TRILHOS  DO  DEVER

 

 

Resgatar

 

De resgatar a vida há uma maneira,

A de não esperar que alguém por nós

Nos venha resgatá-la da fogueira

Onde em cinzas lhe arder a frágil voz.

 

 

Desistência

 

Quando em teu gesto reviste a desistência

E dentro o lamentaste em mudos ais,

Cedo demais optaste pela ausência:

Desististe de ti cedo demais.

 

 

Perfeita

 

Com as obras te enfeita, congelada

Embora a inspiração a ti afeita:

Pouco importa uma obra ser perfeita,

Pois perfeita não é de obra acabada.

 

 

Ergue

 

Ergue os olhos e a mente em ti que estua,

Quando mais ao lameiro o pé te aferra:

É só pelos instantes em que és lua

Que viver vale a pena aqui na terra.

 

 

Imensamente

 

Querer imensamente sermos mais

Do que aquilo que somos é deixar

Com isto cada qual de ser capaz

De ser o pouco que é o seu limiar.

 

 

Pessoa

 

Sempre qualquer das pessoas

É uma pessoa qualquer:

Se te fechas às pessoas,

Fechas-te àquela que houver.

 

 

Grande

 

Grande problema do mundo

Que infecundo o irá deixar

É não ouvir tudo a fundo

Para após poder falar.

 

 

Grandes

 

Sonho de grandes parece

Que não é sonho nenhum:

Todo o grande se enobrece

Em ser apenas mais um.

 

 

Saída

 

Quando buscas a saída,

Crês que andará por aí?

Não é de alguém de fugida,

A saída mora em ti.

 

 

Burro

 

Todo o burro que é espertinho

É o maior na burridade

Dizimável que adivinho

Na história da humanidade.

 

 

Horizontes

 

Para alargar horizontes,

Mais que retirar antolhos

Para reconstruir pontes,

- É urgente fechar os olhos.

 

 

Medricas

 

Pelo céu ou pela terra,

O medricas, ao andar,

De tanto temer a guerra,

Anda sempre a rastejar.

 

 

Mudanças

 

Se há mudanças a fazer,

A mudança mais saudável,

Afinal contra o mutável,

É a de nos lograr manter.

 

 

Transpor

 

A melhor altura,

Ao transpor a fossa,

De rir com frescura

É sempre que possa.

 

 

Desgraça

 

Verás uma desgraça muito grande

E na desgraça tu serás feliz:

Busca a felicidade que te mande,

Procura-a na desgraça e desta ris.

 

 

Gostar

 

Rogo só por coisas boas

De noite a acender estrelas.

O que gostar das pessoas

Gosta da alegria delas.

 

 

Corrida

 

Corre o tempo tão depressa

Que esquecemos, na corrida,

De a rosa cheirar que esqueça

Cada minuto da vida.

 

 

Factos

 

O problema com os factos

Não é que de mais precise,

É que fazer, com que impactos,

Com os que tiver eu vise.

 

 

Contar

 

Seja daqueles com quem

Os demais podem contar:

É só feliz quem se atém

Aos mais como a si a par.

 

 

Próximas

 

Têm os que são felizes

Mais próximas relações:

Poucos amigos que vises

Mas em quem confiança pões.

 

 

Alie

 

Para dar à vida alento

E à dos mais respiração,

Trabalha por que o talento

Se alie com a paixão.

 

 

Corpo

 

No teu corpo sê feliz,

Ele é o único que tens.

Mais vale que, de raiz,

Gostes dele entre teus bens.

 

 

Negra

 

Mesmo na era mais negra

A felicidade induz

A cumprir sempre esta regra:

- Lembrar de ligar a luz.

 

 

Colibri

 

És, homem, um colibri

Com cor de tanto matiz!

Larga a pena que hás de ti

E serás então feliz.

 

 

Objectivos

 

A felicidade vem

De agirmos em direcção

Aos objectivos, também,

Definidos de antemão.

 

 

Sério

 

Leva o teu trabalho a sério

Mas a ti, contudo, não.

Em teu proveito, eis o império

Da melhor combinação.

 

 

Desolação

 

Em meio à desolação,

Olha o que evita o tropeço:

- Segue a tua inspiração;

Tudo vê que tem um preço.

 

 

Pesar-me

 

Não andes com muita coisa,

Que as coisas que em mim encaixo

Só servem (tudo em mim poisa)

A pesar-me para baixo.

 

 

Embota

 

O ócio embota o imo,

Tenta o encéfalo ocupá-lo.

