O AMOR DORIDO
BARTOLOMEU VALENTE
Aroeira, 2021
QUADRAS REGULARES
Aguentar
Teremos de não ouvir
Algo, porventura, às vezes,
Para aguentar os reveses
Com que a vida nos punir.
Alegria
Alegra-te! A vida ajeita
Sobre o fio da navalha:
A alegria não foi feita
Para ser uma migalha.
Tem
A vida tem o sentido
Dum amor apetecível:
Principiar desconhecido,
Terminar inesquecível.
Amizade
Uns dos outros promover
O melhor é o habitual
Duma amizade que houver
De nos dela dar sinal.
Digas
Nunca digas sim a tudo,
Que o não também é resposta.
E é frase inteira a que aludo
Se negra aqui for a aposta.
Perto
Fica tu perto de casa
Ou física ou moralmente,
Que a comunhão é que abrasa
O frio do teu presente.
Além
Para além da dor
Que a desgraça entrança,
Onde houver amor
Há sempre esperança.
Rotina
A rotina faz
Perder o lugar
Que mais prazer traz:
- O que faz sonhar.
Mandar
Não logramos mandar no coração,
Só consigo mandar no que pedir.
Contudo, quantas vezes será um não
E não logro, a seguir, lhe resistir!
Atrair
Aquilo em que serei bom
É a atrair o que não quero.
E é só uma questão de tom:
Sonho o não-sonho que espero.
Lema
O lema em que meças
Teu melhor engenho
É menos promessas,
Melhor desempenho.
Sozinho
Estar sozinho que importa?
O que importa é a solidão:
É não ter nenhuma porta
Onde alguém me der a mão.
Inferno
O inferno de andar sozinho
É que quero ser amado.
E um amor, mesmo maninho,
Vale o inferno que hei pagado.
Benéfica
Benéfica, a solidão
Força-nos a procurarmos
Com os outros a união,
A garantir nos salvarmos.
Passado
O passado é uma lição,
Não é, pois, uma sentença.
Larga-o, que te tem à mão
E mais logo é quem te vença.
Fala
A escrita fala por mim
Como por todos os mais.
Então me liberta, assim,
As dores nem são iguais.
Alpinista
O alpinista ante a montanha
Batida da tempestade
Não é um derrotado, ganha
Tempo até que toda a invade.
Ciclo
No ciclo da natureza
Não há vitória ou derrota,
Só movimento que preza
Prosseguir eterno em rota.
Redu-lo
Pode o Inverno ser superno
Que, a seguir, a Primavera
Logo o invade, em jeito terno,
Redu-lo a uma breve espera.
Gazela
A gazela come as ervas,
Devorada é do leão...
Predador-vítima? Observas
É morte e ressurreição.
Derrota
Uma derrota anterior
Obriga-me hoje a vencer,
Que não quero a mesma dor
Por mim a acenar sequer.
Ganhará
Só ganhará quem persiste
Para além da dor e gozos.
Derrotado é quem desiste,
Os mais são vitoriosos.
Falam
As cicatrizes mais alto
Falam do que nos falou
A espada que em sobressalto
Algures no-las causou.
Fracasso
Fracasso é oportunidade
(Tem do saber mais um covo)
De recomeçar de novo
Com redobrada vontade.
Volta
A volta ao mundo a mentira
Vai dar antes de a verdade
Ter tempo de que vestira
As calças com que persuade.
Prepara
Prepara o teu filho
Para a sério ser,
Que o mundo o cadilho
Lhe atará do ter.
Nunca
Nunca sou movido
Do que vejo ou oiço.
Do que creio erguido,
Corro e aí retoiço.
Uses
Nunca uses a energia
Para te preocupar,
Usa-a a te rasgar a via
Que te vem de acreditar.
Deixa
Deixa que a vida contigo
Crie tanta Primavera
Que desabrochem no abrigo
Flores de toda a quimera.
Fruto
Fruto do conhecimento,
Quem o come ganha siso,
Expulso a todo o momento
De algum falso paraíso.
