QUINTILHAS
Dormem
Dormem todos calmamente noite fora
Apenas porque os duros
Estão prontos, a qualquer hora,
A serem violentos, nos apuros,
Em nome daqueles e sem demora.
Deveras
Sou deveras independente?
Ou mera propriedade
Permanentemente
De Alguém, em minha profundidade,
Ausente-presente?
Praticando
Para mal obrar,
Primeiro tem
Alguém
Que acreditar
Andar praticando o bem.
Farão
São os nossos pensamentos
Que farão de nós quem somos.
A mente é tudo: os fermentos,
Mais do tempo brisa e ventos
- E a vida amadura os gomos.
Grato
Aquele que for feliz
É grato pelo passado,
Do presente alegra o fado,
Propõe ao porvir perfis
Sem medo de nenhum lado.
Acolhida
A elegância é acolhida e admirada,
Do peito ateia-nos o chamiço,
Porque nunca é esforçada
Nem rogada
Para isso.
Encontraremos
Todos encontraremos rivais
Em quanto fizermos.
Perigosos demais
São os que amigos crermos
E que não são tais.
Crê
Quem crê na redenção
Nunca desiste,
Dos erros tenta corrigir a lesão,
Sejam os da própria mão,
Sejam os que doutrem liste.
Estúpido
Por estúpido que seja e nos resuma,
Evitar uma guerra,
Em suma,
É bem mais difícil (e aterra)
Do que entrar numa.
Tomar
Aceitar
O que a vida me oferecer
É tomar o meu lugar
Para então desatar
A correr.
Perdoa-te
Perdoa-te do que fizeste
E não voltes a fazê-lo
Se não preste
Ao que se apreste
A ser fito de teu zelo.
Acto
Qualquer acto de perdão
É sempre um acto de amor
Por outrem, por mim, que à mão
Quero ter do coração
Toda a menção e teor.
Fruto
Na vida interior,
Ser impaciente
É o factor
Maior
Do fruto não excelente.
Laborando
Para mudar meu padrão,
Só laborando com afinco.
Senão,
Apenas iguais pés no igual chão
Finco.
Estamos
Estamos juntos
Por um mundo melhor:
Em todos os assuntos
Na verdade formamos conjuntos
Pelo amor.
Respeite
Se quer que o respeite alguém
Então antes, regular,
Tem
Mais do que ninguém
De o ajudar.
Ciência
A ciência é fascinante
Mas não nos deve cegar
Para o imo, tão diante
Que nos parece distante:
Tem-lo à mão sem o apanhar.
Pormenor
Será o pormenor de nada
A que ninguém dá importância
Que mais importa à chegada,
Vira do avesso a jornada,
Morre a luz velha à distância.
Aguento
Aguento faltar-me tudo
Menos amor.
Com amor, então, sobretudo,
A miúdo,
Terei sempre de tudo um ror.
Bom
Para o bom entendedor,
A meia palavra basta
E para o bom amador
Uma é já demais penhor,
Uma é já por demais vasta.
Nunca
Um amor apaixonado,
Mais que amizade fraterna,
Nunca pode ser forçado,
Não pode ser obrigado,
Ser o meu polícia à perna.
Sem
Um amor é sem querer
Mas tem de ser desejado.
Sem o desejar tomado,
Não é sem querer o ter,
É sem amor tê-lo ao lado.
Estejas
Não quero que estejas bem
E quero que bem estejas.
Um amor é um pedro-sem,
Nada tem do que convém
E tem tudo o que desejas.
Iminência
A iminência da morte ensina a entender
Quem sou
E questão fazer
De quem sou deveras ser,
Por onde quer que me vou.
Nem
Um mundo
Em que não te via
Seria,
No fundo,
Um mundo que nem havia.
Papel
Papel de pais muitas vezes
Salvar filhos da fatal
Queda será que os reveses
Da vida trarão soezes,
Em vez da queda banal.
Silêncio
O silèncio o que nos traz
Ou é morte
Ou é paz.
Não é só questão de sorte,
É do que a gente ali faz.
Confusão
Não desistas só por mor
Da confusão com que me iludo:
Caótico é o amor.
Contudo,
É tudo.
Dou
Quando dou a vida a alguém,
Sei lá bem do protocolo!
Este só mascara além
Que não importa a ninguém.
Ora, eu trago vida ao colo!
Até
Não é operar
O possível
Para amar.
É o impossível,
Até o amor a vida inteira consumar.
Ou
Ou és livre
Ou és apaixonado.
Por outro lado,
Quanto em ti vibre
É no amor que é libertado.
Punhal
Quando o tentas arrancar,
O punhal do amor no peito
Desata logo a sangrar,
Por isso o deixas ficar
A doer-te a vida a eito.
Vivo
Vivo no meio do mundo
E cada vez mais creio no tabu
Sábio e fecundo
De que o meu mundo
És tu.
Falha
Quando tudo falha, resta a fome
De ti.
Tudo por aqui
Me consome.
- Vens daí?
Desperdices
Não desperdices o amor
Que um dia alguém te atribuir.
Um dia falta vais sentir
E não vais, com horror,
Ter como o retribuir.
Imortal
Serás imortal em mim
Que te amo e deixei de amar.
Porém, luto até ao fim
Para o que puder, assim,
De ti em mim te podar.
Amar-te
Amar-te justificou,
Por excelência,
Em quanto me transmudou
E a vida inteira fermentou,
A minha inteira existência.
Prazo
Amar sempre é empatizar.
Um amor sem empatia
É amor a prazo, em lugar,
A caminho, dia a dia,
De fora de prazo andar.
Completo
Sou eu completo quando esqueço
A divergência,
A gaveta fechada onde tropeço,
A paisagem igual onde nem sonhos teço,
- A tua ausência...
Perdi-te
Perdi-te ao longo da estrada,
Ao luar da noite bela.
Busco-te toda a jornada:
Afinal, qual a morada
Que tem a tua janela?
Tirou
Nem a infelicidade
Que até ao derradeiro confim
Me grade
E me degrade,
Te tirou de mim.
Contenho-me
Contenho-me, mendigo,
E, sobretudo,
Não consigo:
- Nunca digo
Que és tudo!
Doutrem
Nunca doutrem a opinião
O que sou me mudará.
O pior é que o meu chão
Sempre através da visão
Doutrem é que chega cá.