Se não há cérebro, o arrimo

Compete às mãos o lavrá-lo.

 

 

Normalidade

 

A normalidade não

Mora no tempo de trás,

Mora nesta ocasião,

No que aqui eu for capaz.

 

 

Cela

 

Se o mundo não pode entrar,

Então não posso sair:

Na cela a me aprisionar,

Sou este estranho a me urdir.

 

 

Detesto

 

Detesto quem não quer saber,

Passa na vida distraído,

Despreocupado, a nada ver,

Não crendo em nada e sem sentido.

 

 

Escolhe

 

Escolhe qual teu alento,

Como a vida se te aparte:

Podes cavalgar o vento

Ou vê-lo antes a arrastar-te...

 

 

Escuro

 

Não quero passar a vida

Sem saber o que é que há,

Após do monte a subida,

No escuro lado de lá.

 

 

Talento

 

O talento só é grande

Se o artista o for bastante.

A grande alma que o comande

É que o que intenta garante.

 

 

Feito

 

O que deve ser bem feito

Não é feito então depois

Nem antes do tempo eleito,

Nele a tempo tu te impões.

 

 

Lavrador

 

Bem ensina o lavrador:

Espiga que é de cortar,

Que amadurou já o verdor,

Antes será de a abraçar.

 

 

Mandar

 

Ninguém pode só mandar

Se mandar como convém:

Deve sugerir, a par,

O carreiro de ir além.

 

 

Um

 

O que manda e o que sugere,

Sendo dois, deveras um

Devem ser enquanto impere,

No diverso, algo em comum.

 

 

Virtude

 

Mais estima o que é de idade

Do que o saber, a virtude,

Que ela é que um dia nos há-de

Fundir num quanto nos grude.

 

 

Tomado

 

Pouco importa ter tomado

Se aquilo que se tomou

Não for após conservado

Todo o tempo que durou.

 

 

Peso

 

Ninguém por pesado o peso

Tomará pesadamente

Se lho distribuem coeso

Por igual por toda a gente.

 

 

Tema

 

Tudo aquilo cuja traça

Em vós tema um inferior

É para vós ameaça,

A seguir, dum superior.

 

 

Rouba

 

O que rouba o mais pequeno

Findará, mande o que mande,

Finja o que fingir o aceno,

Finda roubado do grande.

 

 

Despende

 

Em que se despende a vida?

É num farrapo de pano

Com que estadear na avenida

Por que se matam todo o ano.

 

 

Farronca

 

Deus não quer o roncador:

Cuidado com a farronca,

Que a humilhação há-de impor

Àquele que muito ronca.

 

 

Arrogante

 

Todo o arrogante e soberbo

Anda a medir-se com Deus.

Quem por Deus se toma, acerbo

Finda em baixo dos pés seus.

 

 

Achegado

 

Achegado embora aos grandes,

Nunca vás tão apegado

Que te mates por onde andes

Nem deles morras ao lado.

 

 

Maiores

 

Aqueles que a natureza

Ou fortuna fez maiores

A fatalidade preza

Esmagá-los com mil dores.

 

 

Milagres

 

Para que a vida consagres

Muito tens donde escolher,

Que não faltam os milagres,

Faltam são olhos de os ver.

 

 

Boas

 

Por pedras e paus

Não dês, que não sobras:

Havendo olhos maus

Não há boas obras.

 

 

Comande

 

Quem comande teus pendões

Escolhe em quem mais te agrades,

Que o desvelo em eleições

Não periga em tempestades.

 

 

Retira

 

De quem menos se esperar,

Mesmo bom, retira a escolha,

Que o melhor para o lugar

É o melhor que o voto acolha.

 

 

Prudente

 

O vencedor que é prudente

Temeu a própria vitória,

Que é dela próprio temente,

Não vá perdê-la em vanglória.

 

 

Lonjura

 

Entre os sábios mais letrados

A lonjura é de o não serem:

É aqueles, de enfatuados,

À luz não se converterem.

 

 

Dócil

 

Importa o rasto no chão

Seguir do saber no couto.

Quem não for dócil então

Nunca poderá ser douto.

 

 

Tentação

 

É tentação do letrado

Ver a inclinação do rei,

Torcer a verdade ao lado

De que o rei quer lavrar lei.

 

 

Salvar

 

Eis como não há lugar

À salvação que quiserem:

- Todos se querem salvar

Mas salvar-se como querem.

 

 

Costumais

 

Pela salvação fareis

O que costumais fazer

Pelo muito que quereis

Do dia-a-dia querer?

