POEMAS  IRREGULARES

 

 

 

Fácil

 

É tão fácil ser a vítima,

A deixar-me ir e morrer!

Morte legítima

De quenquer...

 

Ora, há muito quem passe, esquivo,

A vida inteira a morrer.

Contudo, que motivo

Dali vem

Para alguém

Continuar vivo?

 

 

Importa

 

Pouco importa o tempo que nos resta,

O que importa é estar presente

Neste momento, no da frente...

O antes, o depois? Nada aí presta:

Nenhum dos dois

Na mão me resta.

Quem para o sonho, pois,

Disponível se apresta?

Como espreitar os arrebóis

Senão do presente pela fresta?

 

 

Abrir

 

Tens de procurar

Muito tempo e com afinco

Até encontrar

Do amor o vinco.

 

Às vezes, porém,

É simples e sem abrolhos:

A gente só tem

De abrir os olhos:

 

Está mesmo ali

À frente e eu não o vi!

 

 

Aparência

 

A aparência física não tem peso.

Contudo, tem.

Não voto quem é feio ao desprezo.

Porém,

Quem me atrai

É a formosura que se esvai.

 

Sobre esta pedra angular

É que erguemos monumentos sem par.

 

Tem de ficar subterrânea,

Por detrás,

Mas é o que a cizânia

Das searas da vida nos desfaz.

 

 

Ignores

 

Não ignores que todos erramos.

Mesmo quem colher a flor

Única de teu amor

Pode falhar, cair dos ramos.

 

Pode trepar ao pico do cerro

Onde nada cresce,

Um eventual erro

Que te não desvanece.

 

Todavia, se o amor é forte,

Volta a encontrar, algures por ali,

O caminho do norte

Até ti.

 

 

Livro

 

Deveras sozinho

Enquanto tiver

Um livro para ler

E o leia?!...

Nem um bocadinho,

Nem sequer

Volta e meia:

Tenho ali a vida inteira

Com que conviver

À minha beira.

 

 

Mantém-nos

 

Por maior

Que seja o terror,

 

A fé

Mantém-nos de pé

 

A impelir a gente

Para a frente,

 

A incendiar o íntimo de alma

Dum fogo que, no fundo, acalma.

 

 

Palha

 

Alegre e superior,

O que nunca foi derrotado

É da verdade senhor

A que nem palha houver dado.

 

Sempre ao lado do mais forte,

Eis a hiena

Que os restos come, por norte,

Do leão que ela condena.

 

Impõe aos filhos:

“Não te envolvas em conflitos,

Que só perdes nos sarilhos

Dos atritos.

Se as dúvidas guardas contigo,

De problemas ficas a abrigo.

 

Se te agridem, não te ofendas

Nem respondas ao ataque:

A vida paga com rendas

Quem sabe aguentar o baque.”

 

Na solidão da noite

Enfrenta a batalha

Do sonho que nunca acoite,

Da injustiça a que não valha,

Da cobardia disfarçada

A cada jornada

(Que outrem engana

Mas no íntimo o dana),

Do amor que lhe cruzou em frente

E nunca se encorajou a abordar...

“Amanhã será diferente!”

Mas quando amanhã chegar,

Logo lhe paralisa a jornada

A pergunta fatal:

- E se tudo correr mal?

Então nunca fará nada.

 

 

Abençoado

 

Abençoado o que não teme

A solidão,

Que não treme

Ante a própria companhia,

Não busca desesperado, em vão,

Outra via

Para se ocupar,

Divertir,

Julgar...

- Para dele próprio fugir.

 

 

Coxeia

 

Ai de quem coxeia toda a vida

A dizer:

- Não tive oportunidade...

Afoga no poço de não ser

Com a irreprimida

Incapacidade,

Até já nem ter energia

De trepar à luz do dia.

 

Por cima da cabeça ela lhe brilha,

Dela, porém, não partilha.

 

Bendito o que confessar:

- Não tenho coragem.

Entendeu que não é de culpar

Outrem na triagem.

Um dia há-de encontrar

A fé requerida

Para enfrentar

A solidão dos mistérios da vida.

 

E, quem sabe,

Os desvendar

Com uma coragem que nunca acabe.

 

 

Solidão

 

Quem não se assusta

Com a solidão, o revelador

Dos mistérios,

Ganha à justa

O sabor

Do criador

De impérios.

 

Descobrirá o amor

A germinar despercebido.

Respeitará o que partiu,

Perdido

Do que um dia prometeu.

 

Saberá decidir:

Vale a pena pedir

Que regresse

Ou antes permitir

A cada um seguir

Pela via que melhor o tece?

 

 

Ensina

 

Ensina a solidão

Que nem sempre falha a generosidade

Ao impor o “não”:

Quantas vezes é a prenda da verdade!

 

E, ao invés,

O “sim” que nada mude,

Talvez

Nem sempre seja uma virtude...

 

 

Demónio

 

Que ao solitário não assuste

Do demónio a pretensão:

“Andas a perder tempo para o ajuste

Da vida a ter à mão.”

 

Ou então a deselegância

Do desdém:

“Não tens mesmo importância

Para ninguém.”

 

Meu imo fala quando com outrem falo

Mas também

Quando na solidão me calo.

 

E é uma bênção então

A solidão.

 

A Luz ilumina tudo

Em redor.

Já não me iludo:

Sou imprescindível seja no que for

A que me grudo,

A minha presença

É a diferença.

 

O Universo caminha

Através da minha vinha.

 

Nesta harmonia recebo

Infinitamente mais do que concebo.

 

O que recito

É uma ponta, minúscula embora, do Infinito.

 

 

Oprimido

 

Oprimido pela solidão?

Repara então:

Viverás fatalmente sozinho

Os instantes

Mais importantes

Da vida que te adivinho.

 

Logo no acto de nascer:

Esteja lá quem estiver

Viver ou não

É do bebé a decisão.

Podemos todos ajudar

Mas é dele o acto singular.

 

É como o artista

Perante a obra:

Tem de escutar solitário a pista

Que perante ele se desdobra,

Ao inefável eco dos banjos

De invisíveis arcanjos.

 

E perante a morte?

Estaremos sozinhos

No jogo da sorte,

Por mais que rodeados de vizinhos.

 

O amor é a condição divina,

A solidão, a humana.

Uma à outra se inclina

No convívio de que tudo emana.

Não há conflito

Quando do milagre vivo que em mim concito.

 

 

Consigo

 

Não consigo despertar

Doutrem o amor?

No amor não correspondido

Há o clandestino lugar

De esperar

Que um dia, ao sol-pôr,

Um raio verde troque de sentido,

De súbito tudo ajeite

- E o amor seja aceite.

 

Meu génio não é reconhecido,

Nem o talento, apreciado

E o sonho é desrespeitado?

A esperança murmura-me ao ouvido

Que, após muita luta,

Tudo muda, fim da disputa.

 

O desempregado bate à porta.

Se tiver muita paciência,

A persistência

A que se exorta

Uma porta qualquer há-de conseguir

Finalmente lhe abrir.

 

 

Acordam

 

Muitos acordam de manhã

De coração oprimido:

“Sou inútil. Sobrevivido

Tenho por qualquer fortuna vã.

Ninguém vive interessado

De vida no meu traçado.”

 

O sol brilha,

Têm a família junto,

Mascaram de alegria a trilha,

Que para os mais o assunto

É que detêm

Todo o sonho de bem.

 

Convictos vivem todos,

Porém,

De que os mais podem passar sem eles e seus modos.

 

Se jovens demais,

É que os mais velhos terão
Outra qualquer preocupação.

Se velhos que tais,

É que os jovens não se importam

Com aquilo a que os exortam.

 

Até há o poeta

Que se não contém,

Atira ao lixo uma resma completa:

“Isto não importa a ninguém...”

 

Nenhum repara no maior milagre:

- Que a vida, sendo vivos, à vida os consagre!

 

 

Empregado

 

O empregado labora na rotina,

Igual ao dia anterior:

“Pouco importa a minha sina,

Paralela à de quem nada for.

Se doente sem ter alta,

Ninguém dará por minha falta.”

 

- E nem repara que ele costura a infinita unidade

Do Universo na pequenez que o invade.

 

 

Costureira

 

A costureira apura o vestido

Em cada pormenor

E na festa ninguém toma sentido

Em tal labor,

Tudo são vestidos iguais

A milhões mais.

Pode haver comentários

A vários.

Ao dela, não:

É mais um... E então?

 

Tudo inútil,

Tudo fútil...

 

- Nunca descobrirá quão fecundo

Vestiu o mundo.

 

 

Jovem

 

O mais jovem dá conta

De que o mundo vive infectado

De problemas gigantescos

Por todo o lado.

A cada um desmonta

Do sonho nos arabescos.

 

Ninguém

Se importa então,

Porém,

Com tal opinião.

 

“Não conheces o mundo.

Ouve os mais velhos

Que te levarão, nos conselhos,

De cada desafio ao fundo.”

 

Os mais velhos, experientes e maduros,

Aprenderam com a adversidade.

Todavia, na hora dos apuros,

Não ensinam também eles de verdade:

 

“O mundo mudou,

Requerido é acompanhar

Em pleno voo

E os jovens escutar.”

 

Dum lado e doutro trancam portas

E as vidas, de vivas, devêm mortas.

 

 

Respeito

 

Sem respeito pela idade

Nem permissão,

Sentir a inutilidade

Corrói o coração.

 

“Ninguém por ti se interessa,

Tu não és nada,

O planeta ignora a tua peça,

És uma presença esvaziada.”

 

- Na véstia do mundo perdida,

Ninguém repara: há uma malha caída.

 

 

Desespero

 

No desespero de dar sentido à vida,

Muitos irão

Correr à religião.

Ali devém desmedida

Qualquer finalização:

“Trabalho para Deus.”

- E põem os olhos nos céus...

 

Primeiro devêm devotos,

Depois missionários,

Por fim, fanáticos.

Não terão mãos, mas cotos

Turiferários

Nos credos práticos.

 

Nunca entendem que religião

É partilha

De mistérios de íntima revelação,

Não atar a cilha

A qualquer

Irmão

Para o converter.

 

E que milagre de Deus

É ser, apenas ser

E levar os céus

Por aqui além a acontecer.

 

 

Destino

 

Um dia o destino bate à porta:

Anjo da sorte

Ou anjo da morte?...

Pouco importa:

Não há mais demora,

É agora!

 

O da morte sempre escutamos,

De medo que nos leve

Em breve.

E de aldeia mudamos,

De hábitos, passeios, de comida,

De atitude prosseguida...

 

Nunca o logramos convencer

A permitir, porém, por uns instantes

Que continuemos a ser

Como antes.

 

O anjo da morte é dum só sentido,

Nenhum diálogo é permitido.

 

Ao anjo da sorte ando sempre, todavia, a perguntar

Onde me quer levar.

 

À nova vida

É a resposta prometida.

 

Lembro-me, porém, de que para qualquer problema

Tenho um lema

De saída.

 

Por muito que demore,

Lutarei por que vigore.

 

Ante pais, mestres e filhos

Serei o exemplo concreto,

Sejam quais forem os sarilhos,

Do velho caminho que entendo por correcto.

 

Até meu vizinho me espera capaz

De perseverar,

De contra a adversidade lutar,

Eficaz,

A superar obstáculos,

Do fado de antanho rumo aos pináculos.

 

E sinto muito orgulho

Do meu comportamento,

Apesar de carcomido do gorgulho

De cada momento.

 

E muitos me elogiam

Porque a muda não aceito,

Permanecendo no leito

Dos que, lentos, para trás morriam,

Em vez de à vida prestar preito.

 

E vivo neste engano

Crendo lucrar deste jeito.

E é só dano.

 

 

Trilho

 

O trilho correcto

É o trilho da natureza:

Perene muda em concreto

Como a duna que o deserto preza.

 

Quem crê que não muda a montanha,

Anda enganado:

O terramoto a ergueu tamanha,

Chuva e vento a trabalham,

Duro fado,

E no-la entalham.

Todo o dia é diferente,

Embora o não veja o olhar da gente.

 

A montanha se alegra:

“Que bom não ser a mesma,

Que alegria a nova regra

Que me integra,

Embora a passo de lesma!”

 

Quem crê que as árvores não mudam

Anda enganado:

Nuas de Inverno, vestidas de Verão,

Que as estações lhes acudam

É a norma que seguirão

Por eterno fado.

E até vão além,

Que as aves e o vento, entrementes,

Lhes espalham as sementes

Também.

E as árvores, que alegria!

Julgava cada qual que era só uma

E é uma multidão em romaria

Na festa de vida que ali assuma.

 

 

Teme

 

Quem não teme o anjo da sorte

Entendeu que é de ir em frente,

Forte,

Apesar do medo persistente.

 

Apesar da recriminação,

Da dúvida, da ameaça... Tudo em vão!

Debate-se com o valor e o preconceito,

Dos que o amam ouve o conselho:

“Toma jeito!

Já tens tudo, de teus pais o amor velho,

De tua mulher o carinho

E o dos filhos a trinar no ninho.

 

Até o emprego de luzir

Que tanto doeu a conseguir.

 

Não devenhas estrangeiro

No país do teu dinheiro.”

 

Apesar de tudo arriscam a primeira pegada,

Ora por curiosidade,

Ora por uma ambição que lhes agrade,

Ora por ânsia pura,

Incontrolada,

De aventura.

 

E o porvir

Vem das mãos deles a florir.

 

 

Curva

 

A cada curva do caminho

Findo mais amedrontado:

Nunca adivinho

O que me espera do outro lado.

 

Surpreendo-me, porém, comigo:

Fico mais forte quão mais longe de abrigo

 

E mais alegre

Quão mais de antanho me desintegre.

 

Alegria?! Decerto

É porque trilho o caminho certo...

 

Até o medo me foge

Ao não me importar,

O que leva a que o desaloje

Mais e mais do meu lugar.

 

 

Pobre

 

Pobre do que pensa:

“Não sou belo,

O amor não bateu à minha porta.”

Tal sentença

Não lhe destranca da entrada o tramelo

E finda, da vida na corrente, folha morta.

 

O amor bateu,

Só que ele, impreparado,

Não abriu:

Não acolheu

O festim que lhe era destinado.

 

Tentou adornar-se

Quando a figura já lhe estava pronta.

Findou num disfarce

Aquela cabeça tonta.

 

Imitou os outros da montanha ao vale

Quando o amor queria um original.

 

Reflectiu a luz vinda de fora

Ignorando a que dentro dele mora.

 

Perdeu dele o centro

Que apenas lhe vive e se depura

Na fundura

Lá de dentro.

 

 

Espalha

 

Tal como o sol, a vida

Embora aos tropeções,

Espalha a luz devida

Em todas as direcções.

 

Quando nasço, quero tudo

Concomitantemente,

Sem controlar, contudo,

A energia evanescente.

 

Ora, se requeiro o fogo,

Os raios do sol terei de unificar

Num ponto, desde logo,

Do mesmo lugar.

 

É para o fogo de aquecer

Como para o que muda trigo em pão.

Temos de concentrar o poder

Do fogo interior, senão

Nunca mais encontramos o sentido

À vida requerido.

 

Perguntamos aí aos céus:

“Mas qual

Sentido é que vale?”

Muitos rasgam então os véus,

Desanimados,

Que não há resposta, só traslados.

 

São os que irão marcar passo na parada,

A cada jornada.

 

Quando o fim chegar, dirão:

“Que vida curta!

Desperdicei a navegação

Na barca perenemente surta

Num cais que assim foi de perdição.”

 

 

Firmes

 

Se a vontade é cristalina

E o amor, puro,

Então firmes são os passos.

A dúvida inclina

E a tristeza, no apuro,

À fundura dos traços:

Sou mero instrumento

Da cósmica vontade.

Que eu seja o fecundo fermento

Que a massa leveda

E nunca ceda

A trair a íntima luminosidade!

 

 

Urgente

 

Para as palavras escutar

Do amor

É urgente deixar

Que ele se aproxime,

Em mim se venha depor

Até que eu nele de vez me arrime:

Por fim,

O mundo inteiro e eu em mim.

 

 

Chega

 

Quando o amor nos chega perto,

Desatamos a temer

O que tem a nos dizer.

Ando errado e ele anda certo?!

 

O amor é livre, com voz

Que nos não liga à vontade

Nem ao esforço, por mais atroz

Que seja a freima que nos invade.

 

Todo o amante sabe disto

Mas não se conforma.

Tento sempre impor-lhe a norma

Com poder, beleza,

Lágrimas, sorrisos e riqueza...

E, quão mais derrotado, mais insisto.

 

Verdadeiro amor, porém,

Seduz,

Não se deixa seduzir.

Caminha além

Com a candeia da luz

E convida-me a ir.

 

 

Transforma

 

O amor transforma e cura.

Por vezes em armadilhas mortais

Ensarilha quem mais depura,

Quer sempre mais.

 

Mantém as estrelas no lugar,

Construtivo,

E é devastador a par...

Por que motivo?

 

Cuidamos

Que o que recebemos

É igual ao que damos.

Daí, de nosso erro os extremos.

 

Quem ama

À espera de ser amado

Em pilhas acama

A maldição do cuidado.

 

O amor é dádiva gratuita,

Não troca de mercado

Em que a vantagem é muita

No artigo procurado.

 

A contradição

Fará o amor crescer:

Os conflitos superados permitir-lhe-ão

Ao nosso lado se manter.

 

A vida é curta

Para escondermos o importante:

Dizer “amo-te” furta

Às voltas do acaso cada instante.

 

Não é, porém, de aguardar

A frase de volta.

Amamos por precisar de amar:

Sem amor, a vida finda à solta,

Sem sentido,

O sol deixa de brilhar

E eu findo enoitecido.

 

 

Rosa

 

Sonha a rosa com a abelha

A fazer-lhe companhia

E nem de asa uma centelha

Todo o dia.

 

Pergunta o sol:

“Fatigada de esperar?”

“Sim, mas se eu fechar

As pétalas ao arrebol,

De vez

Murcharei aqui talvez.”

 

Quando o amor não aparece,

Continuamos abertos,

À luz que não acontece

Despertos.

 

Quando a solidão

Esmagar qualquer escudo,

Resistir, então,

É continuar

A amar

Acima de tudo.

 

 

Alto

 

Na vida o mais alto patamar

É o de amar.

 

Sem ele, o resto vence-o

O silêncio.

 

É urgente amar, mesmo que isso

Conduza à terra do pior feitiço,

 

Das lágrimas ao lago

Secreto, misterioso, ao fel de trago em trago.

 

Falam as lágrimas por si.

Quando cri

 

Que já chorei quanto era de chorar,

Continuam a jorrar.

 

Quando acreditei

Que minha vida era um glaciar de dor,

De repente parei

As lágrimas num raio de calor.

 

É que mantive o coração aberto

Apesar do sofrimento.

Quem partiu não deixou o deserto

Cortado do vento.

 

Não levou o sol

E deixou trevas:

Retorna perene o arrebol,

Em levas.

 

Apenas partiu

E o adeus alcança,

Escondida no íntimo seu,

A esperança.

 

Melhor é amar, de todo o modo, em todo o lado

E ter perdido

Que nunca ter amado,

Que nunca ter vivido.

 

 

Mera

 

O amor é mera palavra

Até ao momento

Em que me lavra,

Me escalavra

Com toda a energia de fermento.

 

Repentinamente,

Ando a voar com o vento

A espalhar-me pelo mundo inteiro,

Leveiro,

Em semente.

 

 

Véspera

 

Na véspera da morte

Pode não ter utilidade

Mas continua uma sorte

Descobrir vislumbres de verdade

Nalgum discreto transporte

Duma novidade.

 

E dela a semente

Mesmo após a morte,

Irá seguir em frente.

 

Mundo fora

A eternidade conta permanentemente

Com outra hora.

