SEXTILHAS REGULARES
Importa
Que importa o que conquistei?
O que importa é a relação
Que em tudo for minha lei
A lavrar da vida o chão:
São os que amamos deveras
E nos amam pelas eras.
Heróis
Não devemos conhecer
Nossos heróis, pois esbarro
Em heróis de pés de barro.
Mas, se abençoado estiver,
Já conheço heróis demais
Sempre, sempre em nossos pais.
Ninguém
Ninguém poderá fazer
Jamais os velhos amigos.
Ou os tem mesmo quenquer
Ou não. Em nossos abrigos,
Uma amizade de entrada
Até velha, que jornada!
Alegria
Quando o fogo-de-artífício,
Nossa alegria em crianças,
Se desvanecer, fictício,
As estrelas piscam danças,
Silentes se manterão
Na majestosa amplidão.
Joga-te
Nunca irás saber
Como a vida empolga
Sem tirar sequer
De teu medo a folga.
Joga-te, começa,
Mas já, de cabeça!
Meta
Na vida o que conta
É a tentativa.
Meta é coisa tonta
Em quem sério viva:
Perdê-la, ganhá-la,
Já nos não abala.
Sistema
Tanto a solidão deprime
Que o sistema imunitário
Já nem tem em quem se arrime
E vai-se embora, sumário.
Junto a nós não tem lugar
E tenta-se desligar.
Escrito
Meu escrito é minha voz
Quando minha voz aqui
Já não estiver após.
Nele então sobrevivi,
Não só do lado de Lá,
Algures também por cá.
Entre
Entre a teoria da prática
E a prática da teoria
Diverge muito a gramática
Que tudo ali corrompia.
Quem quer o porvir avante
Tem de ser bem vigilante.
Independente
Não hei-de crer no destino
Independente de mim:
Faça o que fizer o sino
Dele toca sempre ao fim?!
Creio é que ele acontece
Se eu nada tecer que o tece.
Abriu
Como é que o mestre aprendeu?
Foi por muitos questionado
Sobre o que nunca pensado
Houvera no mundo seu.
Coagido a responder,
Abriu a porta do ser.
Interessa
Falaremos do cotio,
Daquelas dificuldades
Que enfrentámos com ousio,
Por mor das fatalidades.
É o que interessa ao futuro:
Um trilho aqui que inauguro.
Corta-lhe
O Verão dos dias quentes
Pode crer que é um benefício.
Corta-lhe o Outono os pés rentes,
Repousa a leira do ofício.
- Não vale a pena assentar,
Tudo muda de lugar.
Vitória
A vitória desta vez
Não chega? Chega a seguir!
Se a seguir não vem, talvez
Chegue além, noutro porvir...
- Cair não é o pior, não,
É findar tombado ao chão.
Instante
Tem paciência de esperar
O instante certo de agir.
Nunca deixes escapar
A fresta que então se abrir,
Tem orgulho das raízes
Que nos deixam cicatrizes.
Cicatrizes
Cicatrizes são medalhas
Gravadas a ferro e fogo
De nossa pele nas malhas
Que nos apresentam logo:
Finda assustado o inimigo,
Quer acerto e não perigo.
Luta
No pino do Inverno
A única folha
No ramo superno
Luta contra a molha,
Luta contra o vento:
- Eis da vida o intento.
Honra
A derrota é dos valentes:
Têm a honra de perder
Como a de ganhar, ridentes,
Sem nunca ao chão se render.
Primo embate é perdedor?
É o de quem desvenda o amor.
Solidão
Sem a solidão, o amor
Não permanece a teu lado.
Vai-te seu repouso impor
Para viajar, inspirado,
Pelos céus, rompendo as normas,
Sempre a inventar outras formas.
Falha
Solidão não é a vazia
Falha só de companhia.
É o momento de nosso imo
Connosco vir conversar,
A decidir qual o cimo
De nossa vida galgar.
Podia
Podia ter corrigido
Antes de a guerra chegar.
Estaria a laborar
Na paz de alguém com sentido.
Todavia, tive medo
De mudar. E então não cedo...
Findar
Quando tudo findar negro,
Sentir-me desamparado,
Não olho atrás o que integro,
Com medo do que hei mudado.
Irei sempre olhar à frente
E aí sou eu, de repente.
Amo
Amo porque amar liberta.
As palavras então digo
Que coragem, pela certa,
Nem de murmurar consigo
Sequer ao menos, por fim,
Ao espelho para mim.
Canto
Canto mais alto a quem amo
Quando andar longe de mim.
Murmuro e terno conclamo
Se perto lhe toco assim.
Mesmo que não me ouça o grito
Nem o meu murmúrio aflito.
Fecho
Não me fecho ao Universo,
Queixume de estar escuro,
Meu olhar ficou converso
Sabendo que a luz que apuro
Leva acaso ao impensado.
Isto é igual do amor ao fado.
Nada
Se nada fizer sentido,
Escreverei o poema
Que por ninguém será lido,
De que nem sei qual o tema
E gritarei, adivinho,
Sempre ao Além do caminho.
Acolha
Que eu me acolha tal qual sou,
Caminho, sinto e converso
Como quenquer com quem vou
Mas sempre à coragem terso,
Apesar de minhas faltas:
Pequenas são, se bem que altas!
Sozinho
Se estou sozinho na cama,
Achego-me da janela,
Olharei do céu a trama
De estrelas, qual a mais bela...
A solidão é mentira:
O Universo tem-me em mira!
Acto
Homem e mulher murmuram
Entre si, que acreditaram
O íntimo acto que emolduram
Que é pecado. E então pecaram.
Onde vivo eis torto o mundo:
Rouba do presente o fundo.
Perder
No sexo mais generoso,
Se só o outro preocupa,
Pode o prazer perder gozo,
Em nós até nada ocupa.
Entramos então em perda:
Isto amor já nenhum herda...
