SETILHAS
Longo
Amamos
Quem ao lado
Queremos ter
Quando estamos
Prestes a morrer.
A vida é apenas um longo traslado
Deste mínimo saber.
Pedras
As pedras são como a gente,
Não lhes vemos o centro.
Dão um trabalho inclemente
Até as descobrirmos por dentro.
Aí, de repente,
Brilha
Uma inefável maravilha.
Adeus
Se a um adeus um véu de tule
O recobre, o que se almeja
Transluz do que ele articule.
Não dizer que o céu é azul
Não quer dizer que o não seja.
O coração faz que veja
Mais do que a voz me estipule.
Sítios
Temos medo de saltar
Sítios duros na descida...
Que medo cair pelo ar,
Que medo de nos magoar!
Mas não há outra saída:
Só quem saltar é quem ganha
Encontrar quem do ar o apanha.
Outra
O indivíduo são
Não mata por malvadez.
É outra a razão:
Dinheiro, ciúme talvez,
Política, vingança...
- Encobre isto o malévolo entremez
Que uma tal morte alcança.
Tudo
Tudo na vida são mágicos truques.
O que mais tiver de mágico,
Já que nunca nos visitam reis, só duques,
É ser ela vida
No meio de tudo o que é trágico.
E ainda assim, escondida,
Anda por ali a fímbria dum truque inadvertida.
Quero
Quero ver o sol e o luar
Sempre pela primeira vez.
E o luar e o sol irão,
Então,
Por mor deste entremez,
Despontar
De vez.
Linguagem
Por vezes o amor não fala
Nenhuma linguagem suave.
Deixemo-lo em toda a gala
Explodir com esplendor,
Queimando com o sol grave
Qualquer floresta que trave
O vento dele e o calor.
Transmuda
O milagre transmuda trigo em pão
Pelo labor de minha mão,
A uva em vinho,
Da paciência pelo cadinho,
A morte em vida,
Do sonho ressurgida
Pelo caminho.
Atacam
Quando te atacam, de ódio inflamados,
Pergunta
Se não é de amedrontados,
De aterrorizados
Por uma bruxa qualquer à tua imagem junta.
Se calhar não é nada contigo,
Que até deles és amigo...
Normal
O normal na natureza
É a aceitação.
Não rumina no que preza
Ou despreza,
Se atrás lhe ficou no chão.
Em nós é que o sentimento
Finda atrás, preso ao evento.
Tem
O hábito de não amar
Tem uma solução
De com ele findar:
É, sem hesitação,
Amar.
Por muito que seja, à bruta,
Uma dura luta.
Ocorrer
O que a me ocorrer andar
É o requerido
Para eu trepar
Ao seguinte patamar
Duma vida com sentido.
Mesmo que eu mal o entenda,
O que importa é que ele renda.
Desafio
Desafio e crescimento,
Quando derrubado ao chão,
Ocorrem e são fermento
Para a determinação
E para a superação.
A vida-contra é o momento,
Afinal, de dar a mão.
Torno
Quando me torno consciente
De mim,
Mudei de lente:
O mundo inteiro é diferente,
Com outro colorido,
Desde aqui até ao fim
Tudo muda de sentido.
Turista
Sou turista por ti além,
A desvelar-me a fundura,
A escapar às esquinas que cada prédio tem,
Ao lixo de cada escolha que me depura
O que convém.
Sou turista
De nós na paisagem entrevista.
Quis
Quis nossa vida perpétua.
Todavia, com a morte,
Intercepto-a.
Azar da sorte?
Ou, assim,
No Infinito, por fim,
Injecto-a?
Inteiro
Quando um amor houver,
O amor apaga
A carência doutro amor qualquer.
Não há lugar sequer
Para outra vaga.
O amor preenche de magia
Todo inteiro cada dia.
Onde
Onde quer
Que à minha espera
Ela estiver,
De amor em brasa,
Há-de estar, em qualquer era,
Em qualquer,
E minha casa.
Ferrão
De ferrão agudo,
O amor é bicudo.
Em contrapartida,
De tanto que o vivi,
Vivo pronto a desistir da vida,
De tudo,
Menos de ti.
Elefantes
Ao sabor
Dos elefantes que na vida deixo entrar,
Pouco a pouco tudo se entala.
Não há lugar
Num amor
Para circular
Cheio de elefantes na sala.
Vazio
A morte é triste,
É o vazio do nada
Que para ali existe.
Tudo o mais que em ser persiste
É a alegria de correr pela estrada.
Viver é a alegria
Desta correria.
Apaga-nos
Estar quase morto
Apaga-nos o medo do ridículo.
É o conforto
De aprender,
Fascículo a fascículo,
Que deveras ridículo
É com medo do ridículo viver.
Obra
Qualquer obra de arte
É coração.
Destarte,
Ou é paixão
Ou não
E finda em simulacro tal que até o descarte
A poeira do chão.
Salvar
Amar é a dois.
Porque é que salvar o amor
Não há-de ser, depois,
A dois o que for
De ter de se propor?
Vingarão arrebóis
Do nascer ao sol-pôr.
Segredo
Amar é o segredo a dois,
Total,
Que ambos em seu imo arquivem.
Ninguém mais, pois,
Afinal,
Vive segredo tal:
O segredo que apenas dois vivem.
Alongar
A minha cobardia!
Quanto quis alongar até mais ver
Os dias de cada dia
Só para amanhã nunca mais ser!
E tudo só por medo do que podia
Acontecer...
Que cobardia!