SEXTILHAS REGULARES

 

 

 

Importa

 

Que importa o que conquistei?

O que importa é a relação

Que em tudo for minha lei

A lavrar da vida o chão:

São os que amamos deveras

E nos amam pelas eras.

 

 

Heróis

 

Não devemos conhecer

Nossos heróis, pois esbarro

Em heróis de pés de barro.

Mas, se abençoado estiver,

Já conheço heróis demais

Sempre, sempre em nossos pais.

 

 

Ninguém

 

Ninguém poderá fazer

Jamais os velhos amigos.

Ou os tem mesmo quenquer

Ou não. Em nossos abrigos,

Uma amizade de entrada

Até velha, que jornada!

 

 

Alegria

 

Quando o fogo-de-artífício,

Nossa alegria em crianças,

Se desvanecer, fictício,

As estrelas piscam danças,

Silentes se manterão

Na majestosa amplidão.

 

 

Joga-te

 

Nunca irás saber

Como a vida empolga

Sem tirar sequer

De teu medo a folga.

Joga-te, começa,

Mas já, de cabeça!

 

 

Meta

 

Na vida o que conta

É a tentativa.

Meta é coisa tonta

Em quem sério viva:

Perdê-la, ganhá-la,

Já nos não abala.

 

 

Sistema

 

Tanto a solidão deprime

Que o sistema imunitário

Já nem tem em quem se arrime

E vai-se embora, sumário.

Junto a nós não tem lugar

E tenta-se desligar.

 

 

Escrito

 

Meu escrito é minha voz

Quando minha voz aqui

Já não estiver após.

Nele então sobrevivi,

Não só do lado de Lá,

Algures também por cá.

 

 

Entre

 

Entre a teoria da prática

E a prática da teoria

Diverge muito a gramática

Que tudo ali corrompia.

Quem quer o porvir avante

Tem de ser bem vigilante.

 

 

Independente

 

Não hei-de crer no destino

Independente de mim:

Faça o que fizer o sino

Dele toca sempre ao fim?!

Creio é que ele acontece

Se eu nada tecer que o tece.

 

 

Abriu

 

Como é que o mestre aprendeu?

Foi por muitos questionado

Sobre o que nunca pensado

Houvera no mundo seu.

Coagido a responder,

Abriu a porta do ser.

 

 

Interessa

 

Falaremos do cotio,

Daquelas dificuldades

Que enfrentámos com ousio,

Por mor das fatalidades.

É o que interessa ao futuro:

Um trilho aqui que inauguro.

 

 

Corta-lhe

 

O Verão dos dias quentes

Pode crer que é um benefício.

Corta-lhe o Outono os pés rentes,

Repousa a leira do ofício.

- Não vale a pena assentar,

Tudo muda de lugar.

 

 

Vitória

 

A vitória desta vez

Não chega? Chega a seguir!

Se a seguir não vem, talvez

Chegue além, noutro porvir...

- Cair não é o pior, não,

É findar tombado ao chão.

 

 

Instante

 

Tem paciência de esperar

O instante certo de agir.

Nunca deixes escapar

A fresta que então se abrir,

Tem orgulho das raízes

Que nos deixam cicatrizes.

 

 

Cicatrizes

 

Cicatrizes são medalhas

Gravadas a ferro e fogo

De nossa pele nas malhas

Que nos apresentam logo:

Finda assustado o inimigo,

Quer acerto e não perigo.

 

 

Luta

 

No pino do Inverno

A única folha

No ramo superno

Luta contra a molha,

Luta contra o vento:

- Eis da vida o intento.

 

 

Honra

 

A derrota é dos valentes:

Têm a honra de perder

Como a de ganhar, ridentes,

Sem nunca ao chão se render.

Primo embate é perdedor?

É o de quem desvenda o amor.

 

 

Solidão

 

Sem a solidão, o amor

Não permanece a teu lado.

Vai-te seu repouso impor

Para viajar, inspirado,

Pelos céus, rompendo as normas,

Sempre a inventar outras formas.

 

 

Falha

 

Solidão não é a vazia

Falha só de companhia.

É o momento de nosso imo

Connosco vir conversar,

A decidir qual o cimo

De nossa vida galgar.

 

 

Podia

 

Podia ter corrigido

Antes de a guerra chegar.

Estaria a laborar

Na paz de alguém com sentido.

Todavia, tive medo

De mudar. E então não cedo...

 

 

Findar

 

Quando tudo findar negro,

Sentir-me desamparado,

Não olho atrás o que integro,

Com medo do que hei mudado.

Irei sempre olhar à frente

E aí sou eu, de repente.

 

 

Amo

 

Amo porque amar liberta.

As palavras então digo

Que coragem, pela certa,

Nem de murmurar consigo

Sequer ao menos, por fim,

Ao espelho para mim.

 

 

Canto

 

Canto mais alto a quem amo

Quando andar longe de mim.

Murmuro e terno conclamo

Se perto lhe toco assim.

Mesmo que não me ouça o grito

Nem o meu murmúrio aflito.

 

 

Fecho

 

Não me fecho ao Universo,

Queixume de estar escuro,

Meu olhar ficou converso

Sabendo que a luz que apuro

Leva acaso ao impensado.

Isto é igual do amor ao fado.

 

 

Nada

 

Se nada fizer sentido,

Escreverei o poema

Que por ninguém será lido,

De que nem sei qual o tema

E gritarei, adivinho,

Sempre ao Além do caminho.

 

 

Acolha

 

Que eu me acolha tal qual sou,

Caminho, sinto e converso

Como quenquer com quem vou

Mas sempre à coragem terso,

Apesar de minhas faltas:

Pequenas são, se bem que altas!

 

 

Sozinho

 

Se estou sozinho na cama,

Achego-me da janela,

Olharei do céu a trama

De estrelas, qual a mais bela...

A solidão é mentira:

O Universo tem-me em mira!

 

 

Acto

 

Homem e mulher murmuram

Entre si, que acreditaram

O íntimo acto que emolduram

Que é pecado. E então pecaram.

Onde vivo eis torto o mundo:

Rouba do presente o fundo.

 

 

Perder

 

No sexo mais generoso,

Se só o outro preocupa,

Pode o prazer perder gozo,

Em nós até nada ocupa.