 

 

Quero

 

Como é que quero o bom fim

Se não quero nunca os meios?

Eu quero e não quero, enfim,

Sou vida, mas de entremeios.

 

 

Céu

 

Eu bem quero ir para o céu,

Todavia não quero ir

Por onde vai, sem labéu,

Quem ao céu vai a seguir.

 

 

Rumo

 

A vontade para um lado,

Para outro irem os passos

É não querer, de contado,

Seguir de meu rumo os traços.

 

 

Despego

 

Não me despego de mim,

Findo então pegado a tudo,

Tudo me embaraça, enfim,

Feito cego, surdo e mudo.

 

 

Querer-se

 

Querer-se como convém

Não requer o que em mim vi,

Só se logra querer bem

Quem bem se livrar de si.

 

 

Preciosa

 

Cruz preciosa cobiçar

É não ver que é de temer:

Quão mais preciosa se alçar

Mais pesada ela há-de ser.

 

 

Grandezas

 

Os bens, grandezas do mundo,

Pecam na grandiosidade:

É de males que me inundo

Ao não ver-lhe a pouquidade.

 

 

Cobiça

 

Cobiça a mulher alheia

Quem da mão cheia se cansa.

Perde na dança a mão cheia,

Nem uma mão meia alcança.

 

 

Própria

 

É a mulher própria tragédia

Muitas vezes para a lida

Quando trata por comédia

O trato sério da vida.

 

 

Graça

 

Das obrigações da graça

É a graça de nos encher,

Não de enchê-la treda traça,

Nem traça de alguém se encher.

 

 

Fortuna

 

Que ninguém a si se estime

E a outrem ninguém despreze

Pelo que a fortuna encime

Nem derrube quando lese.

 

 

Enfermidade

 

Má sempre é uma enfermidade

Mas há um bem com que a transmude:

- Dá-nos a oportunidade

De apurarmos a virtude.

 

 

Governo

 

Governo é de fazer bem,

Fazer bem do próprio pão,

Não de acrescentar além

O seu com o alheio à mão.

 

 

Concorre

 

Não é quem melhor discorre

Que deveras é fiel,

Antes quem melhor concorre

À terra de leite e mel.

 

 

Comum

 

No bem e no mal comum

Ninguém é privilegiado.

Sinta o mal, pois, cada um

Que a todos haja tocado.

 

 

Moderar

 

O que importa é moderar

Confiança com cautela

E o valor assegurar

Com vigilância que vela.

 

 

Luzir

 

Aquele que quer luzir

Quando houvera de poupar,

Por luzir à hora de ir

Há-de vir a mendigar.

 

 

Salvação

 

A salvação sempre prima

Por incerta toda ela

Em quanto a esperança anima,

O temor nos acautela.

 

 

Distinta

 

Cada afecto observe

Na distinta trama:

Espera quem serve

E teme quem ama.

 

 

Temer

 

Quem o perigo possível

Temer fica acautelado

E quem temer o impossível

De seguro é assegurado.

 

 

Conta

 

Dá conta da tua vida,

Onde empregas teus cuidados.

De alheias conta, em seguida,

Por teu descuido em maus fados.

 

 

Pouco

 

Dar muito não podem, vis,

Pouco não querem, pequenos:

Os homens a quem servis

Podem pouco e querem menos.

 

 

Bastar

 

Quando alguém quer o que basta

Sem o que fizer bastar,

Perde-se então, de tal casta

Que a si se há-de condenar.

 

 

Arriscando-as

 

Ninguém melhor se assegura

Nem às coisas que tiver

Que o que em dádivas as cura

Arriscando-as a perder.

 

 

Ser

 

Desejar ser não é um erro,

Que ser abre qualquer porta,

Erro é o ser a que me aferro

Não ser qualquer ser que importa.

 

 

Enganar

 

Tudo tem o seu encanto

Mas pode enganar quenquer:

Tudo o que não for ser santo

Pode inchar, não pode encher.

 

 

Comanda

 

Que a memória quem comanda

Mantenha de seus regalos:

É glória a bem de quem manda

O sossego dos vassalos.

 

 

Salpico

 

Se reinas, qualquer salpico

De riqueza é bom que dobres,

Nunca rei há-de ser rico

Cheio de vassalos pobres.

 

 

Príncipe

 

Príncipe que engorda os lobos

E que emagrece as ovelhas

Certo é que enaltece os bobos

Quanto arruína as próprias telhas.

