SEXTILHAS IRREGULARES
Muito
Quer muito a quem
Te fizer sair de ti:
Dá-te pequenas mortes dia além
Mas é o que faz a vida
Valer a pena ser aí
Vivida.
Provém
Toda a felicidade
De que o mundo fruir
Provém da vontade
De outrem levar a feliz se sentir.
Se a buscar para mim,
Falho a pontaria até ao fim.
Marretada
Há livros que mordem e perfuram.
Se algum não me abala e desperta,
Marretada na cabeça, a deixar-ma aberta,
Para quê lê-lo se só os mais me curam?
O livro é um machado
A quebrar o gelo de meu mar gelado.
Tido
Tido por superior,
O que nunca foi vencido na lida,
Também nunca será vencedor
Nesta vida.
Mesmo se ninguém o houver entendido,
É apenas um demitido.
Nuvem
Olho a nuvem por onde caminha,
Nunca a atendi o bastante.
Doravante
Olho a surpresa da adivinha:
Sol ou sombra, que é que os em mim provoca?
- E a magia pelos céus fora se desloca.
Dúvida
Ao amar,
Da dúvida no momento,
Importa recordar:
Não andamos sozinhos ao bisturi do vento.
Cada um por igual sente
O mesmo em si cortando rente.
Arrogância
Arrogância
Atrai ódio mais inveja.
Elegância
Desperta respeito e amor.
Arrogância humilha a quem veja,
Elegância abre-me a luz interior.
Complicado
A arrogância a palavra complica,
Que inteligência é apenas para o eleito.
A elegância o complicado simplifica
E todos entendem a beleza
Que os preza
Deste jeito.
Persiste
Quem persiste dia a dia?
Quem fiel cantar a mesma canção
De teimosa alegria
Na função
Que pelo destino na estrada
Lhe for confiada.
Rodeiam-nas
Às estrelas rodeiam-nas planetas,
Nada vive isolado no Universo
E todos rodam em valsas completas,
Não vão devorar-se no sidéreo berço.
E o milagre é que connosco é também assim:
Próximos mas não tanto que me queime a mim.
Ligues
Ao amar, não ligues a quem te diga:
“Por aqui é melhor,
É mais fácil o percurso.”
Tua escolha é o que a ti te liga:
Ouve teu íntimo a ta propor,
Trilha-a, alheio a qualquer alheio discurso.
Sofremos
Sofremos se atacados e feridos
Em nossa dignidade.
A dor maior vem dos indivíduos subidos
Que eleváramos de verdade
Como exemplo à medida
Para nossa vida.
Aldeola
A aldeola pequena
É o céu,
Não foram os afiados picos
Que ela a cada um acena
Num escarcéu
De mexericos.
Inviável
Por trás da semântica
Escondida que tem,
Pondere:
É inviável uma relação romântica
Com alguém
Que a não quiser.
Níveis
O mundo é complicado,
É complicada a vida?
Adiante,
Que este é o dado
Que nos torna a lida
A todos os níveis interessante.
Centra-te
Centra-te nos objectivos,
Não te percas nos altos e baixos
De cotio.
Aquilo é que brune os motivos
E os torna fachos
Onde cada pormenor luziu.
Soma
A nossa história
Sempre foi a soma das escolhas de cada um,
No húmus enraizada em memória
Comum.
Com todos os contras e prós,
Sempre dependeu de nós.
Acontece
Nada acontece por acaso
E na vida, muito menos.
Embora vivamos a prazo,
Grandes e pequenos,
Cada um verifica, assim:
- A vida acontece para mim.
Um
Somos um com o Universo:
Ele está em mim e eu nele.
Não é um verso:
É a minha carne, o meu sangue e a minha pele.
Sentir-me assim
É o princípio, o meio e o Fim.
Fechado
Muito casal
Vive a vida inteira assim:
Fechado ao amor, afinal,
Até ao fim.