Entramos então em perda:

Isto amor já nenhum herda...

 

 

Manifesta

 

Quanto for espiritual

Se manifesta ao visível

E o visível, por igual,

Se transmuda em invisível.

E neste diálogo tenso

Mais e mais me torno denso.

 

 

Fito

 

Um rio nunca se esquece

Do fito que é de ir ao mar

Como a amizade acontece

No fito de demonstrar

Que a razão só de existir

Por outrem é amor fruir.

 

 

Junta-te

 

Junta-te aos que ouves dizer:

“Tudo embora esteja bem,

É de em frente ir a correr.”

O que é sempre pretendido

- Sabem – vai ser ir além

Do horizonte conhecido.

 

 

Ergue-te

 

Não importa o que sentires,

Ergue-te pela manhã,

Prepara-te para ires

A luz irradiar louçã.

Quem não for cego o teu brilho

Verá no apelo do trilho.

 

 

Apenas

 

Apenas o amor dá forma

Ao que era inviabilizado,

Incapaz até, por norma,

Por alguém de ser sonhado.

E a elegância é o lugar

De a forma manifestar.

 

 

Di-las-ão

 

Palavras belas di-las-ão profetas:

Dormi, julguei que era alegria a vida;

Acordo e vi que era dever de ascetas;

Cumpro o dever e logo vejo, em lida,

Que a vida, enfim, esta alegria é

Do mundo inteiro em minhas mãos de pé.

 

 

Maior

 

Pões a ansiedade à distância?

Não vai desaparecer.

Da vida o maior saber

É o de entender esta instância:

Posso-me assenhorear

Do que quer-me escravizar.

 

 

Ontem

 

O que ontem era inimigo

Porque uma guerra haveria,

Pode hoje ser um amigo

Porque findou ela um dia

E a vida, saindo à rua,

Doravante continua.

 

 

Vem

 

A lealdade é respeito

E o respeito vem do amor.

O amor afasta do estreito

Do imaginário o pavor

Que de todos desconfia,

O olhar puro põe em dia.

 

 

Alta

 

Se um sábio diminuir

Alguém pretende, à montanha

Mais alta o fará subir,

A crer que grão poder ganha.

Mais alto vai, ao trepar,

No abismo se despenhar.

 

 

Derrota

 

Derrota o sábio os guerreiros

Como os guerreiros, o sábio.

A evitar tais atoleiros

Só da paz este astrolábio:

É a paz de quem se convença

A acolher a diferença.

 

 

Verdadeiro

 

Verdadeiro herói não é

O nascido a grandes feitos,

É o de mil nadas ao pé

Que construiu, com mil jeitos,

O escudo de lealdade

Que em redor melhor lhe agrade.

 

 

Salva

 

Quando alguém da morte certa

Salva um qualquer adversário

Ou da traição que o aperta,

O gesto, mesmo sumário,

Vai retirá-lo do olvido,

Nunca mais será esquecido.

 

 

Erro

 

A lealdade é uma escolha

Que é intolerante à traição

Mas que o perdão sempre acolha

Do erro rejeitado então.

Por isto ao tempo resiste

E, ao conflito, mal o viste.

 

 

Revelar

 

Homem ou mulher leal

Não se mostra incomodado

De se revelar tal qual:

O outro a ele igualado

A qualidade e conceito

Logo entende de tal jeito.

 

 

Crueldade

 

Pouco a crueldade vem

Do guerreiro em plena lide.

Do que o manipula advém

Que o ganho e perda decide,

Como mui bem lhe parece,

Que lhe sirvam o interesse.

 

 

Testar

 

Inimigo não é quem

Vem testar tua coragem,

É o cobarde que se atém

A um beco da tua viagem

E, a tentar quanto te lesa,

Vem testar tua fraqueza.

 

 

Espalhem

 

Espalhem as sementes todo o dia,

Todo o sítio por onde vaguearem.

Ninguém sabe onde alguma floriria

Nem onde frutos há que sazonarem.

Quem adivinha a geração seguinte

Que prendas nos oferta e que requinte?

 

 

Gosta

 

Na vida, por muito dura,

Poderei sempre encontrar

O que o meu gosto procura

Até grato ao fim ficar

Por tanta oportunidade

Com que ela ao fim nos agrade.

 

 

Dentro

 

Há muito quem, tendo casa,

Dentro, em casa, não tem lar.

É um sem-abrigo, um sem-brasa

Emocional que queimar.

Tudo gente abandonada...

- E é por si própria, de entrada.

 

Ei-la

 

A morte, ei-la igual ao sono:

Este transita entre estados

Acordados de igual dono.

A morte, com iguais dados,

Muda pouco os elementos:

- É entre dois nascimentos.

 

 

Desejo

 

Quando para outrem quero

O que lhe desejo a ele,

Nem isto amor será mero,

Acto acaso é que atropele.

É tudo muito confuso

No mundo do amor que eu uso.

 

 

Doutrem

 

Aprender, mesmo aprender

É doutrem por mediação.

O que disto após fizer

É além cultivar meu chão.

Para ir de mim a mim

Dou a volta ao mundo, ao fim.

 

 

Desvendar

 

A desvendar o passado,

Repara aqui no presente,

Já que dele é o resultado.

A discernir o futuro,

Vê o presente novamente,

Que é daqui que o inauguro.

 

 

Degrau

 

Se um degrau me modifico,

Vem logo o medo, a ansiedade

A travar-me o pé que aplico,

Tal se um desastre me invade.

E, se eu não for persistente,

Volto atrás, não sigo em frente.

 

 

Desgasto-me

 

Enquanto vivo na culpa,

Desgasto-me sem proveito.

Se nada, porém, me inculpa

E responsável me aceito,

Produtivo, a mesa cheia

Sou de quanto me rodeia.

 

 

Atingir

 

Para atingir qualquer pico,

É de trepar à montanha,

Ou pelo sopé me fico,

Perdida a altura. Quem ganha?

Resultado de alpinista

Da vida é trepar a pista.

 

 

Cosmos

 

Por mim, a vida é agradável,

Desagradável também.

Mas o Cosmos, inefável,

Bom ou mau, só o facto tem:

Fala apenas pelo ser

Do que tem de acontecer.

 

 

Parte

 

A vida que tenho agora

Em grande parte é o produto

De escolhas de toda a hora,

Vida fora, até ao fruto.