 

 

Fisco

 

Súbditos enfraquecidos

Não podem levantar forças

A governos combalidos,

Por mais que ao fisco os retorças.

 

 

Dinheiro

 

O dinheiro dum país

É o sangue que o corpo corre:

Se de todo o destruís,

Esvai-se a saúde e morre.

 

 

Novidade

 

Mais certo é uma novidade

Ter rectidão de observância

Que qualquer antiguidade

Já relaxada da infância.

 

 

Obra

 

Para falarmos ao vento

Bastam palavras e sobra.

Se o coração tocar tento,

É preciso muita obra.

 

 

Aumento

 

Os que querem ter aumento

Vejam onde anda o perigo:

- Ser inimigo é o intento

Ou amar todo o inimigo?

 

 

Desejar

 

O bom ano não o dá

Apenas quem o deseja

(Desejar não chega lá),

Só se assegurar que o seja.

 

 

Costas

 

Costas à benevolência

Do adulador logo dê,

Que do infortúnio a valência

Sempre consigo ele vê.

 

 

Prefere

 

Se aquele que serve o rei

Prefere o que a si lhe importa,

De servir não segue a lei,

O inimigo é que entra à porta.

 

 

Rede

 

O que ao amigo disser

Palavras brandas e falsas

Uma rede anda a estender

Que os pés lhe prende nas alças.

 

 

Esponja

 

Antes, quando o mundo invade

Dos egoísmos a esponja,

Ofender com a verdade

Que agradar com a lisonja.

 

 

Nunca

 

A norma de mais temores

A que em desespero apeles:

Ouvir os aduladores,

Nunca se guiar por eles.

 

 

Serviço

 

Para o serviço de Deus

Ou quanto de Deus dimana

Nada importam os bens teus,

Nenhuma grandeza humana.

 

 

Degrau

 

Fazer duma dignidade

Degrau doutra até o enésimo

Sem parar nunca, em verdade,

Pior que mau, será péssimo.

 

 

Louvor

 

O louvor de mais valia

Que em louvado mais encaixa,

Não é o que procuraria,

É o que sem buscá-lo, ele acha.

 

 

Nada

 

Não ter nada é o que convém

A quem a tudo se aferra.

Quem não quer nada é que tem,

Afinal, tudo na terra.

 

 

Rico

 

Deveras rico quenquer

Pode ser, a mente em alta:

Àquele que nada quer

Nenhuma riqueza falta.

 

 

Humildade

 

A virtude da humildade

Sempre com óculos vê:

Aumenta a própria maldade,

Diminui o bem que dê.

 

 

Volta

 

Para o mundo dar a volta

Não bastam pés, sempre à míngua,

Voltas dando ao mundo à solta,

Dar-lhe a volta é o dom da língua.

 

 

Desbasta

 

Desbasta de infância o bronco,

Podes não ter mais lugar:

Depois de torcido o tronco

Mal se pode endireitar.

 

 

Dom

 

Tenho o dom da profecia,

Desvendo todo o mistério?

Sem o amor dos mais seria

Nada no abismo sidéreo.

 

 

Eito

 

Condenarás tudo a eito

Sem de norma haver lição?

Onde não houver preceito

Não pode haver transgressão.

 

 

Pérola

 

Não é por nascer no lodo

Que a pérola o não será,

Negar-lhe o valor de todo

É do tolo que em ti há.

 

 

Enxada

 

A melhor enxada a dar

A um filho para obrar tudo

Não tem cabo onde pegar,

Há-de enxada ser de estudo.

 

 

Dever

 

O dever devém mui breve

Força que força tenaz:

O que não faz o que deve

Deve aquilo que não faz.

 

 

Trepar

 

Ao trepar repara onde ir,

Senão nem trepas sequer.

Nunca a pressa no subir

É maior que a no descer.

 

 

Alicerce

 

Não iremos reprimir,

Porque alguém o vira ao mal,

O querer de bem agir,

Alicerce do real.

 

 

Erro

 

Não erres, ao te propores,

Se entre o melhor és constante:

É que um erro dos melhores

Não tem nunca semelhante.

 

 

Invejoso

 

Do alheio merecimento

Faz peçonha refinada

O invejoso do momento

E assim nunca abre uma estrada.

 

 

Luzimento

 

Luzimento em quanto obrar

Pede armas que o defender,

Tanto a inveja há-de soprar

A derribá-lo de ser.

 

 

Prudência

 

A prudência se acomoda

Para ao fim melhor luzir,

Não vá perder-se ela toda

Por demais sempre bulir.

