POEMAS IRREGULARES
Fácil
É tão fácil ser a vítima,
A deixar-me ir e morrer!
Morte legítima
De quenquer...
Ora, há muito quem passe, esquivo,
A vida inteira a morrer.
Contudo, que motivo
Dali vem
Para alguém
Continuar vivo?
Importa
Pouco importa o tempo que nos resta,
O que importa é estar presente
Neste momento, no da frente...
O antes, o depois? Nada aí presta:
Nenhum dos dois
Na mão me resta.
Quem para o sonho, pois,
Disponível se apresta?
Como espreitar os arrebóis
Senão do presente pela fresta?
Abrir
Tens de procurar
Muito tempo e com afinco
Até encontrar
Do amor o vinco.
Às vezes, porém,
É simples e sem abrolhos:
A gente só tem
De abrir os olhos:
Está mesmo ali
À frente e eu não o vi!
Aparência
A aparência física não tem peso.
Contudo, tem.
Não voto quem é feio ao desprezo.
Porém,
Quem me atrai
É a formosura que se esvai.
Sobre esta pedra angular
É que erguemos monumentos sem par.
Tem de ficar subterrânea,
Por detrás,
Mas é o que a cizânia
Das searas da vida nos desfaz.
Ignores
Não ignores que todos erramos.
Mesmo quem colher a flor
Única de teu amor
Pode falhar, cair dos ramos.
Pode trepar ao pico do cerro
Onde nada cresce,
Um eventual erro
Que te não desvanece.
Todavia, se o amor é forte,
Volta a encontrar, algures por ali,
O caminho do norte
Até ti.
Livro
Deveras sozinho
Enquanto tiver
Um livro para ler
E o leia?!...
Nem um bocadinho,
Nem sequer
Volta e meia:
Tenho ali a vida inteira
Com que conviver
À minha beira.
Mantém-nos
Por maior
Que seja o terror,
A fé
Mantém-nos de pé
A impelir a gente
Para a frente,
A incendiar o íntimo de alma
Dum fogo que, no fundo, acalma.
Palha
Alegre e superior,
O que nunca foi derrotado
É da verdade senhor
A que nem palha houver dado.
Sempre ao lado do mais forte,
Eis a hiena
Que os restos come, por norte,
Do leão que ela condena.
Impõe aos filhos:
“Não te envolvas em conflitos,
Que só perdes nos sarilhos
Dos atritos.
Se as dúvidas guardas contigo,
De problemas ficas a abrigo.
Se te agridem, não te ofendas
Nem respondas ao ataque:
A vida paga com rendas
Quem sabe aguentar o baque.”
Na solidão da noite
Enfrenta a batalha
Do sonho que nunca acoite,
Da injustiça a que não valha,
Da cobardia disfarçada
A cada jornada
(Que outrem engana
Mas no íntimo o dana),
Do amor que lhe cruzou em frente
E nunca se encorajou a abordar...
“Amanhã será diferente!”
Mas quando amanhã chegar,
Logo lhe paralisa a jornada
A pergunta fatal:
- E se tudo correr mal?
Então nunca fará nada.
Abençoado
Abençoado o que não teme
A solidão,
Que não treme
Ante a própria companhia,
Não busca desesperado, em vão,
Outra via
Para se ocupar,
Divertir,
Julgar...
- Para dele próprio fugir.
Coxeia
Ai de quem coxeia toda a vida
A dizer:
- Não tive oportunidade...
Afoga no poço de não ser
Com a irreprimida
Incapacidade,
Até já nem ter energia
De trepar à luz do dia.
Por cima da cabeça ela lhe brilha,
Dela, porém, não partilha.
Bendito o que confessar:
- Não tenho coragem.
Entendeu que não é de culpar
Outrem na triagem.
Um dia há-de encontrar
A fé requerida
Para enfrentar
A solidão dos mistérios da vida.
E, quem sabe,
Os desvendar
Com uma coragem que nunca acabe.
Solidão
Quem não se assusta
Com a solidão, o revelador
Dos mistérios,
Ganha à justa
O sabor
Do criador
De impérios.
Descobrirá o amor
A germinar despercebido.
Respeitará o que partiu,
Perdido
Do que um dia prometeu.
Saberá decidir:
Vale a pena pedir
Que regresse
Ou antes permitir
A cada um seguir
Pela via que melhor o tece?
Ensina
Ensina a solidão
Que nem sempre falha a generosidade
Ao impor o “não”:
Quantas vezes é a prenda da verdade!
E, ao invés,
O “sim” que nada mude,
Talvez
Nem sempre seja uma virtude...
Demónio
Que ao solitário não assuste
Do demónio a pretensão:
“Andas a perder tempo para o ajuste
Da vida a ter à mão.”
Ou então a deselegância
Do desdém:
“Não tens mesmo importância
Para ninguém.”
Meu imo fala quando com outrem falo
Mas também
Quando na solidão me calo.
E é uma bênção então
A solidão.
A Luz ilumina tudo
Em redor.
Já não me iludo:
Sou imprescindível seja no que for
A que me grudo,
A minha presença
É a diferença.
O Universo caminha
Através da minha vinha.
Nesta harmonia recebo
Infinitamente mais do que concebo.
O que recito
É uma ponta, minúscula embora, do Infinito.
Oprimido
Oprimido pela solidão?
Repara então:
Viverás fatalmente sozinho
Os instantes
Mais importantes
Da vida que te adivinho.
Logo no acto de nascer:
Esteja lá quem estiver
Viver ou não
É do bebé a decisão.
Podemos todos ajudar
Mas é dele o acto singular.
É como o artista
Perante a obra:
Tem de escutar solitário a pista
Que perante ele se desdobra,
Ao inefável eco dos banjos
De invisíveis arcanjos.
E perante a morte?
Estaremos sozinhos
No jogo da sorte,
Por mais que rodeados de vizinhos.
O amor é a condição divina,
A solidão, a humana.
Uma à outra se inclina
No convívio de que tudo emana.
Não há conflito
Quando do milagre vivo que em mim concito.
Consigo
Não consigo despertar
Doutrem o amor?
No amor não correspondido
Há o clandestino lugar
De esperar
Que um dia, ao sol-pôr,
Um raio verde troque de sentido,
De súbito tudo ajeite
- E o amor seja aceite.
Meu génio não é reconhecido,
Nem o talento, apreciado
E o sonho é desrespeitado?
A esperança murmura-me ao ouvido
Que, após muita luta,
Tudo muda, fim da disputa.
O desempregado bate à porta.
Se tiver muita paciência,
A persistência
A que se exorta
Uma porta qualquer há-de conseguir
Finalmente lhe abrir.
Acordam
Muitos acordam de manhã
De coração oprimido:
“Sou inútil. Sobrevivido
Tenho por qualquer fortuna vã.
Ninguém vive interessado
De vida no meu traçado.”
O sol brilha,
Têm a família junto,
Mascaram de alegria a trilha,
Que para os mais o assunto
É que detêm
Todo o sonho de bem.
Convictos vivem todos,
Porém,
De que os mais podem passar sem eles e seus modos.
Se jovens demais,
É
que os mais velhos terão
Outra qualquer preocupação.
Se velhos que tais,
É que os jovens não se importam
Com aquilo a que os exortam.
Até há o poeta
Que se não contém,
Atira ao lixo uma resma completa:
“Isto não importa a ninguém...”
Nenhum repara no maior milagre:
- Que a vida, sendo vivos, à vida os consagre!
Empregado
O empregado labora na rotina,
Igual ao dia anterior:
“Pouco importa a minha sina,
Paralela à de quem nada for.
Se doente sem ter alta,
Ninguém dará por minha falta.”
- E nem repara que ele costura a infinita unidade
Do Universo na pequenez que o invade.
Costureira
A costureira apura o vestido
Em cada pormenor
E na festa ninguém toma sentido
Em tal labor,
Tudo são vestidos iguais
A milhões mais.
Pode haver comentários
A vários.
Ao dela, não:
É mais um... E então?
Tudo inútil,
Tudo fútil...
- Nunca descobrirá quão fecundo
Vestiu o mundo.
Jovem
O mais jovem dá conta
De que o mundo vive infectado
De problemas gigantescos
Por todo o lado.
A cada um desmonta
Do sonho nos arabescos.
Ninguém
Se importa então,
Porém,
Com tal opinião.
“Não conheces o mundo.
Ouve os mais velhos
Que te levarão, nos conselhos,
De cada desafio ao fundo.”
Os mais velhos, experientes e maduros,
Aprenderam com a adversidade.
Todavia, na hora dos apuros,
Não ensinam também eles de verdade:
“O mundo mudou,
Requerido é acompanhar
Em pleno voo
E os jovens escutar.”
Dum lado e doutro trancam portas
E as vidas, de vivas, devêm mortas.
Respeito
Sem respeito pela idade
Nem permissão,
Sentir a inutilidade
Corrói o coração.
“Ninguém por ti se interessa,
Tu não és nada,
O planeta ignora a tua peça,
És uma presença esvaziada.”
- Na véstia do mundo perdida,
Ninguém repara: há uma malha caída.
Desespero
No desespero de dar sentido à vida,
Muitos irão
Correr à religião.
Ali devém desmedida
Qualquer finalização:
“Trabalho para Deus.”
- E põem os olhos nos céus...
Primeiro devêm devotos,
Depois missionários,
Por fim, fanáticos.
Não terão mãos, mas cotos
Turiferários
Nos credos práticos.
Nunca entendem que religião
É partilha
De mistérios de íntima revelação,
Não atar a cilha
A qualquer
Irmão
Para o converter.
E que milagre de Deus
É ser, apenas ser
E levar os céus
Por aqui além a acontecer.
Destino
Um dia o destino bate à porta:
Anjo da sorte
Ou anjo da morte?...
Pouco importa:
Não há mais demora,
É agora!
O da morte sempre escutamos,
De medo que nos leve
Em breve.
E de aldeia mudamos,
De hábitos, passeios, de comida,
De atitude prosseguida...
Nunca o logramos convencer
A permitir, porém, por uns instantes
Que continuemos a ser
Como antes.
O anjo da morte é dum só sentido,
Nenhum diálogo é permitido.
Ao anjo da sorte ando sempre, todavia, a perguntar
Onde me quer levar.
À nova vida
É a resposta prometida.
Lembro-me, porém, de que para qualquer problema
Tenho um lema
De saída.
Por muito que demore,
Lutarei por que vigore.
Ante pais, mestres e filhos
Serei o exemplo concreto,
Sejam quais forem os sarilhos,
Do velho caminho que entendo por correcto.
Até meu vizinho me espera capaz
De perseverar,
De contra a adversidade lutar,
Eficaz,
A superar obstáculos,
Do fado de antanho rumo aos pináculos.
E sinto muito orgulho
Do meu comportamento,
Apesar de carcomido do gorgulho
De cada momento.
E muitos me elogiam
Porque a muda não aceito,
Permanecendo no leito
Dos que, lentos, para trás morriam,
Em vez de à vida prestar preito.
E vivo neste engano
Crendo lucrar deste jeito.
E é só dano.
Trilho
O trilho correcto
É o trilho da natureza:
Perene muda em concreto
Como a duna que o deserto preza.
Quem crê que não muda a montanha,
Anda enganado:
O terramoto a ergueu tamanha,
Chuva e vento a trabalham,
Duro fado,
E no-la entalham.
Todo o dia é diferente,
Embora o não veja o olhar da gente.
A montanha se alegra:
“Que bom não ser a mesma,
Que alegria a nova regra
Que me integra,
Embora a passo de lesma!”
Quem crê que as árvores não mudam
Anda enganado:
Nuas de Inverno, vestidas de Verão,
Que as estações lhes acudam
É a norma que seguirão
Por eterno fado.
E até vão além,
Que as aves e o vento, entrementes,
Lhes espalham as sementes
Também.
E as árvores, que alegria!
Julgava cada qual que era só uma
E é uma multidão em romaria
Na festa de vida que ali assuma.
Teme
Quem não teme o anjo da sorte
Entendeu que é de ir em frente,
Forte,
Apesar do medo persistente.
Apesar da recriminação,
Da dúvida, da ameaça... Tudo em vão!
Debate-se com o valor e o preconceito,
Dos que o amam ouve o conselho:
“Toma jeito!
Já tens tudo, de teus pais o amor velho,
De tua mulher o carinho
E o dos filhos a trinar no ninho.
Até o emprego de luzir
Que tanto doeu a conseguir.
Não devenhas estrangeiro
No país do teu dinheiro.”
Apesar de tudo arriscam a primeira pegada,
Ora por curiosidade,
Ora por uma ambição que lhes agrade,
Ora por ânsia pura,
Incontrolada,
De aventura.
E o porvir
Vem das mãos deles a florir.
Curva
A cada curva do caminho
Findo mais amedrontado:
Nunca adivinho
O que me espera do outro lado.
Surpreendo-me, porém, comigo:
Fico mais forte quão mais longe de abrigo
E mais alegre
Quão mais de antanho me desintegre.
Alegria?! Decerto
É porque trilho o caminho certo...
Até o medo me foge
Ao não me importar,
O que leva a que o desaloje
Mais e mais do meu lugar.
Pobre
Pobre do que pensa:
“Não sou belo,
O amor não bateu à minha porta.”
Tal sentença
Não lhe destranca da entrada o tramelo
E finda, da vida na corrente, folha morta.
O amor bateu,
Só que ele, impreparado,
Não abriu:
Não acolheu
O festim que lhe era destinado.
Tentou adornar-se
Quando a figura já lhe estava pronta.
Findou num disfarce
Aquela cabeça tonta.
Imitou os outros da montanha ao vale
Quando o amor queria um original.
Reflectiu a luz vinda de fora
Ignorando a que dentro dele mora.
Perdeu dele o centro
Que apenas lhe vive e se depura
Na fundura
Lá de dentro.
Espalha
Tal como o sol, a vida
Embora aos tropeções,
Espalha a luz devida
Em todas as direcções.
Quando nasço, quero tudo
Concomitantemente,
Sem controlar, contudo,
A energia evanescente.
Ora, se requeiro o fogo,
Os raios do sol terei de unificar
Num ponto, desde logo,
Do mesmo lugar.
É para o fogo de aquecer
Como para o que muda trigo em pão.
Temos de concentrar o poder
Do fogo interior, senão
Nunca mais encontramos o sentido
À vida requerido.
Perguntamos aí aos céus:
“Mas qual
Sentido é que vale?”
Muitos rasgam então os véus,
Desanimados,
Que não há resposta, só traslados.
São os que irão marcar passo na parada,
A cada jornada.
Quando o fim chegar, dirão:
“Que vida curta!
Desperdicei a navegação
Na barca perenemente surta
Num cais que assim foi de perdição.”
Firmes
Se a vontade é cristalina
E o amor, puro,
Então firmes são os passos.
A dúvida inclina
E a tristeza, no apuro,
À fundura dos traços:
Sou mero instrumento
Da cósmica vontade.
Que eu seja o fecundo fermento
Que a massa leveda
E nunca ceda
A trair a íntima luminosidade!
Urgente
Para as palavras escutar
Do amor
É urgente deixar
Que ele se aproxime,
Em mim se venha depor
Até que eu nele de vez me arrime:
Por fim,
O mundo inteiro e eu em mim.
Chega
Quando o amor nos chega perto,
Desatamos a temer
O que tem a nos dizer.
Ando errado e ele anda certo?!
O amor é livre, com voz
Que nos não liga à vontade
Nem ao esforço, por mais atroz
Que seja a freima que nos invade.
Todo o amante sabe disto
Mas não se conforma.
Tento sempre impor-lhe a norma
Com poder, beleza,
Lágrimas, sorrisos e riqueza...
E, quão mais derrotado, mais insisto.
Verdadeiro amor, porém,
Seduz,
Não se deixa seduzir.
Caminha além
Com a candeia da luz
E convida-me a ir.
Transforma
O amor transforma e cura.
Por vezes em armadilhas mortais
Ensarilha quem mais depura,
Quer sempre mais.
Mantém as estrelas no lugar,
Construtivo,
E é devastador a par...
Por que motivo?
Cuidamos
Que o que recebemos
É igual ao que damos.
Daí, de nosso erro os extremos.
Quem ama
À espera de ser amado
Em pilhas acama
A maldição do cuidado.
O amor é dádiva gratuita,
Não troca de mercado
Em que a vantagem é muita
No artigo procurado.
A contradição
Fará o amor crescer:
Os conflitos superados permitir-lhe-ão
Ao nosso lado se manter.
A vida é curta
Para escondermos o importante:
Dizer “amo-te” furta
Às voltas do acaso cada instante.
Não é, porém, de aguardar
A frase de volta.
Amamos por precisar de amar:
Sem amor, a vida finda à solta,
Sem sentido,
O sol deixa de brilhar
E eu findo enoitecido.
Rosa
Sonha a rosa com a abelha
A fazer-lhe companhia
E nem de asa uma centelha
Todo o dia.
Pergunta o sol:
“Fatigada de esperar?”
“Sim, mas se eu fechar
As pétalas ao arrebol,
De vez
Murcharei aqui talvez.”
Quando o amor não aparece,
Continuamos abertos,
À luz que não acontece
Despertos.
Quando a solidão
Esmagar qualquer escudo,
Resistir, então,
É continuar
A amar
Acima de tudo.
Alto
Na vida o mais alto patamar
É o de amar.
Sem ele, o resto vence-o
O silêncio.
É urgente amar, mesmo que isso
Conduza à terra do pior feitiço,
Das lágrimas ao lago
Secreto, misterioso, ao fel de trago em trago.
Falam as lágrimas por si.
Quando cri
Que já chorei quanto era de chorar,
Continuam a jorrar.
Quando acreditei
Que minha vida era um glaciar de dor,
De repente parei
As lágrimas num raio de calor.
É que mantive o coração aberto
Apesar do sofrimento.
Quem partiu não deixou o deserto
Cortado do vento.
Não levou o sol
E deixou trevas:
Retorna perene o arrebol,
Em levas.
Apenas partiu
E o adeus alcança,
Escondida no íntimo seu,
A esperança.
Melhor é amar, de todo o modo, em todo o lado
E ter perdido
Que nunca ter amado,
Que nunca ter vivido.
Mera
O amor é mera palavra
Até ao momento
Em que me lavra,
Me escalavra
Com toda a energia de fermento.
Repentinamente,
Ando a voar com o vento
A espalhar-me pelo mundo inteiro,
Leveiro,
Em semente.
Véspera
Na véspera da morte
Pode não ter utilidade
Mas continua uma sorte
Descobrir vislumbres de verdade
Nalgum discreto transporte
Duma novidade.
