TRILHOS EM CONTRAPÉ
Vários
Eis a medida
Do que as pegadas domem:
- Há vários homens ao longo da vida
Dum Homem.
Opressão
A necessidade
De atingir com inteira e definitiva precisão
A liberdade
É o maior fermento de opressão.
Suicídio
O suicídio não existe deveras, que, a par,
Escondidos na mata,
Há sempre terceiros a matar
Quem se mata.
Aparece
De tudo o que aparece
Por aí,
Só te acontece o que acontece
Dentro de ti.
Demais
Saber demais
Pode ser
Uma vida a mais:
- Uma vida para abater.
Tamanho
Nenhuma desilusão
O tamanho final alcançou
Da ilusão
Que a criou.
Profundo
A grande utilidade,
Para certos, de ser profundo,
É não sentir o que dói de verdade
A superfície do mundo.
Temor
Ao teu temor vence-o
Tanto quanto a vida lavras:
Mais por dentro fala o silêncio
Que as palavras.
Aparte
Pelos mais posto de parte, mudo,
Encerrado no baú?
- Drama é antes pores-te aparte de tudo
Que não fores tu.
Frustrado
O maior frustrado
É quem, depois de estar
Acabado,
Não logra acabar.
Estar
Estar para apenas estar não é porvir,
Nem mesmo breve.
Quem apenas está para não ir,
Nunca deveras esteve.
Infeliz
Infeliz de quem pensa em sonhar,
Pensa mais do que sonha!
Sonhar não é pensar,
É o sonho inteiro que de mim disponha.
Centro
O maior infeliz é quem,
Dele ao centro,
Olhando para dentro,
Não encontra ninguém.
Desânimo
No desânimo me enrolo,
A dor de entender
Que não há mais que uma bola na rede a bater
Quando marcamos um golo.
Ainda
Tens fome
De sentido?
Só o que ainda não tem nome
Merece ser vivido.
Corajoso
Corajoso é o que testa
Todas as abordagens possíveis a seguir,
Antes de, vendo que nada presta,
Desistir.
Protelar
Protelar é do cobarde,
Vê que nunca irá conseguir
Mas prefere o “até já” ao “nunca” sem alarde,
- E adia o porvir.
Erguido
Manter o braço erguido
Só por teimosia
Não é perseverar num sentido,
É idiotia.
Altura
Há uma altura em que aponto
Que caírem os braços, na vida deserta,
É a melhor maneira de ficar pronto
A erguê-los na hora certa.
Tentar
Tentar é o prólogo de atingir.
Pode ser, porém, tarde demais,
Ser o dia a seguir...
Tentar então é andar a mais.
Problema
O grande problema não é
O de outrem subestimares, algures por aí,
É o de, ao te pores de pé,
Te sobrestimares a ti.
Proteger
Não te protejas,
Que é de tempo uma perda singular
Quando o que proteger desejas
Seja o que queres entregar.
Falso
É sempre um falso início
Este voo de andorinha:
Quando chegaste ao princípio do vício,
Chegaste ao fim da linha.
Vingança
A vingança nunca acaba,
Vai acabando
E acabando com quem a menoscaba,
Por dentro dela furibundo abancando.
Lâmina
Expectativa concretizada
(E mais se doutrem por acção)
É uma lâmina fundo espetada
De viver em nossa motivação.
Cava
Nada cava mais fundo no tabu
Do que um porquê.
Porque obriga a ir ao fundo do baú
Ao, inesperado, disparar o pontapé.
Ouvir
Ouvir habitualmente
É a melhor maneira de te pores
A ouvir-te, lá presente,
Sem interferências exteriores.
Tamaninos
É quando não sabemos, tamaninos,
Para onde vamos
Que chegamos
Aos melhores destinos.
Somos
Somos bem mais o que queremos ter
Que o que temos,
Bem mais o que queremos ser
Que o que somos e seremos.
Acredito
Sou mais o que acredito
Que poderei ser
Que o que fito,
Real, ao me ver.
Enigma
Desdobrado ao nascer
O uterino sigma
Em que se enrola quenquer,
Todo o homem é um enigma.
