TRILHOS DO SER
Dói
Nada dói mais do que perder os sonhos,
Nem a vida perder vai mais doer,
Em meio aos pesadelos mais medonhos,
Do que perder os sonhos que viver.
Liberdade
Se do mundo o atropelo que me invade,
Me invade a me jogar fora do ninho,
Um só trilho reveste a liberdade:
Liberdade é poder andar sozinho.
Negaceia
Negaceia a verdade tão cimeira
Da vida no intangível maior cerro
Que a única verdade verdadeira
É que nunca se está livre dum erro.
Chega
Tanto nós procuramos, procuramos
Todo o vinho da vida pela adega,
Que nem damos às portas pelos ramos:
Chega uma altura em que já nada chega.
Paz
Nenhuma vida que se apronte à sorte
Há-de poder em vida andar pacífica,
Pois quando a paz se lhe antolhar magnífica,
Querer a paz então é querer morte.
Coragem
Coragem ir não é de rebolão
No tropel insensato da viagem,
Sem temer nem tremer pisando o chão:
- Tremer é que é o começo da coragem.
Rumo
Coragem não será só não fugir
Nem só tomar em mão o rumo aos lemes,
É mais ao medo o freio lhe incutir,
Coragem é fugir rumo ao que temes.
Pior
O pior do desespero traço obreiro
Nem é não ser, que é coisa só de velhos.
O pior do desespero (e bem primeiro)
É jamais aceitar de alguém conselhos.
Perdição
Quantas vezes perdição
É a melhor forma de acerto
Para te teres à mão,
Encontrado o rumo certo!
Solidão
Solidão não é questão
De andar pelo mundo a sós.
Só existe uma solidão:
- Andar sozinhos de nós.
Iguais
As pessoas são iguais,
Os olhos é que o não são:
O preconceito é que é mais
Um problema de visão.
Dás
Se tu dás a toda a gente
O que toda a gente quer,
Então não dás, no presente,
A ninguém o que quiser.
Mata
O que nos mata é que nos torna fortes.
Só quanto abala a ponto de fazer
Nascer de novo de sofridas mortes
É que nos pode, enfim, fazer crescer.
Fecha
Fecha os olhos o infeliz
Quando for para morrer,
Fecha os olhos o feliz
Quando for para viver.
Génio
Génio não é quem inventa
Novo invento por magia.
Génio será quem se inventa
Todo novo todo o dia.
Derrotado
O cobarde é um derrotado
Que acredita que esconder
A derrota onde há tombado
Vencedor o há-de fazer.
Frustrado
O maior frustrado
É quem, singular,
Nem mesmo acabado
Consegue acabar.
Dor
Uma dor, quando doer,
Doer não vai dum lado só:
Uma mó, quando moer,
Mói o grão por toda a mó.
Graça
Cuidam difícil ter graça
Mas é muito interessante:
Não é difícil o instante
De se pôr a rir a praça.
Rindo
Quando estão rindo as pessoas,
Em regra não vão se estando,
A par das risadas boas,
Umas às outras matando.
Comédia
Na comédia o que comando,
Que humano sou cada dia,
Não é o rir se libertando,
É mesmo ter empatia.
Riso
O riso é uma relação,
Mal tem a ver com piada,
É uma comunicação
A abrir a porta de entrada.
Ris
Não é só o que fiz,
Pegada dos pés...
Diz-me do que ris,
Dir-te-ei quem és.
Preocupar
Às vezes, na cama, à noite,
Não há nada a preocupar.
É o que, quando lá me acoite,
Me preocupa então, a par.
Cruzam
Os que por nós cá se cruzam
Não se vão cruzando a sós:
Em nós deixam algo que usam,
Levam um pouco de nós.
Factos
Quaisquer factos factos são
E não deixam de existir
Por serem, de supetão,
Ignorados a seguir.
Quem
Vida fora acumulado,
O que se tem nada conta:
O que conta, desprezado,
É quem se tem que o apronta.
Brilha
Tendo ou não tendo o que tem,
Podendo até ter demais,
É a grácil alma de alguém
O que nalguém brilha mais.
Bem
O que os mais têm de bom,
O que corre bem na vida
É de ser feliz o tom,
De ser feliz a medida.
Conseguido
Um trabalho conseguido,
Mesmo sem ganhar dinheiro,
Em nosso íntimo é o primeiro
Sucesso que é garantido.
