TRILHOS POLARES
Excessiva
Arte, só mesmo excessiva
Mas também equilibrada.
O génio do artista esquiva
A traiçoeira pancada:
É o grande artista, aos baldões,
Trapezista em sensações.
Prestes
Quão mais amo de verdade
Mais é prestes a acabar.
Todo o amor é pioneiro:
Quão mais singularidade,
Mais prestes tudo a findar,
Todo o amor é derradeiro.
Nada
Se dor não exigiu,
Não foi uma vitória.
Se ganhaste e nada em ti doeu,
Não ganhaste nada. Tudo vanglória.
“Aqui jaz” – clama ao invés a vitória aos vivos –
“Alguém com objectivos.”
Diabo
Persiste
E me maltrata
Do diabo com furor.
Se subsiste
Depois do que me mata
- É amor.
Caber
Para caber
No que nos torna felizes
Por vezes temos de nos encolher
Desde as matrizes.
Se mesmo encolhido te sentes o maior,
Então é amor.
Exposição
Toda a felicidade morre
Por exposição demais.
Nenhuma hora boa ocorre
De expor ao sol novidades tais.
A inveja
Pica de lagartas qualquer cereja.
Perfeição
Se vês na perfeição,
Então não é amor.
Se a perfeição vês, então
É o fulgor
Do amor
A atapetar-te o chão.
Voz
Se, ouvindo tua voz,
Ouves um ruído leve demais
Para quanto fala ali,
Andam dum amor veloz
Os sinais
A murmurar em ti.
Planos
Amar e viver
São dois planos diferentes
Que mal se cruzam sequer,
Realidades paralelas evidentes.
Só os que nunca amaram, antiquados pedestres,
Não crêem em extraterrestres.
Vêem
Meus olhos crêem
Que um belo colibri
Recolham?
- Meus olhos não vêem
Quando não é para ti
Que olham.
Verdade
Se a verdade existir,
É a daquilo que nos une,
O que logramos discernir
No instante que nos reúne:
- Alguém que nunca vi
E eu, como nunca, a me surpreender ali.
Novo
É sempre novo o amor,
Corre de zero em zero a vida inteira,
Ovo eternamente a eclodir ao calor
Da lareira.
Todo o amor, no lar,
É a estrear.
Tentativa
Se te faz tudo arriscar
Por uma mera tentativa,
Se vale mais tentar
Que conseguir seja o que for
Que se esquiva,
- É amor.
Tu
Quando se amar,
Tu é a primeira pessoa do singular
E, por igual,
A primeira do plural.
Quando nem a gramática lhe dá conta do teor,
Então é amor.
Fazer-me
Fazer-me: único emprego
A que todos temos direito,
Único trabalho que não delego,
Que na vida deveria tomar a peito.
É, cristalina e sempre à mão,
A nossa missão.
Amar
Temos de aprender a amar,
Que, embora pouco, é tudo:
É o lugar
Onde mudo.
Se me é tudo sendo pouco,
É amor a que não sou mouco.
Ocorreu
Se te ocorreu o amor,
Ocorreu-te, no abalo,
O melhor e o pior.
Resta-te, ao seres,
Aproveitá-lo
O mais que puderes.
Fechar
Para quem não ama, ser feliz
É fechar os olhos:
Fazer tudo para fazer o que não quis,
Para, com os antolhos,
Não ver que no caminho
Vai completamente sozinho.
Jumento
Se és jumento, não logras argumentar.
Se não logras argumentar, agrides.
Se agrides, és, alvar,
Um jumento no que lides.
Deste círculo se alimenta
A mentalidade jumenta.
Remoque
Se tudo está bem,
Se mais remoque
De nada nem ninguém
Acusa o toque:
Seja o que for,
Não é amor.
Tudo
Se cheira a tudo e a tudo sabe,
Se rasga tudo e tudo pisa,
Se come tudo e em nada cabe,
Se quer tudo e tudo realiza,
De ti fazendo seja o que for,
Então é amor.
Sexo
Quem não ama não consegue
Viver feliz sem o sexo.
E, enquanto o sexo prossegue,
Vive infeliz neste anexo.
Só quem ama logra ser
Feliz sem mais sexo haver.
Buraco
Ninguém tapa um buraco
Com uma desistência.
Aliás, se um acato,
É que há um, com evidência.
Ora, basta um se impor
Que já não é amor.
Revolução
A revolução começa
Quando um lunático qualquer
Diz que, mais que ser ele uma peça,
Revolução é o que ele vai ser.
E depois, mais ou menos a esmo,
É mesmo.
