QUADRAS IRREGULARES
Aí
A diferença
É do que não consegues:
Aí é que persegues
Do sonho a presença.
Nunca
O melhor conselho
Pode ser:
Nunca ninguém está velho
Para viver.
Desvenda-lhe
Quem a alcança
Desvenda-lhe o teor:
A esperança
Vem do amor.
Sem
Sem ti a quem fito
Por todo o meu chão,
Transito
De solidão em solidão.
Não
Ao não te abraçar
Enfraqueço-me:
Esqueço-me
De respirar.
Pedir
Vou por onde vou
Porque sem pedir mo pedes:
De ser o que não sou
Apenas tu mo impedes.
Mal
Para que o mal vença
Só é requerido, de entrada,
Pagar a tença:
- Os bons não fazerem nada!
Preferir
Não há nada de doentio
Em preferir um livro a dar um passeio.
O melhor, para transpor um rio,
Nem sempre é pelo meio.
Ser
Que queres ser quando fores grande?
- Pergunto ao petiz.
E ele, no jeito de quem comande:
- Feliz!
Recordações
De teus aprestos
Na lida,
As recordações não são só restos,
São pedaços de vida.
Comete
Qualquer um comete um erro
Mas o que é belo
É reconhecê-lo
E seguir em frente, sem esperar pelo enterro.
Sacana
A vida é tramada,
Toda ela.
Mas a sacana da jornada
É bela!
Nada
Nada mais solitário
Do que a multidão
Com que não tenha, precário,
Ligação.
Há
Onde quer que haja alguém,
Então
Também
Há solidão.
Segredo
O segredo mais bem guardado do mundo
Não é nenhuma adivinha:
É que toda a gente, no fundo,
Se sente sozinha.
Entre
Entre ver e conhecer quenquer
Há um degrau, porém:
É fácil conhecer alguém
Sem de facto o conhecer.
Árvore
Cada indivíduo é uma árvore centenária.
Ninguém sabe nunca quando irá florir
Mas, quando ocorre, que extraordinária
Irrupção do porvir!
Escuro
Importante é o que adivinho
No escuro da profundidade:
Não há caminho para a felicidade,
A felicidade é o caminho.
Negócio
Bom negócio não é só dinheiro a rodos,
Não:
É decisão
Que beneficie todos.
Duradoira
Aqui repoisa
Da paz duradoira o segredo:
Ter medo é a única coisa
De que deveremos ter medo.
Estrumar
O amor é a morte sofrida,
Lenta, desde já,
A estrumar a Vida
Que virá.
Deserto
Deserto sem água,
Deserto sem vida.
Falta azul (que mágoa!),
Falta verde... É a morte erigida.
Acender
O dom que a Páscoa
Nos alcança
É acender a áscua
Da esperança.
Grão
Grão de pó
No mundo a esmo,
Quem nunca estiver só
Nunca se conhece a si mesmo.
Teme
Quem a si se não conhece,
Com arrepio,
Teme o refece
Íntimo vazio.
Renunciar
É confortável e seguro?
Com a vénia devida,
Auguro
Que é renunciar à vida.
Ninguém
Ninguém pode voltar atrás
No tempo, evidentemente,
Mas cada um pode, eficaz,
Seguir em frente.
Abra
No lar, abra cada um da fantasia
A caixa secreta.
A coragem dele avia
A bravura do outro rumo à meta.
Hora
Na hora de receber,
Que eu tenha humildade!
E alegria de verdade
Na de dar a quenquer.
Perguntas
Sabedoria
Não é das respostas que a colhemos,
É da misteriosa magia
Das perguntas com que a vida enriquecemos.
Maravilhas
Quando as maravilhas de Deus vivido
Operam dentro de mim, de quem sou,
Tudo o que julgava perdido
Voltou.
Operam
Assim operam os milagres:
Rasgam os véus e mudam tudo
Mas não deixam ver, por mais que os consagres,
Para além dos véus de veludo.
Escapar
O milagre leva-me a escapar ileso
Do vale da sombra e da morte
Mas não diz por que trilho contornou o teso
Da montanha da luz, da alegria, da sorte.
Fechada
O milagre abre a porta fechada a cadeado,
Impossível de quebrar e que me entrave,
Mas não usa, inesperado,
Nenhuma chave.