 

 

Amanhã

 

Amanhã, pelo alvor,

Irei olhar para o dia

Como o primeiro de minha vida,

Sem lhe impor

A nostalgia

De nenhuma memória delida.

Aí desvendarei o momento

Do deslumbramento.

 

 

Recuperar

 

Irei recuperar o espanto

Da família no meu lar,

Descobrir quanto

Amor entre nós tanto

Andar

E nós, todos distraídos,

Dele a falar sem sentidos.

 

- Basta um olhar de primeiro dia...

E como nos deslumbraria!

 

 

Primeira

 

Irei acompanhar

A primeira caravana

Que no horizonte aflorar

Sem perguntar

Em que rumo é que se abana.

 

E deixarei de a seguir

Quando no chão

Florir

Algo a chamar-me a atenção.

 

Leio no olhar a alegria:

Tudo me fascina de magia!

 

Hoje

É o primeiro dia

E nunca mais ele me foge.

 

 

Tente

 

Alguém anda a destruir

Uma ponte.

Talvez o tente impedir.

Ou talvez vislumbre, no horizonte,

Que ele, além,

Não tem à espera ninguém.

 

Ora, então,

É como ele espanta a solidão.

 

O que era um mal virou bem

Porque olhei um pouco além.

 

 

Pequenos

 

Olharei, deveras olharei

Os pequenos nadas

A que me habituei,

Ignorando as magias iluminadas

De que no primeiro dia os rodeei.

 

Como a duna do deserto

Movida com energia

Para longe, para perto,

Que entender nem tento,

Pois nunca a compreenderia,

Que não consigo ver o vento.

 

Espreitarei por trás da rotina:

Irei ver o que a ilumina.

 

 

Vestir

 

Quando vestir minha camisa

Useira e vezeira,

Vou-lhe olhar para os pontos que utiliza

Pela vez primeira,

De tal maneira

Que vislumbre a mão

Que lhe teceu o algodão

E o rio onde germinou a fibra

Que nela vibra.

 

Todo este mundo invisível

É história que desliza

Até mim,

Indefectível,

Pela minha camisa

De cotim.

 

Tudo a que andar habituado,

Como o sapato que me prolonga o pé,

Quase o não vendo eu como alheio dado,

Repentinamente é

Um alerta

Para o mistério da descoberta.

 

Como caminho rumo ao porvir,

Ajuda-me este trampolim

Do passado persistentemente a provir

Generoso até mim.

 

 

Tudo

 

Que tudo o que minha mão tocar,

Meus olhos virem,

Minha boca provar,

Meus ouvidos ouvirem,

Seja diferente, outro sinal,

Embora continue igual.

 

Então, de ser naturezas mortas deixarão,

Passando a explicar-me

Porque vão

Há tanto tempo comigo.

 

Manifestarão

O milagre de encantar-me,

Do reencontro ao abrigo

Com a emoção

Que a perder-se, desgastada, se inclina

Por mor da rotina.

 

 

Provarei

 

Provarei o chá

Que nunca bebi

Da banda de lá

Porque tão mau mo disseram

Que meus pés nunca correram

Por ali.

 

Palmilharei a rua

Onde nunca respirei

Porque ma contaram tão nua

Que nada de valor encontrarei.

 

Então, em cada rumo, em cada lugar,

Descobrirei

Se quererei

Lá voltar.

 

Apenas assim

Serei eu em mim.

 

 

Tentam

 

Pelas alturas

Voga o céu

A que mil teorias inseguras

Tentam erguer o véu.

 

Apagarei quanto aprendi

Das estrelas

Para ver infindos anjos por ali,

Biliões de crianças,

Ou então caravelas

Na esteira das índias que nunca alcanças.

Ou as migalhas do vento

Do pensamento.

 

As eras germinaram argumentos

Sidéreos.

Meu imo, todavia, digere apenas alimentos

De mistérios.

 

O trovão é um deus enraivecido,

O raio, a chibata de zangado

E a chuva, o choro arrependido

A tratar-me do campo e do gado.

 

A fantasia é mais curiosa,

Aterradora, interessante

Do que a glosa

Do sábio que eu tiver diante.

 

 

Mergulhemos

 

Mergulhemos no caminho

Perigoso da entrega.

É o único que adivinho

Que comigo,

Contigo,

Connosco, enfim, nos congrega.

 

Único a ser percorrido,

É o que nos trará sentido.

 

É o rumo das transformações,

Fermentações,

Revoluções

Por dentro de cada um e, em cada par, de ambos.

Não temos nada a perder

Nos escambos.

 

Iremos aceder

Ao amor completo,

A porta ao abrir

Que o corpo ao espírito nos unir:

Voaremos para além de todo o tecto.

 

 

Ignoremos

 

Ignoremos que nos ensinaram

Que dar é nobre,

Receber é humilhante,

Que é de pobre

Rastejante,

Dos que do chão inda mal se levantaram.

 

Para a maioria,

Generosidade é dar.

Receber, todavia,

É por igual melodia

De amor a par:

Deixar

Que outrem me torne feliz

É feliz também tornar

Outrem de raiz.

 

Verdadeira generosidade

É a que cultive

Comum reciprocidade.

Aí é que cada um deveras vive:

Já o Infinito a dar e a receber,

Colher a colher.

 

 

Lama

 

A boa intenção

Não basta.

Só dela a concretização

Nos não empasta

De lama o chão.

 

Só crer, parado,

Nunca salvou ninguém

Do inferno à medida talhado

Que lhe advém.

 

 

Contorna

 

A amizade

Tem dum rio

A qualidade:

Contorna pedras, num desvio,

Ao vale e à montanha

Modela-se, um trilho ganha,

Às vezes devém um lago

Até que transborda do afago

E então, devagarinho,

Retoma grácil o caminho.

 

 

Diversa

 

Elegância não é questão de gosto.

Cada cultura tem a própria forma

De ver da beleza o rosto

Diversa doutras, por norma

E é um modelo de alguma forma imposto.

 

Há, porém, pontos comuns

Que demonstram a elegância:

Respeito, hospitalidade

São alguns,

Na realidade

Pertença de qualquer lugar, distância...

 

Delicadeza de gestos

Acompanha os mais aprestos.

 

E esta campina arroteada em comum

É elegante em cada um.

 

 

Irradiando

 

Todos caminham com elegância

Irradiando luz em redor

Quando os trilhos desbravam da instância

Que escolheram por amor.

 

Passo firme, olhar incisivo,

Movimento belo,

No difícil momento decisivo,

Nem o inimigo logra o atropelo

Discernir-lhe duma fraqueza,

Que a elegância o embeleza

E do trono régio

Protege-o.

 

 

Manifesta

 

O labor

Manifesta, sem enganos,

O amor

Que une todos os humanos.

 

Por mor dele

Verifico, veraz,

Que de viver não sou capaz

Sem o outro, aquele

Que de nós também precisa

Como a ele tudo em nós o divisa.

 

 

Após

 

Um dia, após a desgraça,

O coração do trabalhador,

O do aventureiro descobridor,

Porque tudo passa,

Alcança

A magia

Da confiança

E da alegria.

 

E de novo é um bandeirante

De tudo o que for distante.

 

 

Sucesso

 

Sucesso não é o alheio

Reconhecimento.

É o efeito do teu plantio cheio

Do fermento

Do amor,

A porejar de teu suor.

 

Pela altura de colher,

De ti para ti

Poderás dizer:

- Consegui!

 

Conseguiste teu labor respeitado,

Não por apenas para sobreviver

Ter sido realizado,

Antes por teu amor pelos mais

Demonstrar perene em teus bornais.

 

 

Atingiste

 

Atingiste dar por terminado

O labor principiado,

Apesar de tanta imprevista

Armadilha pelo caminho.

Quando a dificuldade do baldio

Diminuiu teu fervor do plantio,

Chamaste à lista

Da disciplina o ancinho,

A rapar a caruma,

Uma a uma.

 

Quando a disciplina diluiu, feita melaço,

Em peganhento cansaço,

Usaste o descanso

A programar os degraus

Dum novo lanço,

Para transpor, a seguir,

As alpondras dos vaus

Do porvir.

 

 

Paralisar

 

A derrota

Presente na vida de quem arrisca

Não te paralisou a rota

De quem ganha à mão o que petisca.

 

Não te prendeste

A cuidar no que perdeste

Quando tiveste uma ideia

Que não furou

Da adversidade a teia

E não operou.

 

Não paraste no instante da glória,

Que o objectivo pretendido

Ainda, para além da vitória,

Não fora nem será nunca atingido.

 

Pediste ajuda

Sem te sentir humilhado.

Quando alguém requereu quem lhe acuda,

Acorreste sem te pôr de lado.

Partilhaste quanto havias aprendido

Sem crer revelar qualquer segredo

Nem haver sentido

O medo,

A paralisia do cuidado

De quem por outrem anda a ser usado.

 

 

Vitória

 

A vitória atinge quem

Não perde tempo a comparar

O que opera e tem

Com o que outrem ostentar.

 

É daquele que tiver por lei

O dia inteiro, do princípio ao fim:

- Darei

O melhor de mim!

 

 

Preciso

 

É preciso ter presente

O objectivo em mente.

 

À medida que formos progredindo,

De vez em quando é de parar,

A paisagem em redor

Que nos for

Surdindo

A desfrutar.

 

Cada metro trepado

É um pouco mais de lonjura

Vislumbrado.

Aproveito para descobrir

A figura

No azulíneo delido

Que nem a sonhar pude intuir

E nunca havia percebido.

 

 

Patim

 

No patim de progredir

É de reflectir.

 

Meu valor anda intacto?

Tento a outrem agradar

Obrando o que esperam de mim,

Ou ando a manifestar

O impacto

Do imo de meu fundo confim?

 

Procuro deles o pasmo

Ou exprimir meu entusiasmo?

 

Procuro sucesso a qualquer preço

Ou por meu dia de amor cheio o meço?

 

Da vitória a medida

Provém deste agoiro:

- Enriquece a vida,

Não os cofres de oiro!

 

 

Cortes

 

Não cortes caminho.

Trilha-o de maneira

Que a cada pegada

Finde mais bem calcada

A carreira

Pela leira

De que me avizinho

E mais bela, no limite da viagem,

A paisagem.

 

 

Senhor

 

Senhor do tempo não tentes ser.

Se os frutos que plantaste

Antes do tempo vais colher,

De verdes não darão prazer

Que baste

A ninguém,

Ao invés do que ao fruto convém.

 

Se, por medo ou de inseguro,

Tardio o colhes,

No instante da oferenda, em vez de puro,

É podre que o recolhes.

 

Respeita

O tempo da semeadura

E da colheita.

Espera, então,

Enquanto em ti se apura

O milagre da transformação.

 

O trigo ainda no forno

Ainda não é pão,

Por mais que do pão tenha o contorno.

Por lindo que seja o tema,

Com a palavra presa na garganta

Ainda não é o poema

Que ali nos canta.

 

Enquanto o fio não for unido

Pela mão de quem trabalha

Ainda não é, no que nos calha,

Nenhum tecido.

 

 

Admiração

 

No momento da tua partilha

Da amorosa oferenda,

Todos admirarão a maravilha

Que lhes renda.

 

Que indivíduo – dirão – mais bem realizado!

Todos querem os produtos

Dos campos de vida que ele houver forrageado,

Da mesa dos dias para os condutos.

 

Tudo penderá do calor

Que irradiar dali o amor.

 

 

Ninguém

 

Ninguém perguntará

Quanto custou atingir

Do amor a sidérea qualidade dos frutos.

Nem há

Como a seguir

No sigilo dos redutos.

 

Quem com amor laborou

Leva a que a beleza

Do que realizou

Devenha tão intensa, tão surpresa

Que nem sequer, de tão subida,

É dos olhos percebida.

 

Como o acrobata voa pela altura

Sem tensão,

A vitória, quando toma figura,

É tão natural neste mundo

Que, então,

Não entendo como dela não me inundo.

 

 

Trilho

 

Se alguém ousara perguntar

O trilho ao vitorioso, responderia:

Cuidei desistir, ao ver tudo a me contrariar,

Cuidei que Deus já me não ouvia,

 

Tive de mudar de rumo muita vez,

Outras abandonei o caminho...

Mas voltei, teimoso e cortês,

Ave sempre em busca do ninho,

 

Escolha convencida

De não haver outra maneira

De arrotear a leira

De minha vida.

 

Aprendi a intuir

Que pontes cruzar, persistente,

E que pontes destruir

Definitivamente.

 

- Eis como ele resumiria

O lado negro da magia.

 

 

Sou

 

Eu sou toda a gente,

Do famoso ao ignoto,

O do píncaro ingente

E o da humílima semente,

O que corta como de navalha o fio,

O de pé boto,

- Sou todos no comum navio,

Tempo além a todo o pano,

Ao acerto e ao engano.

 

Mais célebres uns

De fama merecida

Que é vaidade ou ambição doutros alguns

Que o tempo findará por pôr delida.

Tenho, todavia, uma vida,

Contra pérfidos zunzuns,

Bem sucedida

E, por mor da íntima bússola, capaz.

Eis como minha noite é uma noite dormida

De coração em paz.

 

 

Apesar

 

Vamos em frente,

Apesar de todo o medo,

Acolhendo o inexplicável, embora toda a gente

Creia urgente,

Tarde ou cedo,

Tudo explicar e conhecer,

Sem o Todo reconhecer

(De ingénuo o credo)

Que nunca nos irá ocorrer.

 

 

Força

 

A força do amor

Reside nas contradições.

O amor é preservado, renova o calor

Porque muda, aos tropeções,

Não porque permanece estável,

Sem desafios.

Ou é renovável

Ou estancam-se-lhe os rios.

 

 

Caminhemos

 

Quando a perna fatigar,

Caminhemos, então,

Com a energia do coração.

Quando o coração falhar,

 

Caminhemos a pé

Com a energia da fé.

 

- Sempre em frente,

Que a vida é urgente!

 

 

Grão

 

Em cada grão de areia

Da praia ou do deserto

O diverso ameia

E aí desperto:

Encoraja-me a acolher-me como sou.

 

Não há dois grãos iguais na terra inteira

Como não há dois humanos

A pensar e a agir, sem danos,

De igual maneira.

 

- Então, por mim além é assim que vou,

Toda a leira

À descoberta de quem sou.

 

 

Fiquemos

 

Não fiquemos presos

A bens, hábitos, ideias

Que creiamos conhecer,

De tanto com eles conviver,

Ilesos.

São mancheias

De pesos.

 

Ignoramos do destino

O gume fino.

 

Antes é de agir

De forma impecável

Toda a virtude a prosseguir,

Amor, ousadia

Estável,

Elegância, amizade todo o dia...

 

Talvez então a muda

Nunca mais nos desiluda.

 

 

Pico

 

Há muitos caminhos

Até ao pico da montanha.

E de acampamentos quantos ninhos

Para o alpinista que o ganha!

 

Para atingir nosso fito

Há um único quesito:

 

Apenas ser percorrido merece

Aquele trilho em que o amor aparece.

 

Os demais

São todos, para mim, marginais.

 

 

Antes

 

Antes de noutrem despertar o amor,

Que o amor desperte em mim!

Apenas assim,

Acordado o que dentro de mim dorme,

Poderei atrair o calor

Do afecto, entusiasmo e respeito,

Conforme

Aquilo a que cada um for mais atreito.

Então

É que caminharemos de mão na mão.

 

 

Urge

 

Urge distinguir

As lutas que forem minhas

Daquelas a que fui empurrado,

Forçado

A ir,

Suando as estopinhas,

Mais daquelas que o destino traiçoeiro

Me espalhar no carreiro.

 

Apenas a primeira lista

Mantém a porta de mim pioneira

De mim à vista.

Aí meu norte

Me desafia e é de mim suporte.

 

 

Olhos

 

Quando os olhos se nos abrirem,

Veremos

Que nunca temos

Dois dias iguais.

Todos, ao emergirem,

São tais

Que cada um é um milagre diferente,

Pondo-me a caminhar

Respirar,

Sonhar

Sob o sol inocente.

 

Eu, do sono erguido,

Sou este inédito milagre

Que, de tão distraído,

Eu nunca, afinal, consagre.

 

 

Ouvido

 

Que meu ouvido logre abrir

À palavra certa

De meus iguais que me desperta

O porvir!

 

Embora sem lhes pedir

Qualquer conselho

E sem nenhum deles descobrir,

Contra a calma

De minha flébil alma,

Quanto salutar destrambelho

Me vier a induzir,

Numa qualquer ladeira morta

Abriu-me, afinal, à vida a porta.

 

 

Boca

 

Minha boca ao abrir,

Não fale só língua de gente

Mas de anjos também, a retinir,

Premente:

- O milagre não ocorre

Contra a lei da natureza,

Senão a natureza morre,

Lesa.

 

Pensamos desta maneira

Por ignorar

Na natureza a regra da leira

Que ela fecundar.

 

Fica sempre indefinidamente além

Do que qualquer conhecimento

Dela atinge e retém,

Em qualquer era, em qualquer momento.

 

 

Pequenos

 

Pai,

O milagre nosso de cada dia

Hoje nos dai

E perdoai

Se não somos capazes de reconhecer

Disto a magia

Sempre nem nunca sequer.

 

Somos mesmo pequenos demais

Para tamanhos tais.

 

 

Controlar

 

Não podendo controlar o tempo de Deus,

A ansiedade

É parte dos apetrechos meus.

Aquilo por que espero

Quem a adiá-lo me persuade?

Não, sempre no imediato o quero!

E o que me causar pavor?

Fora!

Nem um instante lhe irei impor

De demora.

Ansiedade é uma pedra angular

Do animal em mim a respirar.

 

 

Desde

 

Desde a infância

Até me tornar à morte indiferente,

Vivo em ânsia

Premente.

Quando me conecto, intenso,

Com o presente,

Espero tenso

O que aí vem,

Algo ou alguém.

 

Como é que um apaixonado coração

Pode findar tranquilo,

Contemplando o silêncio da criação,

Livre do medo, da tensão,

De mil perguntas sem resposta no sigilo?

 

Ansiedade é parte do amor

E não pode o feitiço

Ser culpado, em seu teor,

Por isso.

 

 

Investiu

 

Como é que alguém

Não findará preocupado

Se investiu toda a vida e todo o bem

Por um sonho além

E não vê o resultado?

 

Não pode o agricultor

Acelerar as estações

Para colher dos frutos o sabor

Que plantou com orações,

Mas impaciente espreita

A vinda do Outono e da colheita.

 

Como pedir a um guerreiro,

Mesmo o que meio mundo abate,

Que ansioso não finde por inteiro

Antes dum combate?

 

 

Treinando

 

Treinando embora até à exaustão,

Dando embora o melhor de si,

Crendo estar bem preparado,

Então,

Teme ainda que o resultado,

Ali,

Finde para além

De toda a energia que um homem tem.

 

A ansiedade germina com o homem.

Não podendo eliminá-la

(Todos com ela se consomem),

Teremos de geri-la e dominá-la,

 

Aprender

Com ela a conviver

 

Como, desde há muitas idades,

Aprendemos com as tempestades.

 

 

Entregue

 

O que auguro

Com certeza

Do futuro

Entregue à sorte

- É a morte.

 

A tudo e todos nos preza

E pode chegar

Sem avisar

A qualquer momento:

“Vais ter de me acompanhar,

Findou-te o alento.”

 

Por muito que não me apeteça,

Não há esquiva

Para que não apareça,

Furtiva.

 

Então,

A maior tristeza

E a maior alegria

É a questão:

- Amei o bastante em cada dia,

Do amor presa,

Ou de água enlameada pelo chão

Perdi-me na fantasia?

 

 

Milagre

 

Ama,

Não apenas com o amor de alguém

Mas também

Com o do milagre que se acama,

Com vitórias e derrotas,

Nas desvairadas rotas

De cada dia

Que nos foi dado costurar,

Em prol da harmonia

Duma Terra aqui a se desmoronar.