Importa
Quando o sexo não importa,
O que importa importa mesmo:
É o que sentirmos que exorta,
O que pensarmos a esmo,
O que se olha, o que se faz
E o que dissermos que apraz.
Leva
O que nunca foste se te leva a ser,
Sem deixar
De te obrigar
Ao que sempre foste,
É, dum poste da via a outro poste,
Amor a acontecer.
Certeza
Mesmo com toda a certeza
De não haver corpo, o espasmo
Se retesa,
No calor
Dum orgasmo:
É amor.
Cobarde
O cobarde não partilha a derrota:
Quando perde, perde sozinho.
Quando ganha, partilha comigo a cota
Do celebrado vinho.
Ora, partilhar a derrota com quenquer
É a maneira única de jamais perder.
Amo-te
Quando se ama,
“Amo-te” não tem voz suficiente,
Tão rica é a trama
E o ente.
Quando se é cobarde, “amo-te” tem, ao centro,
Um “desculpa” dentro.
Pior
O pior de esconder um mal
Não é o mal feito,
É o que escondido ficou em meu trejeito,
Atolado no caudal.
Pior não é o que se fizer,
É o acto de o esconder.
Mesma
O amor é todos os dias
A mesma coisa.
E é por isto que, incrível,
Na loisa
Em que o repetirias,
Ele é sempre irrepetível.
Celebrar
Quem ama tem a bênção de celebrar
Tudo o que é bom a dobrar
E a maldição feraz
De sofrer a dobrar as horas más.
O mal dói a assimilar
E dói o dobro a contar.
Acordo
Acordo para ser feliz,
Pouco importa o que por fora for
Se dentro for o que quis,
Nem o que me farão, do dia ao sabor,
Se dentro me fizer como me fiz.
Acordo, pois, para ser feliz.
Liberta
Quem se liberta da corda
Prestes a enforcá-lo,
Tende a libertar-se da borda
Da cadeira que o separa um momento
Do estalo
Do enforcamento.
Tonto
Só quem é tonto
Ama acima de tudo.
Este é o ponto,
Sobretudo
Porque só quem é tonto
Pode viver acima de tudo.
Maior
Do que os homens ser maior
É lograr viver em paz
No interior
Quando fora
Alguém, a toda a hora,
A guerra faz.
Raridade
Pensar é uma raridade
Em qualquer altura.
Quem pensa, mal pensa, na verdade,
Tão forte o sentimento se lhe apura.
Pensamento é afecto, quando nele entro:
- Quando penso, penso com alma dentro.
Perder
Quando já tudo perdeste
Do que havia a perder,
Concebeste
O mais incrível
Em quenquer:
- És invencível!
Luxo
É felicidade
Encarar o repuxo
Da totalidade
Do que me brotar ao pé
Como um luxo.
E é. E é.
Cadinho
Andamos sempre a caminho
De não sabemos o quê.
É o cadinho
De tudo o que é.
Nisto cabe
Tudo o que se sabe.
Mira
Viver é ter a cabeça
Dentro dum ponto de mira,
A um instante de morrer.
Se o gatilho tropeça,
Atira
E a gente, dum ente, passa a um ser.
Cumprir
Um homem por cumprir
É um homem estendido
Ao comprido,
Ante ele próprio, sem se definir.
Dele próprio debaixo,
Em nada o encaixo.
Caminha
Quem caminha
Caminha para lado nenhum.
Estar parado
É ainda correr asinha
De nenhum lado
Para lado algum, que tudo é Um.
Nada
A liberdade
De não precisar de nada,
A felicidade
Desatada
Do chão
Dum corpo liberto ante qualquer opinião!
Salvação
A salvação vem do nada,
Por isto é que é salvação.
Se do nada não vem gerada,
Então, não,
Não é salvação nada,
É apenas a solução.
Abraçar
Abraçar não pode ser
Apesar de tudo,
Mero aparecer
Abelhudo.
Abraçar tem de ser
Sobre tudo.
Bem
Se entre dois que se amarem
Tudo estiver bem,
É, porém,
Por se enganarem.
Então, afinal,
Algo está mal.
Novo
Se, perante o novo problema,
Queres a velha solução,
Então,
Por lema,
Crias outro novo problema
Aos que já por aí te enredarão.
Preciso
Será preciso ter aquilo
De que preciso desesperadamente
Para entender, tranquilo,
Que, afinal, não preciso daquilo,
Nem nunca nem no presente,
E muito menos desesperadamente?
Despedida
A despedida é o mortal tormento
Em que os corvos medem
A garra adunca.
Apenas há um momento
Em que os que se amam se despedem:
- Nunca!
