TRILHOS  EM  CONTRAMÃO

 

 

Aluno

 

Dum mestre o aluno

Que mestre do mestre não fica,

Lado a lado coaduno

Com um porta-moedas de pelica:

O dinheiro que ali reúno

Esta chave o autentica:

- É um péssimo mealheiro aquele aluno!

 

 

Quem

 

Que diremos

Para alguém

Que não sabemos

Quem é, quem,

Nem como, sobretudo,

Mas que vislumbremos

Que pode ser tudo

Que eternamente quisemos?

 

 

Crescer

 

Crescer a pensar

Pode ser

Para não olhar,

Para não ver.

 

A dádiva disto, o presente

É impedir de ver

O que estiver à frente.

 

Para não ter de viver,

- Para não ser gente.

 

 

Apesar

 

Apesar de tudo, amar,

Viver,

Sentir,

Arriscar,

Querer,

Insistir,

Crer,

Ir,

Ser...

Apesar de tudo: o conselho

Que o novo tira do velho.

 

 

Morte

 

Se a morte existira,

Fora a vida continuar

Depois que o sonho se delira.

O sonho findar

E ninguém na moradia

Vazia,

Vazia da pessoa.

E ninguém com a energia

De desligar

A ficha do candeeiro que destoa.

 

 

Conta

 

Não é o golo que conta,

O que conta é o que ele traz,

O que oferta aonde aponta,

A adrenalina que faz,

A felicidade quase

Da nova fase.

 

Nada é mais infeliz

Que um golo que não traz,

De raiz,

Felicidade atrás.

 

Nada mais vazio

Que um golo que abolorece

No frio

Duma veia que não aquece.

 

 

Abraços

 

Abraços,

Aquele além

Em que ninguém sabe de quem

São os braços.

 

Apertado e apertador

Em percentagem igual,

O abraço foi a melhor

Maneira natural,

 

A matriz

Sem par

De a ti próprio te abraçar

Quando estás feliz.

 

 

Precisa

 

Dum corpo quando se não precisa

É que um corpo se ama,

Quando não urge o tacto que avisa

É que urgente o tacto reclama.

 

Na véspera do desejo

É que os corpos farão sentido

E sentido devirão mutuamente vivido

No ensejo.

 

Do corpo não precisas,

Do corpo não preciso

E então,

Sem precisão,

É que deslizas

E deslizo,

Volitando,

Dos corpos precisando.

 

Teu corpo não quero

De teu corpo pela forme,

Não quero saciar, degustar, pelo mero

Desejo que me tome

E consome.

 

Quero teu corpo como palavra,

Como te quero,

Como tudo que és, a lavra

Que venero.

 

Não te quero pela fome,

Embora esfomeado de ti,

Quero-te por tua luz que me tome

E me jogue ao Infinito em que te vi.

 

 

Absurda

 

 

Há uma absurda felicidade

Em teu beijo.

Quero tua escravidão com a severidade

Com que sou teu escravo em meu desejo.

 

Quero tua demência

Porque já sou louco em ti,

Quero tua carência

Com a emoção com que em ti me fundi.

 

Quero em teu mar perder-me, gota

Que em êxtase por ti além se esgota.

 

 

Escapa

 

Tudo quanto vale a pena

Escapa ao entendimento.

Espreita, de repente, à empena,

Encontro-o no momento

E tenho de saber

Como o sentir, assimilar, absorver...

E é um tormento:

Não há como o entender!

 

 

Chega

 

Chega a hora em que é de desistir,

Em que desistir é um acto de coragem:

Assumir

A derrota.

Para salvar a frota

Na viagem,

Desistir e trocar de rota.

 

 

Pior

 

Pior é o instante de desistir.

Pior ainda, porém,

É o instante de o decidir,

O instante em que alguém

Se encorajou

E logra proclamar: acabou!

 

Pior que o instante em que acaba

É o instante que o decide.

Aí a dor assoma pela aba

E a derrota agride.

 

Pior que perder isto ou aquilo

É ser obrigado a decidi-lo.

 

 

Querer

 

Apenas entendes afinal não querer

O que sempre lutaste por atingir

Quando o logras mesmo ter

Real, à mão, não em sonho a iludir.

 

Aí findas a descobrir

Que qualquer meta, qualquer,

Sempre a fugir,

Há-de, no fundo, ser

A fingir.

 

 

Lindo

 

Ninguém que eu amo

É velho ou novo.

É apenas lindo – reclamo

E aprovo.

 

Alguém que eu amo

É alguém que eu amo apenas,

- Proclamo

Em todas as arenas.

 

E quem amo é o mais lindo do mundo,

O melhor...

- E é o mais elegante e profundo

Que o mundo me poderia propor.

 

 

Tocar

 

A tua mão,

Ao me tocar, leve,

Fez a respiração

Ter sentido, breve.

 

Respiro com sentido o ar

Só quando algo é tão intenso,

Tão denso

Que me impede de respirar.

 

 

Sabe

 

Sabe a amor

Quando entre nós e o mundo

Alguém vem, querido, se interpor,

Fecundo.

 

Sabe a amor quando o que vemos

O vemos com alguém:

Não vejo apenas Lua do mar nos extremos

Mas Lua com quem...

Nem há vento além

Mas vento e, ao lado,

Alguém por ele a ser sacolejado.

 

Quando amo, tudo é quem amo, sumário,

O resto é cenário.

 

 

Comem

 

Que os olhos comem também

São mentiras que consomem.

A verdade, porém,

É que os olhos comem.

 

O mais diria

Que é fruto da fantasia.

 

Na mesa e no amor

Tudo disto anda em redor.

 

 

Amar

 

Amar é ver noutrem o perfil

Que sentir nos faz por mil,

 

É não saber como é quem se amar

Para além de ser quem amamos devagar.

 

É olhar quem amamos

Com o traço

Com que olhamos

Um abraço,

 

Um afago,

Um prazer...

Olhar tão preciso e vago

Que nem precisa de ver.

 

Ver sem observar,

De olhos fechados.

O que vale a pena vemo-lo, singular,

Fechados os olhos, de iluminados.

 

 

Prémio

 

O amor é o único prémio

Que a vida tem a oferecer.

O resto é o grémio

Do que houver para entreter.

 

O resto são caminhos

Ao desatino.

No meio dos incontáveis descaminhos,

Só o amor é o destino.

 

 

Evento

 

O amor é o evento incomum

E sortudo

Em que deixamos de ser um

Para ser tudo.

 

Noutro qualquer

Me transmudo:

Apesar de tudo deixo de ser

Para ser acima de tudo.

 

 

Não

 

Quem ama não é o que é,

É o que o amor o deixa ser.

O amor suga, consome da copa ao pé,

Seca quanto lhe aprouver,

 

Devora, apaga a chama,

Para depois acender

O fogo que reclama

Quando muito bem quiser.

 

O amor faz finca-pé

No peito de quenquer:

O amor não é,

Obriga a ser.

 

 

Momento

 

Há um momento em que o amor

Alastra para o exterior.

 

É a vida do movimento,

Não apenas a do sentimento.

 

Há um lugar

Superior

Em que em vez de amor

Temos de amar.

 

 

Mata

 

O amor mata

Mas é a única vivência

Que vale a pena, na ocorrência

Da vida que se desata.

 

Por mais irracional,

Por mais injustificável que seja,

É mesmo por tal

Que o amor se almeja.

 

É que, se tem justificação,

Perdeu o valor:

Então

Já não é amor.

 

 

Herói

 

O que dum herói faz um herói

Não é aquilo que faz,

É o que sente e lhe dói

Quando atrás do que não lhe apraz.

 

Herói é quem,

Desfeito de medo,

Vai em frente e faz o que convém,

Na boca com o credo.

 

Se calhar geme,

Mas vai.

Treme,

- Não cai!

 

 

Bandoleiro

 

O amor é o maior bandoleiro

Que dentro de ti poderás ter.

Nada manipula mais que o amor verdadeiro,

Nada mais cruel que um amor a ser.

 

Nada mais chantagista que, ao vivo,

O amoroso furor.

Nenhum vício é mais vinculativo

Que o amor.

 

 

Vício

 

Um vício é uma quadrilha

Dentro em nós:

Quando entras, envencilha

E já não podes fugir, desatar os nós.

 

Quadrilha com um porvir

Sem desquite:

Tudo acaso te permite,

Menos sair.

 

 

Todo

 

O amor todo te dirige,

Conduz-te todo,

Exige,

Coordena-

-Te de modo

Que todo inteiro te condena.

 

Quando amas,

Amor é tudo o que és,

Todo tu feito chamas

É o que te é permitido de vez.

 

 

Ileso

 

Da chantagem como da vida

Ninguém sai ileso.

Igual é do amor a medida

E o peso.

 

Da chantagem como da vida

Ninguém sai.

O amor, mesmo levado de vencida,

Mesmo morto, nunca se vai.

 

 

Expectativas

 

Quem é comandado

Por expectativas

Continua a acreditar, enganado,

(Quando já nos mais tudo são notas negativas)

Que ao comando se mantém

Daquilo a que se atém.

 

Nenhuma decisão é, no fundo, decidida

Quando me meto à estrada:

Mentida,

Toda a decisão é já tomada.

 

Minha margem de disputa

É muito, muito diminuta.

 

 

Atingir

 

Quando logro atingir o que quero

Reparo que o não quero, afinal:

É que atingi já o topo mero

E então é de parar,

Pondero,

No meio do arraial.

Aí falta-me o ar,

 Aí não consigo respirar.

 

Ninguém se mata por não ter,

Mas por um dia ter tido,

Ninguém morre por não ser,

Mas por um dia ter sido.

 

Atingido o topo,

Qual doravante meu escopo?

 

 

Vemos

 

Vemos o que nossa expectativa

Quer que vejamos.

Quando algo nos efectiva

A prenda que buscamos,

Nada mais vemos, à partida e à chegada,

Que uma expectativa realizada.

 

E é tal o interdito

Que nem ouvimos o que então for dito.