 

Ama todo e qualquer variegado caminho

Do pão e do vinho.

 

 

Imo

 

Meu imo tem um quádruplo pilar:

Amor, morte, tempo e poder.

Urge amar

Todos e quenquer,

Já que somos amados pelos céus,

Crentes ou incréus.

 

Compreender a morte,

Em seguida,

Não é por mor do corte,

É para entender a vida.

 

Lutar para crescer

Não é por mais poder

Que, a não ser para aquilo,

Nem vale a pena sequer

Persegui-lo.

 

Minha interioridade,

Embora eterna,

Mora presa, nesta idade,

Do tempo na teia

Donde ameia

Aos céus na lonjura superna.

 

Quatro pedras angulares

Por onde ao Infinito trepares.

 

 

Sonho

 

O sonho que no íntimo me desperta

Não vem do nada, alguém mo pôs ali.

Puro amor de porta incerta,

Quer cada um feliz em si.

 

Deu-me o desejo

E a ferramenta, a par,

Com o ensejo

De o realizar.

 

No difícil período, repara:

Perdeste mil batalhas por aí

Mas sobreviveste, com uma ou outra escara,

Estás aqui.

 

Eis a vitória. Celebra a alegria

Perante toda a gente,

A tua eterna magia

De seguir em frente.

 

 

Derrama

 

Derrama teu generoso amor

Pela pastagem e a campina,

Pelas vias da metrópole, ao suor,

Pelo deserto de má sina.

 

Cuida do pobre

De bens de fora e de dentro,

Que ele para ali na valeta sobre

Para que me não distraia,

Que de amor também o cobre

Minha raia.

 

Cuida do rico

Que de tudo e todos desconfia,

De celeiro a abarrotar até ao pico,

De cofre tão cheio que nem fecharia

E que, por maior que seja a mão,

Nunca logra afastar a solidão.

Vazio coração traído

Que em vão

Tenta encher de todo aquele rasquido.

 

Nunca percas uma oportunidade

Do amor para a variedade.

 

E cuida sobretudo

Dos que mais próximos te são,

Do graúdo ao miúdo,

Que aí mais cautelosa é nossa aproximação

Por temermos, mais intimamente desnudados,

Ser por eles magoados.

 

 

Redor

 

Ama, que és o primeiro

Dali a beneficiar:

Em redor vai-te o mundo compensar,

Pioneiro.

 

Embora a ti próprio digas,

Aventureiro

A furar pelo meio das intrigas:

“Eles nunca lograrão entender

O amor que por eles tiver.”

 

O amor nunca precisa

De ser entendido.

É uma brisa

Que desliza

Por dentro de cada sentido

Do acto praticado.

O amor só precisa

De ser demonstrado.

 

Meu futuro

É no meu poder de amar que o inauguro.

 

 

Retorna

 

O filho que partiu

Retorna no tempo devido

Com a experiência que adquiriu,

Com quanto cresceu

Pelo caminho percorrido.

 

Todos o festejarão,

Seja ele o pródigo que retorna,

Arrependido,

Seja, em contramão,

O que partiu à jorna

Para atar da vida o fio partido.

 

E todos de novo atados

Se alegrarão

De braços dados.

É que todo o que andava perdido

Ei-lo ali, em todos eles reencontrados.

 

 

Vero

 

O vero sábio não lamenta

Vivos nem mortos.

Acolhe o combate que não acalenta

Dos trilhos tortos

Que o mundo lhe inventa,

Pois somos faúlhas de eterno:

Elas nos colocam em conjunturas

De que teremos de enfrentar as loucuras

E o fermento terno.

 

A sabedoria

Sem isto nem existiria.

 

A pergunta inútil

Esquece.

É um guerreiro: tudo o que é fútil

Varre da messe,

Senão dele em nenhum anexo

Teria até de guerreiro o reflexo.

 

 

És

 

És um guerreiro

Da vida no campo de batalha.

Cumpre teu destino

Como teu destino te calha,

Entrega-te por inteiro!

Canta teu hino

Às claras ou clandestino!

 

Não cuides que podes matar ou morrer:

O raio divino

De teu ser

Não pode ser destruído,

Muda de forma,

Perenemente a cumprir o sentido

Que cumpriu como terrena norma.

 

Acolhe o desígnio superior

E corre em frente.

A luta terrena não define o senhor

Nem o dependente.

 

O vento muda de direcção

E tudo varre no turbilhão,

 

A nada monta o que a sorte nos ajeite,

Mas o que com honra for aceite.

 

O corpo pouco importa.

O que conta é o grito

Do imo atrás da porta

Do Infinito.

 

 

Face

 

Ninguém pode evitar

Quem o trair e caluniar.

 

Todos, todavia, podem o mal

Afastar

Antes que a vera face no dia intercale:

 

O trejeito em demasia gentil

Já o punhal escondido

Entremostra que o perfile

Pronto a ser brandido.

 

 

Resume-a

 

A vida resume-a um pormenor:

Uma abelha

A voar de flor em flor.

É a maravilha que espelha:

O pólen, a geleia, o mel.

Mas é mais: sem ela a vida

Se afundaria em tropel.

Ao tudo polinizar,

Nos alimenta da maior parte da comida

E vai desmultiplicar

Milhões de formas de vida renascida,

Semente a semente.

 

Como sem ela diferente

Seria o mundo,

Sem harmónicos zumbidos, silente.

Decerto,

De tão infecundo,

Bem próximo do deserto!

 

 

Sombra

 

A família

É minha sombra em dia de sol,

Atrás de mim sempre em vigília,

À medida que corro rumo ao arrebol.

 

Em espírito me segue,

Esteja eu onde estiver,

Persiga meu pé o que persegue,

Faça o que fizer.

 

Sempre comigo,

Sou eu além de mim

Em tudo o que persigo,

Assim.

 

 

Acreditar

 

Acreditar no destino

Resigna os destituídos

E compraz aos poderosos.

É um hino

Aos demitidos

E aos gananciosos.

 

No fim,

Divide-nos a todos de todos,

Assim.

 

E rouba-nos da vida o melhor dos bodos:

Sermos, uns dos outros para o sonho,

O melhor dos engodos

De que disponho.

 

 

Escolhes

 

Não és tu que escolhes o momento

Conveniente,

O momento é que te escolhe a ti.

Ou o agarras, presente,

Quando perpassar por aí,

Ou viverás no tormento

 

De a oportunidade ter deixado

Passar-te ao lado.

 

Provavelmente, em seguida,

Para o resto da tua vida.

 

 

Queremos

 

Todos queremos ser o primeiro,

Celebrado pela grandeza,

Cabeça do desfile,

O pioneiro

Que se preza

De ganhar mil sobre mil

Na fortuna, no saber, na beleza...

 

O narcisismo

Do egoísmo.

 

Melhor era se isso

Alguma vez for

Primeiro no serviço,

Primeiro no amor.

 

É pegar no mais baixo de mim,

Elevá-lo até ao meu cume,

Assim,

Que me resume

A lonjura

A que o Infinito me procura.

 

 

Emoções

 

Quer goste, quer não goste,

Todos somos afectados

Por emoções, não por factos.

Que no melhor, não no pior delas aposte

Com os melhores anjos dentro de nós mobilizados

Pela razão e actos sensatos,

A agir e falar verdade

- Eis o que por fim persuade.

 

Fazem-no sem emoção

Onde aquilo viste?

Não tocando o coração,

Não tem voz,

Não existe em nós,

- Não existe.

 

 

Fatalismo

 

O passado

É inércia, fatalismo e medo

Bem pesado.

 

O presente é a hora do credo:

Por mais que seja louco,

Permite progredir sempre mais um pouco.

E quantos loucos bons requer o presente

Para ir bem em frente!

 

 

Caminhar

 

Não podemos caminhar sozinhos

Vida além.

E, ao caminhar, temos também

De nos comprometer, mapeando os ninhos,

A marchar sempre em frente,

Por terrenos embora maninhos.

Nenhum trilho pode, capaz,

Voltar para trás.

 

 

Ligação

 

Há uma ligação directa

Entre fazer o que for de fazer

E atingir a meta

Que o desejo pretender.

 

Não é o extasiado do monte Tabor,

No píncaro a montar a tenda,

Nem o da colina da Ascensão, a pôr

Os olhos no azulíneo celestial que o prenda

Os que algum dia atingirão

O fascínio da ressurreição.

 

É o que descer do monte e da colina,

A mudar imparavelmente para melhor

Do mundo a sina.

 

 

Certeza

 

Da vida por que somos responsáveis,

Uma certeza é o único elemento

Seguro entre mil incontroláveis:

A qualquer momento

De qualquer dia,

Algures alguém, mesmo com mágoas

E em agonia,

Findará caindo às águas.

 

E teremos de tapar a fenda no barco

Antes de nos afundarmos no charco.

 

 

Democracia

 

A democracia, onde exista,

É uma alternância salvadora

Entre períodos de muda progressista

E de contenção conservadora.

 

É o que permite evitar a explosão

De qualquer revolução:

 

Tem a escapatória pronta

Ao que não for tido em conta.

 

Ninguém precisa de pegar em armas:

Basta o voto e o que for cristalizado desarmas.

 

 

Expectativas

 

Altas expectativas sobre alguém

São uma maldição.

Significam também

A desilusão

No fim,

Quando a frustração

Do sonho

Revelar o insignificante confim

De que disponho:

Eu por mim

Não sou nada

Perante o infindo céu

Entrevisto na jornada

Por quem, iludido, comigo o comprometeu.

 

 

Elevar

 

Elevar expectativas

Logo as condena ao fracasso:

O mundo em que vivas

Risca-as dum traço.

 

Que é que importa descrever

O mundo como deveria ser

 

Se a freima para o conseguir

Não basta para o atingir?

 

Os ideais são a maneira pretensiosa

E paliativa

De combater o desespero que nos coza

Em fornalha viva,

 

Nem as carências básicas conseguindo

Ir atingindo,

 

No ciclo eterno do medo e fome,

Domínio e fraqueza que nos tome.

 

Talvez...

Todavia, Ícaro, que tanta vez

Derreteu as asas de cera ao voar ao sol,

Afinal, milhares de anos depois,

Voa hoje seguro em qualquer arrebol,

Na Terra, até à Lua ou Marte,

Do Cosmos rumo a qualquer parte

Que com ele bole.

 

É só reparar

Que a linha do horizonte

Com que me limito

Antes me vem ofertar

A ponte

Para o Infinito.

 

E que meu tempo de vida

É mera faísca transitória

A atirar-me, desmedida,

Da Eternidade à glória.

 

 

Agente

 

Do agente secreto não é por mor

Do sigilo.

Por vezes, o mais importante labor

Duma vida

É aquilo

Em que ninguém repara, em seguida.

 

Pode até à eternidade

Ninguém reparar,

Mas, se de alguém for

O labor

Duma vida de verdade,

O que anda é Eternidade a semear.

 

 

Finalidade

 

De tudo a finalidade

É isto:

A rara oportunidade

Reservada a cada um

De conduzir a História,

Pelas atitudes que revisto,

Pelos actos em que insisto,

Para o rumo melhor – o rumo em comum,

Inserido na memória

Do Universo

Como o meu pequenino verso

Que cantado será para a eternidade,

Do Cosmos em cada inúmera idade.

 

- Vírus insignificante que sou,

Que astronómico é meu voo!

 

 

Reconhecida

 

Ser conhecido, ser ouvido,

Ver a própria identidade

Reconhecida e valorizada

É um desejo prosseguido

Pela generalidade

De quem vai nesta jornada,

Indivíduo, comunidade,

Povo, país – toda inteira a Humanidade.

 

Quem a isto responder

Vai, em reciprocidade,

Igual trato receber.

 

Mais um recanto do amor

Que a vida inteira,

De todos na jeira,

Nos anda a propor.

 

 

Realidades

 

Ser amado e servir o amor

São realidades diferentes

Como é diferente o teor

De corresponder ou não ao amor

Que sentes.

Divergentes percepções

Ditam atitudes divergentes

E subjazem à maioria das contradições

Na vida presentes.

 

Então, o diálogo apenas

Logra superar as infaustas cenas.

 

O facto

Pode ser o mesmo,

Em cada um o impacto

Varia a esmo.

 

 

Mormente

 

Aceitar,

Mormente quando não concordo,

Leva-me por trás a não respeitar

Com quem amo o mútuo acordo?

 

Respeitar

É querer que o mais e melhor possível

Quem amo seja no que visar,

Por mais que para mim não fora credível.

 

Quero que quem amo seja o que deveras for.

Nunca irei mudá-lo

Para torná-lo do teor

De meu regalo.

 

 

Tendo

 

Tendo a perder o respeito,

Ao correr da jornada,

Por aqueles que tomo a peito

Em cada empreitada.

E tanto mais, a par,

Quanto mais do mesmo lar.

 

O convívio,

Com os mais ao identificar-me,

Tende a levar-me ao oblívio...

- Portanto, alarme!

 

Nenhum deles sou eu.

Porquê reduzi-los a um projecto

Que é só meu,

Embora sob o mesmo tecto?

 

 

Desisto

 

Quando desisto de querer

Outrem mudar

É que o posso amar

Sem uma condição qualquer.

 

E o amor incondicional

Que ali concito

É que vai tornando real

O Infinito.

 

 

Principia

 

O amor principia aqui,

Quando quero

Para ti

O que para mim pondero.

 

Irá mais longe, porém,

Quando quero para ti

O melhor que de ti provém

E te advém,

Nem que em mim o não veja aqui.

 

A vai mesmo até ao fim

Quando a mim já me nem vejas

Porque te desejo assim

Aquilo que da fundura a ti desejas.

 

É o sinal

Do destino

Final:

- É o amor divino.

 

 

Medo

 

Mais vulgar

Do que cuidamos

É o medo de amar,

Provindo de muitos ramos

A par.

 

O meu nascimento

Foi vivido, na hora nervosa,

Como sofrimento

Ou vivência maravilhosa?

Num dos lados logo aqui

O medo surpreendi.

 

E de meus pais a solicitude

Que mal entendo

É de amor uma atitude

Ou dele a falta que ando lendo?

 

E, se andar apaixonado

E não for correspondido,

A minha chaga do lado

Lembra-me de andar dorido.

E se for correspondido

E depois o amor findar?

Ao amor como ligar

Lembrando o que houver sofrido?

 

Se o hábito for fugir

À dor,

Por mais amor que sentir,

Findo sempre a me escapulir

Do amor.

 

 

Hábito

 

Como vive fechado ao amor

Como um hábito normal,

Nem imagina

Quanto perde nesta sina

De paz, de alegria, de calor

Que lhe destina,

Afinal,

O amor incondicional.

 

 

Identifico

 

Quando me identifico com alguém

A ponto de eu sermos nós,

Se a ruptura por fim advém,

Não findo apenas no mundo a sós,

Perco de vez a identidade,

Não existo mais de verdade.

Muitas vezes a loucura

É aí que me procura.

 

 

Culpa

 

A culpa é estranha.

Se outrem culpo e a vida inteira

Da armadilha que me apanha,

Nada mudo em minha leira.

 

E se me culpar a mim?

Posso mudar meu confim

 

Mas a culpa pesa tanto

Que é mais mudar riso em pranto.

 

Acolá

Cada um finda onde está.

 

Aqui

Sangra o corte a bisturi.

 

Se a muda doutrem me vem,

Nem sou eu nem sou ninguém.

 

Se vem de mim esmagado,

Ao viver, já estou finado.

 

Qual a saída?

Se a culpa, quando me invade,

Der responsabilidade,

Tomo em mãos a minha vida,

Lavro o campo com charrua,

Aliso-o com minha grade

E a lavoira em flor estua.

 

Tomo em mãos o meu destino:

- Não é ter culpa, é ter tino.

 

 

Sofre

 

A ansiedade

Sofre por antecipação:

Perco-me no que em verdade

Nem sequer existe então.

 

Escapa-me toda a beleza

Minha, doutrem, da natureza...

 

Ora, toda a vida que me rodeia

É de me maravilhar, de tão cheia.

 

 

Vem

 

O evento,

Agradável ou não,

Vem do passado no vento

Até me findar à mão.

 

Prepara-me para o que vier a seguir:

O porvir.

 

Tudo vive interligado,

Não logro pôr-me de lado.

 

Quando o acolho e por isto me transfiguro,

Trepo ao patim

Seguinte de mim

E salto o muro.

 

Quando é agradável, que bom!

Quando desagradável, é um desafio,

Todavia não muda de tom,

Mesmo quando é a vida por um fio.

 

No fim,

Mais forte e melhor

Darei por mim

Quão mais difícil a parada for.

 

 

Segredo

 

O segredo da vida é dar,

Dando-me no que dou:

Dinheiro, tempo, energia,

Amor, carinho, o que calhar...

Por aí, ao mundo inteiro vou,

A par,

Com meu sonho de magia.

 

Tornando-me um contribuidor,

Torno também

O mundo melhor

Vida além.

 

É só tomar a decisão

E praticá-la.

Logo o mundo fertiliza e abala

A lava deste vulcão.

No infértil chão,

O cultivo da fértil vala.

 

 

Ferramenta

 

Quando o treino da vida interior

Deixo de operar,

A minha ferramenta melhor

Não sai do lugar.

 

O meu degrau seguinte

De ser

Perde é mais do que o requinte,

Não irá ocorrer.

 

 

Correr

 

Todo o mundo a correr para os bens

Que o mundo tornarão feliz.

Até o que tens

Chegas a ignorar de raiz!

 

E, depois de tudo atingido,

Ninguém feliz se há sentido.

 

E tudo desata de novo a correr

Em busca doutro bem qualquer.

 

E assim continua permanentemente

A estupidez a comandar toda a gente.

 

É a armadilha

De crer que há-de ser fora de nós

Que navega a quilha

Do navio que nos há-de,

Após,

Trazer a felicidade.

 

 

Aqui

 

Não vivo aqui no presente,

Antes no mundo do sonho.

Como atingir o que me proponho

Se permanentemente

Me ponho

De mim ausente?

- Aqui apenas e agora

É a minha hora!

 

 

Ruído

 

Vem de dentro a felicidade,

Da paz que em mim encontrar,

Quando o ruído calar

Com que o mundo me invade.

 

Acolho-me na fundura

Com tudo aquilo que eu for,

Sem desejar outra altura

Nem ter um peso melhor.

 

Fruo de mim e da vida

Como ela me for servida.

 

Grato ao Universo

Com que assim me identifico e converso.

 

 

Leva-me

 

Este caminho

Leva-me à paz comigo?

Se não, que outro persigo

Que mal adivinho

E me traz,

Definitiva, a paz?

 

- Eis o quotidiano carreiro

De me ir tornando mais e mais leveiro.

 

 

Cura

 

A cura é do que for

Curado,

Nunca do curador,

Sempre fora, do outro lado.

 

Se o curando não se abrir

E o não quiser,

Não há cura a seguir,

Sequer.

 

É na do corpo assim

E na do íntimo em mim.

 

 

Aprendiz

 

Um lugar

Com muito para ensinar?

 

Todos o têm, que aprender

É do aprendiz que o quiser.

 

Tudo depende da atitude

E qualquer parte do mundo

Tem a virtude

De me poder dar aquilo

De que, tranquilo,

Me inundo.

 

 

Perdido

 

Porque ficar tão agarrado

Ao traumático

Passado?

Não é nada prático...

 

A vida continua

E eu aqui perdido, no meio da rua,

 

A ver a vida a passar

Sem nela tomar lugar...

 

A cura é urgente

Ou ainda morro sem devir gente.

 

 

Pensamentos

 

Quando sentimos tristeza,

Estamos atados

Em pensamentos que alimentam tal represa

De cuidados.

 

Compreendê-lo dá-me a chave

Da comporta

Para que, abrindo-a, a cheia trave

E em paz possa regar a minha horta.