Tudo por medo de alguma lesão
Do amor à mão.
Escolha
Amanhã,
Amanhã é uma nova oportunidade.
Decido pela escolha mais sã
Que da fundura me persuade:
O mais que puder, de raiz,
Escolho ser feliz.
Melhor
Cada um para si
É o maior mestre:
É quem melhor se adestre
Para lidar
Com o que o Universo lhe ofertar
Aqui.
Seguir
Para seguir o caminho
Que desejo
Dependo de meu ancinho
E meu beijo.
Doutrem não é nunca efeito,
É de meu jeito.
Assumir
Se assumir ser responsável
Do resultado,
Atinjo um nível elevado.
Tornarei o génio fiável
Ao ser porventura desmedido
Qualquer efeito pretendido.
Conta
Se não tomas conta das manhãs,
Tomam as manhãs conta de ti.
Se as não pões a cozinhar tuas sertãs,
Voas sem intento
Por aí
Ao sabor do vento.
Treino
O treino da vida nunca pára,
Da interior como da exterior.
Quem nisto se enganara
Campeão nunca será naquilo que for.
E muito menos
Se no interior for dos pequenos.
Atitude
A atitude determina
O que sinto.
E o que sinto é a mina
Das atitudes que pinto.
Neste círculo me movo:
Ou o quebro ou nunca terei renovo.
Primeiro
O primeiro a quem magoo
A esmo
Quando não perdoo
É a mim mesmo:
O peso no coração
Mata-me lentamente então.
Mais
Qualquer mestre
É um aprendiz
Que se adestre
A mais e mais ir à raiz.
O caminho, assim,
É o que não tem nem nunca terá fim.
Saltar
Creio
Na verdade deste influxo:
Curar-me é saltar dum bloqueio
Para o livre fluxo.
Tudo cá por dentro,
De mim bem no centro.
Mantenho
Por onde quer que vá
Meu pensamento ou emoção,
Mantenho desde já
Minha decisão.
Apenas assim
Chegarei algum dia a mim.
Treino
Decido
E não executo?
Treino para o olvido
O meu aguilhão arguto.
Um dia, se dele mais preciso,
Ele me arguirá que tenha juízo.
Difícil
A vida, difícil para mim,
É para os mais vida fácil?
Há sempre um monte de serrim
Sob o mobiliário grácil.
Ninguém pode comparar o preço
Do que meço.
Eventos
Não é o corropio
Dos eventos de cotio
Mas o molde-padrão em que os acolhes,
Os julgas, os rejeitas ou recolhes,
O que o efeito determina
Da vida a que impões a sina.
Andamos
Andamos a morrer
Desde que nascemos.
É um passe de mágica
Esta vida trágica.
Bem o podíamos ver...
- Mas veremos?
Mudar-lhe
Seja qual for a conjuntura,
Teremos escolha,
Nem que seja a de mudar-lhe a figura
Da bolha,
No significado que me apura:
Logo outra será dali minha recolha.
Bem-vindo
O que não falta
São campos dentro e fora para trabalhar.
Bem-vindo ao mundo humano!
De cena o pano
Erguido na ribalta,
A função vai começar.
Vulgar
Num vulgar cristão,
De tão fisicalista,
Se raspado,
Encontrarão
A pista
Dum pagão estragado.
Leigo
Em matéria de ciência,
O leigo normal,
Com bom senso atento do factual à evidência,
Pode ser mais avisado e genial,
De teluricamente prático,
Do que qualquer sábio matemático.
Nada
O amor
De que me inundo
É o que há de pior
No mundo...
- E não há nada melhor,
No fundo!
Pinta
És tu o meu país,
Teoria devinda real,
A pinta nos is,
Ponto final.
Atrás de quem corro toda a vida
Dos dias pela avenida.
Deixámos
Deixámos a íntima ferida
Ganhar camadas
E a ferida sempre por curar...