Espiritualidade
Que é que é espiritualidade
Se não é religação?
E ligação de verdade
Entre as gentes é união.
Bonitos
Os felizes são bonitos:
Têm de espelho a faculdade
De reflectir aos aflitos
Deles a felicidade.
Significativa
Na união significativa
Com o lar, com um amigo,
Acolho a pessoa viva:
- Então vive em mim comigo.
Falhar
Falhar muito raramente
Nos irá fazer parar.
Faz parar é, de repente,
O medo só de falhar.
Triste
Sensação triste da vida
É se, ao dançar todo alegre,
Bato a cabeça, em seguida,
Nalgo que me desintegre.
Auto-ajuda
Se tens um livro na mão,
Algo em ti então se muda:
Todos os livros serão
Assim livros de auto-ajuda.
Piada
Não ter piada não faz
De ninguém a má pessoa.
Senso de humor incapaz
Faz, que então dos mais destoa.
Dançar
Vestida para dançar,
A rapariga é uma flor
Orvalhada: atrai o olhar
E acalenta-a, terno, o amor.
Sinal
A fome joga-te afim
Daquilo em que te não ceves:
Se alguém diz “confia em mim”,
É sinal de que não deves.
Difícil
Não é difícil sequer
Viver da vida os escorços,
Mais difícil de viver
Sempre é viver com remorsos.
Munição
A lucidez com que nasço
É uma mera munição.
Torná-la lâmina de aço,
Só o treino de precisão.
Letra
A letra duma canção
É o que me leva a entender,
Contudo, o que me faz crer,
É da música a punção.
Ignore
Não há nada no caminho
Que ignore antes de iniciá-lo:
O importante é o que adivinho
Bastando-me recordá-lo.
Tempo
O tempo, estilete agudo,
Drena a dor que nos invade,
Mas, se o tempo cura tudo,
Não nos cura da verdade.
Especial
Quem é mesmo especial
Nunca faz por parecê-lo.
Quem o não é tal sinal
Busca com todo o atropelo.
Entre
Entre o que vejo e o que sou
A lonjura se mantém:
Desta vida o amargo voo
Dói tanto ao ficar aquém!
Liberdade
Sempre a liberdade é o ar
Que respirar um artista,
Como a pátria de seu lar
É onde aquele ar exista.
Mudanças
Como as mudanças confundem
Os homens, sempre a desoras!
E as grandes, quando se infundem,
Como são demolidoras!
Sábio
O sábio mais sabe ouvindo
Do que por si discorrendo
E acompanhado vai indo
Longes e longes vencendo.
Segura
A ignorância aconselhada
Mais segura é, de seguida,
Que a ciência proclamada,
Quando é ciência presumida.
Esconder
Não é só do varapau
Que quenquer se anda a esconder,
É que ninguém é tão mau
Que o quisera parecer.
Sábio
Há-de o sábio sustentar,
Teimoso, um erro anterior
Tanto mais quão luminar
O sábio dos sábios for.
Presumido
Nem do mundo por sentido,
Nem por sentido do céu,
Nenhum sábio presumido
Risca aquilo que escreveu.
Escrito
Ao autor engana o escrito,
Que é parto do entendimento,
Como um filho que é esquisito
É para os pais um portento.
Saber
Para saber e acertar
Não há mais do que um caminho.
Ao contrário, para errar,
Infinitos adivinho.
Pendores
Há nos homens dois pendores
Que os incham sem mais fim ter
E que os tornam roncadores:
O saber e o poder.
Brado
O saber que se calar
E o poder dum alto estrado
Que nunca se brasonar
- Ao fim dão imenso brado.
Pesa
Menos pesa ao presunçoso
Enrugar a sobrancelha
Que queimar estudioso
A pestana que aconselha.
Perde
Tudo aquilo que se perde
Ganha muito então na estima
E acresce o gosto ao que o herde,
Recobrado, que ora o mima.
Duas
A moeda e a mulher
São as duas entidades
(Mais que mais realidades)
Por que se perde quenquer.
Ambas
A cobiça cega a uns,
A sensualidade, aos mais
E ambas, sem pejos nenhuns,
Quase a todos dão finais.
Tragá-lo
É timbre duma nação,
Mal à luz vem quem luzir,
Tragá-lo ali logo então
Por que não luza a seguir.