Não é, pois, toda a corrente

Mas o que é de mim pendente.

 

 

Bens

 

Ter mais bens pode ser bem

E também pode ser mal,

Tudo pende do que tem

O bem atrás por sinal:

Se for partilha de amor

É bem todo o bem que o for.

 

 

Também

 

Decidir não decidir

Também é uma decisão.

Trilho por onde não ir

Ou salva ou é perdição:

É uma escolha como as mais

E os efeitos, tais e quais.

 

 

Pastoreio

 

Toda a escolha é pastorícia:

Ou me pastoreio a mim

Ou outros mais, com blandícia

Ou sevícia até ao fim...

Os heróis da Humanidade

Tocam-nos idade a idade.

 

 

Perícia

 

Quando vou a caminhar,

Tenho uma ideia e não paro.

Quem ma vem depositar,

Se em tal nem sequer reparo?

A perícia do inconsciente

E eu quase sem vê-lo à frente!

 

 

Distraio-me

 

Quando vou a conduzir,

Distraio-me, de repente,

E findo tempos ausente

Mas em frente sempre a ir.

Quem é que vai conduzindo

Enquanto eu longe vou indo?

 

 

Trilho

 

Vou no trilho habitual

A saborear a paisagem.

Não controlo a pedonal

Tarefa durante a viagem:

O inconsciente toma conta

E a consciência em volta aponta.

 

 

Querer

 

Posso muito querer algo.

Se o inconsciente for contra,

Por muito que o ponha em montra,

Um trilho contrário galgo.

E ando dividido assim

Sempre por dentro de mim.

 

 

Receita

 

Que importa se é medicina,

Se é receita paralela,

De interioridade sina,

- Se de cura traz sequela?

De curar cumpriu o fito,

Tudo o mais nem é quesito.

 

 

Quiser

 

Quando algo quiser mudar

Em minha vida, é fazê-lo.

O passado rejeitar

É que é insensato atropelo.

E há tanto quem não avança,

Que enjeita o que atrás o alcança!...

 

 

Atitude

 

Com a atitude correcta

Tenho o efeito requerido.

É um passo além rumo à meta,

Mais um caminho aprendido.

No seguinte desafio

Condutor já tenho um fio.

 

 

Julgo

 

Quando a forma como sinto

Do que eu julgo derivar,

A questão é se me minto,

Erro ao bem e mal julgar:

Se o mau ando a julgar bom,

Mudo à vida inteira o tom.

 

 

Externo

 

O mundo externo é um efeito

Do que eu for dentro de mim.

Se eu não perdoar, atreito

Sou a estragar meu jardim:

Em vez de perfume e flores,

É um cemitério de horrores.

 

 

Pedir

 

Ao pedir que me perdoem,

Então findo às mãos de alguém:

Doem actos ou não doem,

Não serão de mim que vêm.

Aí findo dependente,

Não serei eu mais o agente.

 

 

Desculpa

 

Ao pedir desculpa, admito

Que nalguma coisa errei

E, mostrando-me contrito,

Algo modificarei.

De mão continuo em mim

Do princípio até ao fim.

 

 

Busco

 

Se busco a razão de tudo,

Já perco a oportunidade

De viver. Pelo miúdo

Me disperso, em realidade.

Porque é que qualquer migalha

Há-de importar-me que valha?

 

 

Aceitar

 

Aceitar o que ocorreu

É sinal de inteligência:

O que está morto, morreu.

Porquê chamá-lo à existência

Se é um fantasma na memória

Assim a cantar vitória?

 

 

Seguir

 

Aceitar, seguir em frente,

É o invés de resignar.

Resignar é me alhear

Do desafio presente.

Ao aceitar, abro a porta

À muda que enfim me importa.

 

 

Tragédias

 

Aquele que se resigna

Às tragédias que há na vida,

Aos mais o que ele consigna

É só a compaixão devida.

Outras tragédias reporto

E ele em mãos sem ter o horto.

 

 

Pedras

 

Qualquer vitimização,

Atraia embora carinho,

Não é nunca solução

Para as pedras do caminho.

Em alpondras as conforma:

Saltar duma a outra é a norma.

 

 

Perdoar

 

Terei de perdoar a Deus,

Não por lhe importar isto algo

Ou por eu ser tão fidalgo

Que dê pergaminhos meus.

- É que assim lhe abro a janela

E Ele enfim me entra por ela.

 

 

Acto

 

Qualquer acto de perdão,

Por diverso que se antolhe,

De través nele o que acolhe

É um gesto de auto-perdão:

Por não ter inda acolhido

Deus por trás de mim sentido.

 

 

Tomo

 

Se em mãos não tomo a estrutura,

Obrando a modificá-la,

O que quer que ela segura

Não muda, ao molde se iguala.

Se me quero melhorar,

É o molde que irei mudar.

 

 

Novas

 

Quando novas perspectivas

Leio no que atrás me vem

E limo as arestas vivas

Que me ferem no que tem,

Logo a outros horizontes

Vou indo por novas pontes.

 

 

Enfrentar

 

Se enfrentar o desafio

E me propuser curar-me,

Sem no medo refugiar-me,

Os mais então contagio.

Logo aí quem me rodeia

Devém outro, volta e meia.

 

 

Cumprir

 

No lugar e tempo certo

Estou para minha parte,

No mundo ante mim aberto,

Cumprir com engenho e arte.

Quando o sinto em mim deveras,

Que me pára pelas eras?

 

 

Descoberta

 

O mundo será melhor

Se findar o sofrimento,

Se lograr mudar a dor

De descoberta em momento.

Se agir em conformidade,

Outra será a humanidade.

 

 

Levarei

 

Levarei sempre comigo

O meu eu mais juvenil.

Com ele estou se consigo

Ser meu valente perfil

Ou ser grande quanto posso

Ou ir fundo até ao osso.

 

 

Destino

 

Ignorância, ingratidão,

Eis o destino dos sábios.

Mas depois de mortos, não,

Cantam-nos todos os lábios,

Enquanto, com destra mão,

Lhes roubam os astrolábios.

 

 

Factos

 

Aos factos há quem resista

Tanto que, se um elefante

Tem na sala ali à vista,

Só o admite se, gritante,

À frente mais de través

Ele lhe pisar os pés.