Invisível
O homem invisível consegue ser herói
Sem precisar de ser visto.
Digno de admiração sempre foi,
Que mais não seja, por isto.
Humanos
São humanos os que não agem
Nem sobre nem sob os mais:
Os que percorrem ao lado a viagem,
Ao lado, em todas as estradas vicinais.
Certas
Para jogar bem,
As cartas possíveis abertas:
A grande obra é a que só tem
As cartas certas.
Anuências
A maioria das desistências
São o sim que anota
Anuências
À derrota.
Figura
Descubro-te na figura
De mil e um modos
De procura
- E aí descobri-nos a todos!
Ar
Todo o ar é puro
Quando me concentro
A só respirar, seguro,
Por dentro.
Escondido
Nada fará sentido
Se o sentido enterrado nas lavras
Andar escondido
Entre e por trás das palavras.
Cais
Todos os locais
De diversão
São, afinal, cais
De solidão.
Cortinas
Com formatos vários da base aos cimos,
Cores e origens de múltiplos regalos,
O que pensamos e o que transmitimos
Têm cortinas a separá-los.
Faremos
Pouco importa o que a vida nos faz
Quando sabemos, na sequela,
Com rigor o que faremos de eficaz
Com ela.
Maldade
Do mundo da maldade
O mais alto patamar
É democratizar
A mediocridade.
Frases
As frases não servem, no fundo, para nada.
Algumas, porém, servem para parar
E depois voltar a andar.
O real, porém, fica sempre lá fora na estrada.
Abdicamos
Quando abdicamos de nos construir,
Nossas minas
Deixam de reluzir,
- Somos ruínas.
Mudar
Tenho de mudar o que vejo
Em redor, no meu salão,
Para mudar, no ensejo,
O que os demais são.
Rotineira
Não é uma dor a dor rotineira
Que te dói depois,
És tu, de alguma maneira,
Que já te dois.
Fundamental
É fundamental atingir a parte,
Ínfima embora,
Para crer que atingir o todo, com arte,
Será viável numa qualquer hora.
Prisão
Verdadeira prisão há-de ser
Sempre este jeito
De deixar de fazer
O que tem de ser feito.
Circuito
O breve circuito
Do que escapou de ser louco:
Feliz não é ter muito,
É saber-me ao todo o pouco.
Recordações
Viver de recordações,
A olhar atrás a grande sorte,
É o primeiro dos senões,
Primeiro estádio da morte.
Sem
Morrer é um furtivo
Estado:
- Estar vivo
Sem ninguém ao lado.
Fundo
Ir ao fundo de si
Do fundo de si para sair
Fresco e saudável – eis aí
O roteiro de me conseguir.
Cacos
Olhando as estrelas
A partir dos pés em cacos,
Os homens são, da vida nas vielas,
Buracos.
Dado
O que nos é dado
Pouco importa.
O que é dali por mim moldado
É que abre uma porta.
Empregos
Há empregos que são
Sacos de lixo:
Os dejectos de alma dos lá envolvidos vão
Roídos do bicho.
Dada
Toda a gente devia andar
De mão dada. Ao invés, de seguida,
Toda a gente persiste, a par,
Em andar de mão vendida.
Azinhaga
Somos sempre a pessoa aziaga
A caminhar solitariamente
Numa azinhaga
Cheia de gente.
Vitória
A grande vitória
É a de outrem levar,
Com toda a glória e memória,
A própria vitória a encontrar.
Preguiça
Quando a vida tudo enguiça
Como evitar o que mais dana?
Contemplo: e, ao fim e ao cabo, esta preguiça
É um grande motor da vida humana.
Menor
Consegue o melhor
Resultado possível
Com o menor
Esforço exigível.
Psicólogo
O bom psicólogo é o que te há prestado,
Adivinho,
O serviço de te sentires acompanhado
Sem deixares de andar sozinho.
Mudar
Mudar algo, muitas vezes,
É não mudar:
Para evitar reveses,
Muda-te a ti, em lugar.
Modo
Se não podes mudar o que vês,
O modo como o vês muda:
A casa de sítio não podes mudar, talvez,
Muda o sítio noutro que imaginário te acuda.