Trata
Grandeza e profundidade
Duma nação ante as mais
Mostra-o nela, de verdade,
Como trata os animais.
Farão
As pessoas fazem viagens
E mais ou menos à toa.
De viagens mil miragens
Farão por fim a pessoa.
Caminho
Todo o caminho da vida
Como o caminho sidéreo,
Será sempre, por medida,
O caminho do mistério.
Tornar
Tornar a criança boa
É só questão de raízes:
Não é nada nunca à toa
- É só torná-las felizes.
Ganhar
É difícil numa hora
Ganhar um amigo arguto.
Fácil é ofendê-lo agora
Em apenas um minuto.
Riso
Riso e lágrimas serão
Um antídoto maior
Contra a maior perversão,
A do ódio e do terror.
Outono
Outono, desmaio e calma,
Se a gente demais o preza,
É que é mais estação de alma
Que estação da natureza.
Convicção
A convicção deve ser
O primeiro passo ao ir
Para a frente conseguir
Atingir o que se quer.
Chuva
A chuva é vida viúva
A penar pelos valados.
Alguns sentirão a chuva,
Outros só ficam molhados.
Mostra
Não fales dos planos,
São sempre falhados.
Mostra, sem enganos,
Mas é resultados.
Aberto
Coração aberto a amar,
Entrego-o logo sem medo,
Não há nada a esperdiçar
Nem a perder em tal credo.
Porta-chaves
Não desistas. Geralmente
Do porta-chaves a chave
Derradeira, de repente,
É a que a porta nos destrave.
Derradeiro
Se hoje é o derradeiro dia,
Vivê-lo irei todo inteiro,
Sentindo, miúdo, a magia
Própria dum olhar primeiro.
Virtude
Alguém desobedecer
Onde o mundo andar errado
É virtude, mais saber
Como certo o haver mudado.
Através
Aprendes a amar os mais
Através do que te ofertam
E ofertas teus cabedais...
- Juntos o mundo despertam.
Raro
De tão raro que apareça,
Quando o arrogante é humilhado
E um humilde é exaltado,
- É um milagre o que aconteça!
Convívio
Para quem não aprender
O convívio da ansiedade,
Destina-se a vida a ser
Pesadelo e brutidade.
Lealdade
A lealdade é uma loja
De mui rica porcelana
Cuja chave o amor aloja
À mão de quem a não dana.
Olha
Um amor que ao fim regressa
Não o olha a desconfiança
Quando a lealdade é peça
Por onde todo ele avança.
Armas
Onde existir lealdade
As armas serão inúteis:
As armas são da maldade,
Num sábio são sempre fúteis.
Parece
Parece submisso e fraco?
Se for sábio, toma o norte,
Conquista, humilde, o buraco
E derrota o duro e forte.
Procura
Do que procura agradar-te
O tempo inteiro te afasta.
É que aquilo só faz parte
De quem vem furtar-te a pasta.
Menos
O inimigo é menos quem
Diante de ti se alteia,
É o que ao lado se mantém
E atrás de punhal te ameia.
Ódio
O ódio nunca se apaga
Com mais ódio na fogueira
Mas com justiça que paga
O que custa a vida inteira.
Entre
O mundo não se divide
Entre inimigos e amigos,
Mas entre fortes na lide
E fracos sempre aos postigos.
Inibas
Não te inibas e sê tonto
Com aqueles a quem amas:
Alivia-los de pronto,
Mais vida em todos conclamas.
Obra
Nunca sou obra acabada,
Seja qual for meu recurso
Ou lonjura da jornada,
Sou sempre uma obra em curso.
Vista
Quando a vista neles poisas,
Muitos já se arrependeram
De não fazer certas coisas,
Não das coisas que fizeram.
Devo
Que não devo controlar
Doutrem o comportamento
Deverei mesmo aceitar.
Só o meu, a todo o momento.
Mal
Quando mal tudo estiver,
Ninguém cuida em contrapor,
Nem pensa nem quer saber
Que podia ser pior.