E dela a semente
Mesmo após a morte,
Irá seguir em frente.
Mundo fora
A eternidade conta permanentemente
Com outra hora.
Amanhã
Amanhã, pelo alvor,
Irei olhar para o dia
Como o primeiro de minha vida,
Sem lhe impor
A nostalgia
De nenhuma memória delida.
Aí desvendarei o momento
Do deslumbramento.
Recuperar
Irei recuperar o espanto
Da família no meu lar,
Descobrir quanto
Amor entre nós tanto
Andar
E nós, todos distraídos,
Dele a falar sem sentidos.
- Basta um olhar de primeiro dia...
E como nos deslumbraria!
Primeira
Irei acompanhar
A primeira caravana
Que no horizonte aflorar
Sem perguntar
Em que rumo é que se abana.
E deixarei de a seguir
Quando no chão
Florir
Algo a chamar-me a atenção.
Leio no olhar a alegria:
Tudo me fascina de magia!
Hoje
É o primeiro dia
E nunca mais ele me foge.
Tente
Alguém anda a destruir
Uma ponte.
Talvez o tente impedir.
Ou talvez vislumbre, no horizonte,
Que ele, além,
Não tem à espera ninguém.
Ora, então,
É como ele espanta a solidão.
O que era um mal virou bem
Porque olhei um pouco além.
Pequenos
Olharei, deveras olharei
Os pequenos nadas
A que me habituei,
Ignorando as magias iluminadas
De que no primeiro dia os rodeei.
Como a duna do deserto
Movida com energia
Para longe, para perto,
Que entender nem tento,
Pois nunca a compreenderia,
Que não consigo ver o vento.
Espreitarei por trás da rotina:
Irei ver o que a ilumina.
Vestir
Quando vestir minha camisa
Useira e vezeira,
Vou-lhe olhar para os pontos que utiliza
Pela vez primeira,
De tal maneira
Que vislumbre a mão
Que lhe teceu o algodão
E o rio onde germinou a fibra
Que nela vibra.
Todo este mundo invisível
É história que desliza
Até mim,
Indefectível,
Pela minha camisa
De cotim.
Tudo a que andar habituado,
Como o sapato que me prolonga o pé,
Quase o não vendo eu como alheio dado,
Repentinamente é
Um alerta
Para o mistério da descoberta.
Como caminho rumo ao porvir,
Ajuda-me este trampolim
Do passado persistentemente a provir
Generoso até mim.
Tudo
Que tudo o que minha mão tocar,
Meus olhos virem,
Minha boca provar,
Meus ouvidos ouvirem,
Seja diferente, outro sinal,
Embora continue igual.
Então, de ser naturezas mortas deixarão,
Passando a explicar-me
Porque vão
Há tanto tempo comigo.
Manifestarão
O milagre de encantar-me,
Do reencontro ao abrigo
Com a emoção
Que a perder-se, desgastada, se inclina
Por mor da rotina.
Provarei
Provarei o chá
Que nunca bebi
Da banda de lá
Porque tão mau mo disseram
Que meus pés nunca correram
Por ali.
Palmilharei a rua
Onde nunca respirei
Porque ma contaram tão nua
Que nada de valor encontrarei.
Então, em cada rumo, em cada lugar,
Descobrirei
Se quererei
Lá voltar.
Apenas assim
Serei eu em mim.
Tentam
Pelas alturas
Voga o céu
A que mil teorias inseguras
Tentam erguer o véu.
Apagarei quanto aprendi
Das estrelas
Para ver infindos anjos por ali,
Biliões de crianças,
Ou então caravelas
Na esteira das índias que nunca alcanças.
Ou as migalhas do vento
Do pensamento.
As eras germinaram argumentos
Sidéreos.
Meu imo, todavia, digere apenas alimentos
De mistérios.
O trovão é um deus enraivecido,
O raio, a chibata de zangado
E a chuva, o choro arrependido
A tratar-me do campo e do gado.
A fantasia é mais curiosa,
Aterradora, interessante
Do que a glosa
Do sábio que eu tiver diante.
Mergulhemos
Mergulhemos no caminho
Perigoso da entrega.
É o único que adivinho
Que comigo,
Contigo,
Connosco, enfim, nos congrega.
Único a ser percorrido,
É o que nos trará sentido.
É o rumo das transformações,
Fermentações,
Revoluções
Por dentro de cada um e, em cada par, de ambos.
Não temos nada a perder
Nos escambos.
Iremos aceder
Ao amor completo,
A porta ao abrir
Que o corpo ao espírito nos unir:
Voaremos para além de todo o tecto.
Ignoremos
Ignoremos que nos ensinaram
Que dar é nobre,
Receber é humilhante,
Que é de pobre
Rastejante,
Dos que do chão inda mal se levantaram.
Para a maioria,
Generosidade é dar.
Receber, todavia,
É por igual melodia
De amor a par:
Deixar
Que outrem me torne feliz
É feliz também tornar
Outrem de raiz.
Verdadeira generosidade
É a que cultive
Comum reciprocidade.
Aí é que cada um deveras vive:
Já o Infinito a dar e a receber,
Colher a colher.
Lama
A boa intenção
Não basta.
Só dela a concretização
Nos não empasta
De lama o chão.
Só crer, parado,
Nunca salvou ninguém
Do inferno à medida talhado
Que lhe advém.
Contorna
A amizade
Tem dum rio
A qualidade:
Contorna pedras, num desvio,
Ao vale e à montanha
Modela-se, um trilho ganha,
Às vezes devém um lago
Até que transborda do afago
E então, devagarinho,
Retoma grácil o caminho.
Diversa
Elegância não é questão de gosto.
Cada cultura tem a própria forma
De ver da beleza o rosto
Diversa doutras, por norma
E é um modelo de alguma forma imposto.
Há, porém, pontos comuns
Que demonstram a elegância:
Respeito, hospitalidade
São alguns,
Na realidade
Pertença de qualquer lugar, distância...
Delicadeza de gestos
Acompanha os mais aprestos.
E esta campina arroteada em comum
É elegante em cada um.
Irradiando
Todos caminham com elegância
Irradiando luz em redor
Quando os trilhos desbravam da instância
Que escolheram por amor.
Passo firme, olhar incisivo,
Movimento belo,
No difícil momento decisivo,
Nem o inimigo logra o atropelo
Discernir-lhe duma fraqueza,
Que a elegância o embeleza
E do trono régio
Protege-o.
Manifesta
O labor
Manifesta, sem enganos,
O amor
Que une todos os humanos.
Por mor dele
Verifico, veraz,
Que de viver não sou capaz
Sem o outro, aquele
Que de nós também precisa
Como a ele tudo em nós o divisa.
Após
Um dia, após a desgraça,
O coração do trabalhador,
O do aventureiro descobridor,
Porque tudo passa,
Alcança
A magia
Da confiança
E da alegria.
E de novo é um bandeirante
De tudo o que for distante.
Sucesso
Sucesso não é o alheio
Reconhecimento.
É o efeito do teu plantio cheio
Do fermento
Do amor,
A porejar de teu suor.
Pela altura de colher,
De ti para ti
Poderás dizer:
- Consegui!
Conseguiste teu labor respeitado,
Não por apenas para sobreviver
Ter sido realizado,
Antes por teu amor pelos mais
Demonstrar perene em teus bornais.
Atingiste
Atingiste dar por terminado
O labor principiado,
Apesar de tanta imprevista
Armadilha pelo caminho.
Quando a dificuldade do baldio
Diminuiu teu fervor do plantio,
Chamaste à lista
Da disciplina o ancinho,
A rapar a caruma,
Uma a uma.
Quando a disciplina diluiu, feita melaço,
Em peganhento cansaço,
Usaste o descanso
A programar os degraus
Dum novo lanço,
Para transpor, a seguir,
As alpondras dos vaus
Do porvir.
Paralisar
A derrota
Presente na vida de quem arrisca
Não te paralisou a rota
De quem ganha à mão o que petisca.
Não te prendeste
A cuidar no que perdeste
Quando tiveste uma ideia
Que não furou
Da adversidade a teia
E não operou.
Não paraste no instante da glória,
Que o objectivo pretendido
Ainda, para além da vitória,
Não fora nem será nunca atingido.
Pediste ajuda
Sem te sentir humilhado.
Quando alguém requereu quem lhe acuda,
Acorreste sem te pôr de lado.
Partilhaste quanto havias aprendido
Sem crer revelar qualquer segredo
Nem haver sentido
O medo,
A paralisia do cuidado
De quem por outrem anda a ser usado.
Vitória
A vitória atinge quem
Não perde tempo a comparar
O que opera e tem
Com o que outrem ostentar.
É daquele que tiver por lei
O dia inteiro, do princípio ao fim:
- Darei
O melhor de mim!
Preciso
É preciso ter presente
O objectivo em mente.
À medida que formos progredindo,
De vez em quando é de parar,
A paisagem em redor
Que nos for
Surdindo
A desfrutar.
Cada metro trepado
É um pouco mais de lonjura
Vislumbrado.
Aproveito para descobrir
A figura
No azulíneo delido
Que nem a sonhar pude intuir
E nunca havia percebido.
Patim
No patim de progredir
É de reflectir.
Meu valor anda intacto?
Tento a outrem agradar
Obrando o que esperam de mim,
Ou ando a manifestar
O impacto
Do imo de meu fundo confim?
Procuro deles o pasmo
Ou exprimir meu entusiasmo?
Procuro sucesso a qualquer preço
Ou por meu dia de amor cheio o meço?
Da vitória a medida
Provém deste agoiro:
- Enriquece a vida,
Não os cofres de oiro!
Cortes
Não cortes caminho.
Trilha-o de maneira
Que a cada pegada
Finde mais bem calcada
A carreira
Pela leira
De que me avizinho
E mais bela, no limite da viagem,
A paisagem.
Senhor
Senhor do tempo não tentes ser.
Se os frutos que plantaste
Antes do tempo vais colher,
De verdes não darão prazer
Que baste
A ninguém,
Ao invés do que ao fruto convém.
Se, por medo ou de inseguro,
Tardio o colhes,
No instante da oferenda, em vez de puro,
É podre que o recolhes.
Respeita
O tempo da semeadura
E da colheita.
Espera, então,
Enquanto em ti se apura
O milagre da transformação.
O trigo ainda no forno
Ainda não é pão,
Por mais que do pão tenha o contorno.
Por lindo que seja o tema,
Com a palavra presa na garganta
Ainda não é o poema
Que ali nos canta.
Enquanto o fio não for unido
Pela mão de quem trabalha
Ainda não é, no que nos calha,
Nenhum tecido.
Admiração
No momento da tua partilha
Da amorosa oferenda,
Todos admirarão a maravilha
Que lhes renda.
Que indivíduo – dirão – mais bem realizado!
Todos querem os produtos
Dos campos de vida que ele houver forrageado,
Da mesa dos dias para os condutos.
Tudo penderá do calor
Que irradiar dali o amor.
Ninguém
Ninguém perguntará
Quanto custou atingir
Do amor a sidérea qualidade dos frutos.
Nem há
Como a seguir
No sigilo dos redutos.
Quem com amor laborou
Leva a que a beleza
Do que realizou
Devenha tão intensa, tão surpresa
Que nem sequer, de tão subida,
É dos olhos percebida.
Como o acrobata voa pela altura
Sem tensão,
A vitória, quando toma figura,
É tão natural neste mundo
Que, então,
Não entendo como dela não me inundo.
Trilho
Se alguém ousara perguntar
O trilho ao vitorioso, responderia:
Cuidei desistir, ao ver tudo a me contrariar,
Cuidei que Deus já me não ouvia,
Tive de mudar de rumo muita vez,
Outras abandonei o caminho...
Mas voltei, teimoso e cortês,
Ave sempre em busca do ninho,
Escolha convencida
De não haver outra maneira
De arrotear a leira
De minha vida.
Aprendi a intuir
Que pontes cruzar, persistente,
E que pontes destruir
Definitivamente.
- Eis como ele resumiria
O lado negro da magia.
Sou
Eu sou toda a gente,
Do famoso ao ignoto,
O do píncaro ingente
E o da humílima semente,
O que corta como de navalha o fio,
O de pé boto,
- Sou todos no comum navio,
Tempo além a todo o pano,
Ao acerto e ao engano.
Mais célebres uns
De fama merecida
Que é vaidade ou ambição doutros alguns
Que o tempo findará por pôr delida.
Tenho, todavia, uma vida,
Contra pérfidos zunzuns,
Bem sucedida
E, por mor da íntima bússola, capaz.
Eis como minha noite é uma noite dormida
De coração em paz.
Apesar
Vamos em frente,
Apesar de todo o medo,
Acolhendo o inexplicável, embora toda a gente
Creia urgente,
Tarde ou cedo,
Tudo explicar e conhecer,
Sem o Todo reconhecer
(De ingénuo o credo)
Que nunca nos irá ocorrer.
Força
A força do amor
Reside nas contradições.
O amor é preservado, renova o calor
Porque muda, aos tropeções,
Não porque permanece estável,
Sem desafios.
Ou é renovável
Ou estancam-se-lhe os rios.
Caminhemos
Quando a perna fatigar,
Caminhemos, então,
Com a energia do coração.
Quando o coração falhar,
Caminhemos a pé
Com a energia da fé.
- Sempre em frente,
Que a vida é urgente!
Grão
Em cada grão de areia
Da praia ou do deserto
O diverso ameia
E aí desperto:
Encoraja-me a acolher-me como sou.
Não há dois grãos iguais na terra inteira
Como não há dois humanos
A pensar e a agir, sem danos,
De igual maneira.
- Então, por mim além é assim que vou,
Toda a leira
À descoberta de quem sou.
Fiquemos
Não fiquemos presos
A bens, hábitos, ideias
Que creiamos conhecer,
De tanto com eles conviver,
Ilesos.
São mancheias
De pesos.
Ignoramos do destino
O gume fino.
Antes é de agir
De forma impecável
Toda a virtude a prosseguir,
Amor, ousadia
Estável,
Elegância, amizade todo o dia...
Talvez então a muda
Nunca mais nos desiluda.
Pico
Há muitos caminhos
Até ao pico da montanha.
E de acampamentos quantos ninhos
Para o alpinista que o ganha!
Para atingir nosso fito
Há um único quesito:
Apenas ser percorrido merece
Aquele trilho em que o amor aparece.
Os demais
São todos, para mim, marginais.
Antes
Antes de noutrem despertar o amor,
Que o amor desperte em mim!
Apenas assim,
Acordado o que dentro de mim dorme,
Poderei atrair o calor
Do afecto, entusiasmo e respeito,
Conforme
Aquilo a que cada um for mais atreito.
Então
É que caminharemos de mão na mão.
Urge
Urge distinguir
As lutas que forem minhas
Daquelas a que fui empurrado,
Forçado
A ir,
Suando as estopinhas,
Mais daquelas que o destino traiçoeiro
Me espalhar no carreiro.
Apenas a primeira lista
Mantém a porta de mim pioneira
De mim à vista.
Aí meu norte
Me desafia e é de mim suporte.
Olhos
Quando os olhos se nos abrirem,
Veremos
Que nunca temos
Dois dias iguais.
Todos, ao emergirem,
São tais
Que cada um é um milagre diferente,
Pondo-me a caminhar
Respirar,
Sonhar
Sob o sol inocente.
Eu, do sono erguido,
Sou este inédito milagre
Que, de tão distraído,
Eu nunca, afinal, consagre.
Ouvido
Que meu ouvido logre abrir
À palavra certa
De meus iguais que me desperta
O porvir!
Embora sem lhes pedir
Qualquer conselho
E sem nenhum deles descobrir,
Contra a calma
De minha flébil alma,
Quanto salutar destrambelho
Me vier a induzir,
Numa qualquer ladeira morta
Abriu-me, afinal, à vida a porta.
Boca
Minha boca ao abrir,
Não fale só língua de gente
Mas de anjos também, a retinir,
Premente:
- O milagre não ocorre
Contra a lei da natureza,
Senão a natureza morre,
Lesa.
Pensamos desta maneira
Por ignorar
Na natureza a regra da leira
Que ela fecundar.
Fica sempre indefinidamente além
Do que qualquer conhecimento
Dela atinge e retém,
Em qualquer era, em qualquer momento.
Pequenos
Pai,
O milagre nosso de cada dia
Hoje nos dai
E perdoai
Se não somos capazes de reconhecer
Disto a magia
Sempre nem nunca sequer.
Somos mesmo pequenos demais
Para tamanhos tais.
Controlar
Não podendo controlar o tempo de Deus,
A ansiedade
É parte dos apetrechos meus.
Aquilo por que espero
Quem a adiá-lo me persuade?
Não, sempre no imediato o quero!
E o que me causar pavor?
Fora!
Nem um instante lhe irei impor
De demora.
Ansiedade é uma pedra angular
Do animal em mim a respirar.
Desde
Desde a infância
Até me tornar à morte indiferente,
Vivo em ânsia
Premente.
Quando me conecto, intenso,
Com o presente,
Espero tenso
O que aí vem,
Algo ou alguém.
Como é que um apaixonado coração
Pode findar tranquilo,
Contemplando o silêncio da criação,
Livre do medo, da tensão,
De mil perguntas sem resposta no sigilo?
Ansiedade é parte do amor
E não pode o feitiço
Ser culpado, em seu teor,
Por isso.
Investiu
Como é que alguém
Não findará preocupado
Se investiu toda a vida e todo o bem
Por um sonho além
E não vê o resultado?
Não pode o agricultor
Acelerar as estações
Para colher dos frutos o sabor
Que plantou com orações,
Mas impaciente espreita
A vinda do Outono e da colheita.
Como pedir a um guerreiro,
Mesmo o que meio mundo abate,
Que ansioso não finde por inteiro
Antes dum combate?
Treinando
Treinando embora até à exaustão,
Dando embora o melhor de si,
Crendo estar bem preparado,
Então,
Teme ainda que o resultado,
Ali,
Finde para além
De toda a energia que um homem tem.
A ansiedade germina com o homem.
Não podendo eliminá-la
(Todos com ela se consomem),
Teremos de geri-la e dominá-la,
Aprender
Com ela a conviver
Como, desde há muitas idades,
Aprendemos com as tempestades.
Entregue
O que auguro
Com certeza
Do futuro
Entregue à sorte
- É a morte.
A tudo e todos nos preza
E pode chegar
Sem avisar
A qualquer momento:
“Vais ter de me acompanhar,
Findou-te o alento.”
Por muito que não me apeteça,
Não há esquiva
Para que não apareça,
Furtiva.
Então,
A maior tristeza
E a maior alegria
É a questão:
- Amei o bastante em cada dia,
Do amor presa,
Ou de água enlameada pelo chão
Perdi-me na fantasia?
