TRILHOS  POLARES

 

 

Excessiva

 

Arte, só mesmo excessiva

Mas também equilibrada.

O génio do artista esquiva

A traiçoeira pancada:

É o grande artista, aos baldões,

Trapezista em sensações.

 

 

Prestes

 

Quão mais amo de verdade

Mais é prestes a acabar.

Todo o amor é pioneiro:

Quão mais singularidade,

Mais prestes tudo a findar,

Todo o amor é derradeiro.

 

 

Nada

 

Se dor não exigiu,

Não foi uma vitória.

Se ganhaste e nada em ti doeu,

Não ganhaste nada. Tudo vanglória.

“Aqui jaz” – clama ao invés a vitória aos vivos –

“Alguém com objectivos.”

 

 

Diabo

 

Persiste

E me maltrata

Do diabo com furor.

Se subsiste

Depois do que me mata

- É amor.

 

 

Caber

 

Para caber

No que nos torna felizes

Por vezes temos de nos encolher

Desde as matrizes.

Se mesmo encolhido te sentes o maior,

Então é amor.

 

 

Exposição

 

Toda a felicidade morre

Por exposição demais.

Nenhuma hora boa ocorre

De expor ao sol novidades tais.

A inveja

Pica de lagartas qualquer cereja.

 

 

Perfeição

 

Se vês na perfeição,

Então não é amor.

Se a perfeição vês, então

É o fulgor

Do amor

A atapetar-te o chão.

 

 

Voz

 

Se, ouvindo tua voz,

Ouves um ruído leve demais

Para quanto fala ali,

Andam dum amor veloz

Os sinais

A murmurar em ti.

 

 

Planos

 

Amar e viver

São dois planos diferentes

Que mal se cruzam sequer,

Realidades paralelas evidentes.

Só os que nunca amaram, antiquados pedestres,

Não crêem em extraterrestres.

 

 

Vêem

 

Meus olhos crêem

Que um belo colibri

Recolham?

- Meus olhos não vêem

Quando não é para ti

Que olham.

 

 

Verdade

 

Se a verdade existir,

É a daquilo que nos une,

O que logramos discernir

No instante que nos reúne:

- Alguém que nunca vi

E eu, como nunca, a me surpreender ali.

 

 

Novo

 

É sempre novo o amor,

Corre de zero em zero a vida inteira,

Ovo eternamente a eclodir ao calor

Da lareira.

Todo o amor, no lar,

É a estrear.

 

 

Tentativa

 

Se te faz tudo arriscar

Por uma mera tentativa,

Se vale mais tentar

Que conseguir seja o que for

Que se esquiva,

- É amor.

 

 

Tu

 

Quando se amar,

Tu é a primeira pessoa do singular

 

E, por igual,

A primeira do plural.

 

Quando nem a gramática lhe dá conta do teor,

Então é amor.

 

 

Fazer-me

 

Fazer-me: único emprego

A que todos temos direito,

Único trabalho que não delego,

Que na vida deveria tomar a peito.

É, cristalina e sempre à mão,

A nossa missão.

 

 

Amar

 

Temos de aprender a amar,

Que, embora pouco, é tudo:

É o lugar

Onde mudo.

Se me é tudo sendo pouco,

É amor a que não sou mouco.

 

 

Ocorreu

 

Se te ocorreu o amor,

Ocorreu-te, no abalo,

O melhor e o pior.

Resta-te, ao seres,

Aproveitá-lo

O mais que puderes.

 

 

Fechar

 

Para quem não ama, ser feliz

É fechar os olhos:

Fazer tudo para fazer o que não quis,

Para, com os antolhos,

Não ver que no caminho

Vai completamente sozinho.

 

 

Jumento

 

Se és jumento, não logras argumentar.

Se não logras argumentar, agrides.

Se agrides, és, alvar,

Um jumento no que lides.

Deste círculo se alimenta

A mentalidade jumenta.

 

 

Remoque

 

Se tudo está bem,

Se mais remoque

De nada nem ninguém

Acusa o toque:

Seja o que for,

Não é amor.

 

 

Tudo

 

Se cheira a tudo e a tudo sabe,

Se rasga tudo e tudo pisa,

Se come tudo e em nada cabe,

Se quer tudo e tudo realiza,

De ti fazendo seja o que for,

Então é amor.

 

 

Sexo

 

Quem não ama não consegue

Viver feliz sem o sexo.

E, enquanto o sexo prossegue,

Vive infeliz neste anexo.

Só quem ama logra ser

Feliz sem mais sexo haver.

 

 

Buraco

 

Ninguém tapa um buraco

Com uma desistência.

Aliás, se um acato,

É que há um, com evidência.

Ora, basta um se impor

Que já não é amor.

 

 

Revolução

 

A revolução começa

Quando um lunático qualquer

Diz que, mais que ser ele uma peça,

Revolução é o que ele vai ser.

E depois, mais ou menos a esmo,

É mesmo.