Farto
Farto estou do que não tem
Nada dentro que acender,
Farto do que escreve bem
E nada tem a dizer.
Pátria
Nem um deus omnipotente
Logra ter na pátria ouvido,
Quanto mais dez reis de gente,
Embora sábio subido!
Decreta
Já Cristo em Mateus decreta
Das verdades a mais crua:
Não há sem honra profeta
A não ser na pátria sua.
Tortos
Provém de velhos arquivos
A verdade de pés tortos:
Sempre a inveja mata os vivos
E anda a celebrar os mortos.
Luzida
A parte menos luzida
Viu a inveja em obra boa.
Por maldita ali zurzida
Há-de logo ser à toa.
Muito
Não é nunca a multidão
Que, sendo muitos, faz muito.
Bem poucos sempre o serão
E, às vezes, sem ter o intuito.
Roda
Tudo o que é dito da sorte
É sempre fingido e falso
Menos a roda da morte
Com que o mundo em meus pés calço.
Segurança
Que segurança bastante
Pode haver em ser feliz
Quando um revés adiante
Revela que é por um triz?
Vitória
A vitória ensoberbece
Quando se não olha à sorte.
Quando se olha, logo esquece,
Que o invés traz no recorte.
Dura
Não há cabeça mais dura
De penetrar, converter
Que a coroada. – É o que apura
Quem pela verdade houver.
Arrogância
A arrogância dos valentes
É maior que a valentia:
Na hora de combatentes
Não fugiu quem não podia.
Difícil
A mais difícil vitória
Do coração, mente e lábios
E que nunca finda em glória
É a de sábio contra sábios.
Luta
Quem por própria escola luta
Poderá findar vencido,
Mas confessá-lo, em disputa,
Jamais há tal ocorrido.
Agudeza
Se mais verdade e sublime
A agudeza em si conforma,
Se contra a soberba esgrime
Jamais deu-lhe a nova norma.
Longe
Quem não quer, de desejar
Longe andará, se não quer.
Se nem quer querer, a par,
Mais longe é do que quenquer.
Mudam
Mudam as leis como as velas
Demais ao sabor do vento
Do poder e das querelas
Que encobrem venal o intento.
Rumo
Nós, ao remo desta vida:
Se o desejo pisca ao céu,
Um acto aproa, em seguida,
A todo o inferno que é meu.
Cruz
A cruz que em vida sopeso
É dos troncos que criamos:
Nossa cruz não tem mais peso
Que aquele que nós lhe damos.
Loucos
Qualquer erro em testemunho
Leva a enlouquecer o sábio.
Se loucos tão poucos cunho,
Sábio de poucos é o lábio.
Vinho
Como o vinho tira o juízo,
Tiram-no-lo as aflições
Quando as grandes fundo viso,
Que aqui lhes sofro as lesões.
Infâmia
É tal o poder da infâmia
Que do inocente infamado
Enche o campo de cizânia,
Torna o inocente culpado.
Coroa
Os fumos duma coroa,
E mais quão mais elevada,
Não trepam aos céus em loa,
Descem à mente coroada.
Rede
A rede, quando lançada,
Em cada malha, esperança.
Quando recolhida, nada
Quanta vez a rede alcança!
Melhor
O melhor dos bens da vida
É a lida da espera deles.
Mais dá quem os dá na lida
Que o que os tem, que os lê tão reles.
Nomes
Os nomes sempre nos calam
Muito mais do que nos dizem:
Corpo e sangue é do que falam,
Alma é o além que mal visem.
Presidente
O lado do presidente
É tão fértil, tão fecundo!
Tudo ali medra contente,
Tudo medra: mesmo o imundo...
Faminto
Tanto faminto, esfaimado
Há da graça do poder!
Cheio de graça tratado,
É só vazio a se encher...
Pão
Tem hoje mais pão que todos
Quem ontem nem um pão tinha?
Do poder abraça os modos
Que a graça dele adivinha.
Encobrir
Encobrir muito evidências
Mais pesa ao entendimento
Que persuadir conveniências
Ao querer de mim aumento.
Assegura
A matéria dum segredo
Só a assegura a ignorância:
Se a ninguém confio o credo,
É morto e sem relevância.
Intentos
Os intentos ignorados
Suspendem um inimigo.
Manifestos, são legados
Com que me acertam no abrigo.
