A  LEVEZA  DA  ALEGRIA

 

 

 

Encontram-se

 

Um viúvo e uma viúva

Encontram-se no septuagésimo

Jantar de turma. É uma chuva

De afectos, nem no vigésimo...

 

No fim da noite pergunta,

A chama do amor acesa,

Ele à colega ali junta:

“Casas comigo, princesa?”

 

Responde ela:”claro, quero!”

De manhã, porém, o velho

Acorda mui preocupado:

“Foi sim ou não?...” E, sincero,

Excomunga o destrambelho

De esquecer tão nobre dado.

 

Liga-lhe a ela e pergunta:

“Disseste-me sim ou não?”

“Foi sim!” E logo ela ajunta:

“Telefonaste. Que bom!

 

É que eu já desesperava

E sem nenhum resultado:

Bem tentei, não me lembrava

De quem tinha perguntado...”

 

 

Galáxia

 

É uma galáxia de estrelas

A melodia de ouvir?

São buraco negro aquelas

Que não são de repetir.

 

 

Deveras

 

Tudo quanto não sabemos

É deveras espantoso.

Mais espantoso é o que cremos

Que sabemos e é um gozo

Descobrir quanto lá erremos.

 

 

Lixo

 

Nesta vida não há santos,

Em política, inda menos,

Mas o lixo, pelos cantos,

Embora em montes pequenos,

Quer ao mundo vir propor

Um degrau: trepa melhor.

 

 

Algo

 

Se algo quer que seja dito,

A um homem é de acorrer.

Se for ser feito o quesito,

Então recorra à mulher.

 

 

Ideia

 

Nunca resistir

A uma ideia nova

É o melhor conselho.

Quem vai desistir

De fazer a prova

Dum bom vinho velho?

 

 

Dono

 

O dono do cão gostava

Que o seu cão fosse pessoa.

O do gato meditava:

“Devir gato, coisa boa!”

 

 

Copo

 

Um copo que é meio cheio

É um copo meio vazio?

Distingues pelo recheio

Quem a vasilha só viu?

 

Qualquer criança repara

Que sempre cheio é o que encara:

 

Metade líquido em baixo,

Metade ar que em cima encaixo.

 

 

Tarzan

 

Quando andamos rodeados

Do Tarzan e alguns macacos,

Bons do Tarzan são os dados;

Dos macacos, nem os cacos.

 

 

Toutiço

 

Quem usar a brilhantina

A brilhar toutiço adiante

Compensa de dentro a sina

Nada ter por lá brilhante.

 

 

Batata

 

A batata é uma excelente

Comida que me alimente.

Mas comida todo o dia

Muito depressa enfastia.

Assim é com quanto é bom

Quando lhe exagero o tom.

Quem é só bom, adivinho,

Não é um anjo, que é um anjinho!

 

 

Alimenta

 

Alimenta o consumismo

Nas coisas não me encontrar:

Como não preencho o abismo,

Toca a comprar, a comprar!...

 

 

Identifico

 

Se me identifico às coisas,

Às coisas crio um apego.

Se obcecado nelas poisas,

Já ninguém tem mais sossego:

 

Progredir é consumir

Mais e mais, sem mais parança...

E a doença quem não vir

Ser economista alcança:

 

Crescer é tão obsessivo

Que o mundo, se regredir,

Ainda é conseguir

Crescimento negativo!

 

 

Rende

 

Nem só o bonito equipara

O corpo àquilo que ele é.

Muito doente repara:

Doença rende rapapé.

Então se agarra à maleita

E até curar-se ele enjeita!

 

 

Nomes

 

Chamar nomes é uma forma

Bem rude de rotulagem,

Ego que se não conforma,

Quer triunfar na pesagem,

Contra o outro ter razão,

O filho da mãe, cabrão!

 

 

Queixar-se

 

Meu ego quer-se queixar

E não quer que nada mude

Para poder continuar

A queixar-se a quem ilude.

 

 

Normal

 

Normal, em nosso planeta,

Se for sadio, é mui pouco.

Se é o que comum se detecta,

É o ego: o normal é louco.

 

 

Diabo

 

Com o diabo me concerto

Mais o inferno que me traz:

É que eu prefiro estar certo

Muito mais que estar em paz.

 

 

Super-homem

 

É o homem do super-murro

O super-homem da América.

É sempre o do super-zurro

Da burrice mais histérica.

 

O super-inteligente,

O do super-amor ético,

O super-criador fremente

Só imagem são do hipotético?

 

E o que a fronteira da morte

Cruza e os dois lados funde?

Finda entregue à sua sorte,

Que o medo ali nos confunde...

 

E o que tele-comunica

Sem requerer mediador

Pelo descrente ali fica

Na valeta do bolor.

 

E o que fala aos animais

E a resposta lhes acolhe?

Às gargalhadas zurrais

Como os bêbados no molhe!

 

- Hilariante, a humanidade

Sempre na corrida ao oiro,

Com seus cascos de verdade

Pisa, sem ver, o tesoiro.

 

 

Pensamentos

 

Pensamentos negativos,

A questão não é pará-los,

É que os quero recidivos,

Toda a vida a dar-me estalos.

 

 

Três

 

Três formas tem o meu ego

De confrontar o presente:

Meio, obstáculo ao sossego,

Inimigo à solta à frente.

Com qualquer destas aduelas

Dá-me cabo das costelas.

 

 

Doença

 

Tanta negatividade!

É a doença do planeta:

Só traz infelicidade

A quem mamar em tal teta.

 

 

Deus

 

O fanático

Tem à beira,

Muito prático,

Deus na algibeira.

 

Mais que toledo,

É um deus de brinquedo.

 

O fanático é que não é para brincadeira...

 

 

Desligo

 

Ver televisão

Pode ser mui relaxante:

Desligo da minha mente o botão,

Deixo-me ir corrente adiante.

 

Nunca, porém, por tal caminho

Crio lonjura interior:

Não sou eu que no cadinho

Depuro a escória que for.

 

A minha mente não gera

Nenhum pensamento ali

Mas doutrem acompanha a esfera

Que ele configure em si.

 

É com mente colectiva

Que penso quanto ali se arquiva.

 

Portanto, a mente não pára,

Pensa o pensar doutra cara.

 

Assim, pois, se manipula

A pública opinião,

Prato pronto para a gula

Do político, do patrão

E que o publicitário

Usa como breviário.

 

É um estado de inconsciência

Receptiva

Em que doutrem uma providência

Por minha tomo e me motiva.

 

Que doutrem o pensamento

Se torne meu

É o que ele quer, de momento,

E o que em regra me ocorreu.

 

Caio abaixo da mente

Ao ver assim televisão,

Inconsciente

Rafeiro da trela doutrem à mão.

 

 

Intuito

 

Procuro o telecomando,

O intuito é de desligar.

Uma hora após, vou mudando

De canal e sem parar,

Não do que é bom que irão dando,

- É só de nenhum prestar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ÍNDICE

 

 

O Povo Leveiro

 

O Carrego Arriado

 

Ao de Leve

 

O Pesado Fardo

 

A Distante Leveza

 

Alijar o Fardo

 

A Leveza Subtil

 

Do Fardo à Leveza

 

O Fardo Ancestral

 

A leveza da Alegria