Maior
O maior dos inimigos
Que de enfrentar teremos,
Que nunca derrotamos nos pascigos,
É o que tememos.
Motivação
Motivação positiva
Para a preguiça?!
E a consequência negativa
Das mortes que aquilo enguiça?
Embora
Embora sem o tomares a peito
Nem o imaginares,
Um dia só é perfeito
Se acordares.
Poder
O poder podemo-lo adquirir
Sem mando,
Sem os outros reprimir:
- Basta i-los elevando.
Chefe
O grande chefe, não é tanto o que ele faz
Mas o modo como me faz sentir,
Como se eu fora capaz
De inaugurar por minhas mãos todo o porvir.
Inconfessos
Os lobistas
Enrolam inconfessos interesses privados
Mascarados de listas
De valores e deveres sagrados.
Partilha
Na democracia o que adoro
É a partilha do colo:
É música em coro,
Não a solo.
Tenta
“Tudo o que fizeres não será suficiente”
- Grita a avantesma.
Que importa? Indefectivelmente crente,
Tenta na mesma!
Garantido
Pelos mais o acatamento,
Individual ou colectivamente,
É garantido em oitenta por cento
Só do mero estar presente.
Salvar
Salvar árvores não é viável
Se os protestos e as loas
Ignorarem no trilho intransitável
As pessoas.
Cobrir-lhe
Ninguém quer saber de painéis solares
A cobrir-lhe a casa por inteiro
Se correr o risco, ao bem reparares,
De perder a casa toda, por derradeiro.
Mostro-lhe
Mostre-me alguém
Que não se importe de perder,
Que eu mostro-lhe nele também
Um fracassado qualquer.
Presidente
O presidente em exercício
Nunca parece tão inteligente
(Excepto algures no início)
Como o ex-presidente.
Expostas
Quando expostas às verdades
Que noutrem acudam,
Nossas atitudes e realidades
Mudam.
Barulho
Quando ficar em silêncio não consigo,
No barulho então me embosco:
Não consigo, pois, estar comigo...
- Não conseguimos estar connosco!
Tentar
Tentar moldar alguém
Ao meu jeito
É faltar-lhe também
Ao respeito.
Torna
É um fermento
Assimilar o amor
À dor:
Torna a vida um sofrimento.
Consciência
Ao tomar consciência de mim,
Para adiantar meu quesito,
Alargo a lonjura de meu confim
Em sementeira de Infinito.
Escolhi
Escolhi? Está escolhido!
Poderei errar
E terei de reformular.
Entretanto, em frente é que faz sentido.
Cresço
Quando cresço por dentro,
Contribuirei desde o fundo.
Mundo fora então me adentro:
- Arroteio o mundo.
Decidir
Decidir fazer
E não concretizar
É treinar
Para não ser.
Poder
Ao não agir,
Se o poder da decisão
É a acção,
De que valeu decidir?
Semente
Decidir certo
E agir eficaz
É que me porá dia a dia mais perto
Do Infinito de que for capaz.
Bastante
Quem não for auto-disciplinado
É que a si próprio se não ama
O bastante para se ter deixado
De jogar na lama.
Mãe
Repetição
Sem paragem
É a mãe do padrão
Da aprendizagem.
Mudar
Ao mudar a perspectiva
Com que leio o mau evento,
Mudo de morta para viva
A vida que tento.
Verdade
Pensamento desencorajador
É apenas um pensamento,
Não uma verdade nem um evento exterior.
- Reparar nisto mitiga o tormento.
Livre
O desprendimento
Leva-me, livre, até certo ponto.
A paixão, do entusiasmo ao vento,
Leva mais longe: ao Infindo a que aponto.
Antes
O amor é um abrigo
Desabrigado:
Antes em lado nenhum contigo
Que com outrem, quenquer que seja, ao lado!
Falseia
O drama da verdade
Feita mentira
É que lhe falseia a identidade,
Só hipocrisia em mira.
Berma
Uma verdade
De risos contagiada
Virou comicidade:
Finda à berma da estrada.
Arriscar
É arriscar sair
O amor avonde
Sem sequer discernir
Para onde.
Palavra
No amor é de arriscar
A palavra maldita,
Tanta vez melhor que, a par,
A palavra não dita.