Medo
Por medo de ser tarde demais
Cedo demais agimos.
Agir então já não é, que reagimos
Ao que nos surja nos quintais.
Normalmente então aí
Todo o contra é contra si.
Treino
Se precisas de treino
Para ser homem,
Teu reino
As teias o consomem,
Suspicaz:
- Jamais homem serás.
Problema
O problema maior que o nosso
É que o nosso em nós harmoniza:
A cura da doença posso
Encontrar na que outrem inferniza.
É sempre este estranho egoísmo
Que nos puxa a corda do abismo.
Estarei
Com ela mais estarei
Se decidir sem ela estar
Do que ficarei
Se decidir com ela ficar.
O amor, só quando é contraditório,
É que não é ilusório.
Longe
Amar é ficar feliz
A assistir, de longe embora,
Felicidades viris
De quem ama a toda a hora.
Porque quem ama jamais
De longe ama nem demais.
Prelúdio
Se o prelúdio da felicidade é a dor,
O prelúdio da dor é a felicidade.
Só quem sabe o que é feliz se propor
Pode saber
De verdade
O que é doer.
Sem
Não há felicidade sem dor.
Nunca sabe a felicidade
A vida em que a dor não for
O contraste da própria identidade.
Sem um pingo de dor
Não há pingo de felicidade.
Desconfio
Desconfio
De quem
Matou a fantasia:
Não confio
Em ninguém
Que não ria.
Dolorosa
A situação dolorosa
Posso-a transformar com riso,
Se humor encontrar na glosa
De tudo, pobre que o gizo.
Então vou, mesmo sem ver,
A tudo sobreviver.
Esvai-se
Esvai-se a sensualidade
Como se perde a beleza,
Mas um casal cuja idade
É de riso uma represa,
Além de vero prazer,
É um perene renascer.
Jogadores
Dois tipos de jogadores
Há que nunca valem nada:
Os que nunca executores
São da ordem ordenada
E os que nunca farão nada
Além de ordens de mentores.
Improvisação
É a vida improvisação,
Acolhe o mundo a mudar,
Sempre a evoluir pelo chão,
Com a regra de o moldar
Melhor que algum dia vi:
- Diz-lhe sempre “sim, sim, e...”
Ocupados
Andamos tão ocupados
Atrás do extraordinário
Que esquecemos de, parados,
Gratos pelo numerário
Ficarmos, sem custo algum,
Daquilo que for comum.
Ligação
Amor, maravilhamento,
Fé, esperança, gratidão,
Não as sinto algum momento
Senão numa ligação.
Compaixão quem a desperta
Numa ilha que é deserta?
Cego
Ficar cego não me faz
Tão infeliz quanto penso.
E a lotaria não traz
Uma alegria que, intenso,
Qualquer um quer que ela traga...
- Pois nada paga o que paga.
Chave
O dinheiro não é chave
De atingir felicidade.
Mas, desde que ele a não trave,
Com a certa quantidade
Irás, se calhar, poder
A chave mandar fazer.
Laço
Laço significativo
É aquele que se reparte,
Como fundante objectivo,
Em benesses parte a parte:
Eu e o outro, não só a mim,
Beneficia por fim.
Distante
O importante
É que do lugar onde a Divindade está sentada
Não lhe fica distante
Nada.
Então, deste modo,
Donde é que me ligo ao Todo?
Agarrar-se
Para a maioria,
Agarrar-se à crença,
À teoria,
Compensa mais, compensa,
Do que ser bem sucedida
A vida.
Quem
Por mais que tente, ninguém
Saberá nunca quem sou.
Serei apenas alguém
A sós na casa onde estou,
A sós com meus pensamentos,
Disperso pelos momentos.
Frente
Coragem de ir em frente
É o maior dom
Do amor, permanentemente:
É o rosto e o tom
Que ames um dia alguém
Do jeito que isto tem!
Nome
Aquilo é Deus, mas Deus é um nome,
Não chega para matar a fome.
O mundo não é o mundo,
É o afloramento dum abismo mais profundo,
Como a tinta numa tela
Manifesta o imo dum artista nela.
Ilusão
É uma ilusão
A inocência da selvagem beleza
Duma fatídica estrela.
A civilização
Não ataca a natureza,
Protege-nos dela.
Parte
Quando estivemos da vida num lugar,
Isto devém parte de nós
Eternamente, cintura de muralha.
Ninguém logra abandonar,
Nesta vida nem após,
O campo de batalha.
Crianças
As crianças são esponjas
E farão tudo o que podem, cada dia,
Mesmo sem lisonjas,
Para limpar toda a porcaria
Que, inevitavelmente,
Faremos logo em frente.