 

Por aqui, a consolação

Tem nela o germe da desilusão.

 

 

Pobreza

 

Pobreza é todo o caminho

Ir dar

Ao mesmo lugar:

É o terreno maninho.

 

Não é o que és

Que é na vida de reter,

É o que podes vir a ser

De lés a lés.

 

Não és o que tens ou sentes, sem porvir,

És o que podes vir a sentir.

 

 

Morrer

 

Morrer não é haver outro espaço

Onde imprimirmos o passo.

 

Morrer é viver noutra condição

Este mesmo chão.

 

Pode ser, aliás,

Viver muito mais.

 

A morte ocorre no aquém

Quando alguém fica contentado com o que tem.

 

 

A vida é tudo em todo o lugar,

Menos contentado ficar.

 

Entes

Limitados,

Podemos estar contentes,

Nunca contentados.

 

O contente quer mais,

O contentado

Ficou saciado

Para andanças que tais.

 

 

Verdade

 

A verdade não custa,

Custa é apagar

A mentira que usamos colocar,

À justa,

Como defesa,

Sobre ela,

Tornando-a indefesa

Cadelinha à trela.

 

O que nos leva a ir

Da zona de conforto

Desconforta, a seguir,

E não queremos trocar de porto.

 

De êxtase nenhum momento

Desejável

É, porém, alimento

Confortável.

 

 

Dentro

 

Só o que ocorre por dentro,

No mundo interno,

Na fundura do centro

- É eterno.

 

Só há lonjura entre nós

Para haver espaço

Após

Para um abraço.

 

É de tal sorte

A amizade pura

Que é como a morte:

Para sempre dura.

 

 

Entenderão

 

Um dia todos entenderão

Que o espaço,

Entre um e outro o desvão,

É para o abraço

Que trocarão.

 

Só há espaço

Entre dois

Para o lugar do abraço

Depois.

 

Todo o espaço é o lugar

Do abraço por dar.

 

O espaço em branco que advier

É um abraço por oferecer.

 

 

Génio

 

Génio não é o que cria

Obras-primas, é o que as vive.

Faz da vida, com ousadia,

A obra mais brilhante

Que dele derive

Infinita a cada instante.

E o talento supremo da genialidade

É a felicidade.

 

 

Vício

 

Se a felicidade é um vício,

A infelicidade alheia

Ainda o é mais.

Para quem da vingança quer algum resquício

O maior vício que lhe ameia

Não é sentir-se feliz entre os demais,

É muito mais

A infelicidade doutrem sentir

A vir, a vir, a vir...

 

A quem à vingança se dedica

Nenhuma felicidade se lhe aplica.

 

O vingador não é feliz,

Foi arrancado,

No prado,

De raiz.

 

 

Matar

 

Matar uma derrota

É não vingá-la

Abandoná-la

Na lota,

Sem lhe mexer,

Peixe morto a apodrecer.

 

Vai ficando para trás

A ressequir com o pó,

Até de vez fenecer.

Ficarás

Com a recordação só,

Não com o imenso buraco

Que em teu peito,

Feito

Um caco,

Escava, fazendo gala,

Quando pretendes vingá-la.

 

 

Desforra

 

Não há desforra.

Quanto mais a tentas,

Mais aforra

A perda que tiveste

Em novas derrotas cruéis e lentas

Que teu dia reveste.

 

Se não digeres

E não vais em frente,

Se não queres

Soltar-te, de repente,

Então perdeste,

Da vida no jogo, mais este.

 

Perder não é derrota que te dão.

Voraz,

É derrota que, por tua mão,

Te dás.

 

 

Vitórias

 

Por mais vitórias que alardeies,

Se as lograste para vingar a derrota

Estarás sempre, no que saboreies,

A saborear a azeda compota

Da derrota.

E nem sinais

De qualquer outra coisa mais.

 

Pode ter outro nome,

Até simular a luz duma lanterna

De furtacores,

Em tua fome

A iluminar outros sabores,

- Mas é a derrota eterna.

 

 

Mascarada

 

Desforra é a derrota mascarada.

Se a derrota hoje te brada

 

E o resto da tua vida

É a desforra perseguida,

 

Sentirás, ao correr de teu intento,

Da derrota o sabor nojento.

 

A derrota esticas,

Levando-a contigo em teu inferno.

De vez derrotado, ficas

O derrotado eterno.

 

 

Incluída

 

Uma vitória incluída na vingança

É pouco feliz.

Quando muito, alcança,

Na contradança,

Ser menos infeliz.

 

Nunca perderá o sabor a derrota,

Derrota que a vitória pretende apagar

Indefinidamente

Da rota

Que não segue em frente.

 

Nada irá eternizar

Mais uma derrota que nos abala

Do que tentar

Constantemente

Desforrá-la.

 

 

Reinventa

 

Qualquer arte reinventa a realidade,

Da realidade trepando aos céus,

Para voltar, límpida e polida como jade,

Mais fascinante que os mais altos coruchéus.

 

E é o inferno que a alimenta,

Parto sofredor:

O que a acalenta

É do Infinito a dor.

 

 

Mãos

 

Mãos de artista, mãos alugadas

A ninguém.

Qualquer arte tem direito de fruir das dedadas

Que elas têm.

Sempre que ela quer, a magia

Vem

E cria.

 

Lama

 

É chafurdando em lama

Que atingirás alma,

Melancolia é a cama

Do estado criativo que te acalma,

Um estado feliz

Na dor,

Por mais infeliz

Que seja o criador.

 

 

Entranhas

 

O artista não vê as entranhas,

Tem de sê-las.

Tem de as sentir, tocar com as mãos tacanhas,

Saber a que sabe o lodo e as estrelas.

 

Tem de as ser,

Saber o que elas são

E, no que elas são, renascer

Entranhado na lama do chão.

 

Corriqueiras ou estranhas,

Não é sobre as entranhas

Que ele se pronuncia.

Furando além das inúteis banhas,

Ele cria

As entranhas.

 

 

Vêem

 

O que os olhos não vêem,

Que os ultrapassou,

É sobre o que escrevo aos que lêem

E nem crêem

Que algures se comunicou.

 

Ler,

Só o que não se pode ver.

 

Criar pode doer

E dói,

Senão não é criar, é fazer.

E o fazer apenas mói.

 

 

Imaculadas

 

Se tens as mãos imaculadas, as mãos,

Por mais que teu suor

Encha de cimento teus desvãos,

Então não é amor.

 

Amor é andar a caminho

Com o pó e o suor da estrada

A enlamear cada pegada

À medida que me avizinho.

 

 

Acena

 

Quando por todo o lado

Tudo te acena:

“Fica descansado,

Que vai valer a pena”,

Seja lá qual for

O horror,

- Então, entranhado,

É amor.

 

 

Lugar

 

Colocar quenquer

No lugar

De quem se quer

É alagar

O território vago, assim,

Por dentro de mim.

 

Nenhuma lâmpada é de trocar pelo sol

A germinar o arrebol.

 

Depois quenquer vai

E quem se quer fica,

Nunca mais sai,

Sempre ali à bica,

 

Mesmo quando sei lá bem quem é,

Como nem quando for,

Que tamanho e nome tem de fazer fé,

Que vícios ou virtudes vem propor...

 

Fica

E tudo então se nos complica.

 

 

Condensa

 

“Tens a tua vida e eu a minha”

- Todo o desamor ali condensa.

Quando se ama é nossa das horas a gavinha,

Em teu e meu já ninguém pensa.

 

Tudo é nosso,

O mais são restos

Que não remoço

Em meus aprestos.

 

Quando se partilhar uma vida

Nunca haverá duas, em seguida.

 

 

Orgasmo

 

O orgasmo é o juiz do mundo,

O mais infalível.

Depura, joeira, exige, facundo,

Ingerível.

 

Tal se fora requerido,

Trepa ao topo da montanha

Para descobrir quem nos é querido

E ganha

Ser quem à base nos acompanha.

 

E depois cumpre de novo o escopo

De trepar até ao topo.

 

 

Custa

 

O que mais custa não é magoar-me

O que isto dói:

Não doer é o que mais talvez desarme,

Não sentir nada é que mói.

 

Cruzaste por mim tal se nada ocorrera:

Já te foste

E nem um cheiro, uma gavinha de hera,

Uma palavra, um olhar em que aposte...

 

Cruzaste por mim na curva da estrada

Tal se eu não fora nada.

 

 

Depois

 

Amar um corpo sem haver depois

É uma entrega ao esquecimento,

Preferir mexer a dois

Só para não parar um momento.

 

E só depois entender

Quão diferente é o movimento

De apenas andar a mexer.

 

Se não mexer tudo,

Do cabelo

Ao nervo por baixo da pele

E do pêlo,

É que me iludo

E continuo parado

A meio de quanto me impele,

Ali posto de lado.

 

 

Após

 

Após o orgasmo

Cai de podre o que não dá frutos.

Após um tem de haver outro, de pasmo,

Ou não houve um sequer, se não germinar produtos.

 

Houve um simulacro,

Um arremedo de cataclismo,

Sem o apelo sacro

Do abismo.

 

Só depois do orgasmo

Orgasmo acontece,

Quando me pasmo

Com o que oferece.

 

Só depois da obra vem a coda,

Inteira a sensação,

A vida toda

De supetão.

 

Se não valeu a vida

Em inédito pleonasmo

Erguida,

Não foi deveras orgasmo.

 

 

Milionário

 

O milionário é imbecil

Se usa o dinheiro

Ou é infeliz, se no carril

De ser dele usado o dia inteiro.

 

Ou escraviza

Ou é escravizado.

Fugir ou morrer é o que giza,

Não há escolha noutro lado.

 

O que lhe resta

É escapar de vez ao que de nenhum modo presta.

 

 

Momento

 

A vida vale o momento

Em que foges dela,

Em que logras evadir-te a contento

Para o limbo duma estrela,

 

Sobre o horto

Que olhas da janela,

Em que não estás morto,

Embora morto para ela.

 

Morto de prazer e enredo,

De adrenalina e verdade,

Morto de medo,

Morto de ansiedade.