 

Ao mudar o pensamento,

Mudo em cada leira

O fermento

De que alimento

A vida inteira.

 

 

Alimenta

 

A crença

Alimenta-me o pensamento

Que germina em emoção.

Quando o que crer lavra a sentença

Do tormento

Nas leivas do chão,

Então

É mesmo de perguntar:

Creio certo ou ando a errar?

 

Uma crença que nos mata

A quem importa,

Se nos ata

Atrás da porta

Da prisão?

 

Na busca do paraíso,

Tenho ou não

Juízo?

 

 

Vir

 

A felicidade

Nunca pode vir de fora,

Vem da atitude que me persuade

Na hora:

Influi nela a forma como lido

Com o que me vem lá de fora

Até fazer sentido.

 

Tenho muitos padrões de resposta

Automáticos,

Nem sempre uma boa aposta,

Apenas práticos.

 

Urge identificá-los,

Para, eventualmente modificados,

Nos conduzirem aos regalos

Sonhados.

 

 

Ilha

 

O pôr-do-sol para contemplar,

Vou à ilha de Luanda

Olhar

Da banda

Do mar.

 

Claro que o tenho em casa

Mas aqui

Do sol a brasa

Parece que nunca a arder a vi.

 

Como o hábito nos pui a roupa!

Até a maravilha

Do sol nos não poupa

E, para vê-lo, terei de voltar à ilha.

 

 

Recusar

 

Quem finda maltratado

Ao não haver perdão

Não é o não perdoado,

É quem lho recusar então.

Perdoar não é esquecer

Nem concordar sequer.

 

É dispor-se a dar a mão

Ao que germinar no coração,

Na fundura de quenquer.

 

Por mais que tudo o mais condenado

Seja nele por todo o lado.

 

 

Injustiça

 

Perdoar não é esquecer

A injustiça que houver.

 

É trepar

Ao patamar

 

Além da justiça que tiver

De se fazer.

 

É abrir-se disponível

Ao que germinar da fundura,

Do imo ao nível,

Que em lugar de moléstia traga a cura.

 

 

Perdoa

 

Quem não perdoa é que fica

Intoxicado.

O não perdoado

Pode até nem se dar conta

De que se lhe aponta

E aplica

De acusação

Aquela ponta

De negridão.

 

 

Código

 

Ser é amar,

Íntimo código genético.

Mas como é difícil decifrar

O que isto implicar,

O que for ético e não ético!

Andamos sempre a nos baralhar

Num mundo todo ecléctico,

Todo cosmético,

Com a pedra angular

Sempre do alicerce a deslizar.

 

E a fonte

A chamar

Sempre tão longe no horizonte!

 

 

Tende

 

A vida tende a mudar,

Ao tomar eu consciência

Do meu lugar

E dos motivos da permanência.

 

Abri o espaço

Para entender o resultado

E mudar para outro lado

Num outro abraço.

 

Quando não tenho consciência,

Não há lugar à mudança,

Eterna permanência

Na eterna dança.

 

É o mesmo comportamento,

Então,

Fincado no mesmo pensamento,

Na mesma emoção.

 

Poderei findar a vida inteira

A justificar os meus desastres

De igual maneira:

Basta não lhes mudar os encastres.

 

 

Inviável

 

Ao tomar consciência de mim

É inviável continuar

A realidade a deturpar,

Na ilusão a viver sem fim:

Ao me não mentir,

Tudo devém má desculpa quando mal agir.

 

Emoção e pensamento

Que levem a desfavorável

Comportamento

Já não têm cobertura fiável:

Não terei como continuar

A mim próprio a me enganar.

 

Se continuo,

Sei muito bem

Também

Porque mar fora já não flutuo

Vida além.

 

 

Tornar-me

 

Ao tornar-me consciente

Do que for interiormente,

Devém claro

Que poderei moldar-me diferente,

Ir sendo mais e mais quem sou,

Único e raro,

Vida fora, em meu sobrevoo,

Ao ir em frente.

 

Terei mais responsabilidade

Como igualmente

Mais capacidade:

- E serei gente!

 

 

Irei

 

Não irei melhorar

A vida,

Mesmo quando o puder

Obrar?

Só desculpas encontrar,

É como irei proceder

Muitas vezes, em seguida.

 

Quando, por mor da desculpa, a vida dói,

Urge desmascarar o que a mói,

 

Romper caminho,

Pique o que picar o tojo que adivinho.

 

 

Depois

 

Poderei tomar consciência

E depois não aceitar

A evidência

Do que andar

Em mim a me bloquear.

 

Aí então nunca se apura

A minha cura:

 

Aquilo a que alguém resiste

Persiste.

 

Quando é mau,

Continua a malhar-lhe o varapau.

 

 

Tende

 

A vida tende a fluir

Para onde meu foco de atenção

A dirigir.

Se forem maçãs vermelhas,

Queira-as ou não,

Logo as celhas

Delas regurgitarão.

 

Tudo depende

De onde a atenção se prende:

 

Daqui derivo

A força do pensamento positivo,

- Gera o que quer.

 

Eis porque terei de trocar

O negativo

Pelo inverso dele que aí tiver

Lugar:

É que eu motivo

A aparecer

Aquilo que eu rejeitar.

 

O que eu não quiser

É o que tende a ocorrer,

 

Somente pela razão

De aí focar a atenção.

 

Terei de me tornar terso

Em concentrar-me no inverso.

 

Do Cosmos as partículas

Obedecem,

Insignificantes embora, ridículas,

Ao que nossas mentes lhes tecem.

 

Só não logram distinguir

Se quero ou não o que a mente me atingir.

 

Cuidado, com todo o esmero,

E atenção:

Nunca direi o que não quero

Mas o que quero em lugar daquilo então.

 

 

Tomar

 

Tomar uma decisão

Indolentemente

É ser tão

Benevolente

Que finda em nada

A decisão tomada.

Então

É a vida apenas frustração.

 

 

Mudar

 

Se quiser mudar de vida,

A decisão tem de ser comprometida.

 

É a atitude

Que não me ilude,

 

Sabe que o hábito anterior

Se lhe tentará impor

 

Mas não desiste,

Persiste

 

Até o novo rosto

A cada pegada ser imposto.

 

Nenhuma desculpa é aceitável:

- A viragem é inadiável.

 

Contra ventos e marés

Rasga em frente

Indiferente

O novo trilho para os pés.

 

 

Dirá

 

Dirá que não consigo

Ou que sou louco

O amigo

Que me sabe a pouco.

Ou que, conhecendo-me de trás,

Nunca serei capaz.

- Importa é que, decidido,

Eu vá por onde para mim fizer sentido.

 

 

Boca

 

Um compromisso

Não é da boca para fora

Ou para calar alguém

Ou para não culpar-me disso.

É, sem demora,

Cumprir o que ao dever convém,

Contra mim próprio até

Manter a decisão de pé.

 

Aí, sim,

Imponho-me a mim.

 

E todo o mundo

Me acolhe então, profundo.

 

 

Culmina

 

Decidir

Culmina em agir.

 

Quem hesita permanentemente

Perde o poder

E mente

A si próprio e a quenquer.

 

Como num relacionamento,

Quando nunca apuro

Que é o momento

Seguro.

 

Ou na muda de labor

Quando há contas a pagar

E, afinal, o melhor

É adiar.

 

Ou no cuido da saúde,

Porque afinal à frente há festa

E é melhor pegar no alaúde

E empanzinar-me do que ali se apresta.

 

A sério

Não há nisto decisão

Que valha o império

De qualquer acção.

 

 

Ainda

 

Decidir não decidir,

Decidir não agir,

Ainda é decidir,

Ainda é forma de agir.

 

Cuidado, portanto,

Com a abstenção como manto:

 

Engano-me bem

Se a sério não reparo nisto também.

 

 

Exige

 

A grande meta

Exige muita passada

Na caminhada

Antes de que, finalmente, a acometa.

 

Objectivos pequenos.

Intermédios,

Terão de cultivar os acenos

Dos finais, os nédios.

 

A próxima pegada

É que conta, na estrada.

 

Se, porém, me perder do final fito,

Perderei em nada o meu grito.

 

 

Mudar

 

Se quiser mudar o resultado,

Mudo a decisão e o acto

Ou o fado

É o transacto.

 

Se, todavia, dele gosto,

É nele que aposto.

 

Contudo,

Troco tanto isto

Amiúdo

Que nem sei como resisto.

 

 

Peregrinação

 

Minha peregrinação interior

Requer consistência

A cada jornada.

Ou, à primeira rajada

De vento ou de calor,

Quebro minha persistência

E tudo redunda em nada.

 

Só prossigo

Da paciência

Ao abrigo

E aí, sim,

Degrau a degrau construo-me a mim.

 

 

Repente

 

De repente dou-me conta,

Decido, actuo.

Consistente de ponta a ponta,

Coerente confluo

Do princípio ao fim

Por dentro de mim

E o mundo fora devém

Meu jardim.

 

Todavia,

Se a consistência não mantiver

Tempo além

E me contradisser

Noutro dia,

Então nada se mantém.

 

Findo perdido,

Por minhas contradições destruído.

 

 

Resultados

 

Resultados duradoiros

Requerem agir consistente

Com meus íntimos tesoiros,

Paciente,

Tempo além,

Uma e outra vez também.

 

Se a paciência na ponte

Não me aguentar do caminho,

Perder-me-ei do horizonte,

Nada mais forjarei no meu cadinho.

 

 

Findar

 

Compreender, decidir

E findar a agir

Não basta.

Tombarei em sofrimento,

Frustrado intento,

Que a vitória é doutra casta.

 

Terei de manter a acção

Vida fora

A toda a hora

Que dela houver precisão.

 

Até ao fim,

Até não haver mais chão

Para mim.

 

 

Tornando-me

 

Para me manter

Consistente

Vida fora,

Terei de ser

Persistente

A toda a hora,

O que me requer

Paciente,

Insistente,

Intransigente,

Sem adiamento nem demora,

Tornando-me o ser

Que inauguro

A cada hora

A caminho do futuro.

 

 

Devir

 

Ser consistente

Requer disciplina,

O que me inclina

A devir coerente

Comigo a cada esquina,

Cada dia mais eu

Entre a gente

Que outrora me diluiu.

 

 

Disciplina

 

Disciplina não é dor,

É executar

Custe o que custar.

Então é um acto de amor:

É o respeito por si

De cada um ali.

 

Quando é requerido das profundezas,

Aí revelas

Quanto a ti

Te prezas.

- Então voas às estrelas!

 

 

Imo

 

Autodisciplina

É agir

Como dever,

Até onde lograr discernir

O que o imo determina

Que deve ser.

 

Não importa o que diga a tradição,

A rotina,

A lógica da razão,

O que o corpo queira

Ou a emoção inteira...

 

É agir o que for preciso

Para eu ser eu

Por mim, pelos outros, pela terra e pelo céu

- Até à maior fundura que viso.

 

 

Difícil

 

Se a disciplina é difícil ou não,

Não importa.

O que importa é que a consistência me põe à mão

Um efeito duradoiro.

O hábito então me exorta

A garantir tal tesoiro,

Dada a vantagem de cada vez mais ser eu,

Distinto do rebanho que me confundiu.

 

 

Rumo

 

Disciplinado,

Consistente,

Caminho rumo ao lugar sonhado

Que para mim faz sentido, além à frente

Visado.

Como os mais ou diferente,

É indiferente:

É o caminho que para mim é o adequado.

 

 

Repito

 

Quando repito uma rotina

Consistentemente,

Entra-me na mente

Como sina

Inconsciente

E devém uma diária prática

Automática.

 

Convém

É vigiar por que seja

O que sempre um bem

Almeja.

 

 

Rejeitar

 

Quem o sonho quiser

E rejeitar o itinerário

Como pode pretender

Abrir o sacrário?

 

Ligar-me ao sonho

E ao caminho, não,

Aí, do que disponho

É duma ilusão.

 

O sonho é apaixonante,

O caminho é diferente:

Ir por diante

Apaga o sonho da frente?

 

É o maior engano

Com que me dano.

 

Só quando abraçar ambos

Terminam os escambos:

 

Trilhando o caminho,

Pegada a pegada

Deixo de ser terreno maninho

Em jornada.

 

 

Querer

 

Querer tudo para ontem

Pode matar-me.

Após a sementeira, a paciência

Até que os rebentos apontem

E cresçam sem alarme,

É do sábio a sapiência.

 

É fora, na natureza,

E dentro de mim igual a presa.

 

O fruto para que me apresto

Requer tempo para vir

A cair

Aqui dentro do meu cesto.

 

 

Quer

 

Persistência

Quer paciência

Sem abalo.

Senão, um instante

Logo adiante

Perdemos todo o regalo.

- Da vida

É o que rasga ou perde a avenida.

 

 

Parte

 

Desafios

São de qualquer parte do mundo.

Dos meus enredado nos fios,

Nem vejo além da porta do fundo.

 

Ao abri-la,

Reparo quão maior

É o que no mundo se perfila.

E eu sem o supor,

No meio da irrelevante tropeada

Da minha nesga de estrada!

 

 

Interioridades

 

Não somos corpos vivendo

Uma vida interior,

Antes interioridades tecendo

No domínio exterior,

Físico ou corporal,

Uma teia a dar sinal:

 

Aqui vim eu, viemos nós

Gravar, por todo o lado, a nossa voz.

 

E pôr o Cosmos a caminho,

Era a era,

De devir algum dia o nosso ninho,

Numa eterna Primavera.

 

 

Perco

 

Poderei ser muito espiritual

Mas, quando o físico me desafia,

Perco logo o sinal

Da magia.

 

E baixo a minha fasquia,

Por igual.

 

É aquilo, todavia, o maior contrafio

À fundura do que em mim espio.

 

 

Creio-me

 

Creio-me por demais espiritual,

Até me provocar lesão.

E então vislumbro mal

Que tudo é um desafio, afinal,

À minha compreensão.

 

Dei algures por acabado, finito,

O trilho que há-de ser sempre ao infinito.

 

Até me torno ateu,

Se calhar,

E nem reparo que o defeito é meu,

De tão míope olhar.

 

E só terei uma solução:

Saltar

Para um mais elevado patamar

Do desvão.

 

Ou então

Fico aí,

De pés e mãos atados ao chão

Do que não vi.

 

 

Obterei

 

Quando algo entendo,

Então compreendo

 

E, pondo-me além à procura,

Obterei a cura.

 

Corporal

Ou espiritual,

O ganho

Trilha o mesmo trilho

E tem o mesmo tamanho

Quando em ambos os domínios por igual

Tal carreiro compartilho.

 

 

Terei

 

Por vezes terei de morrer

Numa qualquer dimensão

Para ressuscitar vir a poder

Noutra qualquer

Então.

 

Quantas vezes a desgraça

É que me abriu os olhos

Para os refolhos

Do que me ultrapassa!

E só então me dei conta dos escolhos:

Aí as alpondras do vau

Deixaram finalmente de ser mero calhau.

 

 

Lógica

 

A lógica de que disponho

É a da realidade em frente

Onde me deponho

Seguro e contente.

 

Mas quem me garante

Que não é outro o real

Um pouco mais adiante?

Afinal,

Nada é constante.

 

Porque que é que isto há-de sê-lo

E não uma qualquer ponta de cabelo

Dum ser tão enorme

Que nada terei que com ele se conforme?

 

Tudo, afinal, é mistério

Nas profundas do sidéreo.

 

E é o que mantém a magia

Nas vidas de cada dia.

 

 

Mudando

 

Mudando o significado

Do pior que houver na vida,

O traslado

É um mundo novo em seguida.

 

Ao mudar a perspectiva

Farei que o que é morto viva.

 

Ao mudar a atitude,

Muda o comportamento

Que à de outrora se grude,

Sopra na aurora outro vento.

 

De repente

Até nós somos outra gente.

 

 

Portal

 

A morte que era tragédia,

Olhada por outro lado

É o portal escancarado,

O convite à terra média,

A ponte

Donde fito

O horizonte

Do Infinito.

 

Pode bem ser surda e muda.

Se me abro

Quando ela acuda,

A ladeira do Infinito já escalavro

E finda a minha vista

Para desvendar a pista

Cada vez bem mais aguda.

 

De repente,

Até ouço e vejo,

Redivivo e diferente,

O finado que almejo

À minha frente.

 

 

Encontro

 

O labor interior

Importa tanto

Como o exterior,

Se não mais:

Deste o encanto

É do que aquele nos traz.

Só se lhe encontro o sentido

Me entusiasmo, desmedido.

 

Só se pelos degraus que talho

Fito,

No meu trabalho,

A escadaria do Infinito.

 

 

Tanto

 

Como é que o passado é passado

Se tanto há

Quem viva lá

Aprisionado?

 

Revivem o que ocorreu

Tal se fora agora

(Pior ainda, a toda a hora)

Que aconteceu.

 

Não andam conscientes disto

Nem do significado

Em nós gravado

Por cada pedra que calquei de xisto.

 

Não temos em nós o passado,

Já morreu,

Mas mantemos dele o significado

No íntimo e no gesto meu.

 

Então,

Quando ele me magoa,

Soa

A falso.

Se nova significação

Lhe atribuo e realço,

De repente,

Na colina

Em frente

Erguida,

Ergo uma nova ermida.

 

E um novo mundo me destina,

Coerente,

A minha sina.

 

 

Mudas

 

Se dum evento

Mudas o significado,

Mudas dele o pensamento

E o trilho de vida que dele for gerado.

 

Da realidade muda

A imagem que se te gruda.

 

E atrás muda o sentimento

E, logo, o comportamento.

 

E atrás muda a vida inteira...

- Tudo por mor daquela joeira.

 

Um nada

E, da irrelevante semente,

Ei-la gerada,

A realidade dum mundo diferente.

 

 

Diferença

 

A diferença na vida de alguém

Não é do mentor,

É do aprendiz que vem,

Do que fizer

Com o que aquele lhe vier

Propor.

 

O treinador

Só treina.

Quem reina

É o jogador.

 

De que vale o melhor

Conteúdo do mundo

Se por aí ficas,

Se o não praticas

Nem por um segundo?

 

 

Morte

 

A morte é de vida um mestre

De muitos modos,

A fim de que me adestre

Em todos.

 

A principiar

Por ver quão transitório

É meu lugar.

Que simplório

É de tirano ou tiranete

Basofiar!

E como vida fora se repete

De bobo este topete

Singular!

 

A morte é nosso índice comum:

Humano, animal e planta,

Tudo o que é vivo,

Nisto somos um.

Mas quanto nos desencanta

Este universal

Arquivo

Final!

 

 

Animal

 

Quando um animal de estimação

É tratado por filho,

A morte, então,

É deveras um sarilho

Por mor do atilho.

 

Dei-lhe o familiar significado

Vivido,

A chaga do lado

Não há como tê-la doravante removido.

 

Ainda bem,

Todavia:

Eu e ele somos um também

Na cósmica via.

 

Apostados

Continuamos na correria

Aquém e além morte, de ambos os lados.

 

Consolo?

Sim, que mudei de sentido:

Mudei o colorido

Do fio que desenrolo.

 

 

Fraco

 

Todo o mundo quer esquecer

Que irá morrer.

 

Fraco consolo

De quem é tolo.

 

Porque é que a saudade

E o vazio

Hão-de ser da morte o fio

Que me persuade?

 

Porque não a alegria

De correr do outro lado pela via

Que nos liberta

E desperta

Como real toda a alegre fantasia?

 

A saudade mói,

O vazio destrói...

 

Mas se for o sonho ultrapassado

Pela magia infinita do outro lado?

 

Quem irá sentir saudade

Senão de partilhar de tanta hilaridade?

 

 

Cara

 

A morte dói

Como qualquer despedida.

Mas nunca foi

Esta a cara por ela revestida.