Chorarão
Quantos dos que chorarão
Tua morte, em seguida,
Te matarão!
- É o bisturi da vida.
Todos
É mesmo quando todos gemem
Que é de crer
Que todos temem
O que é de fazer.
Mudar
Só quem não quer mudar
E nada faz para curar as lesões
A salvo há-de ficar
Das multidões.
Independentemente
Independentemente dos credos
Professados,
Todos os homens são segredos,
Todos os homens são sagrados.
Previsíveis
Só a morte nos torna previsíveis.
Como a peste,
Ignoramos nossos graduais níveis:
Se és previsível, já morreste.
Prometer
Prometer felicidade
É como votar:
Bem me posso esforçar,
Nunca haverá deveras novidade.
Queres
Quando nunca ocorrer o que queres,
O que queres muda
Para ocorrer o que quiseres.
Só não entende quem não quer e se iluda.
Demais
Procurar demais
O que não vão encontrar é infecundo.
Dentre os gestos mortais
É o que mata o mundo.
Pensarão
Perdemos tanto tempo a pensar
No que os outros pensarão
Que findamos por não
Pensar em nada a par.
Mandam
Nunca andar do lado dos que mandam,
Mas dos que ajudam, dos que dão a mão.
Embora mandes, então teus gestos não comandam:
- Ajudem-me, por favor! – é o que pedirão.
Melhor
Quando sentires que vives o melhor,
Cuidado, olha em redor:
A natureza tem o hábito malsão
De guardar o melhor para o serão.
Andar
Andar é apenas fascinante
Porque é o começo
Onde em voo despeço
Logo adiante.
Morte
Toda a morte é começar de novo.
Peça a peça,
Desde o ovo,
Toda a fala recomeça.
Farrapos
Todos os farrapos são humanos.
O mais, roupa rasgada
Ou fina véstia acabada,
São panos.
Orgulho
Se tens de dizer
O teu orgulho a cada um,
És capaz de não ter
Orgulho nenhum.
Expulsar
Expulsar, em nome da liberdade,
Alguém de teu dia
É a verdade
Mentida da ironia.
Vencer
Vencer implica dor a par,
Em cada pegada no chão.
Vencedor é o que incólume trepar
Todos os degraus da humilhação.
Enquanto
Enquanto “tenho de comer”
Não trocar em troca plena
Por “tenho de viver”
Nenhum mundo vale a pena.
Ganhar
“Tenho de ganhar dinheiro!”
Que meta mais pequena
Diante da plena:
- Tenho de ganhar-me inteiro!
Riqueza
O grau de riqueza dum país
Só a felicidade
Que aí nos invade
No-lo diz.
Revistas
O homem mais feliz do mundo
Deveria posar na capa
Das revistas de alta finança, fecundo,
A ver se de vez descobrem o que lhes escapa.
Certo
Viver muitas vezes há-de ser,
Longe ou perto,
Encontrar o lugar certo
Para morrer.
Penso
O perdão é um penso rápido.
Se só o que perdoo a mim me liberta,
Liberta sem sabor, contudo, num mundo sápido
E jamais (que há recaídas) é para sempre, pela certa.
Um
Ser apenas mais um
Há momentos em que apuras
Que te faz ser, ignorado no comum,
A mais única das criaturas.
Visão
A felicidade tolda a visão,
Mas esta acaba por retornar.
Infelizmente só depois, então,
De a felicidade ter perdido o lugar.
Aspecto
A felicidade tem bom aspecto,
Motivo para, de raiz,
Ser odiada, mesmo em projecto,
Pelo infeliz.
Monstros
São monstros todas as pessoas
E nem por isso, do Cosmos nos arranjos,
Deixam de guardar, no fundo, coroas
De anjos.
Viver
Viver é ter um braço
Que nos puxa para a frente
E outro braço cujo embaraço
Para trás nos puxa de repente.
Vivo
Se estás vivo, é reparar,
Que uma surpresa,
À tua mesa,
Está prestes a chegar.
Sofrer
O sentido de sofrer
É o de ensinar
Todo e quenquer
A procurar.