Manifesta
Quanto for espiritual
Se manifesta ao visível
E o visível, por igual,
Se transmuda em invisível.
E neste diálogo tenso
Mais e mais me torno denso.
Fito
Um rio nunca se esquece
Do fito que é de ir ao mar
Como a amizade acontece
No fito de demonstrar
Que a razão só de existir
Por outrem é amor fruir.
Junta-te
Junta-te aos que ouves dizer:
“Tudo embora esteja bem,
É de em frente ir a correr.”
O que é sempre pretendido
- Sabem – vai ser ir além
Do horizonte conhecido.
Ergue-te
Não importa o que sentires,
Ergue-te pela manhã,
Prepara-te para ires
A luz irradiar louçã.
Quem não for cego o teu brilho
Verá no apelo do trilho.
Apenas
Apenas o amor dá forma
Ao que era inviabilizado,
Incapaz até, por norma,
Por alguém de ser sonhado.
E a elegância é o lugar
De a forma manifestar.
Di-las-ão
Palavras belas di-las-ão profetas:
Dormi, julguei que era alegria a vida;
Acordo e vi que era dever de ascetas;
Cumpro o dever e logo vejo, em lida,
Que a vida, enfim, esta alegria é
Do mundo inteiro em minhas mãos de pé.
Maior
Pões a ansiedade à distância?
Não vai desaparecer.
Da vida o maior saber
É o de entender esta instância:
Posso-me assenhorear
Do que quer-me escravizar.
Ontem
O que ontem era inimigo
Porque uma guerra haveria,
Pode hoje ser um amigo
Porque findou ela um dia
E a vida, saindo à rua,
Doravante continua.
Vem
A lealdade é respeito
E o respeito vem do amor.
O amor afasta do estreito
Do imaginário o pavor
Que de todos desconfia,
O olhar puro põe em dia.
Alta
Se um sábio diminuir
Alguém pretende, à montanha
Mais alta o fará subir,
A crer que grão poder ganha.
Mais alto vai, ao trepar,
No abismo se despenhar.
Derrota
Derrota o sábio os guerreiros
Como os guerreiros, o sábio.
A evitar tais atoleiros
Só da paz este astrolábio:
É a paz de quem se convença
A acolher a diferença.
Verdadeiro
Verdadeiro herói não é
O nascido a grandes feitos,
É o de mil nadas ao pé
Que construiu, com mil jeitos,
O escudo de lealdade
Que em redor melhor lhe agrade.
Salva
Quando alguém da morte certa
Salva um qualquer adversário
Ou da traição que o aperta,
O gesto, mesmo sumário,
Vai retirá-lo do olvido,
Nunca mais será esquecido.
Erro
A lealdade é uma escolha
Que é intolerante à traição
Mas que o perdão sempre acolha
Do erro rejeitado então.
Por isto ao tempo resiste
E, ao conflito, mal o viste.
Revelar
Homem ou mulher leal
Não se mostra incomodado
De se revelar tal qual:
O outro a ele igualado
A qualidade e conceito
Logo entende de tal jeito.
Crueldade
Pouco a crueldade vem
Do guerreiro em plena lide.
Do que o manipula advém
Que o ganho e perda decide,
Como mui bem lhe parece,
Que lhe sirvam o interesse.
Testar
Inimigo não é quem
Vem testar tua coragem,
É o cobarde que se atém
A um beco da tua viagem
E, a tentar quanto te lesa,
Vem testar tua fraqueza.
Espalhem
Espalhem as sementes todo o dia,
Todo o sítio por onde vaguearem.
Ninguém sabe onde alguma floriria
Nem onde frutos há que sazonarem.
Quem adivinha a geração seguinte
Que prendas nos oferta e que requinte?
Gosta
Na vida, por muito dura,
Poderei sempre encontrar
O que o meu gosto procura
Até grato ao fim ficar
Por tanta oportunidade
Com que ela ao fim nos agrade.
Dentro
Há muito quem, tendo casa,
Dentro, em casa, não tem lar.
É um sem-abrigo, um sem-brasa
Emocional que queimar.
Tudo gente abandonada...
- E é por si própria, de entrada.
Ei-la
A morte, ei-la igual ao sono:
Este transita entre estados
Acordados de igual dono.
A morte, com iguais dados,
Muda pouco os elementos:
- É entre dois nascimentos.
Desejo
Quando para outrem quero
O que lhe desejo a ele,
Nem isto amor será mero,
Acto acaso é que atropele.
É tudo muito confuso
No mundo do amor que eu uso.
Doutrem
Aprender, mesmo aprender
É doutrem por mediação.
O que disto após fizer
É além cultivar meu chão.
Para ir de mim a mim
Dou a volta ao mundo, ao fim.
Desvendar
A desvendar o passado,
Repara aqui no presente,
Já que dele é o resultado.
A discernir o futuro,
Vê o presente novamente,
Que é daqui que o inauguro.
Degrau
Se um degrau me modifico,
Vem logo o medo, a ansiedade
A travar-me o pé que aplico,
Tal se um desastre me invade.
E, se eu não for persistente,
Volto atrás, não sigo em frente.
Desgasto-me
Enquanto vivo na culpa,
Desgasto-me sem proveito.
Se nada, porém, me inculpa
E responsável me aceito,
Produtivo, a mesa cheia
Sou de quanto me rodeia.
Atingir
Para atingir qualquer pico,
É de trepar à montanha,
Ou pelo sopé me fico,
Perdida a altura. Quem ganha?
Resultado de alpinista
Da vida é trepar a pista.
Cosmos
Por mim, a vida é agradável,
Desagradável também.
Mas o Cosmos, inefável,
Bom ou mau, só o facto tem:
Fala apenas pelo ser
Do que tem de acontecer.
