeça aos pés
Cá na fundura do fim.
Se outra busco, é só revés.
Em meu imo, o Universo
Entra inteiro: eu sou o berço.
Mandamentos
Mandamentos, leis e regras
São as normas requeridas
Aos desligados. Se integras
Teu imo nas tuas lidas,
Tua verdade interior
É agir o que queira o amor.
Louco
Ego humano colectivo,
Sempre este “nós” contra um “eles”,
Mais que um eu é louco esquivo,
Nem vês como é que o repeles.
E da História a violência
É disto a maior pendência.
Mal
Um inimigo é o padrão
Do mal que em mim não lobrigo.
Vejo o sinal nele então
Do que é o mal, é como o amigo...
Terei muito que aprender
Do inimigo que eu fizer!
Renega-te
Renega-te a ti mesmo quer dizer
Renega-te a ilusão da identidade.
Se foras quem tu és, não ia haver
Sentido algum nos trilhos que isto invade.
Despir-te de teu ego que carregas
Livra teu eu, porém, de quanto o negas.
Andei
Do que acontece andei a me perder,
Em quanto acumulei e em mim carrego,
Fardo às costas pesado de sofrer,
Comigo confundido. E é só meu ego.
Perco-me assim na mente, neste mundo,
De mim mesmo ignorando a luz ao fundo.
Aceito
Quando aceito que tudo é transitório,
Do mais sólido embora material,
A paz dentro de mim devém o empório
De meu eu mais e mais universal.
O efémero desperta a dimensão
Do informe que em mim pisa um outro chão.
Fama
Tanto a fama sublinhar
É manifestar loucura
Dum ego tanto a alastrar
Que o mundo assim não tem cura.
É tudo tão ilusório
Que os eus findam num velório.
Contentar-se
Elogio, admiração
Quando um ego não obtém,
Doutras formas de atenção
Tem de contentar-se então:
Desempenha vida além
Quaisquer papéis que lha dêem.
Apaixonar-se
Apaixonar-se em regra intensifica
Toda a egóica carência que se tem:
Viciado cada qual no outro fica,
Na imagem que tem dele e lhe convém.
Não é o amor deveras, que não lista
Carência alguma ali a ter em vista
Função
Hoje em dia a mui poucos é atribuída
Para a vida a função predestinada
E nela a identidade definida,
Para ele e os demais ali fundada.
Cada vez há mais gente mui confusa:
Onde entra, com que fim, que ser é que usa?...
Si
As pessoas não se ligam
Entre si como pessoas.
Com imagens que condigam
É que brigam ou dão loas.
Andam os eus muito ausentes
De encontros mútuos presentes.
Imagem
Tenho uma imagem mental
Daquilo que os outros são.
Mas tenho outra, por igual,
De quem eu for, sempre à mão:
Quando estou a interagir,
Não sou eu mas ela a ir.
Felicidade
Felicidade é papel
Por muitos desempenhado
E por trás deste ouropel
De mui colorido alçado,
A sorrir com esplendor,
Esconde-se é muita dor.
Estar
Estar óptimo é um papel
Socialmente estimulado.
Estar triste outro quartel
Do mundo o tem programado.
E nenhum deles de meu
Nada tem: lá não sou eu.
Manipulo
Quando pelo meu ego me apercebo
De quanto manipulo tudo em volta,
Toda a futilidade então percebo
Que dele é proveniente e que anda à solta.
Tal inconsciente então finda sozinho,
A consciência na muda é o grande ancinho.
Declara
Um ego declara, bronco:
Eu não devia sofrer!
Deste pensamento o ronco
Grita, por mais nos doer.
- A dor é de ser colhida
Para então ser transcendida.
Reconhece
Se alguém nos reconhece, o que isto atrai
É a dimensão do ser mais plenamente
A nosso mundo aqui, por mão da gente:
É o que redime o mundo que a nós sai.
É com cônjuge e filhos, no momento,
E com os mais, de todo o tempo ao vento.
Agir
Agir o que requer a conjuntura
Sem convertê-lo num papel de preso
Com que me identifico, sempre leso,
- Em arte de viver é o que se apura
Que terei de aprender a vida inteira:
Por isso aqui nasci, do mundo à beira.
Egóico
O drama egóico terrenal recria
O sofrimento, a dor de mundo além.
A desgraceira oriunda desta via
Finda por ser o que a destrói também:
É o fogo em tudo quanto um ego tome
Que este igual ego por igual consome.
Vista
A esperteza decide,
Com vista curta pune.
A inteligência a vide
Vê como ata e reúne.
A esperteza divide,
A inteligência une.
Incônscios
Há pensamentos supostos,
Incônscios de quanto são
Como o real pressupostos
E o real escapa à mão:
Representação não é
O real que aponte ao pé.
Abandonar
Não prendas a verdade e te limita
A abandonar as tuas opiniões:
A tua identidade aí saltita,
Da mente além, no vácuo dos salões:
És tu sem forma. Os turbilhões te exigem
Pronto a incarnar em todos quantos vigem.
Colectivo
Quando um ego individual
Busca, insatisfeito, abrigo
Num colectivo, o sinal
Não é do eu, de ego é perigo
E tanto mais camuflado
Quanto é de dom disfarçado.
Convertidos
Pensamentos, emoções
São nossa interioridade.
São o ego se a identidade
Contigo for que lhe impões,
Se dominam no que é teu,
Convertidos em teu eu.
Circuito
Ego é mente inconsciente
E inconsciente emoção
Que à mente responde urgente,
Circuito fechado então.