Faz-te
Faz-te à vida
Antes que a vida te faça a ti
E te desfaça, na medida
Em que não és tu que estás aí.
Fazes
O que tu fazes na vida
Não importa,
O que da vida fazes é que é a porta
Para a tua medida.
Vezes
Às vezes é preciso repetir
O “não!” muitas vezes, o que desemboca
No “não” a entrar na mente, a seguir:
É a mente comandada pela boca.
Perfeito
O emprego perfeito
Não é aquele que é meu,
É o que, mais que a meu jeito,
É EU.
Medo
Não vem do que te confrontar ali
Teu medo na estrada:
Se não tens medo de ti,
Não tens medo de nada.
Solução
Na tua mão
É que tudo se apruma:
Ver o outro como solução
Não é solução nenhuma.
Violência
A violência que nos invade
A cada curva da estrada
É a bestialidade
Por norma em filósofa camuflada.
Muito
Só quem muito viu
Muito poderá fazer.
Só quem viu bem entendeu
Como então bem proceder.
Conformável
O grande problema da morte,
Execranda ou conformável,
É que não se abandona à sorte:
Jamais é cancelável.
Desculpas
Não busques aqui ou ali
Desculpas quaisquer,
É só sem ti
Que não consegues viver.
Mínimo
Ser o melhor do mundo
E nada a esmo
É o serviço mínimo que, no fundo,
Deves a ti mesmo.
Ignorante
O ignorante
Crê que a pessoa muda.
Tudo na pessoa muda, instante a instante,
Menos a pessoa a que se gruda.
Sonho
Sonham o sonho que queriam sonhar,
Que, como todo o sonho, não basta:
Nenhum sonho é da casta
De para sempre durar.
Precisar
Precisar de mais
É próprio de quem está salvo.
Quem não é salvo jamais
Quer mais: no desespero, qualquer nada é um alvo.
Perdoar
Perdoar é o Deus permitido:
Momento, ao despedir o algoz,
Em que Deus tem sentido
Orgulho de nós.
Fascínios
Um dos fascínios da vida
Que à vida mais nos exorta
É nunca sabermos a promessa escondida
Atrás da porta.
Momentos
Há momentos em que urge o corpo dar,
Do soldado na calma,
Para não perder, em lugar,
A alma.
Pior
Pior do que morrer,
Último porto,
É não saber
Se se estará vivo ou morto.
Procura
À procura do amanhã
Enquanto o tempo foge,
Perdemos, no afã,
O hoje.
Desilusão
Nenhuma desilusão
Em tamanho se comparou
À ilusão
Que a criou.
Vantagem
A vantagem de ser profundo
Sempre foi
Não ter de sentir o que do mundo
A superfície dói.
Parte
Por outrem ser posto de parte não é drama.
Drama é, feito tabu,
Pores-te de parte de toda a trama
Que não sejas tu.
Infeliz
O maior infeliz é quem,
Olhando para dentro,
Dele no centro
Não encontra ninguém.
Maldade
Do mundo a maldade
Mais alvar
É democratizar
A mediocridade.
Destino
O destino a que te destinas
Ao não ir
É que somos ruínas
Ao abdicarmos de nos construir.
Trás
A olhar para trás
Viver
É o primeiro estádio no cartaz
De morrer.
Entrudo
Vivemos num entrudo
Desde a matriz:
Ser feliz não é ter tudo,
É nunca ter tudo que permite ser feliz.
Acabar
Se queres acabar
Com alguém
É só provar-
-Lhe que é ninguém.
Assassinado
Se assassinado
Queres ser um dia,
Todos os dias, em todo o lado,
A ser sincero principia.
Sincero
Ser sincero é a peneira
Sem abrigos
Que a masseira
Me preenche de inimigos.
Mais
Querer mais é positivo.
O problema é querer mais,
Feito dogma definitivo,
Do que já for demais.
Corpo
O corpo, para quem com ele engrace,
É uma trapaça seguida:
Há muito quem pelo corpo passe
Sem nunca passar pela vida.
Limiar
Viver é, no limiar,
Apenas isto talvez:
Aguardar
A nossa vez.