 

- Aí, vivo,

É que tudo vale, furtivo.

 

 

Dinheiro

 

O dinheiro liberta e prende,

Em dose igual,

Na dor igual que contra nós contende,

Em estilhas iguais, fatal.

 

Se não usado para fugir,

Então é para agarrar,

Sitiar,

Refugiar

Do que vier a seguir.

 

O viciado em dinheiro

É dele prisioneiro.

 

Se não é para se escapulir

Quenquer,

O dinheiro há-de servir

Então para prender.

 

 

Atingiu

 

Quem atingiu tudo o que quis

É tão falhado

Como o que tudo falhou, por um triz,

Em todo o lado.

 

Uma vez todo o matiz

Alcançado,

Finda parado,

- É um infeliz.

 

 

Limite

 

Se andas a milhas do limite, andas morto.

Se no limite, morto andas.

Viver é o perene desquite

De equilibrar-me nas andas

Da balança instável

Do quase.

 

Nunca estamos lá,

É sempre na fase

Insuperável

Do quase-limite que nunca aqui está.

 

Parece agora

E afinal agora é nunca.

Esta demora

É que de vida a vida junca.

 

 

Isola

 

A maior maldade

Da mediocridade

 

É que isola os capazes

Do rebanho com as tenazes.

 

Os que valem a pena

Comprime-os e condena

 

A não terem voz,

Um balido entre mil após.

 

Por mais que se ergam, ninguém os descobre,

Perdidos no redil

Que os encobre,

Onde quanto não é vil

Entre ruídos mil

Sossobre.

 

 

Píncaro

 

Quem é o píncaro da felicidade?

Quem sonha outrem ser

Ou outrem que é o sonho da humanidade

Sonhado por quenquer?

De que vale o sonho feito realidade?

 E a realidade que vale

Sem sonho a que gradualmente se iguale?

 

 

Tamanho

 

O amor é do tamanho de tudo

E nem sequer tem tamanho.

Quando alguém o logra medir, contudo,

Não é amor, é um arreganho,

 

Um amor de trazer por casa:

Tem paredes incluídas,

Na lareira tem carvões,

Extinta a brasa,

Tem divisões

Erguidas,

Tem fronteiras por dentro

E ninguém ao centro.

 

O amor não tem fronteiras

Nem métricas fitas,

Com o amor não te limitas

Vidas inteiras,

Mesmo quando aos portões

Houver limitações.

 

Não há muros

Mesmo onde houver diferenças,

Não há silêncios nas sentenças

Mesmo onde houver mágoas e apuros.

 

Há o infinito alcance

Para onde quer que me lance...

 

Densidade

 

Falta densidade

Ao mundo,

Falta profundidade

Ao fundo.

 

Falta quem pense

Antes que um acto o condense,

 

Que se disponha a reflectir

Antes de agir.

 

Agir é que faz tudo ocorrer?

É o preconceito de quem não quer

 

Uma estratégia estruturada,

A única que abre os portões de entrada.

 

Sem tal, prosseguir

É pior que não agir.

 

 

Dobrar

 

Amar é sempre a dobrar,

Nada curva mais que amar.

Agonizado de felicidade,

Encontro-me comigo

Ao centro de mim.

Ir ao centro requer flexibilidade

Tão sem abrigo,

Tão sem fim,

Que não é para quenquer,

Apenas alguns eleitos a logram ter.

 

Quem, pois,

Quem um fará de dois?

 

 

Crescer

 

Crescer, que a rebeldia

É muito pouco.

Viver cada dia

Como o derradeiro

É dar um louco

Aval

A uma tristeza sem igual.

 

Cada dia é o primeiro,

Com projectos, planos e caminhos.

Aos poucos armam-se os ninhos:

Aí, então, iremos rebelar-nos

E, nada maninhos,

Revelar-nos.

 

 

Perder

 

Perder obriga a levantar,

Inquirir e encontrar.

 

Perder encontra o que ganhar perde:

Ganha aquilo que o ganhar, no que herde,

Afinal perde.

 

Tudo de bom que perder traz

Só o grande vencedor dele é capaz.

 

É tão útil a derrota

Que vencer é o momento em que entendes

Que o vencedor é aquele cuja cota

Mais vezes somou derrota

- E aí te rendes.

 

 

Lágrimas

 

As lágrimas valem o peso em liberdade,

Em lágrimas se mede a vida.

Quem nunca chorou de verdade

Nasceu morto, a bandeira no chão, vencida.

 

Poder chorar

É poder continuar.

 

Lágrimas que pelos dias deslizas

São de alma teu limpa-pára-brisas.

 

 

Aprender

 

Aprender a sofrer

É aprender a viver.

 

Suportar, tenaz,

O sofrer que viver traz.

 

Suportá-lo é ficar pronto a colher

Tudo o que não seja sofrer.

 

Então o que presta

- É a vida em festa!

 

 

Seguro

 

Sofrer pelo seguro,

Eis o guião para todas as vidas.

Todo o sofrimento que apuro

Merece seguranças garantidas,

Um chão regular

Para poisar.

 

Importa aprender a sofrer

E, por fim, saber

 

Sofrer puro

Para jogar pelo seguro.

 

 

Tolo

 

Só um tolo ama acima de tudo,

É tonto.

Mas talvez só o tonto, contudo,

Viva acima sobretudo.

Só ele há-de estar pronto,

À altura

Que viver acima de tudo

Configura.

 

 

Tretas

 

Não tretas, mas actos,

Que minha fé opere mais que o nada,

Mais que o que já fiz de ritos exactos,

Que me leve a alguma pousada!

 

Que me tire deste jejum

No meio do prado,

Que me leve a algum lado,

Nem que seja a lado nenhum!

 

 

Encaixotar

 

Encaixotar a vida é entender

Que o que importa

Em caixas nunca irá caber.

Colocar a vida à porta

Entender é também

Que apenas o que não é desejável

Para ninguém

É na vida encaixotável.

 

 

Erguer

 

Para alguém se erguer

Não precisa de se dobrar,

Muito menos de cair do lugar,

Basta ceder no dogmatismo, ceder.

 

Uma leve cedência

E ei-lo a levitar

Sobre a credência,

O mundo inteiro a contemplar.

 

 

Ceder

 

Ceder para não desistir

É a resistência a crescer.

A força, aos poucos, sentir

A voltar a nascer.

Ceder, não como norte,

Como suporte

Para resistir.

E ir.

 

 

Revoluções

 

Todas as veras revoluções

Começam num “eu cedo”

E aí começam os heróis,

Mantendo renovado o credo.

 

Nenhum herói diz “eu caio”

Ou “eu me entrego”.

Ceder é resistir quando saio,

A coragem de manter raiz no apego.

 

Muitos são capazes

De mudar o mundo por aí.

Muito poucos, porém, são verazes

A mudar-se a si.

 

 

Território

 

O amor é um território

A que só trepa quem ama.

Embora o amado seja um simplório,

A mais vil das criaturas,

Quem o amar nele aclama

O píncaro das alturas.

Será sempre, dele na chama,

O inefável a quem ama.

 

O amor

É do Todo-Poderoso

O instaurador

Dos arrebóis:

Apaga com gozo

O antes e o depois.

 

 

Bom

 

Ser bom é também

Amar sem olhar a quem,

 

Pronto estar sempre para amar,

Pessoa, animal, objecto, terra e mar...

 

Sem medo de ser demais,

De poder doer,

De poder acabar nos tremedais.

Amar sem mais

E ser.

 

 

Futuro

 

O futuro do mundo

Depende de encontrar um cão, um gato perdido...

O futuro depende, fecundo,

De encontrar todo o caído,

O excluído.

 

E do fundo

Havê-lo erguido.

 

 

Doente

 

O mundo só pode estar doente

Quando um cão abandonado

O não faz parar, de ausente,

Quando um cão morto o não houver travado,

De repente,

Em estado

Consciente.

 

 

Mendigo

 

O mendigo,

De bolsos cheios agora,

Vai embora.

Vira costas, já não quer nada comigo.

 

A rua em que ganha a vida

É a rua em que a vida ganhei:

Não foi da nota em meu trabalho recebida,

Foi da nota que lhe dei.

 

Ganhei o dia, após o amanho,

Dando, como o dia deve ser ganho.

 

Se ganho dando todo e cada dia de suor,

Então é amor.

 

 

Fome

 

Um abraço com fome

É fome sem abraço,

É fracasso que se come

A meio do cansaço.

 

Do fracasso da fome para além,

Quando há fome que não come,

Tudo ficas aquém,

Por detrás da fome.

 

Nenhum amor resiste

Quando a fome persiste.

 

 

Bom

 

Ser bom,

Além de não magoar,

É também conseguir olhar

Quando o mais fácil é não.

 

Abrir os olhos

Quando fácil é fechá-los.

Ser alguém sem antolhos,

Entender que, se anda à frente dos olhos,

Sejam quais forem os abalos,

É para ser visto,

Cancro seja embora ou quisto.

 

Um homem como eu

E quase lhe sinto o medo sob as veias,

A dor por debaixo das ameias

Do castelo que ruiu.

 

Quase lhe vejo, sem ter de comer,

A família a doer.

 

 

Demais

 

Não há coisas boas a mais,

O bem demais não existe.

Problema é quem não tem coisas tais

Que aliste.

 

Nem casa, nem pão, nem água,

Nem felicidade

Que mesmo por momentos quebre a mágoa

Da inacessibilidade.

 

O problema que arranha

É quem não tenha.

 

 

Diferença

 

A injustiça

Fatal

Da diferença é que a diferença se enliça

No que devia ser igual.

 

Entre iguais como os humanos,

A diferença no essencial

Não devia nunca ser esta base de enganos

Universal.

 

Primeiro, comida

Casa,

Bebida...

Depois, debaixo de tal asa,

As diferenças

De mil e uma sentenças:

 

As que valem a pena,

Que enricam a diversidade,

Que dão cor a cada cena

Da comédia da Humanidade.