Pára então o amor na subida,
Não há ladeiras trepadas.
- Ao cume como nos elevar?
Quebrar
Quantas vezes rio
Do que magoa!
É admirável quebrar o fastio
E não é nada à toa:
Finda mais leve
O pesadelo que alguém teve.
Criança
A criança vive
A toda a velocidade,
Que nada a esquive
Da alacridade.
Sabe, ignorando,
Que um adulto vem chegando.
Somos
Somos príncipes e princesas
Destronados,
Com tudo e todos os que prezas
Violados.
Precisamos urgentemente de recuperar o trono
Que em nós já tem dono.
Acende
Beijas-me e algo acende em mim.
Minha sina
Até ao fim
É manter-me fiel à luz desta rotina:
Mesmo quando a luz se extinguir
Irei de novo pô-la a luzir.
Custa
Não tenho, porventura, saudades tuas,
Mas custa tanto
Viver às arrecuas
Sem ti
Em mim, aqui
Ao canto!
Levo
Não te levo para a morte
Porque quero-te assim
Mesmo sem mim,
Da vida inteira com a sorte.
Que seja a vida sem fim
O teu eterno transporte!
Salvar-te
Queres salvar-te daquilo que não tens
Com o que, caso o tiveras,
Ignoras se seriam males ou bens,
A deixar-te aqui vazio enquanto esperas.
Maior a falta
De doente crónico sem alta.
Queda
Querer subir mais alto
A ver a fatal queda inevitável,
Que sobressalto
Mais agradável!
- Que o diga
O primeiro sobrevivente desta liga...
Disse-te
Disse-te vai mas queria dizer fica.
Cair no abismo é mau
Mas dói mais e mais complica
Andar sempre a cair, sem alpondras no vau,
A permanente queda...
- Vida, isto? Nem a arremeda!
Lágrima
A lágrima de quem chora
Depõe a força:
Não demora
Em rendido orça.
Aqui me entrego à desistência:
Não sou eu, sou uma falência.
Emoção
A emoção de mãe principia
Ao ver-se grávida um dia.
E acaba quando morre:
Não há dia nenhum doravante ali
Que para si
Aforre.
Monótono
É monótono o correr da vida,
A não ser quando a sorte
Nos dita imediata morte:
Então
Tudo são
Maravilhas em seguida!
Cadeira
Quando a cadeira não é para sentar
Mas para trepar mais alto,
Falto
Ao que a cadeira destinar.
Então, meu porvir
É de mais alto cair.
Resistir
Como resistir à tentação
Que mais magoa
De só querer aquela pessoa
E o resto do mundo, não?
Por mais que doa?...
Que danação!
Vejo-te
Que estupidez em nós demora
Nos traços!
Vejo-te com outrem nos braços
E nunca te quis tanto como agora...
Como custa a morrer
Um amor inda a sofrer!
Enterrou
Sou uma abominação:
Amo uma mulher
Que me não quer...
- Como é que não me enterrou inda este chão?
A paciência dos céus,
Que de vez não me aniquila Deus!
Bebé
Quando tudo em minha vida
Tem fim,
Sou o bebé de mim
Nestoutra gestação revivida.
No útero do mundo
De vida outra me fecundo.
Dor
A dor é um engano
Incontrolável:
Ser humano
É suportar o insuportável.
Daí a eterna luta
Do bem-estar em disputa.
Lágrima
A lágrima purga, tira a dor de mim,
Torna-a visível, palpável,
Concretiza-a, evidente, assim,
Problema verificável.
Aí, perante a questão
É que me desafio a encontrar solução.
Ambos
Ensinar é aprender,
Aprender é ensinar.
Amar
É ambos ser
E viver
A par.
Exalta-se
O amor é uma droga,
Chega e exalta-se a cada tormenta,
Até que me afoga
E me reinventa.
Morte e ressurreição
É de cada dia o quinhão.