Espera
O que fizeres na sala de espera
Define a medida
Do que foi, era após era,
A tua vida.
Julgar
Ao afirmar que julgar é mau,
Nisto, a par,
Transpondo o vau,
Andamos a julgar.
Simples
Na realidade,
Pelo que rende
É tão simples a felicidade
Que ninguém a entende.
Corpo
Para o corpo curar
Anda o mundo inteiro a correr.
Ora, um corpo salvar
É nunca dele depender.
Arte
Arte é o momento que o corpo embebe
E acalma
Quando percebe
Que tem alma.
Menos
Ser feliz não é ter mais poder,
É precisar de menos.
Felicidade não é mais ter,
É de menos precisar em todos os terrenos.
Tropeço
Se num abraço tropeço,
Abro uma porta, enfim.
O abraço é um começo,
Nunca um fim.
Triste
O mais triste é aquele que adrega
Dar tudo o que tem,
Porém,
Não chega.
Vivo
Para estar feliz
Precisa de estar vivo quenquer.
Mas ainda mais e de raiz
Para estar feliz é preciso viver.
Atingiste
Se algo atingiste
Sem tentar de forma alguma,
Então não conseguiste
Coisa nenhuma.
Repentes
Não são repentes
De miúdo:
Quando tens aquilo que sentes,
Tens tudo.
Sabe
Quem diz que sabe dados reais
Mente.
Ninguém sabe mais
Que o que sente.
Trepou
Ninguém trepou assim
Tão alto na rima
Que pode, enfim,
Ver-se de cima.
Facto
Quando o facto é impedimento
Para ser homem de facto,
Urge ser, de momento,
Homem de pacto.
Pensar
Pensar é não parar de perguntar,
Ter sempre mais uma pergunta a fazer
E a resposta a dar
Definitiva nunca ser.
Valem
As palavras valem,
Sendo janelas,
Pelo que, quando calem,
Se vislumbra de dentro delas.
Galho
Até a um galho partido
Tenta um homem se prender,
Esbaforido,
Se em queda livre estiver.
Humano
Se errar é humano,
Mais humano do que errar
É o perene desengano
De magoar.
Sorrir
Quando já não logras sorrir
O que mais dói é o sorriso
Que um dia lograste conseguir
E nalguém agora viste de improviso.
Faltar
Nada te faltar
É a certeza das sevícias:
Mais cedo ou mais tarde vão chegar
Más notícias.
Ingrediente
Um ingrediente
Do melhor
Para um sobrevivente
É o bom humor.
Luta
O diabo luta com Deus
E o campo desta batalha de enganos
Não são os céus,
São os corações humanos.
Olho
Olho o Universo e, do espelho ao centro,
Vejo-me a mim.
Olho por mim dentro:
É o Universo, ao fim.
Nuvem
É uma nuvem a felicidade:
Se olhar para ela agora
Todo o tempo que me agrade,
Logo ela se evapora.
Outrem
Se a tua felicidade
Vem do que outrem faz por lema,
Então tens de verdade
Um problema.
Crença
Não há crença mais enraizada
Em nossos dogmáticos venenos
Que a crença na madrugada
De que sabemos menos.
Sistema
Qualquer que seja o sistema
Que aliste,
Trabalhe para também preservar, por lema,
Quanto já existe.
Gruda
Que é que nos gruda
Prisioneiros do chão?
- O mundo muda,
Ideólogos e fanáticos, não.
Certeza
Do mundo ameaçando a beleza,
Reais,
Tenho a certeza
De que há certezas demais.
Receita
De alguém as boas intenções,
Quando ele as encastre
Com más informações,
É a melhor receita para o desastre.
Grilhão
Todos nascemos livres. Em seguida,
Cada qual usa o grilhão
Que vai forjando pela própria mão
Durante a vida.
Escuridão
A escuridão
Que é que tem de ameaçador?
É apenas a mornidão
Dum cobertor...
Vitória
Revitalizadora, a glória
Até o morto há levantado:
Na hora da vitória
Não fica ninguém cansado.