 

 

Sonhador

 

Sonhador sem eira nem beira,

O sonho é o mais grácil espaço

Daquilo que faço

Na minha esteira.

 

É o que me leva a andar,

Por ele me mexo e luto,

Insisto e persisto em avançar,

Não desisto até ao fruto.

 

Sou um sonhador

Da verdade

Que é o mais lindo teor

Da fugidia realidade.

 

Por mais que seja inapto,

É pelo sonho que a capto.

 

 

Tenho

 

Tenho tudo o que quero.

Quem tem tudo e busca mais

É um zero,

Embora o elevem a cumes geniais.

 

Quando temos tudo,

Tudo o mais que em redor fica na estrada,

Aquém ou além, é, sobretudo,

Nada.

 

 

Muito

 

Entre ter muito dinheiro

E ter muita felicidade,

Quando me inteiro,

Não há nada, na verdade.

 

Os melhores momentos da vida

Ocorrem quando pouco ou nada

Na carteira convida

A festa pegada.

 

A importância do dinheiro

Afinal é um peso,

Quando dele me abeiro,

Ileso,

E debaixo dele fico soterrado,

Por todo o lado

Preso.

 

 

Acima

 

Acima da felicidade não há nada,

É o vazio.

Não quero mais que o que tenho em cada jornada

E confio.

 

O verdadeiro engenho

Com que vida fora vou

É desfrutar apenas do que tenho

E sou.

 

 

Desafio

 

O grande desafio é ser feliz.

Quando me levanto,

Tudo o que quis

Do dia em todo o recanto,

Na fruta dos meus quintais,

É ser feliz e nada mais.

 

É que mais não existe,

Ser feliz é o topo da fasquia,

A maior riqueza que persiste

Em cada dia.

 

 

Feliz

 

Feliz de quem logra encarar

Cada vitória e cada derrota

Como constituintes naturais, a par,

Dele próprio na própria rota!

 

Profissional

Derrota ou vitória,

Ou pessoal,

É igual a memória

E a glória.

 

A capacidade

Construir do imo por dentro,

De à felicidade ou infelicidade

Relativizar,

Enquanto vida além me adentro,

Sem deixar

De fruir

De quanto delas puder extrair.

 

 

Sozinho

 

O psicólogo é o deleite

E o carinho

Comunitariamente bem aceite

De andar sozinho.

 

Quando queres e não tens força

De andar só, dado o abalo,

O custo apenas orça

A procurá-lo.

 

Perito em estar calado,

Perito em ouvir

O fundo dorido de teu brado

Antes de seguir,

És tu a te quereres discernir.

 

 

Conhecer-me

 

A mim próprio conhecer-me

Era o mais assustador

Que poderia ocorrer-me.

Há que fugir de mim um ror

 

Não vá mesmo acontecer

Que, por má sorte,

Venha demais a saber

O que sou e o que transporte.

 

 

Sozinho

 

Andar sozinho, a melhor maneira

De fugir à solidão.

Só comigo, comigo à beira,

Ouvindo o que houver a dizer em meu serão,

Tocando com minha própria mão

O próprio medo,

A própria frustração,

O ponto negro em que cedo.

 

Solidão é incapacidade

De andar sozinho,

De nos sentarmos ante nós de verdade,

De olhar, dizer e mudar água em vinho.

 

Dizer o que é de dizer,

Fazer o que é de fazer.

 

Sem fugas, sem os mais:

Os outros são forma de evitar-me e a meus sinais.

 

Andamos por ali, à volta de nós,

Acreditando, para não doer,

Que noutrem é que andam os nós

Por resolver.

 

Ligeiramente doutrem perto

Leva-nos a crer

Que fora de nós decerto

Andaremos a viver.

 

Mas não, andamos sempre cá dentro,

Nem sequer existe o fora

Para mim que ando em meu centro

Perenemente em cada agora.

 

Quanto mais ando para fora de mim,

Mais para dentro de mim ando,

É o espelho sem fim

Em que me demando.

 

Quão mais de mim saio,

Tanto mais em mim entro,

Quão mais me traio,

Mais me centro.

 

De mim fugir, por invivível,

É definitivamente impossível.

 

Estar sozinho é a cura

Dos problemas que consomem

O homem

Que procura.

 

 

Tudo

 

Ninguém merece ter tudo,

Ter tudo é de celebrá-lo,

Milagre que é, sobretudo,

Raridade de enorme abalo.

 

Um dia a porta tranca a aldraba

A graúdo e miúdo.

E ter tudo acaba

E acaba tudo.

 

 

Desvalorizas

 

Quando tens tudo,

Tudo desvalorizas,

Crês que é teu agudo

Estado natural.

E ajuízas

Mal.

 

Dás nisto o passo primeiro

Para breve o derradeiro.

 

 

Círculo

 

É um círculo o amor:

Quão mais longe chegas,

Mais perto de ao princípio te sobrepor,

Quão mais longe te apegas

Mais perto de não ter saído

Do lugar vivido.

 

Já lá estiveste,

Já lá foste,

Embora aposte

Que nem te mexeste.

 

Para cúmulo do chiste,

De entrada

Sabes bem que mais existe:

- Que não existe mais nada.

 

 

Perfeição

 

O amor é a estrutura social

Mais próxima da perfeição.

Uma comunidade com o amor como axial

Seria sem mácula então:

Ninguém, de futuro,

Ficaria seguro.

 

Todos teriam, a toda a hora,

De transformar com todo o fervor,

Desde agora,

 Amor em amor.

 

 

Cria

 

Nenhuma ideologia cria ninguém

Mas alguém cria a ideologia.

Nenhuma aparência cria também,

Alguém cria a aparência, todavia.

 

Não é um curso ou profissão

Que modela uma pessoa,

É uma pessoa que, à toa,

Os modela ou não

Rente ao chão.

 

Não é a mentira

Que ganha as eleições,

Sempre na mira

Do que de melhor em ti ecoas

Nas ocasiões.

Não é a mentira, são as pessoas.

 

 

Toca

 

No que toca

Ao amor,

Não pode dizer-se

Senão boca a boca,

Tal o calor

Que exerce.

 

Quanto mais por telefone!

Aí fica o mundo insone...

 

 

Incondicional

 

Para amar, a condição

É ser incondicional.

Somos capazes de amar sem paredão

Nem separador portal.

 

Estamos do mundo no confim

Para ensinar o amor.

E assim,

Ensinando o amor, fecundo,

Podemo-nos propor

Ir mudando o mundo.

 

 

Mudar

 

Quando mudamos de amor,

Mudar o mundo é de meninos.

Ante a dor

Que é que importam os destinos?

 

É uma dor

Dentro da qual ficarei mouco.

Depois de morrer o amor

Até o mundo sabe a pouco.

 

 

Médico

 

Se médico nenhum

É capaz de o extrair,

É o amor, o comum mais incomum

A seduzir.

 

Todo o lugar onde fomos felizes

Entristece

Quando nas matrizes

Fenece.

 

Nada mais triste, maninho

Nos gramados,

Que um lugar sozinho

Onde fomos acompanhados.

 

A cada jorna,

O ganho que nela fiz.

Nunca ninguém retorna

Onde foi feliz.

 

 

Pior

 

O pior da vida é saber

Que não há tempo que logre apagar-te.

Vou para longe a correr

E comigo te levo, dentro a acartar-te.

 

O pior é que vives onde vive

O que nunca acaba,

Não há esquiva que me esquive

E tudo te gaba,

 

No pior consistes:

- Saber que tu existes.

 

 

Continua

 

O pior da vida é que há os teus braços

E tu continuas e continua a vida

E não há o que nos fomos em nenhum dos traços,

Não há os abraços

Que curavam cada ferida.

 

Existes, eu sei,

E já não podemos ser o que não fomos nunca.

São pétalas mortas do jardim do rei

O que as pegadas nos junca.

 

 

Intensivos

 

O amor, só nos cuidados intensivos.

Se for noutro corredor,

Então, embora entre os vivos,

Não é amor.

 

O amor quer cuidados permanentes

Que o impeçam de morrer.

Doutro modo, entre os doentes,

Não é amor sequer.

 

 

Esperar

 

Se te permite esperar,

Não é amor.

O amor não espera no lugar

Nem o consegue impor.

 

Se tens discernimento

Para esperar o momento,

 

Então, seja o que for,

Não é amor.

 

Em amor, quando o repetem,

Até as horas se derretem.

 

 

Frágil

 

Se não é frágil,

Por mais ágil

 

Que tal for,

Não é amor.

 

Se amor houver,

Então

Há-de também haver

Uma qualquer

Solução.

 

Problema?

É o quotidiano tema,

 

Adivinho.

E é do amor o caminho.

 

 

Desespero

 

Se até o desespero nos une,

É amor.

Se o queres testar, reúne

Com o perdedor.

 

Quando perdes

E nada tens a oferecer,

Quando menos hás-de valer

Que o tostão furado que herdes,

Aí vais entender

Quem te ama.

Se de abraços te recama

Quando nada tens,

É amor, não são os bens.

 

 

Infeliz

 

Quem diz “fico feliz por ti”

Está pensando, no fim,

“Fico infeliz por mim,

Por não ser eu a estar aí.”

 

A entrega dum prémio

É um agraciado

Como proémio

Dum milhar que é postergado.

 

 

Tudo

 

Não te conto tudo,

Que tudo é demais.

O segredo é com que grudo

As relações germinais.

O que fica por dizer

Obriga a crescer.

 

Se não há mais a dizer,

A conversa acaba.

Resta a baba

Para ser.

 

Ora, então tudo se aldraba

No que vier a acontecer.

 

 

Real

 

Só o que não existe no mundo sensorial

É real.

 

O resto anda por lá,

Corpo, matéria, aspecto,

Cor, densidade, cheiro,

- Mas afecto

Não há

Nem dele me abeiro.

 

Por mais que o reviste,

O resto não existe.

 

 

Nada

 

Nada que vemos, provamos,

Cheiramos, ouvimos, tocamos,

Nada é aquilo que lá está.