E eu a crer que sou aquela
Roda sem quem mande nela!
Abandona
Abandona a tua história
Onde te de vez perdeste,
Retorna ao lugar da glória,
De todo o poder que investe:
Este aqui agora assente
Só no momento presente!
Pré-púbere
A pré-púbere mulher,
Corpo de dor colectivo,
A si muito se refere
Vendo tudo negativo,
Herdeira do pior de antanho
Que lhe roubou todo o ganho.
Equilíbrio
Masculino e feminino,
Se de equilíbrio dotados,
Tolhem ao ego o destino,
Com crescimentos travados.
Nem há guerra à natureza
Nem ao ser que em nós se preza.
Perde
À medida que consciente
Cada um em si devém,
O ego perde o prepotente
Poder que sobre o eu tem:
Identificada à mente
Cada vez há menos gente.
Desejo
A criança entregue à dor
Dum desejo recusado...
Satisfazer-lho é propor
Um simples aprendizado:
“Quão mais dor eu revelar,
Mais logro o que desejar.”
Ser-me
Com ou sem corpo de dor,
Deverei sempre ser pleno
Porque o sou, seja o que for
Que me distraia no aceno.
Não é questão de tornar-me,
É de ser-me, ao incarnar-me.
Medo
Se calhar não me quero conhecer
Por ter medo daquilo que encontrar:
É que o medo secreto de mau ser
Tolhe a vontade de ir-nos decifrar.
Mas nada do que sobre mim conheça
Sou eu em mim: é uma moldada peça.
Perpasso
Não acresças tempo em ti,
Remove o tempo de vez!
O ego apago então dali,
Saio eu puro do entremez:
Eu sou o eterno presente
Que em tudo perpasso assente.
Entrega
A entrega sem resistência
Ao agora-aqui, à vida
Que sou eu por excelência,
É entrega, em igual medida,
De tudo o que em mim decorre
Ao que, Infindo, me percorre.
Tetraplégico
Tetraplégico a correr
De rodas cadeira, em lida,
Se se entrega inteiro à vida
Que nele mal decorrer,
Acabará por dizer:
“Que mais pedir em seguida?”
Real
Para o ego o que é fraqueza
É a real força verdadeira.
Esta verdade o que preza
Opõe-se à cultura inteira
E ao modo em que condiciona
O que em todos vem à tona.
Tentes
Não tentes ser a montanha
Mas o vale do Universo:
Toda e qualquer prenda apanha
Que a ti corre em rio terso.
Quem se exalta, desta incúria
Termina a vida em penúria.
Será
Deus será o amor sem forma
E sem forma consciente
Que o fundo meu me conforma,
Eu no que sou toda a gente.
Este é que é meu Deus em mim,
Que, em si, nem mesmo um confim.
Ver
Ver que tudo irá passar
Do real é indicador.
O impermanente apontar
Aponta o eterno supor:
Só o eterno em nós conhece
Que impermanência acontece.
Aquilo
Aquilo que me perturba,
Mais ligeiro ou mais intenso,
Não é alheia ou minha turba,
Aquilo não é que eu penso:
Sempre me atinge em virtude
Da torta minha atitude.
Fechar
Como qualquer outra droga,
Televisão dependência
Cria em quem nela se afoga,
De a fechar sem precedência:
O botão de desligar
Nenhum dedo o irá palpar.
Convoca
A televisão importa
Se convoca o pensamento,
Se à mente nos abre a porta
De autónomo movimento.
Estimula então a mente
Por si própria a ser presente.
Rede
Quando findo viciado
Numa rede social,
Cada vez mais trivial,
Irrelevante é o seu dado.
Sou um mero prisioneiro
Da imagem de que me abeiro.
Pano
De repente, a sensação
De contentamento, paz,
Vivacidade no chão
Do pé que o meu trilho faz:
Pano de fundo invisível
Sem o qual nada é exequível.
Simples
Sempre que houver gentileza
Como reconhecimento
Do valor e da beleza
Do simples deste momento,
Busca a origem da vivência
Em ti, não de ti na ausência.
Silêncio
Em boa triagem,
Silêncio de Deus
É de Deus linguagem,
Linguagem dos céus.
Tudo o mais, então,
É má tradução.
Consoante
O que é bom e verdadeiro
É o que me exprime do fundo,
Consoante dele me inundo
Numa sintonia inteiro,
Seja em que domínio for,
Com o meu fito interior.
Envolve
Meu propósito exterior
Envolve sempre o futuro,
Seja lá eu o que for.
Mas é sempre o que inauguro
A partir daqui agora
Que sou eu a ser na hora.
Sabedoria
Se já não se identifica
O ego com o retorno,
A velhice então se aplica
Da sabedoria ao forno:
Para o íntimo abertura
Tudo então se lhe afigura.
Encéfalo
Sofre o encéfalo lesões:
É perdida a consciência?
A consciência corrimões
Não tem é dele na ausência.
A Consciência não tem perda:
Toda ela o Cosmos herda.
Curador
Curador espiritual
É quem gera consciência
Em qualquer rotina actual,
Na interacção com sapiência
Ou por tudo promover
O mero facto de ser.
Momento
Nada nos vai libertar.
É só o momento presente
Que posso nas mãos tomar,
De Céus semear-lhe a semente.
Se for isto o meu agir,
O novo mundo há-de vir.
Todos
Todos os corpos de dor
E dos eus toda a unidade
Se interligam, como a impor
Que Um são todos de verdade:
Todos influem em todos
De subliminares modos.