 

O finado continua aqui,

Integrado em corpo e interioridade

No mundo em que com ele evoluí,

Energia personificada da natureza,

Doravante para a eternidade

Ilesa.

 

Tão convivial

E comunicativo

Como na modalidade

Da vida anterior, afinal,

Que entendi sempre mal

Como único estado vivo.

 

 

Forma

 

Quando a morte é entendida

Como passagem

Para outra forma de viver no mundo,

É assumida

Por viagem

Num roteiro potencialmente fecundo.

 

São riscos e promessas

Ao vivo,

Nunca ignoradas peças

Dum qualquer morto arquivo

Nada sidéreo,

Mero cemitério.

 

Entretanto, cada um, finado, anda à volta de mim

E eu a fazer de conta que não é assim.

 

À partida

E à chegada,

A morte, em vez de sofrida,

Deve ser celebrada.

 

E sê-lo-á tanto mais

Quanto mais com eles convivermos,

Derribados os portais,

Vendo-os, ouvindo-os, em termos

Iguais

Aos de quando vivos

Nos deram de viver motivos.

 

A morte é assim:

Um recomeço,

Nunca um fim,

Muito menos um tropeço.

 

É a porta aberta,

Patente

À Infinita descoberta

Eternamente.

 

 

Condenados

 

Condenados à morte,

Somos todos iguais.

Porquê vivermos doutra sorte

Nas vidas reais?

 

A morte é perda,

Não poderei ver mais

O finado.

A herança que alguém herda

Nem vagos sinais

Tem

De quem

Algum dia foi porventura amado.

 

Então, da morte nem falo,

Nem do afecto,

Nem do medo.

Ora, enquanto me calo,

Cai-me a morte do tecto

E já não sucedo:

Não sei lidar com ela,

Trancada a porta e a janela.

 

Não há como enganar:

Tudo o que é vivo

É igual da morte no patamar

E daqui nunca me esquivo.

 

E aqui vislumbro a igualdade

Com tudo e todos na última profundidade.

 

 

Basta

 

Para morrer basta andar vivo.

Como aqui estou,

Para ali vou,

Furtivo.

E bem me esquivo

Em cada passo que dou.

 

Sem particular motivo,

Um dia qualquer

Chega-me o passe

Para o desenlace.

 

Sem me surpreender,

Mudo de comboio.

Viver, esta vida foi-o

Mas a que vier

Aí é que vai ser!

 

 

Durante

 

Durante a minha vida inteira

Sou, em regra,

Quem mais me maltrata,

Quando a minha peneira

Em mim integra

O que e quem me mata.

 

Ao mundo advindo,

Por mor destes sinais

Tidos por normais,

Findo

Maltratando todos os mais.

 

 

Bela

 

A vida é bela demais

Para vivê-la em sofrimento.

Vou reencaminhá-la pelos varais

Do comportamento,

Reconvertendo-lhe os sinais,

Aparando o vento,

De modo que todos os moinhos

Moam pão para todos os ninhos.

 

A vida é bela demais

Para deixá-la afogar-se do mundo pelos canais.

 

 

Vitória

 

A grande vitória financeira

Adrega cobrir o vencedor de vítima

Duma afectiva derrota inteira

Legítima:

Nunca aprendeu

A lição de vazio que aquilo lhe deu.

 

Nunca um amoroso comportamento

Lhe aflorou vida fora no mar do tormento.

 

Acaba por se afogar

Num lago de dinheiro

Sem nunca aprender a nadar,

Leveiro,

Rumo à apaixonante Estrela Polar.

 

E era o amor que, afinal, buscava

Por trás da vida brava.

 

 

Mergulhar

 

Ser feliz

Com o que sou e faço

É de mergulhar até à raiz

O meu traço.

 

Assim ganharei os desafios

Todos,

Sejam quais forem da vida os rios

E os modos.

 

Viverei enraizado muito além

Do que convém ou não convém.

 

Poderá o canavial tergiversar ao vento,

Eu, na raiz, não movo nem a tal me tento.

 

 

Dor

 

A dor dói,

Quando passou, já foi.

 

O sofrimento,

Porém, é lento.

 

Mesmo quando o que o motivou

Já passou,

Fica um fermento

A envenenar-me, sem sentido,

Condimento

De mim próprio traído.

 

Terei de mudar-lhe o significado

Do que o alimentar do meu lado.

 

Terei de me libertar

Para poder ir onde o sonho me levar.

 

 

 

Estranho

 

É estranho que o Paraíso

Que viso

Seja afinal aqui, na Terra,

Este momento preciso.

 

Que é que dele me desterra?

 

Do lado de Além da vida

Que é que há nele que convida

 

E eu não logro discernir

Em tudo o que por aqui vir?

 

É preciso cruzar a morte

Para ter esta sorte?

 

O Paraíso é aqui.

Que volta terei de dar

Por dentro e fora de mim, a par,

Que o nunca vi?

 

 

Servir

 

Andamos cá para servir a humanidade,

O mundo inteiro,

O Universo.

A principiar, agrade-me ou não me agrade,

Com quem me emparceiro,

Com o lar de que me abeiro,

Com meu berço.

 

E a findar, de requisito em requisito,

Na altitude

Que me eleve à plenitude,

Aos beirais do Infinito.

 

 

Mora

 

Deus mora dentro de mim

No derradeiro confim.

 

Não tenho como lá chegar

Mas posso-me aproximar.

 

É assim

Do princípio até ao fim.

 

E mesmo Além,

Que ao Infinito o finito não contém.

 

Mas contém de si a plenitude

Que com ele partilhar a Infinitude.

 

É do céu

O vislumbre, erguida a ponta do véu.

 

E é aqui já o fermento

Do deslumbramento.

 

 

Instrumento

 

Sou instrumento do Universo,

Ando aqui para o servir

No verso e no reverso

Que a vida permitir.

 

Para tornar o incrível

O irrealizável,

Credível

E viável.

 

Para aceder ao patim

Que concito

No confim

Do Infinito.

 

 

Abrir

 

Ao partilhar,

O que primeiro

Importa

É a outrem chegar,

Para abrir a porta.

Não é nunca lhe despejar

No quinteiro

Os produtos da tua horta.

 

Senão

Arriscas-te a ficar

Lá fora ao portão.

 

Na partilha

Segue o teu coração

Ou ainda partes a bilha

Na função

E é um desastre em vez duma maravilha.

 

 

Findando

 

Na vida, os artelhos,

De usados,

Vão findando emperrados.

Há pilotos velhos,

Há pilotos ousados,

Não há velhos pilotos endiabrados.

A sabedoria na velhice

Inibe a tontice.

 

Mas descansa:

É o que ao tímido dá segurança.

 

É que nem tudo é mau:

Vira bengala o antigo varapau.

 

 

Náufrago

 

O náufrago, no desespero,

Para atingir um pouco de ar,

Pode para o fundo arrastar

O companheiro

Que o tenta salvar.

 

É a maior ferida

De qualquer desespero da vida.

 

Eis porque teremos de evitar,

Por lema,

Qualquer conjuntura extrema.

 

 

Casal

 

O casal que um dia fomos,

De Deus com ajuda,

Já não somos.

E ninguém volta do que o muda.

 

Do casal que fomos resta alegre memória

E tanta esperança!

Porém, aquela glória

Ninguém mais a alcança.

 

Mera quimera,

Nada volta ao que era.

 

Mudaste e mudei.

Há muita espécie de amor:

A ternura com que aqui cheguei

Cola-nos com vigor.

 

Desistir

Do que já está terminado?!

Então e o que vem a seguir,

O outro lado?

 

 

Peito

 

Só não és o amor de minha vida

Quando não sei se vida ainda tenho

Na corrida

Do que no peito esgadanho.

 

O pior do amor é ausência,

O vazio

Onde havia permanência,

O frio

Da paisagem cheia de nada

Onde corria, apinhada,

Como um rio,

Uma estrada.

 

 

Dói

 

Nada dói mais

Que o peito vazio,

A falta dos seguros varais

Onde já não me enfio,

Um traço

De oco

Num mero toco

De abraço.

 

Um abraço sem nada,

Cheio de silêncio por dentro,

A gritar surdo toda a jornada,

Donde mais saio,

Ferido de invisível raio,

Quando mais entro.

 

Tão longe de mim me atira,

Com esta sina

Em mira

Duma saudade em surdina!

 

Quem dera um dia sermos nós,

Bem longe da joeira

Destas gavinhas de cipós,

Desta poeira!

 

 

Muito

 

Muito dói

Não haver nada para doer!

Tudo se foi

E nada para sentir sequer...

 

Sofrimento, medo,

Angústia, fragilidade

- Já foram nosso credo

Noutra idade.

 

Éramos nós

No mais íntimo, aqui no meio...

Que adveio

Após?

 

O amor vai-se finando

Quando a partilha,

Murchando,

Transmuda cada um em ilha.

 

O amor requer

Insistir, procurar, lutar.

Quando a rotina

Gradualmente o elimina,

Logo alija quenquer

Do patamar.

 

Só de mim, só de nós disponho

Se perenemente alimentar

O sonho.

 

O amor é o que nos leva a sonhar,

Não o que nos inclina

O sonho a estiolar

Como fatal sina

Que o tempo lhe destina.

 

 

Quero

 

Quero sonhar contigo

Sabendo que aqui estás,

Não apenas a ir estando

Ao abrigo

Dos sofás,

De nada a mando,

A vida preguiçando.

 

O amor nunca resiste

Ao lento escavacar

Do frágil patamar

Onde persiste.

 

Quando não for subindo,

Ei-lo então demolindo, demolindo, demolindo...

 

 

Quero-te

 

Quero-te comigo inteira,

Sem meias palavras

Nas lavras

De que a vida nos abeira.

 

Equilíbrio?

Sim,

Quando não for o ludíbrio

De qualquer fim.

 

Um amor à custa disto equilibrado

É já finado,

 

Tão pobrezinho

Que ninguém o já vislumbra no caminho.

 

O amor desequilibra:

Rumo ao trilho adiante

Vibra

A todo o instante.

 

O amor nos desordena:

É nisto

Que a madrugada é plena.

Aí é que eu existo!

 

 

Procurai

 

Amai: procurai demais,

Mais eu, mais tu, mais nós,

Cada dia que cruzais

Os lamaçais,

Agarrados do amor aos cipós!

 

O amor é insaciável,

Nunca perfeito,

Imparável,

Inesgotável,

Incapaz de repouso em nenhum leito.

 

Tira-me de mim

E a mim me reconduz,

Mais eu neste confim

Onde no cimo

De meu imo

Um pouco mais de alvor reluz.

 

Todo o amor é atreito

A nunca findar satisfeito.

 

Quando em mim o concito

E em conformidade com ele

Me incito,

Semeio dentro de minha pele

O Infinito.

 

 

Mostra-me

 

Mostra-me quem sou mais fundo,

Ainda que doa

E me abale.

Como é que de mim me inundo

Se o alarme nunca soa,

Quando tudo em mim me cale?

 

Aliás, para que serve seja o que for

Se nunca abalar um ror?

 

Uma vida em desamor dormida

É uma vida perdida.

 

 

Volta

 

Volta, amor,

Para eu poder voltar

A mim, a ti, a nós!

E poder acreditar

No meu fio de retrós,

Cheio de laços e nós,

Onde irei colher o alvor

Para os lados do oriente

Onde espreita o sol nascente.

 

Tudo, incrível,

Então devirá possível.

 

 

 

Mora

 

Deus mora no que te amo,

No que em ti amo Deus demora

E assim me tramo

A toda a hora.

 

Aqui da lonjura o confim

Vislumbro lá no fim.

 

E eu aqui aperreado

Deste lado!

 

 

Encostada

 

Encostada a teu nome mora a vida,

Nunca a morte.

É uma sorte

Seres a terra prometida.

E abrires-me a teu lado o transporte

Para a ida.

 

Por ti além lenta me invade

A Eternidade.

 

 

Amo-te

 

Amo-te, é o que interessa

Entre nós.

Ali ato, peça a peça,

Os cipós

Do trilho

Com que me desenvencilho

A seguir-te, após.

 

O nosso brilho

Ilumina

A sina

Que herdámos dos avós.

 

E, mais além,

Toda a senda

Que o porvir para nós tem

Por prenda.

E com que, como a ninguém,

Intérmino nos surpreenda.

 

E em que, sem que nos avise,

Inefável deslize.

 

 

Representas

 

Representas para te livrar de ti,

Contar aos mais o que ignoram que és deveras,

Fazer de conta que não és quem for ali,

Tudo quimeras.

 

Assim te impedes de te sentir,

Jogo de espelhos,

E tu a fugir

Pelos quelhos.

 

Todos se identificam

E reflectem,

Mas a ti as imagens não se aplicam,

Não te competem,

 

A coberto da verdade que de ti se retira

Como se fora mentira.

 

 

Preciso

 

O amor exige

“Amo-te, quero-te, vem daí,

Preciso de ti”,

- Que a lei que fora vige

Não vige mais aqui:

Quando o amor é rei,

Ele é a lei.

 

E “peço desculpa

De tudo que me inculpa,

 

Do mal que fiz

E não quis.

 

Prometo que, para além,

Farei doravante bem.

 

Sou frágil e não sei

Com o que sentir que farei.”

 

Sou incapaz de fugir

Do que sinto,

Por mais que no mutismo, a seguir,

De além me ele tirando,

Me desminto.

E outro de mim me pinto

De quando em quando.

 

Mas sou prisioneiro

Dum amor exigente,

Viageiro

Da vida no meu aceiro

Permanentemente.

 

 

Requer

 

O amor requer coragem

Que eu seja herói no palco dos dias,

Que incendeie as palavras numa viagem

De realidade prenhe de fantasias,

Que use e abuse de inventar textos

Do ambiente familiar em quaisquer contextos.

 

Fará rir e chorar,

Fará pensar.

 

Toca na ferida,

Com jeito ou à bruta,

Na disputa

De mais vida.

 

Para curar

Urge apontar, ver,

Desinfectar

E desatar

Mundo fora a correr.

 

Pior que a ferida mal curada

É a que insista

Em persistir durante toda a caminhada

Sem cura à vista.

 

 

Vai

 

No amor vai fundo,

Tão profundo quanto possas ir.

Tacteia o osso, o tutano fecundo,

Fá-lo surgir.

 

Curar o que dói até ao osso

Doutra maneira não posso.

 

E que gozo me daria

Viver no fosso

Todo o dia?

 

 

Aventura

 

Vamos sair

Sem saber para onde?

A paisagem

A fruir

Já nada a esconde...

 

Vens comigo

Sem abrigo

 

Na aventura da viagem

Além de qualquer triagem?

 

É que assim é também

O amor,

Seja lá ele, eras além,

Aquilo que por bem

Ele for.

 

 

Perda

 

A perda escorre

Por mim abaixo.

Um lume que nunca morre

Queima, veloz,

O encaixo

De tudo o que sonhei para nós.

Mas não relaxo

Pela perda atroz.

Não me agacho,

Não me rebaixo.

Dos dedos fincado aos nós,

Prendo o meu meio vazio tacho,

Onde, apesar de tudo disponho

De meu meio vazio sonho.

Mais boto ou mais agudo,

O sonho é tudo.

 

 

Vidas

 

Há vidas para o sonho

Levar

Aos pequeninos

Que os maiores, suponho,

Se esqueceram, clandestinos,

De sonhar.

 

E eis como os destinos

Andamos a talhar

Sem o repicar

Dos sinos.

 

 

Meio

 

A meio da viagem

Que é que nos ocorre,

Que o sonho nos morre?

 

A meio da triagem

Que aliste,

Como é que deixo de acreditar

No que, se calhar,

Nem existe?

 

É que amar

É acreditar no que ainda não subsiste

Mas persiste

Num sonho de além-mar.

 

Ou então, de amor

Não existe nem palor.

 

É pegar no que houver em nós,

Desatar-lhe os nós

Da corrente

E, de repente,

Desabar um novo rio,

Em torrente,

A todos os mapas a opor

O desafio

Do que for

Ausente.

 

Como não acreditar

No invisível

Se sou eu no derradeiro patamar

A ser o criador

De tudo o que for

Incrível?

 

 

Mexe

 

O intangível

É o que nos mexe com os sentidos.

Para outrem é incrível,

Para nós são factos vividos.

 

Pior é que é daí que nos vem

O que nos faz sentir também.

 

O curioso é que os mais

Sentem o mesmo, tais quais.

 

Quase ninguém

Atinge distinguir, porém,

 

A qualidade

Da mútua reciprocidade.

 

Somos mesmo um bando de ceguetas,

Sonhem o que sonharem os poetas!

 

 

Vivo

 

Vivo a realidade sonhada,

Nunca vivida,

E ela transmuda-se na estrada

Rumo à romaria da ermida

Aos cumes elevada.

 

O que vivi não vivendo

E o que vivendo vivi

Fundem-se em mim e vou sendo,

Na comum masseira, eu aqui.

 

É o outrora onde vou

Que me fará ser quem sou:

 

Serei sempre a fusão do passado

Vivido e sonhado.

 

E o que sonhei

É tanto oiro de lei

 

Como o vivido,

Neste sortido.

 

 

Conto

 

Conto uma história

De vida.

E já me não basta a memória,

Perdida

Pelos becos da teia,

De modo que a já nem sei contar,

Volta e meia,

Nem como a terminar.

 

A vida é tramada

Na trama que em cima nos é jogada:

 

O inédito,

O inesperado,

Nem por édito

Sagrado

Nos respeita

A nossa pegada estreita.

 

E cá vamos indo

Sempre às avessas bulindo...

 

 

Imagino

 

Imagino a história perfeita,

Controlada,

E dou comigo na estrada

Desfeita.

 

É assim a vida:

Toda a paisagem

Finda, em viagem,

Delida.

 

 

Creio

 

Creio em príncipes e princesas

E castelos de sonhar

Com belezas

Ao luar.

 

Para mim, todavia, não são pequenos.

Quero os infernos e os céus

Plenos,

Que eu sou deles e eles, meus,

Até ao derradeiro dos siderais terrenos.

 

 

Servimos

 

Príncipes e princesas

Sem reino nem palácio nem cavalo,

Servimos às parcas meras as parcas presas

Do abalo.

 

Quis o destino

Que mais vale

Cair da torre do sino

Que donde cair não ter nada que nos regale.

 

Até porque continuo pretendente

Ao trono ausente.

 

E, quando grito,

Seja qual for

A dor,

É a chamá-lo da lonjura lá do Infinito.

 

 

Suporto

 

Não suporto o vazio

Do arrepio,

 

Mau a toda a hora,

Terrível espera avassaladora.

 

Não perdoo a falta da magia,

Duma qualquer,

Na minha porcina pia

De comer.

 

Do medo a alegria ter

A me corroer,

 

A adrenalina a arfar,

A ansiedade a me impedir

De respirar

- E como por tudo aqui quero ir!...

 

Não, não suporto

Quão vazio me transporto!

 

 

Mais

 

O mais insuportável

É deveras

O suportável,

O mais do mesmo

Pelas eras,

A continuidade a esmo

Sem desvio,

A recta parada

Em lugar da estrada

Do desafio.

 

O que mais me apaga

É o previsível,

Queima-me o fusível

E logo o escuro inteiro me traga.

 

Findo às aranhas,

Nem eu nem tu, nada em mim apanhas.

 

 

Felizes

 

Era uma vez o Infinito

E foram felizes para sempre...

- E cada um a ser apenas este grito

Para que o Infinito se lembre,

Para que, contrito,

Perpetuamente mo lembre.

Para sempre...

- Embora para sempre à lonjura dum aflito.

 

 

Abraço

 

Um abraço, a união ao Infinito

Em germe.

Ora eu, verme,

Como o concito?

 

Um abraço dói:

É sempre como foi,

Nunca como deveria.

 

Mas voa ali uma semente

De magia,

Por entre a gente,

Fugidia...