Olhos
Os olhos de Deus são os teus
Quer dizer:
Quando tens uma visão de Deus
Também te estás a ver.
Livro
O livro que arranjo
É mais que um mestre,
É um anjo
Em forma terrestre.
Dinheiro
Quem ganha o dinheiro
É que tem então
Por inteiro
As cartas na mão.
Conheceres
Se conheceres o inimigo, na fortaleza e nas falhas,
Se te conheceres a ti, no que te inova ou de trás herda,
Poderás vencer mil batalhas
Sem uma única perda.
Raspares
Se raspares o açúcar que cobre o bolo,
Encontras por baixo, escuro e amargo,
O mesmo miolo:
- Tal é a vida, quer ao perto, quer ao largo.
Repara
Repara bem onde o coração te convida,
Onde repoisas:
As coisas mais importantes da vida
Não são coisas.
Longe
Importa de longe a realidade
Ver,
Para não doer de verdade
O que doer.
Salva
A melhor arte salva vidas
E a que ganhar prémios é a consorte
Que, nas vidas perdidas,
Espalha morte.
Grande
Para as pequenas coisas do mundo
Algo nos puxa fatalmente
E são elas que, no fundo,
Tornam grande toda a gente.
Limite
É sempre, no limite, infecundo
Aquilo que imite.
Só pode mudar o mundo
O que ultrapassar o limite.
Meandros
Tudo meu pé corre
Do infindo nos meandros risonhos.
Porém, tudo morre
Quando morrem os sonhos.
Valha
Da vida na empena
Tropeço:
Nada que valha a pena
Tem preço.
Criança
Importa ser criança, a vida inteira pertinaz,
Que nenhuma idade desata.
Senão, sonhar para trás
Mata.
Envelhecer
Envelhecer é lograr,
Dum corpo incapaz do esperado,
Um parque de diversões iluminado
Para explorar.
Nunca
O que nunca podes perder,
Andes por onde andares,
É o poder
De te gostares.
Cego
Não é o que não vê o pior cego,
Nem o que não quer ver o é.
Pior cego, por prisioneiro de tal apego,
É o que só vê.
Sem
Podes ser tudo
Sem revolução.
Feliz, contudo,
É que não.
Conformado
Se está, como quenquer,
Conformado,
Só te falta mesmo ser
Sepultado.
Segredo
O grande segredo para vivo permaneceres,
Alevantado,
É só morreres
Quando fores sepultado.
Fundarão
Só os que não têm medo
De não ter razão
Do porvir o credo
Fundarão.
Antes
Antes o idiota do milénio
Mas que tenta, tenta, tenta,
Do que um génio
Que apenas aguenta.
Corpo
O corpo de quenquer,
Na vida ao acordar,
Antes de viver
É para voar.
Idiota
Antes um idiota
Certificado
Que um génio que por aí trota
Acobardado.
Ostracizado
Antes um idiota
Ostracizado
Que um génio a marcar passo na frota,
Domesticado.
Meio
Encontrar o caminho do caminho a meio,
De sentido
Embora agora cheio,
É meio caminho perdido.
Cacos
Só quem labutando ficar em cacos
Logra, pioneiro,
Embora entre os mais fracos,
Ser si próprio por inteiro.
Felicidade
A felicidade é deixar,
Depois de tudo consumir,
Restos por tentar
Descobrir.
Festa
Quem fruir da festa rara
Quer continuar ali, risonho.
E assim pára
O sonho.
Briga
A briga
Do que não logramos ser
É que a ser nos obriga
O que não for quenquer.
Leira
A vida inteira
Sem uma única falha?
Antes um minuto na leira
Dum fio de navalha.
Fuga
É a fuga constante
Ao que dói que mais magoa:
Afasta-nos da vida que temos diante,
A única boa.
Poda
Se em teu projecto não encaixas
A poda para o desenvolver,
Então vai haver baixas
Para o mundo crescer.
Sacana
Por cada sacana que se levantar
Há sempre dois
Ou três heróis
A obrigá-lo a vergar.
Serve
Em termos credíveis,
Sabemo-lo bem,
Podemos ser impossíveis.
- Mas o possível para que serve, porém?