Acolhe
Acolhe, os braços abertos,
(E
que seja um de teus cunhos)
Aqueles que, enfim despertos,
Abrirem por fim os punhos.
Real
Deveremos ter cuidado
Com tudo o que desejamos,
Que um desejo descuidado
Ainda real o tornamos.
Morte
A morte torna-nos vivos
Por querermos viver mais:
Viver por sérios motivos,
Não dos ventos aos sinais.
Impacto
O que importa mais na vida
Não é impacto de riqueza,
Mas quão profunda a medida
De meu toque em quem o preza.
Resolver
Resolver o sofrimento?
Via que não atropele
Não é a fuga (traz-lhe aumento),
Será só mergulhar nele.
Minha
A cada um, sua dor,
Sua preocupação.
Não há maior nem menor:
Só a minha vivo, outra, não.
Atingir
Neste mundo acelerado
Mal sabemos da paciência
E menos da persistência
Para atingir algum lado.
Souberas
Se um dia souberas tudo,
Jamais eras surpreendido
Vida fora e, sobretudo,
Já depois de ter morrido.
Mudando
Mudando o significado
À desgraça que te ocorre,
Saltas para o outro lado
E em mãos revive o que morre.
Segredos
Um dos segredos da vida
É dar e ter gratidão.
Toda a ingratidão vivida
Estraga a contribuição.
Começo
Quando começo a aceitar,
Ganho espaço para o evento
Ir transformando em fermento
Do porvir a inaugurar.
Define
O que me define a vida
Jamais é o que me acontece
Mas que farei em seguida
Do que me coube em quermesse.
Transmudar
Talvez possas fazer parte
De quem pega em desafios
E os vai transmudar, com arte,
Da vida nos mil navios.
Queira
Por muito que queira amar,
Se tudo é me proteger,
Findarei por me afastar
E todo o amor, por morrer.
Freima
A freima não é buscar
O amor, já que ele te impele,
Mas barreiras derrubar
Que erigiste contra ele.
Hábito
O hábito fará de tudo
Para me manter pregado
Àquilo que é, sobretudo,
O que não quer ver mudado.
Alpinista
Quem alpinista quer ser
Tem de ir no trilho do cume.
Só quem na vida o fizer
Do pico a magia assume.
Capto
Se a vida contra parece,
É que não capto o alcance
Do que me ali oferece:
- Só quer que em frente me lance.
Cresço
Quando entendo o sofrimento
Por desafio a crescer
E cresço como ele quer,
O fim é o que então lhe invento.
Queima-me
Nada ocorre por acaso,
Poderei sempre dizê-lo.
Se não mudar nem a prazo,
A vida queima-me o pêlo!
Requeiro
A vivência pela qual
Não gostarei de passar
Requeiro-a acaso, afinal,
Por ser o que eu precisar.
Procura
Ando à procura do Reino
Cada dia, a cada instante.
A vida é questão de treino,
Sempre uma escolha constante.
Precisa
Quem é feliz é feliz
Porque é feliz do que tem,
Não precisa doutro bem
Para andar bem de raiz.
Adio
Quando adio o que escolhi,
Ando a desprezar-me a mim.
Já não sou feliz assim:
Não sou eu que estou ali.
Escolhes
Se escolhes a ingratidão,
Ao devir real o que sentes,
Toma a ti muita atenção:
Pões a vida como a intentes.
Decisões
As decisões que tomamos
Põem-nos sempre em viagem
E são mais do que cuidamos,
São momentos de viragem.
Nada
Decidir, executar,
Pode um nada ser que alcança
Mas é um acto de criar
E crio sempre mudança.
Rumo
Uma escolha do passado
Pode mudar no futuro:
Se mudo o significado,
Outro rumo lhe inauguro.
Atender-lhe
O inconsciente sabota
A melhor das intenções.
Terei de atender-lhe à rota
Ou corta-me inda os tendões.
Atleta
Qualquer atleta de topo
Teima, teima até mais não.