 

 

Pontas

 

A vida tem pontas soltas,

A ciência, soluções

Que trazem, nelas envoltas,

Inda mais fundas questões...

E assim corre a caminhada

Ao infindo prolongada.

 

 

Quando

 

Quando eu e tu somos nós,

Que é que nós vamos fazer?

O nós curar tarde, após,

Quando sentido tiver?

Ou de nós nos curar tanto

Que nada fique entretanto?

 

 

Saber

 

O amor arrisca sem saber porquê,

Sem para quê o amor também arrisca.

Só porque puxa para além, faísca

Onde é de ser, embora quem o vê

Nem saiba onde mas irá ter de ir

Sem ver aonde tem de reflorir.

 

 

Sair

 

Tenho de sair daqui,

Do que já sei o que for,

Para o que é mas nunca vi,

Ao que serei sem supor.

Irei dar a volta ao mundo

Para aqui ser eu meu fundo.

 

 

Sonho

 

O sonho é que não consigo

Deixar mesmo de sonhar.

E, se o conseguir, me obrigo

Outro a sonhar-lhe em lugar.

É que não quererei mesmo

Deixar de sonhar a esmo.

 

 

Assustes

 

Não te assustes nunca, não,

Quando me ouvires gritar,

Antes assusta-te então

Quando me ouvires calar:

Numa campa de algum sonho

É quando as flores deponho.

 

 

Viva

 

Há quem viva mui calado

Com frases até ao centro,

Na palavra amordaçado,

Silêncio com termos dentro.

Se por muitos multiplicas,

Uma explosão pontificas.

 

 

Escrevo

 

Escrevo o conto de fadas

Que sei bem até ao fundo

Que nunca poderei ter.

De humanas horas contadas

Será sempre feito o mundo:

O meio-termo é o meu ser.

 

 

Euforia

 

Quem é feliz nunca viu

A vida lenta a passar,

A euforia expediu

Sempre a vida a acelerar.

Nunca dura o suficiente

Para contentar a gente.

 

 

Basta

 

Basta alguém não estar todo

A não estar todo o amor.

Ser todo é do amor o modo

Ou não tem nenhum valor.

O amor é sem par algum,

É todo ou não é nenhum.

 

 

Meio

 

Um meio amor é uma farsa,

O tecido logo esgarça

Vida fora na corrida:

Falhou a forma devida.

Terá de ser sempre inteiro

Ou se afunda no lameiro.

 

 

Pede

 

Um amor ou é total,

Como pede o coração,

Ou finda no que é banal

E é de mim próprio traição.

Um amor ou é o extremo

Ou é o vazio supremo.

 

 

Dizer

 

Dizer “amo-te” apagado

Ante o sexo de cotio

E depois de consumado

Não é nada, é só vazio.

Não há lume na rotina,

Reduzo a cinzas a sina.

 

 

Deste-me

 

Deste-me o corpo e ficaste

Escondida por trás dele,

Com ele não te entregaste,

Não vieste no tropel.

Não basta a pele a unir

Quenquer que seja a seguir.

 

 

 

Se vivermos no intervalo

Que são à rotina as fugas,

Mais e mais o pé te estugas

Buscando aquele regalo.

Da lonjura aspiro o clima:

É o amor que se aproxima...

 

 

Quando

 

Estou perdido sem ti

E contigo estou perdido.

Quando é que deixaste aqui

De fazer algum sentido,

De, sendo a contradição,

Ser a minha perdição?

 

 

Sempre

 

Sempre algo nos falta,

Não é o amor, não.

É o amor em alta

Quem rejeita o chão:

Quer-nos sempre em voo.

- Mas quem és, quem sou?...

 

 

Entre

 

O amor é de comandar

Para entre nós não haver

Nada a vir-nos separar.

Ou então irá ocorrer

Que isto dita o que acontece

E logo o amor arrefece.

 

 

Mágoas

 

Mágoas solidificaram,

Ficam traumas por resíduo,

Medos que nos desamparam,

Memórias de mal ter sido...

O amor não é insuportável,

A falta é que é insuperável.

 

 

Escolher

 

Como escolher entre sonhos

Quando um for dum outro a morte?

Se, ao repartir-lhe os medronhos,

Findo eu contra meu consorte?

É que, escolha o que escolher,

Mato em lugar de viver.

 

 

Escolha

 

Se entre teu sonho e meu sonho

Tiver mesmo de escolher

A toda a escolha me oponho,

Escolha não há qualquer:

Nenhum sonho, ali ao ir,

Pode nunca resistir.

 

 

Findarás

 

Se meu sonho for a escolha,

Findarás de mim com raiva;

Se for o teu, a recolha

É raiva em mim que nem caiba.

Se o não pusermos de lado,

Morremos nós deste estado.

 

 

Pedir-me

 

Não podes pedir-me o mal

Só para fazer-te bem.

É que não muda o sinal,

Vai fazer-te mal também.

E é detestar em seguida

Tudo o que for nossa vida.

 

 

Embora

 

Ao querer ser quem eu sou,

Foste-te embora em amuo.

É mau decidir se vou,

Se só assim vou sem recuo?

Deixas-me fechado em mim:

Triste é quereres-me assim.

 

 

Onde

 

Amar é querer saber

Onde está quem a gente ama,

Longe embora, sem se ver,

Do mundo distante em trama.

Como o sinto, que a lonjura

Até nos o afecto apura!

 

 

Raiva

 

Eu tenho raiva de mim:

Demitir-me por amor?!

De mim que é que fica ao fim

Se não sou de mim senhor?

O inferno é que em mim se cava,

Não o céu que me encantava.

 

 

Agora

 

Agora que te não tenho

Não pergunto o que nos falta,

Que não faltava ao desenho

Nada na nossa ribalta.

Só me faltava saber

Quanto custa não te ter.

 

 

Deixar

 

Irei deixar de pensar

Que não estás quando estás

Como sempre no lugar,

Não tanto à frente, lá atrás...

Para quê conjecturar

Se o que eu preciso é de amar?

 

 

Ruptura

 

A ruptura que é de vez,

Se por fim é temporária,

Traz o melhor do entremez:

A paixão de vez, sumária.

No pior que lá ocorreu

O melhor aconteceu.