Cobiça
Ninguém tem plena consciência
Da cobiça lá escondida
Do coração na credência,
Até que ouve a voz delida
Do dinheiro a tilintar
No esconso onde o for guardar.
Afugenta
Afugenta a solidão,
Que nada vale nada
Neste mundo-cão
Se não tiveres, a par,
Durante a jornada,
Alguém com quem partilhar.
Peso
É o amor o maior peso
A carregar vida fora.
Muda tudo e, não repeso,
Por entre riso e gemido,
Jamais é, se for embora,
Por nada substituído.
Sangue
O sangue puxa-nos muito,
Embora só partilhado,
Ao invés de nosso intuito,
Haja misérias no fado,
Fadigas com nossa gente,
Noite que é luminescente.
Pese
Por muito que pese a ausência,
Saber que o lar afastado
Vive das metralhadoras,
Das bombas, da pestilência,
É sempre motivo grado
De nos contentar as horas.
Pé
Se tu tens o pé mais lindo,
Eu sou rei sendo empregado
Numa loja de calçado
E pelo meu reino vou indo,
De lés a lés,
Quando estou a teus pés.
Paciência
Com paciência me ensinas
Que há muito a aprender
Até ficar à altura de ignorar as sinas
Que nos unem no bem-querer.
E que os abraços são uma viagem
Para a aprendizagem.
Cesto
Ser feliz é entender
Que há tanto, tanto cesto
Para encher
Neste lugar,
Antes de esperar
Que a vida faça o resto!
Sofrimento
Quem ama sabe, a todo o momento
Vivido,
Que até o sofrimento
Pode sempre fazer sentido.
Difícil é descobri-lo,
Que depois é só segui-lo.
Ciência
A ciência
Tem uma deficiência irreparável:
A eterna insuficiência
Da capacidade mensurável
Que reclama
O que se ama.
Fragmento
Quero apenas um fragmento
Para me sentir inteiro.
De que serve ter tudo um momento
Se há um depois de que me abeiro?
Como ocupar dias tais
Se com quê não houver mais?
Golada
A felicidade evita a vida numa golada:
Um nico aqui, outro além,
Com a fasquia bem alteada
Mas sem nunca tocar o céu.
Há tanto que trepar também
Antes de atingir o topo e rasgar o véu!
Gente
Os que eu amo
Não são os melhores do mundo,
Mas são gente, o meu ramo
No arvoredo fecundo.
É o que sempre há-de bastar
Para podê-los amar.
Coragem
O sonho imagina,
A coragem faz.
E, quando ela o destina,
O mundo salta e alcança,
Para a frente e para trás,
Na eterna dança.
Gostamos
Quando não gostamos de algo,
Algo não é problema,
O problema é que eu não galgo
O muro que me furta o tema
Que em tal algo há-de ecoar
Com o que tiver para me dar.
Crueldade
Da vida a pior crueldade é não ter
Mais que este quinhão:
Um homem, uma mulher
E de cada um a pobre limitação.
Da vida o pior que a resuma
É ser ela só uma.
Trincheiras
Em trincheiras diferentes
Mas ambos do mesmo lado,
Queres amar-me à tua maneira com teus repentes,
Quero amar-te à minha, encavacado.
Então ambos queremos, sue cada qual o que sue,
Que este amor continue.
Herói
O herói é apenas
Um homem mais teimoso,
Mais irascível, mais indemne às penas,
Mais insuportável que o vulgo temeroso.
Um herói suportável, se algum o foi,
Então é porque não foi nenhum herói.
Capaz
O amor é o que nos faz
Não saber quem somos
E ao mesmo tempo é capaz,
Quando após
De nós dispomos,
De nos fazer sabermo-nos fundamente nós.
Fenomenal
Fenomenal
O poder que existe
No trono de teu patim:
Estás igual
E conseguiste
Mudar tudo em mim!
Reencarnação
A reencarnação
Transpõe a chama duma para outra vela,
Geração a geração.
A fonte da vida é a mesma em toda a sequela,
Não é, porém, a mesma a chama
Quando noutra vela se proclama.
Oportuno
Pelo tempo oportuno esperar,
Dois contrários é coordenar
Que a todo o momento
Persigo:
Lograr o que intento,
Evitar o perigo.
Dias
Dias longos o sol
Os dará.
Dias grandes, não.
Deles o arrebol
Apenas o fará
A acção.
Reconhecer
Verdadeiro saber
É reconhecer a verdade,
Filha embora doutro ver,
Doutra personalidade,
E jamais se deixar
Pela luz própria cegar.