É o que à luz dos sentidos

E sentimentos vividos

Aparenta que por ali andará...

 

A aparência

Da evidência

 

É o que sempre nos enganará:

Nada é o que anda acolá.

 

 

Tua

 

A felicidade que não é tua

Corrói, martiriza,

Afunda-te num algar que te acua

Prostrado, derrotado,

Ante o que de bom desliza

Diante de ti, por todo o lado.

 

Nada magoa mais

Que a felicidade dos demais.

 

 

Nascemos

 

Tantos anos após

E cada dia nascemos outra vez.

Todos os dias um para o outro mais nós,

Menos eu e tu, mês a mês.

 

Em todos os refolhos

Em que da vida repararmos,

Quando abrimos os olhos

É para nos olharmos.

 

 

Osso

 

Se, sempre que estiver, estiver até ao osso

E por dentro do osso estiver,

Então posso

Dizer:

Sempre que estiver, está

Inteiro e superior

E transmuda tudo o que há:

- É o amor.

 

 

Custa

 

O que custa dinheiro

É barato.

Só o que não tem preço merece, por inteiro,

Existir de facto.

 

O toque dela que quiseste profanar,

A pele dela que quiseste manchar

É o que merece existir.

 

E nenhuma ameaça me ameaça

Se não incluir

A pele por onde ela passa.

 

 

Normal

 

Nada mais estranho que o normal

Nem mais incompreensível.

Anda por andar, fantasmal,

Faz por fazer o exequível

 

E nada o contagia.

Ora, se não é contagiante, vírus fatal,

Nunca amor poderia

Ser, afinal.

 

 

Parte

 

Há quem chega e há quem parte,

Há quem abrace o abraço,

Quem o abraço reparte

E quem o abraço espera

E desespera.

 

É o traço

De tanta gente sozinha,

De tanto sozinho abraço.

Contudo, caminha, caminha, caminha...

 

Pela praça

Do estertor,

Se até sozinho te abraça,

É amor.

 

 

Liberta

 

Se te liberta do que nunca foste

E for

Inteiramente incoerente,

É o amor

Em que aposte

Toda a gente.

 

Se tiver coerência alguma,

Não amas coisa nenhuma.

 

 

Migalhas

 

Com migalhas se mata a fome,

Embora comendo um pão inteiro.

Se sabe a migalhas quanto se come,

Do amor me abeiro,

Que amor algum

Mata a fome

Em lugar nem tempo nenhum.

 

 

Molho

 

Para um homem grande,

Um molho de jornais são possibilidades

Com que acaso descomande

Da vida as grades.

 

Para um homem pequeno,

O molho de jornais que obtenha

É, no meio do terreno,

Um monte de lenha.

 

 

Um

 

Ser apenas mais um

Nunca faz a diferença,

Todos ficam em jejum.

Se apenas mais um te sentes, porém, na presença

Dos demais

Aí é que a sentença

Vos tornará desiguais.

 

Só quem apenas mais um se sente

Logra dos mais ser diferente.

 

 

Desprezámos

 

Se aquilo que desprezámos

Tem valor,

Desprezíveis, sem pudor,

Nos julgamos.

 

Porque antes ou depois do tempo certo,

O ciúme desperto

 

À chegada

É sempre na hora errada.

 

 

Dois

 

Entre dois que se amam

Tudo vem da capacidade

De erigir um edifício:

Pedra a pedra o muro acamam,

Tijolo a tijolo da subjectividade,

A fugir da solidão ao precipício.

 

É complexa a engenharia

Com que tramam, enredam, enramam,

Os dois a real fantasia

De que se amam.

Quanto o logram, ilumina

O amor quanto das mãos germina.

 

 

Pedra

 

Toda a relação

É de pedra.

Fica na mão

Dos que a encastelarão

Enquanto medra,

Se é para separar

Ou para unir

O par,

A seguir.

 

 

Sente

 

Não é o que se não vê

Que se não sente.

Mesmo estando à tua frente,

É o que se não sente

Que se não vê.

Quando se ama, o amor é

Aquilo que, com afã,

Ocupa todo o ecrã.

Onde pode tomar pé

Aquilo que amor não é?

 

 

Satisfaz

 

O amor nunca satisfaz,

Nem à partida nem à chegada,

Não requer paz.

Se não te faltar nada,

Não é amor.

O amor quer mais, nem que seja amargor

Sobretudo

Quando já tem tudo.

 

 

Quando

 

Quando amamos, embora encontrado o amor,

Do amor andamos à procura.

Se cuido que já o encontrei, amor então não se configura,

Que amor é busca constante e com vigor,

Daqui para ali

E dali para acolá.

O que ele é nunca lho vi,

O que tem nunca bastará.

 

 

Torto

 

Todo o amor brotará torto

E assim é que se endireita.

Amor direito é um aborto:

É uma lei que nele espreita.

 

Nada decide nem sobre o amor prevalece.

Se algo acima dele pões, então o esquece,

Que se algo tem poder sobre ele, fenece.

 

Quando amamos, singular,

O único trilho viável é amar.

 

 

Topo

 

Ao ameaçar quem está no topo

Quem é da classe baixa

Apenas mostra, com tal escopo,

Porque é que não encaixa

No topo.

 

Para alguém do topo conseguir afastar

Duma penada,

É só até ao topo trepar...

Mais nada.

 

 

Doloroso

 

Doloroso, doloroso

Não é não ter,

Haja o que houver

No sentido.

O pesar mais pesaroso

É já ter

Tido.

 

 

Contentado

 

Se te deixa contentado,

Não é amor, que era exigente.

Porém, por outro lado,

Se for

Contente,

Então é amor,

Que é de ir em frente.

 

 

Incapaz

 

Incapaz é só quem sabe

Que ser capaz poderia.

Se nunca soubeste o que acabe,

És feliz no que principia.

 

Quem ignora o mundo inteiro

Que o rodeia

É feliz no atoleiro

Da própria aldeia.

 

 

Sabe

 

Quando tudo sabe a pouco,

Que fazer?

Quando abandonamos um lugar louco

Em que tudo se tiver

E nada se sentir?

Para que serve tudo se para nada servir?

Que é que eu sou

Quando o sonho se finou?

 

 

Jogo

 

Quem entra em jogo a perguntar,

Num desafogo,

Se um dia pode desistir de lutar,

Já perdeu o jogo.

 

Intuir

Que podes vir a querer

Desistir

É meio caminho para o fazer

E, um pouco além,

O outro meio caminho também.

 

 

Maior

 

Maior que os homens não é o poeta,

É o que logra ser o mais pequeno,

Tão concreta

E recta

É a grandeza que o mantém sereno.

 

Só quem é grande o bastante

Cabe no mais exíguo dos buracos.

Enfiar-se no buraco é, adiante,

Criar o clima,

Num mundo em cacos,

De o ver de cima.

 

 

Desgraça

 

A desgraça vem de dentro para fora,

É o que sobra do embate

Entre o que nos acontece e em nós mora

E o que em nós o rebate,

Abate

Ou condecora.

 

A desgraça não passa

A cada passo:

É o mal que dentro abraço

No que de fora me abraça.

 

 

Vale

 

Que vale a vida

Se vai acabar?

Que sentido faz apostar

No que acabar em seguida?

 

Apostar no cavalo perdedor?

Apostar neste viver, por escasso,

Por mais que seja sedutor,

É um fracasso.

 

 

Olhar

 

Ao olhar

Atrás ou à frente,

Estou a julgar,

Nenhum olhar é inocente.

 

Todo o humano é um juiz:

Toda a vida, a todo o momento,

Tem o cariz

Dum julgamento.

 

 

Preferir

 

Quantidade a qualidade preferir

É jamais se desiludir:

Sem porvir, porém.

 

Mais um ou mais uma encontrar

Que tem?

É apenas um passo dar.

 

Encontrar o “um” ou a “uma”

É que é problema, em suma.

 

E em tua mão, a par,

Não tens nada que o resuma.

 

 

Comportas

 

Quando fazes o que não comportas

Aí é que te arriscas, por vezes,

A ser feliz, por vias tortas,

Pouco importam os reveses.

 

Por vezes, a felicidade superna

É dar um passo maior que a perna.

 

Sempre a felicidade é, porém,

Dar um passo por múltiplos aléns

Quando nem

Pernas tens.

 

 

Diz

 

Quem diz a felicidade

No passado ou no futuro

É um infeliz.

Até porque a felicidade

Que me invade

Ou que eu auguro

Não se diz.

 

 

Tu

 

Tu

É dizer tudo.

Sem tabu

Nem incréus

Nem termos de veludo.

 

Tu, o mundo inteiro em duas letras.

De minhas lavras

Que mais impetras

Se em duas letras moram todas as palavras?

 

 

Auto-estima

 

Auto-estima:

Agarra em ti

E leva-te até lá acima,

Que ela mora aí.

 

Para aumentá-la

Não tens espera pior

Que aguardá-la

De algo exterior.

 

Se na atitude fores culto,

Tens de acreditar

Que até um insulto

Te pode elogiar.

 

 

Pobreza

 

A maior pobreza é cuidar

Que ganhar a vida por inteiro

É ganhar

Dinheiro.

 

O maior pobre

É aquele a quem, quando molhar o bico,

Não mais sobre

Que ter muito dinheiro para ser rico.

 

 

Impotente

 

O maior impotente

Não é o que se não logra levantar,

Mas o que não logra cair, por mais que tente.

Cair vai implicar

Um poder

Além da média para crescer.

 

Quem, ao tentar subir,

Não logra crescer

É quem não logra cair.

 

Da Lua os crescentes

É da noite que saem.

Só os impotentes

É que não caem.

 

 

Certeza

 

Quando tens a certeza

De que sabes o que é o amor,

O que tua ideia reza

É que dele não tens nem o palor.

 

O amor não se sabe nem pensa,

Não aprisiona nem liberta,

O amor está, disponível da despensa,

Faz o certo na hora certa.

 

O amor são mil e um verbos que tome

No calor

Dum só nome:

- Amor.