 

 

Selva

 

Eu em ti mais tu em mim

E com um filho connosco,

Melhor ainda, por fim,

Da selva me desembosco.

Finalmente à luz do dia

Caminho por minha via.

 

 

Deixo

 

Não deixo de ser quem sou,

Com tudo de bom e mau,

Só por haver quem cuidou,

Nos oiros de seu landau,

Que eu seria ou vinha a ser

Uma outra coisa qualquer.

 

 

Meio

 

É no meio da desgraça

Que findo parado assim,

Paralítico na traça,

Muro a cortar-me de mim.

É mesmo o pior receio:

Sou eu meu maior bloqueio.

 

 

Tristeza

 

É a tristeza aquele muro

Que nos separa de nós,

Do que valho, que asseguro,

Do que sou cá sob as mós

Pesadas que moem dor,

Caído eu neste estupor.

 

 

Recomeços

 

Em cada dia tropeço

Em recomeços e afins.

E para cada começo

Hão-de existir tantos fins!

Como é que pode uma escolha

Garantir que fim recolha?

 

 

Fins

 

A vida, da quantidade

De fins por cada começo

Que oferece, que ofereço,

Dói, que é sempre ambiguidade.

Por isto é que vale muito:

É um dom de entrega gratuito.

 

 

Embora

 

Quando amamos quem amamos,

Com quem amamos vivemos,

Muito embora nunca amemos

Que amemos com quem vivamos.

O amor leva o insuportável

A sofrer mais intragável.

 

 

Foges

 

Quando foges dum amor,

Dum amor vais a caminho:

A volta dá o corredor,

No fim fica o próprio ninho.

É no ponto de partida

Que a chegada instaura a vida.

 

 

Camada

 

Quantas vezes, por amor,

A camada de mentira

Barro no caos de dor

Que nos escurece a mira!

Se um sofrer, porquê nós dois,

Se assim te poupo depois?

 

 

Acompanhar

 

Acompanhar na dor

É uma dor sem raiz,

Dor de seja quem for

Mas dor que nos não quis.

Nada pode fazer:

Que ser ali, que ser?...

 

 

Mascaradas

 

Chega de fazer de conta

E de mascaradas chega!

Serei eu na dor de ponta,

Ninguém mais aqui lhe pega.

Terei de sofrer sozinho

Comigo, em mim, no meu ninho.

 

 

Nenhum

 

Nenhum pai merece,

No meio dos milhos,

No meio da messe,

Que lhe morram filhos.

É o mundo volvido

Sempre ao sem-sentido.

 

 

Sofrer

 

Sofrer requer solidão

A entender como lidar

Com o que nos dói então,

O ângulo encontrar melhor

Para poder aguentar

Desde aqui de dentro a dor.

 

 

Liberdade

 

Liberdade ir atingindo

É tudo o que nós queremos,

Não apenas ir sorrindo

Ao nada que nós podemos.

E quão mais podemos nós

Do que cuidemos, após!

 

 

Mude

 

Há quem mude por doença,

Por impossibilidade.

Mas muda a sério presença

É por paixão, por vontade.

Pode matar-me o feitiço,

Não vou morrer antes disso.

 

 

Orgulho

 

Tenho orgulho no tamanho

Do amor que tenho por ti

E vergonha deste amanho

Pobre que dele atingi.

É um amor indescritível

E eu, parco, a imitar-lhe o nível.

 

 

Dizes

 

Pelo que dizes me matas,

Pelo que eu quero que digas

E tu nunca, nunca acatas,

Tudo diz que me nem ligas.

Raro um ao outro diremos,

Afinal, o que queremos.

 

 

Vale

 

De que vale a vida inteira

Ser amado por alguém

Se a percepção, funda asneira,

Nunca entende o amor que tem?

És aquilo que sentires,

Não o que és na vida ao ires.

 

 

Salta

 

Amor que é um amor à toa,

Gozo em gozo salta além.

O amor que mais nos magoa

É o amor que vai e vem.

O amor que mais gratifica

No gozo de ir além fica.

 

 

Portas

 

Há portas que, quando batem,

Batem deixando esperança,

À espera que a abrir desatem

Trazendo o que o sonho alcança:

Trazer quem as fez bater

Para o sonho aqui valer.

 

 

Maldade

 

A maldade da palavra

É que não tem anti-termos,

Magoa-nos, escalavra,

Deixa-nos ao fim bem ermos.

É tudo mui fundo, escuro,

Rouba tudo o que procuro.

 

 

Enche

 

Quando eu te vejo, te vejo,

Todo este ar se enche de ti

E sorri daquele harpejo

De silêncio que em ti vi.

Que é que em ti há de fundura

Que ao mundo talha a figura?

 

 

Corpo

 

Tenho um corpo deprimido,

Corpo desapaixonado,

Por ele próprio apagado,

Buscando-se, desvivido,

À procura de encontrar-se...

– Isto mata. E eu sem disfarce!

 

 

Futuro

 

É quando às portas da morte

Que o futuro é só o passado,

É o que foste e com que sorte,

Corres quanto foi amado.

Correrás por dentro, agora

Que já não podes por fora.

 

 

Poder

 

O poder do que não temos

Estrangula a jugular:

Dominá-lo poderemos?

De vez veda o patamar?...

Se se tornar obsessão,

Dos dois modos joga ao chão.

 

 

Paisagem

 

Amor unilateral,

Um dos lados o outro a amar,

O outro sem saber de tal.

Fria paisagem lunar,

No limite pode ser

Só isto um amor qualquer.

 

 

Riso

 

O riso não passa, fica.

Queremos envelhecer

Com quem o riso pratica,

Que o tempo passa a correr.

Ao que dói isto ameniza,

Brinca ao sério que inferniza.

 

 

Lume

 

Um lume novo qualquer

Será um novo combustível,

Fará o velho fenecer

No lar frio, mal credível.

Assim os novos amores

Dão as venenosas flores.

 

 

Humor

 

Humor feito com amor

Ganha tamanho, espessura,

Não é só o riso que for,

É duplicado em fundura.

Mais que amor vai ser então,

Vai ser humor com paixão.

 

 

Arde

 

Arde a saudade, animal,

Tento extraí-la de mim

Mas nem o sono me vale,

Que peito dorido é assim.