 

 

Importa

 

Quando o sexo não importa,

O que importa importa mesmo:

É o que sentirmos que exorta,

O que pensarmos a esmo,

O que se olha, o que se faz

E o que dissermos que apraz.

 

 

Leva

 

O que nunca foste se te leva a ser,

Sem deixar

De te obrigar

Ao que sempre foste,

É, dum poste da via a outro poste,

Amor a acontecer.

 

 

Certeza

 

Mesmo com toda a certeza

De não haver corpo, o espasmo

Se retesa,

No calor

Dum orgasmo:

É amor.

 

 

Cobarde

 

O cobarde não partilha a derrota:

Quando perde, perde sozinho.

Quando ganha, partilha comigo a cota

Do celebrado vinho.

Ora, partilhar a derrota com quenquer

É a maneira única de jamais perder.

 

 

Amo-te

 

Quando se ama,

“Amo-te” não tem voz suficiente,

Tão rica é a trama

E o ente.

Quando se é cobarde, “amo-te” tem, ao centro,

Um “desculpa” dentro.

 

 

Pior

 

O pior de esconder um mal

Não é o mal feito,

É o que escondido ficou em meu trejeito,

Atolado no caudal.

Pior não é o que se fizer,

É o acto de o esconder.

 

 

Mesma

 

O amor é todos os dias

A mesma coisa.

E é por isto que, incrível,

Na loisa

Em que o repetirias,

Ele é sempre irrepetível.

 

 

Celebrar

 

Quem ama tem a bênção de celebrar

Tudo o que é bom a dobrar

 

E a maldição feraz

De sofrer a dobrar as horas más.

 

O mal dói a assimilar

E dói o dobro a contar.

 

 

Acordo

 

Acordo para ser feliz,

Pouco importa o que por fora for

Se dentro for o que quis,

Nem o que me farão, do dia ao sabor,

Se dentro me fizer como me fiz.

Acordo, pois, para ser feliz.

 

 

Liberta

 

Quem se liberta da corda

Prestes a enforcá-lo,

Tende a libertar-se da borda

Da cadeira que o separa um momento

Do estalo

Do enforcamento.

 

 

Tonto

 

Só quem é tonto

Ama acima de tudo.

Este é o ponto,

Sobretudo

Porque só quem é tonto

Pode viver acima de tudo.

 

 

Maior

 

Do que os homens ser maior

É lograr viver em paz

No interior

Quando fora

Alguém, a toda a hora,

A guerra faz.

 

 

Raridade

 

Pensar é uma raridade

Em qualquer altura.

Quem pensa, mal pensa, na verdade,

Tão forte o sentimento se lhe apura.

Pensamento é afecto, quando nele entro:

- Quando penso, penso com alma dentro.

 

 

Perder

 

Quando já tudo perdeste

Do que havia a perder,

Concebeste

O mais incrível

Em quenquer:

- És invencível!

 

 

Luxo

 

É felicidade

Encarar o repuxo

Da totalidade

Do que me brotar ao pé

Como um luxo.

E é. E é.

 

 

Cadinho

 

Andamos sempre a caminho

De não sabemos o quê.

É o cadinho

De tudo o que é.

Nisto cabe

Tudo o que se sabe.

 

 

Mira

 

Viver é ter a cabeça

Dentro dum ponto de mira,

A um instante de morrer.

Se o gatilho tropeça,

Atira

E a gente, dum ente, passa a um ser.

 

 

Cumprir

 

Um homem por cumprir

É um homem estendido

Ao comprido,

Ante ele próprio, sem se definir.

Dele próprio debaixo,

Em nada o encaixo.

 

 

Caminha

 

Quem caminha

Caminha para lado nenhum.

Estar parado

É ainda correr asinha

De nenhum lado

Para lado algum, que tudo é Um.

 

 

Nada

 

A liberdade

De não precisar de nada,

A felicidade

Desatada

Do chão

Dum corpo liberto ante qualquer opinião!

 

 

Salvação

 

A salvação vem do nada,

Por isto é que é salvação.

Se do nada não vem gerada,

Então, não,

Não é salvação nada,

É apenas a solução.

 

 

Abraçar

 

Abraçar não pode ser

Apesar de tudo,

Mero aparecer

Abelhudo.

Abraçar tem de ser

Sobre tudo.

 

 

Bem

 

Se entre dois que se amarem

Tudo estiver bem,

É, porém,

Por se enganarem.

Então, afinal,

Algo está mal.

 

 

Novo

 

Se, perante o novo problema,

Queres a velha solução,

Então,

Por lema,

Crias outro novo problema

Aos que já por aí te enredarão.

 

 

Preciso

 

Será preciso ter aquilo

De que preciso desesperadamente

Para entender, tranquilo,

Que, afinal, não preciso daquilo,

Nem nunca nem no presente,

E muito menos desesperadamente?

 

 

Despedida

 

A despedida é o mortal tormento

Em que os corvos medem

A garra adunca.

Apenas há um momento

Em que os que se amam se despedem:

- Nunca!