Prevenção
Prevenção doutrem sabida
Ameaça quem preveniu.
Secreta, ela ameaça erguida
Contra quenquer que a não viu.
Revelado
Um exército estropiado
Pode-se recuperar,
Um segredo revelado
Nada o vai remediar.
Segredo
Poder sem segredo
É sempre fraqueza;
Fraqueza em segredo,
Poder com firmeza.
Certo
Certo é no médico o pão,
Na mortalidade, a doença.
No que morremos, então,
Vive o médico da tença.
Afoga
Quando chuva afoga as searas
Ou sol as queima na herdade,
Cresce o médico em aparas
Tão mais lavra a enfermidade.
Médico
O médico jamais cura
Nem púrpura nem coroa,
Mas o corpo a nu que apura
De igual barro, igual pessoa.
Idade
Os homens ódio à idade
Têm em que eles nasceram:
Não há profeta que agrade,
Só mesmo os que já morreram!
Génios
O idólatra do passado
Desengane-se: o presente
Tem sempre, por todo o lado,
Génios tal antigamente.
Irresoluto
Um governo irresoluto
É peste para a nação
E a morte, dele é o produto
No porvir posto em questão.
Carga
Cada um lançar a carga
Sobre os ombros doutrem tenta.
Então ao chão cai, amarga,
Ninguém ao fim a sustenta.
Liberalidade
Não é tanto entendimento
Quanto liberalidade
A fé, se autêntica a alento:
- Gero dela realidade.
Firme
É na vida que animar
Que da fé pondero o ser:
Quem é duvidoso em dar
É pouco vero no crer.
Perigo
Não é o tímido valente
Como o não é o temerário
E o perigo mais patente
Seguro é crer no contrário.
Melhorou
O vosso maior amigo,
Se melhorar de fortuna,
Já dos olhos (é castigo?)
Convosco se não coaduna.
Fortuna
Os homens noutrem conhecem,
Não a pessoa, a fortuna
E da pessoa se esquecem
Se fortuna não reúna.
Cortesãos
Os homens, tais cortesãos,
Buscam tudo desta vida:
De servir simulam mãos,
De mandar morrem na brida.
Alvedrio
A nobreza de ser homem
É ter o livre alvedrio
E servir: quando o não somem,
Discerni-lo é por um fio.
Tirano
Quem serve não há tirano
Que não lhe admita descanso.
Quem manda é o mando um tal dano
Que quietação não lhe alcanço.
Vulgar
Vulgar é tomar do mando
O poder mais a grandeza,
Peso e cuidado largando,
Que só regalo se preza.
Governantes
Os governantes depressa
Ignoram a quem os serve:
Pagam por que tudo esqueça,
E mais se o preço os conserve.
Mandam
Os que mandam não estimam
Nem pagam o que deviam,
Que, no trono a que se arrimam,
Tudo lhes deve o que aviam.
Santo
Ser Papa ou Imperador,
Se não for santo à chegada,
Pouco importa o resplendor.
Não é santo? Não é nada.
Vil
Podes ser vil, desprezado,
Contudo, se fores santo,
És o mais afortunado
Do mundo em todo o recanto.
Céu
O céu onde moram santos
Não mora longe, mas perto,
Mais que perto: são os cantos
Do coração puro aberto.
Justiça
Quando reina a iniquidade,
Um dia a justiça orça:
Não dar pouco por vontade
É perder tudo por força.
Resgate
Não há resgate a que fosses
Pedir de escravo os desquites
Se aos gastos não medem posses
Mas antes os apetites.
Experiência
Alguns anos de experiência
Valem mais na formação
Do que muitos de ciência
Feita de especulação.
Naturais
Os naturais do País
Conjuram-se a destruí-lo?
- É a vergonha contra os vis
Que não findam de atingi-lo.
Tiro
Palavra sem obra
É tiro sem bala,
Atroa e redobra,
Não fere o que abala.
Desgraça
Pode haver maior desgraça
Que alguém não ter, que se veja,
Um bem qualquer cuja traça
A ninguém suscite inveja?
Portal
Se inimigo tens,
Vem de que portal?
- A quem não tem bens
Ninguém lhe quer mal.
Maior
Um homem não ter desgraça
A desgraça maior é
Quando isto de ser não passa
Que ninguém dele dá fé.
Doméstico
O doméstico inimigo,
Seja lá ele quem for,
Há-de ser sempre o que digo
Que é por norma adulador.