Alheio
O ter alheio
E a alheia mulher?
Deus livre de tal meio
A quenquer,
Que os raios ali coruscam!
Entretanto, é o que tantos buscam...
Pálpebras
A inveja tanto seduz
Que nas pálpebras encerra
Todo o poder que há de olhar.
Olhos que vejam a luz
Não os pode haver na terra
Onde a luz os faz cegar.
Espada
Não mora na espada
O acto de que a espada é cheia,
Mas na mão ferrada
Que a meneia.
Não olhes à fachada
Mas ao que por trás dela ameia.
Parecem
As coisas, do que parecem
É que serão explicadas.
Os homens, não, que eles tecem
No coração as jogadas
E entre parecer e ser
Há o mundo inteiro a correr.
Fortuna
Bem mais a fortuna adversa
Que a próspera me aproveita.
Esta, feliz, branda, tersa
A nos enganar trejeita,
Aquela à muda se inclina:
Se uma engana, a outra ensina.
Mais
Na guerra, o mais de estimar
Será decerto o vencer,
Como o que é mais de temer
É a vitória que alcançar:
É que do triunfo a sorte
Muda às rodas logo o norte.
Ignorância
O sábio ver a ignorância,
O erro próprio fácil é,
Ou de sábio nunca a instância
Se lhe deu de boa fé.
O problema é confessá-lo,
Tal na grandeza é o abalo.
Dogmas
Sustentar dogmas de escola
É o derradeiro castelo
Onde o sábio tudo imola
Ao erro, apesar de vê-lo,
Tanto ao pundonor refém
Lhe pesa o nome que tem.
Soprando
Em soprando a tentação,
Mudarão de parecer
Ao vão sabor do poder
Os que sacudidos vão
Dum campo ao outro da guerra
Tal se foram pó da terra.
Respeitar
Os médicos devem ser
Tal e qual a enfermidade:
Não respeitar em quenquer
Qualidade ou dignidade.
O nobre como o vilão
Iguais na doença irão.
Opinião
É da boa opinião
Que depende o bom governo.
Se dela não vem, então,
Do que pensa o subalterno
Cuido tal da própria obra,
Senão língua devém cobra.
Mandar
Mandar em homens a quem
Nem benefícios obrigam
Nem os regalos contêm,
Por finezas todos brigam,
Não há nada que os contente
Nem faz bem o que hão em mente?!
Néscio
Do néscio os olhos, na essência,
Como à superfície param,
Vêem só pela aparência.
Os dos sábios penetraram
Das coisas pelo interior,
O ser vêem a se impor.
Ama
Quem pouco ama, do bastante
Se contenta. Quem muito ama,
Contenta-o o que for sobrante.
Se mais que muito o amor clama,
Trepa ainda mais acima,
Sempre adiante é que é o seu clima.
Entregar
Entregar ao poderoso
Do pobre o suor e o sangue,
O aplauso a granjear vistoso
Do rico que com tal mangue,
De água à terra é roubar gozo
O rio a encher caudaloso.
Fruto
Fazer palavras de Deus
Falar o que nós queremos
Sem jamais querer dos céus
O que deles recolhemos...
- Que admira ao fim que o produto
Seja dos céus nenhum fruto?
Doméstico
Ao doméstico inimigo
Que mais devera temer
É a quem mais darei abrigo,
A quem ouço e findo a crer.
E quanto mais lisonjeiro
Mais será nisto pioneiro.
Ervas
O rei de homens não se serve
Contentes de comer ervas.
De adulador que conserve
É comido nas reservas,
Cercado assim do inimigo
...E seguro crê o abrigo.
Vaidade
A vaidade não amada
Não tem peso, que é vaidade.
Dela mesma a vacuidade
Amada é muito pesada.
O peso é do coração
Com que eu a amar, dela não.
Conta
Aos euros fazes a conta
De que haverás de comer,
E a quem serves não aponta
A conta nem um sequer?
Não és digno que se veja
De nada que te proteja.
Atemos
Querer que nós nos atemos
A nossos antepassados
É querer vivos atados
A mortos que já não temos.
- E perder a nova vida
Que após eles é nascida.
Maior
O maior servo não é
O que tem maior lugar
Na casa de seu senhor,
Mas o que mais zelo e fé
Tem naquilo que a honrar
E lhe aumentar o valor.
Observante
Há quem nas coisas pequenas
Se ostente mui observante
Enquanto nas graves cenas
Leva o ego sempre avante.
Engasga-se dum mosquito,
Engole um boi sem atrito!
Já
Estudar o já estudado,
Escrever o já descrito
É no regato toldado
Ir encher o cantarito
Por não cansar quem o conte
De ir recolher água à fonte.