 

 

Medo

 

Por medo de ser tarde demais

Cedo demais agimos.

Agir então já não é, que reagimos

Ao que nos surja nos quintais.

Normalmente então aí

Todo o contra é contra si.

 

 

Treino

 

Se precisas de treino

Para ser homem,

Teu reino

As teias o consomem,

Suspicaz:

- Jamais homem serás.

 

 

Problema

 

O problema maior que o nosso

É que o nosso em nós harmoniza:

A cura da doença posso

Encontrar na que outrem inferniza.

É sempre este estranho egoísmo

Que nos puxa a corda do abismo.

 

 

Estarei

 

Com ela mais estarei

Se decidir sem ela estar

Do que ficarei

Se decidir com ela ficar.

O amor, só quando é contraditório,

É que não é ilusório.

 

 

Longe

 

Amar é ficar feliz

A assistir, de longe embora,

Felicidades viris

De quem ama a toda a hora.

Porque quem ama jamais

De longe ama nem demais.

 

 

Prelúdio

 

Se o prelúdio da felicidade é a dor,

O prelúdio da dor é a felicidade.

Só quem sabe o que é feliz se propor

Pode saber

De verdade

O que é doer.

 

 

Sem

 

Não há felicidade sem dor.

Nunca sabe a felicidade

A vida em que a dor não for

O contraste da própria identidade.

Sem um pingo de dor

Não há pingo de felicidade.

 

 

Desconfio

 

Desconfio

De quem

Matou a fantasia:

Não confio

Em ninguém

Que não ria.

 

 

Dolorosa

 

A situação dolorosa

Posso-a transformar com riso,

Se humor encontrar na glosa

De tudo, pobre que o gizo.

Então vou, mesmo sem ver,

A tudo sobreviver.

 

 

Esvai-se

 

Esvai-se a sensualidade

Como se perde a beleza,

Mas um casal cuja idade

É de riso uma represa,

Além de vero prazer,

É um perene renascer.

 

 

Jogadores

 

Dois tipos de jogadores

Há que nunca valem nada:

Os que nunca executores

São da ordem ordenada

E os que nunca farão nada

Além de ordens de mentores.

 

 

Improvisação

 

É a vida improvisação,

Acolhe o mundo a mudar,

Sempre a evoluir pelo chão,

Com a regra de o moldar

Melhor que algum dia vi:

- Diz-lhe sempre “sim, sim, e...”

 

 

Ocupados

 

Andamos tão ocupados

Atrás do extraordinário

Que esquecemos de, parados,

Gratos pelo numerário

Ficarmos, sem custo algum,

Daquilo que for comum.

 

 

Ligação

 

Amor, maravilhamento,

Fé, esperança, gratidão,

Não as sinto algum momento

Senão numa ligação.

Compaixão quem a desperta

Numa ilha que é deserta?

 

 

Cego

 

Ficar cego não me faz

Tão infeliz quanto penso.

E a lotaria não traz

Uma alegria que, intenso,

Qualquer um quer que ela traga...

- Pois nada paga o que paga.

 

 

Chave

 

O dinheiro não é chave

De atingir felicidade.

Mas, desde que ele a não trave,

Com a certa quantidade

Irás, se calhar, poder

A chave mandar fazer.

 

 

Laço

 

Laço significativo

É aquele que se reparte,

Como fundante objectivo,

Em benesses parte a parte:

Eu e o outro, não só a mim,

Beneficia por fim.

 

 

Distante

 

O importante

É que do lugar onde a Divindade está sentada

Não lhe fica distante

Nada.

Então, deste modo,

Donde é que me ligo ao Todo?

 

 

Agarrar-se

 

Para a maioria,

Agarrar-se à crença,

À teoria,

Compensa mais, compensa,

Do que ser bem sucedida

A vida.

 

 

Quem

 

Por mais que tente, ninguém

Saberá nunca quem sou.

Serei apenas alguém

A sós na casa onde estou,

A sós com meus pensamentos,

Disperso pelos momentos.

 

 

Frente

 

Coragem de ir em frente

É o maior dom

Do amor, permanentemente:

É o rosto e o tom

Que ames um dia alguém

Do jeito que isto tem!

 

 

Nome

 

Aquilo é Deus, mas Deus é um nome,

Não chega para matar a fome.

 

O mundo não é o mundo,

É o afloramento dum abismo mais profundo,

 

Como a tinta numa tela

Manifesta o imo dum artista nela.

 

 

Ilusão

 

É uma ilusão

A inocência da selvagem beleza

Duma fatídica estrela.

A civilização

Não ataca a natureza,

Protege-nos dela.

 

 

Parte

 

Quando estivemos da vida num lugar,

Isto devém parte de nós

Eternamente, cintura de muralha.

Ninguém logra abandonar,

Nesta vida nem após,

O campo de batalha.

 

 

Crianças

 

As crianças são esponjas

E farão tudo o que podem, cada dia,

Mesmo sem lisonjas,

Para limpar toda a porcaria

Que, inevitavelmente,

Faremos logo em frente.