Adulado
Quanto maior o louvor
Com que o rei for adulado
Tanto o inimigo é maior
Que se pavoneia ao lado.
Veneno
É tal o doce veneno
Da lisonja que aos escolhos,
Mal à orelha dá o aceno,
Logo encegueiram os olhos.
Ungirem
Os que ungirem a cabeça
Dos que os ouvem adulando
A visão cegam depressa
Por que não vejam olhando.
Desarmada
Mais de temer desarmada
É a língua do adulador
Que qualquer arma ferrada
De qualquer perseguidor.
Paulatinamente
Paulatinamente adula
Até o íntimo da casa
O que adulador abula
Dum império qualquer asa.
Perpétuo
O perpétuo mal dos reis
Há-de ser a adulação:
Qualquer gesta lhes vereis
Da lisonja posta ao chão.
Abundância
Pode ter de todo o bem
Abundância o governante,
Não da verdade, porém:
Quem o adula mente-a diante.
Eco
É o adulador um eco,
Repete o que diz a voz,
Nem outra tem, de tão peco,
E por isso a enterra após.
Agravo
Para esconder um agravo
Leva o crime a sepultar
Sob a terra e com um cravo
O que agravado se achar.
Restos
Se adularas o poder,
Restos tu não comerias.
Se restos são teu comer,
É que a adulá-lo não ias.
Santificação
Sempre o palácio do rei
Dele é santificação,
Tão do adulador é lei
A perene adoração.
Palácio
Todos quantos no palácio
De seu interesse amigos
Forem, serão o prefácio
De do rei ser inimigos.
Tentação
O diabo é tentação,
Porém, se bem enfrentada,
Remédio vai ser então,
Um salto além na jornada.
Tentador
Como é tentador o mundo!
Um instante é o que oferece,
Sem tempo de ver, profundo,
Quão nada pesa o que tece.
Riqueza
A riqueza com trabalho
É adquirida. Com cuidado
É mantida, talho a talho.
E em dor perdida, ao finado.
Soberba
A soberba dos que têm
Ódio ao píncaro sumo
É soberba que também
Trepa, ao fim, ao mesmo prumo.
Idolatria
O cobiçoso ao dinheiro
Gasta-o numa fantasia.
O avarento é prisioneiro,
Torna-o numa idolatria.
Repartir
Sempre repartir lugares
Tem grande inconveniente:
Qual o melhor ou são pares,
Que favor há-de ir à frente?...
Apreensão
Na apreensão toda a dor
De antecipar os tormentos
Dói com muito mais furor
Que da dor viva os momentos.
Dado
Depois de lançado o dado
Não fica em nosso poder.
Todavia, o resultado
Por mim vem do que fizer.
Beldade
Medes em pedra a beldade?
Não é beldade o que medes:
Os homens são a cidade,
Cidade não são paredes.
Distingue
Só o amor mútuo distingue
Filhos de Deus e do diabo,
Tudo o mais, abunde ou mingue,
É comum, ao fim e ao cabo.
Sábio
Ser sábio não é ser certo
Mas por certo o certo ver,
Por falso, o falso, no acerto,
No incerto o incerto manter.
Falta
Não há mais fácil intento
Que noutrem divisar falta,
Nem mais difícil portento
Que vê-la quando em mim salta.
Vista
Um homem de vista curta
Vê mais ao nascer do dia
Que a perspicaz vista surta
À meia-noite veria.
Horizonte
Mais vislumbra anão do monte
Que gigante em fundo parque,
Tanto depende o horizonte
Do pilar donde o abarque.
Palácios
Nos palácios a verdade
Ou não chega ou tão remota
Vive que não persuade
E é o que os condena à derrota.
Próspera
O perigo é tão mais certo
Quão mais próspera a fortuna,
Que os olhos são-lhe um deserto
E a surdez se lhe coaduna.
Grande
O grande não necessita
De nada, só da verdade.
Se a verdade é o que ele evita,
De vez finda em vacuidade.
Ignorância
Ignorância a que jamais
Ilumina o bom discurso
Dos remédios principais
Tira esperança ao percurso.
Ruído
O ruído da grande fama
Leva a que seja roído
Nas asas que a fama trama
Quem na fama voa erguido.
Declina
A grandeza não quer mais
Que de si, do que declina
Com dela própria os sinais,
Para cavar-lhe a ruína.