Milagre
Ama,
Não apenas com o amor de alguém
Mas também
Com o do milagre que se acama,
Com vitórias e derrotas,
Nas desvairadas rotas
De cada dia
Que nos foi dado costurar,
Em prol da harmonia
Duma Terra aqui a se desmoronar.
Ama todo e qualquer variegado caminho
Do pão e do vinho.
Imo
Meu imo tem um quádruplo pilar:
Amor, morte, tempo e poder.
Urge amar
Todos e quenquer,
Já que somos amados pelos céus,
Crentes ou incréus.
Compreender a morte,
Em seguida,
Não é por mor do corte,
É para entender a vida.
Lutar para crescer
Não é por mais poder
Que, a não ser para aquilo,
Nem vale a pena sequer
Persegui-lo.
Minha interioridade,
Embora eterna,
Mora presa, nesta idade,
Do tempo na teia
Donde ameia
Aos céus na lonjura superna.
Quatro pedras angulares
Por onde ao Infinito trepares.
Sonho
O sonho que no íntimo me desperta
Não vem do nada, alguém mo pôs ali.
Puro amor de porta incerta,
Quer cada um feliz em si.
Deu-me o desejo
E a ferramenta, a par,
Com o ensejo
De o realizar.
No difícil período, repara:
Perdeste mil batalhas por aí
Mas sobreviveste, com uma ou outra escara,
Estás aqui.
Eis a vitória. Celebra a alegria
Perante toda a gente,
A tua eterna magia
De seguir em frente.
Derrama
Derrama teu generoso amor
Pela pastagem e a campina,
Pelas vias da metrópole, ao suor,
Pelo deserto de má sina.
Cuida do pobre
De bens de fora e de dentro,
Que ele para ali na valeta sobre
Para que me não distraia,
Que de amor também o cobre
Minha raia.
Cuida do rico
Que de tudo e todos desconfia,
De celeiro a abarrotar até ao pico,
De cofre tão cheio que nem fecharia
E que, por maior que seja a mão,
Nunca logra afastar a solidão.
Vazio coração traído
Que em vão
Tenta encher de todo aquele rasquido.
Nunca percas uma oportunidade
Do amor para a variedade.
E cuida sobretudo
Dos que mais próximos te são,
Do graúdo ao miúdo,
Que aí mais cautelosa é nossa aproximação
Por temermos, mais intimamente desnudados,
Ser por eles magoados.
Redor
Ama, que és o primeiro
Dali a beneficiar:
Em redor vai-te o mundo compensar,
Pioneiro.
Embora a ti próprio digas,
Aventureiro
A furar pelo meio das intrigas:
“Eles nunca lograrão entender
O amor que por eles tiver.”
O amor nunca precisa
De ser entendido.
É uma brisa
Que desliza
Por dentro de cada sentido
Do acto praticado.
O amor só precisa
De ser demonstrado.
Meu futuro
É no meu poder de amar que o inauguro.
Retorna
O filho que partiu
Retorna no tempo devido
Com a experiência que adquiriu,
Com quanto cresceu
Pelo caminho percorrido.
Todos o festejarão,
Seja ele o pródigo que retorna,
Arrependido,
Seja, em contramão,
O que partiu à jorna
Para atar da vida o fio partido.
E todos de novo atados
Se alegrarão
De braços dados.
É que todo o que andava perdido
Ei-lo ali, em todos eles reencontrados.
Vero
O vero sábio não lamenta
Vivos nem mortos.
Acolhe o combate que não acalenta
Dos trilhos tortos
Que o mundo lhe inventa,
Pois somos faúlhas de eterno:
Elas nos colocam em conjunturas
De que teremos de enfrentar as loucuras
E o fermento terno.
A sabedoria
Sem isto nem existiria.
A pergunta inútil
Esquece.
É um guerreiro: tudo o que é fútil
Varre da messe,
Senão dele em nenhum anexo
Teria até de guerreiro o reflexo.
És
És um guerreiro
Da vida no campo de batalha.
Cumpre teu destino
Como teu destino te calha,
Entrega-te por inteiro!
Canta teu hino
Às claras ou clandestino!
Não cuides que podes matar ou morrer:
O raio divino
De teu ser
Não pode ser destruído,
Muda de forma,
Perenemente a cumprir o sentido
Que cumpriu como terrena norma.
Acolhe o desígnio superior
E corre em frente.
A luta terrena não define o senhor
Nem o dependente.
O vento muda de direcção
E tudo varre no turbilhão,
A nada monta o que a sorte nos ajeite,
Mas o que com honra for aceite.
O corpo pouco importa.
O que conta é o grito
Do imo atrás da porta
Do Infinito.
Face
Ninguém pode evitar
Quem o trair e caluniar.
Todos, todavia, podem o mal
Afastar
Antes que a vera face no dia intercale:
O trejeito em demasia gentil
Já o punhal escondido
Entremostra que o perfile
Pronto a ser brandido.
Resume-a
A vida resume-a um pormenor:
Uma abelha
A voar de flor em flor.
É a maravilha que espelha:
O pólen, a geleia, o mel.
Mas é mais: sem ela a vida
Se afundaria em tropel.
Ao tudo polinizar,
Nos alimenta da maior parte da comida
E vai desmultiplicar
Milhões de formas de vida renascida,
Semente a semente.
Como sem ela diferente
Seria o mundo,
Sem harmónicos zumbidos, silente.
Decerto,
De tão infecundo,
Bem próximo do deserto!
Sombra
A família
É minha sombra em dia de sol,
Atrás de mim sempre em vigília,
À medida que corro rumo ao arrebol.
Em espírito me segue,
Esteja eu onde estiver,
Persiga meu pé o que persegue,
Faça o que fizer.
Sempre comigo,
Sou eu além de mim
Em tudo o que persigo,
Assim.
Acreditar
Acreditar no destino
Resigna os destituídos
E compraz aos poderosos.
É um hino
Aos demitidos
E aos gananciosos.
No fim,
Divide-nos a todos de todos,
Assim.
E rouba-nos da vida o melhor dos bodos:
Sermos, uns dos outros para o sonho,
O melhor dos engodos
De que disponho.
Escolhes
Não és tu que escolhes o momento
Conveniente,
O momento é que te escolhe a ti.
Ou o agarras, presente,
Quando perpassar por aí,
Ou viverás no tormento
De a oportunidade ter deixado
Passar-te ao lado.
Provavelmente, em seguida,
Para o resto da tua vida.
Queremos
Todos queremos ser o primeiro,
Celebrado pela grandeza,
Cabeça do desfile,
O pioneiro
Que se preza
De ganhar mil sobre mil
Na fortuna, no saber, na beleza...
O narcisismo
Do egoísmo.
Melhor era se isso
Alguma vez for
Primeiro no serviço,
Primeiro no amor.
É pegar no mais baixo de mim,
Elevá-lo até ao meu cume,
Assim,
Que me resume
A lonjura
A que o Infinito me procura.
Emoções
Quer goste, quer não goste,
Todos somos afectados
Por emoções, não por factos.
Que no melhor, não no pior delas aposte
Com os melhores anjos dentro de nós mobilizados
Pela razão e actos sensatos,
A agir e falar verdade
- Eis o que por fim persuade.
Fazem-no sem emoção
Onde aquilo viste?
Não tocando o coração,
Não tem voz,
Não existe em nós,
- Não existe.
Fatalismo
O passado
É inércia, fatalismo e medo
Bem pesado.
O presente é a hora do credo:
Por mais que seja louco,
Permite progredir sempre mais um pouco.
E quantos loucos bons requer o presente
Para ir bem em frente!
Caminhar
Não podemos caminhar sozinhos
Vida além.
E, ao caminhar, temos também
De nos comprometer, mapeando os ninhos,
A marchar sempre em frente,
Por terrenos embora maninhos.
Nenhum trilho pode, capaz,
Voltar para trás.
Ligação
Há uma ligação directa
Entre fazer o que for de fazer
E atingir a meta
Que o desejo pretender.
Não é o extasiado do monte Tabor,
No píncaro a montar a tenda,
Nem o da colina da Ascensão, a pôr
Os olhos no azulíneo celestial que o prenda
Os que algum dia atingirão
O fascínio da ressurreição.
É o que descer do monte e da colina,
A mudar imparavelmente para melhor
Do mundo a sina.
Certeza
Da vida por que somos responsáveis,
Uma certeza é o único elemento
Seguro entre mil incontroláveis:
A qualquer momento
De qualquer dia,
Algures alguém, mesmo com mágoas
E em agonia,
Findará caindo às águas.
E teremos de tapar a fenda no barco
Antes de nos afundarmos no charco.
Democracia
A democracia, onde exista,
É uma alternância salvadora
Entre períodos de muda progressista
E de contenção conservadora.
É o que permite evitar a explosão
De qualquer revolução:
Tem a escapatória pronta
Ao que não for tido em conta.
Ninguém precisa de pegar em armas:
Basta o voto e o que for cristalizado desarmas.
Expectativas
Altas expectativas sobre alguém
São uma maldição.
Significam também
A desilusão
No fim,
Quando a frustração
Do sonho
Revelar o insignificante confim
De que disponho:
Eu por mim
Não sou nada
Perante o infindo céu
Entrevisto na jornada
Por quem, iludido, comigo o comprometeu.
Elevar
Elevar expectativas
Logo as condena ao fracasso:
O mundo em que vivas
Risca-as dum traço.
Que é que importa descrever
O mundo como deveria ser
Se a freima para o conseguir
Não basta para o atingir?
Os ideais são a maneira pretensiosa
E paliativa
De combater o desespero que nos coza
Em fornalha viva,
Nem as carências básicas conseguindo
Ir atingindo,
No ciclo eterno do medo e fome,
Domínio e fraqueza que nos tome.
Talvez...
Todavia, Ícaro, que tanta vez
Derreteu as asas de cera ao voar ao sol,
Afinal, milhares de anos depois,
Voa hoje seguro em qualquer arrebol,
Na Terra, até à Lua ou Marte,
Do Cosmos rumo a qualquer parte
Que com ele bole.
É só reparar
Que a linha do horizonte
Com que me limito
Antes me vem ofertar
A ponte
Para o Infinito.
E que meu tempo de vida
É mera faísca transitória
A atirar-me, desmedida,
Da Eternidade à glória.
Agente
Do agente secreto não é por mor
Do sigilo.
Por vezes, o mais importante labor
Duma vida
É aquilo
Em que ninguém repara, em seguida.
Pode até à eternidade
Ninguém reparar,
Mas, se de alguém for
O labor
Duma vida de verdade,
O que anda é Eternidade a semear.
Finalidade
De tudo a finalidade
É isto:
A rara oportunidade
Reservada a cada um
De conduzir a História,
Pelas atitudes que revisto,
Pelos actos em que insisto,
Para o rumo melhor – o rumo em comum,
Inserido na memória
Do Universo
Como o meu pequenino verso
Que cantado será para a eternidade,
Do Cosmos em cada inúmera idade.
- Vírus insignificante que sou,
Que astronómico é meu voo!
Reconhecida
Ser conhecido, ser ouvido,
Ver a própria identidade
Reconhecida e valorizada
É um desejo prosseguido
Pela generalidade
De quem vai nesta jornada,
Indivíduo, comunidade,
Povo, país – toda inteira a Humanidade.
Quem a isto responder
Vai, em reciprocidade,
Igual trato receber.
Mais um recanto do amor
Que a vida inteira,
De todos na jeira,
Nos anda a propor.
Realidades
Ser amado e servir o amor
São realidades diferentes
Como é diferente o teor
De corresponder ou não ao amor
Que sentes.
Divergentes percepções
Ditam atitudes divergentes
E subjazem à maioria das contradições
Na vida presentes.
Então, o diálogo apenas
Logra superar as infaustas cenas.
O facto
Pode ser o mesmo,
Em cada um o impacto
Varia a esmo.
Mormente
Aceitar,
Mormente quando não concordo,
Leva-me por trás a não respeitar
Com quem amo o mútuo acordo?
Respeitar
É querer que o mais e melhor possível
Quem amo seja no que visar,
Por mais que para mim não fora credível.
Quero que quem amo seja o que deveras for.
Nunca irei mudá-lo
Para torná-lo do teor
De meu regalo.
Tendo
Tendo a perder o respeito,
Ao correr da jornada,
Por aqueles que tomo a peito
Em cada empreitada.
E tanto mais, a par,
Quanto mais do mesmo lar.
O convívio,
Com os mais ao identificar-me,
Tende a levar-me ao oblívio...
- Portanto, alarme!
Nenhum deles sou eu.
Porquê reduzi-los a um projecto
Que é só meu,
Embora sob o mesmo tecto?
Desisto
Quando desisto de querer
Outrem mudar
É que o posso amar
Sem uma condição qualquer.
E o amor incondicional
Que ali concito
É que vai tornando real
O Infinito.
Principia
O amor principia aqui,
Quando quero
Para ti
O que para mim pondero.
Irá mais longe, porém,
Quando quero para ti
O melhor que de ti provém
E te advém,
Nem que em mim o não veja aqui.
A vai mesmo até ao fim
Quando a mim já me nem vejas
Porque te desejo assim
Aquilo que da fundura a ti desejas.
É o sinal
Do destino
Final:
- É o amor divino.
Medo
Mais vulgar
Do que cuidamos
É o medo de amar,
Provindo de muitos ramos
A par.
O meu nascimento
Foi vivido, na hora nervosa,
Como sofrimento
Ou vivência maravilhosa?
Num dos lados logo aqui
O medo surpreendi.
E de meus pais a solicitude
Que mal entendo
É de amor uma atitude
Ou dele a falta que ando lendo?
E, se andar apaixonado
E não for correspondido,
A minha chaga do lado
Lembra-me de andar dorido.
E se for correspondido
E depois o amor findar?
Ao amor como ligar
Lembrando o que houver sofrido?
Se o hábito for fugir
À dor,
Por mais amor que sentir,
Findo sempre a me escapulir
Do amor.
Hábito
Como vive fechado ao amor
Como um hábito normal,
Nem imagina
Quanto perde nesta sina
De paz, de alegria, de calor
Que lhe destina,
Afinal,
O amor incondicional.
Identifico
Quando me identifico com alguém
A ponto de eu sermos nós,
Se a ruptura por fim advém,
Não findo apenas no mundo a sós,
Perco de vez a identidade,
Não existo mais de verdade.
Muitas vezes a loucura
É aí que me procura.
Culpa
A culpa é estranha.
Se outrem culpo e a vida inteira
Da armadilha que me apanha,
Nada mudo em minha leira.
E se me culpar a mim?
Posso mudar meu confim
Mas a culpa pesa tanto
Que é mais mudar riso em pranto.
Acolá
Cada um finda onde está.
Aqui
Sangra o corte a bisturi.
Se a muda doutrem me vem,
Nem sou eu nem sou ninguém.
Se vem de mim esmagado,
Ao viver, já estou finado.
Qual a saída?
Se a culpa, quando me invade,
Der responsabilidade,
Tomo em mãos a minha vida,
Lavro o campo com charrua,
Aliso-o com minha grade
E a lavoira em flor estua.
Tomo em mãos o meu destino:
- Não é ter culpa, é ter tino.
Sofre
A ansiedade
Sofre por antecipação:
Perco-me no que em verdade
Nem sequer existe então.
Escapa-me toda a beleza
Minha, doutrem, da natureza...
Ora, toda a vida que me rodeia
É de me maravilhar, de tão cheia.
Vem
O evento,
Agradável ou não,
Vem do passado no vento
Até me findar à mão.
Prepara-me para o que vier a seguir:
O porvir.
Tudo vive interligado,
Não logro pôr-me de lado.
Quando o acolho e por isto me transfiguro,
Trepo ao patim
Seguinte de mim
E salto o muro.
Quando é agradável, que bom!
Quando desagradável, é um desafio,
Todavia não muda de tom,
Mesmo quando é a vida por um fio.
No fim,
Mais forte e melhor
Darei por mim
Quão mais difícil a parada for.
Segredo
O segredo da vida é dar,
Dando-me no que dou:
Dinheiro, tempo, energia,
Amor, carinho, o que calhar...
Por aí, ao mundo inteiro vou,
A par,
Com meu sonho de magia.
Tornando-me um contribuidor,
Torno também
O mundo melhor
Vida além.
É só tomar a decisão
E praticá-la.
Logo o mundo fertiliza e abala
A lava deste vulcão.
No infértil chão,
O cultivo da fértil vala.
Ferramenta
Quando o treino da vida interior
Deixo de operar,
A minha ferramenta melhor
Não sai do lugar.
O meu degrau seguinte
De ser
Perde é mais do que o requinte,
Não irá ocorrer.
Correr
Todo o mundo a correr para os bens
Que o mundo tornarão feliz.
Até o que tens
Chegas a ignorar de raiz!
E, depois de tudo atingido,
Ninguém feliz se há sentido.
E tudo desata de novo a correr
Em busca doutro bem qualquer.
E assim continua permanentemente
A estupidez a comandar toda a gente.
É a armadilha
De crer que há-de ser fora de nós
Que navega a quilha
Do navio que nos há-de,
Após,
Trazer a felicidade.
Aqui
Não vivo aqui no presente,
Antes no mundo do sonho.
Como atingir o que me proponho
Se permanentemente
Me ponho
De mim ausente?
- Aqui apenas e agora
É a minha hora!
Ruído
Vem de dentro a felicidade,
Da paz que em mim encontrar,
Quando o ruído calar
Com que o mundo me invade.
Acolho-me na fundura
Com tudo aquilo que eu for,
Sem desejar outra altura
Nem ter um peso melhor.
Fruo de mim e da vida
Como ela me for servida.
Grato ao Universo
Com que assim me identifico e converso.
Leva-me
Este caminho
Leva-me à paz comigo?
Se não, que outro persigo
Que mal adivinho
E me traz,
Definitiva, a paz?
- Eis o quotidiano carreiro
De me ir tornando mais e mais leveiro.
Cura
A cura é do que for
Curado,
Nunca do curador,
Sempre fora, do outro lado.
Se o curando não se abrir
E o não quiser,
Não há cura a seguir,
Sequer.
É na do corpo assim
E na do íntimo em mim.
Aprendiz
Um lugar
Com muito para ensinar?
Todos o têm, que aprender
É do aprendiz que o quiser.
Tudo depende da atitude
E qualquer parte do mundo
Tem a virtude
De me poder dar aquilo
De que, tranquilo,
Me inundo.
Perdido
Porque ficar tão agarrado
Ao traumático
Passado?
Não é nada prático...