Todos
Os sonhos, quanto mais abalam,
Mais todos os perseguem.
E todos resvalam
No que não conseguem.
Violino
Quantas vezes rio
Para o negrume mudar em esperança,
O violino da vida, em desafio,
Convidar à dança!
Merece
Ninguém merece uma vida
Aplainada,
Morte lenta da partida
Já chegada.
Invento
Histórias à procura da magia
Invento a esmo
E então - quem o creria? –
A magia existe mesmo!
Antes
Antes cair do cavalo,
De tanta cavalgada prosseguir,
Que o abalo
De nem ter donde cair.
Começa
Começa o amor a acabar
Quando alguém de fazer tudo
Deixar
Para não acabar mudo.
Continua
O amor continua em lida,
Sem que ninguém se lhe esquive,
Porque é a vida
De quem o vive.
Fará
O amor não é o que resta.
É aquele factor, aquele
Que o resto fará que presta,
Que do resto faz é o que resta dele.
Redondo
O amor não tem flancos,
Entra redondo, pelo meio, sem aviso,
De lufadas com arrancos
De paraíso.
Sempre
Amar é seguir
Infatigável depois,
Ir e vir
Sempre a dois.
Respirar
O amor vai-se acabando,
Mesmo sem que ninguém se atropele,
Quando formos principiando
A respirar a sós no meio dele.
Livro
O livro abarco, à socapa,
Pelo que da capa me abeiro.
O amor, porém, nunca é capa,
É livro inteiro.
Levar-me
Tudo quem tenta
De ti levar-me a esquecer,
No que inventa
É mais a ti que ainda irei ver.
Dançar
Amo-te, ligeira
E forte,
Para dançar à beira,
Para dançar contra a morte.
Bateste
Bateste com a porta,
Estás fora de ti, assim.
Ora, o que deveras importa
É se estás fora de mim.
Magoa
O que magoa sem medida
É na nossa vida não ter
Quem cremos ser
A nossa vida.
Fraqueza
A pior fraqueza, se calhar,
É a de quem quer
E não logra sequer
Tentar.
Dar-te
Amar é dar-te tudo o que puder
Para ao menos aí
Um pouquinho de ti
Me querer.
Curva
Um bebé, na curva perdida
Da estrada,
Pode devolver a vida
À caminhada.
Envelhecer
Envelhecer, pior que a idade
E nunca dela a par,
É a incapacidade
De me suportar.
Desperdiçar
Desperdiçar um amor,
Na perda havida,
É o erro maior
Da vida.
Melhor
Amar é descobrir
No melhor para quem amo
O melhor para eu assumir
No galho do meu ramo.
Cuidei
Cuidei que teria um problema grave
Quando não tinha problema algum
E o problema logo chegou, suave...
- Não tenho juízo nenhum!
Morrerei
Morrerei sem acrimónia,
Para aí
Não requeiro cerimónia...
- Nunca, porém, morrerei sem ti!
Limpo
Quando dos olhos, a toda a brida,
Limpo todas as poeiras e pós,
Reparo que o único sentido da vida
É lutar por nós.
Verdade
Só minto
Para que a verdade que atordoe
E te não pinto
Te não magoe.
Problema
O problema do cobarde
É findar surpreendido
Com a coragem sem alarde
De quem corajoso houver vivido.
Sê-lo
Querendo ser indestrutíveis,
Muitos deram por si, a esmo,
De antemão imprevisíveis,
A sê-lo mesmo.
Maneira
Qualquer maneira de amar
A qualquer outra é irredutível.
O amor é singular:
Pessoal e intransmissível.
Fresta
O amor leva
Aonde os mistérios se concentram:
É a fresta por onde a luz e a treva
Entram.
Ar
Não cuides que tua vida é inútil:
És o ar que a minha respira,
O anti-fútil
Sempre em mira.
Sempre
O amor,
Se bem reparar,
Seja como for,
É cuidar, sempre cuidar...
Conduz-me
O livro conduz-me ao reino da fantasia,
Livre da realidade,
Permite-me por uma hora, por um dia
Suportar-lhe a escuridade.
Bebé
Aos pais um bebé ensina
Os caminhos certos
Que o destino nos destina
E que antes nunca foram abertos.