 

 

Cuidado

 

É ter cuidado ao subir,

Não vá ser demais trepar,

Que alguém só doutro aplaudir

Vai o que pode imitar.

 

 

Esconde

 

Esconde a melhor figura,

Que é mesmo a maior prudência

Para se ganhar, na altura,

A seu tempo, uma pendência.

 

 

Subir

 

O trabalho de subir

É uma diligência, a par,

Sem em mais nada bulir,

Para a gente se arruinar.

 

 

Resplendor

 

Das honras o resplendor

Cega os homens que elas gabam

E a razão volta-se a impor

Somente se elas acabam.

 

 

Pressa

 

Grande pressa no subir

Dá mais veloz o descer.

Cuidado, portanto, ao ir,

Não vá o vir tudo perder.

 

 

Desatino

 

Não há maior desatino

Que presumir por engano,

Nalgum canto do destino,

A eternidade do humano.

 

 

Alevantado

 

Quanto mais alevantado

Tanto mais há que se veja,

Mais que então ter forcejado

Contra os furacões da inveja.

 

 

Tudo

 

Quem pode tudo o que quer

Não quer tudo quanto pode

Se o bem comum a atender

É o que ao íntimo lhe acode.

 

 

Cargo

 

O cargo pesa o que pesa

Toda a honra que ele tem.

Quem pesa o cargo que preza

Pesa a carga que lhe advém.

 

 

Ombro

 

Quem do ombro olhar por cima

É que não pesou a carga

Que o cargo sobre ele arrima,

Não vê quanto o doce amarga.

 

 

União

 

A união dos naturais

É o terror dos inimigos.

Na desunião lhes dais

Das vitórias os pascigos.

 

 

Conquistam

 

Mais se conquistam os reinos

De guerra civil com ganhos

Que da guerra com os treinos

Que suportarem de estranhos.

 

 

Conservar

 

Conservar um cidadão

Ofertando-lhe um abrigo

É bem melhor solução

Que vencer muito inimigo.

 

 

Vingança

 

Não é de herói a vingança,

Que a si mesmo é que se ofende

Quem o outro ofende: se lança

Na lama em que este se estende.

 

 

Divida

 

Que o parecer se divida

Na ilação que lhes importe,

Nunca o afecto, em seguida,

Senão a união perde o norte.

 

 

Concórdia

 

Qualquer obra se sustenta

Com concórdia e amizade.

Faltando estas, se apoquenta,

Morre ao fim de insanidade.

 

 

Antes

 

Que numa verdade clara

Antes se veja o valor

Do que na lisonja avara

Que um valido vem propor.

 

 

Obra

 

Obra boa, com trabalho,

Boa fica, o labor passa.

Se má, de gosto um migalho,

Vai-se o gosto e o mal se enlaça.

 

 

Interesse

 

Interesse sob os pés

É degrau de mais estima.

Sobre a cabeça, ao invés,

É peso que desanima.

 

 

Melhor

 

Melhor viver passo a passo

É do que acabar voando

No abismo que nunca passo

Se me for lá estraçalhando.

 

 

Nada

 

Para ser livre quenquer

Tudo ao céu tem de entregar:

Nada receia perder

Quem nada tenha a esperar.

 

 

Grandeza

 

Grandeza é não precisar

De muito: os bens da fortuna

Findam então a sobrar

Do pouco que se reúna.

 

 

Ostentação

 

Quem vive de ostentação

Findará tolhido a eito,

Dele o que se espera não

É nunca de algum proveito.

 

 

Prudência

 

Ser muito e não parecer

É mesmo a maior prudência,

Que afasta a inveja a quenquer

E dele qualquer pendência.

 

 

Pouco

 

Com pouco a viver se andais,

O muito logo apavora:

Aos humildes honra a mais

Embaraça, não melhora.

 

 

Buraco

 

Ao que vive num buraco

Feliz com a mediania

A grandeza fá-lo um caco,

Que embaraça a demasia.

 

 

Mérito

 

É requerido o respeito

Ao mérito em cada qual

Ou o favor leva a eito

Ao mal no ajuste final.

 

 

Tribunal

 

O mérito é o tribunal

Onde é bom se pretender,

Doutro modo iremos mal

Em nosso modo de ser.

 

 

Honra

 

Quem honra quem é incapaz

Contra si leva o castigo:

Consigo perdeu a paz

E dos mais perdeu o abrigo.

 

 

Costumam

 

Os que costumam mandar

Não sabem de obediência.