Parte
A vida que tenho agora
Em grande parte é o produto
De escolhas de toda a hora,
Vida fora, até ao fruto.
Não é, pois, toda a corrente
Mas o que é de mim pendente.
Bens
Ter mais bens pode ser bem
E também pode ser mal,
Tudo pende do que tem
O bem atrás por sinal:
Se for partilha de amor
É bem todo o bem que o for.
Também
Decidir não decidir
Também é uma decisão.
Trilho por onde não ir
Ou salva ou é perdição:
É uma escolha como as mais
E os efeitos, tais e quais.
Pastoreio
Toda a escolha é pastorícia:
Ou me pastoreio a mim
Ou outros mais, com blandícia
Ou sevícia até ao fim...
Os heróis da Humanidade
Tocam-nos idade a idade.
Perícia
Quando vou a caminhar,
Tenho uma ideia e não paro.
Quem ma vem depositar,
Se em tal nem sequer reparo?
A perícia do inconsciente
E eu quase sem vê-lo à frente!
Distraio-me
Quando vou a conduzir,
Distraio-me, de repente,
E findo tempos ausente
Mas em frente sempre a ir.
Quem é que vai conduzindo
Enquanto eu longe vou indo?
Trilho
Vou no trilho habitual
A saborear a paisagem.
Não controlo a pedonal
Tarefa durante a viagem:
O inconsciente toma conta
E a consciência em volta aponta.
Querer
Posso muito querer algo.
Se o inconsciente for contra,
Por muito que o ponha em montra,
Um trilho contrário galgo.
E ando dividido assim
Sempre por dentro de mim.
Receita
Que importa se é medicina,
Se é receita paralela,
De interioridade sina,
- Se de cura traz sequela?
De curar cumpriu o fito,
Tudo o mais nem é quesito.
Quiser
Quando algo quiser mudar
Em minha vida, é fazê-lo.
O passado rejeitar
É que é insensato atropelo.
E há tanto quem não avança,
Que enjeita o que atrás o alcança!...
Atitude
Com a atitude correcta
Tenho o efeito requerido.
É um passo além rumo à meta,
Mais um caminho aprendido.
No seguinte desafio
Condutor já tenho um fio.
Julgo
Quando a forma como sinto
Do que eu julgo derivar,
A questão é se me minto,
Erro ao bem e mal julgar:
Se o mau ando a julgar bom,
Mudo à vida inteira o tom.
Externo
O mundo externo é um efeito
Do que eu for dentro de mim.
Se eu não perdoar, atreito
Sou a estragar meu jardim:
Em vez de perfume e flores,
É um cemitério de horrores.
Pedir
Ao pedir que me perdoem,
Então findo às mãos de alguém:
Doem actos ou não doem,
Não serão de mim que vêm.
Aí findo dependente,
Não serei eu mais o agente.
Desculpa
Ao pedir desculpa, admito
Que nalguma coisa errei
E, mostrando-me contrito,
Algo modificarei.
De mão continuo em mim
Do princípio até ao fim.
Busco
Se busco a razão de tudo,
Já perco a oportunidade
De viver. Pelo miúdo
Me disperso, em realidade.
Porque é que qualquer migalha
Há-de importar-me que valha?
Aceitar
Aceitar o que ocorreu
É sinal de inteligência:
O que está morto, morreu.
Porquê chamá-lo à existência
Se é um fantasma na memória
Assim a cantar vitória?
Seguir
Aceitar, seguir em frente,
É o invés de resignar.
Resignar é me alhear
Do desafio presente.
Ao aceitar, abro a porta
À muda que enfim me importa.
Tragédias
Aquele que se resigna
Às tragédias que há na vida,
Aos mais o que ele consigna
É só a compaixão devida.
Outras tragédias reporto
E ele em mãos sem ter o horto.
Pedras
Qualquer vitimização,
Atraia embora carinho,
Não é nunca solução
Para as pedras do caminho.
Em alpondras as conforma:
Saltar duma a outra é a norma.
Perdoar
Terei de perdoar a Deus,
Não por lhe importar isto algo
Ou por eu ser tão fidalgo
Que dê pergaminhos meus.
- É que assim lhe abro a janela
E Ele enfim me entra por ela.
Acto
Qualquer acto de perdão,
Por diverso que se antolhe,
De través nele o que acolhe
É um gesto de auto-perdão:
Por não ter inda acolhido
Deus por trás de mim sentido.
Tomo
Se em mãos não tomo a estrutura,
Obrando a modificá-la,
O que quer que ela segura
Não muda, ao molde se iguala.
Se me quero melhorar,
É o molde que irei mudar.
Novas
Quando novas perspectivas
Leio no que atrás me vem
E limo as arestas vivas
Que me ferem no que tem,
Logo a outros horizontes
Vou indo por novas pontes.
Enfrentar
Se enfrentar o desafio
E me propuser curar-me,
Sem no medo refugiar-me,
Os mais então contagio.
Logo aí quem me rodeia
Devém outro, volta e meia.
Cumprir
No lugar e tempo certo
Estou para minha parte,
No mundo ante mim aberto,
Cumprir com engenho e arte.
Quando o sinto em mim deveras,
Que me pára pelas eras?
Descoberta
O mundo será melhor
Se findar o sofrimento,
Se lograr mudar a dor
De descoberta em momento.
Se agir em conformidade,
Outra será a humanidade.
Levarei
Levarei sempre comigo
O meu eu mais juvenil.
Com ele estou se consigo
Ser meu valente perfil
Ou ser grande quanto posso
Ou ir fundo até ao osso.
Destino
Ignorância, ingratidão,
Eis o destino dos sábios.
Mas depois de mortos, não,
Cantam-nos todos os lábios,
Enquanto, com destra mão,
Lhes roubam os astrolábios.
Factos
Aos factos há quem resista
Tanto que, se um elefante
Tem na sala ali à vista,
Só o admite se, gritante,
À frente mais de través
Ele lhe pisar os pés.