Festa
Nada temas,
Se nada me fizer rir.
Se fizer, é bom que tremas,
Que à festa já corro a ir.
Basta
Quando me tocas,
Tudo se ateia,
Nem são precisas as bocas,
Basta um dedo que ameia.
Mágico
Que toda a noite da vida se acenda,
Os medos a iluminar,
De modo que a toda a hora te renda,
Mágico, o luar!
Papel
O papel do sorriso
É descomplicar os mágicos botões
Que da montanha atiram para o viso
Quaisquer complicações.
Aguenta
O amor aguenta tudo
Com valor
Menos o punhal agudo
Da falta de amor.
Amar
Amar não faz milagres,
Não.
O amor que sagres
É que é o teu milagre à mão.
Efémera
Não desistas da corrida
Só por findar a miúdo:
Efémera é a vida
E tudo.
Perfeita
Perfeita é aquela sorte
Que uma vez apenas teremos:
Perfeita é apenas a morte
Que não queremos.
Motivo
Por muito que eu não ceda,
A vida verga.
Porém, a tua queda
É o primeiro motivo para que eu me erga.
Íngreme
Íngreme, a subida?
Só será íngreme o que persigo
Por aquilo que, na vida,
Não puder passar contigo.
Brincar
Brincar com a morte
Deixa-a de si tão fora
Que até pode, com alguma sorte,
Levá-la a ir embora.
Novidade
O amor é
O que não podes continuar a ser:
É sempre uma novidade até
Outra novidade dentro dele aparecer.
Idade
A idade é uma guilhotina,
Mata a prazo,
Paulatina,
Mal alguém a tal dê azo.
Chegar
Rejuvenesci
Ao teu conselho.
Só se não chegar a ti
Chego a velho.
Receber
Amar é dar
E dar-se no que der.
E é receber, a par,
Sobretudo quando dali nada vier.
Somos
Somos o mundo que conhecemos
E ainda mais os ramos
Supremos
Do mundo que amamos.
Corre
Quem nos ama um filho
Corre meio caminho
De em nós atar o atilho
De o amarmos de mansinho.
Nunca
O amor real,
No que real nos impele,
Nunca nos leva a sentir mal
Com ele.
Beijo
Quando o amor morreu
Sem glória,
Cada beijo teu
É um cruzeiro rumando pela memória.
Só
Há o que só quem ama pode dar,
Com fervor,
A quem amar:
O amor.
Colheita
Pode a colheita ser pequena,
Seja do que for,
Valerá sempre a pena
Se colher amor.
Idílico
Amar,
Por entre desgraças, dores febris,
É mais que um idílico patamar,
É ser feliz.
Transferir
É cobardia
Transferir a culpa que teremos
Para culpa do que bebemos:
Nunca mais vai nascer o dia...
Requer
Viagem
Sem par,
Amar requer coragem
Para amar.
Mil
Os bêbedos de mil vinhos
E os drogados
Morrem, por todos os lados,
Sozinhos.
Nada
O amor é o pior
Na sacanagem
E não há nada melhor
Da vida na viagem.
Pai
Ser pai não é só biologia.
É sê-lo emocionalmente,
Um pé depois doutro cada dia,
Cada dia um passo em frente.
Quando
Quando é que me reconheço
De vez?
- Quando em ti tropeço,
Quando me vês.
Além
Quem
Além não tiver
Também
Nenhum amor há-de ter.
Enfermo
Enfim curado,
Estou para aqui
Cada vez mais, por outro lado,
Enfermo de ti.
Linguagem
Usamos linguagem para descobrir,
Franqueada a porta,
Que nunca logramos exprimir
O que importa.
Acordamos
Acordamos dum encanto
Frustrados
E ainda assim, a meio do pranto,
Renitentemente encantados.
Fugir
Fugir não traz,
Sem outra modalidade
Capaz,
A liberdade.
Real
O amor tem um lado sujo,
O real presente,
Sabujo
Sempre a apagar o céu iridescente.
Pior
Deixar de tentar,
Perdido pelo chão,
A par,
É a pior tentação.
Mais
O amor de longe vivido
Às vezes é o mais certo
Para de mais perto
Ser vivido.
História
Quem nunca falhou
Vida adiante
Nunca contou
Uma história interessante.