 

 

Cobiça

 

Ninguém tem plena consciência

Da cobiça lá escondida

Do coração na credência,

Até que ouve a voz delida

Do dinheiro a tilintar

No esconso onde o for guardar.

 

 

Afugenta

 

Afugenta a solidão,

Que nada vale nada

Neste mundo-cão

Se não tiveres, a par,

Durante a jornada,

Alguém com quem partilhar.

 

 

Peso

 

É o amor o maior peso

A carregar vida fora.

Muda tudo e, não repeso,

Por entre riso e gemido,

Jamais é, se for embora,

Por nada substituído.

 

 

Sangue

 

O sangue puxa-nos muito,

Embora só partilhado,

Ao invés de nosso intuito,

Haja misérias no fado,

Fadigas com nossa gente,

Noite que é luminescente.

 

 

Pese

 

Por muito que pese a ausência,

Saber que o lar afastado

Vive das metralhadoras,

Das bombas, da pestilência,

É sempre motivo grado

De nos contentar as horas.

 

 

 

Se tu tens o pé mais lindo,

Eu sou rei sendo empregado

Numa loja de calçado

E pelo meu reino vou indo,

De lés a lés,

Quando estou a teus pés.

 

 

Paciência

 

Com paciência me ensinas

Que há muito a aprender

Até ficar à altura de ignorar as sinas

Que nos unem no bem-querer.

E que os abraços são uma viagem

Para a aprendizagem.

 

 

Cesto

 

Ser feliz é entender

Que há tanto, tanto cesto

Para encher

Neste lugar,

Antes de esperar

Que a vida faça o resto!

 

 

Sofrimento

 

Quem ama sabe, a todo o momento

Vivido,

Que até o sofrimento

Pode sempre fazer sentido.

Difícil é descobri-lo,

Que depois é só segui-lo.

 

 

Ciência

 

A ciência

Tem uma deficiência irreparável:

A eterna insuficiência

Da capacidade mensurável

Que reclama

O que se ama.

 

 

Fragmento

 

Quero apenas um fragmento

Para me sentir inteiro.

De que serve ter tudo um momento

Se há um depois de que me abeiro?

Como ocupar dias tais

Se com quê não houver mais?

 

 

Golada

 

A felicidade evita a vida numa golada:

Um nico aqui, outro além,

Com a fasquia bem alteada

Mas sem nunca tocar o céu.

Há tanto que trepar também

Antes de atingir o topo e rasgar o véu!

 

 

Gente

 

Os que eu amo

Não são os melhores do mundo,

Mas são gente, o meu ramo

No arvoredo fecundo.

É o que sempre há-de bastar

Para podê-los amar.

 

 

Coragem

 

O sonho imagina,

A coragem faz.

E, quando ela o destina,

O mundo salta e alcança,

Para a frente e para trás,

Na eterna dança.

 

 

Gostamos

 

Quando não gostamos de algo,

Algo não é problema,

O problema é que eu não galgo

O muro que me furta o tema

Que em tal algo há-de ecoar

Com o que tiver para me dar.

 

 

Crueldade

 

Da vida a pior crueldade é não ter

Mais que este quinhão:

Um homem, uma mulher

E de cada um a pobre limitação.

Da vida o pior que a resuma

É ser ela só uma.

 

 

Trincheiras

 

Em trincheiras diferentes

Mas ambos do mesmo lado,

Queres amar-me à tua maneira com teus repentes,

Quero amar-te à minha, encavacado.

Então ambos queremos, sue cada qual o que sue,

Que este amor continue.

 

 

Herói

 

O herói é apenas

Um homem mais teimoso,

Mais irascível, mais indemne às penas,

Mais insuportável que o vulgo temeroso.

Um herói suportável, se algum o foi,

Então é porque não foi nenhum herói.

 

 

Capaz

 

O amor é o que nos faz

Não saber quem somos

E ao mesmo tempo é capaz,

Quando após

De nós dispomos,

De nos fazer sabermo-nos fundamente nós.

 

 

Fenomenal

 

Fenomenal

O poder que existe

No trono de teu patim:

Estás igual

E conseguiste

Mudar tudo em mim!

 

 

Reencarnação

 

A reencarnação

Transpõe a chama duma para outra vela,

Geração a geração.

A fonte da vida é a mesma em toda a sequela,

Não é, porém, a mesma a chama

Quando noutra vela se proclama.

 

 

Oportuno

 

Pelo tempo oportuno esperar,

Dois contrários é coordenar

Que a todo o momento

Persigo:

Lograr o que intento,

Evitar o perigo.

 

 

Dias

 

Dias longos o sol

Os dará.

Dias grandes, não.

Deles o arrebol

Apenas o fará

A acção.

 

 

Reconhecer

 

Verdadeiro saber

É reconhecer a verdade,

Filha embora doutro ver,

Doutra personalidade,

E jamais se deixar

Pela luz própria cegar.