Vai a lei então findar,

Que em todos não tem fluência.

 

 

Indispensável

 

Tão indispensável é

A lei com que tudo meça

Que não pode ir só no pé

Sem chegar nunca à cabeça.

 

 

Aplicar

 

Tanto a lei se há-de aplicar

Molestando a um qualquer

Como ela há-de molestar

A quem a estabelecer.

 

 

Conflito

 

Como lícito nos grandes

Pode ser o que é delito

Aos pequenos em quem mandes,

Ao dirimir o conflito?

 

 

Antever

 

Antever com prevenção

É prudência de quenquer,

Que não é de remeter

Tudo ao presente em acção.

 

 

Dêem-se

 

Se engordam poucos somente,

Os demais, abandonados,

Dêem-se, por mal ser gente,

Por serem já sepultados.

 

 

 

Quando for útil a todos,

Enche os corações de afectos,

Quando um só come dos bodos,

Perdido o amor, vão-se os tectos.

 

 

Ostentar

 

Ao lavrar a terra o arado

Lavra a flor sem pejo algum.

Quem ostentar o privado

Não trata do bem comum.

 

 

Fraco

 

É poder contra o mais fraco?

A casa, quando rebaixa

E esbarronda taco a taco,

Parte da parte mais baixa.

 

 

Atalaia

 

Quando o defensor da lei,

Em vez do povo atalaia,

Busca o agrado do rei,

De escravo merece a vaia.

 

 

Dependência

 

Tanto pode a dependência

Que, sem vontade, o vassalo,

Do senhor preso à pendência,

Não há como libertá-lo.

 

 

Livre

 

Como superior deidade,

Quem livre é da dependência

Obrará com liberdade

Constante por inerência.

 

 

Saber

 

Todo o saber é um presente

A que o porvir dirá não:

Sempre é próprio do prudente

Ter em dia a informação.

 

 

Amor-próprio

 

Do amor-próprio depender

A ponto de erros seguir

É do facto se perder

E a aparência preferir.

 

 

Satisfeito

 

Que alguém não seja o que deve

E que viva satisfeito

Com que os mais com quem se enleve

Cuidem bem – é o mal do preito.

 

 

Obrar

 

É de obrar o que se deve

E não tudo o que se pode:

O absoluto além deteve

O dissoluto que engode.

 

 

Ampara

 

Quem não ampara a verdade

É culpado da injustiça,

Porque comete a maldade

De não operar na liça.

 

 

Medicina

 

Para não temer o mal

Fazer bem é a medicina.

Para o bem ter, afinal,

A mal não fazer te inclina.

 

 

Alheia

 

Censurar a falta alheia

É de a própria não olhar,

Por mais que seja mancheia

E a alheia um nada, em lugar.

 

 

Entendido

 

De entendido é dar louvor

Com que a falta ultrapassar.

Defeito o néscio vai pôr

Para o louvor apagar.

 

 

Todos

 

Dizer mal quem diz de todos

É o que não me importa nada.

Mal de mim, dos mais, engodos,

Isto, sim, é uma estalada.

 

 

Sobejem

 

Da emergência ante os assédios,

À cautela é bem melhor

Que sobejem os remédios

Que alistar no contador.

 

 

Antepor

 

Antepor o velho ao novo

Só de antiguidade de anos

É bom do vinho que provo,

Não da verdade ou de enganos.

 

 

Sabores

 

Se todos novos sabores

Buscamos, como em costumes

Só valem velhos chorumes

Sem buscar novos valores?

 

 

Perto

 

Candeia que luz mais perto

É morada mais varrida:

De muito lixo decerto,

À luz, foi desimpedida.

 

 

Contra

 

Contra o reino que se tem

Ou possui injustamente

Se prognosticam além

Mudanças que em breve sente.

 

 

Letrado

 

Que é que importa que o letrado

Saiba ler se não abrir

O livro que houver chegado

E o não ler nunca a seguir?

 

 

Benevolência

 

Não hás-de escandalizar

Nem terás de persuadir,

Antes do outro hás-de apoiar

A benevolência a vir.

 

 

Negas

 

Se tu negas o que é claro,

Como queres que, seguro,

Te creia no intento ignaro

Que reclamas no que é escuro?

 

 

Protesto

 

O protesto tem impacto

Mas é o governo, no fundo,

Que, avançando pacto a pacto,

Remodela ao fim o mundo.

 

 

Copo

 

Quando está de copo cheio

Porque quer mais malvasia?

É assim que do rico o enleio

Sempre finda em porcaria.