De meu imo como o escopo
Buscar largando-o da mão?
Sempre
Andar sempre em correria
A produzir, abarcar,
De que é que me valeria
Se de amor nem desfrutar?
Mestre
Todo o mestre é um aprendiz
Que em prática adora pôr
O que aprende no que diz
E faz em tudo o que for.
Cura
Em mim, cura é uma constante,
Corporal ou interior:
Há sempre um corte adiante,
Dentro ou fora, a se me impor.
Entender
Posso entender mentalmente
Sem a emoção ir atrás.
Então não estou presente,
Nenhuma cura se faz.
Muros
Ao entender, harmonizo
O que houver para entender
Comigo e então deslizo
Sem tais muros rumo a ser.
Ligo
Algo há quando eu entendi:
Então ligo o interruptor,
Faz-se luz onde não vi,
Flui leve o meu interior.
Doutrem
Doutrem o comportamento
Aceitar não concordando
É a paz de cada momento
Cultivar de quando em quando.
Inteiro
Quando a minha mente muda,
Então muda a minha vida.
Se o coração se transmuda,
É o mundo inteiro em seguida.
Mergulhei
Qualquer acto de perdão
É de auto-perdão um acto:
Mergulhei fundo em meu chão,
Rumo ao imo onde me acato.
Beleza
A beleza do perdão
Não é de o clamar em loas,
É de o praticar no chão
Que pisarem as pessoas.
Patim
Aceitar o que acontece
Mas a seguir desistir
Do patim que me aparece
É falhar todo o porvir.
Pior
Bem pior do que estar morto,
Não precisando, furtivo,
Mais de em vida buscar porto,
É estar morto estando vivo.
Abrir
Quando eu me abrir à mudança,
Mudança vem ter comigo
E quanto a mudança alcança
É uma frança a meu abrigo.
Poder
O poder da decisão
Tem sempre um metro a medi-lo:
É medido pela acção
Que irá na vida segui-lo.
Treino
Na vida, o treino não pára
Para alcançar minha altura.
Tudo é uma mera antepara
Do Infindo rumo à figura.
Aprender
Quando algo nos corre mal,
Que é que ando a aprender com isto
É a pergunta que, afinal,
Responde porque é que existo.
Consciência
Ter consciência da morte
Em momentos sucessivos
Pode ser a nossa sorte
A obrigar-nos a estar vivos.
Ajuda
Viver de mal com a vida
Não ajuda, é uma mania.
É de escolher, com medida
Conveniente, a outra via.
Areia
Assim como eu o fizer
Outro também o fará,
Somos de praia a colher,
Moldo a areia que houver lá.
Quando
Deveras tudo acontece
Quando tem de acontecer:
O Cosmos nunca se esquece
De em cada um ser o ser.
Mede
Não será o que te acontece
Que mede a tua estatura,
É o que o coração te tece
Daquilo e te configura.
Deixa
Deixa que teu alimento
Seja de vez teu remédio
E o remédio, cem por cento,
Só então te alimente nédio.
Viver
Logro viver com o erro,
Não, porém, com os desleixos.
Aquele é humano e o encerro.
Estes, não. Saltam dos eixos.
Atingir
Atingir o sonho
É a qualquer idade:
Quando mal suponho,
Salto a minha grade.
Desvendar
O mais engenhoso é ingénuo
Para desvendar o óbvio,
Mais que inutilmente estrénuo,
Mais crédulo que um pacóvio.
Ver
Lograrás ver, afinal,
O que deve ser retido
E não o que é sugerido
(Mesmo à vista) como real?
Manqueja
Se a ideia manqueja, alteia
Tal ideia muita gente?
Tens de criticar a ideia,
Não importa o proponente.
Poder
Palavras com esperteza
Mais emoção demagógica
Têm mais poder, com certeza,
Do que poder tem a lógica.
Brincas
Se brincas às escondidas
Contigo e com o que sentes,
Se lidas só quando mentes
Rio ou choro eu, nestas lidas?