 

 

Alheio

 

O ter alheio

E a alheia mulher?

Deus livre de tal meio

A quenquer,

Que os raios ali coruscam!

Entretanto, é o que tantos buscam...

 

 

Pálpebras

 

A inveja tanto seduz

Que nas pálpebras encerra

Todo o poder que há de olhar.

Olhos que vejam a luz

Não os pode haver na terra

Onde a luz os faz cegar.

 

 

Espada

 

Não mora na espada

O acto de que a espada é cheia,

Mas na mão ferrada

Que a meneia.

Não olhes à fachada

Mas ao que por trás dela ameia.

 

 

Parecem

 

As coisas, do que parecem

É que serão explicadas.

Os homens, não, que eles tecem

No coração as jogadas

E entre parecer e ser

Há o mundo inteiro a correr.

 

 

Fortuna

 

Bem mais a fortuna adversa

Que a próspera me aproveita.

Esta, feliz, branda, tersa

A nos enganar trejeita,

Aquela à muda se inclina:

Se uma engana, a outra ensina.

 

 

Mais

 

Na guerra, o mais de estimar

Será decerto o vencer,

Como o que é mais de temer

É a vitória que alcançar:

É que do triunfo a sorte

Muda às rodas logo o norte.

 

 

Ignorância

 

O sábio ver a ignorância,

O erro próprio fácil é,

Ou de sábio nunca a instância

Se lhe deu de boa fé.

O problema é confessá-lo,

Tal na grandeza é o abalo.

 

 

Dogmas

 

Sustentar dogmas de escola

É o derradeiro castelo

Onde o sábio tudo imola

Ao erro, apesar de vê-lo,

Tanto ao pundonor refém

Lhe pesa o nome que tem.

 

 

Soprando

 

Em soprando a tentação,

Mudarão de parecer

Ao vão sabor do poder

Os que sacudidos vão

Dum campo ao outro da guerra

Tal se foram pó da terra.

 

 

Respeitar

 

Os médicos devem ser

Tal e qual a enfermidade:

Não respeitar em quenquer

Qualidade ou dignidade.

O nobre como o vilão

Iguais na doença irão.

 

 

Opinião

 

É da boa opinião

Que depende o bom governo.

Se dela não vem, então,

Do que pensa o subalterno

Cuido tal da própria obra,

Senão língua devém cobra.

 

 

Mandar

 

Mandar em homens a quem

Nem benefícios obrigam

Nem os regalos contêm,

Por finezas todos brigam,

Não há nada que os contente

Nem faz bem o que hão em mente?!

 

 

 

Néscio

 

Do néscio os olhos, na essência,

Como à superfície param,

Vêem só pela aparência.

Os dos sábios penetraram

Das coisas pelo interior,

O ser vêem a se impor.

 

 

Ama

 

Quem pouco ama, do bastante

Se contenta. Quem muito ama,

Contenta-o o que for sobrante.

Se mais que muito o amor clama,

Trepa ainda mais acima,

Sempre adiante é que é o seu clima.

 

 

Entregar

 

Entregar ao poderoso

Do pobre o suor e o sangue,

O aplauso a granjear vistoso

Do rico que com tal mangue,

De água à terra é roubar gozo

O rio a encher caudaloso.

 

 

Fruto

 

Fazer palavras de Deus

Falar o que nós queremos

Sem jamais querer dos céus

O que deles recolhemos...

- Que admira ao fim que o produto

Seja dos céus nenhum fruto?

 

 

Doméstico

 

Ao doméstico inimigo

Que mais devera temer

É a quem mais darei abrigo,

A quem ouço e findo a crer.

E quanto mais lisonjeiro

Mais será nisto pioneiro.

 

 

Ervas

 

O rei de homens não se serve

Contentes de comer ervas.

De adulador que conserve

É comido nas reservas,

Cercado assim do inimigo

...E seguro crê o abrigo.

 

 

Vaidade

 

A vaidade não amada

Não tem peso, que é vaidade.

Dela mesma a vacuidade

Amada é muito pesada.

O peso é do coração

Com que eu a amar, dela não.

 

 

Conta

 

Aos euros fazes a conta

De que haverás de comer,

E a quem serves não aponta

A conta nem um sequer?

Não és digno que se veja

De nada que te proteja.

 

 

Atemos

 

Querer que nós nos atemos

A nossos antepassados

É querer vivos atados

A mortos que já não temos.

- E perder a nova vida

Que após eles é nascida.

 

 

Maior

 

O maior servo não é

O que tem maior lugar

Na casa de seu senhor,

Mas o que mais zelo e fé

Tem naquilo que a honrar

E lhe aumentar o valor.

 

 

Observante

 

Há quem nas coisas pequenas

Se ostente mui observante

Enquanto nas graves cenas

Leva o ego sempre avante.

Engasga-se dum mosquito,

Engole um boi sem atrito!