 

 

Dois

 

Mesmo quando o feito a dois

Souber a tudo,

Pode não ser amor depois,

Contudo.

 

Só quando o que for

A dois

Souber depois,

Então é amor.

 

Senão pode faltar ser

Para além de fazer.

 

 

Prazer

 

O amor não é medido em prazer.

Há muito amor

Que nem prazer requer.

Quando é o amor a se impor

Nem de prazer precisa:

É que o amor,

Mesmo sofredor,

É prazer que giza.

 

 

Ganância

 

A pior ganância é a sentimental:

Quis mais que tudo o que tinha,

Quer mais que tudo o que tem.

E tem tudo, afinal,

Na terra que crê maninha

E que o sustém.

 

Um amor em ânsia,

Que ganância!

 

 

Mulher

 

Uma mulher interessante

E sem nenhum interesse.

Teve-me como se tem, por um instante,

Uma gripe que adiante esquece.

 

Fui a gripe a que se habituou,

Que às vezes até a deixava confortável.

Até à hora de sumir-se, operou,

Fui uma morbidez admirável.

 

Fui a passageira gripe

De que qualquer mulher de acaso se equipe.

 

 

Vencedor

 

Vencedor não é quem sabe

O momento de avançar.

É quem sabe e não menoscabe

O momento de recuar.

E que, sem hesitação,

Recua então.

 

Ganhar uma corrida, vezes demais,

É encontrar

Força para chegar

Depois dos mais.

 

 

Milagre

 

Crer num milagre

É crer no que não existe.

Ora, viver consiste,

Muitas vezes em não crer no que existe.

O que fará que consagre,

Então,

Toda a confiança e atenção

Àquilo que não existe.

 

Ser feliz, dos casos na maioria,

É crer firme no que não existe e, todavia...

 

 

Seguro

 

Não há lugar seguro no mundo,

Se és vivo, és inseguro.

Seguro se viver queres, no fundo,

Então não queres viver,

Auguro,

Apenas não morrer.

O que é de viver,

Arbitrário,

É rigorosamente o contrário.

 

Quem passa pelos dias

Para não morrer

Nas manhãs frias,

Já está morto há muitos dias.

 

 

Eternidade

 

Amar-te é a fresta de eternidade

Que me foi dada e tenho de agarrar

Com ambas as mãos, com humildade

E voracidade

A par,

Com toda a pele,

Com todo eu que o Infinito impele.

 

 

Caminho

 

Estou a caminho de ti,

De te ser.

Loucura de quando me chamas para aí

E eu largo a correr.

 

Sempre que dizes posso, quero agora...

Loucura sentida

Da demora

Que me agarra à vida

Com vigor.

Se me agarra à vida, é amor.

 

 

Fechado

 

Estou fechado e livre estou

E, apesar de a caminho do abismo,

Para o abismo é que vou,

Tão voluntário que nele apenas cismo.

 

Tenho um amor suicida

E, racionalmente falando,

Não creio noutro amor em vida,

Senão neste nos fadando.

 

 

Abotoado

 

É um lugar onde tens tudo

Mas não podes de lá sair,

Estás abotoado naquele sobretudo.

 

Não é camisa-de-forças, porém,

Que te refeche o porvir.

É que só ali tens um além,

É aquilo que te promete um conteúdo.

 

É o amor este aquém

De estilete tão agudo

Que perfura infinito além

Tudo.

 

 

Defeito

 

O grande defeito

Da felicidade

De alguém que é perfeito

É que algo falta sempre em metade

Da felicidade

Para tudo andar ao jeito.

 

O maior defeito

Do perfeito bem-estar

É não haver lugar

A bem-estar perfeito.

 

 

Dor

 

Para ser feliz

Importa não sentir dor

Mas sabendo as cores vis

Do que a dor sentida for.

 

Mais feliz é o ex-doente

Que o que doente jamais foi.

O quase-morto é patente

Que é mais feliz, mesmo esquivo,

Que o que, sempre vivo,

Ignora a que a morte dói.

 

 

Vento

 

Um vento de mudança

É o que somos ou deveríamos...

Gente que alcança,

Capaz de levantar o vento.

E então íamos, íamos:

Somos mais que nós,

Somos mais do que ataduras de cipós...

- Somos o radical elemento:

Qualquer dia ainda somos nós o vento.

 

 

Queixa

 

“Que tempo horrível!” – alguém se queixa.

É normal,

Já que dele a deixa

É, afinal:

 

Nas nuvens não há magia,

Apenas poluição;

Não há estrelas a iluminar-lhe o dia,

Apenas do pinheiro de Natal a iluminação;

 

Não encontra alegria nem conforto,

Apenas intérmina rotina ansiosa

Dos que se acotovelam sem entusiasmo no porto

De cuja partida aventurosa

Nenhum goza;

 

Andam à procura do presente

De última hora,

Fatalmente,

A ser

Aberto sem demora,

Sem prazer;

 

A correr à refeição

Que lhe não traz alegria,

Tomada com quem não vê há um tempão

E que nem ver lhe importaria...

 

 

Entender

 

Tenho de entender quem sou,

Embora doa.

Só quem tremeu

Entendeu.

E aqui me vou

Na senda boa.

 

Os que por aqui não vão

Tremendo,

Não são,

Vão sendo.

 

Tanto o temem

Que nunca tremem.

 

Perdidos por dentro das peles,

Alienados sem alibi,

Que andam eles

A fazer por aqui?

 

 

Casa

 

A casa não são metros, são silêncios

E vazios.

A dor no peito esvaziado enche-os

De todos os frios.

 

O amor, porém, vence-os,

Enchendo os móveis de esteiras sonhadas de navios.

- E então aos silêncios venci-os.

 

 

Dois

 

Dois estranhos, um casal

E as terríveis descobertas:

Ele detesta, não dá o aval

Às arestas nela abertas;

Ela detesta nele

Tanta gesta que o impele!

 

Disputas,

Dificuldades,

Contas prestadas que geram lutas,

Lágrimas de adversidades...

 

E voltarão sempre ao território da ternura,

De nomes esquecidos,

De bolor já comida a envelhecida escritura,

Dois estranhos unidos

Pelo que os apaixona

Com a coragem iludida-desiludida que o abona.

 

 

Buraco

 

Que dia é o dia

Em que tu não estás?

Que buraco se enfia

Em meu peito ineficaz,

Ao pôr meus braços de parte

Por não poderem abraçar-te?

Que inutilidade

É a minha identidade?

 

 

Pobreza

 

A única pobreza que nos anda a tolher

De verdade

É ter

Apenas a realidade

Para viver.

Ricos, pois, seremos,

Que ainda bem que o sabemos.

 

 

Esmolas

 

Muito insiste

O engano em que te enrolas:

Viver de esmolas não existe,

Existe é morrer de esmolas.

 

A pobreza assusta muito,

É um final sem fim:

Vai-nos acabando por dentro, em passo fortuito,

Levando-nos aos poucos da raia do confim.

 

Primeiro vai o orgulho,

Depois a autoconfiança

E, se não atender ao gorgulho,

Rói-me inteiro no que alcança.

 

Fico sem nada,

Nem sequer uma estrada.

 

Resta-nos pedir esmola, no fim,

Postos nas mãos de quem nos pôs assim.

 

 

És

 

És água,

Que me entras e sais por todos os poros.

Trago-a, afago-a

Da cachoeira íntima em murmurantes coros.

 

És ar

Que invisível me sustenta.

Minha ao te chamar

O mundo se inventa

E acalenta

Lume e luar.

 

 

Acordas

 

Quando acordas: uma frincha de Deus,

Teus olhos a entreabrir o azulíneo dos céus...

 

Poderia apenas ficar

No estupor singular,

 

Feito produto

Mimando o Absoluto.

 

Vem, porém, a vida,

De seguida...

 

 

Palavra

 

Nenhuma palavra reúne

O que nos une.

 

O silêncio é fundamental

Entre dois que se queiram falar, afinal.

 

O silêncio é que tira a venda

Ao amor que se entenda.

 

“Amo-te” – fala em silêncio:

- É que o amor convence-o.

 

 

Matematizem

 

Matematizem o mundo inteiro,

A mensurável face,

Para que o amor cimeiro,

Até que enfim, passe.

Senão, para que o matematizo,

Se não for

Para o amor

Que viso?

 

 

Sonhaste

 

Sonhaste,

Tiveste

E acabou.

Lá se foi o sonho, grande traste!

Segredo que preste

É gerar novo sonho

Em troca do que findou.

Então ponho-o

No espaço em branco já exaurido

Do sonho perdido.

 

E aqui vou

Sobrevivido,

De voo

Renascido.

 

 

Torna

 

Ficamos maiores

No que nos torna mais pequenos.

Crescemos de fora nos pendores

O que dentro perdemos em infantis acenos.

 

Quer crescer a criança,

O adolescente quer crescer

E tarde demais cada qual alcança

Que tal querer

É só de quem, da vida ao sereno,

Se sente pequeno.

 

Ora, pequeno também o adulto se sente

E quer ser pequeno mais e mais:

Quereria o sonho presente

Da vida em todos os arraiais...

 

 

Ver

 

Crescer é ver melhor para trás

E pior para a frente.

É ter a vista incapaz

De crescer com a gente.

 

Cada vez menos discerne

O que estiver adiante,

O que leva a que cada vez mais se governe

Com o que atrás de mim a encante.

 

Então, ao trepar da vida as encostas,

Eu vou de costas.

 

 

Apesar

 

Se quer

Encontrar

A mulher

Que vai amar,

Apesar dos desenganos

De cem anos,

Vá em frente,

Tente!

 

É improvável a cena?

Só o improvável vale a pena.

 

Intangível

É a beleza.

Uma felicidade previsível

É uma tristeza.

 

 

Olhos

 

Olha com olhos de ver

O que só tu consegues,

Mais ninguém.

Eu consigo ver além

O que não logra quenquer

E tu também

Quando o persegues.

 

Vê qualquer um

O que não vê mais nenhum.