Pontas
A vida tem pontas soltas,
A ciência, soluções
Que trazem, nelas envoltas,
Inda mais fundas questões...
E assim corre a caminhada
Ao infindo prolongada.
Quando
Quando eu e tu somos nós,
Que é que nós vamos fazer?
O nós curar tarde, após,
Quando sentido tiver?
Ou de nós nos curar tanto
Que nada fique entretanto?
Saber
O amor arrisca sem saber porquê,
Sem para quê o amor também arrisca.
Só porque puxa para além, faísca
Onde é de ser, embora quem o vê
Nem saiba onde mas irá ter de ir
Sem ver aonde tem de reflorir.
Sair
Tenho de sair daqui,
Do que já sei o que for,
Para o que é mas nunca vi,
Ao que serei sem supor.
Irei dar a volta ao mundo
Para aqui ser eu meu fundo.
Sonho
O sonho é que não consigo
Deixar mesmo de sonhar.
E, se o conseguir, me obrigo
Outro a sonhar-lhe em lugar.
É que não quererei mesmo
Deixar de sonhar a esmo.
Assustes
Não te assustes nunca, não,
Quando me ouvires gritar,
Antes assusta-te então
Quando me ouvires calar:
Numa campa de algum sonho
É quando as flores deponho.
Viva
Há quem viva mui calado
Com frases até ao centro,
Na palavra amordaçado,
Silêncio com termos dentro.
Se por muitos multiplicas,
Uma explosão pontificas.
Escrevo
Escrevo o conto de fadas
Que sei bem até ao fundo
Que nunca poderei ter.
De humanas horas contadas
Será sempre feito o mundo:
O meio-termo é o meu ser.
Euforia
Quem é feliz nunca viu
A vida lenta a passar,
A euforia expediu
Sempre a vida a acelerar.
Nunca dura o suficiente
Para contentar a gente.
Basta
Basta alguém não estar todo
A não estar todo o amor.
Ser todo é do amor o modo
Ou não tem nenhum valor.
O amor é sem par algum,
É todo ou não é nenhum.
Meio
Um meio amor é uma farsa,
O tecido logo esgarça
Vida fora na corrida:
Falhou a forma devida.
Terá de ser sempre inteiro
Ou se afunda no lameiro.
Pede
Um amor ou é total,
Como pede o coração,
Ou finda no que é banal
E é de mim próprio traição.
Um amor ou é o extremo
Ou é o vazio supremo.
Dizer
Dizer “amo-te” apagado
Ante o sexo de cotio
E depois de consumado
Não é nada, é só vazio.
Não há lume na rotina,
Reduzo a cinzas a sina.
Deste-me
Deste-me o corpo e ficaste
Escondida por trás dele,
Com ele não te entregaste,
Não vieste no tropel.
Não basta a pele a unir
Quenquer que seja a seguir.
Só
Se vivermos no intervalo
Que são à rotina as fugas,
Mais e mais o pé te estugas
Buscando aquele regalo.
Da lonjura aspiro o clima:
É o amor que se aproxima...
Quando
Estou perdido sem ti
E contigo estou perdido.
Quando é que deixaste aqui
De fazer algum sentido,
De, sendo a contradição,
Ser a minha perdição?
Sempre
Sempre algo nos falta,
Não é o amor, não.
É o amor em alta
Quem rejeita o chão:
Quer-nos sempre em voo.
- Mas quem és, quem sou?...
Entre
O amor é de comandar
Para entre nós não haver
Nada a vir-nos separar.
Ou então irá ocorrer
Que isto dita o que acontece
E logo o amor arrefece.
Mágoas
Mágoas solidificaram,
Ficam traumas por resíduo,
Medos que nos desamparam,
Memórias de mal ter sido...
O amor não é insuportável,
A falta é que é insuperável.
Escolher
Como escolher entre sonhos
Quando um for dum outro a morte?
Se, ao repartir-lhe os medronhos,
Findo eu contra meu consorte?
É que, escolha o que escolher,
Mato em lugar de viver.
Escolha
Se entre teu sonho e meu sonho
Tiver mesmo de escolher
A toda a escolha me oponho,
Escolha não há qualquer:
Nenhum sonho, ali ao ir,
Pode nunca resistir.
Findarás
Se meu sonho for a escolha,
Findarás de mim com raiva;
Se for o teu, a recolha
É raiva em mim que nem caiba.
Se o não pusermos de lado,
Morremos nós deste estado.
Pedir-me
Não podes pedir-me o mal
Só para fazer-te bem.
É que não muda o sinal,
Vai fazer-te mal também.
E é detestar em seguida
Tudo o que for nossa vida.
Embora
Ao querer ser quem eu sou,
Foste-te embora em amuo.
É mau decidir se vou,
Se só assim vou sem recuo?
Deixas-me fechado em mim:
Triste é quereres-me assim.
Onde
Amar é querer saber
Onde está quem a gente ama,
Longe embora, sem se ver,
Do mundo distante em trama.
Como o sinto, que a lonjura
Até nos o afecto apura!
Raiva
Eu tenho raiva de mim:
Demitir-me por amor?!
De mim que é que fica ao fim
Se não sou de mim senhor?
O inferno é que em mim se cava,
Não o céu que me encantava.
Agora
Agora que te não tenho
Não pergunto o que nos falta,
Que não faltava ao desenho
Nada na nossa ribalta.
Só me faltava saber
Quanto custa não te ter.
Deixar
Irei deixar de pensar
Que não estás quando estás
Como sempre no lugar,
Não tanto à frente, lá atrás...
Para quê conjecturar
Se o que eu preciso é de amar?
Ruptura
A ruptura que é de vez,
Se por fim é temporária,
Traz o melhor do entremez:
A paixão de vez, sumária.
No pior que lá ocorreu
O melhor aconteceu.