 

Cada dia mais um dia

Morri

Mas no abraço renasci:

É um pouco já de nós.

 

De repente,

Neste nada já me inundo

Doutra voz,

Doutro mundo

Aqui presente.

 

 

Quero-te

 

Quero-te sublime,

Intacta do que me dói,

Para que eu me arrime

Ao sonho do que nunca foi.

 

É que em ti é que o vislumbro

E, na hora de desanimar,

Contigo me deslumbro,

Singular.

 

És o portal

A que me grude,

Pela fresta espreitando o sinal

Longínquo, final,

Da Infinitude.

 

 

Vem

 

Não vem nos livros o que nos falta,

Ninguém o pode medir,

Nunca mo vê quem me vir,

Não tem ribalta.

 

E é o que mais magoa

Aqui no fundo, à toa.

 

Fora da vista

De quem nos vê,

É o quê

Na fundura íntima mal entrevista?

 

Se nem vê-lo eu conseguir,

Como é que outrem o há-de atingir?

 

 

Procuro

 

Procuro a salvação

Nos élitros duma gralha,

Nas ondas a bater na areia

Em cantochão...

No que calha

E pelo trilho fora nos ameia.

 

No mais improvável.

Mas porque não

Se o que busco,

No meu eterno lusco-fusco,

É indecifrável,

É o que nunca tenho à mão?

 

Procuro-a no teu olhar,

Nas palavras ditas,

No sorriso a sublinhar

As citas.

 

Quando não nos faltar nada,

É um beco sem saída a estrada.

 

Ora, se nada falta,

Como viver em alta?

 

Onde perdi o mapa do outro lado

Que me fora destinado?

 

Terei de apurar o ouvido

Até ouvir

O íntimo sentido

Com qualquer nova ordem a seguir.

 

Da fundura é fatal

Vir-me então o sinal.

 

 

Assente

 

Adoro a ordem,

A arrumação,

A lei.

Assente nelas, sonho com a desordem,

A desarrumação,

A transgressão

De tudo onde me finquei.

 

Senão a felicidade

É oca:

Urge renovar de toca

Ou a cama que me invade

A devir caixão me persuade.

 

Finda a vida

Ali toda comprometida.

 

 

Perante

 

Perante a morte,

Findo pregado à vida grave,

À leveza pulsante

Da rotina

Que me conforte,

Um entrave

Doravante

À minha sina

Caminhante.

 

Morremos da falta de sutura

Entre as pedras desta agrura.

 

 

Aspirar

 

Quando é que o sexo,

Sem brasa,

Passou a ser um anexo

De aspirar a casa?

 

Mera obrigação

De responder ao físico apelo,

Sem nós inteiros na união,

Até por inteiro fora do elo?

 

Diremos “amo-te” como se fora

Outra vez nós

E depois tudo sabe a pouco,

Ficamos à chuva lá fora,

Ao banho do algeroz,

O canto sublime finda rouco.

 

 

A respiração acelera ainda

Na forma devida

Mas é uma saudade advinda

Do que deveria acelerar a vida.

 

 

Levamos

 

O que levamos da vida

Ou é euforia

Ou então, arrependida,

Tarde ou nunca se extinguiria.

 

Duraria o mesmo

Mas cada dia

Seria

Um torresmo.

 

 

Pusemos

 

Estou deitado

No teu colo

Sozinho?

Então pusemos de lado

O calor do solo

Do ninho.

 

Os corpos juntos

E nós sozinhos,

Assuntos

Maninhos:

 

O amor acaba

Quando os corpos juntos

Já vivem defuntos

E a solidão por cima de nós desaba.

 

 

Andamos

 

Andamos para aqui, vazios,

À espera de que o sono de cada um

Liberte o outro para os atavios

Da vida comum.

 

O amor acaba

Quando, no amor que o impele,

Cada um tranca da cancela a aldraba

E vai à vida dele.

 

Não quero ir à minha vida

Sem levar a tua comigo,

Voltar a ser a eternidade seguida

Como porto de abrigo.

 

Quando o amor existe,

Há-de sempre poder,

No que quer que aliste,

No que quer que insiste,

Voltar a ser.

 

 

Barreiras

 

Por mais difícil que seja,

Por mais barreiras que se ergam,

Por mais que o não recomende o que viceja,

Que nada haja a fazer aos males que o vergam,

Um amor que existe nunca deixa de existir,

Eternamente presente

À minha frente,

À espera de eu decidir.

 

Às vezes é questão

Somente

Duma decisão.

 

Escolho continuar, embora seja pouco,

Persistir, embora insuficiente.

Sem ti, ainda treslouco,

Que nem o pouco terei presente.

 

Nem saberia quem sou assim,

Senão o pouco que deixaste em mim.

 

 

Sei

 

Sei lá para onde vou,

De mim ao abrigo,

Se nem sei quem sou!

Sei, porém, que irei contigo.

 

O amor é o que irá connosco,

Haja o que houver,

Mesmo no mais tosco

Sentir de quenquer.

 

Nem que seja numa cama vazia,

O amor irá connosco rendilhando cada dia.

 

 

Triste

 

É triste esta lonjura

Que vamos cavando,

Este amor que não se apura,

Pela lonjura se alongando

Em vez de cumprir a jura

De a ir sempre aproximando.

 

O amor, quando é lonjura,

De monge

Clausura,

É seja lá o que for

Mas cada vez anda mais longe

De ser amor.

 

 

Amar

 

Amar equilibra e desequilibra.

Quando falha um aspecto,

Se então vibra,

Tomba ao chão o tecto.

 

Uma vez quebrado,

Requer coragem e talento

Para, caco a caco, findar recolado

O intento.

 

Quem tem força para colar,

Tenaz,

Cada caco que deixar

Para trás?

 

 

Hábito

 

Ninguém pode por hábito amar.

Habituando-me ao amor,

Dele nem por hábito poderei precisar,

Antes o ali ando

Matando,

Seja ele do tamanho que for.

O hábito enguiça

Todo o amor em liça.

 

 

Evito

 

Evito encontrar-te

Sem te encontrar,

Arte

Singular.

 

Sem poder ser impelido

Em absoluto

Por tua mão,

Cujo sentido

Perfura o chão

Até ao último reduto.

 

Tu a apontar-me do lado de Lá

E eu sempre do lado de cá.

 

Maldita condição

A nossa:

Entre o paraíso e do castelo o paredão,

A eterna fossa.

 

E como a estreiteza enguiça

A ponte levadiça!

 

 

Sismo

 

O sismo de Deus é teu

E como me aterra!

O preço do céu

São os escombros da terra.

 

Se tento salvar algo da escombreira,

De atingir céu não há maneira:

Naquilo paro,

Quero-o ileso

E no anteparo

Findo preso.

 

Todavia,

Apenas na terra de escombros, nela

Poderei pôr a cintilar algum dia

Alguma estrela.

 

 

Tende

 

O que tende a desaparecer

Nos arrebata.

É o amor a nos colher

Enquanto nos maltrata

E, lento, sem a gente ver,

Sequer,

Nos mata.

 

Ou damos a volta por cima

E para além

Ou a tumba já nos encima

Com a terra podre que tem

E ali no lixo apenas nos arrima,

Lixo nós também.

 

 

Somos

 

Quando alguém

Fome

Tem,

Come

E come um ror.

 

Tal e qual como o amor:

Ou amamos por fome

Ou, por todos os lados,

Somos esfomeados

De amor.

 

Nunca te amei por fome, mas que bom

Ser esfomeado de ti!

É aqui

Que a vida inteira muda de tom.

E a alegria

Tende a tocar uma eterna sinfonia.

 

 

Preenches

 

Há quem diga:

“Só tu me preenches a mim.”

Nem repara, assim,

Quanto isto desobriga.

 

Não é o caminho inteiro,

É meio e leveiro.

 

Comigo

É outro o anexim:

“Só tu me preenches de mim.”

Disto ao abrigo

É que o Infinito em Nós persigo.

 

 

Caninos

 

A morte avança

De caninos arreganhados.

Todavia, o amor alcança

Tornar-nos de antemão ressuscitados.

 

Então a todos nos concito

A abrir a frecha

Por onde mexa

O Infinito.

 

Tanto do lado de cá

Da vida

Como do lado de lá,

A magia inteira assumida.

 

Então reflicto

Passo a passo

O traço

Do Infinito.

 

 

Escudo

 

É inviável tapar

Uma dor

Com uma dor maior

Por escudo, no lugar.

 

Ou com uma alegria

Transitória,

Uma imitada euforia,

Apenas oca vanglória...

 

- Tudo mera incongruência,

Tudo inglória

Inconsequência.

 

Nada mata mais o amor

Que um alheio prazer

A pretender

Ser salvador

E a cavar cada vez mais fundo

A dor

De que me inundo.

 

A apagar da minha frente,

Nunca mais iridescente,

O mundo.

 

 

Ocupam

 

Para tapar

O vazio

Ocupam o silêncio do par

Com ruído?

É mais ruído que enfio

No já puído

Tecido.

 

Mais irá rasgar

Do lar

O já mui gasto vestido.

 

Não é nunca solução,

Desune mais o que restar da união.

 

 

Tapar

 

Tapar com um filho

Uma relação acabada

É a certeza do sarilho,

De entrada.

 

É trepar mais alto

A ver, em rigor,

Que da queda o salto

Irá ser maior.

 

Só pernas partidas

Serão dali colhidas.

 

 

Amorteça

 

Um filho

Que te amorteça a queda

Quando suceda

Que tudo já perdeu o brilho?

 

É apenas mais um,

Em seguida,

Perdendo a vida

Em jejum.

 

Sem culpa nenhuma

E sem

Ninguém

Que a culpa assuma.

 

 

Anda

 

Anda cá,

- E tu a quereres -

Que te quero toda já

- E tu a mal o saberes –

Nesta urgência de querer-te!

 

E tu, solerte,

De ouvido feito mouco,

A adiar um pouco,

 

A obrigar

A partilha

A trepar

De maravilha.

 

 

Meio

 

Do amor

A ocasião

Pior

É a da desilusão.

E há tanta, à flor da pele,

No meio dele!

 

Amar é também desiludir

Permanentemente,

Em frente ao ir

A mais consistente

Inexistente

Das ilusões a fruir.

 

 

Queremos

 

Porque queremos sempre mais

Do que nos doa?

Mais uma dose de causas reais

Do que magoa?

Sermos sinceros e frontais

Para limpar

A ferida a supurar?

 

Prefiro a humanidade

À honestidade

Sem coração.

A doer que me doa a mim,

Então,

Doutro modo perco a altura do patim

Na frieza

Sem emoção,

Feito calhau

Na dureza.

Nunca mais transporei da vida o vau,

Com certeza.

 

 

Quanto

 

Quanto amor se perde

Por honestidade a mais,

Palavras demais,

Por demais ir a fundo!

Antes quem herde

A simpleza do mundo

Dos animais:

Mais instintivo,

Sem teoria

Nem filosofia,

Sem porquê mas vivo.

 

Amar de pé,

Por amor ter,

Em vez de amar porque já se não é

Capaz de ser.

 

 

Colete

 

Amar por incapacidade

Não é amar.

É um colete de salvação

Adiando a fatalidade

De me afogar,

Sem recurso à mão.

 

Haja o que houver

É o que irá ocorrer.

 

Ou cada vez mais

Somos

Ou da vida não teremos como colher

Os reais

Pomos.

 

 

Meio

 

Um filho

Ou é um atilho

Ou então...

Não quererei ninguém

No meio de dois

Que depois

Ignorem se querem ali alguém.

 

Ou então

É só sarilho

Em vez de brilho

Do lar no desvão.

 

 

Ninguém

 

Quando ninguém o desejar

Nunca para unir

Um filho há-de servir

Mas para separar.

 

Ter um filho para unir,

É a certeza da separação:

Só unimos o separado.

 

Ninguém irá cerzir

A união

Do tecido

Nunca rasgado

Dum vestido.

 

Unido

Estar

É não ter nada no meio.

Aí é que um filho deve chegar

E morar,

Das prendas da vida o melhor sorteio.

 

 

Morte

 

A esperança

Não morre ao fim.

De tudo após,

Quem a morte alcança

Somos nós,

Eternamente, assim.

 

Daí o nosso grito

Para além,

Para o Infinito.

 

A esperança, pois, não morreu também.

Daí, portanto,

No rosto dela

A perene estrela

Do inefável encanto.

 

É o requisito

Bem-vindo

Do proscrito

Rumo ao Infindo.

 

 

Bom

 

Era bom saber

Quem sou

Para ver

Quem quererei ser

Vida fora no meu voo.

 

E não ser mais um perdido

No que não somos,

Sem o sentido

De onde andarão da vida os pomos.

 

 

Fujas

 

Não me fujas para a altura

Do nadir.

Volta à nossa incapacidade

Com lisura,

Ao vir.

E traz-me contigo de verdade:

Contigo farei figura,

Sem ti sou perdida opacidade.

 

 

Conseguir

 

Terei de ser apenas

Quem conseguir ser.

Antes a prova de nada valer

Que a angústia das cenas,

A apunhalar-me, pequenas,

Por nunca saber

O mínimo troço

Do que valer posso.

 

Inteira lisura,

Mesmo que de mim,

No fim,

Ser um nada se apura.

 

 

Vivo

 

Vivo na ponta dos pés

Para não te pisar fundo,

Resistir à voragem com que, de viés,

Te inundo,

À voragem com que, sem pejo,

Da fundura te esquartejo.

 

O amor é tão terrível

E tão sensível!

 

Mundo fora vou e venho

Mas, se te amo, nunca me detenho.

 

Não tem fim

Nosso caminho, assim.

 

 

Pior

 

Pior que desabar o mundo

É desabar lento,

Bocado a bocado a ir ao fundo,

O meu mundo sem fermento,

Onde eu por mim já nada abundo

Em nenhum invento.

 

Onde em mim já nem há espaços

Onde cair-me em pedaços.

 

 

Infeliz

 

Ser infeliz contigo

E com um bebé

Ou ser infeliz comigo

Sem mais ninguém ao pé?

 

Entre desgraça e desgraça

Qual a escolha que alguém faça?

 

Quando a vida, por sistema,

Se reduz

A tal dilema,

Para onde foi a luz?

Vale ainda a pena

Uma vida tão pequena?

 

E tantos mal amados

A fazer de conta

Que levam uma vida sem cuidados!

Mentira de ponta a ponta!

 

 

Arde-nos

 

Arde-nos o lar

Ao lado do sonho:

Do sonho inatingido,

De o não ter haurido,

Do que quer tanto vingar

Que em nome dele me ponho

A aluir

Tudo o que o não queira permitir.

 

A cinzas reduzido

É que o lar fará justiça

Ao sonho indefinido

E dará todo o sentido

Da vida à liça.

 

 

Acolhe

 

Vê o que eu vejo,

Olha o que eu olho.

Acolhe sem pejo

O que eu acolho.

 

E entende:

Neste altruísmo

É que o egoísmo

Deveras rende.

 

Entende-me profundo

No meu poço sem fundo.

 

Aí dou-te o braço

E de tudo que não nós me desembaraço.

 

 

Faz

 

O amor é que nos faz ser

Muita vez

O que ser se não quiser

Talvez.

 

Muda-nos para melhor

Quando começa

E acaso para pior

Quando no fim tropeça.

 

O pior do mundo

É o amor

E não há melhor,

No fundo.

 

É a vida contraditória:

Nosso inferno e nossa glória.

 

É só questão de lhe tomar o jeito

E venceremos o pleito.

 

Com o afecto servido pelo juízo

Há muito quem atinja o paraíso.

 

 

Termina

 

Há muito amor

Que termina por cobardia.

E muito outro cujo horror

Não termina, em nenhum dia,

Nem muda de teor,

Por igual, por cobardia.

 

Bom é se o amor assumes

Como faca de dois gumes.

 

 

Cobardes

 

Há cobardes de luxo:

Pagam para conseguir

De águas vivas o repuxo

Que a cobardia

Nunca lhes permitiria

Atingir.

 

Têm pouca sorte:

São quem adia,

Na vida lentamente torta

E sem magia,

Da morte,

Dia a dia,

A derradeira porta.

 

 

Vergonha

 

O amor é singular:

Trais-me, chamo-te...

- Tenho vergonha de te amar

Mas amo-te.

 

O amor verdadeiro sobrevém,

A energia inteira,

Quando a dificuldade verdadeira,

Também.

 

Poderia acreditar

Ser mais feliz sem ti,

Mas quem o irá lograr?

Eu, não: tudo dá de si!

 

 

Apesar

 

O amor verdadeiro

É sempre apesar de tudo,

De seres cobarde por inteiro,

No graúdo e no miúdo,

Miserável,

Execrável...

 

O amor verdadeiro

Ama o teu fundo derradeiro

 

Que por trás de tudo em ti aflora

E que eu vislumbro a toda a hora.

 

Poderei odiar todo o resto,

Nunca, porém, este teu fino apresto.

 

 

Sabê-lo

 

O amor ficamo-lo a saber

Mesmo que nunca a sabê-lo venhamos.

A emoção bate à porta de quenquer,

De cada um depende: abrimos ou fechamos?

 

E, mesmo de porta aberta,

É, permanentemente,

De história incerta

Com toda a gente.

 

 

Nunca

 

O amor findou.

Nunca findou, porém.

Vida além,

De memórias marcou

O trilho que a gente tem:

A nossa pegada

Era outra se noutro amor fora moldada.

 

Foram lágrimas e risos?

Nosso rosto tem-nos nas rugas incisos.

 

Somos dos amores a escultura

Que vida fora nos estrutura.

 

Um amor não acaba:

É da porta de mim a perene aldraba.

 

 

Carne

 

O amor é memória em carne em mim.

Sei tudo o que fomos,

Assim,

Não sei nada do que somos.

 

O porvir

Semeado no futuro

Sou eu que o inauguro

A seguir.

 

Sei lá bem que figura

Uma mistura tal

Configura

Ao meu sinal!

 

O amor é o império

Do facto amalgamado de mistério.

 

 

Crescer

 

Crescer magoa.

Por isto é que o amor

É sempre um amor à toa.

Sei lá bem como o impor!

 

É assim com os filhos

E, pior,

Dos adultos com os sarilhos,

Pouco importa o teor

Dos atilhos.

 

Ou cresço e magoo

Ou não

E, então,

Não voo:

No amor morro

Em vez de findar,

Como era de esperar,

Forro.

 

 

Livre

 

Agora que, divorciado,

Livre estou,

É que prisioneiro vou

Como nunca em cativo estado.

Preciso de ti

Para livre me sentir,

Para vir

A ser eu como nunca me vi.

 

O amor é uma dependência

Que nos torna independentes de tudo

Menos da emergência

De seu punhal agudo.

 

Mais o reforça

Quem o mais despreza:

O amor, infinita força,

É a nossa infinita fraqueza.

 

 

Farei

 

Farei quanto houver de ser

Para ficar contigo.

De ti ao abrigo

É que ser eu hei-de saber.

De ti desabrigado,

Perdido na estrada,

Não sou nada

Em nenhum lado.

 

 

Mandar

 

Do que o amor mandar fazer

Tudo deverá nascer.

 

Não da razão,

Dum pré-fabricado dever,

Do jeito que der então...

 

Amar

É fazer tudo por amor,

Desde o filho que sonhar

Até ungir o Imperador.

 

Quando o amor for tudo,

Ao resto vence-o,

Finalmente, o silêncio,

Mudo.

 

 

Aguente

 

Não aguento não te ter aqui,

De saudade

- É da humanidade

O frenesi.

 

Somos todos tão mal amados

Que a História inteira

É uma história de cuidados,

Logo à primeira

Falhados.

 

Mas nunca erguemos a viseira,

Que a freima continua

Por um amor que quer a Lua

E apenas uma réstia de luar

Poderemos alcançar

No lambril de nossa rua.