 

É destas visões que, fecundo,

Evolui o mundo.

 

O mundo apenas avança

Quando discernir

Alcança

Agir.

 

O devaneio intocável

Devém matéria palpável.

 

Acredita no que vês

E arrisca apostar,

É o altruísmo de vez

Tuas mãos a executar.

 

Teu arquivo

Pode não ser grosso,

Mas aposta no teu exclusivo,

Estarás apostando em tudo que é nosso.

 

 

Razoável

 

O razoável é o mais perigoso,

Nem é bom nem mau.

Insípido, tíbio quando devia ser gostoso,

Não entusiasma nem deprime,

Frio calhau

Que ninguém arrime.

 

Não oferece

Lágrimas nem euforias,

Não aquece nem arrefece,

Nem sequer tem dias.

 

 

Dedo

 

É fácil apontar o dedo

Qualquer um.

Quando não tens mais em teu credo

Segredo

Algum,

Apontas o dedo a aguentar

O nada de teu ar.

A aguentar do peso a enormidade

Da tua nulidade.

 

 

Creio

 

Não creio num amor que faça mal,

Embora faça mal qualquer amor.

Amar é crer que o melhor

É soltar da mão qualquer pardal,

Que dois a voar

Valem mais do que um na mão.

Amar

É a razão da sem-razão.

 

 

Intérmina

 

Ama

Numa intérmina primeira vez.

Apenas então o amor te pacifica, te acena, te aclama

Desassossegando leve o entremez.

 

Corrente apressada,

Forte,

Nunca desesperada,

Rumo a teu norte.

 

Na medida certa

Com sabor a demais,

Desperta

Invisíveis frinchas celestiais.

 

 

Contido

 

Ser contido?

Anulado?

Ninguém logra conter

O que o leva a querer

Ser querido

Ser amado:

Ninguém pode conter

O que o faz viver.

 

Se a vida é,

É para que seja

Assim, de pé,

Vida de alguém que se almeja.

 

Só quem

É de si plenamente

Logra ser, de repente,

Plenamente de alguém.

 

 

Voltares

 

Para o contrariares

Não há magia:

Se voltares,

Toda a dor pode voltar um dia.

 

Porém, os avatares

Como os não ponderarias?

Se não voltares,

A dor vai voltar todos os dias.

 

 

Voo

 

Vida sem

Voo,

Ninguém

Entende o que nos juntou.

 

O mais admirável

Dos assuntos:

Inexplicável

É ainda estarmos juntos.

 

 

Vertigem

 

A vida é vertigem

À beira do precipício.

Tenho de estar lá, que meus pés o exigem

Desde o primeiro início,

 

Junto ao lugar da queda,

A ser quem sou, a ser quem é,

E nada em mim arreda

Para lograr manter-me de pé.

 

Todas as vidas exigem

A germinal vertigem.

 

 

Derrocada

 

Ou está prestes a derrocada

Ou a vida não sabe a nada.

 

Sentir que pode acabar,

Prestes, o que nos faz gente

É o que nos há-de sustentar

A pele indigente.

 

Se não houver perigo, o prazer

Pode até muito bem morrer.

 

 

Piorio

 

“És do piorio mas amo-te eternamente”

- Qualquer declaração de amor é incoerente.

 

O amor é riso e pranto

Vivido.

Faz tanto, tanto,

Só nunca faz sentido...

 

Portanto,

Quando a ele aludo,

Dou sentido a tudo.

 

 

Entender

 

Queres entender o amor para entender o que amas?

Não entendo.

Ao amor ninguém o entende, como reclamas,

E, assim sendo,

Qual entre nós o entendimento

Se de ti tanto me ausento?

Queres que eu entenda o que apenas se sente, mal começa;

Quero que sintas o que não logras entender de forma alguma.

Amar com a cabeça

É não amar coisa nenhuma.

 

 

Salvar

 

Salvar a humanidade

É a quem não cuida do futuro

Pedir aulas de autenticidade,

A quem saboreia o presente em estado puro.

 

Ver que há futuro

É o que impede de estar

Em pleno lugar

Onde me inauguro.

 

Então, por um triz,

Torno-me infeliz.

 

 

Previsível

 

Não é previsível nenhuma felicidade.

Alegre deveras

É a imprevisibilidade

Constante das eras,

Porta a entreabrir suspicaz

Sem vislumbrar o que surpreender por trás.

 

A vida vale, ao fremir

Nos campos que os anos mondem,

Pelas portas por abrir

Que ignoramos o que escondem.

 

 

Pronto

 

Urge descobrir

Que pode queimar

Para me sentir

Pronto a arriscar.

 

Uma vida sem o risco

De abrir uma porta,

Perdido o petisco,

É uma vida morta.

 

 

Poesia

 

Crer no amor é crer

Que há poesia,

Haja o que houver

Na rotina do dia.

 

Há um poema em cada beijo,

Em cada abraço trocado.

Cada corpo descoberto é um ensejo

Dum mundo deslumbrado.

 

Quem ama é um poeta que declama

Na estrada

Ou então não ama

Nada.

 

 

Móveis

 

Por mais móveis que ponha na casa vazia

Sempre vazia findará

E, quão mais vazia está,

Mais móveis colocar-lhe tentaria,

A tapar o vazio,

A esconder o nada.

Não há para navegar nenhum rio,

Para caminhar nenhuma estrada.

 

O silêncio

Como findá-lo?

Vence-o com amor, vence-o,

Ou não te livras do abalo!

 

 

Encontrar

 

Amo-te até me encontrar,

Minha perdição, meu encontro de mim.

Para me perder vou-te precisar

E para me encontrar no derradeiro confim.

 

Olho em redor, se não te encontro estou perdido,

Por mais familiar

Que seja o lugar

Reconvertido.

 

Se em redor de mim não estiveres do jeito teu,

Então é porque não sou eu.

 

 

Político

 

O político olha de cima,

Como Deus,

Depois não rima,

Que não tem o poder dos céus.

 

Olha de cima

Quando mora em baixo.

Ora, o clima

É o do sacho

Da vindima.

 

Para saber como se caminha

Urge pisar a terra, fértil ou maninha.

 

Parte do colectivo

Para o individual,

Ignorando que é o indivíduo vivo

Que faz o total.

 

Ora, uma pedra fora do sítio, de tocaia,

Basta a que alguém tropece e caia.

 

 

Doutrem

 

Há quem na vida doutrem gaste a vida,

Doutrem a felicidade a martirizar a sua.

O tanto que têm não os convida,

Do que nunca terão espreitam a rua.

 

Gastam-se na vida.

De que serve uma vida pela frente

Se, feitas as apostas

Ao que nela se envida,

Tudo o que se intente

A leva a virar as costas?

 

 

Segurança

 

Se amas com toda a segurança,

Desiste,

Que não alcança

Quem ama com toda a segurança

Nenhum amor que se aviste.

 

Se não temes dizer que amas,

Expor o lado infinito de ti,

Desiste, que tuas tramas

Dão de si:

 

Só o que medo nos leva a ter

Vale a pena ter medo de perder.

 

 

Aperta

 

A dor

Em nós,

Seja qual for,

É que aperta os nós

Por dentro de quenquer

E assim o leva a ser.

 

Sem dor, a melhoria

Em regra nunca ocorreria.

 

Condenação

Fatal,

Tem, porém, compensação

Final.

 

E a dor sempre se evita

Quando a muda por antecipação

A desquita.

 

 

Fundo

 

Ir ao fundo do que existe para ir

Leva-me a suportar

O porvir.

 

Mais um estrato a experimentar

Com a dor que implica.

Só quem o pé firme nos estratos anteriores aplica

Consegue também

Aguentar o que aí vem.

No inverso da dor viver, de fugida,

É não suportar os reveses da vida.

 

A dor ver como abominável

Sem deixar, afinal,

De a encarar como natural

É de sobreviver o rumo saudável.

 

 

Defeitos

 

Os que eu amo têm defeitos,

Cheiram mal e são crendeiros,

E a crer vivem sempre atreitos

Que o céu é o lugar

Em que, após os momentos derradeiros

Aprenderemos a amar.

 

Adoram, porém, tentar,

Contra o mais fácil remando,

Sem a crítica recear

Por obrarem o que vão obrando.

 

Falham sempre como loucos,

Se calhar,

Mas sempre loucos como poucos

Por deixarem de falhar.

 

 

Difíceis

 

Os que eu amo são difíceis de entender,

Falam estranho,

Têm desejos que não são de ter

E o pior ganho

É que irão, em todo o lugar,

Em busca de os saciar.

 

Não dirão mal de quem fez,

Nem se desperdiçam

Alguma vez

À procura das falhas que enguiçam

O voo

De quem tentou.

 

Continuam, com a evidência

Das fantasias,

As próprias teofanias

Da existência,

Em todo e qualquer campo que a grade

De estar vivo invade.

 

 

Olha

 

Olha com olhos de querer,

De roubar,

Olha com olhos de viver.

 

Rouba o que o mundo te destinar

E, por atacado,

Rouba também

O que não te for destinado,

Sempre além, sempre além, sempre além...

 

 

Lonjura

 

Olha a lonjura

Entre sonho e realidade,

Preenche-a de tua pura

Identidade.

 

Há dificuldade mais dificuldade

A ultrapassar,

Momentos que nem apetece olhar.

Aí é que é de olhar mais ainda

Até ver

O que fazer

Para ver outra paisagem mais linda.

 

Ser bem sucedido é ver bem

Quem tens à frente, ao lado e atrás também.

 

Para bem escolher,

Bem decidir,

Nem que venha a doer,

Nem que custe a ir...

 

Nem que não apeteça nenhuma escolha,

Olha sempre, olha!

 

 

Perdida

 

Nada magoa mais

Que a felicidade perdida

Que jamais volta aos tremedais

De tua vida.

 

Martiriza-te de raiz

Quando a recordas,

Tão mais funda na matriz

Que a doer abordas

Quanto mais te fez feliz.

 

 

Serve

 

O amor serve para tanto, não, porém, para viver.