Selva
Eu em ti mais tu em mim
E com um filho connosco,
Melhor ainda, por fim,
Da selva me desembosco.
Finalmente à luz do dia
Caminho por minha via.
Deixo
Não deixo de ser quem sou,
Com tudo de bom e mau,
Só por haver quem cuidou,
Nos oiros de seu landau,
Que eu seria ou vinha a ser
Uma outra coisa qualquer.
Meio
É no meio da desgraça
Que findo parado assim,
Paralítico na traça,
Muro a cortar-me de mim.
É mesmo o pior receio:
Sou eu meu maior bloqueio.
Tristeza
É a tristeza aquele muro
Que nos separa de nós,
Do que valho, que asseguro,
Do que sou cá sob as mós
Pesadas que moem dor,
Caído eu neste estupor.
Recomeços
Em cada dia tropeço
Em recomeços e afins.
E para cada começo
Hão-de existir tantos fins!
Como é que pode uma escolha
Garantir que fim recolha?
Fins
A vida, da quantidade
De fins por cada começo
Que oferece, que ofereço,
Dói, que é sempre ambiguidade.
Por isto é que vale muito:
É um dom de entrega gratuito.
Embora
Quando amamos quem amamos,
Com quem amamos vivemos,
Muito embora nunca amemos
Que amemos com quem vivamos.
O amor leva o insuportável
A sofrer mais intragável.
Foges
Quando foges dum amor,
Dum amor vais a caminho:
A volta dá o corredor,
No fim fica o próprio ninho.
É no ponto de partida
Que a chegada instaura a vida.
Camada
Quantas vezes, por amor,
A camada de mentira
Barro no caos de dor
Que nos escurece a mira!
Se um sofrer, porquê nós dois,
Se assim te poupo depois?
Acompanhar
Acompanhar na dor
É uma dor sem raiz,
Dor de seja quem for
Mas dor que nos não quis.
Nada pode fazer:
Que ser ali, que ser?...
Mascaradas
Chega de fazer de conta
E de mascaradas chega!
Serei eu na dor de ponta,
Ninguém mais aqui lhe pega.
Terei de sofrer sozinho
Comigo, em mim, no meu ninho.
Nenhum
Nenhum pai merece,
No meio dos milhos,
No meio da messe,
Que lhe morram filhos.
É o mundo volvido
Sempre ao sem-sentido.
Sofrer
Sofrer requer solidão
A entender como lidar
Com o que nos dói então,
O ângulo encontrar melhor
Para poder aguentar
Desde aqui de dentro a dor.
Liberdade
Liberdade ir atingindo
É tudo o que nós queremos,
Não apenas ir sorrindo
Ao nada que nós podemos.
E quão mais podemos nós
Do que cuidemos, após!
Mude
Há quem mude por doença,
Por impossibilidade.
Mas muda a sério presença
É por paixão, por vontade.
Pode matar-me o feitiço,
Não vou morrer antes disso.
Orgulho
Tenho orgulho no tamanho
Do amor que tenho por ti
E vergonha deste amanho
Pobre que dele atingi.
É um amor indescritível
E eu, parco, a imitar-lhe o nível.
Dizes
Pelo que dizes me matas,
Pelo que eu quero que digas
E tu nunca, nunca acatas,
Tudo diz que me nem ligas.
Raro um ao outro diremos,
Afinal, o que queremos.
Vale
De que vale a vida inteira
Ser amado por alguém
Se a percepção, funda asneira,
Nunca entende o amor que tem?
És aquilo que sentires,
Não o que és na vida ao ires.
Salta
Amor que é um amor à toa,
Gozo em gozo salta além.
O amor que mais nos magoa
É o amor que vai e vem.
O amor que mais gratifica
No gozo de ir além fica.
Portas
Há portas que, quando batem,
Batem deixando esperança,
À espera que a abrir desatem
Trazendo o que o sonho alcança:
Trazer quem as fez bater
Para o sonho aqui valer.
Maldade
A maldade da palavra
É que não tem anti-termos,
Magoa-nos, escalavra,
Deixa-nos ao fim bem ermos.
É tudo mui fundo, escuro,
Rouba tudo o que procuro.
Enche
Quando eu te vejo, te vejo,
Todo este ar se enche de ti
E sorri daquele harpejo
De silêncio que em ti vi.
Que é que em ti há de fundura
Que ao mundo talha a figura?
Corpo
Tenho um corpo deprimido,
Corpo desapaixonado,
Por ele próprio apagado,
Buscando-se, desvivido,
À procura de encontrar-se...
– Isto mata. E eu sem disfarce!
Futuro
É quando às portas da morte
Que o futuro é só o passado,
É o que foste e com que sorte,
Corres quanto foi amado.
Correrás por dentro, agora
Que já não podes por fora.
Poder
O poder do que não temos
Estrangula a jugular:
Dominá-lo poderemos?
De vez veda o patamar?...
Se se tornar obsessão,
Dos dois modos joga ao chão.
Paisagem
Amor unilateral,
Um dos lados o outro a amar,
O outro sem saber de tal.
Fria paisagem lunar,
No limite pode ser
Só isto um amor qualquer.
Riso
O riso não passa, fica.
Queremos envelhecer
Com quem o riso pratica,
Que o tempo passa a correr.
Ao que dói isto ameniza,
Brinca ao sério que inferniza.
Lume
Um lume novo qualquer
Será um novo combustível,
Fará o velho fenecer
No lar frio, mal credível.
Assim os novos amores
Dão as venenosas flores.
Humor
Humor feito com amor
Ganha tamanho, espessura,
Não é só o riso que for,
É duplicado em fundura.
Mais que amor vai ser então,
Vai ser humor com paixão.
Arde
Arde a saudade, animal,
Tento extraí-la de mim
Mas nem o sono me vale,
Que peito dorido é assim.