A vida continua
E eu aqui perdido, no meio da rua,
A ver a vida a passar
Sem nela tomar lugar...
A cura é urgente
Ou ainda morro sem devir gente.
Pensamentos
Quando sentimos tristeza,
Estamos atados
Em pensamentos que alimentam tal represa
De cuidados.
Compreendê-lo dá-me a chave
Da comporta
Para que, abrindo-a, a cheia trave
E em paz possa regar a minha horta.
Ao mudar o pensamento,
Mudo em cada leira
O fermento
De que alimento
A vida inteira.
Alimenta
A crença
Alimenta-me o pensamento
Que germina em emoção.
Quando o que crer lavra a sentença
Do tormento
Nas leivas do chão,
Então
É mesmo de perguntar:
Creio certo ou ando a errar?
Uma crença que nos mata
A quem importa,
Se nos ata
Atrás da porta
Da prisão?
Na busca do paraíso,
Tenho ou não
Juízo?
Vir
A felicidade
Nunca pode vir de fora,
Vem da atitude que me persuade
Na hora:
Influi nela a forma como lido
Com o que me vem lá de fora
Até fazer sentido.
Tenho muitos padrões de resposta
Automáticos,
Nem sempre uma boa aposta,
Apenas práticos.
Urge identificá-los,
Para, eventualmente modificados,
Nos conduzirem aos regalos
Sonhados.
Ilha
O pôr-do-sol para contemplar,
Vou à ilha de Luanda
Olhar
Da banda
Do mar.
Claro que o tenho em casa
Mas aqui
Do sol a brasa
Parece que nunca a arder a vi.
Como o hábito nos pui a roupa!
Até a maravilha
Do sol nos não poupa
E, para vê-lo, terei de voltar à ilha.
Recusar
Quem finda maltratado
Ao não haver perdão
Não é o não perdoado,
É quem lho recusar então.
Perdoar não é esquecer
Nem concordar sequer.
É dispor-se a dar a mão
Ao que germinar no coração,
Na fundura de quenquer.
Por mais que tudo o mais condenado
Seja nele por todo o lado.
Injustiça
Perdoar não é esquecer
A injustiça que houver.
É trepar
Ao patamar
Além da justiça que tiver
De se fazer.
É abrir-se disponível
Ao que germinar da fundura,
Do imo ao nível,
Que em lugar de moléstia traga a cura.
Perdoa
Quem não perdoa é que fica
Intoxicado.
O não perdoado
Pode até nem se dar conta
De que se lhe aponta
E aplica
De acusação
Aquela ponta
De negridão.
Código
Ser é amar,
Íntimo código genético.
Mas como é difícil decifrar
O que isto implicar,
O que for ético e não ético!
Andamos sempre a nos baralhar
Num mundo todo ecléctico,
Todo cosmético,
Com a pedra angular
Sempre do alicerce a deslizar.
E a fonte
A chamar
Sempre tão longe no horizonte!
Tende
A vida tende a mudar,
Ao tomar eu consciência
Do meu lugar
E dos motivos da permanência.
Abri o espaço
Para entender o resultado
E mudar para outro lado
Num outro abraço.
Quando não tenho consciência,
Não há lugar à mudança,
Eterna permanência
Na eterna dança.
É o mesmo comportamento,
Então,
Fincado no mesmo pensamento,
Na mesma emoção.
Poderei findar a vida inteira
A justificar os meus desastres
De igual maneira:
Basta não lhes mudar os encastres.
Inviável
Ao tomar consciência de mim
É inviável continuar
A realidade a deturpar,
Na ilusão a viver sem fim:
Ao me não mentir,
Tudo devém má desculpa quando mal agir.
Emoção e pensamento
Que levem a desfavorável
Comportamento
Já não têm cobertura fiável:
Não terei como continuar
A mim próprio a me enganar.
Se continuo,
Sei muito bem
Também
Porque mar fora já não flutuo
Vida além.
Tornar-me
Ao tornar-me consciente
Do que for interiormente,
Devém claro
Que poderei moldar-me diferente,
Ir sendo mais e mais quem sou,
Único e raro,
Vida fora, em meu sobrevoo,
Ao ir em frente.
Terei mais responsabilidade
Como igualmente
Mais capacidade:
- E serei gente!
Irei
Não irei melhorar
A vida,
Mesmo quando o puder
Obrar?
Só desculpas encontrar,
É como irei proceder
Muitas vezes, em seguida.
Quando, por mor da desculpa, a vida dói,
Urge desmascarar o que a mói,
Romper caminho,
Pique o que picar o tojo que adivinho.
Depois
Poderei tomar consciência
E depois não aceitar
A evidência
Do que andar
Em mim a me bloquear.
Aí então nunca se apura
A minha cura:
Aquilo a que alguém resiste
Persiste.
Quando é mau,
Continua a malhar-lhe o varapau.
Tende
A vida tende a fluir
Para onde meu foco de atenção
A dirigir.
Se forem maçãs vermelhas,
Queira-as ou não,
Logo as celhas
Delas regurgitarão.
Tudo depende
De onde a atenção se prende:
Daqui derivo
A força do pensamento positivo,
- Gera o que quer.
Eis porque terei de trocar
O negativo
Pelo inverso dele que aí tiver
Lugar:
É que eu motivo
A aparecer
Aquilo que eu rejeitar.
O que eu não quiser
É o que tende a ocorrer,
Somente pela razão
De aí focar a atenção.
Terei de me tornar terso
Em concentrar-me no inverso.
Do Cosmos as partículas
Obedecem,
Insignificantes embora, ridículas,
Ao que nossas mentes lhes tecem.
Só não logram distinguir
Se quero ou não o que a mente me atingir.
Cuidado, com todo o esmero,
E atenção:
Nunca direi o que não quero
Mas o que quero em lugar daquilo então.
Tomar
Tomar uma decisão
Indolentemente
É ser tão
Benevolente
Que finda em nada
A decisão tomada.
Então
É a vida apenas frustração.
Mudar
Se quiser mudar de vida,
A decisão tem de ser comprometida.
É a atitude
Que não me ilude,
Sabe que o hábito anterior
Se lhe tentará impor
Mas não desiste,
Persiste
Até o novo rosto
A cada pegada ser imposto.
Nenhuma desculpa é aceitável:
- A viragem é inadiável.
Contra ventos e marés
Rasga em frente
Indiferente
O novo trilho para os pés.
Dirá
Dirá que não consigo
Ou que sou louco
O amigo
Que me sabe a pouco.
Ou que, conhecendo-me de trás,
Nunca serei capaz.
- Importa é que, decidido,
Eu vá por onde para mim fizer sentido.
Boca
Um compromisso
Não é da boca para fora
Ou para calar alguém
Ou para não culpar-me disso.
É, sem demora,
Cumprir o que ao dever convém,
Contra mim próprio até
Manter a decisão de pé.
Aí, sim,
Imponho-me a mim.
E todo o mundo
Me acolhe então, profundo.
Culmina
Decidir
Culmina em agir.
Quem hesita permanentemente
Perde o poder
E mente
A si próprio e a quenquer.
Como num relacionamento,
Quando nunca apuro
Que é o momento
Seguro.
Ou na muda de labor
Quando há contas a pagar
E, afinal, o melhor
É adiar.
Ou no cuido da saúde,
Porque afinal à frente há festa
E é melhor pegar no alaúde
E empanzinar-me do que ali se apresta.
A sério
Não há nisto decisão
Que valha o império
De qualquer acção.
Ainda
Decidir não decidir,
Decidir não agir,
Ainda é decidir,
Ainda é forma de agir.
Cuidado, portanto,
Com a abstenção como manto:
Engano-me bem
Se a sério não reparo nisto também.
Exige
A grande meta
Exige muita passada
Na caminhada
Antes de que, finalmente, a acometa.
Objectivos pequenos.
Intermédios,
Terão de cultivar os acenos
Dos finais, os nédios.
A próxima pegada
É que conta, na estrada.
Se, porém, me perder do final fito,
Perderei em nada o meu grito.
Mudar
Se quiser mudar o resultado,
Mudo a decisão e o acto
Ou o fado
É o transacto.
Se, todavia, dele gosto,
É nele que aposto.
Contudo,
Troco tanto isto
Amiúdo
Que nem sei como resisto.
Peregrinação
Minha peregrinação interior
Requer consistência
A cada jornada.
Ou, à primeira rajada
De vento ou de calor,
Quebro minha persistência
E tudo redunda em nada.
Só prossigo
Da paciência
Ao abrigo
E aí, sim,
Degrau a degrau construo-me a mim.
Repente
De repente dou-me conta,
Decido, actuo.
Consistente de ponta a ponta,
Coerente confluo
Do princípio ao fim
Por dentro de mim
E o mundo fora devém
Meu jardim.
Todavia,
Se a consistência não mantiver
Tempo além
E me contradisser
Noutro dia,
Então nada se mantém.
Findo perdido,
Por minhas contradições destruído.
Resultados
Resultados duradoiros
Requerem agir consistente
Com meus íntimos tesoiros,
Paciente,
Tempo além,
Uma e outra vez também.
Se a paciência na ponte
Não me aguentar do caminho,
Perder-me-ei do horizonte,
Nada mais forjarei no meu cadinho.
Findar
Compreender, decidir
E findar a agir
Não basta.
Tombarei em sofrimento,
Frustrado intento,
Que a vitória é doutra casta.
Terei de manter a acção
Vida fora
A toda a hora
Que dela houver precisão.
Até ao fim,
Até não haver mais chão
Para mim.
Tornando-me
Para me manter
Consistente
Vida fora,
Terei de ser
Persistente
A toda a hora,
O que me requer
Paciente,
Insistente,
Intransigente,
Sem adiamento nem demora,
Tornando-me o ser
Que inauguro
A cada hora
A caminho do futuro.
Devir
Ser consistente
Requer disciplina,
O que me inclina
A devir coerente
Comigo a cada esquina,
Cada dia mais eu
Entre a gente
Que outrora me diluiu.
Disciplina
Disciplina não é dor,
É executar
Custe o que custar.
Então é um acto de amor:
É o respeito por si
De cada um ali.
Quando é requerido das profundezas,
Aí revelas
Quanto a ti
Te prezas.
- Então voas às estrelas!
Imo
Autodisciplina
É agir
Como dever,
Até onde lograr discernir
O que o imo determina
Que deve ser.
Não importa o que diga a tradição,
A rotina,
A lógica da razão,
O que o corpo queira
Ou a emoção inteira...
É agir o que for preciso
Para eu ser eu
Por mim, pelos outros, pela terra e pelo céu
- Até à maior fundura que viso.
Difícil
Se a disciplina é difícil ou não,
Não importa.
O que importa é que a consistência me põe à mão
Um efeito duradoiro.
O hábito então me exorta
A garantir tal tesoiro,
Dada a vantagem de cada vez mais ser eu,
Distinto do rebanho que me confundiu.
Rumo
Disciplinado,
Consistente,
Caminho rumo ao lugar sonhado
Que para mim faz sentido, além à frente
Visado.
Como os mais ou diferente,
É indiferente:
É o caminho que para mim é o adequado.
Repito
Quando repito uma rotina
Consistentemente,
Entra-me na mente
Como sina
Inconsciente
E devém uma diária prática
Automática.
Convém
É vigiar por que seja
O que sempre um bem
Almeja.
Rejeitar
Quem o sonho quiser
E rejeitar o itinerário
Como pode pretender
Abrir o sacrário?
Ligar-me ao sonho
E ao caminho, não,
Aí, do que disponho
É duma ilusão.
O sonho é apaixonante,
O caminho é diferente:
Ir por diante
Apaga o sonho da frente?
É o maior engano
Com que me dano.
Só quando abraçar ambos
Terminam os escambos:
Trilhando o caminho,
Pegada a pegada
Deixo de ser terreno maninho
Em jornada.
Querer
Querer tudo para ontem
Pode matar-me.
Após a sementeira, a paciência
Até que os rebentos apontem
E cresçam sem alarme,
É do sábio a sapiência.
É fora, na natureza,
E dentro de mim igual a presa.
O fruto para que me apresto
Requer tempo para vir
A cair
Aqui dentro do meu cesto.
Quer
Persistência
Quer paciência
Sem abalo.
Senão, um instante
Logo adiante
Perdemos todo o regalo.
- Da vida
É o que rasga ou perde a avenida.
Parte
Desafios
São de qualquer parte do mundo.
Dos meus enredado nos fios,
Nem vejo além da porta do fundo.
Ao abri-la,
Reparo quão maior
É o que no mundo se perfila.
E eu sem o supor,
No meio da irrelevante tropeada
Da minha nesga de estrada!
Interioridades
Não somos corpos vivendo
Uma vida interior,
Antes interioridades tecendo
No domínio exterior,
Físico ou corporal,
Uma teia a dar sinal:
Aqui vim eu, viemos nós
Gravar, por todo o lado, a nossa voz.
E pôr o Cosmos a caminho,
Era a era,
De devir algum dia o nosso ninho,
Numa eterna Primavera.
Perco
Poderei ser muito espiritual
Mas, quando o físico me desafia,
Perco logo o sinal
Da magia.
E baixo a minha fasquia,
Por igual.
É aquilo, todavia, o maior contrafio
À fundura do que em mim espio.
Creio-me
Creio-me por demais espiritual,
Até me provocar lesão.
E então vislumbro mal
Que tudo é um desafio, afinal,
À minha compreensão.
Dei algures por acabado, finito,
O trilho que há-de ser sempre ao infinito.
Até me torno ateu,
Se calhar,
E nem reparo que o defeito é meu,
De tão míope olhar.
E só terei uma solução:
Saltar
Para um mais elevado patamar
Do desvão.
Ou então
Fico aí,
De pés e mãos atados ao chão
Do que não vi.
Obterei
Quando algo entendo,
Então compreendo
E, pondo-me além à procura,
Obterei a cura.
Corporal
Ou espiritual,
O ganho
Trilha o mesmo trilho
E tem o mesmo tamanho
Quando em ambos os domínios por igual
Tal carreiro compartilho.
Terei
Por vezes terei de morrer
Numa qualquer dimensão
Para ressuscitar vir a poder
Noutra qualquer
Então.
Quantas vezes a desgraça
É que me abriu os olhos
Para os refolhos
Do que me ultrapassa!
E só então me dei conta dos escolhos:
Aí as alpondras do vau
Deixaram finalmente de ser mero calhau.
Lógica
A lógica de que disponho
É a da realidade em frente
Onde me deponho
Seguro e contente.
Mas quem me garante
Que não é outro o real
Um pouco mais adiante?
Afinal,
Nada é constante.
Porque que é que isto há-de sê-lo
E não uma qualquer ponta de cabelo
Dum ser tão enorme
Que nada terei que com ele se conforme?
Tudo, afinal, é mistério
Nas profundas do sidéreo.
E é o que mantém a magia
Nas vidas de cada dia.
Mudando
Mudando o significado
Do pior que houver na vida,
O traslado
É um mundo novo em seguida.
Ao mudar a perspectiva
Farei que o que é morto viva.
Ao mudar a atitude,
Muda o comportamento
Que à de outrora se grude,
Sopra na aurora outro vento.
De repente
Até nós somos outra gente.
Portal
A morte que era tragédia,
Olhada por outro lado
É o portal escancarado,
O convite à terra média,
A ponte
Donde fito
O horizonte
Do Infinito.
Pode bem ser surda e muda.
Se me abro
Quando ela acuda,
A ladeira do Infinito já escalavro
E finda a minha vista
Para desvendar a pista
Cada vez bem mais aguda.
De repente,
Até ouço e vejo,
Redivivo e diferente,
O finado que almejo
À minha frente.
Encontro
O labor interior
Importa tanto
Como o exterior,
Se não mais:
Deste o encanto
É do que aquele nos traz.
Só se lhe encontro o sentido
Me entusiasmo, desmedido.
Só se pelos degraus que talho
Fito,
No meu trabalho,
A escadaria do Infinito.
Tanto
Como é que o passado é passado
Se tanto há
Quem viva lá
Aprisionado?
Revivem o que ocorreu
Tal se fora agora
(Pior ainda, a toda a hora)
Que aconteceu.
Não andam conscientes disto
Nem do significado
Em nós gravado
Por cada pedra que calquei de xisto.
Não temos em nós o passado,
Já morreu,
Mas mantemos dele o significado
No íntimo e no gesto meu.
Então,
Quando ele me magoa,
Soa
A falso.
Se nova significação
Lhe atribuo e realço,
De repente,
Na colina
Em frente
Erguida,
Ergo uma nova ermida.
E um novo mundo me destina,
Coerente,
A minha sina.
Mudas
Se dum evento
Mudas o significado,
Mudas dele o pensamento
E o trilho de vida que dele for gerado.
Da realidade muda
A imagem que se te gruda.
E atrás muda o sentimento
E, logo, o comportamento.
E atrás muda a vida inteira...
- Tudo por mor daquela joeira.
Um nada
E, da irrelevante semente,
Ei-la gerada,
A realidade dum mundo diferente.
Diferença
A diferença na vida de alguém
Não é do mentor,
É do aprendiz que vem,
Do que fizer
Com o que aquele lhe vier
Propor.
O treinador
Só treina.
Quem reina
É o jogador.
De que vale o melhor
Conteúdo do mundo
Se por aí ficas,
Se o não praticas
Nem por um segundo?
Morte
A morte é de vida um mestre
De muitos modos,
A fim de que me adestre
Em todos.
A principiar
Por ver quão transitório
É meu lugar.
Que simplório
É de tirano ou tiranete
Basofiar!
E como vida fora se repete
De bobo este topete
Singular!
A morte é nosso índice comum:
Humano, animal e planta,
Tudo o que é vivo,
Nisto somos um.
Mas quanto nos desencanta
Este universal
Arquivo
Final!
Animal
Quando um animal de estimação
É tratado por filho,
A morte, então,
É deveras um sarilho
Por mor do atilho.
Dei-lhe o familiar significado
Vivido,
A chaga do lado
Não há como tê-la doravante removido.
Ainda bem,
Todavia:
Eu e ele somos um também
Na cósmica via.
Apostados
Continuamos na correria
Aquém e além morte, de ambos os lados.
Consolo?
Sim, que mudei de sentido:
Mudei o colorido
Do fio que desenrolo.
Fraco
Todo o mundo quer esquecer
Que irá morrer.
Fraco consolo
De quem é tolo.
Porque é que a saudade
E o vazio
Hão-de ser da morte o fio
Que me persuade?
Porque não a alegria
De correr do outro lado pela via
Que nos liberta
E desperta
Como real toda a alegre fantasia?
A saudade mói,
O vazio destrói...
Mas se for o sonho ultrapassado
Pela magia infinita do outro lado?