Tiro em minha identidade,

Não liga à minha vontade.

 

 

Felicidade

 

Felicidade optimistas

Deixa-nos, a acreditar

Que viáveis todas as pistas

São que se queira enfrentar.

Tudo em nossas mãos transposto

Pode ser que tenha um rosto.

 

 

Leva

 

Ai de nós se não amarmos

Dum amor que leve a amar

Quem amamos, apesar

De deformados andarmos,

Todos doentes e carecas

Em desertas vidas secas!

 

 

Perde

 

Quando se perde um amor,

Ninguém volta então atrás,

O amor perdido não traz

Ataduras em redor.

E amor a sério, não verde,

Amor não é que se perde.

 

 

Labaredas

 

Labaredas que me queimam

São aquelas que te tocam,

As mais que sobre mim teimam

Nem sequer dor me provocam.

Ou doem mas de dor pouca,

Que a tua em mim é que é louca.

 

 

Pronto

 

Estou pronto para o pior

Mas, quando o pior acontece,

Acontece que me esquece

Que o pior não é o que for:

Uma coisa é a teoria,

Outra, o acto a pô-la em dia.

 

 

Estamos

 

Quando estamos, é de estar

Onde um amor estiver

Ou não estamos, a par,

Em lugar nenhum qualquer.

Um sem-abrigo de gente,

Ninguém dentro, de repente.

 

 

Efeitos

 

Que alegria conseguir

Que os efeitos que nos miram

Do que operámos, ao ir,

Que tanto acaso nos firam,

Conseguir que nunca o traço

Sejam do que sou e faço!

 

 

Elogia

 

Compreensão e grandeza:

Elogia e não ofendas.

Vai em frente, larga a presa,

Silêncio, que te não prendas.

Gasta-te a romper caminho,

Não a acalhoar o vizinho!

 

 

Andas

 

Foste fugir sem saber

Do que andavas a fugir.

Andas hoje a entender:

Foi do amor te escapulir...

Há maior idiotia

Que quem amava e não via?

 

 

Melhor

 

Ninguém às portas da morte

Irá clamar com valor

Que o melhor que teve em sorte

Na vida não foi o amor.

O inesquecível lembramos

Que é seja o que for que amamos.

 

 

Posso

 

Tanto posso amar alguém

Porque me tira da calma

Como posso amar, porém,

Porque paz me traz com alma.

O amor exalta ou aterra:

É tanto paz como guerra.

 

 

Perfeito

 

O amor perfeito teria

Em dose ideal paz e guerra.

Perfeito, nunca haveria,

Que somos quem lá se aferra.

Matamo-lo ou em rotina

Ou em busca doutra sina.

 

 

Deixes

 

Não deixes de me querer,

Muito embora eu te não queira:

Meu ego ao me enaltecer,

Dos píncaros moro à beira...

- É só ali largar-lhe a rédea,

Descamba a vida em comédia.

 

 

Momento

 

Um momento bem feliz

Que na vida te convida

É aquele em que ela te diz

Que irás continuar com vida.

Mormente quando, entretanto,

A morte te espreita ao canto.

 

 

Igual

 

Sou bem mais do que pareço

E o que pareço igual sou.

É bom que o que fora teço

Seja o melhor que me dou.

O melhor fora moldar

É dentro melhor findar.

 

 

Exige

 

A vida exige o demais

Tal como exige o de menos.

Há momentos que são tais

Que escoam ambos os drenos.

Há momentos para tudo,

Moldam-me a história em que mudo.

 

 

Felicidade

 

Felicidade é beleza.

Por mais lindo que ele seja,

O infeliz que a vida lesa

Não é lindo que se veja.

A não ser quando a lesão

Transfigure em comunhão.

 

 

Caso

 

Caso para que o papel

Ajude a apagar em mim

A confusão do tropel

Da vida antes deste fim.

Ponho-lhe um ponto final

Que a ajude a findar tal qual.

 

 

Estupidez

 

Apaixonar-me de alguém

É estupidez partilhada.

E a sabedoria tem

Este pendor à chegada.

O amor tem isto de incrível,

Por isto é que é irresistível.

 

 

Pateta

 

Muito pateta é cuidar

Que quão mais outrem magoamos

A nós bem menos, a par,

Afinal, nós nos firamos.

Canhão de recuo à ré,

Firo-me a dobrar até.

 

 

Magoar-me

 

Perdes a vida a querer

Magoar-me sem entender

Que só a ti mais te magoa:

Não me dói. Faz que te doa?

Ao atear lume em tal frágua,

Vais é eternizar-te a mágoa.

 

 

Mentira

 

Não há mentira maior

Que quem ama pretender

Que a salvo estará do amor.

Ainda bem, é o que há-de ser:

Ninguém manda na raiz

Do amor que quis ou não quis.

 

 

Chão

 

O amor é que nos acode

Quando andamos a cair

Ao chão que com tudo pode.

E é o que de cabeça a ir

Ao chão também nos obriga,

Contraditório na briga.

 

 

Nunca

 

Amar é nunca ao relento

Andar, sempre protegido,

Sempre a coberto do vento

Que fira em qualquer sentido.

Só do amor a inteira ausência

Do desamparo é vivência.

 

 

Sempre

 

Sempre em descontentamento

Sem nunca saber porquê?

É do amor do Outro o fermento,

Do Outro Mundo, a ver se o vê.

Quem se não põe a caminho

Mata o amor por desalinho.

 

 

Sonha

 

O amor nunca é saciado,

Sonha a vida prometida.

Ora, o sonho é doutro lado,

Nunca aqui tem a medida.

Sermos o insuficiente

É a marca de sermos gente.

 

 

Falta

 

Nunca estou a preencher-me,

Falta de mim algo em mim.

Não nasci para ser verme,

Sonho-me infinito assim.

Não há como encher-me a pia,

Por mais que cheia, é vazia.

 

 

Perene

 

O perene insatisfeito

Sempre é um desapaixonado,

De si primeiro e, a eito,

De todos por todo o lado.

Queira ou não, somos sempre isto,

Do Infindo um fermento em quisto.

 

 

Loucura

 

A loucura de eu amar

É saber que sou um louco

Mas precisar disto um pouco

Para são continuar.

E então devir tolerável

Esta vida infatigável.