Importante
Da vida o mais importante não são as fantasias,
É o momento em que quenquer
Todos os dias
Volta a nascer.
Parar
Não é parar que é morrer,
É quando,
Em vez de andar, quenquer
Vai andando...
Levamos
O que levamos da vida
É aquilo que ninguém entende
Mas que sabe à desmedida
Medida do bem que nos impende.
Estúpidos
Sejamos embora cúpidos,
Há uma razão:
É que são tão estúpidos
Os que estúpidos não são!
Desconhecido
No desconhecido, em primeira mão
E por lema,
Entrevejo a solução,
Nunca o problema.
Raro
Se raro tem qualquer motivação
O que nos faz feliz, a miúdo,
Porque pôr a razão
Acima de tudo?
Grande
O grande livro é escrito por amor
E o primeiro, se por ele não vibro,
Que não é um primor,
Nem por isso deixa de ser um grande livro.
Beleza
Da beleza o mais bonito
É
Não morar só no requisito
Do que um olhar vê.
Mudas
A vida acontece quando mudas:
Ou és incoerente ou já estás morto.
Se à noite és o de dia sem que te acudas,
É um dia perdido nas viagens de teu porto.
Pego
No coração a vida traz
Um pego:
Toda a vida é estar em paz,
Por isso é um desassossego.
Desgraçado
Quem não encontra não é desgraçado.
Desgraçado, em lugar,
É quem em nenhum lado
Encontra que procurar.
Caminho
Pelo caminho é que único me defino,
Nunca pela sorte
Ou destino,
Pois todos por igual tombam na morte.
Até
Até o bom e o sensato, até
Quem pacífico desarma
Fica à mercê
De quem empunha a arma.
Gosto
Por esta ou aquela mulher
Um homem perde o gosto, contrito,
Mas não o chega a perder
Por um prato favorito.
Abismos
Se adiante e atrás de ti
Há dois abismos,
Detém-te, espera aí,
Não actues, que evitas cataclismos.
Equilíbrio
De temer
Não é a pobreza
Mas a falta de balança que houver
Entre miséria e riqueza.
Altos
Não são requeridos
Altos nascimentos
Para serem hauridos
Valorosos procedimentos.
Metade
Metade da vitória é da ousadia.
Quem teme o inimigo
Já vai, no próprio dia,
Vencido.
Zelo
Não se impaciente o zelo,
Não se encolha o coração:
Então morre o velho sem atropelo,
Brilha o novo na conciliação.
Maior
A maior felicidade dos vivos
É como o enterro dos defuntos:
Quanto maior a pompa dos nele activos,
Mais cruzes nos assuntos.
Cai
O pequeno, vencedor embora,
Fica debaixo da rima.
O grande, vencido acaso na hora,
Cai sempre de cima.
Ingrato
O ingrato, pela ingratidão,
Perde o benefício passado.
O agradecido, pelo agradecimento, então,
Atinge o futuro que lhe é dado.
Retratar-se
Retratar-se não é não saber,
É saber que o ignaro pode agarrar o fio
Em que o mais sábio nem sequer
Acaso advertiu.
Tirar
Aos homens mui difícil é tirar.
Com que suavidade e jeito
Então é de operar
Ainda quando for em seu proveito!
Ser
Deixe cada qual de ser o que é,
Breve,
Para, de pé,
Ser o que deve.
Doce
Doce é receber
Para toda a criatura.
Dar, porém, para quenquer,
Que amargura!
Ónus
Quem da feitura se alegrar
Não deve então
Recusar
O ónus da conservação.
Roncar
O muito roncar
Antes da ocasião da querela
É sinal particular
De depois se dormir nela.
Sólido
Encarecer sem sólido fundamento
É vaidade,
Não momento
De verdade.
Alvo
Se teu nome o aplauso tem
De todas as galas,
Teu corpo será o alvo, logo além,
De todas as balas.
Quando
Com paixão ou sem ela,
Quando ama ou quando aborrece,
Nenhum homem se revela
Para outrem que o já conhece.
Ignaro
Do ignaro o costume
Insofrível
É ser o cume
Do incorrigível.