Quem irá sentir saudade
Senão de partilhar de tanta hilaridade?
Cara
A morte dói
Como qualquer despedida.
Mas nunca foi
Esta a cara por ela revestida.
O finado continua aqui,
Integrado em corpo e interioridade
No mundo em que com ele evoluí,
Energia personificada da natureza,
Doravante para a eternidade
Ilesa.
Tão convivial
E comunicativo
Como na modalidade
Da vida anterior, afinal,
Que entendi sempre mal
Como único estado vivo.
Forma
Quando a morte é entendida
Como passagem
Para outra forma de viver no mundo,
É assumida
Por viagem
Num roteiro potencialmente fecundo.
São riscos e promessas
Ao vivo,
Nunca ignoradas peças
Dum qualquer morto arquivo
Nada sidéreo,
Mero cemitério.
Entretanto, cada um, finado, anda à volta de mim
E eu a fazer de conta que não é assim.
À partida
E à chegada,
A morte, em vez de sofrida,
Deve ser celebrada.
E sê-lo-á tanto mais
Quanto mais com eles convivermos,
Derribados os portais,
Vendo-os, ouvindo-os, em termos
Iguais
Aos de quando vivos
Nos deram de viver motivos.
A morte é assim:
Um recomeço,
Nunca um fim,
Muito menos um tropeço.
É a porta aberta,
Patente
À Infinita descoberta
Eternamente.
Condenados
Condenados à morte,
Somos todos iguais.
Porquê vivermos doutra sorte
Nas vidas reais?
A morte é perda,
Não poderei ver mais
O finado.
A herança que alguém herda
Nem vagos sinais
Tem
De quem
Algum dia foi porventura amado.
Então, da morte nem falo,
Nem do afecto,
Nem do medo.
Ora, enquanto me calo,
Cai-me a morte do tecto
E já não sucedo:
Não sei lidar com ela,
Trancada a porta e a janela.
Não há como enganar:
Tudo o que é vivo
É igual da morte no patamar
E daqui nunca me esquivo.
E aqui vislumbro a igualdade
Com tudo e todos na última profundidade.
Basta
Para morrer basta andar vivo.
Como aqui estou,
Para ali vou,
Furtivo.
E bem me esquivo
Em cada passo que dou.
Sem particular motivo,
Um dia qualquer
Chega-me o passe
Para o desenlace.
Sem me surpreender,
Mudo de comboio.
Viver, esta vida foi-o
Mas a que vier
Aí é que vai ser!
Durante
Durante a minha vida inteira
Sou, em regra,
Quem mais me maltrata,
Quando a minha peneira
Em mim integra
O que e quem me mata.
Ao mundo advindo,
Por mor destes sinais
Tidos por normais,
Findo
Maltratando todos os mais.
Bela
A vida é bela demais
Para vivê-la em sofrimento.
Vou reencaminhá-la pelos varais
Do comportamento,
Reconvertendo-lhe os sinais,
Aparando o vento,
De modo que todos os moinhos
Moam pão para todos os ninhos.
A vida é bela demais
Para deixá-la afogar-se do mundo pelos canais.
Vitória
A grande vitória financeira
Adrega cobrir o vencedor de vítima
Duma afectiva derrota inteira
Legítima:
Nunca aprendeu
A lição de vazio que aquilo lhe deu.
Nunca um amoroso comportamento
Lhe aflorou vida fora no mar do tormento.
Acaba por se afogar
Num lago de dinheiro
Sem nunca aprender a nadar,
Leveiro,
Rumo à apaixonante Estrela Polar.
E era o amor que, afinal, buscava
Por trás da vida brava.
Mergulhar
Ser feliz
Com o que sou e faço
É de mergulhar até à raiz
O meu traço.
Assim ganharei os desafios
Todos,
Sejam quais forem da vida os rios
E os modos.
Viverei enraizado muito além
Do que convém ou não convém.
Poderá o canavial tergiversar ao vento,
Eu, na raiz, não movo nem a tal me tento.
Dor
A dor dói,
Quando passou, já foi.
O sofrimento,
Porém, é lento.
Mesmo quando o que o motivou
Já passou,
Fica um fermento
A envenenar-me, sem sentido,
Condimento
De mim próprio traído.
Terei de mudar-lhe o significado
Do que o alimentar do meu lado.
Terei de me libertar
Para poder ir onde o sonho me levar.
Estranho
É estranho que o Paraíso
Que viso
Seja afinal aqui, na Terra,
Este momento preciso.
Que é que dele me desterra?
Do lado de Além da vida
Que é que há nele que convida
E eu não logro discernir
Em tudo o que por aqui vir?
É preciso cruzar a morte
Para ter esta sorte?
O Paraíso é aqui.
Que volta terei de dar
Por dentro e fora de mim, a par,
Que o nunca vi?
Servir
Andamos cá para servir a humanidade,
O mundo inteiro,
O Universo.
A principiar, agrade-me ou não me agrade,
Com quem me emparceiro,
Com o lar de que me abeiro,
Com meu berço.
E a findar, de requisito em requisito,
Na altitude
Que me eleve à plenitude,
Aos beirais do Infinito.
Mora
Deus mora dentro de mim
No derradeiro confim.
Não tenho como lá chegar
Mas posso-me aproximar.
É assim
Do princípio até ao fim.
E mesmo Além,
Que ao Infinito o finito não contém.
Mas contém de si a plenitude
Que com ele partilhar a Infinitude.
É do céu
O vislumbre, erguida a ponta do véu.
E é aqui já o fermento
Do deslumbramento.
Instrumento
Sou instrumento do Universo,
Ando aqui para o servir
No verso e no reverso
Que a vida permitir.
Para tornar o incrível
O irrealizável,
Credível
E viável.
Para aceder ao patim
Que concito
No confim
Do Infinito.
Abrir
Ao partilhar,
O que primeiro
Importa
É a outrem chegar,
Para abrir a porta.
Não é nunca lhe despejar
No quinteiro
Os produtos da tua horta.
Senão
Arriscas-te a ficar
Lá fora ao portão.
Na partilha
Segue o teu coração
Ou ainda partes a bilha
Na função
E é um desastre em vez duma maravilha.
Findando
Na vida, os artelhos,
De usados,
Vão findando emperrados.
Há pilotos velhos,
Há pilotos ousados,
Não há velhos pilotos endiabrados.
A sabedoria na velhice
Inibe a tontice.
Mas descansa:
É o que ao tímido dá segurança.
É que nem tudo é mau:
Vira bengala o antigo varapau.
Náufrago
O náufrago, no desespero,
Para atingir um pouco de ar,
Pode para o fundo arrastar
O companheiro
Que o tenta salvar.
É a maior ferida
De qualquer desespero da vida.
Eis porque teremos de evitar,
Por lema,
Qualquer conjuntura extrema.
Casal
O casal que um dia fomos,
De Deus com ajuda,
Já não somos.
E ninguém volta do que o muda.
Do casal que fomos resta alegre memória
E tanta esperança!
Porém, aquela glória
Ninguém mais a alcança.
Mera quimera,
Nada volta ao que era.
Mudaste e mudei.
Há muita espécie de amor:
A ternura com que aqui cheguei
Cola-nos com vigor.
Desistir
Do que já está terminado?!
Então e o que vem a seguir,
O outro lado?
Peito
Só não és o amor de minha vida
Quando não sei se vida ainda tenho
Na corrida
Do que no peito esgadanho.
O pior do amor é ausência,
O vazio
Onde havia permanência,
O frio
Da paisagem cheia de nada
Onde corria, apinhada,
Como um rio,
Uma estrada.
Dói
Nada dói mais
Que o peito vazio,
A falta dos seguros varais
Onde já não me enfio,
Um traço
De oco
Num mero toco
De abraço.
Um abraço sem nada,
Cheio de silêncio por dentro,
A gritar surdo toda a jornada,
Donde mais saio,
Ferido de invisível raio,
Quando mais entro.
Tão longe de mim me atira,
Com esta sina
Em mira
Duma saudade em surdina!
Quem dera um dia sermos nós,
Bem longe da joeira
Destas gavinhas de cipós,
Desta poeira!
Muito
Muito dói
Não haver nada para doer!
Tudo se foi
E nada para sentir sequer...
Sofrimento, medo,
Angústia, fragilidade
- Já foram nosso credo
Noutra idade.
Éramos nós
No mais íntimo, aqui no meio...
Que adveio
Após?
O amor vai-se finando
Quando a partilha,
Murchando,
Transmuda cada um em ilha.
O amor requer
Insistir, procurar, lutar.
Quando a rotina
Gradualmente o elimina,
Logo alija quenquer
Do patamar.
Só de mim, só de nós disponho
Se perenemente alimentar
O sonho.
O amor é o que nos leva a sonhar,
Não o que nos inclina
O sonho a estiolar
Como fatal sina
Que o tempo lhe destina.
Quero
Quero sonhar contigo
Sabendo que aqui estás,
Não apenas a ir estando
Ao abrigo
Dos sofás,
De nada a mando,
A vida preguiçando.
O amor nunca resiste
Ao lento escavacar
Do frágil patamar
Onde persiste.
Quando não for subindo,
Ei-lo então demolindo, demolindo, demolindo...
Quero-te
Quero-te comigo inteira,
Sem meias palavras
Nas lavras
De que a vida nos abeira.
Equilíbrio?
Sim,
Quando não for o ludíbrio
De qualquer fim.
Um amor à custa disto equilibrado
É já finado,
Tão pobrezinho
Que ninguém o já vislumbra no caminho.
O amor desequilibra:
Rumo ao trilho adiante
Vibra
A todo o instante.
O amor nos desordena:
É nisto
Que a madrugada é plena.
Aí é que eu existo!
Procurai
Amai: procurai demais,
Mais eu, mais tu, mais nós,
Cada dia que cruzais
Os lamaçais,
Agarrados do amor aos cipós!
O amor é insaciável,
Nunca perfeito,
Imparável,
Inesgotável,
Incapaz de repouso em nenhum leito.
Tira-me de mim
E a mim me reconduz,
Mais eu neste confim
Onde no cimo
De meu imo
Um pouco mais de alvor reluz.
Todo o amor é atreito
A nunca findar satisfeito.
Quando em mim o concito
E em conformidade com ele
Me incito,
Semeio dentro de minha pele
O Infinito.
Mostra-me
Mostra-me quem sou mais fundo,
Ainda que doa
E me abale.
Como é que de mim me inundo
Se o alarme nunca soa,
Quando tudo em mim me cale?
Aliás, para que serve seja o que for
Se nunca abalar um ror?
Uma vida em desamor dormida
É uma vida perdida.
Volta
Volta, amor,
Para eu poder voltar
A mim, a ti, a nós!
E poder acreditar
No meu fio de retrós,
Cheio de laços e nós,
Onde irei colher o alvor
Para os lados do oriente
Onde espreita o sol nascente.
Tudo, incrível,
Então devirá possível.
Mora
Deus mora no que te amo,
No que em ti amo Deus demora
E assim me tramo
A toda a hora.
Aqui da lonjura o confim
Vislumbro lá no fim.
E eu aqui aperreado
Deste lado!
Encostada
Encostada a teu nome mora a vida,
Nunca a morte.
É uma sorte
Seres a terra prometida.
E abrires-me a teu lado o transporte
Para a ida.
Por ti além lenta me invade
A Eternidade.
Amo-te
Amo-te, é o que interessa
Entre nós.
Ali ato, peça a peça,
Os cipós
Do trilho
Com que me desenvencilho
A seguir-te, após.
O nosso brilho
Ilumina
A sina
Que herdámos dos avós.
E, mais além,
Toda a senda
Que o porvir para nós tem
Por prenda.
E com que, como a ninguém,
Intérmino nos surpreenda.
E em que, sem que nos avise,
Inefável deslize.
Representas
Representas para te livrar de ti,
Contar aos mais o que ignoram que és deveras,
Fazer de conta que não és quem for ali,
Tudo quimeras.
Assim te impedes de te sentir,
Jogo de espelhos,
E tu a fugir
Pelos quelhos.
Todos se identificam
E reflectem,
Mas a ti as imagens não se aplicam,
Não te competem,
A coberto da verdade que de ti se retira
Como se fora mentira.
Preciso
O amor exige
“Amo-te, quero-te, vem daí,
Preciso de ti”,
- Que a lei que fora vige
Não vige mais aqui:
Quando o amor é rei,
Ele é a lei.
E “peço desculpa
De tudo que me inculpa,
Do mal que fiz
E não quis.
Prometo que, para além,
Farei doravante bem.
Sou frágil e não sei
Com o que sentir que farei.”
Sou incapaz de fugir
Do que sinto,
Por mais que no mutismo, a seguir,
De além me ele tirando,
Me desminto.
E outro de mim me pinto
De quando em quando.
Mas sou prisioneiro
Dum amor exigente,
Viageiro
Da vida no meu aceiro
Permanentemente.
Requer
O amor requer coragem
Que eu seja herói no palco dos dias,
Que incendeie as palavras numa viagem
De realidade prenhe de fantasias,
Que use e abuse de inventar textos
Do ambiente familiar em quaisquer contextos.
Fará rir e chorar,
Fará pensar.
Toca na ferida,
Com jeito ou à bruta,
Na disputa
De mais vida.
Para curar
Urge apontar, ver,
Desinfectar
E desatar
Mundo fora a correr.
Pior que a ferida mal curada
É a que insista
Em persistir durante toda a caminhada
Sem cura à vista.
Vai
No amor vai fundo,
Tão profundo quanto possas ir.
Tacteia o osso, o tutano fecundo,
Fá-lo surgir.
Curar o que dói até ao osso
Doutra maneira não posso.
E que gozo me daria
Viver no fosso
Todo o dia?
Aventura
Vamos sair
Sem saber para onde?
A paisagem
A fruir
Já nada a esconde...
Vens comigo
Sem abrigo
Na aventura da viagem
Além de qualquer triagem?
É que assim é também
O amor,
Seja lá ele, eras além,
Aquilo que por bem
Ele for.
Perda
A perda escorre
Por mim abaixo.
Um lume que nunca morre
Queima, veloz,
O encaixo
De tudo o que sonhei para nós.
Mas não relaxo
Pela perda atroz.
Não me agacho,
Não me rebaixo.
Dos dedos fincado aos nós,
Prendo o meu meio vazio tacho,
Onde, apesar de tudo disponho
De meu meio vazio sonho.
Mais boto ou mais agudo,
O sonho é tudo.
Vidas
Há vidas para o sonho
Levar
Aos pequeninos
Que os maiores, suponho,
Se esqueceram, clandestinos,
De sonhar.
E eis como os destinos
Andamos a talhar
Sem o repicar
Dos sinos.
Meio
A meio da viagem
Que é que nos ocorre,
Que o sonho nos morre?
A meio da triagem
Que aliste,
Como é que deixo de acreditar
No que, se calhar,
Nem existe?
É que amar
É acreditar no que ainda não subsiste
Mas persiste
Num sonho de além-mar.
Ou então, de amor
Não existe nem palor.
É pegar no que houver em nós,
Desatar-lhe os nós
Da corrente
E, de repente,
Desabar um novo rio,
Em torrente,
A todos os mapas a opor
O desafio
Do que for
Ausente.
Como não acreditar
No invisível
Se sou eu no derradeiro patamar
A ser o criador
De tudo o que for
Incrível?
Mexe
O intangível
É o que nos mexe com os sentidos.
Para outrem é incrível,
Para nós são factos vividos.
Pior é que é daí que nos vem
O que nos faz sentir também.
O curioso é que os mais
Sentem o mesmo, tais quais.
Quase ninguém
Atinge distinguir, porém,
A qualidade
Da mútua reciprocidade.
Somos mesmo um bando de ceguetas,
Sonhem o que sonharem os poetas!
Vivo
Vivo a realidade sonhada,
Nunca vivida,
E ela transmuda-se na estrada
Rumo à romaria da ermida
Aos cumes elevada.
O que vivi não vivendo
E o que vivendo vivi
Fundem-se em mim e vou sendo,
Na comum masseira, eu aqui.
É o outrora onde vou
Que me fará ser quem sou:
Serei sempre a fusão do passado
Vivido e sonhado.
E o que sonhei
É tanto oiro de lei
Como o vivido,
Neste sortido.
Conto
Conto uma história
De vida.
E já me não basta a memória,
Perdida
Pelos becos da teia,
De modo que a já nem sei contar,
Volta e meia,
Nem como a terminar.
A vida é tramada
Na trama que em cima nos é jogada:
O inédito,
O inesperado,
Nem por édito
Sagrado
Nos respeita
A nossa pegada estreita.
E cá vamos indo
Sempre às avessas bulindo...
Imagino
Imagino a história perfeita,
Controlada,
E dou comigo na estrada
Desfeita.
É assim a vida:
Toda a paisagem
Finda, em viagem,
Delida.
Creio
Creio em príncipes e princesas
E castelos de sonhar
Com belezas
Ao luar.
Para mim, todavia, não são pequenos.
Quero os infernos e os céus
Plenos,
Que eu sou deles e eles, meus,
Até ao derradeiro dos siderais terrenos.
Servimos
Príncipes e princesas
Sem reino nem palácio nem cavalo,
Servimos às parcas meras as parcas presas
Do abalo.
Quis o destino
Que mais vale
Cair da torre do sino
Que donde cair não ter nada que nos regale.
Até porque continuo pretendente
Ao trono ausente.
E, quando grito,
Seja qual for
A dor,
É a chamá-lo da lonjura lá do Infinito.
Suporto
Não suporto o vazio
Do arrepio,
Mau a toda a hora,
Terrível espera avassaladora.
Não perdoo a falta da magia,
Duma qualquer,
Na minha porcina pia
De comer.
Do medo a alegria ter
A me corroer,
A adrenalina a arfar,
A ansiedade a me impedir
De respirar
- E como por tudo aqui quero ir!...
Não, não suporto
Quão vazio me transporto!
Mais
O mais insuportável
É deveras
O suportável,
O mais do mesmo
Pelas eras,
A continuidade a esmo
Sem desvio,
A recta parada
Em lugar da estrada
Do desafio.
O que mais me apaga
É o previsível,
Queima-me o fusível
E logo o escuro inteiro me traga.
Findo às aranhas,
Nem eu nem tu, nada em mim apanhas.
Felizes
Era uma vez o Infinito
E foram felizes para sempre...
- E cada um a ser apenas este grito
Para que o Infinito se lembre,
Para que, contrito,
Perpetuamente mo lembre.
Para sempre...
- Embora para sempre à lonjura dum aflito.
Abraço
Um abraço, a união ao Infinito
Em germe.
Ora eu, verme,
Como o concito?