Matérias
Há matérias em que importa
Mais um dia de experiência,
De vistas fora da porta,
Do que uma vida de ausência
A especular sobre tudo
Na vacuidade do estudo.
Autoridade
Amigo de autoridade
Quem deveras pode ser
Se raro a esta lhe agrade
Ajustar-se a quem disser,
Como fonte de conflito,
O que antes nunca foi dito?
Mudar
Mudar o mundo está bem
Seja lá por onde for?!
Para a muda mudar bem,
Só a muda para melhor...
- Ora quando há um dogmatismo,
O que aí vem é o abismo.
Absoluta
História além, perigoso
É ter verdade absoluta:
Mata mais que cão raivoso,
Destrói quenquer que a discuta.
E já somam biliões
No cemitério os caixões.
Filho
O teu filho tudo tem,
Ao dela falta-lhe tudo
E ao fim este é que mantém
A vida feliz, contudo?
- Não terá nada, porém,
Tem o atento amor da mãe.
Sacralizar
Respeitar as tradições,
Convenções não violar
Sem para tal ter razões
E sem nunca exagerar
- Sim, mas mantendo tenções
De as jamais sacralizar.
Contramão
Às vezes a consciência
Pressiona na direcção
Contra a qual a conveniência
Nos empurra em contramão.
Que entre as duas a prudência
Da eficácia escolha então.
Espectadores
A vida não é desporto
Apenas de espectadores.
Se à janela olhas o porto,
Só vais ver, com mil pendores,
A vida que ocorre ali
A passar, passar por ti.
Pobreza
O principal desafio
Há-de ser sempre a pobreza.
Quando não sei onde avio
A refeição que me apresa,
Como em conta ter o ambiente
Uns cem anos mais à frente?
Porvir
O porvir da humanidade
Só vai ser assegurado
Se nos virmos de verdade
Tal da natureza um dado,
Uma íntima parcela
Nunca separada dela.
Galvaniza
A climática mudança
Galvaniza gerações,
É uma universal balança,
Desafia os corações...
- É deveras excitante
Partilhar de tal instante.
Custo
De não fazer nada o custo
É maior que investimento
Em proteger, no que é justo,
O ambiente de momento.
E, quanto mais esperamos,
Mais caro é quando o façamos.
Água
Para muitos de nós, água
É meramente a torneira.
Quem do rio lembra a frágua
Donde a fonte hauriu primeira?
Quem a teia viu da vida
Que das águas é sustida?
Conveniência
Grupo algum segue mais leis
Que as da própria conveniência.
Imaginá-lo ao invés
É negar a experiência.
- O invés, porém, muda o mundo:
É o impossível fecundo.
Mudar
Tão mais de bom e louvável
Tem mudar de parecer
Ou decisão condenável
Por inconveniente haver
Quão mais torpe se mostrar
Neles se perseverar.
Culpa
A culpa de não ter culpa
É a que inculpa ainda mais:
“Nem sequer pedem desculpa!
Quem é que vós vos julgais?”
- Assim fala o ditador
E jura que é por amor...
Pobre
Pobre é bem-aventurado
Da pobreza que é escolhida.
Da pobreza que é do fado,
Nem nesta nem noutra vida,
Que nesta a miséria é o dado
E outra não lhe é prometida.
Arde
Mais é o que arde e que se queima
Todo o dia nos altares
Que o que se emprega na teima
De aos pobres os sustentares.
Um dia daremos conta
De quanto esta escolha é tonta.
Mundo
O mundo é um enorme sonho,
Dele os tesoiros, miragem.
As coisas de que disponho
Não são reais, são a imagem
Que em meu íntimo acalente
De tudo o que tenho em mente.
Ponte
Reparo no sofrimento
De quem requer uma ponte
E não retém, de momento,
Nunca nenhum horizonte.
E o amor em parceria
Dá-lhe a ponte ao novo dia.
Medo
Ter medo de envelhecer
Quando me sinto mais sábio,
Mais maduro, a conhecer
Melhor da vida o astrolábio?
Trocar isto por melhor
Pele e vida sem sabor?!
Borboleta
A borboleta, sensata
Não precisa, não, de o ser.
Quando a cor de asas desata,
Abrilhanta quanto houver.
E basta-lhe esta alegria:
Ser da vida a fantasia.
Asas
Temos de vigiar as asas
Aos decisores políticos,
Que acima da lei as casas
Não têm, por mais graníticos
Os calhaus que hão no alicerce:
- A imorais, só cortes cerce!