 

 

Sombra

 

Não quero nada contigo

E contigo ando a sonhar,

És a sombra em meu abrigo,

Sem querer a apunhalar.

Um punhal tal que eu, sem jeito,

Não logro arrancar do peito.

 

 

Manda-me

 

Para sempre amar-te

Manda-me a emoção

E eu a rejeitar-te,

A vontade à mão:

Sempre embora a amar,

Não, não vou voltar!

 

 

Fria

 

Todos iremos partir.

A História é uma refeição

Fria, após toda a função

Servida, logo a seguir.

E depois de resfriados

Os mortos são bem tratados.

 

 

Castrou

 

Todos somos criativos

Até chegar a adultez.

A adultez castrou os vivos,

De nós menos que nós fez.

O adulto cresce, sortudo?

- Nos sonhos, não: matou tudo.

 

 

Cão

 

O cão ama a vida toda,

Certo de ser imortal

Dentro do que ama. Afinal,

Nem tem a vida outra coda.

Para o cão nem para nós:

Atam-nos iguais cipós.

 

 

Desato

 

Quando não olho e não vejo,

Desato então a apalpar,

Sentir, ouvir e cheirar...

Todo o outro sentido almejo:

Sabem bem, devêm fortes,

Tão intensos! Quais desnortes?!

 

 

Olho-te

 

Olho-te e sinto-me em casa.

Corre o tempo sobre o amor,

Apaga o lume na brasa

Mas o morrão dá calor,

Ao primo sopro o rubor

Incendeia e tudo abrasa.

 

 

Sonho

 

Os miúdos a correr,

Os miúdos a sonhar.

E nós a sonhar qualquer

Sonho com eles a par.

- Como eu contigo queria

Brincar também todo o dia!

 

 

Amo-te

 

Amo-te apesar de ti,

De continuar na certeza

De que nunca mais aqui

Vamos amar-nos, que lesa...

Mas se é junto ser feliz,

Quem não quer, quem o não quis?...

 

 

Quando

 

Quando amas, o tempo voa.

Feliz, o dia esvoaça;

Preocupado, o andar retraça,

Devagar, um trilho à toa;

Tropeça, se em desespero:

Nele atolado, eis-te um zero.

 

 

Dois

 

Quando os dois amam a sós,

Onde a fuga para o nós?

Onde é que os trilhos incertos,

Tão desiguais descobertos,

Poderão rumar na esteira

Um doutro de igual maneira?

 

 

Teremos

 

Apenas ser eu e tu?!

Teremos de ser um nós,

A atarmo-nos sem tabu

Em nossos firmes cipós.

A trepar aos céus leveiros,

Cada vez mais Nós inteiros.

 

 

És

 

És a que eu adoro em mim,

Em meus sonhos, emoções,

Nas tropelias sem fim

Dos dias aos tropeções.

Por trás contigo desenho

Um mundo outro a que eu advenho.

 

 

Óculos

 

Os teus óculos colocas

A segurar o cabelo

E a lógica ali tu trocas

Em gramática do belo.

Ninguém decifra a linguagem

Que me estremece em voragem.

 

 

Creias

 

Não creias no amor, não creias!

Em tua falta de siso

Vai-te ele encher às mancheias...

Nunca mais ganhas juízo?

- Um amor sempre acontece,

Mais inda se o não parece.

 

 

Apertou-me

 

O abraço foi bem de leve

E em mim apertou-me todo.

Fechado em mim, só me teve

De ver engolir o engodo.

Na emoção que me rasteira

De quem sou eu perco a esteira.

 

 

Impedir

 

Que não seja nunca orgulho

A nos impedir de amar!

Caí de borco no entulho?

Logo voltarei a andar...

Alguém tenha, pois, coragem

De partir para a viagem!

 

 

Darei

 

Darei o melhor de mim.

O melhor, porém, que eu der

Poderá não ser, ao fim,

O melhor te acontecer...

Tem de haver querer comum

Ou não há querer nenhum.

 

 

Milagre

 

Meia dúzia de palavras

E pode um milagre haver.

Milagre não é só lavras

Onde sementeira houver.

Da fala é também coragem:

Faz de milagres triagem.

 

 

Contar

 

É de contar a verdade,

Mesmo que a verdade nada

Bom traga à comunidade.

A verdade proclamada

Só por si é já fazer

Algo bom acontecer.

 

 

Amar

 

Amar só mesmo é poder

Amar, faça o que fizer.

E não poder nada mais

É só que o não precisais.

É um afloramento estranho

Dum outro mundo que eu ganho.

 

 

Cuidar

 

Vamos amar-nos, cuidar-nos,

Cuidar bem de ti, de mim

Como nunca antes de amar-nos

Cuidámos de nós assim.

Cuidar de ambos cada, após,

É criar-nos como um nós.

 

 

Ilha

 

A ilha em frente da nossa

É que é sempre a ilha bela.

A nossa tem uma mossa:

O hábito o belo esfacela.

És tu minha ilha diante:

Eu sou comum; tu, flamante.

 

 

Vitória

 

A vitória sobre o amor

Falhado será da fuga?

Sob o amor é que é de a impor:

Quem se muda é quem se estuga.

O amor é tão persistente,

Vai na morte inda na gente!

 

 

Sempre

 

Amar é sempre cair

Para o lado: na presença,

De tanto a vida fremir;

Na ausência, pela sentença

Dum vazio a me morder

Tanto que é melhor morrer.

 

 

Saber

 

Saber de ti, não, assim,

Depois do amor recusado.

Quero saber é de mim,

Em mim especializado.

Quero ver o que faz bem

Até lá chegar também.

 

 

Palermice

 

Não há o insubstituível?!

Que palermice rasteira!

Cada um, no próprio nível,

De insubstituível se abeira:

Pessoas únicas somos,

Doutro igual nunca dispomos.

 

 

Insubstituíveis

 

Quem nos vier substituir,

De insubstituíveis reais

Que somos, na vida ao ir,

Só nos tornará imortais:

Já o somos por natureza,

Mais agora em quem nos preza.

 

 

Ponto

 

Quem amar o ponto fraco

Do par irá ver de início.

Todavia, não o ataco

Em meu próprio benefício.

É a diferença entre amor

E um laço outro que é menor.