 

 

Egoístas

 

Egoístas somos todos

E bem dos quatro costados.

O problema é nossos modos

Se além disto são mimados.

 

 

Brutos

 

Como os demais brutos,

Animal ou gente

De nervos são putos

Se se lhes faz frente.

 

 

Oportuno

 

Que é que uno ou desuno

No tempo desperto?

- É sempre oportuno

Fazer o que é certo.

 

 

Dogma

 

Um dogma numa cabeça

Com honesta convicção,

- E então logo ali começa

De todos a violação.

 

 

Malham

 

Quantos factos malham contra,

Maré viva a comer praia,

Até que quem lá se encontra

Do abismo dum dogma saia?

 

 

Negociar

 

Quando aceitas negociar

Uma crença, uma atitude,

Vai aí principiar

O que a um novo mundo mude.

 

 

Família

 

Se a família conta mais

Que o talento, a honestidade,

Traficâncias pessoais

São logo a perversidade.

 

 

Justiça

 

Praticar a caridade

Sem justiça social

É para sempre, fatal,

Estender a iniquidade.

 

 

Oferta

 

Nada ninguém nos oferta,

Que ser seremos apenas

Por nós próprios quem acerta

Cenas grandes das pequenas.

 

 

Mal

 

Quando alguém não faz por mal,

Deve entender, perspicaz,

Então e com força igual,

Todo inteiro o mal que faz.

 

 

Derrotar

 

Derrotar um inimigo

É inviável e te iludes

Se o não vês de teu postigo

Com suas próprias virtudes.

 

 

Horizonte

 

Ocupar-me do fastio

Quando faltar o horizonte?

- Quando chegar a tal rio

Cuidaremos de tal ponte.

 

 

Guerra

 

Deve-se a guerra evitar,

Dos males mal infindável,

Até a guerra se tornar,

Sem recurso, inevitável.

 

 

Floresta

 

Toda a floresta que exista

Destruir por lucro à mão

É um quadro renascentista

Queimar no forno do pão.

 

 

Planetário

 

No carro imos planetário

A correr contra a parede

...E cada a discutir, vário,

Que lugar é dele a sede!

 

 

Praga

 

Somos a praga na Terra:

Ou nos impomos limites

Ou a Terra que nos cerra

Fará por nós os desquites.

 

 

Matar

 

Se se mata a natureza,

Estaremos a matar

A parte que mais se preza

De nossas almas, a par.

 

 

Patranha

 

É patranha sem sentido

Desenvolver sustentável:

O sentido bem medido

Mundialmente é o partilhável.

 

 

Passado

 

O passado é um molho atado

A nos atar em redor.

Só fugimos do passado

Abraçando algo melhor.

 

 

Galinha

 

A galinha da vizinha,

Por mais que cante com brilho,

Nem sempre é melhor que a minha:

A minha é melhor com milho.

 

 

Conselhos

 

Não sigas os meus conselhos,

Nem conselhos de ninguém:

A vida é tua, teus quelhos,

De tão teus, só a ti convêm.

 

 

Obscuro

 

Não temas teu lado obscuro.

Se lhe apontares a luz,

São tesoiros do monturo

Que todo ele te traduz.

 

 

Remo

 

Por seguirmos a virtude

Caímos num tal extremo

Que a virtude em mal transmude,

Do barco perdido o remo?

 

 

Falso

 

Quando falso acusam tantos,

Quantos serão que inocentes

Pranteiam iníquos prantos

De culpados decorrentes?

 

 

Menor

 

Não se punir um culpado

É menor inconveniente

Que o preço que é, malfadado,

Ver punir um inocente.

 

 

Opinião

 

Seguir a opinião comum

É o comum para acertar.

Se o bem fundado é incomum,

É o da opinião singular.

 

 

Muda

 

Muda o sábio o parecer,

Que tudo é sempre mudável.

Mais o sábio que quenquer

Vê que só a muda é fiável.

 

 

Desvia

 

Quem se desvia da via

Vai saltar valas, indícios

Do risco que correria

Que é cair em precipícios.

 

 

Zelo

 

Zelo a mais irrita o mal,

Não o cura, é dele o templo.

Não é remédio, afinal,

Nem pode servir de exemplo.

 

 

Exasperado

 

Exasperado, o maldoso

Prevarica em contumácia,

Se, férreo, o zelo extremoso

Demais tentar a eficácia.

 

 

Peca

 

Peca menos a doçura

Do que pecará o rigor.