 

Com o tempo, se olhar,

Poderemos aprender

Como amar,

- Como deveras porventura ser.

 

 

Logra

 

O amor, um quebranto

A mal respirar...

E como tanto

Logra magoar!

 

E, quando não magoa,

Como é que faz

Que a alegria que traz

Até doa?

 

 

Poderia

 

A coincidência

Poderia não sê-lo:

Minhas mãos são o tramelo,

Por excelência,

Do cancelo.

 

Ignoro, porém, a ocorrência

Antes de ocorrida.

Finda então inevitável.

Eis como a vida

Comigo lida:

Uma brincadeira imperdoável.

Ou antes uma discreta mensagem

Através da incontrolável

Viagem?

 

 

Bebé

 

Um bebé será um milagre

Como pode ser castigo,

Consagre-o eu ou não consagre

Em meu abrigo.

 

Por maior castigo, porém, que seja,

É sempre um milagre que nele alveja:

 

É um afloramento, no fundo,

Do Outro Mundo.

 

Mesmo no primeiro grito

Já chama pelo Infinito.

 

E vem dele tão perto

Que o mundo inteiro, perante ele, é só um deserto.

 

 

Ninguém

 

Ninguém merece nascer

Num lar infeliz

E então, se forem dois, pior há-de ser,

De raiz.

 

Um bebé de mão em mão

Não tem mal nenhum,

É do céu quebrar um pouco a solidão

Do jejum.

 

De pontapé em pontapé

É que nunca mais,

Como bola jogada de má fé

Ao pé dos pais.

 

Nesta falta de juízo

Quantas vezes fechamos a porta ao paraíso!

 

 

Salvações

 

Há salvações que vêm sem querer

Para quem, em suma,

Não fizer

Por elas coisa nenhuma.

 

Há salvações para quem não merecia

Nem queria

Salvação alguma.

 

Vamos lá nós entender

Que é que o Universo, enfim, nos quer!

 

 

Germinam

 

Há vidas

Que germinam inatendidas

Para fazer

Nascer

Outras vidas.

 

De repente,

Sentimos novamente

O milagre

E os pés de toda a gente

Bailam em romaria,

Todo o dia,

O bailado que o consagre.

 

 

Incrível

 

O mais incrível num amor verdadeiro

Que acaba

É que nunca acaba por inteiro.

Quem menoscaba

A cinza do cinzeiro,

Não entende o trilho que ele aba

E gaba

Vida além pelo carreiro.

 

 

Esquecer

 

Que fazer

Para esquecer quem amamos

E que, apesar de tudo doer,

A amar continuamos?

 

Maldita emoção
Que nunca nos obedece,

Nem quando aparece

Nem quando nos atira ao chão!

 

Só o tempo cura

A ilusão

Que nos fura

O coração.

 

E é se não a relembre nem estimule

Senão

É mais carvão

Que no brasido

Acumule

A me queimar cada gemido.

 

 

Sempre

 

Sempre que não for eu,

Quenquer

Que em teus braços estiver,

Não é uma pontinha de céu,

É um qualquer

Que no trilho te perdeu.

 

Nunca através dele vislumbrarás

O Infinito por trás.

 

Pelo menos é o que quero crer

Na infinita dor de te perder:

 

Que apenas eu terei a chave

Que abre uma nesga para a Infinda luz da cave.

 

 

Indivíduos

 

Indivíduos há tantos

Que de tantos indivíduos precisam

Para sobreviver, pelos cantos,

Em prantos

Por onde deslizam,

Por mor dum indivíduo apenas que proclamam

Que amam!

 

O amor que equilibra tudo

Por todo o lado

É, sobretudo,

Desequilibrado.

 

 

Divertimento

 

O divertimento mais incrível,

Quantas vezes não é o que for

Mas apenas uma parte visível

Da dor!

 

A mente a obrigar

À caminhada,

Quando só nos apetece vergar

A meio da jornada...

 

Felicidade por fora

E, quando ali entro,

Um mísero ali mora

Todo dobrado por dentro.

 

 

Amo

 

É frívolo,

É fútil

O turíbulo

Inútil

De clamar por aqui, por ali,

Que amo, se não for amar-te a ti.

 

O órfão, para ganhar um abrigo,

Diz o que calhar à fresta do postigo.

 

 

Fora-da-lei

 

Quando o amor é um dever,

Tens o dever de não cumprir,

Um fora-da-lei terás de ser,

O instituído a transgredir.

 

O amor não é o instituído,

É o teu teor,

Aquilo de que és constituído,

O que cada pegada tua te há-de impor,

Por ínfima que seja,

Que distante nunca esteja

Do amor.

 

Por amor vives, em suma,

Ou não vives coisa nenhuma.

 

 

Pior

 

O pior do amor que acaba

É que, para quem amou,

Acaba mesmo.

Enterrado na mastaba,

De vez se finou,

Não há mais amor a esmo.

 

O pior do amor maior

É que tudo o mais

É amor menor,

Nem amor é jamais.

 

É a certeza

De que de amor quaisquer fulgores,

Do miúdo ao mais graúdo,

Podem ter toda a beleza,

Poderão ser tudo

Menos amores.

 

 

Inviável

 

Por vezes é inviável escolher

O melhor lugar

Para morar.

Viável é fazer

Do lugar

Que nos calhar

O melhor para viver.

Isto é que é um lar,

Isto é que é ser.

 

 

Cuido

 

Quando cuido saltar,

Que é salvação,

Não,

É uma queda, em lugar,

Mais uma inviabilidade,

Uma dor que me invade.

 

Onde menos esperava

Mais um fim de linha me trava.

 

É a regra da vida:

Sempre em lida,

Cada dia mais cava,

Cada dia mais delida.

 

 

Impressionante

 

O mais impressionante vida além

É tudo nela pressionar,

Tudo a um caminho a me forçar,

Atrás dum logo outro vem.

 

Ficamos ali no meio,

Pressão daqui, pressão dali,

Somos efeito dum sorteio

Para o qual nenhuma pedra mexi.

 

Produto daquilo a que resisto

Ou a que não consigo resistir,

Existo

Mas sou muito mais um turbilhão

De escantilhão

A ir.

 

 

Mistério

 

Amar é acreditar.

No mistério revelado,

No irrevelado também:

Quem amo, pelo amor, é singular,

De luz um lado,

Doutro, luar

E a noite sempre por nós além.

 

E por trás, eternamente vislumbrada,

A madrugada.

 

No caminho,

A cada pegada

Da jornada,

Um pouco mais a adivinho.

 

 

Tira

 

Quando a lágrima na lágrima me fecha

E me não tira de mim,

Não terei cura assim.

Não acende a mecha

Que me ilumine o caminho do meio,

O da saída que não caminho por receio.

 

Finda tudo tão escuro

Que findo encostado para ali ao muro.

 

 

Andar

 

Andar em frente

Nem sempre em frente é seguir:

Há quem permanentemente

Corra vida fora a fugir.

 

Ora, quem foge, decerto,

Nem repara

Que aquilo de que foge

Finda sempre perto.

É a própria cara

Que dentro dele se aloje:

Não há como fugir, assim,

Do que for eu em mim.

 

Por maior que seja o caminho,

Encontro-me sempre a mim,

Por fim,

No terreno maninho.

 

 

Enganado

 

Quando amas,

Ou de amor toda a vida é rodeada

Ou, enganado nas tramas,

És rodeado de nada.

 

Atafulhado de bens,

Catrefadas de objectos,

Miríades de indivíduos de ti reféns,

Dinheiro a entupir os tectos...

 

- Se o amor

Desta embrulhada

Ausente for,

Andas rodeado de nada.

 

 

Creia

 

Há quem creia genuinamente

E nem delira

No que verifica fundadamente

Que é mentira.

 

A estupidez humana

Funda-se em quê:

Rejeitar o que vê,

Acolher o que engana?!...

 

 

Intuito

 

O grande fito

É no intuito pequeno

Que o visito,

O concito

E o realizo gradualmente em pleno.

 

O que quer que mandes,

Nunca sejam desígnios grandes.

 

É no mais pequenino

Que trocemos o destino.

 

A maior cordilheira da Terra,

Milímetro a milímetro, pelos milénios,

Sem requerer quaisquer convénios,

Venceu a guerra:

Assim discreta

É a que os céus mais acometa.

 

 

Filho

 

Um filho é, maioritariamente,

O que sobrevive dos pais.

Se foi amor, é amor;

Se foi ódio, ódio é;

E se foi incongruente,

Incongruentes sinais

É aquilo que põe de pé.

Não é a soma que isto for,

Do que os juntou o teor

É que lhe marca a pegada

Que ele imprimir

Ao ir

Estrada fora em jornada.

 

 

Depois

 

Há felicidades que só terão nascido

Depois de terem sido.

 

Primeiro és feliz.

Depois, tudo acabado,

Entendes o que te quis

Teu fado:

Que feliz houveras vivido.

 

Agora não tem cura:

Hás tudo já desperdiçado,

Porventura.

 

E toda a entusiasmante

Glória

É, doravante,

Mera memória.

 

 

Cuidas

 

És feliz

Mas cuidas que não és.

- Que é que eu fiz? –

Perguntarás talvez,

Ao reparar

Que feliz ao mundo te não andas a mostrar.

 

Então imitas

A felicidade que tens e julgas não ter:

A verdade citas

Sem a ver.

 

Doravante mascarado

Viverás por todo o lado.

 

Andas a mentir a verdade,

Dela ali à beira,

Sem ver que é, na realidade,

Verdadeira.

 

 

Cuidando

 

Farei de conta que sinto

O que sinto deveras

Porque me minto,

Cuidando que o não pinto

Na minha perene sala de esperas.

 

Vivo num teatro pegado,

Sem a verdade ver,

Da verdade mascarado.

Sem nela crer.

 

De tão cúpido,

Findo mesmo estúpido!

 

 

Quer

 

A felicidade, às vezes,

Quer público, quer aplauso,

Validações corteses,

Um carimbo de acaso,

Tal e qual

Se doravante fora oficial.

 

Não muda nada

Mas empresta robustez e consistência

À empreitada.

Trá-la à existência.

É um parto.

O porventura ainda faminto finda farto.

 

 

Restar

 

Se um dia amei,

No que restar de mim há um tu intocável,

Tão fundo que nem sei,

Tão pedra angular inalcançável

Que de minha vida o edifício

Se escorou naquele precipício.

Qualquer canteiro meu de flor admirável

Mergulha a raiz

Neste resquício

Que um dia, num vislumbre de Infinito, eu quis.

 

 

Atinges-me

 

Atinges-me no interior do pesadelo,

Dás-lhe cor,

Textura,

- És o amor,

A cura.

A morte, perdido o elo,

Perde a figura.

 

A vida pode jogar tudo às malvas

Que, em qualquer pesadelo, tu me salvas.

 

 

Encontramo-nos

 

O amor é mais forte

Do que o fim,

Do que a morte.

Aí,

Até que enfim,

Encontramo-nos no íntimo transporte

Que daqui

Mal vislumbro e nunca fito

Do Infinito.

 

Aí a romaria

Da alegria

Ultrapassa quanto cito

E concito

Em fantasia.

 

Aí ambos nos inundo

Da euforia

Do Outro Mundo.

 

 

Sempre

 

Na vida, o melhor

Às vezes é atingível.

Pior

É sempre possível.

 

É a lei do caminho

Que vamos remoendo:

Um cadinho

Doendo.

 

Já fui o optimista sem critério:

Há sempre um caminho. E há.

Todavia, o mistério

Está

Perenemente

Presente,

A aflorar por aqui, por acolá:

E é pena o caminho que há na vida

Ser, na corrida,

Muitas vezes descendente.

 

Quantas vezes este é da vida o vero sentido

Por trás escondido!

 

 

Geniais

 

Há palavras que magoam,

Dão cabo de nós.

Geniais, já que tanto ecoam:

Meros sons

Em vários tons,

E abalam-nos, largam-nos sós,

Meros rodopios, mancheias de pós.

 

Um sopro de nada

E é cada aluimento na estrada!

 

 

Minúsculo

 

O amor é urgente,

A morte também.

De repente

A morte contém

O amor deveras iridescente

Que a nosso minúsculo amor convém:

O Amor sempre além,

A transbordar-me eternamente.

Eu, pleno, correndo pelo Infindo meu pleno presente

Com ele inesgotável, porém,

Infinitamente.

 

 

Quando

 

Quando amamos,

Tudo o que partilhamos,

Até o pior,

Tem um halo de maravilha,

É momento de partilha,

É amor.

Ora, o amor tem o dom

De ser um momento bom.

 

Mesmo o fim,

Partilhado a dois assim,

Vai ser o momento

De me amassar em fermento

A mim,

Lançado ao vento

Até ao derradeiro confim

Do Universo,

Feito do Infinito um reverso.

 

Do Amor infindo partilho

E como me maravilho!

 

 

Doenças

 

As doenças, no fundo, vêm

Por bem.

Pode ser que a maleita ateie

O pavio

Extinguido,

Ate o fio

Partido

E o dedo ameie

Ao juízo

Onde houver falta de siso.

 

De repente a íntima fogueira

Arde, num escarcéu,

Direita ao céu,

Inteira.

 

 

Perdemos

 

Perdemos a vida em pernósticos

Vazios diagnósticos

 

Perdemos o tempo em prolíferas

 Buscas infrutíferas.

 

Patetas,

Farejamos um problema

Que apenas encurva as rectas

Porque o tomámos por lema.

 

Ignorado,

Nem existe.

Sonhado,

Lento e lento, mal o vise,

Logo farei que o aviste

- E eis a crise.

 

 

 

Basilar

 

Somos muito o que pensamos

E é o mais basilar que somos.

Serei todo o dia

O que imaginei que seria.

 

Se for que todo o dia morramos,

Colherei da morte os pomos.

Se for na vida que assentamos,

Sorverei todos os gomos
Da vida de cada dia

Com a fartura que ela avia.

 

 

Ninguém

 

Tenho cancro e não te tenho?

Num ninguém devenho.

 

Tenho-te sem cancro ter?

Quem dizê-lo puder,

 

Diga

E celebre todo o dia

A magia

Venerável e antiga.

 

 

Importuna-me

 

Importuna-me a tua ausência,

Não a morte.

A memória é uma vida implacável de abstinência,

Mas, apesar de tudo, uma sorte.

 

Tenho-te aí mas não te tenho,

Tanto te sonho como me assanho.

 

Não ter-te plena

Como me envenena!

 

 

Queiras

 

Não quero que me queiras de mim por pena,

Por pena de ti não quero.

Tal querença

Não acena

De amor nenhuma sentença.

E aqui me esmero

Numa verdadeira presença.

 

Por respeito

Por mim, por ti,

Outra não subscrevi

Nem aceito.

 

O amor ou é inteiro

Ou é um suão ligeiro

 

Que não aquece

Nem arrefece.

 

Prefiro enterrar-me solitário no quinteiro

Que vencer um alvo tão mentireiro.

 

 

Doença

 

A doença terminal

Ensina a valorizar.

O que eu for valorizo, o principal,

Como o que tiver,

Mesmo se nada valer

Para mais ninguém, a par.

 

De mim

É que não poderei mais abdicar,

Doravante, até ao fim.

Pôr-me nas tuas mãos?

Não serão de confiança,

Por mais que de confiança nos demais desvãos

Que o resto do mundo alcança.

 

Irei sempre escorregar,

O que quer que seja que suceda,

Não há como amparar,

Quanto mais evitar

A fatídica queda.

É o que dá valor

A tudo o que para trás irá ficar,

Do nada ao cume a se propor,

A se me impor,  

Sem haver de troca mais qualquer moeda.

 

 

Ponta

 

Às vezes uma ponta de orgulho

Torna alguém boa pessoa,

Varre da vida o entulho

Que a atordoa.

 

Já não é mais marioneta,

Boneca na mão de quem ama.

Trepa ao píncaro das cordilheiras

Do planeta

Que das cumeeiras

A chama.

 

Assim é capaz

De devir boa pessoa

Contra tudo o que, tenaz,

A esboroa.

 

 

Fatal

 

A doença fatal obriga a crescer,

A ser de vez a criança,

A lutar por nós, pelo que se quer

E não se alcança,

Pelo que se sentir

Como único fito a prosseguir.

 

Como se fora

Único objectivo da vida a pôr de pé

Desde agora.

- E é.

 

 

Podíamos

 

Eu podia cuidar de ti e de mim,

Tu podias cuidar de mim e de ti.

Podíamos ser uma família, assim,

Vinte e quatro horas por dia,

No frenesi

De cada fantasia.

E do fim,

Agora, aqui,

Com teimosia,

Cada gesto nos resgataria.

 

 

Apaixonados

 

Apaixonados pelo que somos,

Buscando a paixão onde quer

Que ela estiver,

Um do outro nas mãos nos pomos,

Em condições de ser

O que de ser nunca deixámos.

 

Somos nós e o nós que configuramos,

Não sendo o céu,

Longínquo tabu,

É onde eu me sinto mais eu

E tu, mais tu.

 

 

Libertá-la

 

Incurável.

Gostaria que tiveras a palavra em mente,

Para libertá-la de mim,

Assim

Abordável

Em comum por toda a gente.

Distribuído pelas aldeias,

O mal é mal a meias.

 

 

Enchê-lo

 

Isto de estar vivo

É de enchê-lo com o que nos exalta,

O que nos falta,

Esquivo.

 

O terror é tu não estares,

Que o vazio

É tão frio

Que é melhor me amortalhares.

 

Estarei vivo tão morto

Que para viver não restará nenhum porto.

 

 

Recusas-me

 

Recusas-me? Quero lá bem

Saber de ti!

Quero, claro, mas ninguém

Tem de saber disto aí.

 

Deixa dizer-me o que importa:

Cresci,

Já não bato à tua porta,

Pese embora quanto em mim já eu morri.

 

Continuo desesperado

Por ti,

Viciado

De ti, por aqui.

 

Todavia já não o digo,

Já não estou mais contigo.

Com quem estou mais

É comigo.

E é só disto que para fora dou sinais.

 

 

Tropegar

 

Compressor rolo

A tropegar pela estrada,

Amar é andar pronto a ser colo

E saco de pancada.

 

Com igual amor,

Igual vontade

Mas de qualquer outro teor

Nunca um amor persuade.

 

 

Tanto

 

Dói tanto imaginar

Que o amor nos sobrevive!

E conforta, a par,

Quando da vida nos prive,

Ver que morremos por amor,

Com fervor,

Até ao final,

Ao último estertor.

 

O final do corpo nunca,

Afinal,

É o final

Do amor que a vida nos junca.

 

 

Pronto

 

Pronto para de ti fazer

O que me fizer

Ser eu,

Terei de te absolver

De quanto em ti de nós divergiu.

 

É, porém,

O único caminho

Onde a nós e a mim,

No fim,

Nos adivinho.

 

 

Amar-me

 

Amar-me por pena,

Não,

É uma emoção

Tão pequena!

 

Pela semente de Infinito

Que houver em meu confim

E que mal concito,

Aí, sim,

Vale a pena amar-me a mim.

 

A abrir asas,

De águia ao grito,

Que ateiam todas as brasas

E eu nem sei que são meu fito.

 

 

Digo

 

Tenho medo.

Digo, contudo, coragem,

A ver se nunca cedo

Algures a meio da viagem.

 

A palavra é para salvar

Quem a quiser

Acolher

E logo, em primeiro lugar,

Quem a disser.

 


Escuro

 

É bom ter uma bóia,

- A convivialidade, a escrita, uma viola... –

No escuro a luz duma clarabóia

Quando, a nos afogar,

Já nem soubermos nadar.

 

Algo que nos segure pela gola

Quando já nem energia tenhamos

Para os braços mexer, nem que o queiramos.

 

Até um entretenimento por gosto...