Defeito
Os homens, na luz que vêem,
O defeito que a luz mostra
Antes de mais é o que lêem,
Do bem em lugar da amostra.
Caras
Duas caras tem a inveja:
No interior uma entristece,
Outra, no exterior que a veja,
Dissimula o que parece.
Fumo
Qualquer honra é sempre fumo
Que, quanto mais alto sobe,
Mais se desvanece ao rumo
Da vaidade que lhe coube.
Dita
Na dita com que alguém sobe
Há-de ir sempre disfarçado
O risco com que se adobe
A descida em todo o lado.
Grandeza
Mais depressa nós morremos
Ao afago da grandeza
Que lisonjeia em extremos
Que ao desfavor que despreza.
Opera
Ciência, por ela apenas,
Não opera sem o braço:
São braço as obras pequenas
Ainda de ciência sem traço.
Singular
O grande não quer ser um,
Quer sempre ser o primeiro.
Singular, perde o comum;
Perde-se, por derradeiro.
Calos
Melhor é ser rei de si
Do que ser rei de vassalos.
Destes é todo o que vi.
Rei do rei? Nele que abalos!
Boca
A verdade, se infeliz,
Fere a boca que a profere,
Fere tanto a quem a diz
Como a quem tal se disser.
Bicho
Verdade é bicho montês:
Mais que em palácio reinante
Se ouve no monte. Em revés,
Quem a ouve é forte adiante.
Dita
Ter sempre que desejar
É a dita da infinidade.
Não ter mais que caminhar
É mesmo infelicidade.
Afectos
Os afectos se dedicam
Ao que se espera de alguém
Mais que à pessoa, onde ficam
Escassos mais que convém.
Ostentar
Quanto mais alto é o lugar
Menor parece um objecto,
Por isto é que se ostentar
Alguém mostra o que é um dejecto.
Grandes
Se os méritos sobem mais
Quando, afinal, pesem menos,
Descerão muito os actuais
Grandes lá feitos pequenos.
Demais
Quando só se ao grande acode,
É do pequeno a ruína.
Se demais este se engode,
Queixa-se o grande da sina.
Cume
Quando o pequeno se ergueu
Ao cume que não lhe impende,
É fumo que ao ar subiu,
Mais desfaz quão mais ascende.
Privilégio
O privilégio, se largo,
Logo a infâmia a todo o ferra:
Pouca veia em grande cargo
Logo dá com ele em terra.
Achaque
Um achaque mui vulgar
É ver o pé levantado
E a cabeça no lugar
Mais abatido e calcado.
Quando
Do grande, quando abatido,
O comum é que rebenta.
O pequeno, quando erguido,
Estoira do que fermenta.
Capa
Um interesse privado
Com capa de bem comum
É o achaque mais herdado
Onde houver poder algum.
Rebenta
Se rebenta de queixosa
A plebe, os ambiciosos
Rebentam, inchada a prosa,
De irem tão prenhes de gozos.
Dá
O pequeno dá o que tem,
O grande dá o que lhe sobra.
Vejamos como convém
Donde vem a maior obra.
Lince
Lince enxerga a falta alheia,
Enxerga a toupeira a sua:
Aquela grita ante a aldeia,
Esta nem se viu na rua.
Ferida
Ferida fácil se cura,
Não a rotura da fama,
Que, quando rota se apura,
Não cose nenhuma trama.
Bem-intencionado
Onde o bem-intencionado
Pintar imagens devotas,
O perverso desbocado
Vê só da maldade notas.
Perigo
Sofremos, por experiência
Do que ocorre em cada idade,
Mais perigo da opulência
Do que da necessidade.
Novas
As coisas boas e grandes
Acusam-nas de más novas,
Seja embora quanto expandes
Canto velho em velhas trovas.
Nova
Por muito que coisa nova
Não haja aqui sob o sol,
Toda a coisa ao fim comprova
Que nova já foi no rol.
Vinho
A verdade não é vinho
Em que se apura o sabor:
Quanto mais velha a adivinho
Mais caduco lhe é o teor.
Esgarce
Um saber, mal novo acabe,
Rompe o antigo até que esgarce.
Só saber o que outrem sabe
Não é saber, é lembrar-se.
Sofrer
Não há nunca coisa boa
Sem sofrer contradição,
Nem grande, se grande ecoa,
Sem a inveja lhe ir à mão.