Falhou
A pior doença
Dum amor que falhou a contraparte
É ser tua pertença,
É magoar-te.
O resto, murcha de vez a horta,
O amor perdido tudo suporta.
Torna-me
Às vezes a maleita
Torna-me má rês,
A invejar quem, desde que acorda a que se deita,
De lidar com ela não terá de vez.
A minha escolha, todavia, de tal atitude
Mais por ela molda a realidade a que me grude.
Temos
Às vezes temos de chorar
A vida
Mas é de aguentar
Em seguida.
Ela não o merece,
A nós é que o prémio dela nos aquece.
Muito
Há muito quem
Apenas pratique
O bem
Por temor do castigo que se lhe aplique,
O que ocorreria
Se obrara o mal que tanto queria.
Apesar
O problema do amor é a certeza
De amarmos quem não vale nada
E, apesar de tudo,
O amor que o preza,
Fatalmente, sobretudo
À chegada,
Vale tudo.
Entregas
Ou te entregas inteiro à freima
Desalmada,
Em indómita teima,
Ou tua freima não vale nada.
A ponta de teu dedo exibe-a?
Mas é tão tíbia...
Operas
Ou operas o que teu imo
Te obriga a operar
Ou melhor é parar.
Por mais que andes a fremir,
É de parar, que não é teu cimo,
É de parar de mentir.
Bracejar
Se não estiveres em mim
Também de fora para dentro,
É inútil eu bracejar sem fim,
Nem sou eu: perdi meu centro.
Serei de ti mera queimadura
Que em mim supura.
Primeiro
O primeiro beijo adolescente,
O coração aos saltos,
A vida a parar de repente,
O mundo em deslumbramento nos píncaros altos...
A tremenda delícia
Duma frágil blandícia.
Trémulo
Um trémulo beijo adolescente
E que feliz!
Um cancro, maleita permanente?!
Não é nada!
É gente muito enganada
Quem o diz...
Mesmo
“Sou mesmo a mãe do meu filho!”
- Sente qualquer mãe, no fundo.
Acende com isto o brilho
Dos portais todos do mundo.
E afectos em turbilhão
Mil incêndios de vida vida além atearão.
Pode
Ao amar-te, o que em nós vi
Pode ser sandeu:
Só do que vier de ti
Virei eu.
Tudo o mais
Nem de nós terá sinais.
Final
O final de ti,
Receio bem, receio,
É o final, em si,
Do cósmico recreio.
Ao menos para mim:
É fechar de vez a porta, assim.
Deveras
Quando o amor
Deveras for,
O amor só pode morder,
Então,
De prazer,
Nunca de destruição.
Leva-nos
Amar
Leva-nos a obliterar
Tudo,
Singular.
Menos, contudo,
Amar.
Distrai
O amor distrai do secundário
E leva ao fundamental:
Tu, meu assento primário,
Alicerce real.
Pedra angular de meu mundo,
Em ti assente, nunca me afundo.
Andamos
Andamos a amar-nos como nunca
Sem deixar
De como sempre nos amar
Do amor que a vida junca.
É o que permanentemente nos vem livrar
Do que o dia nos trunca.
Adulto
Quando perdemos
O que qualquer adulto sabe
Que nunca mais recuperaremos,
Melhor é ser adulto que criança:
Que tudo de vez acabe,
Já que nada mais alcança!
Lágrima
Há lágrima ao levantar
Como lágrima ao cair.
Amar
É sempre por ambas ir.
E, quando tudo terminar,
Do fundo mais fundo rir.
Mão
A mão que as aves da mata
Leva nela a pousar
É às vezes a que as mata.
Então, ao sol, sob o véu,
Finda o pó a cintilar
Em vez do céu.
Frágeis
Por um lado, frágeis pós,
Perdidos por muitos nortes,
Por outro, somos incrivelmente mais fortes
Do que nós:
Habita-nos um misterioso império
Que, mal damos conta, nos obriga a ser a sério.