E, lentamente,

Eis que na vida aposto

Novamente.

 

 

Vejo-te

 

Vejo-te e és em mim a faísca

Da cabeça aos pés.

Busco teu relâmpago que me cisca,

Nesta chispa de través,

Cada meu encravado carvão

De escuridão:

De repente tudo luz!

Morre logo? Pois, mas seduz.

 

 

Alerta

 

A mania

De que é carente

Quem andar doente!

Das vezes a maioria andará mas é

Num alerta permanente,

Numa guerra de fincapé

Por dentro de si,

Incapaz de mais

Que da guerra os chavascais

Que resultarem daí.

 

Um soldado

Em pleno campo de batalha

A cuidar doutro cuidado

Que livrar-se da metralha?

 

Cuidar dum abraço

Quando as balas,

De tão pouco ralas,

Para tal nem deixam espaço?!

 

 

Balas

 

Quanto maior és,

Mais balas levas

Da malvadez

Das trevas.

Ora, há sempre malvados

Em todos os lados.

 

Aliás, cada peito,

Por melhor que seja,

Ao mesmo é atreito:

A erva ruim viceja.

 

Se não aguentas o tiro,

É melhor das alturas

Evitar o retiro,

Que evitas agruras.

 

Então só porvir

A grandeza ganha

E apanha

Que em ti existir.

 

E com tanto mais apreço

Quão mais humilde for de começo.

 

E se a grandeza for tamanha

Que tudo ultrapassa,

O apreço trepa ao cume da montanha

E daí o mundo inteiro abraça.

 

 

Partilhar

 

Tudo partilhar contigo...

Moras entre mim e o que sou,

Inominado abrigo

Onde ainda não estou

Mas que persigo,

Por onde vou.

Vazio sem nome

Mas que existe e me dá fome.

 

 

Lonjura

 

Amar é uma lonjura sem nome,

Um nada,

Virgem de ninguém,

E é a estrada

Nunca por ninguém trilhada

Que eu tome

Também.

 

E, na lonjura,

Que inefável luminária se apura!

 

Que entusiasmante,

Sobre o vazio abismo

Com que cismo,

Correr para diante!

 

 

Mudar

 

Tontos,

Para o que nos mudar a vida

Nunca nós findamos prontos.

Por isso é que, a querela resolvida,

A mudará mesmo à medida.

 

Toca no fio intocável,

Na percepção outrora estável,

E o conceito

Inabalável

Tomba desfeito.

 

Até uma dor

Inexistente

Devém presente,

Seja ela o que for.

 

E nós nunca prontos

Para à cirurgia

De cada dia

Coser os pontos!

 

 

Senão

 

A vida será uma pitada

De pessoa

Condimentada

Com muita pitada de amor,

De propósito ou à toa.

 

Senão, que valor

Que motivo

Para estar vivo?

 

 

Ama

 

Ama o mundo inteiro

E do mundo inteiro sê o mais rebelde menino.

Quando fores adulto, de ti requeiro

O respeitador mais profundo

E fecundo

Do destino.

 

Olha quem te ama e quem não

E tudo quem não conheces.

Olha o princípio e o fim onde ainda não aconteces.

A bola que corre no chão,

Corre atrás dela.

Se não tens uma péla,

Brinca com um par de meias,

Inflado de fantasia,

Torna-o tua alegria.

 

A alegria consiste

Em transmudar em sonho

Tudo quanto existe.

Depois, quando dele disponho,

Não é a realidade que ali viste,

É a magia

Todo o dia.

 

 

Vírus

 

Inspira e contagia,

Tornado

O vírus benéfico do dia

Jamais outrora encontrado!

 

Sê revolução na hora que devia

Transformar

E acalmia

Quando a paz for de encontrar!

E cria

 Quando urgir inventar!

 

Sê infatigavelmente

E, quando fatigado,

Sê ainda, a ti presente,

Embora esgotado!

 

Vai, sua,

Nunca preso ao mesmo lugar,

Não te deixes apear

Da Lua

Nem do luar!

 

Sonha, sonha perenemente.

Só quando o sonho alcançares

É de parar, de repente,

Para sonhos outros agarrares.

 

Com tudo o que és, tenta,

Que o Infinito é dentro de ti que se acalenta.

 

 

Aconteça

 

Quando quiseres

Que aconteça, faz.

E, quando fizeres,

Que seja em grande e capaz!

 

Para além de teu confim,

Que tua fundura te comande:

Apenas assim

Chegas a grande.

 

 

Moldando-lhe

 

Do que te contundir

Mas amas

É de nunca desistir,

Moldando-lhe as tramas.

 

Senão ainda perdes o ar

E a vida desaba:

É fatal não amar,

Com tudo nos acaba.

 

 

Acima

 

Um filho alumia,

Pelo mero facto de ser, só assim,

O que ficaria

Acima do fim.

 

Se eu agora morrer já não serei

Quem nasceu vazio

E vazio partiu,

Sou quem ao colo um dia te peguei

E caminhou pelo centro

Do Universo dentro.

 

 

Teu

 

O teu gozo, a tua felicidade

De raiz

Me invade

E, por esta matriz

De nada directo que a mim me agrade,

Sou feliz.

 

É tão estranha

A dita que sem nós,

Por esta nesga, após,

Em nós próprios nos amanha!

 

 

Abdicar

 

Antes de abdicar de mim,

Terei de abdicar de ti.

Só assim

Alguém pode ser por si.

 

Doutro modo, a morte adiada

Seria a minha perene estrada.

 

Amas-te a ti, não a mim:

É, pois, o fim, a fim de evitar o fim.

 

 

Vertente

 

O amor é a vertente boa

Do egoísmo.

Amas como um louco,

À toa,

Para caíres no louco abismo

De ser feliz.

Que te sabe sempre a pouco

Mas que, quando falta, o mundo inteiro sempre quis.

 

O amor é um retorno infinito

Sempre aflito.

 

É investir em vida,

Em memória,

Toda a individual e colectiva História

Famintamente desmedida,

Sempre quase falida

E, todavia, perene glória.

 

 

Muito

 

Muito a humanidade

É cega e surda!

A quantidade

Do que oferece

Sem nenhum interesse

É absurda...


E com isto nos aniquila

Perenemente tranquila!

 

 

Vivendo

 

Quando a vida é pequenina,

Desinteressante,

Vai-se vivendo como sina,

Um fado cantando

Por ali adiante,

De vez em quando...

 

Prefiro viver

Até à morte.

E, quando a morte vier,

Não vai ter nenhuma sorte.

 

Bem me quer apanhar vivo,

Mas eu já só serei mera folha de arquivo,

Vivi tudo o que havia a viver,

Nem sequer

Me resta

Morrer,

Esgotei tudo o que presta.

 

Bem pode levar o saco vazio,

Eu já voarei Além noutro empolgante desafio.

 

 

Acredita

 

O consultório

Médico

É um velório

Céptico:

Acredita na morte.

 

Não vê que a vida

É tão decidida

Que, por menos que a exorte,

Transpõe a vau da morte o rio

E desata a operar todo o cósmico desafio.

 

Duma vidinha de nada,

O Universo inteiro desata a ser a nova estrada.

 

E não hiberna,

Algures acantonada,

Pode ser uma euforia

Eterna

A alegria

Da nova jornada.

 

 

Precisa

 

Precisa toda a gente

De saber o destino

Para apreciar devidamente

O caminho, mais ou menos clandestino,

De ir em frente.

 

O destino é que acende a luz

Com que tudo no caminho nos seduz.

 

E ao caminho por inteiro

Em luz traduz,

A cada pegada do caminheiro.

 

 

Cuide

 

Há quem cuide que está tudo

Nas mãos dele

E há quem cuide que nada.

Não acudo

Ao que me atropele

Em tais becos da estrada.

Extremo, só um pendor da jornada:

Ou há amor

Ou não há nada.

 

 

Jogo

 

Tudo na vida é cinzento,

Luz aqui,

Sombra ali.

Neste jogo, mais ou menos sozinho,

É que invento

O caminho.

 

Ora verei claro,

Ora nublado.

O importante e na vida tão raro

É tentar sempre ter

Continuado

A ver.

 

 

Presença

 

Sem tua presença, caminhar

Em qualquer lado

É pisar

Vidro lascado.

 

Minha rua

Sem ser tua

É de noite o dia inteiro,

Nem o sol há-de brilhar,

Meu parceiro,

Nem há réstia de luar.

 

Nem há Lua

Quando o teu vazio me acua.

 

 

Nunca

 

Amor que tira

Não é nunca amor nenhum.

Amor apenas dar tem na mira.

Mesmo em lágrimas, em perda,

Não herda

Tesoiro algum:

Tudo é entrega, tudo é dom,

Não há amor nenhum fora

Deste tom.

Aí, desamor

Apenas mora

E, pior,

Do amor verdadeiro todo o ninho gora.

 

 

Podemos

 

Não podemos ser reféns

De quem amamos?!

Podemos e devemos.

Amar é viver preso,

Enquanto tens

De assentar os tramos

Do porvir que elaboremos,

Em nossos carris aceso.

 

Só quem nunca amou ignora.

Amar é caminhar na prisão

Livremente a toda a hora,

Partilhar o céu no chão,

 

Entre fronteiras contido,

Delimitado,

Para poder ser erguido

Sem findar esbarrondado.

 

Então, ao píncaro erigido

É que vislumbro o Outro Lado.

 

 

Paixão

 

A paixão toma de assalto,

Criminosa fora-da-lei,

Ou então serei

Eu que falto

Ao meu salto

De ungido rei

Rumo ao Alto.

 

Então é paixãozeca de nada,

De que até nada sei

Nos ínvios trilhos da estrada.

 

 

Sossegado

 

O amor é o teu lugar

E tens-lhe apego.

Ali é que queres morar

Em sossegado desassossego.

Não consegues, pois, olhar para quem

Teu lugar tem.

 

No amor é que sempre ocorreu,

No fim de contas, o lugar que é teu.

 

Dali

Desalojado,

Ainda findarás fora de ti,

Afinal um tresloucado,

A cuidar morar ali

No vizinho do lado.

 

 

Atirador

 

A vida é bela

Mas há um atirador na humana estrada

Com arma apontada

À minha janela.

 

É uma sorte

Ter a arma encravada:

A hora da morte

Ainda continua adiada.

 

- É a condição de vida

De toda a humana lida.

 

 

Temos

 

Quando temos tudo

E tudo nos falta

É o amor, sobretudo,

Que, em lugar de andar em alta,

Fora de nós salta

E nos deixa a miúdo

No mais paralisado frio

Do vazio.

 

Estarei cheio,

Contudo,

Embora desgraçado

Pelo meio,

Por ser de vez do amor ignorado.

 

Poderei ter o mundo inteiro,

Que, sem amor,

Serei o vazio caldeiro

Que para nada presta, nem para tambor.

 

Serei a infelicidade

A arrastar-me idade a idade.

 

 

Miúdos

 

O imaginário

É inteligência do coração.

Os miúdos são

O génio primário:

 

Pensam com o coração que têm,

É o que lhes oferta felicidade.

Toda a felicidade vem

Do coração quando nos invade.

 

Não é a reflectir

Que desato a fremir,

 

É porque amo a descoberta

Que ali tenho a porta aberta.

 

A emoção é que pode ser feliz.

Tudo o mais

É alheio a vivências tais,

De raiz.

 

 

Visa

 

Qualquer arte visa exprimir,

Na criação,

Uma paixão

Que sentir.

 

Dum amor à catedral,

Tudo é duma pegada

Apaixonada

Perenemente o sinal.

 

 

Mudar-lhes

 

Os miúdos correm em debandada,

Irá chegar o mundo e mudar-lhes os planos:

O foco dos vindoiros anos

É noutra estrada.

 

Primário

Não é o fundamental,

É o secundário

E assim lhes irá matando o essencial

 

Irá pô-los a fazer contas,

A replicar

As actividades tontas

Em que outros andem a apostar.

 

O radical

Ninguém aprende

Nem ensina.

Ora, é para onde tende

A sina

Única individual:

Nunca pode protagonizá-la ninguém

Senão quem a tem.

 

E é sempre amar

E então criar

 

Na exclusiva modalidade

Daquela individualidade.

 

 

Procuramos

 

Procuramos o miúdo que fomos

Na janela ao lado.

A que lonjura andarás do que somos,

Esquecido,

Preterido,

Ignorado?

 

Ando para aqui de máscara, ao invés:

Mal vivo estou, ferido,

Morto a teus pés.

- Por quem és,

Volta, miúdo perdido!

 

 

Deixar

 

Amar é o que não somos capazes

De deixar de ser,

Apesar de esforços tenazes

Para o obter.

 

Não o conseguimos mesmo:

A emoção ri-se de mim,

Inunda-me a esmo

Até meu derradeiro confim.

 

Nunca terei mão nela:

Só lhe poderei abrir ou trancar a janela.

 

Apenas do tempo a enxurrada

A pode ir varrendo, lenta, pela levada.

 

Até lá, pelos anos fora,

É em mim contra mim que mora.

 

Se me descuido e lhe abro a janela,

Nem os anos corridos darão cabo dela.

 

 

Acima

 

Acima do medo

O amor.

Acima de ti, concedo,

Ninguém:

Deveras quem

Poderia ter o teu calor?

 

E quem congelaria o Pólo Norte

A nos trazer de novo a sorte?

 

Só tu és o sim e o não

Que deslinda toda esta confusão.

 

 

Olharias

 

Amar é olhar quem amas

Como olharias Deus:

Em ti acamas

Um cantinho dos céus.

 

Quando amas deveras,

Amas Deus em quem amas,

Amas Deus, sem mais esperas,

No imo por trás das escamas

De que o haja encoberto

A vida,

Na corrida

Das idades através do deserto.

 

 

Acaso

 

O acaso nos apaixona,

De propósito, porém, nos amamos.

Ninguém manda no que o emociona.

Uma vez, contudo, desencadeado o rio,

Talha o leito e o desvio:

Serão o que queiramos.

Assim, a prazo,

É o nosso acaso

Que por nós criamos.

 

 

Felicidade

 

Felicidade não é questão

De tempo livre,

É ter à mão

Tudo o que no imo vibre:

É uma vibração

De alma livre.

 

E é ir pondo em função

Todo este calibre

Do coração.

 

Lentamente

Eu e tu vamos indo em frente.

 

A humanidade demora

Pelos milénios, até agora,

Mas gradualmente

Desperta

O que a liberta

E vai em frente.

 

Andamos a libertar-nos,

Persistentemente,

Eu e tu. E o mundo inteiro.

É a felicidade a ensinar-nos

Os trilhos do píncaro cimeiro.

 

Cada qual,

Individual

E colectivamente,

É o pioneiro

Do Infinito infinitamente.

 

 

Acreditar

 

Acreditar é uma forma de atracção.

Quando acredito

Em ti,

Em ti fito

O que remexe o coração,

Muito além do migalho que aqui

Em mim e em ti tiver à mão.

 

Há sempre um Além

A aflorar no que aqui nos tem.

 

Um outro lado

Que me maravilha,

À janela de ti postado

E que a ti eternamente me envencilha.

 

 

Dar-nos

 

A vida pode dar-nos de maior

O poder

De pertencer:

É, a germinar, o amor.

 

E é o que mais custa:

Há que pagar a conta justa.

 

Todos somos, no particular, tão diferentes

Que o ajustamento

É um tormento,

Para dar conta de tantas frentes.

 

Contudo, é uma festa

Quando, num ponto qualquer,

A conjunção atesta

O porvir a acontecer.

 

 

Idealizar

 

O mal é idealizar demais.

Idealizei-te, anjo que não és

E depois caí-te aos pés.

Ora, são de barro os teus pés reais.

 

Depois idealizei-me para ti,

Para me veres deus

Nos trejeitos meus.

Ora, real é o caixote do lixo em que caí.

 

Ninguém mais que tu quer a minha loucura

E querer a tua ninguém mais que eu to assegura.

 

Vivemos a loucura partilhada:

Amar é isto,

Mesmo louco, insisto

Em irmos em comum de jornada.

 

 

Dura

 

Quem se amar ninguém

Nos pode tirar.

Como pode alguém

De mim te extirpar

Ou a mim de ti

Desenraizar?

 

Amar finda em nós,

Aqui,

Por muito que passe:

Dura eterno, após

O instante

Fulgurante

Em que o peito nos trespasse.

 

Tudo o que amar finda

Sempiterno, afinal, ainda.

 

Apaixonado por ti,

Mais apaixonado me sinto

Por quem consegui

Ser,

Como me pinto,

Por a meu lado te ter.

 

Não é que, de repente,

Quase atingi

Tornar-me gente?!

 

 

Preservar

 

Preservar o amor

É um apeadeiro mero

Antes do desespero,

Ao borralho a soprar o calor.

 

E é assumir o erro,

Que, ao ver que o trilho audou errado,

Podemos caminhar por outro lado

E trepar ao cerro.

 

Podemos permanentemente

Amar melhor

O amor ausente.

E ei-lo germinado

Doutro pendor,

Noutro vigor

Configurado,

O novo amor

Aqui presente.

Sem arrepios

Nem calafrios?

Não, mas subterrânea corrente

Robusta

Que não paga selo nem custa.

 

 

Apenas

 

A felicidade apenas advém

A quem

Tem coragem de sofrer.

Quão maior,

Maior a dor

Quando a felicidade fizer

Porventura doer.

Só um herói tem altura

Do que ela ali configura.

 

 

Andámos

 

Andámos já tanto,

Ao amar,

E, todavia, entretanto,

Temos perenemente ainda tanto

Para andar!

 

Itinerário sem fim...

Mas eu sou assim,

Não me limito:

Minha raia é o Infinito!

 

 

Dialogo

 

É um estranho e fecundo

Frenesi:

Dialogo com o mundo

Através de ti.

 

Tropecei à toa

De pessoa em pessoa

Até que caí

No teu colo, aí.

- Mas que queda boa!

 

 

Imitação

 

Imitação de mim mesmo,

Contaminado de ti

Em mim a esmo,

Nem vivo, já vivi...

Contigo de fora

Como viver demora!

 

De tão vazio,

Como respirar

Requer ousio!

E o ar,

Que frio!

 

 

Primeira

 

Amor à primeira vista

Não há quem não

O tenha em vista,

O ponha em lista

A ter à mão.

 

Porque não o esquecimento

Ao primeiro adeus?

Porquê o intérmino tormento

Ao relento

Dos restos seus?

 

Porquê a quem nos deixa

Não lançar imediatamente

A fateixa

Do morto e enterrado

Em todo e qualquer presente

Danado?

 

 

Resgatar-nos

 

Só o amor resgatar-nos vai poder

Do fundo do poço,

Embora o único seja com poder

De nos atirar ao fundo

De tal fosso.

O amor é tão jucundo

Quão imundo.

 

Com ele não posso

E sem ele muito menos.

É um desgraçado

- Mas nem preciso dele o brado,

Bastam-me uns acenos...

 

 

Encolhe

 

A ponte

Encolhe a lonjura

Do horizonte

E o momento

Entrava das horas na costura,

Encolhe o isolamento.

Quando estendo as mãos,

O mundo inteiro está cheio de irmãos.

De repente

Até o cósmico Infinito encontro à frente.

 

 

Lonjura

 

Quando a vida se esboroa,

É cada dia maior a lonjura do sonho.

Da praia do estio fica a côdea da broa,

A picada do mosquito

Para que já nem de unguento disponho,

Contrito.

Saudade na pele

Que nenhum apelo mais impele.

 

 

Adoro

 

Adoro quem se adapta

Porque o par

Não tem

Algo para lhe dar.

 

É quem

Capta

Outra dimensão:

Ícaro mil vezes reboa

E tomba ao chão,

Até que hoje, milénios depois,

Voa.

- Quem se adapta vislumbrou outros arrebóis:

No outro ecoa

A luz dos vindoiros sóis.