Candeia
Os antigos têm candeia,
Nós, lanterna e projector.
Longe, a deles mal ameia;
A luz perto luz melhor.
Templo
O templo de Deus é santo,
Não o digas tu a esmo,
Já que templo, a cada canto,
És sempre, afinal, tu mesmo.
Razões
Há razões que apenas lê
O discurso de experiência,
Não o livro onde se crê
Na mentira da evidência.
Dores
As dores certas é certo
Que se não podem curar
Com remédio cujo acerto,
De incerto, é de duvidar.
Despacho
Ruim despacho ao requerente
Que requer pôr-se ao abrigo
Quando a lei lho não consente
Vira-o de amigo a inimigo.
Mudanças
Nas mudanças da fortuna
O ódio jamais se esquece,
Antes se farta e se enfuna
Mais que então se compadece.
Conversas
Nas conversas sempre entendem
Os homens tudo ao contrário:
Seus deuses sempre propendem
Cada qual a seu sacrário.
Diverte
Com as folhas, com as flores
Se diverte o mundo tanto
E tão pouco com primores
Da raiz de Homem que planto!
Odeia
Embora paradoxal,
Muito odeia quem odeia
Aqueles a quem fez mal,
Tanto a culpa nele ameia!
Ignorantes
Quanto mais são ignorantes,
Mais firmes as opiniões.
Quão mais de poder impantes,
Mais gritantes os senões.
Moderado
O moderado, devoto
Mais de ordem que de justiça,
É que eterniza o que anoto
Como o mal que nos enguiça.
Sexo
O sexo, mais do que corpo,
É uma personalidade:
Queira ou não, eu sempre o encorpo
De quanto eu for de verdade.
Passos
São dois passos para a frente
E depois um passo atrás:
É o progresso, a dar à gente
Tempo de ver que é que traz.
Míssil
A liberdade é difícil.
Democracia? Imperfeita.
- Mas nenhuma joga um míssil
Ao oponente que enjeita.
Fechada
Numa cultura fechada
É uma impossibilidade
Alguém ter aberta a entrada
Para aceder à verdade.
Ismo
Qualquer ismo tem um germe
Que sempre o corrói, sumário:
Mesmo em humanismo há o verme
De o tornar totalitário.
Sistemas
Quaisquer sistemas são falsos,
Que a verdade não se agarra:
Na roda da vida calços,
São de prisão sempre amarra.
Defeito
Mantenho um grande defeito:
Não me calo. E este enguiço
Não me condecora o peito:
- Os patrões não gostam disso...
Raízes
Sem raízes nada somos,
É como termos então
Os pés, onde quer que os pomos,
Jamais assentes no chão.
Apagar
O mundo tende a esquecer,
Não gosta de recordar
Mormente os crimes que houver
E que se queira apagar.
Resposta
A resposta anda aqui dentro,
Mas requeiro o espelho ao pé,
Tu e eu falando ao centro:
- Aí vejo que sou quem é.
Terramoto
A criança às vezes diz
Coisas com força bastante
Para, infeliz ou feliz,
Um terramoto adiante.
Garantidas
Tomamos por garantidas
De vez as pequenas coisas.
E a maioria, perdidas,
Que grandes ficam nas loisas!
Pertinaz
Se ao pertinaz não o move
Movimento de razão,
Só o apetite o comove,
Só o movimenta a paixão.
Oculta
O que se não vê
E o que mais se oculta
É o que ofende até
Que nos lá sepulta.
Grandeza
A grandeza pessoal
É o perfume rescendente
Que um utente, no final,
Sendo o principal, não sente.
Seca
Seca a lágrima veloz
Quando o mal por que ela veio
Não nos atingir a nós
Por mal ser que atinge o alheio.
Juízo
Quando na vida o juízo
Não atender à maldade,
A lágrima mostra siso
E o riso, frivolidade.
Alegria
Por maior que seja a dor,
A verdadeira alegria
O esquecimento ao que for
Traz dela com a magia.
Atributo
É atributo singular
Da glória o esquecimento
De tudo o que pode dar
Qualquer dia sofrimento.
Pranteia
Nunca ninguém se pranteia
Senão do que muito amou
Ou que muito desejou
E se finou, mal ameia.
Gosto
De não ver o que dá gosto
Nos há-de ferir a dor
Mas a dor é bem maior
De ver o que der desgosto.