Determinados
Quando estão determinados
A ver as próprias ideias
Nos temas implementados,
Não escutam as alheias:
- Desertam de tais pendores
As águas então melhores.
Medíocres
Quando medíocres obras
Levantam tanto barulho,
É o ruído, então, das sobras,
Da mediocridade o entulho.
Como então não crer que a fama
Há-de ser da mesma trama?
Grandes
O reino dos grandes mortos
É o moinho em que a farinha
É moída para os portos
Dos vivos na pesca à linha.
Aqui é que ao pensamento
Destes servem de alimento.
Subjectividade
A subjectividade,
De si próprio produção,
Agrade-me ou desagrade,
É o produto
Da perene irrupção
Do jorro de mim ininterrupto.
Calha
Como calha mesmo bem,
Quando a ideia é de valor
Mas matá-la nos convém,
Dela se atacar o autor!...
Do maior ao infantil,
Do ditador é o perfil.
Desconfia
Desconfia em relação
Aos loucos que pretenderam
E sempre pretenderão
Dizer-nos que apreenderam
(Verdade em que se consomem)
O que é deveras o Homem.
Magistrais
Obras magistrais a que faltar alma,
A que faltar alguém dentro,
Se dentro não levam dum imo a palma,
Cá dentro nunca a mim chegam, ao centro.
Qualquer obra de arte, ao se impor,
Traz-me dentro o próprio criador.
Solidão
Solidão não é falta de alguém, no fim,
Em meu redor, na vida à solta.
Solidão é falta de mim
À minha volta.
Andar acompanhado na vida à toa
Apenas requer uma pessoa.
Feliz
Quem é mais feliz?
Quem tem tudo o que sonhou
Ou quem ainda procura o sonho na matriz?
E o sonho em que parte mais ficou,
Em lutar por ele, no eterno apelo,
Ou em vivê-lo?
Dói
Que é que dói mais?
Uma vida de sonho desejar
E não a atingir jamais
Ou duma vida de sonho desfrutar
E descobrir que o sonho, no despiste,
Nunca mais existe?
Borla
A vida não é de borla,
Antes é uma burla a vida.
Na orla
A todos nos convida
A pagar toda a dívida do mundo:
Somos vítimas de fraude, no fundo.
Óculos
Todos pelos nossos óculos vemos.
Sabemos que o que sabemos
Que outrem sobre nós sabe
É uma intrujice de todo o tamanho:
- A verdade não cabe
Em nenhum amanho.
Definido
Com destino definido,
Sabem para onde ir,
Pelo passo rápido e decidido.
Só não sabem descobrir,
Depois de chegarem ao que haverá,
É se irão mesmo chegar lá.
Perder
Vencer?
É pouca a glória,
Só requer uma vitória.
Perder,
Não,
- Requer superação.
Doer
Doer é constituinte de amar,
Quem não é doído não é amado.
A par,
Por outro lado,
Quem não quer ser amado não é doído
Mas é doido em todo o sentido.
Alguém
Amar é ter alguém a fechar-me os olhos,
A definir com rigor o que vejo
Nos refolhos
De meu brejo.
Amar é, de tudo além,
Ter alguém.
Custa
Nada custa como ficar sozinho
Vivo ainda.
Deixar o corpo a respirar maninho
Quando apenas a solidão é advinda
É a mais pérfida sorte
De morte.
Desesperado
Quando o desesperado
Não tem onde cair morto,
É que não encontra, em nenhum lado,
No cais do porto,
Um recanto, por mais esquivo,
Onde manter-se de pé vivo.
Desculpa
“Desculpa”, o bom começo:
Permite minorar os estragos
Do tropeço,
Permite sobreviver aos tragos
Que concita
A má palavra dita.
Acontece
Pouco importa o que acontece
Mas o que nos acontece, antes:
O que em nós acontece com o que, refece,
A nós nos acontece em todos os instantes.
Por mais que ocorra a esmo,
Não é nunca o mesmo.
Mais
A vida, mais que o que é,
É o que quem a vive
Encontrar ali de pé.
Pontos de vista, vários há que arquive
E cada qual, no que vive, escolheu
O seu.
Mortos
Há cães e gatos mortos
No meio da estrada
E ninguém liga, de olhos tortos,
A olhar mas sem ver nada.
Olhos ao vento, de nada ver,
E há cães e gatos ali a apodrecer...
Basta
Basta olhar
Aquele alguém para saber
Que o mundo irá continuar
A acontecer,
Seja qual for o sol-pôr?
- É o amor.
Quê
Para quê a felicidade
Se já tenho o teu amor?
Para que é que o sol me invade
Se de tua luz tenho o fulgor?