O amor mata violentamente

Com todas as forças que tiver,

Todos os dias, metodicamente.

 

E é nestas pequenas mortes

Que importa a vida.

É delas nos recortes

Que a vida acontece

E devém desmedida

Messe.

 

Hoje mataste-me mais uma vez

E eu gostaria de passar a vida aqui,

Alegre do revés,

A ser assim assassinado por ti.

 

 

Pedra

 

Que importa a pedra ser eterna

Se pedra nunca deixa de ser?

Da vida é a raridade superna

Que encanta quenquer.

 

A certeza

De que é tão pequena, frágil, quase nada

É que é toda a beleza

Da estrada.

 

 

Mania

 

A segurança, a mania

De querer saber tudo,

Quando o que alcança a magia

É não saber, sobretudo.

 

É o espaço em branco,

Explicação por atingir,

Fenómeno por discernir...

E eu aqui no banco

A fremir,

À espera de ir...

 

 

Eterno

 

É o que aqui fora não existe

Que é eterno,

Rasto que subsiste,

Superno.

 

É o que ocorre no interior do que sinto,

Um beijo

E cá dentro de mim o salto de plinto,

Um toque da tua mão

A reviver um sabor de queijo

Num íntimo serão,

Uma palavra tua

No ouvido que estremece

Toda a rua

Onde o frio me aquece,

O cheiro do vento

Que nem

Cheiro tem...

 

- E é tudo um infinito sentimento.

 

 

Território

 

Há um território estrangeiro em cada qual.

O amor é noventa e nove por cento de descoberta,

Vale a vale,

E um por cento de prazer alerta.

E o contrário, quando pasmo

Perante o abismo do orgasmo.

 

Não há carinho que interrompa as veias

Nem ternura que acalme a respiração.

Ou tudo estremece, nada a meias,

Ou tudo pára e então,

Não!

- Parar, pior que morrer,

É não ser!

 

 

Pior

 

O pior de tudo não é chorar,

É ninguém ver,

É o mundo a derrocar

E tudo em redor como se nada estiver

A acontecer.

Lágrimas sem tecto

Nem ninho,

E tudo correcto

No mundo maninho.

 

 

Sabedoria

 

Sabedoria de vida é sentir

Sobretudo o que não existir

Neste mundo exterior do confim,

No fim.

Quando chego atrasado à reunião

Deste chão,

Digo apenas, com lisura,

Que estive à procura

De mim.

 

 

Nada

 

Nada do que importa o vemos com os olhos,

Só de olhos fechados o que importa vemos,

O orgasmo, o pânico, a adrenalina que pesemos.

Tudo o que vale a pena e nos dribla os escolhos

Não é de olhos abertos

Que o apuramos a meio dos desertos.

 

O que vemos é uma vidinha,

Vida de trazer por casa,

Perdida no mundo árido sozinha,

Sem um frémito de bater de asa.

 

 

Tentar

 

Queria tentar ver-te e não conseguir,

Os olhos sempre fechados,

Mas vi demais e, a seguir,

Estás aí fora por todos os lados.

 

O que existe fora tem explicação,

Uma ciência que o sustente

Ali, na trela, à mão,

Na forma, no que é, no ente.

 

O que a ciência explica

Não é o que eu amo,

O amor apenas se aplica

Ao outro ramo.

 

Ninguém pode amar

O que a ciência compreende,

O amor é o lugar

Que ao Infinito nos prende.

 

 

Alegria

 

A alegria passageira

Da festa, da novidade,

Deixa amargura quando o fim se abeira,

É uma alegria ligeira.

A da perenidade

É a dos que amamos

E de quem cuidamos.

 

Com esta por lema,

Obedecendo-lhe ao aceno,

Obliteramos o nosso pequeno

Problema.

 

 

Eterno

 

Caminho que pode ser traçado,

Mesmo o mais terno,

Em nenhum lado

É o Caminho Eterno.

 

Nome que pode ser nomeado,

No imo embora mais interno,

Por mais que seja amado,

Não é o Nome eterno.

 

A Eternidade viável

É definitivamente inominável.

 

 

Arte

 

Arte deveras

Não alardeia o que for,

A ela própria não se anuncia.

Dela o significado voa subtil pelas eras,

Apreendido pelos sentidos, no palor

Da paisagem que a neblina amanhecia,

Ao verdor

De cada dia.

 

 

Sem

 

Corria tudo tão sem atritos,

Tudo tão bem preparado

Que, mesmo que o quisera, os quesitos

Não poderia ter melhorado.

Havia apenas um senão, de entrada:

Não podia decidir nada.

 

E tão ligeiro senão

Tornava tudo vão.

 

 

Revolução

 

A verdadeira revolução

Deve operar

Do povo no coração,

No jeito como pensar,

Do espírito na habituação,

Nos princípios que acomodar...

 

Através deste postigo,

Desde o ovo,

Se transmuda um povo antigo

Num povo novo.

 

Vinho novo em odres velhos,

Quando ele é deveras forte,

Das aduelas os artelhos

Rebenta com o transporte.

 

 

Superior

 

Quem é superior,

Se tentar conduzir,

Empreendedor,

Perde-se a seguir.

Se seguir, porém, o pulsar do chão,

Encontra orientação.

É a regra de ir

Para não ir em vão.

 

 

Mudança

 

Apesar de toda a mudança,

Não há mudança nenhuma,

Que o que qualquer mudança alcança

É o inefável, em suma:

 

No fundo de cada qual

Há dele o inatingível sinal.

 

Podemos atirar a um rochedo

Todos os ovos do mundo

Que o rochedo permanece quedo,

Apesar dos ovos de que o inundo.

 

E não há forma de me dele aproximar

Senão continuando indefinidamente a atirar.

 

 

Nova

 

Quem introduz a lei nova

Não pode, repentinamente,

O que a lei velha aprova

Tirar da frente.

 

Encobre para retirar

Com suavidade,

Trigo e cizânia a deixar

Crescer juntos na mesma propriedade

Para a cizânia só arrancar, de castigo,

Quando não prejudicar as raízes do trigo.

 

 

Visto

 

Querer que vejam que és bem visto

É ostentação,

Não amor.

O amor põe o visto

No próprio coração,

Não do olhar alheio no teor.

 

Não merece ser benquisto

Quem quer ser agraciado

Para ser olhado.

 

 

Fia

 

Quem de todos se fia

Logo se perde.

Quem de todos desconfia

Já perdeu em tudo o que herde.

 

Se se fia em quem não deve,

Já se perdeu.

Se de quem deve não fia, breve

Perde quanto é seu.

 

Como escapar da embrulhada?

- Só do amor na mão dada:

 

Em tudo quanto dois são um

É que não há receio algum.

 

 

Graças

 

Agraciado,

Dá graças,

Que, se graças não dás,

Não passas

Dum desgraçado

Toda a vida a andar para trás.

 

Se agradeces,

As benesses

Tantas serão que as tragédias

Da vida viram comédias.

Tudo é de rir,

A seguir.

 

 

Erro

 

A ciência do erro alheio

Bem fácil é,

Se sem ódio nem interesse de permeio

E de boa fé.

 

Difícil é a do próprio erro,

Manietados

Do amor-próprio ao aferro

Por quantos erros de nós são gerados.

 

Livre é o juízo no alheio,

Seja este embora esquivo.

No próprio, de encanto cheio,

Sempre o juízo é cativo.

 

 

Pique

 

Não há nada que mais pique

Nem de que se piquem mais

Os naturais

Que o despique

De emulação e de inveja

Que na valeta logo a todos os despeja.

 

Afogado ao nascimento

Fica da luz o fermento.

 

 

Quando

 

Quando

Adoras e dedo que aponte

O horizonte,

Em lugar de ires para o horizonte caminhando,

Quebraste a ponte

Que, no presente,

Te encaminhava ao alvor do oriente.

 

Acabou a infinitude

Que te apela à plenitude,

 

Doravante és um finado

No encalhe de teu fado.

 

Morreste

Do Infinito em teu esquisso

E nem deste

Por isso.

 

 

 

Porque temo o pó que serei,

Para onde vou,

Senão porque sei

Que não quero ser o pó que sou?

 

Mas não há nada a fazer

Senão a mim me acolher.

 

Pior o invés seria,

Que de costas contra mim batia.

 

 

Aparência

 

O mal nos engana

De bem com aparência

E o amor nos leva e dana.

O bem nos engana

De mal com aparência

E o ódio nos aplana

O coração no trincafio

Deste desvario.

 

 

Para

 

Arrancar,

Destruir,

Aniquilar,

Demolir,

- Para edificar,

Para plantar.

 

Tão fácil é aquilo

Como isto é difícil de consegui-lo.

 

 

Caminho

 

O caminho que sofremos

Na subida

É o mesmo que corremos

Na descida.

Jamais há dois

Caminhos, pois.

 

Tudo, portanto, na vida

Depende da escolha havida.

 

Tudo o que és e que serás

Vem do que andas para a frente ou para trás.

 

 

Sem

 

Haja amor

Mas sem destempero;

Haja vigor

Mas sem exaspero;

Haja zelo

Mas sem rigor

Imoderado, que é atropelo;

Haja piedade

Mas sem perdão

Além da propriedade

Que convier a cada chão.

 

 

Real

 

Definitivamente, o real

É inviolável.

Portanto, fatal

É ser por nós inominável,

No derradeiro limite.

O caminho que concito

É mais que um palpite:

- O real é aproximável

Ao infinito.

 

 

Mistério

 

O mistério

E a manifestação

Caem sob o império

Da ilusão:

- Creio que o real

É o que aparece, afinal.

 

É o erro

Em que me enterro

 

E comigo enterro o mundo:

A aparência torna-o infecundo.

 

Iludida,

Tende a parar a ida

 

E finda-nos a caminhada

Na infinita estrada.

 

 

Sexo

 

O sexo não requer esforço,

Requer reforço:

 

O sexo reforça, capaz,

O que o resto traz.

 

O sexo não é

Nada por aí além,

O sexo é

Também.