Tiro em minha identidade,
Não liga à minha vontade.
Felicidade
Felicidade optimistas
Deixa-nos, a acreditar
Que viáveis todas as pistas
São que se queira enfrentar.
Tudo em nossas mãos transposto
Pode ser que tenha um rosto.
Leva
Ai de nós se não amarmos
Dum amor que leve a amar
Quem amamos, apesar
De deformados andarmos,
Todos doentes e carecas
Em desertas vidas secas!
Perde
Quando se perde um amor,
Ninguém volta então atrás,
O amor perdido não traz
Ataduras em redor.
E amor a sério, não verde,
Amor não é que se perde.
Labaredas
Labaredas que me queimam
São aquelas que te tocam,
As mais que sobre mim teimam
Nem sequer dor me provocam.
Ou doem mas de dor pouca,
Que a tua em mim é que é louca.
Pronto
Estou pronto para o pior
Mas, quando o pior acontece,
Acontece que me esquece
Que o pior não é o que for:
Uma coisa é a teoria,
Outra, o acto a pô-la em dia.
Estamos
Quando estamos, é de estar
Onde um amor estiver
Ou não estamos, a par,
Em lugar nenhum qualquer.
Um sem-abrigo de gente,
Ninguém dentro, de repente.
Efeitos
Que alegria conseguir
Que os efeitos que nos miram
Do que operámos, ao ir,
Que tanto acaso nos firam,
Conseguir que nunca o traço
Sejam do que sou e faço!
Elogia
Compreensão e grandeza:
Elogia e não ofendas.
Vai em frente, larga a presa,
Silêncio, que te não prendas.
Gasta-te a romper caminho,
Não a acalhoar o vizinho!
Andas
Foste fugir sem saber
Do que andavas a fugir.
Andas hoje a entender:
Foi do amor te escapulir...
Há maior idiotia
Que quem amava e não via?
Melhor
Ninguém às portas da morte
Irá clamar com valor
Que o melhor que teve em sorte
Na vida não foi o amor.
O inesquecível lembramos
Que é seja o que for que amamos.
Posso
Tanto posso amar alguém
Porque me tira da calma
Como posso amar, porém,
Porque paz me traz com alma.
O amor exalta ou aterra:
É tanto paz como guerra.
Perfeito
O amor perfeito teria
Em dose ideal paz e guerra.
Perfeito, nunca haveria,
Que somos quem lá se aferra.
Matamo-lo ou em rotina
Ou em busca doutra sina.
Deixes
Não deixes de me querer,
Muito embora eu te não queira:
Meu ego ao me enaltecer,
Dos píncaros moro à beira...
- É só ali largar-lhe a rédea,
Descamba a vida em comédia.
Momento
Um momento bem feliz
Que na vida te convida
É aquele em que ela te diz
Que irás continuar com vida.
Mormente quando, entretanto,
A morte te espreita ao canto.
Igual
Sou bem mais do que pareço
E o que pareço igual sou.
É bom que o que fora teço
Seja o melhor que me dou.
O melhor fora moldar
É dentro melhor findar.
Exige
A vida exige o demais
Tal como exige o de menos.
Há momentos que são tais
Que escoam ambos os drenos.
Há momentos para tudo,
Moldam-me a história em que mudo.
Felicidade
Felicidade é beleza.
Por mais lindo que ele seja,
O infeliz que a vida lesa
Não é lindo que se veja.
A não ser quando a lesão
Transfigure em comunhão.
Caso
Caso para que o papel
Ajude a apagar em mim
A confusão do tropel
Da vida antes deste fim.
Ponho-lhe um ponto final
Que a ajude a findar tal qual.
Estupidez
Apaixonar-me de alguém
É estupidez partilhada.
E a sabedoria tem
Este pendor à chegada.
O amor tem isto de incrível,
Por isto é que é irresistível.
Pateta
Muito pateta é cuidar
Que quão mais outrem magoamos
A nós bem menos, a par,
Afinal, nós nos firamos.
Canhão de recuo à ré,
Firo-me a dobrar até.
Magoar-me
Perdes a vida a querer
Magoar-me sem entender
Que só a ti mais te magoa:
Não me dói. Faz que te doa?
Ao atear lume em tal frágua,
Vais é eternizar-te a mágoa.
Mentira
Não há mentira maior
Que quem ama pretender
Que a salvo estará do amor.
Ainda bem, é o que há-de ser:
Ninguém manda na raiz
Do amor que quis ou não quis.
Chão
O amor é que nos acode
Quando andamos a cair
Ao chão que com tudo pode.
E é o que de cabeça a ir
Ao chão também nos obriga,
Contraditório na briga.
Nunca
Amar é nunca ao relento
Andar, sempre protegido,
Sempre a coberto do vento
Que fira em qualquer sentido.
Só do amor a inteira ausência
Do desamparo é vivência.
Sempre
Sempre em descontentamento
Sem nunca saber porquê?
É do amor do Outro o fermento,
Do Outro Mundo, a ver se o vê.
Quem se não põe a caminho
Mata o amor por desalinho.
Sonha
O amor nunca é saciado,
Sonha a vida prometida.
Ora, o sonho é doutro lado,
Nunca aqui tem a medida.
Sermos o insuficiente
É a marca de sermos gente.
Falta
Nunca estou a preencher-me,
Falta de mim algo em mim.
Não nasci para ser verme,
Sonho-me infinito assim.
Não há como encher-me a pia,
Por mais que cheia, é vazia.
Perene
O perene insatisfeito
Sempre é um desapaixonado,
De si primeiro e, a eito,
De todos por todo o lado.
Queira ou não, somos sempre isto,
Do Infindo um fermento em quisto.
Loucura
A loucura de eu amar
É saber que sou um louco
Mas precisar disto um pouco
Para são continuar.
E então devir tolerável
Esta vida infatigável.