Um abraço dói:
É sempre como foi,
Nunca como deveria.
Mas voa ali uma semente
De magia,
Por entre a gente,
Fugidia...
Cada dia mais um dia
Morri
Mas no abraço renasci:
É um pouco já de nós.
De repente,
Neste nada já me inundo
Doutra voz,
Doutro mundo
Aqui presente.
Quero-te
Quero-te sublime,
Intacta do que me dói,
Para que eu me arrime
Ao sonho do que nunca foi.
É que em ti é que o vislumbro
E, na hora de desanimar,
Contigo me deslumbro,
Singular.
És o portal
A que me grude,
Pela fresta espreitando o sinal
Longínquo, final,
Da Infinitude.
Vem
Não vem nos livros o que nos falta,
Ninguém o pode medir,
Nunca mo vê quem me vir,
Não tem ribalta.
E é o que mais magoa
Aqui no fundo, à toa.
Fora da vista
De quem nos vê,
É o quê
Na fundura íntima mal entrevista?
Se nem vê-lo eu conseguir,
Como é que outrem o há-de atingir?
Procuro
Procuro a salvação
Nos élitros duma gralha,
Nas ondas a bater na areia
Em cantochão...
No que calha
E pelo trilho fora nos ameia.
No mais improvável.
Mas porque não
Se o que busco,
No meu eterno lusco-fusco,
É indecifrável,
É o que nunca tenho à mão?
Procuro-a no teu olhar,
Nas palavras ditas,
No sorriso a sublinhar
As citas.
Quando não nos faltar nada,
É um beco sem saída a estrada.
Ora, se nada falta,
Como viver em alta?
Onde perdi o mapa do outro lado
Que me fora destinado?
Terei de apurar o ouvido
Até ouvir
O íntimo sentido
Com qualquer nova ordem a seguir.
Da fundura é fatal
Vir-me então o sinal.
Assente
Adoro a ordem,
A arrumação,
A lei.
Assente nelas, sonho com a desordem,
A desarrumação,
A transgressão
De tudo onde me finquei.
Senão a felicidade
É oca:
Urge renovar de toca
Ou a cama que me invade
A devir caixão me persuade.
Finda a vida
Ali toda comprometida.
Perante
Perante a morte,
Findo pregado à vida grave,
À leveza pulsante
Da rotina
Que me conforte,
Um entrave
Doravante
À minha sina
Caminhante.
Morremos da falta de sutura
Entre as pedras desta agrura.
Aspirar
Quando é que o sexo,
Sem brasa,
Passou a ser um anexo
De aspirar a casa?
Mera obrigação
De responder ao físico apelo,
Sem nós inteiros na união,
Até por inteiro fora do elo?
Diremos “amo-te” como se fora
Outra vez nós
E depois tudo sabe a pouco,
Ficamos à chuva lá fora,
Ao banho do algeroz,
O canto sublime finda rouco.
A respiração acelera ainda
Na forma devida
Mas é uma saudade advinda
Do que deveria acelerar a vida.
Levamos
O que levamos da vida
Ou é euforia
Ou então, arrependida,
Tarde ou nunca se extinguiria.
Duraria o mesmo
Mas cada dia
Seria
Um torresmo.
Pusemos
Estou deitado
No teu colo
Sozinho?
Então pusemos de lado
O calor do solo
Do ninho.
Os corpos juntos
E nós sozinhos,
Assuntos
Maninhos:
O amor acaba
Quando os corpos juntos
Já vivem defuntos
E a solidão por cima de nós desaba.
Andamos
Andamos para aqui, vazios,
À espera de que o sono de cada um
Liberte o outro para os atavios
Da vida comum.
O amor acaba
Quando, no amor que o impele,
Cada um tranca da cancela a aldraba
E vai à vida dele.
Não quero ir à minha vida
Sem levar a tua comigo,
Voltar a ser a eternidade seguida
Como porto de abrigo.
Quando o amor existe,
Há-de sempre poder,
No que quer que aliste,
No que quer que insiste,
Voltar a ser.
Barreiras
Por mais difícil que seja,
Por mais barreiras que se ergam,
Por mais que o não recomende o que viceja,
Que nada haja a fazer aos males que o vergam,
Um amor que existe nunca deixa de existir,
Eternamente presente
À minha frente,
À espera de eu decidir.
Às vezes é questão
Somente
Duma decisão.
Escolho continuar, embora seja pouco,
Persistir, embora insuficiente.
Sem ti, ainda treslouco,
Que nem o pouco terei presente.
Nem saberia quem sou assim,
Senão o pouco que deixaste em mim.
Sei
Sei lá para onde vou,
De mim ao abrigo,
Se nem sei quem sou!
Sei, porém, que irei contigo.
O amor é o que irá connosco,
Haja o que houver,
Mesmo no mais tosco
Sentir de quenquer.
Nem que seja numa cama vazia,
O amor irá connosco rendilhando cada dia.
Triste
É triste esta lonjura
Que vamos cavando,
Este amor que não se apura,
Pela lonjura se alongando
Em vez de cumprir a jura
De a ir sempre aproximando.
O amor, quando é lonjura,
De monge
Clausura,
É seja lá o que for
Mas cada vez anda mais longe
De ser amor.
Amar
Amar equilibra e desequilibra.
Quando falha um aspecto,
Se então vibra,
Tomba ao chão o tecto.
Uma vez quebrado,
Requer coragem e talento
Para, caco a caco, findar recolado
O intento.
Quem tem força para colar,
Tenaz,
Cada caco que deixar
Para trás?
Hábito
Ninguém pode por hábito amar.
Habituando-me ao amor,
Dele nem por hábito poderei precisar,
Antes o ali ando
Matando,
Seja ele do tamanho que for.
O hábito enguiça
Todo o amor em liça.
Evito
Evito encontrar-te
Sem te encontrar,
Arte
Singular.
Sem poder ser impelido
Em absoluto
Por tua mão,
Cujo sentido
Perfura o chão
Até ao último reduto.
Tu a apontar-me do lado de Lá
E eu sempre do lado de cá.
Maldita condição
A nossa:
Entre o paraíso e do castelo o paredão,
A eterna fossa.
E como a estreiteza enguiça
A ponte levadiça!
Sismo
O sismo de Deus é teu
E como me aterra!
O preço do céu
São os escombros da terra.
Se tento salvar algo da escombreira,
De atingir céu não há maneira:
Naquilo paro,
Quero-o ileso
E no anteparo
Findo preso.
Todavia,
Apenas na terra de escombros, nela
Poderei pôr a cintilar algum dia
Alguma estrela.
Tende
O que tende a desaparecer
Nos arrebata.
É o amor a nos colher
Enquanto nos maltrata
E, lento, sem a gente ver,
Sequer,
Nos mata.
Ou damos a volta por cima
E para além
Ou a tumba já nos encima
Com a terra podre que tem
E ali no lixo apenas nos arrima,
Lixo nós também.
Somos
Quando alguém
Fome
Tem,
Come
E come um ror.
Tal e qual como o amor:
Ou amamos por fome
Ou, por todos os lados,
Somos esfomeados
De amor.
Nunca te amei por fome, mas que bom
Ser esfomeado de ti!
É aqui
Que a vida inteira muda de tom.
E a alegria
Tende a tocar uma eterna sinfonia.
Preenches
Há quem diga:
“Só tu me preenches a mim.”
Nem repara, assim,
Quanto isto desobriga.
Não é o caminho inteiro,
É meio e leveiro.
Comigo
É outro o anexim:
“Só tu me preenches de mim.”
Disto ao abrigo
É que o Infinito em Nós persigo.
Caninos
A morte avança
De caninos arreganhados.
Todavia, o amor alcança
Tornar-nos de antemão ressuscitados.
Então a todos nos concito
A abrir a frecha
Por onde mexa
O Infinito.
Tanto do lado de cá
Da vida
Como do lado de lá,
A magia inteira assumida.
Então reflicto
Passo a passo
O traço
Do Infinito.
Escudo
É inviável tapar
Uma dor
Com uma dor maior
Por escudo, no lugar.
Ou com uma alegria
Transitória,
Uma imitada euforia,
Apenas oca vanglória...
- Tudo mera incongruência,
Tudo inglória
Inconsequência.
Nada mata mais o amor
Que um alheio prazer
A pretender
Ser salvador
E a cavar cada vez mais fundo
A dor
De que me inundo.
A apagar da minha frente,
Nunca mais iridescente,
O mundo.
Ocupam
Para tapar
O vazio
Ocupam o silêncio do par
Com ruído?
É mais ruído que enfio
No já puído
Tecido.
Mais irá rasgar
Do lar
O já mui gasto vestido.
Não é nunca solução,
Desune mais o que restar da união.
Tapar
Tapar com um filho
Uma relação acabada
É a certeza do sarilho,
De entrada.
É trepar mais alto
A ver, em rigor,
Que da queda o salto
Irá ser maior.
Só pernas partidas
Serão dali colhidas.
Amorteça
Um filho
Que te amorteça a queda
Quando suceda
Que tudo já perdeu o brilho?
É apenas mais um,
Em seguida,
Perdendo a vida
Em jejum.
Sem culpa nenhuma
E sem
Ninguém
Que a culpa assuma.
Anda
Anda cá,
- E tu a quereres -
Que te quero toda já
- E tu a mal o saberes –
Nesta urgência de querer-te!
E tu, solerte,
De ouvido feito mouco,
A adiar um pouco,
A obrigar
A partilha
A trepar
De maravilha.
Meio
Do amor
A ocasião
Pior
É a da desilusão.
E há tanta, à flor da pele,
No meio dele!
Amar é também desiludir
Permanentemente,
Em frente ao ir
A mais consistente
Inexistente
Das ilusões a fruir.
Queremos
Porque queremos sempre mais
Do que nos doa?
Mais uma dose de causas reais
Do que magoa?
Sermos sinceros e frontais
Para limpar
A ferida a supurar?
Prefiro a humanidade
À honestidade
Sem coração.
A doer que me doa a mim,
Então,
Doutro modo perco a altura do patim
Na frieza
Sem emoção,
Feito calhau
Na dureza.
Nunca mais transporei da vida o vau,
Com certeza.
Quanto
Quanto amor se perde
Por honestidade a mais,
Palavras demais,
Por demais ir a fundo!
Antes quem herde
A simpleza do mundo
Dos animais:
Mais instintivo,
Sem teoria
Nem filosofia,
Sem porquê mas vivo.
Amar de pé,
Por amor ter,
Em vez de amar porque já se não é
Capaz de ser.
Colete
Amar por incapacidade
Não é amar.
É um colete de salvação
Adiando a fatalidade
De me afogar,
Sem recurso à mão.
Haja o que houver
É o que irá ocorrer.
Ou cada vez mais
Somos
Ou da vida não teremos como colher
Os reais
Pomos.
Meio
Um filho
Ou é um atilho
Ou então...
Não quererei ninguém
No meio de dois
Que depois
Ignorem se querem ali alguém.
Ou então
É só sarilho
Em vez de brilho
Do lar no desvão.
Ninguém
Quando ninguém o desejar
Nunca para unir
Um filho há-de servir
Mas para separar.
Ter um filho para unir,
É a certeza da separação:
Só unimos o separado.
Ninguém irá cerzir
A união
Do tecido
Nunca rasgado
Dum vestido.
Unido
Estar
É não ter nada no meio.
Aí é que um filho deve chegar
E morar,
Das prendas da vida o melhor sorteio.
Morte
A esperança
Não morre ao fim.
De tudo após,
Quem a morte alcança
Somos nós,
Eternamente, assim.
Daí o nosso grito
Para além,
Para o Infinito.
A esperança, pois, não morreu também.
Daí, portanto,
No rosto dela
A perene estrela
Do inefável encanto.
É o requisito
Bem-vindo
Do proscrito
Rumo ao Infindo.
Bom
Era bom saber
Quem sou
Para ver
Quem quererei ser
Vida fora no meu voo.
E não ser mais um perdido
No que não somos,
Sem o sentido
De onde andarão da vida os pomos.
Fujas
Não me fujas para a altura
Do nadir.
Volta à nossa incapacidade
Com lisura,
Ao vir.
E traz-me contigo de verdade:
Contigo farei figura,
Sem ti sou perdida opacidade.
Conseguir
Terei de ser apenas
Quem conseguir ser.
Antes a prova de nada valer
Que a angústia das cenas,
A apunhalar-me, pequenas,
Por nunca saber
O mínimo troço
Do que valer posso.
Inteira lisura,
Mesmo que de mim,
No fim,
Ser um nada se apura.
Vivo
Vivo na ponta dos pés
Para não te pisar fundo,
Resistir à voragem com que, de viés,
Te inundo,
À voragem com que, sem pejo,
Da fundura te esquartejo.
O amor é tão terrível
E tão sensível!
Mundo fora vou e venho
Mas, se te amo, nunca me detenho.
Não tem fim
Nosso caminho, assim.
Pior
Pior que desabar o mundo
É desabar lento,
Bocado a bocado a ir ao fundo,
O meu mundo sem fermento,
Onde eu por mim já nada abundo
Em nenhum invento.
Onde em mim já nem há espaços
Onde cair-me em pedaços.
Infeliz
Ser infeliz contigo
E com um bebé
Ou ser infeliz comigo
Sem mais ninguém ao pé?
Entre desgraça e desgraça
Qual a escolha que alguém faça?
Quando a vida, por sistema,
Se reduz
A tal dilema,
Para onde foi a luz?
Vale ainda a pena
Uma vida tão pequena?
E tantos mal amados
A fazer de conta
Que levam uma vida sem cuidados!
Mentira de ponta a ponta!
Arde-nos
Arde-nos o lar
Ao lado do sonho:
Do sonho inatingido,
De o não ter haurido,
Do que quer tanto vingar
Que em nome dele me ponho
A aluir
Tudo o que o não queira permitir.
A cinzas reduzido
É que o lar fará justiça
Ao sonho indefinido
E dará todo o sentido
Da vida à liça.
Acolhe
Vê o que eu vejo,
Olha o que eu olho.
Acolhe sem pejo
O que eu acolho.
E entende:
Neste altruísmo
É que o egoísmo
Deveras rende.
Entende-me profundo
No meu poço sem fundo.
Aí dou-te o braço
E de tudo que não nós me desembaraço.
Faz
O amor é que nos faz ser
Muita vez
O que ser se não quiser
Talvez.
Muda-nos para melhor
Quando começa
E acaso para pior
Quando no fim tropeça.
O pior do mundo
É o amor
E não há melhor,
No fundo.
É a vida contraditória:
Nosso inferno e nossa glória.
É só questão de lhe tomar o jeito
E venceremos o pleito.
Com o afecto servido pelo juízo
Há muito quem atinja o paraíso.
Termina
Há muito amor
Que termina por cobardia.
E muito outro cujo horror
Não termina, em nenhum dia,
Nem muda de teor,
Por igual, por cobardia.
Bom é se o amor assumes
Como faca de dois gumes.
Cobardes
Há cobardes de luxo:
Pagam para conseguir
De águas vivas o repuxo
Que a cobardia
Nunca lhes permitiria
Atingir.
Têm pouca sorte:
São quem adia,
Na vida lentamente torta
E sem magia,
Da morte,
Dia a dia,
A derradeira porta.
Vergonha
O amor é singular:
Trais-me, chamo-te...
- Tenho vergonha de te amar
Mas amo-te.
O amor verdadeiro sobrevém,
A energia inteira,
Quando a dificuldade verdadeira,
Também.
Poderia acreditar
Ser mais feliz sem ti,
Mas quem o irá lograr?
Eu, não: tudo dá de si!
Apesar
O amor verdadeiro
É sempre apesar de tudo,
De seres cobarde por inteiro,
No graúdo e no miúdo,
Miserável,
Execrável...
O amor verdadeiro
Ama o teu fundo derradeiro
Que por trás de tudo em ti aflora
E que eu vislumbro a toda a hora.
Poderei odiar todo o resto,
Nunca, porém, este teu fino apresto.
Sabê-lo
O amor ficamo-lo a saber
Mesmo que nunca a sabê-lo venhamos.
A emoção bate à porta de quenquer,
De cada um depende: abrimos ou fechamos?
E, mesmo de porta aberta,
É, permanentemente,
De história incerta
Com toda a gente.
Nunca
O amor findou.
Nunca findou, porém.
Vida além,
De memórias marcou
O trilho que a gente tem:
A nossa pegada
Era outra se noutro amor fora moldada.
Foram lágrimas e risos?
Nosso rosto tem-nos nas rugas incisos.
Somos dos amores a escultura
Que vida fora nos estrutura.
Um amor não acaba:
É da porta de mim a perene aldraba.
Carne
O amor é memória em carne em mim.
Sei tudo o que fomos,
Assim,
Não sei nada do que somos.
O porvir
Semeado no futuro
Sou eu que o inauguro
A seguir.
Sei lá bem que figura
Uma mistura tal
Configura
Ao meu sinal!
O amor é o império
Do facto amalgamado de mistério.
Crescer
Crescer magoa.
Por isto é que o amor
É sempre um amor à toa.
Sei lá bem como o impor!
É assim com os filhos
E, pior,
Dos adultos com os sarilhos,
Pouco importa o teor
Dos atilhos.
Ou cresço e magoo
Ou não
E, então,
Não voo:
No amor morro
Em vez de findar,
Como era de esperar,
Forro.
Livre
Agora que, divorciado,
Livre estou,
É que prisioneiro vou
Como nunca em cativo estado.
Preciso de ti
Para livre me sentir,
Para vir
A ser eu como nunca me vi.
O amor é uma dependência
Que nos torna independentes de tudo
Menos da emergência
De seu punhal agudo.
Mais o reforça
Quem o mais despreza:
O amor, infinita força,
É a nossa infinita fraqueza.
Farei
Farei quanto houver de ser
Para ficar contigo.
De ti ao abrigo
É que ser eu hei-de saber.
De ti desabrigado,
Perdido na estrada,
Não sou nada
Em nenhum lado.
Mandar
Do que o amor mandar fazer
Tudo deverá nascer.
Não da razão,
Dum pré-fabricado dever,
Do jeito que der então...
Amar
É fazer tudo por amor,
Desde o filho que sonhar
Até ungir o Imperador.
Quando o amor for tudo,
Ao resto vence-o,
Finalmente, o silêncio,
Mudo.
Aguente
Não aguento não te ter aqui,
De saudade
- É da humanidade
O frenesi.
Somos todos tão mal amados
Que a História inteira
É uma história de cuidados,
Logo à primeira
Falhados.
Mas nunca erguemos a viseira,
Que a freima continua
Por um amor que quer a Lua
E apenas uma réstia de luar
Poderemos alcançar
No lambril de nossa rua.