Falar
Sabes lá falar de amor,
Sentir o termo que sente
Quem sente todo o furor
Dum amor que ao mundo invente!
Ferida
Ferida que se não cura
Há uma atrás do disfarce,
Qualquer que seja a figura:
A que não quiser curar-se.
Contaremos
Contaremos o impossível
Rumo a um possível viável,
Vida que mal é sofrível
Sonhando o inacreditável.
Silêncios
Há silêncios que mais falam,
No vazio a apelar fundo,
Que todas (que nos abalam)
As mais confissões do mundo.
Insustentável
Há silêncios que trarão
Neles, duro e a pesar,
O insustentável travão
Do que ficou por falar.
História
A história de “O tubarão
E o príncipe salvador”:
Em qual deles pões a mão?
- Tudo aguarda o teu teor.
Cuidar
Quem cuidar que é suficiente
Jamais além vai tentar,
Não quer mais ser outra gente
E nem gente irá restar.
Aparência
Não é a aparência que ilude,
A ilusão é que coloca
Na aparência, como grude,
A mentira que lá evoca.
Outrem
Para outrem quando olhamos,
É
para olhar para nós
Sem darmos conta dos tramos
Que nos atarão após.
Adaptação
Adaptação impossível,
Única de ti ao pé,
Só àquilo indiscernível
Que não sabemos o que é.
Pior
Dum amor, sempre incompleto,
O pior é não saber
O que andar, do chão ao tecto,
A nos faltar lhe fazer.
Acelera
O amor acelera a vida,
É o que nos encurta a cena
Lá da fogueira acendida
E torna a vida pequena.
Digo
A um “amo-te” sem ti
Digo um “amo-te” sem mim
E é o crepúsculo que vi
Do mundo inteiro no fim.
Fermenta
Um amor não é tranquilo,
Fermenta um mundo a cozer:
Um amor é sempre aquilo
Que gostar de vir a ser.
Amo-te
Eu amo-te, ó diferente
Habitante do nadir,
Amo-te o suficiente
Para te deixar sempre ir.
Pior
O pior do amor que finda
É que inda não acabou
Apesar de, na berlinda,
Ser finado que findou.
Lindes
Por mais que queira calar-te
Nas lindes de meu confim,
Não queira embora apanhar-te,
Mais te oiço dentro de mim.
Tornas-mo
Pois tanto contigo vou,
És minha perda e meu ganho,
Com outrem sempre que estou
Tornas-mo sempre um estranho.
Finda
O amor finda consumido
Quando o busco resgatar
Com o prazer ocorrido
Do amor tomando o lugar.
Ajudar
Não há nunca coisas boas
Em nada que o mundo acena?
Ajudar outras pessoas
Faz valer a vida a pena.
Destruir
Destruir os elefantes
Que vadiam pelo amor
Deve o amor destruir antes
Que eles se lhe andem a impor.
Bates
Qualquer linguagem importa,
Que tem sempre uma sequela.
Quando tu bates a porta,
Em mim bates tu com ela.
Porta
Poucas coisas doem mais
Que aquela porta batida,
O abandono, o fim da vida
Com alguém a quem amais.
Aceitar
Aceitar o inaceitável,
Sem noutro o reconverter,
É na vida o indesculpável
Maior erro cometer.
Inaceitável
Inaceitável na vida,
Após tudo ponderar,
Apenas é uma medida:
Apenas é não amar.
Temer
É de temer as perguntas
Que podem fazer doer:
As respostas trarão juntas
Que doem sem eu querer.
Perguntas
Perguntas que não ofendem
Há-as que, quando se acatam,
Aquilo que ao fim nos rendem
É que deveras nos matam.
Ignoras
Quando tu ignoras se amas,
É tempo então de saberes,
Entre as dúvidas que tramas,
Que não amas, tens deveres.
Porta
A porta a bater,
De ti nem sinal...
- Esta é que há-de ser
A porta final?