Ponderada, aquela cura;

Este o mal finda a repor.

 

 

Destempero

 

O problema é o destempero

Porque ao fim nada resolve:

Se o juiz for só severo,

No limite, nada absolve.

 

 

Desprezo

 

Não há mais que mais irrite

E leve a prevaricar

Que o desprezo que isso incite

E a aspereza a provocar.

 

 

Solidão

 

A solidão mete dó

Se quebrá-la não consigo?

Nunca o sábio menos só

Fica que ao ficar consigo.

 

 

Emenda

 

O mundo não nos engana,

Prega-nos a emenda certa.

Feliz de quem se não dana

E, aprendendo, a emenda acerta.

 

 

Além

 

Um homem, ao bem fazer,

Não é um homem entre os seus,

Trepa além de quanto houver,

Ao tal fazer faz-se Deus.

 

 

Divino

 

Nada num homem divino

É tanto como ele ter

Por vontade seu destino

Destinado a bem fazer.

 

 

Alheio

 

Confessar pecado alheio

Quando anda o próprio escondido

Sempre é do mundo o rodeio

Que o mantém sempre perdido.

 

 

Esmola

 

A esmola que faz o pobre

Espremida em sua toca

Tem um mérito que a dobre

Que é de ser tirada à boca.

 

 

Mérito

 

O mérito de quem dá

Não é que o colha a quem dê

Mas que o dê sempre acolá

E que o colha então quem crê.

 

 

Escandalizar

 

A escandalizar, um acto

Não se requer seja injusto:

Reputa-o de desacato,

Logo custa aquele custo.

 

 

Ignorante

 

É o vulgo sempre ignorante

E mais ignorante o noto

Quando presumido cante

Que tudo faz por devoto.

 

 

Superior

 

Não teme quem nada estima

E a todos é superior

Se a nada e ninguém se arrima,

De tudo ri com humor.

 

 

Fresta

 

Aquele que rir de tudo

Deixa a fresta da esperança.

O que chora finda mudo,

Nada o desespero alcança.

 

 

Sofre

 

Quando a dor que nos invade

É do mal e caramunha,

O que sofrer de verdade

Sofrerá sem testemunha.

 

 

Ódio

 

Ódio, a inútil batalha

Para que há-de ter lugar?

Somente nos atrapalha,

Algum dia há-de acabar.

 

 

Convocamo-la

 

Se décadas nos cortaram

Da juventude perdida,

Basta os olhos se fecharem,

Convoco-a ali renascida.

 

 

Inútil

 

Se inútil se acha o mais velho,

A mente pára de usar.

É um erro de mau conselho:

- Pára inteiro de operar.

 

 

Investir

 

Nem inventará o porvir

Nem o terá nem de esmola

País que mais investir

Em lares do que na escola.

 

 

Vale

 

Àquele que te concita

À partilha em sociedade

Vale mais em que acredita

Do que valer a verdade.

 

 

Fugir

 

A fugir de teu problema

Abandonas terra e lar?

Do problema o rubro tema

Vai-te sempre acompanhar.

 

 

Difícil

 

É difícil conviver

Com o grande homem amado:

Dá vontade até de o ter

Às vezes estrangulado.

 

 

Infiel

 

Uma mulher infiel

Não deixa de olhar aos filhos

Nem queima o lar que repele.

Ébria, sim, corta os vincilhos.

 

 

Natureza

 

É da natureza humana

Mais com oiro preocupar-se

Que da vida que se dana

Dos homens a deslaçar-se.

 

 

Pensamento

 

O pensamento de alguém

Importa só no momento

Com que invento, dele além,

O meu próprio pensamento.

 

 

Partido

 

Quando os nossos aderentes

Somarem milhões a esmo,

É de tomar, entrementes,

Partido contra si mesmo.

 

 

Pensar

 

Para quê pensar senão

Para pensar eu naquilo

Que disposto nunca então

A pensar eu me perfilo?

 

 

Traio

 

Não a mim, que a mim me traio,

Me desminto e contradigo,

Não a mim, que de mim caio,

Confiaria o meu abrigo.

 

 

Honras

 

Como matar qualquer génio?

Não a tiro de canhão:

- Das honras com o convénio,

Morte de antecipação.

 

 

Hostil

 

Hostil contra o que escraviza

E jamais se purifica,

Contra quanto imobiliza

E que ali nos petrifica.

 

 

Fez-me

 

O passado fez-me a mim.

O que conta é o que é que faço

Disto no projecto, ao fim,

Onde em tudo me ultrapasso.