 

 

 

Estudar o já estudado,

Escrever o já descrito

É no regato toldado

Ir encher o cantarito

Por não cansar quem o conte

De ir recolher água à fonte.

 

 

Matérias

 

Há matérias em que importa

Mais um dia de experiência,

De vistas fora da porta,

Do que uma vida de ausência

A especular sobre tudo

Na vacuidade do estudo.

 

 

Autoridade

 

Amigo de autoridade

Quem deveras pode ser

Se raro a esta lhe agrade

Ajustar-se a quem disser,

Como fonte de conflito,

O que antes nunca foi dito?

 

 

Mudar

 

Mudar o mundo está bem

Seja lá por onde for?!

Para a muda mudar bem,

Só a muda para melhor...

- Ora quando há um dogmatismo,

O que aí vem é o abismo.

 

 

Absoluta

 

História além, perigoso

É ter verdade absoluta:

Mata mais que cão raivoso,

Destrói quenquer que a discuta.

E já somam biliões

No cemitério os caixões.

 

 

Filho

 

O teu filho tudo tem,

Ao dela falta-lhe tudo

E ao fim este é que mantém

A vida feliz, contudo?

- Não terá nada, porém,

Tem o atento amor da mãe.

 

 

Sacralizar

 

Respeitar as tradições,

Convenções não violar

Sem para tal ter razões

E sem nunca exagerar

- Sim, mas mantendo tenções

De as jamais sacralizar.

 

 

Contramão

 

Às vezes a consciência

Pressiona na direcção

Contra a qual a conveniência

Nos empurra em contramão.

Que entre as duas a prudência

Da eficácia escolha então.

 

 

Espectadores

 

A vida não é desporto

Apenas de espectadores.

Se à janela olhas o porto,

Só vais ver, com mil pendores,

A vida que ocorre ali

A passar, passar por ti.

 

 

Pobreza

 

O principal desafio

Há-de ser sempre a pobreza.

Quando não sei onde avio

A refeição que me apresa,

Como em conta ter o ambiente

Uns cem anos mais à frente?

 

 

Porvir

 

O porvir da humanidade

Só vai ser assegurado

Se nos virmos de verdade

Tal da natureza um dado,

Uma íntima parcela

Nunca separada dela.

 

 

Galvaniza

 

A climática mudança

Galvaniza gerações,

É uma universal balança,

Desafia os corações...

- É deveras excitante

Partilhar de tal instante.

 

 

Custo

 

De não fazer nada o custo

É maior que investimento

Em proteger, no que é justo,

O ambiente de momento.

E, quanto mais esperamos,

Mais caro é quando o façamos.

 

 

Água

 

Para muitos de nós, água

É meramente a torneira.

Quem do rio lembra a frágua

Donde a fonte hauriu primeira?

Quem a teia viu da vida

Que das águas é sustida?

 

 

Conveniência

 

Grupo algum segue mais leis

Que as da própria conveniência.

Imaginá-lo ao invés

É negar a experiência.

- O invés, porém, muda o mundo:

É o impossível fecundo.

 

 

Mudar

 

Tão mais de bom e louvável

Tem mudar de parecer

Ou decisão condenável

Por inconveniente haver

Quão mais torpe se mostrar

Neles se perseverar.

 

 

Culpa

 

A culpa de não ter culpa

É a que inculpa ainda mais:

“Nem sequer pedem desculpa!

Quem é que vós vos julgais?”

- Assim fala o ditador

E jura que é por amor...

 

 

Pobre

 

Pobre é bem-aventurado

Da pobreza que é escolhida.

Da pobreza que é do fado,

Nem nesta nem noutra vida,

Que nesta a miséria é o dado

E outra não lhe é prometida.

 

 

Arde

 

Mais é o que arde e que se queima

Todo o dia nos altares

Que o que se emprega na teima

De aos pobres os sustentares.

Um dia daremos conta

De quanto esta escolha é tonta.

 

 

Mundo

 

O mundo é um enorme sonho,

Dele os tesoiros, miragem.

As coisas de que disponho

Não são reais, são a imagem

Que em meu íntimo acalente

De tudo o que tenho em mente.

 

 

Ponte

 

Reparo no sofrimento

De quem requer uma ponte

E não retém, de momento,

Nunca nenhum horizonte.

E o amor em parceria

Dá-lhe a ponte ao novo dia.

 

 

Medo

 

Ter medo de envelhecer

Quando me sinto mais sábio,

Mais maduro, a conhecer

Melhor da vida o astrolábio?

Trocar isto por melhor

Pele e vida sem sabor?!

 

 

Borboleta

 

A borboleta, sensata

Não precisa, não, de o ser.

Quando a cor de asas desata,

Abrilhanta quanto houver.

E basta-lhe esta alegria:

Ser da vida a fantasia.

 

 

Asas

 

Temos de vigiar as asas

Aos decisores políticos,

Que acima da lei as casas

Não têm, por mais graníticos

Os calhaus que hão no alicerce:

- A imorais, só cortes cerce!