Sombra
Não quero nada contigo
E contigo ando a sonhar,
És a sombra em meu abrigo,
Sem querer a apunhalar.
Um punhal tal que eu, sem jeito,
Não logro arrancar do peito.
Manda-me
Para sempre amar-te
Manda-me a emoção
E eu a rejeitar-te,
A vontade à mão:
Sempre embora a amar,
Não, não vou voltar!
Fria
Todos iremos partir.
A História é uma refeição
Fria, após toda a função
Servida, logo a seguir.
E depois de resfriados
Os mortos são bem tratados.
Castrou
Todos somos criativos
Até chegar a adultez.
A adultez castrou os vivos,
De nós menos que nós fez.
O adulto cresce, sortudo?
- Nos sonhos, não: matou tudo.
Cão
O cão ama a vida toda,
Certo de ser imortal
Dentro do que ama. Afinal,
Nem tem a vida outra coda.
Para o cão nem para nós:
Atam-nos iguais cipós.
Desato
Quando não olho e não vejo,
Desato então a apalpar,
Sentir, ouvir e cheirar...
Todo o outro sentido almejo:
Sabem bem, devêm fortes,
Tão intensos! Quais desnortes?!
Olho-te
Olho-te e sinto-me em casa.
Corre o tempo sobre o amor,
Apaga o lume na brasa
Mas o morrão dá calor,
Ao primo sopro o rubor
Incendeia e tudo abrasa.
Sonho
Os miúdos a correr,
Os miúdos a sonhar.
E nós a sonhar qualquer
Sonho com eles a par.
- Como eu contigo queria
Brincar também todo o dia!
Amo-te
Amo-te apesar de ti,
De continuar na certeza
De que nunca mais aqui
Vamos amar-nos, que lesa...
Mas se é junto ser feliz,
Quem não quer, quem o não quis?...
Quando
Quando amas, o tempo voa.
Feliz, o dia esvoaça;
Preocupado, o andar retraça,
Devagar, um trilho à toa;
Tropeça, se em desespero:
Nele atolado, eis-te um zero.
Dois
Quando os dois amam a sós,
Onde a fuga para o nós?
Onde é que os trilhos incertos,
Tão desiguais descobertos,
Poderão rumar na esteira
Um doutro de igual maneira?
Teremos
Apenas ser eu e tu?!
Teremos de ser um nós,
A atarmo-nos sem tabu
Em nossos firmes cipós.
A trepar aos céus leveiros,
Cada vez mais Nós inteiros.
És
És a que eu adoro em mim,
Em meus sonhos, emoções,
Nas tropelias sem fim
Dos dias aos tropeções.
Por trás contigo desenho
Um mundo outro a que eu advenho.
Óculos
Os teus óculos colocas
A segurar o cabelo
E a lógica ali tu trocas
Em gramática do belo.
Ninguém decifra a linguagem
Que me estremece em voragem.
Creias
Não creias no amor, não creias!
Em tua falta de siso
Vai-te ele encher às mancheias...
Nunca mais ganhas juízo?
- Um amor sempre acontece,
Mais inda se o não parece.
Apertou-me
O abraço foi bem de leve
E em mim apertou-me todo.
Fechado em mim, só me teve
De ver engolir o engodo.
Na emoção que me rasteira
De quem sou eu perco a esteira.
Impedir
Que não seja nunca orgulho
A nos impedir de amar!
Caí de borco no entulho?
Logo voltarei a andar...
Alguém tenha, pois, coragem
De partir para a viagem!
Darei
Darei o melhor de mim.
O melhor, porém, que eu der
Poderá não ser, ao fim,
O melhor te acontecer...
Tem de haver querer comum
Ou não há querer nenhum.
Milagre
Meia dúzia de palavras
E pode um milagre haver.
Milagre não é só lavras
Onde sementeira houver.
Da fala é também coragem:
Faz de milagres triagem.
Contar
É de contar a verdade,
Mesmo que a verdade nada
Bom traga à comunidade.
A verdade proclamada
Só por si é já fazer
Algo bom acontecer.
Amar
Amar só mesmo é poder
Amar, faça o que fizer.
E não poder nada mais
É só que o não precisais.
É um afloramento estranho
Dum outro mundo que eu ganho.
Cuidar
Vamos amar-nos, cuidar-nos,
Cuidar bem de ti, de mim
Como nunca antes de amar-nos
Cuidámos de nós assim.
Cuidar de ambos cada, após,
É criar-nos como um nós.
Ilha
A ilha em frente da nossa
É que é sempre a ilha bela.
A nossa tem uma mossa:
O hábito o belo esfacela.
És tu minha ilha diante:
Eu sou comum; tu, flamante.
Vitória
A vitória sobre o amor
Falhado será da fuga?
Sob o amor é que é de a impor:
Quem se muda é quem se estuga.
O amor é tão persistente,
Vai na morte inda na gente!
Sempre
Amar é sempre cair
Para o lado: na presença,
De tanto a vida fremir;
Na ausência, pela sentença
Dum vazio a me morder
Tanto que é melhor morrer.
Saber
Saber de ti, não, assim,
Depois do amor recusado.
Quero saber é de mim,
Em mim especializado.
Quero ver o que faz bem
Até lá chegar também.
Palermice
Não há o insubstituível?!
Que palermice rasteira!
Cada um, no próprio nível,
De insubstituível se abeira:
Pessoas únicas somos,
Doutro igual nunca dispomos.
Insubstituíveis
Quem nos vier substituir,
De insubstituíveis reais
Que somos, na vida ao ir,
Só nos tornará imortais:
Já o somos por natureza,
Mais agora em quem nos preza.
Ponto
Quem amar o ponto fraco
Do par irá ver de início.
Todavia, não o ataco
Em meu próprio benefício.
É a diferença entre amor
E um laço outro que é menor.