Com o tempo, se olhar,
Poderemos aprender
Como amar,
- Como deveras porventura ser.
Logra
O amor, um quebranto
A mal respirar...
E como tanto
Logra magoar!
E, quando não magoa,
Como é que faz
Que a alegria que traz
Até doa?
Poderia
A coincidência
Poderia não sê-lo:
Minhas mãos são o tramelo,
Por excelência,
Do cancelo.
Ignoro, porém, a ocorrência
Antes de ocorrida.
Finda então inevitável.
Eis como a vida
Comigo lida:
Uma brincadeira imperdoável.
Ou antes uma discreta mensagem
Através da incontrolável
Viagem?
Bebé
Um bebé será um milagre
Como pode ser castigo,
Consagre-o eu ou não consagre
Em meu abrigo.
Por maior castigo, porém, que seja,
É sempre um milagre que nele alveja:
É um afloramento, no fundo,
Do Outro Mundo.
Mesmo no primeiro grito
Já chama pelo Infinito.
E vem dele tão perto
Que o mundo inteiro, perante ele, é só um deserto.
Ninguém
Ninguém merece nascer
Num lar infeliz
E então, se forem dois, pior há-de ser,
De raiz.
Um bebé de mão em mão
Não tem mal nenhum,
É do céu quebrar um pouco a solidão
Do jejum.
De pontapé em pontapé
É que nunca mais,
Como bola jogada de má fé
Ao pé dos pais.
Nesta falta de juízo
Quantas vezes fechamos a porta ao paraíso!
Salvações
Há salvações que vêm sem querer
Para quem, em suma,
Não fizer
Por elas coisa nenhuma.
Há salvações para quem não merecia
Nem queria
Salvação alguma.
Vamos lá nós entender
Que é que o Universo, enfim, nos quer!
Germinam
Há vidas
Que germinam inatendidas
Para fazer
Nascer
Outras vidas.
De repente,
Sentimos novamente
O milagre
E os pés de toda a gente
Bailam em romaria,
Todo o dia,
O bailado que o consagre.
Incrível
O mais incrível num amor verdadeiro
Que acaba
É que nunca acaba por inteiro.
Quem menoscaba
A cinza do cinzeiro,
Não entende o trilho que ele aba
E gaba
Vida além pelo carreiro.
Esquecer
Que fazer
Para esquecer quem amamos
E que, apesar de tudo doer,
A amar continuamos?
Maldita
emoção
Que nunca nos obedece,
Nem quando aparece
Nem quando nos atira ao chão!
Só o tempo cura
A ilusão
Que nos fura
O coração.
E é se não a relembre nem estimule
Senão
É mais carvão
Que no brasido
Acumule
A me queimar cada gemido.
Sempre
Sempre que não for eu,
Quenquer
Que em teus braços estiver,
Não é uma pontinha de céu,
É um qualquer
Que no trilho te perdeu.
Nunca através dele vislumbrarás
O Infinito por trás.
Pelo menos é o que quero crer
Na infinita dor de te perder:
Que apenas eu terei a chave
Que abre uma nesga para a Infinda luz da cave.
Indivíduos
Indivíduos há tantos
Que de tantos indivíduos precisam
Para sobreviver, pelos cantos,
Em prantos
Por onde deslizam,
Por mor dum indivíduo apenas que proclamam
Que amam!
O amor que equilibra tudo
Por todo o lado
É, sobretudo,
Desequilibrado.
Divertimento
O divertimento mais incrível,
Quantas vezes não é o que for
Mas apenas uma parte visível
Da dor!
A mente a obrigar
À caminhada,
Quando só nos apetece vergar
A meio da jornada...
Felicidade por fora
E, quando ali entro,
Um mísero ali mora
Todo dobrado por dentro.
Amo
É frívolo,
É fútil
O turíbulo
Inútil
De clamar por aqui, por ali,
Que amo, se não for amar-te a ti.
O órfão, para ganhar um abrigo,
Diz o que calhar à fresta do postigo.
Fora-da-lei
Quando o amor é um dever,
Tens o dever de não cumprir,
Um fora-da-lei terás de ser,
O instituído a transgredir.
O amor não é o instituído,
É o teu teor,
Aquilo de que és constituído,
O que cada pegada tua te há-de impor,
Por ínfima que seja,
Que distante nunca esteja
Do amor.
Por amor vives, em suma,
Ou não vives coisa nenhuma.
Pior
O pior do amor que acaba
É que, para quem amou,
Acaba mesmo.
Enterrado na mastaba,
De vez se finou,
Não há mais amor a esmo.
O pior do amor maior
É que tudo o mais
É amor menor,
Nem amor é jamais.
É a certeza
De que de amor quaisquer fulgores,
Do miúdo ao mais graúdo,
Podem ter toda a beleza,
Poderão ser tudo
Menos amores.
Inviável
Por vezes é inviável escolher
O melhor lugar
Para morar.
Viável é fazer
Do lugar
Que nos calhar
O melhor para viver.
Isto é que é um lar,
Isto é que é ser.
Cuido
Quando cuido saltar,
Que é salvação,
Não,
É uma queda, em lugar,
Mais uma inviabilidade,
Uma dor que me invade.
Onde menos esperava
Mais um fim de linha me trava.
É a regra da vida:
Sempre em lida,
Cada dia mais cava,
Cada dia mais delida.
Impressionante
O mais impressionante vida além
É tudo nela pressionar,
Tudo a um caminho a me forçar,
Atrás dum logo outro vem.
Ficamos ali no meio,
Pressão daqui, pressão dali,
Somos efeito dum sorteio
Para o qual nenhuma pedra mexi.
Produto daquilo a que resisto
Ou a que não consigo resistir,
Existo
Mas sou muito mais um turbilhão
De escantilhão
A ir.
Mistério
Amar é acreditar.
No mistério revelado,
No irrevelado também:
Quem amo, pelo amor, é singular,
De luz um lado,
Doutro, luar
E a noite sempre por nós além.
E por trás, eternamente vislumbrada,
A madrugada.
No caminho,
A cada pegada
Da jornada,
Um pouco mais a adivinho.
Tira
Quando a lágrima na lágrima me fecha
E me não tira de mim,
Não terei cura assim.
Não acende a mecha
Que me ilumine o caminho do meio,
O da saída que não caminho por receio.
Finda tudo tão escuro
Que findo encostado para ali ao muro.
Andar
Andar em frente
Nem sempre em frente é seguir:
Há quem permanentemente
Corra vida fora a fugir.
Ora, quem foge, decerto,
Nem repara
Que aquilo de que foge
Finda sempre perto.
É a própria cara
Que dentro dele se aloje:
Não há como fugir, assim,
Do que for eu em mim.
Por maior que seja o caminho,
Encontro-me sempre a mim,
Por fim,
No terreno maninho.
Enganado
Quando amas,
Ou de amor toda a vida é rodeada
Ou, enganado nas tramas,
És rodeado de nada.
Atafulhado de bens,
Catrefadas de objectos,
Miríades de indivíduos de ti reféns,
Dinheiro a entupir os tectos...
- Se o amor
Desta embrulhada
Ausente for,
Andas rodeado de nada.
Creia
Há quem creia genuinamente
E nem delira
No que verifica fundadamente
Que é mentira.
A estupidez humana
Funda-se em quê:
Rejeitar o que vê,
Acolher o que engana?!...
Intuito
O grande fito
É no intuito pequeno
Que o visito,
O concito
E o realizo gradualmente em pleno.
O que quer que mandes,
Nunca sejam desígnios grandes.
É no mais pequenino
Que trocemos o destino.
A maior cordilheira da Terra,
Milímetro a milímetro, pelos milénios,
Sem requerer quaisquer convénios,
Venceu a guerra:
Assim discreta
É a que os céus mais acometa.
Filho
Um filho é, maioritariamente,
O que sobrevive dos pais.
Se foi amor, é amor;
Se foi ódio, ódio é;
E se foi incongruente,
Incongruentes sinais
É aquilo que põe de pé.
Não é a soma que isto for,
Do que os juntou o teor
É que lhe marca a pegada
Que ele imprimir
Ao ir
Estrada fora em jornada.
Depois
Há felicidades que só terão nascido
Depois de terem sido.
Primeiro és feliz.
Depois, tudo acabado,
Entendes o que te quis
Teu fado:
Que feliz houveras vivido.
Agora não tem cura:
Hás tudo já desperdiçado,
Porventura.
E toda a entusiasmante
Glória
É, doravante,
Mera memória.
Cuidas
És feliz
Mas cuidas que não és.
- Que é que eu fiz? –
Perguntarás talvez,
Ao reparar
Que feliz ao mundo te não andas a mostrar.
Então imitas
A felicidade que tens e julgas não ter:
A verdade citas
Sem a ver.
Doravante mascarado
Viverás por todo o lado.
Andas a mentir a verdade,
Dela ali à beira,
Sem ver que é, na realidade,
Verdadeira.
Cuidando
Farei de conta que sinto
O que sinto deveras
Porque me minto,
Cuidando que o não pinto
Na minha perene sala de esperas.
Vivo num teatro pegado,
Sem a verdade ver,
Da verdade mascarado.
Sem nela crer.
De tão cúpido,
Findo mesmo estúpido!
Quer
A felicidade, às vezes,
Quer público, quer aplauso,
Validações corteses,
Um carimbo de acaso,
Tal e qual
Se doravante fora oficial.
Não muda nada
Mas empresta robustez e consistência
À empreitada.
Trá-la à existência.
É um parto.
O porventura ainda faminto finda farto.
Restar
Se um dia amei,
No que restar de mim há um tu intocável,
Tão fundo que nem sei,
Tão pedra angular inalcançável
Que de minha vida o edifício
Se escorou naquele precipício.
Qualquer canteiro meu de flor admirável
Mergulha a raiz
Neste resquício
Que um dia, num vislumbre de Infinito, eu quis.
Atinges-me
Atinges-me no interior do pesadelo,
Dás-lhe cor,
Textura,
- És o amor,
A cura.
A morte, perdido o elo,
Perde a figura.
A vida pode jogar tudo às malvas
Que, em qualquer pesadelo, tu me salvas.
Encontramo-nos
O amor é mais forte
Do que o fim,
Do que a morte.
Aí,
Até que enfim,
Encontramo-nos no íntimo transporte
Que daqui
Mal vislumbro e nunca fito
Do Infinito.
Aí a romaria
Da alegria
Ultrapassa quanto cito
E concito
Em fantasia.
Aí ambos nos inundo
Da euforia
Do Outro Mundo.
Sempre
Na vida, o melhor
Às vezes é atingível.
Pior
É sempre possível.
É a lei do caminho
Que vamos remoendo:
Um cadinho
Doendo.
Já fui o optimista sem critério:
Há sempre um caminho. E há.
Todavia, o mistério
Está
Perenemente
Presente,
A aflorar por aqui, por acolá:
E é pena o caminho que há na vida
Ser, na corrida,
Muitas vezes descendente.
Quantas vezes este é da vida o vero sentido
Por trás escondido!
Geniais
Há palavras que magoam,
Dão cabo de nós.
Geniais, já que tanto ecoam:
Meros sons
Em vários tons,
E abalam-nos, largam-nos sós,
Meros rodopios, mancheias de pós.
Um sopro de nada
E é cada aluimento na estrada!
Minúsculo
O amor é urgente,
A morte também.
De repente
A morte contém
O amor deveras iridescente
Que a nosso minúsculo amor convém:
O Amor sempre além,
A transbordar-me eternamente.
Eu, pleno, correndo pelo Infindo meu pleno presente
Com ele inesgotável, porém,
Infinitamente.
Quando
Quando amamos,
Tudo o que partilhamos,
Até o pior,
Tem um halo de maravilha,
É momento de partilha,
É amor.
Ora, o amor tem o dom
De ser um momento bom.
Mesmo o fim,
Partilhado a dois assim,
Vai ser o momento
De me amassar em fermento
A mim,
Lançado ao vento
Até ao derradeiro confim
Do Universo,
Feito do Infinito um reverso.
Do Amor infindo partilho
E como me maravilho!
Doenças
As doenças, no fundo, vêm
Por bem.
Pode ser que a maleita ateie
O pavio
Extinguido,
Ate o fio
Partido
E o dedo ameie
Ao juízo
Onde houver falta de siso.
De repente a íntima fogueira
Arde, num escarcéu,
Direita ao céu,
Inteira.
Perdemos
Perdemos a vida em pernósticos
Vazios diagnósticos
Perdemos o tempo em prolíferas
Buscas infrutíferas.
Patetas,
Farejamos um problema
Que apenas encurva as rectas
Porque o tomámos por lema.
Ignorado,
Nem existe.
Sonhado,
Lento e lento, mal o vise,
Logo farei que o aviste
- E eis a crise.
Basilar
Somos muito o que pensamos
E é o mais basilar que somos.
Serei todo o dia
O que imaginei que seria.
Se for que todo o dia morramos,
Colherei da morte os pomos.
Se for na vida que assentamos,
Sorverei
todos os gomos
Da vida de cada dia
Com a fartura que ela avia.
Ninguém
Tenho cancro e não te tenho?
Num ninguém devenho.
Tenho-te sem cancro ter?
Quem dizê-lo puder,
Diga
E celebre todo o dia
A magia
Venerável e antiga.
Importuna-me
Importuna-me a tua ausência,
Não a morte.
A memória é uma vida implacável de abstinência,
Mas, apesar de tudo, uma sorte.
Tenho-te aí mas não te tenho,
Tanto te sonho como me assanho.
Não ter-te plena
Como me envenena!
Queiras
Não quero que me queiras de mim por pena,
Por pena de ti não quero.
Tal querença
Não acena
De amor nenhuma sentença.
E aqui me esmero
Numa verdadeira presença.
Por respeito
Por mim, por ti,
Outra não subscrevi
Nem aceito.
O amor ou é inteiro
Ou é um suão ligeiro
Que não aquece
Nem arrefece.
Prefiro enterrar-me solitário no quinteiro
Que vencer um alvo tão mentireiro.
Doença
A doença terminal
Ensina a valorizar.
O que eu for valorizo, o principal,
Como o que tiver,
Mesmo se nada valer
Para mais ninguém, a par.
De mim
É que não poderei mais abdicar,
Doravante, até ao fim.
Pôr-me nas tuas mãos?
Não serão de confiança,
Por mais que de confiança nos demais desvãos
Que o resto do mundo alcança.
Irei sempre escorregar,
O que quer que seja que suceda,
Não há como amparar,
Quanto mais evitar
A fatídica queda.
É o que dá valor
A tudo o que para trás irá ficar,
Do nada ao cume a se propor,
A se me impor,
Sem haver de troca mais qualquer moeda.
Ponta
Às vezes uma ponta de orgulho
Torna alguém boa pessoa,
Varre da vida o entulho
Que a atordoa.
Já não é mais marioneta,
Boneca na mão de quem ama.
Trepa ao píncaro das cordilheiras
Do planeta
Que das cumeeiras
A chama.
Assim é capaz
De devir boa pessoa
Contra tudo o que, tenaz,
A esboroa.
Fatal
A doença fatal obriga a crescer,
A ser de vez a criança,
A lutar por nós, pelo que se quer
E não se alcança,
Pelo que se sentir
Como único fito a prosseguir.
Como se fora
Único objectivo da vida a pôr de pé
Desde agora.
- E é.
Podíamos
Eu podia cuidar de ti e de mim,
Tu podias cuidar de mim e de ti.
Podíamos ser uma família, assim,
Vinte e quatro horas por dia,
No frenesi
De cada fantasia.
E do fim,
Agora, aqui,
Com teimosia,
Cada gesto nos resgataria.
Apaixonados
Apaixonados pelo que somos,
Buscando a paixão onde quer
Que ela estiver,
Um do outro nas mãos nos pomos,
Em condições de ser
O que de ser nunca deixámos.
Somos nós e o nós que configuramos,
Não sendo o céu,
Longínquo tabu,
É onde eu me sinto mais eu
E tu, mais tu.
Libertá-la
Incurável.
Gostaria que tiveras a palavra em mente,
Para libertá-la de mim,
Assim
Abordável
Em comum por toda a gente.
Distribuído pelas aldeias,
O mal é mal a meias.
Enchê-lo
Isto de estar vivo
É de enchê-lo com o que nos exalta,
O que nos falta,
Esquivo.
O terror é tu não estares,
Que o vazio
É tão frio
Que é melhor me amortalhares.
Estarei vivo tão morto
Que para viver não restará nenhum porto.
Recusas-me
Recusas-me? Quero lá bem
Saber de ti!
Quero, claro, mas ninguém
Tem de saber disto aí.
Deixa dizer-me o que importa:
Cresci,
Já não bato à tua porta,
Pese embora quanto em mim já eu morri.
Continuo desesperado
Por ti,
Viciado
De ti, por aqui.
Todavia já não o digo,
Já não estou mais contigo.
Com quem estou mais
É comigo.
E é só disto que para fora dou sinais.
Tropegar
Compressor rolo
A tropegar pela estrada,
Amar é andar pronto a ser colo
E saco de pancada.
Com igual amor,
Igual vontade
Mas de qualquer outro teor
Nunca um amor persuade.
Tanto
Dói tanto imaginar
Que o amor nos sobrevive!
E conforta, a par,
Quando da vida nos prive,
Ver que morremos por amor,
Com fervor,
Até ao final,
Ao último estertor.
O final do corpo nunca,
Afinal,
É o final
Do amor que a vida nos junca.
Pronto
Pronto para de ti fazer
O que me fizer
Ser eu,
Terei de te absolver
De quanto em ti de nós divergiu.
É, porém,
O único caminho
Onde a nós e a mim,
No fim,
Nos adivinho.
Amar-me
Amar-me por pena,
Não,
É uma emoção
Tão pequena!
Pela semente de Infinito
Que houver em meu confim
E que mal concito,
Aí, sim,
Vale a pena amar-me a mim.
A abrir asas,
De águia ao grito,
Que ateiam todas as brasas
E eu nem sei que são meu fito.
Digo
Tenho medo.
Digo, contudo, coragem,
A ver se nunca cedo
Algures a meio da viagem.
A palavra é para salvar
Quem a quiser
Acolher
E logo, em primeiro lugar,
Quem a disser.
Escuro
É bom ter uma bóia,
- A convivialidade, a escrita, uma viola... –
No escuro a luz duma clarabóia
Quando, a nos afogar,
Já nem soubermos nadar.
Algo que nos segure pela gola
Quando já nem energia tenhamos
Para os braços mexer, nem que o queiramos.
Até um entretenimento por gosto...
E, lentamente,
Eis que na vida aposto
Novamente.