 

 

Determinados

 

Quando estão determinados

A ver as próprias ideias

Nos temas implementados,

Não escutam as alheias:

- Desertam de tais pendores

As águas então melhores.

 

 

Medíocres

 

Quando medíocres obras

Levantam tanto barulho,

É o ruído, então, das sobras,

Da mediocridade o entulho.

Como então não crer que a fama

Há-de ser da mesma trama?

 

 

Grandes

 

O reino dos grandes mortos

É o moinho em que a farinha

É moída para os portos

Dos vivos na pesca à linha.

Aqui é que ao pensamento

Destes servem de alimento.

 

 

Subjectividade

 

A subjectividade,

De si próprio produção,

Agrade-me ou desagrade,

É o produto

Da perene irrupção

Do jorro de mim ininterrupto.

 

 

Calha

 

Como calha mesmo bem,

Quando a ideia é de valor

Mas matá-la nos convém,

Dela se atacar o autor!...

Do maior ao infantil,

Do ditador é o perfil.

 

 

Desconfia

 

Desconfia em relação

Aos loucos que pretenderam

E sempre pretenderão

Dizer-nos que apreenderam

(Verdade em que se consomem)

O que é deveras o Homem.

 

 

Magistrais

 

Obras magistrais a que faltar alma,

A que faltar alguém dentro,

Se dentro não levam dum imo a palma,

Cá dentro nunca a mim chegam, ao centro.

Qualquer obra de arte, ao se impor,

Traz-me dentro o próprio criador.

 

 

Solidão

 

Solidão não é falta de alguém, no fim,

Em meu redor, na vida à solta.

Solidão é falta de mim

À minha volta.

Andar acompanhado na vida à toa

Apenas requer uma pessoa.

 

 

Feliz

 

Quem é mais feliz?

Quem tem tudo o que sonhou

Ou quem ainda procura o sonho na matriz?

E o sonho em que parte mais ficou,

Em lutar por ele, no eterno apelo,

Ou em vivê-lo?

 

 

Dói

 

Que é que dói mais?

Uma vida de sonho desejar

E não a atingir jamais

Ou duma vida de sonho desfrutar

E descobrir que o sonho, no despiste,

Nunca mais existe?

 

 

Borla

 

A vida não é de borla,

Antes é uma burla a vida.

Na orla

A todos nos convida

A pagar toda a dívida do mundo:

Somos vítimas de fraude, no fundo.

 

 

Óculos

 

Todos pelos nossos óculos vemos.

Sabemos que o que sabemos

Que outrem sobre nós sabe

É uma intrujice de todo o tamanho:

- A verdade não cabe

Em nenhum amanho.

 

Definido

 

Com destino definido,

Sabem para onde ir,

Pelo passo rápido e decidido.

Só não sabem descobrir,

Depois de chegarem ao que haverá,

É se irão mesmo chegar lá.

 

 

Perder

 

Vencer?

É pouca a glória,

Só requer uma vitória.

Perder,

Não,

- Requer superação.

 

 

Doer

 

Doer é constituinte de amar,

Quem não é doído não é amado.

A par,

Por outro lado,

Quem não quer ser amado não é doído

Mas é doido em todo o sentido.

 

 

Alguém

 

Amar é ter alguém a fechar-me os olhos,

A definir com rigor o que vejo

Nos refolhos

De meu brejo.

Amar é, de tudo além,

Ter alguém.

 

 

Custa

 

Nada custa como ficar sozinho

Vivo ainda.

Deixar o corpo a respirar maninho

Quando apenas a solidão é advinda

É a mais pérfida sorte

De morte.

 

 

Desesperado

 

Quando o desesperado

Não tem onde cair morto,

É que não encontra, em nenhum lado,

No cais do porto,

Um recanto, por mais esquivo,

Onde manter-se de pé vivo.

 

 

Desculpa

 

“Desculpa”, o bom começo:

Permite minorar os estragos

Do tropeço,

Permite sobreviver aos tragos

Que concita

A má palavra dita.

 

 

Acontece

 

Pouco importa o que acontece

Mas o que nos acontece, antes:

O que em nós acontece com o que, refece,

A nós nos acontece em todos os instantes.

Por mais que ocorra a esmo,

Não é nunca o mesmo.

 

 

Mais

 

A vida, mais que o que é,

É o que quem a vive

Encontrar ali de pé.

Pontos de vista, vários há que arquive

E cada qual, no que vive, escolheu

O seu.

 

 

Mortos

 

Há cães e gatos mortos

No meio da estrada

E ninguém liga, de olhos tortos,

A olhar mas sem ver nada.

Olhos ao vento, de nada ver,

E há cães e gatos ali a apodrecer...

 

 

Basta

 

Basta olhar

Aquele alguém para saber

Que o mundo irá continuar

A acontecer,

Seja qual for o sol-pôr?

- É o amor.

 

 

Quê

 

Para quê a felicidade

Se já tenho o teu amor?

Para que é que o sol me invade

Se de tua luz tenho o fulgor?