Dita
A verdade que for dita
Não é uma final verdade,
É apenas o que a concita
No rumo da infinidade.
Começo
Depois de qualquer começo
É que a mim mais me desenho:
Quanto mais, pois, envelheço
Mais ideias boas tenho.
Aparte
Parte de nós vive aparte
Do tempo que nos invade.
Viver é ser de tal arte
Que nem tenhamos idade.
Envelhecer
Envelhecer não será
Piorar de parecer,
É só diferente ser:
Mudamos. Que bem que está!
Mulher
A mulher rebola a bola
Para trás e para a frente:
A mulher é mesmo tola
...Mas é muito inteligente!
Potencial
Por potencial que haja então,
Vizinha a terra ou distante,
Um exército é tão bom
Quanto o for o comandante.
Ricos
Sempre os ricos são senhores
Mesmo quando não convém:
Não ter materiais valores
Valor não tira a ninguém.
Bonita
De livros bonita a estante
Não me garante, afinal,
Que o arsenal lá constante
Leia adiante alguém curial.
Antiguidade
A antiguidade é uma liga
Que não liga quem a tem:
Uma linhagem antiga
Não casa de amor ninguém.
Difíceis
Quando difíceis os dias,
Os de cima, como um cacho
Maduro das tropelias,
Deslizarão para baixo.
Triaga
Ambição, quando aliada
A uma falta de talento,
É triaga envenenada,
Do mundo letal invento.
Intriga
Política intriga arruína
Mais vidas que qualquer guerra.
O ingénuo que o não atina
Merece o dente que o ferra.
Nome
Quando um nome é celebrado
A concorrer contra a obra,
Finda a obra a pôr de lado
E um nome é o nada que sobra.
Estranha
Que estranha a filosofia,
Aqui branda, além atroz,
A ressumar alegria
Tão feliz quanto feroz!
Inimigos
Os maiores inimigos
Da humanidade em esforço
De à luz rasgar mais postigos
São o ódio e o remorso.
Vozes
Há vozes em que reside
A força de impor silêncio.
Outras, o tufão que agride:
- E quem o transponha, vence-o.
Mente
Cada mente tem um mundo
Outro ante as que tem à beira
E, no fundo mais profundo,
Tem seu ponto de cegueira.
Sombra
Não existe saber puro,
Verdade sem ilusão:
Sempre apuro no que apuro
A sombra da minha mão.
Prazo
Sempre Deus perdoa;
Os homens, acaso;
Só a terra se doa:
Não perdoa, a prazo.
Palavra
A palavra pronunciada
Vai o mundo desvelar.
Desvelando-o, na empreitada,
Já nisto é o mundo a mudar.
Cobra
Aquele que sobressai
Tem entre quem o corteja
A cobra que do antro sai
Envenenada de inveja.
Tempo
Muito tempo nós levamos
Para jovens nos tornarmos!
Tanto que, se reparamos,
É de velhos lá chegarmos...
Pára
Um pensamento que pára
Logo ali se petrifica.
Petrificado é que aclara
Quão falso é o que pontifica.
Inda
Sendo aquilo que é o homem,
No fundo o que o tem de pé
São os sonhos que o consomem:
É aquilo que inda não é.
Solidão
Ser pessoa é conhecer
A última solidão,
Plataforma onde quenquer
Esmerila a comunhão.
Passagem
A grande arte é uma passagem
Rasgada através do artista,
Obra a moldá-lo na viagem
Que ao fim o perde de vista.
Empedernida
Uma vida empedernida,
Vergonha da estupidez,
É uma doença então lida:
A mente é uma pedra soez.
Inimigo
O inimigo da verdade,
Maior que os mais que o serão,
Não é mentira que agrade,
- O maior é a convicção.
Despedida
Não paramos de viver
Sempre como em despedida:
Não paramos de morrer
Ao correr de nossa vida.
Rei
Quem é que será mais rei?
Não será o que mais aterra,
Mas quem nem sequer tem terra
Nem súbdito: é de si lei.
Casas
As casas não são de pedras,
Encastelam-se em lembranças,
Pedaços por onde medras,
De antanho a vir das andanças.
Adoram
Os que adoram a pessoa
Contar-se-ão dedo a dedo.
Os que esperam dela a broa,
De inúmeros, metem medo.