Fortuna
Muito um indivíduo se ilude
Com os teres que reúna.
A maior inimiga da virtude
É a grande fortuna.
Penitência
Penitência de pecador
É remédio que do mal o desgrude.
A do inocente é o teor
Da virtude.
Zeloso
Zeloso que não souber
Dar a capa
Bom zelo não há-de ter,
Da derrota não escapa.
Risco
Se por caridade arrisco,
Então,
O mais certo é que não
Corro, ao invés do que devia, nenhum risco.
Arrisco
No risco da caridade
O que apuro
É que quão mais arrisco mais se há-de
Ficar, contra o risco, seguro.
Nasce
Um atleta
Faz-se.
Um poeta
Nasce.
Surpresa.
Em Deus a maior surpresa
É que é sábia mesmo a estultícia.
Jamais há-de ofendê-lo a rudeza
Mas apenas a malícia.
Particular
Quando o bem comum, temporal ou espiritual,
Contradiz o interesse particular,
Este é que, sem pejo algum,
Finda a governar.
Dedo
Se adoras o dedo que aponta o horizonte
Em vez do horizonte apontado,
Quebraste a ponte
Para o outro lado.
Arrependimento
O arrependimento
Enferma em norma desta enfermidade:
É da morte agoirento
Do que nele é morto para a eternidade.
Instante
O mundo, embora brilhante,
Perde logo toda a graça:
Num instante
Passa.
Dono
Dorme, sem sobre ti nenhum dono:
O cuidado
Quebra o sono
Descansado.
Fingidos
Tão fingidos religiosos são estes cretinos
Que não merecem nem desdém
As caixinhas onde gritam guardar o som dos sinos
De Jerusalém.
Grandeza
Não é grandeza
A que, sendo apenas dum,
Afinal a todos lesa,
Que com todos não é partilhada em comum.
Murmurar
Para doutrem murmurar
Só tem olhos
Quem para a si se vislumbrar
Só encontra escolhos.
Fundada
Seja embora bem fundada a esperança,
Para quem alcançar,
Enquanto não alcança,
É um tormento esperar.
Esperança
Esperança que demora,
Abate, diferida.
Desejo cumprido agora
É árvore de vida.
Textos
Nos humanos capítulos
Esta é uma chave dos mistérios:
Os textos dão títulos,
Não dão impérios.
Espada
Quando a espada da justiça
No reino não é dada,
Não o defende então e o que o enguiça
É a justiça da espada.
Enliça
Não é a justiça
Que da paz depende,
Antes a paz se enliça
No quanto a justiça a rende.
Velhos
Os velhos não sabem parar
Por lema,
O que acaba por se tornar
Num velho problema.
Pressão
Que mão
Fará que a muda justa aconteça
Mais depressa?
- Pressão para manter pressão.
Prudência
A prudência ou é eficaz
Ou então
Não é mais que a volta atrás
Duma perversa colaboração.
Pensar
Actividade perigosa
Sem par,
Tão mais quão mais fervorosa,
- É pensar.
Batalhas
Escolhe as batalhas:
Às vezes é melhor concordar
Quando, se ralhas,
Deitas a perder o que deveras importar.
Claque
Não sejas a claque de ninguém,
Antes a estrela de teu próprio espectáculo,
O único que te convém.
Então, mesmo sem espectadores, atingiste o pináculo.
Sequela
A verdade é
A desta sequela:
O hierarca vive da fé,
O crente morre por ela.
Sumo
O sumo rigor da lei
Enguiça:
Em toda e qualquer grei
Gera a suma injustiça.
Voz
O que não couber na voz
Convence-o,
Após,
O silêncio.
Propósito
O poder da fé,
Das crenças, não é do dogma o depósito,
É o de na vida manter de pé
Um propósito.
Generosos
Mesmo quando não têm nada para dar
No saguão,
É singular:
- Os generosos dão!
Cura
A filosofia é a maiêutica
Da cura:
- Apura a propedêutica
Da alegria pura.
Violência
A violência,
Pregando-nos os cravos,
É da liberdade a impaciência:
Só gera, afinal, escravos.