Vejo-te
Vejo-te e és em mim a faísca
Da cabeça aos pés.
Busco teu relâmpago que me cisca,
Nesta chispa de través,
Cada meu encravado carvão
De escuridão:
De repente tudo luz!
Morre logo? Pois, mas seduz.
Alerta
A mania
De que é carente
Quem andar doente!
Das vezes a maioria andará mas é
Num alerta permanente,
Numa guerra de fincapé
Por dentro de si,
Incapaz de mais
Que da guerra os chavascais
Que resultarem daí.
Um soldado
Em pleno campo de batalha
A cuidar doutro cuidado
Que livrar-se da metralha?
Cuidar dum abraço
Quando as balas,
De tão pouco ralas,
Para tal nem deixam espaço?!
Balas
Quanto maior és,
Mais balas levas
Da malvadez
Das trevas.
Ora, há sempre malvados
Em todos os lados.
Aliás, cada peito,
Por melhor que seja,
Ao mesmo é atreito:
A erva ruim viceja.
Se não aguentas o tiro,
É melhor das alturas
Evitar o retiro,
Que evitas agruras.
Então só porvir
A grandeza ganha
E apanha
Que em ti existir.
E com tanto mais apreço
Quão mais humilde for de começo.
E se a grandeza for tamanha
Que tudo ultrapassa,
O apreço trepa ao cume da montanha
E daí o mundo inteiro abraça.
Partilhar
Tudo partilhar contigo...
Moras entre mim e o que sou,
Inominado abrigo
Onde ainda não estou
Mas que persigo,
Por onde vou.
Vazio sem nome
Mas que existe e me dá fome.
Lonjura
Amar é uma lonjura sem nome,
Um nada,
Virgem de ninguém,
E é a estrada
Nunca por ninguém trilhada
Que eu tome
Também.
E, na lonjura,
Que inefável luminária se apura!
Que entusiasmante,
Sobre o vazio abismo
Com que cismo,
Correr para diante!
Mudar
Tontos,
Para o que nos mudar a vida
Nunca nós findamos prontos.
Por isso é que, a querela resolvida,
A mudará mesmo à medida.
Toca no fio intocável,
Na percepção outrora estável,
E o conceito
Inabalável
Tomba desfeito.
Até uma dor
Inexistente
Devém presente,
Seja ela o que for.
E nós nunca prontos
Para à cirurgia
De cada dia
Coser os pontos!
Senão
A vida será uma pitada
De pessoa
Condimentada
Com muita pitada de amor,
De propósito ou à toa.
Senão, que valor
Que motivo
Para estar vivo?
Ama
Ama o mundo inteiro
E do mundo inteiro sê o mais rebelde menino.
Quando fores adulto, de ti requeiro
O respeitador mais profundo
E fecundo
Do destino.
Olha quem te ama e quem não
E tudo quem não conheces.
Olha o princípio e o fim onde ainda não aconteces.
A bola que corre no chão,
Corre atrás dela.
Se não tens uma péla,
Brinca com um par de meias,
Inflado de fantasia,
Torna-o tua alegria.
A alegria consiste
Em transmudar em sonho
Tudo quanto existe.
Depois, quando dele disponho,
Não é a realidade que ali viste,
É a magia
Todo o dia.
Vírus
Inspira e contagia,
Tornado
O vírus benéfico do dia
Jamais outrora encontrado!
Sê revolução na hora que devia
Transformar
E acalmia
Quando a paz for de encontrar!
E cria
Quando urgir inventar!
Sê infatigavelmente
E, quando fatigado,
Sê ainda, a ti presente,
Embora esgotado!
Vai, sua,
Nunca preso ao mesmo lugar,
Não te deixes apear
Da Lua
Nem do luar!
Sonha, sonha perenemente.
Só quando o sonho alcançares
É de parar, de repente,
Para sonhos outros agarrares.
Com tudo o que és, tenta,
Que o Infinito é dentro de ti que se acalenta.
Aconteça
Quando quiseres
Que aconteça, faz.
E, quando fizeres,
Que seja em grande e capaz!
Para além de teu confim,
Que tua fundura te comande:
Apenas assim
Chegas a grande.
Moldando-lhe
Do que te contundir
Mas amas
É de nunca desistir,
Moldando-lhe as tramas.
Senão ainda perdes o ar
E a vida desaba:
É fatal não amar,
Com tudo nos acaba.
Acima
Um filho alumia,
Pelo mero facto de ser, só assim,
O que ficaria
Acima do fim.
Se eu agora morrer já não serei
Quem nasceu vazio
E vazio partiu,
Sou quem ao colo um dia te peguei
E caminhou pelo centro
Do Universo dentro.
Teu
O teu gozo, a tua felicidade
De raiz
Me invade
E, por esta matriz
De nada directo que a mim me agrade,
Sou feliz.
É tão estranha
A dita que sem nós,
Por esta nesga, após,
Em nós próprios nos amanha!
Abdicar
Antes de abdicar de mim,
Terei de abdicar de ti.
Só assim
Alguém pode ser por si.
Doutro modo, a morte adiada
Seria a minha perene estrada.
Amas-te a ti, não a mim:
É, pois, o fim, a fim de evitar o fim.
Vertente
O amor é a vertente boa
Do egoísmo.
Amas como um louco,
À toa,
Para caíres no louco abismo
De ser feliz.
Que te sabe sempre a pouco
Mas que, quando falta, o mundo inteiro sempre quis.
O amor é um retorno infinito
Sempre aflito.
É investir em vida,
Em memória,
Toda a individual e colectiva História
Famintamente desmedida,
Sempre quase falida
E, todavia, perene glória.
Muito
Muito a humanidade
É cega e surda!
A quantidade
Do que oferece
Sem nenhum interesse
É absurda...
E com isto nos aniquila
Perenemente tranquila!
Vivendo
Quando a vida é pequenina,
Desinteressante,
Vai-se vivendo como sina,
Um fado cantando
Por ali adiante,
De vez em quando...
Prefiro viver
Até à morte.
E, quando a morte vier,
Não vai ter nenhuma sorte.
Bem me quer apanhar vivo,
Mas eu já só serei mera folha de arquivo,
Vivi tudo o que havia a viver,
Nem sequer
Me resta
Morrer,
Esgotei tudo o que presta.
Bem pode levar o saco vazio,
Eu já voarei Além noutro empolgante desafio.
Acredita
O consultório
Médico
É um velório
Céptico:
Acredita na morte.
Não vê que a vida
É tão decidida
Que, por menos que a exorte,
Transpõe a vau da morte o rio
E desata a operar todo o cósmico desafio.
Duma vidinha de nada,
O Universo inteiro desata a ser a nova estrada.
E não hiberna,
Algures acantonada,
Pode ser uma euforia
Eterna
A alegria
Da nova jornada.
Precisa
Precisa toda a gente
De saber o destino
Para apreciar devidamente
O caminho, mais ou menos clandestino,
De ir em frente.
O destino é que acende a luz
Com que tudo no caminho nos seduz.
E ao caminho por inteiro
Em luz traduz,
A cada pegada do caminheiro.
Cuide
Há quem cuide que está tudo
Nas mãos dele
E há quem cuide que nada.
Não acudo
Ao que me atropele
Em tais becos da estrada.
Extremo, só um pendor da jornada:
Ou há amor
Ou não há nada.
Jogo
Tudo na vida é cinzento,
Luz aqui,
Sombra ali.
Neste jogo, mais ou menos sozinho,
É que invento
O caminho.
Ora verei claro,
Ora nublado.
O importante e na vida tão raro
É tentar sempre ter
Continuado
A ver.
Presença
Sem tua presença, caminhar
Em qualquer lado
É pisar
Vidro lascado.
Minha rua
Sem ser tua
É de noite o dia inteiro,
Nem o sol há-de brilhar,
Meu parceiro,
Nem há réstia de luar.
Nem há Lua
Quando o teu vazio me acua.
Nunca
Amor que tira
Não é nunca amor nenhum.
Amor apenas dar tem na mira.
Mesmo em lágrimas, em perda,
Não herda
Tesoiro algum:
Tudo é entrega, tudo é dom,
Não há amor nenhum fora
Deste tom.
Aí, desamor
Apenas mora
E, pior,
Do amor verdadeiro todo o ninho gora.
Podemos
Não podemos ser reféns
De quem amamos?!
Podemos e devemos.
Amar é viver preso,
Enquanto tens
De assentar os tramos
Do porvir que elaboremos,
Em nossos carris aceso.
Só quem nunca amou ignora.
Amar é caminhar na prisão
Livremente a toda a hora,
Partilhar o céu no chão,
Entre fronteiras contido,
Delimitado,
Para poder ser erguido
Sem findar esbarrondado.
Então, ao píncaro erigido
É que vislumbro o Outro Lado.
Paixão
A paixão toma de assalto,
Criminosa fora-da-lei,
Ou então serei
Eu que falto
Ao meu salto
De ungido rei
Rumo ao Alto.
Então é paixãozeca de nada,
De que até nada sei
Nos ínvios trilhos da estrada.
Sossegado
O amor é o teu lugar
E tens-lhe apego.
Ali é que queres morar
Em sossegado desassossego.
Não consegues, pois, olhar para quem
Teu lugar tem.
No amor é que sempre ocorreu,
No fim de contas, o lugar que é teu.
Dali
Desalojado,
Ainda findarás fora de ti,
Afinal um tresloucado,
A cuidar morar ali
No vizinho do lado.
Atirador
A vida é bela
Mas há um atirador na humana estrada
Com arma apontada
À minha janela.
É uma sorte
Ter a arma encravada:
A hora da morte
Ainda continua adiada.
- É a condição de vida
De toda a humana lida.
Temos
Quando temos tudo
E tudo nos falta
É o amor, sobretudo,
Que, em lugar de andar em alta,
Fora de nós salta
E nos deixa a miúdo
No mais paralisado frio
Do vazio.
Estarei cheio,
Contudo,
Embora desgraçado
Pelo meio,
Por ser de vez do amor ignorado.
Poderei ter o mundo inteiro,
Que, sem amor,
Serei o vazio caldeiro
Que para nada presta, nem para tambor.
Serei a infelicidade
A arrastar-me idade a idade.
Miúdos
O imaginário
É inteligência do coração.
Os miúdos são
O génio primário:
Pensam com o coração que têm,
É o que lhes oferta felicidade.
Toda a felicidade vem
Do coração quando nos invade.
Não é a reflectir
Que desato a fremir,
É porque amo a descoberta
Que ali tenho a porta aberta.
A emoção é que pode ser feliz.
Tudo o mais
É alheio a vivências tais,
De raiz.
Visa
Qualquer arte visa exprimir,
Na criação,
Uma paixão
Que sentir.
Dum amor à catedral,
Tudo é duma pegada
Apaixonada
Perenemente o sinal.
Mudar-lhes
Os miúdos correm em debandada,
Irá chegar o mundo e mudar-lhes os planos:
O foco dos vindoiros anos
É noutra estrada.
Primário
Não é o fundamental,
É o secundário
E assim lhes irá matando o essencial
Irá pô-los a fazer contas,
A replicar
As actividades tontas
Em que outros andem a apostar.
O radical
Ninguém aprende
Nem ensina.
Ora, é para onde tende
A sina
Única individual:
Nunca pode protagonizá-la ninguém
Senão quem a tem.
E é sempre amar
E então criar
Na exclusiva modalidade
Daquela individualidade.
Procuramos
Procuramos o miúdo que fomos
Na janela ao lado.
A que lonjura andarás do que somos,
Esquecido,
Preterido,
Ignorado?
Ando para aqui de máscara, ao invés:
Mal vivo estou, ferido,
Morto a teus pés.
- Por quem és,
Volta, miúdo perdido!
Deixar
Amar é o que não somos capazes
De deixar de ser,
Apesar de esforços tenazes
Para o obter.
Não o conseguimos mesmo:
A emoção ri-se de mim,
Inunda-me a esmo
Até meu derradeiro confim.
Nunca terei mão nela:
Só lhe poderei abrir ou trancar a janela.
Apenas do tempo a enxurrada
A pode ir varrendo, lenta, pela levada.
Até lá, pelos anos fora,
É em mim contra mim que mora.
Se me descuido e lhe abro a janela,
Nem os anos corridos darão cabo dela.
Acima
Acima do medo
O amor.
Acima de ti, concedo,
Ninguém:
Deveras quem
Poderia ter o teu calor?
E quem congelaria o Pólo Norte
A nos trazer de novo a sorte?
Só tu és o sim e o não
Que deslinda toda esta confusão.
Olharias
Amar é olhar quem amas
Como olharias Deus:
Em ti acamas
Um cantinho dos céus.
Quando amas deveras,
Amas Deus em quem amas,
Amas Deus, sem mais esperas,
No imo por trás das escamas
De que o haja encoberto
A vida,
Na corrida
Das idades através do deserto.
Acaso
O acaso nos apaixona,
De propósito, porém, nos amamos.
Ninguém manda no que o emociona.
Uma vez, contudo, desencadeado o rio,
Talha o leito e o desvio:
Serão o que queiramos.
Assim, a prazo,
É o nosso acaso
Que por nós criamos.
Felicidade
Felicidade não é questão
De tempo livre,
É ter à mão
Tudo o que no imo vibre:
É uma vibração
De alma livre.
E é ir pondo em função
Todo este calibre
Do coração.
Lentamente
Eu e tu vamos indo em frente.
A humanidade demora
Pelos milénios, até agora,
Mas gradualmente
Desperta
O que a liberta
E vai em frente.
Andamos a libertar-nos,
Persistentemente,
Eu e tu. E o mundo inteiro.
É a felicidade a ensinar-nos
Os trilhos do píncaro cimeiro.
Cada qual,
Individual
E colectivamente,
É o pioneiro
Do Infinito infinitamente.
Acreditar
Acreditar é uma forma de atracção.
Quando acredito
Em ti,
Em ti fito
O que remexe o coração,
Muito além do migalho que aqui
Em mim e em ti tiver à mão.
Há sempre um Além
A aflorar no que aqui nos tem.
Um outro lado
Que me maravilha,
À janela de ti postado
E que a ti eternamente me envencilha.
Dar-nos
A vida pode dar-nos de maior
O poder
De pertencer:
É, a germinar, o amor.
E é o que mais custa:
Há que pagar a conta justa.
Todos somos, no particular, tão diferentes
Que o ajustamento
É um tormento,
Para dar conta de tantas frentes.
Contudo, é uma festa
Quando, num ponto qualquer,
A conjunção atesta
O porvir a acontecer.
Idealizar
O mal é idealizar demais.
Idealizei-te, anjo que não és
E depois caí-te aos pés.
Ora, são de barro os teus pés reais.
Depois idealizei-me para ti,
Para me veres deus
Nos trejeitos meus.
Ora, real é o caixote do lixo em que caí.
Ninguém mais que tu quer a minha loucura
E querer a tua ninguém mais que eu to assegura.
Vivemos a loucura partilhada:
Amar é isto,
Mesmo louco, insisto
Em irmos em comum de jornada.
Dura
Quem se amar ninguém
Nos pode tirar.
Como pode alguém
De mim te extirpar
Ou a mim de ti
Desenraizar?
Amar finda em nós,
Aqui,
Por muito que passe:
Dura eterno, após
O instante
Fulgurante
Em que o peito nos trespasse.
Tudo o que amar finda
Sempiterno, afinal, ainda.
Apaixonado por ti,
Mais apaixonado me sinto
Por quem consegui
Ser,
Como me pinto,
Por a meu lado te ter.
Não é que, de repente,
Quase atingi
Tornar-me gente?!
Preservar
Preservar o amor
É um apeadeiro mero
Antes do desespero,
Ao borralho a soprar o calor.
E é assumir o erro,
Que, ao ver que o trilho audou errado,
Podemos caminhar por outro lado
E trepar ao cerro.
Podemos permanentemente
Amar melhor
O amor ausente.
E ei-lo germinado
Doutro pendor,
Noutro vigor
Configurado,
O novo amor
Aqui presente.
Sem arrepios
Nem calafrios?
Não, mas subterrânea corrente
Robusta
Que não paga selo nem custa.
Apenas
A felicidade apenas advém
A quem
Tem coragem de sofrer.
Quão maior,
Maior a dor
Quando a felicidade fizer
Porventura doer.
Só um herói tem altura
Do que ela ali configura.
Andámos
Andámos já tanto,
Ao amar,
E, todavia, entretanto,
Temos perenemente ainda tanto
Para andar!
Itinerário sem fim...
Mas eu sou assim,
Não me limito:
Minha raia é o Infinito!
Dialogo
É um estranho e fecundo
Frenesi:
Dialogo com o mundo
Através de ti.
Tropecei à toa
De pessoa em pessoa
Até que caí
No teu colo, aí.
- Mas que queda boa!
Imitação
Imitação de mim mesmo,
Contaminado de ti
Em mim a esmo,
Nem vivo, já vivi...
Contigo de fora
Como viver demora!
De tão vazio,
Como respirar
Requer ousio!
E o ar,
Que frio!
Primeira
Amor à primeira vista
Não há quem não
O tenha em vista,
O ponha em lista
A ter à mão.
Porque não o esquecimento
Ao primeiro adeus?
Porquê o intérmino tormento
Ao relento
Dos restos seus?
Porquê a quem nos deixa
Não lançar imediatamente
A fateixa
Do morto e enterrado
Em todo e qualquer presente
Danado?
Resgatar-nos
Só o amor resgatar-nos vai poder
Do fundo do poço,
Embora o único seja com poder
De nos atirar ao fundo
De tal fosso.
O amor é tão jucundo
Quão imundo.
Com ele não posso
E sem ele muito menos.
É um desgraçado
- Mas nem preciso dele o brado,
Bastam-me uns acenos...
Encolhe
A ponte
Encolhe a lonjura
Do horizonte
E o momento
Entrava das horas na costura,
Encolhe o isolamento.
Quando estendo as mãos,
O mundo inteiro está cheio de irmãos.
De repente
Até o cósmico Infinito encontro à frente.
Lonjura
Quando a vida se esboroa,
É cada dia maior a lonjura do sonho.
Da praia do estio fica a côdea da broa,
A picada do mosquito
Para que já nem de unguento disponho,
Contrito.
Saudade na pele
Que nenhum apelo mais impele.
Adoro
Adoro quem se adapta
Porque o par
Não tem
Algo para lhe dar.
É quem
Capta
Outra dimensão:
Ícaro mil vezes reboa
E tomba ao chão,
Até que hoje, milénios depois,
Voa.
- Quem se adapta vislumbrou outros arrebóis:
No outro ecoa
A luz dos vindoiros sóis.