 

 

Íntimo

 

Amo-te sem desviar

Para nem tempo perder,

No íntimo a te preservar

Até quando o fim vier.

É que, para além do fim

Iremos os dois assim.

 

 

Ama

 

Todo o amor ama em silêncio

Ou é falência de amor.

Ao amante o amor convence-o

À paz, bem-estar, calor...

Não é, pois, uma tristeza,

Antes infinda beleza.

 

 

Desapego

 

Se o desapego acontece,

Já não há mais volta a dar.

Amar é apegar, sem stresse,

Como é também precisar.

Quando chego ao desapego,

Nem à terapia chego.

 

 

Lentamente

 

Amar é a sabedoria

De também saber calar.

Saber sentir a magia

Lentamente a perpassar.

Cada um num mundo a sós,

Os dois laçados em nós.

 

 

Sofre

 

Quem sofre é que se envolveu,

O que é já muito melhor

Que quem sofre e nunca viu

O que é que envolver-se for.

Antes por amor sofrer

Do que nunca amado ter.

 

 

Vive

 

Não vive quem nunca sofre,

Que não tem profundidade

Que permita abrir o cofre

E sentir a identidade

Nem do bem que lhe acontece,

Nem do mal que o arrefece.

 

 

Confundiu

 

Amar é sempre ir além,

Além do que for amável,

Mesmo até do aconselhável...

Sem além que amor se tem?

Quem parou pelo caminho

Confundiu voo com ninho.

 

 

Carência

 

A carência, no limite,

É sintomatologia

De amor-próprio sem desquite,

Falta dele na fasquia.

Leva a que quenquer aceite

Seja o que for que o aleite.

 

 

Fome

 

A fome funda de amor

Requer todas as vitualhas:

De amor a fome que o for

Não se mata com migalhas.

Só o farto ao amor compete,

Tem de ser sempre banquete.

 

 

Emoção

 

A emoção dá-nos o mundo:

Durante uma tempestade

O que se levanta fundo

É o que sinto que me invade.

Quais ondas ou tsunami?

Andam longe, mal os vi...

 

 

Será

 

Amar será proteger

Muitas vezes quem amamos

De quem ama e que ele quer,

Que este podres só tem ramos.

Pode ser muita a atracção

- Mas que fazer dela então?

 

 

Cheios

 

Amar é cheios de nós

Sermos de modo capaz

E com os nossos bandós

A bambolear em paz.

Não é mau, é perceber

Que algo valho e em mais vou crer.

 

 

Conhecer-nos

 

É de conhecer-nos bem

Para então bem nos amarmos.

Quem se não conhece quem

Ama? É só nos enganarmos...

Amar o que nem existo

É menos que amar um quisto.

 

 

Sincero

 

Ser sincero com quem amo

É ser generoso e dar,

Dar tudo o que sou e tramo

Vir a ser de singular.

É dar tudo o que tiver

De mim próprio para ser.

 

 

Serei

 

Serei da mulher que eu ame

(E não da que a mim amar)

Adolescente que trame

Como a mim eu te enlaçar.

E nem as cãs da velhice

Me impedem desta tontice.

 

 

Voltas

 

Mal tu voltas, volto a ti,

Não vai haver volta a dar:

A revolta que senti

Não sinto, envolto em teu ar.

Contigo rendo-me, entrego-me...

- Sou tão lúcido que cego-me!

 

 

Deixar

 

O amor sempre é deixar ir,

Derrota toda a coragem

Que contra ele sentir.

Ele é a razão da voragem

Que a coragem tem à mão

E que faz tremer o chão.

 

 

Combatemos

 

Só combatemos o medo

Quando deveras amamos.

Como então é que concedo

Ir contra um amor que amemos,

Se a coragem que arvoramos

É dele que a recolhemos?

 

 

Afinal

 

Amar, por incrível

Que, afinal, pareça,

É sempre possível,

Ao menos à peça:

Mesmo na lonjura

Dou-lhe o que o apura.

 

 

Mesmo

 

Amar mesmo é agradecer.

Ao dizer que amas alguém

É obrigado então dizer

De todo o teu imo a quem

Te faz deveras sentir

Dentro em ti o céu bulir.

 

 

Difícil

 

Amar sempre é acreditar

Nalgum inacreditável.

É difícil e sem par?

Não tem de ser, se fiável.

Amo para ser feliz:

Com jeitinho, é de raiz.

 

 

Sempre

 

Amar é aquele lugar

Para o qual todos queremos

Para sempre viajar.

E ou ganhamos ou perdemos.

É uma sorte singular

Trepar até o patamar.

 

 

Amainar

 

O amor de amainar a dor

Há-de ter por muitas vezes,

A mágoa acalmar que for

Matiz de dias ou meses.

O amor aí ponderado

Tem de ser em todo o fado.

 

 

Longe

 

Vou para longe de ti

E do que em mim representas:

Quem amo é que assim deli,

De rejeitado em tormentas.

Apenas assim quenquer

Poderá sobreviver.

 

 

Curta

 

A vida é curta demais

Para se viver normal,

É de ser demencial

Em quaisquer ruas e cais:

Em tudo o que quero e amo

Saltarei de ramo em ramo.

 

 

Agir

 

Não é a vida de pensar,

É de agir, é de viver.

O que sinto é de agarrar,

Ir ao sonho que se quer,

Ir ao fundo, até o começo

Onde o que é de ser eu meço.

 

 

Ouses

 

Não ouses apenas passos

Que sabes que podes dar,

Abre-te aos grandes compassos

Onde o pé te não chegar.

Só quem arrisca o que for

Tornará o mundo maior.

 

 

Mudes

 

Não mudes a fim de ser

Pelos demais bem aceite.

Sê o que és, é o teu dever,

Atira-te! Nada enjeite

Teu sonho na caminhada,

Que ou vai tudo ou não vai nada.

 

 

Recuses

 

Não recuses uma piada,

Nem o abraço que é de dar,

Nem o de acolher, a par.

Quem amas dá-te morada:

Ama, pois, e deixa amar

E tenta e deixa tentar!

 

 

Deixa

 

Quem se deixa ao canto à espera

Do que a vida lhe trouxer

Nem vestígios de quimera

Algum momento há-de ter.

Não esperes pela vida,

Ataca, que é a que convida!