Para quê o céu

Se já tenho este olhar teu?

 

 

Premiou

 

Mais que graúdo e miúdo

Me premiou.

Tive tudo

Mas acabou:

É o fogo, é o horror,

- É o amor.

 

 

Encadeados

 

Todos somos encadeados de guerras,

Com batalhas interiores

Em planuras e serras,

Ora nelas vitoriosos, ora perdedores.

E, sobretudo, muitas delas em cimos tais, em cimos,

Donde nunca saímos.

 

 

Ditador

 

Todo o ditador, na realidade,

Acredita à toa

Na liberdade.

Nenhum ditador, por sinal,

É má pessoa,

Todos, porém, vêem mal.

 

 

Derradeiro

 

Se tiver de ser,

Mesmo que seja o derradeiro

Que farás em vida,

Então é o amor a acontecer,

Pioneiro

Da semente renascida.

 

 

Sempre

 

Para sempre o amor quisemos

E não soubemos

Que podia ser longe demais.

A felicidade é tão longe

Que nem um monge

Lhe acerta nos portais.

 

 

Mudo

 

O mundo apenas mudo quando nós,

Em nossa escolha pequena ou tamanha,

Mudamos também uns laços,

Uns nós.

O mais pequeno dos passos

É para chegar ao topo da montanha.

 

 

Continua

 

O amor persegue, continua, ouvimo-lo,

Vemo-lo, tocamo-lo, sentimo-lo

Por toda a parte a amadurar,

De tão perenemente verde.

O pior do amor é não findar

Quando se perde.

 

 

Inexistente

 

O amor, de todo o inexistente,

É o mais real.

Coloca-te, afinal,

Numa realidade alternativa, diferente:

A realidade que tudo o resto, furtiva,

Torna numa real alternativa.

 

 

Baralho

 

É amor quando não importa o baralho nem as cartas

Com que jogas.

Só quem apartas,

Em quem te afogas.

Se não importa perder nem ganhar,

Se só importa com quem estás a jogar.

 

 

Pior

 

Pior que mal após mal

É sempre mal após bem.

Um bem habitua-te, ao final,

Seduz-te, dependes dele vida além.

Depois dum bem que te exorte,

Um mal fere-te de morte.

 

 

Retornar

 

Retornar ao passado

Para tapar do presente o vazio

É garantir, malfadado,

Que quebrei o fio

Que inauguro:

- Não existe mais futuro.

 

 

Pequeno

 

“Um dia vou ser grande” – sonha o neto,

Sereno.

“Um dia vais ser pequeno,

Prometo.”

- E o avô, mais uma vez,

Dribla da vida o revés.

 

 

Arma

 

Quem qualquer arma inventa

Dá poder de vida e morte

A incontáveis ignorantes que ela tenta

E que só sabem premir o gatilho, à sorte,

Contra quem não aguenta

Fazer-lhes a corte.

 

 

Teia

 

Urdimos a teia,

Tecemo-la vida fora,

A morte a corta, meia.

Quem na hora

Não apura

Que na morte lhe sobrou muita urdidura?

 

 

Noutrem

 

Quando alguém noutrem viu a salvação,

Algo está mal e quer ressalva.

Não,

Nenhum outro nos salva.

Quando muito existe um alvo

Onde alguém ficou a salvo.

 

 

Primeira

 

Parte para a viagem

Cuidando que é a primeira,

Jamais a derradeira.

É a primeira na triagem

Do apresto

De tuas viagens para o resto.

 

 

Medo

 

Na comunidade embebida em medo

A tirania floresce.

Na comunidade lobotomizada, o credo

Cresce.

- Não é comunidade, não: a maleita

É duma seita.

 

 

Ideia

 

“Tive uma ideia!”

- E eis-nos com a convicção,

Errada ou não,

De que vai a pena valer

De mão cheia

Viver.

 

 

Desistir

 

É tempo de desistir

E buscar caminho novo?

Só deixando o velho ir

De vez é que me inovo

E logro atingir

O ovo.

 

 

Tentar

 

Para tentar, qual dinheiro,

Qual privilégio sequer!

É a tua tentativa primeiro

Mais a dum outro qualquer:

Bastam duas tentativas, que este ovo

Cria logo um mundo novo.

 

 

Dejecto

 

Amar um corpo é amar um dejecto,

Carcaça de vir-a-ser,

Sem tecto

A proteger.

Amar um corpo, de tão torto,

É um estado de morto.

 

 

Menos

 

Trabalhar o menos

Sem, contudo,

Deixar de fazer tudo

Para atingir o mais

- É o que, de pequenos,

Nos vem tornando geniais.

 

 

Importante

 

O mais importante do mundo

E que ao mundo dá sentido

Fecundo

E a que cada qual é atreito

- É que mesmo o proibido

Pode ser feito.

 

 

Ditador

 

Ditador,

Todo o que instiga o culto da personalidade,

É o horror!

Ver num homem a divindade

É sempre, neste interim,

O princípio do fim.