Íntimo
Amo-te sem desviar
Para nem tempo perder,
No íntimo a te preservar
Até quando o fim vier.
É que, para além do fim
Iremos os dois assim.
Ama
Todo o amor ama em silêncio
Ou é falência de amor.
Ao amante o amor convence-o
À paz, bem-estar, calor...
Não é, pois, uma tristeza,
Antes infinda beleza.
Desapego
Se o desapego acontece,
Já não há mais volta a dar.
Amar é apegar, sem stresse,
Como é também precisar.
Quando chego ao desapego,
Nem à terapia chego.
Lentamente
Amar é a sabedoria
De também saber calar.
Saber sentir a magia
Lentamente a perpassar.
Cada um num mundo a sós,
Os dois laçados em nós.
Sofre
Quem sofre é que se envolveu,
O que é já muito melhor
Que quem sofre e nunca viu
O que é que envolver-se for.
Antes por amor sofrer
Do que nunca amado ter.
Vive
Não vive quem nunca sofre,
Que não tem profundidade
Que permita abrir o cofre
E sentir a identidade
Nem do bem que lhe acontece,
Nem do mal que o arrefece.
Confundiu
Amar é sempre ir além,
Além do que for amável,
Mesmo até do aconselhável...
Sem além que amor se tem?
Quem parou pelo caminho
Confundiu voo com ninho.
Carência
A carência, no limite,
É sintomatologia
De amor-próprio sem desquite,
Falta dele na fasquia.
Leva a que quenquer aceite
Seja o que for que o aleite.
Fome
A fome funda de amor
Requer todas as vitualhas:
De amor a fome que o for
Não se mata com migalhas.
Só o farto ao amor compete,
Tem de ser sempre banquete.
Emoção
A emoção dá-nos o mundo:
Durante uma tempestade
O que se levanta fundo
É o que sinto que me invade.
Quais ondas ou tsunami?
Andam longe, mal os vi...
Será
Amar será proteger
Muitas vezes quem amamos
De quem ama e que ele quer,
Que este podres só tem ramos.
Pode ser muita a atracção
- Mas que fazer dela então?
Cheios
Amar é cheios de nós
Sermos de modo capaz
E com os nossos bandós
A bambolear em paz.
Não é mau, é perceber
Que algo valho e em mais vou crer.
Conhecer-nos
É de conhecer-nos bem
Para então bem nos amarmos.
Quem se não conhece quem
Ama? É só nos enganarmos...
Amar o que nem existo
É menos que amar um quisto.
Sincero
Ser sincero com quem amo
É ser generoso e dar,
Dar tudo o que sou e tramo
Vir a ser de singular.
É dar tudo o que tiver
De mim próprio para ser.
Serei
Serei da mulher que eu ame
(E não da que a mim amar)
Adolescente que trame
Como a mim eu te enlaçar.
E nem as cãs da velhice
Me impedem desta tontice.
Voltas
Mal tu voltas, volto a ti,
Não vai haver volta a dar:
A revolta que senti
Não sinto, envolto em teu ar.
Contigo rendo-me, entrego-me...
- Sou tão lúcido que cego-me!
Deixar
O amor sempre é deixar ir,
Derrota toda a coragem
Que contra ele sentir.
Ele é a razão da voragem
Que a coragem tem à mão
E que faz tremer o chão.
Combatemos
Só combatemos o medo
Quando deveras amamos.
Como então é que concedo
Ir contra um amor que amemos,
Se a coragem que arvoramos
É dele que a recolhemos?
Afinal
Amar, por incrível
Que, afinal, pareça,
É sempre possível,
Ao menos à peça:
Mesmo na lonjura
Dou-lhe o que o apura.
Mesmo
Amar mesmo é agradecer.
Ao dizer que amas alguém
É obrigado então dizer
De todo o teu imo a quem
Te faz deveras sentir
Dentro em ti o céu bulir.
Difícil
Amar sempre é acreditar
Nalgum inacreditável.
É difícil e sem par?
Não tem de ser, se fiável.
Amo para ser feliz:
Com jeitinho, é de raiz.
Sempre
Amar é aquele lugar
Para o qual todos queremos
Para sempre viajar.
E ou ganhamos ou perdemos.
É uma sorte singular
Trepar até o patamar.
Amainar
O amor de amainar a dor
Há-de ter por muitas vezes,
A mágoa acalmar que for
Matiz de dias ou meses.
O amor aí ponderado
Tem de ser em todo o fado.
Longe
Vou para longe de ti
E do que em mim representas:
Quem amo é que assim deli,
De rejeitado em tormentas.
Apenas assim quenquer
Poderá sobreviver.
Curta
A vida é curta demais
Para se viver normal,
É de ser demencial
Em quaisquer ruas e cais:
Em tudo o que quero e amo
Saltarei de ramo em ramo.
Agir
Não é a vida de pensar,
É de agir, é de viver.
O que sinto é de agarrar,
Ir ao sonho que se quer,
Ir ao fundo, até o começo
Onde o que é de ser eu meço.
Ouses
Não ouses apenas passos
Que sabes que podes dar,
Abre-te aos grandes compassos
Onde o pé te não chegar.
Só quem arrisca o que for
Tornará o mundo maior.
Mudes
Não mudes a fim de ser
Pelos demais bem aceite.
Sê o que és, é o teu dever,
Atira-te! Nada enjeite
Teu sonho na caminhada,
Que ou vai tudo ou não vai nada.
Recuses
Não recuses uma piada,
Nem o abraço que é de dar,
Nem o de acolher, a par.
Quem amas dá-te morada:
Ama, pois, e deixa amar
E tenta e deixa tentar!
Deixa
Quem se deixa ao canto à espera
Do que a vida lhe trouxer
Nem vestígios de quimera
Algum momento há-de ter.
Não esperes pela vida,
Ataca, que é a que convida!