Para quê o céu
Se já tenho este olhar teu?
Premiou
Mais que graúdo e miúdo
Me premiou.
Tive tudo
Mas acabou:
É o fogo, é o horror,
- É o amor.
Encadeados
Todos somos encadeados de guerras,
Com batalhas interiores
Em planuras e serras,
Ora nelas vitoriosos, ora perdedores.
E, sobretudo, muitas delas em cimos tais, em cimos,
Donde nunca saímos.
Ditador
Todo o ditador, na realidade,
Acredita à toa
Na liberdade.
Nenhum ditador, por sinal,
É má pessoa,
Todos, porém, vêem mal.
Derradeiro
Se tiver de ser,
Mesmo que seja o derradeiro
Que farás em vida,
Então é o amor a acontecer,
Pioneiro
Da semente renascida.
Sempre
Para sempre o amor quisemos
E não soubemos
Que podia ser longe demais.
A felicidade é tão longe
Que nem um monge
Lhe acerta nos portais.
Mudo
O mundo apenas mudo quando nós,
Em nossa escolha pequena ou tamanha,
Mudamos também uns laços,
Uns nós.
O mais pequeno dos passos
É para chegar ao topo da montanha.
Continua
O amor persegue, continua, ouvimo-lo,
Vemo-lo, tocamo-lo, sentimo-lo
Por toda a parte a amadurar,
De tão perenemente verde.
O pior do amor é não findar
Quando se perde.
Inexistente
O amor, de todo o inexistente,
É o mais real.
Coloca-te, afinal,
Numa realidade alternativa, diferente:
A realidade que tudo o resto, furtiva,
Torna numa real alternativa.
Baralho
É amor quando não importa o baralho nem as cartas
Com que jogas.
Só quem apartas,
Em quem te afogas.
Se não importa perder nem ganhar,
Se só importa com quem estás a jogar.
Pior
Pior que mal após mal
É sempre mal após bem.
Um bem habitua-te, ao final,
Seduz-te, dependes dele vida além.
Depois dum bem que te exorte,
Um mal fere-te de morte.
Retornar
Retornar ao passado
Para tapar do presente o vazio
É garantir, malfadado,
Que quebrei o fio
Que inauguro:
- Não existe mais futuro.
Pequeno
“Um dia vou ser grande” – sonha o neto,
Sereno.
“Um dia vais ser pequeno,
Prometo.”
- E o avô, mais uma vez,
Dribla da vida o revés.
Arma
Quem qualquer arma inventa
Dá poder de vida e morte
A incontáveis ignorantes que ela tenta
E que só sabem premir o gatilho, à sorte,
Contra quem não aguenta
Fazer-lhes a corte.
Teia
Urdimos a teia,
Tecemo-la vida fora,
A morte a corta, meia.
Quem na hora
Não apura
Que na morte lhe sobrou muita urdidura?
Noutrem
Quando alguém noutrem viu a salvação,
Algo está mal e quer ressalva.
Não,
Nenhum outro nos salva.
Quando muito existe um alvo
Onde alguém ficou a salvo.
Primeira
Parte para a viagem
Cuidando que é a primeira,
Jamais a derradeira.
É a primeira na triagem
Do apresto
De tuas viagens para o resto.
Medo
Na comunidade embebida em medo
A tirania floresce.
Na comunidade lobotomizada, o credo
Cresce.
- Não é comunidade, não: a maleita
É duma seita.
Ideia
“Tive uma ideia!”
- E eis-nos com a convicção,
Errada ou não,
De que vai a pena valer
De mão cheia
Viver.
Desistir
É tempo de desistir
E buscar caminho novo?
Só deixando o velho ir
De vez é que me inovo
E logro atingir
O ovo.
Tentar
Para tentar, qual dinheiro,
Qual privilégio sequer!
É a tua tentativa primeiro
Mais a dum outro qualquer:
Bastam duas tentativas, que este ovo
Cria logo um mundo novo.
Dejecto
Amar um corpo é amar um dejecto,
Carcaça de vir-a-ser,
Sem tecto
A proteger.
Amar um corpo, de tão torto,
É um estado de morto.
Menos
Trabalhar o menos
Sem, contudo,
Deixar de fazer tudo
Para atingir o mais
- É o que, de pequenos,
Nos vem tornando geniais.
Importante
O mais importante do mundo
E que ao mundo dá sentido
Fecundo
E a que cada qual é atreito
- É que mesmo o proibido
Pode ser feito.
Ditador
Ditador,
Todo o que instiga o culto da personalidade,
É o horror!
Ver num homem a divindade
É sempre, neste interim,
O princípio do fim.