Doer
Doer há que mais doa
Que nunca findar
Sempre, sem parar,
O que nos magoa?
Pedir
É mesmo pedir demais
Ver que preciso de ti
Para sermos quem a mais
Será como ninguém vi?
Amor
Está bem de ver:
Amor comedido
Há-de vir a ser
Um amor perdido.
Alegria
Parte-se a alegria às mãos
Quando a apertamos demais.
Licores libam-se sãos
Em fundinhos de dedais.
Rápido
O amor quer sempre quem ama
Que chegue rápido aqui
Para ser rápida a trama
Que feliz eu lhe teci.
Resto
Sou só um resto de mim
Desde que te conheci,
Que sou também, desde aí,
O que em mim és tu, no fim.
Desistas
Não desistas de quem amas
Quando tu tens a certeza
De que quem amas proclamas
Que ama o além do que em ti preza.
Fim
O lugar mais doloroso
Que um indivíduo alcança,
Onde morre todo o gozo,
Será o do fim da esperança.
Dor
Qualquer dor insuportável
Já suportável devém
Se ao lado mais intratável
Outra dor ali advém.
Dores
Há dores que terão dentro
Outras dores, formam nós.
Quão mais cavo rumo ao centro,
Maior meu inferno a sós.
Final
Há muito final feliz.
Mas o amor, se houver final,
Enganou-se no total,
Se tem final, é infeliz.
Beijos
Há beijos que são do contra,
Contra quem sou e quem tenho,
Beijos de se pôr na montra,
Neles nem vou nem devenho.
Seguro
Amar será sempre ter
Um lugar na manga, ao ir,
(Se houver de se reverter)
Seguro para cair.
Ilude
Sem ti, amar, nem a custo.
Um beijo ilude a lacuna
Mas não há um preço justo
Ao morto à sede na duna.
Luta
Quando a luta é contra a morte,
Pouca energia nos resta
Para tentar outra sorte
Que ter sorte contra a besta.
Perdes
Quão de ti mais cheio estás,
Mais perdes o desafio
Onde mais te vês capaz:
Mais e mais estás vazio.
Balão
Ninguém é vazio
Mais que aquele ali
Balão de fastio
Que é cheio de si.
Doença
A doença que me mata
É a que poderá matar-te.
Esta é que, amor, me maltrata,
Doutra qualquer nem dou parte.
Solidão
A solidão, muitas vezes,
É só falta de coragem,
O temor de haver reveses,
E então nem pés nem mãos agem.
Livrar
Para me livrar da morte,
Da grande que ao fundo acena,
Terei de acolher à sorte
Muita morte mui pequena.
Enjeitada
Uma enjeitada consorte
Que sempre temos diante,
É fácil falar da morte
Quando parecer distante.
Sair
Para eu sair de mim
Bem mais forte do que nunca,
Vivo a sós até ao fim
A dor que a vida me junca.
Admitir
Admitir nossas fraquezas
É uma força que só os fortes
Em si têm com certeza
Donde nos traçam os nortes.
Força
A força principia na aparência.
Parecer forte pode muitas vezes
Ser o início de forte ser na essência
Com que eu agora enfrento meus reveses.
Pior
A pior dor é a que vem
Dum lado que é o intangível,
É aquela dor que não tem
Uma explicação possível.
Hipóteses
Há hipóteses desastradas
Que, mal pensadas, ofendem
Aqueles a que se prendem
Só por serem colocadas.
Planos
Quando a dor à dor se impõe,
Temos planos, objectivos:
Logo a vida se propõe
Manter os vivos mais vivos.
Mostra
Quando estamos a morrer,
Quem nos mostra a finitude
É uma criança a correr
No trilho da plenitude.
Nenhuma
Amar é nenhuma dor,
Da primeira à derradeira
E seja lá que dor for,
Sozinha morrer solteira.
Questionar
Amar é uma faculdade
De questionar permanente,
Insistir com lealdade
Em busca do eterno ausente.
Fora
Quero que o que não é teu
Finde lá fora, distante.
O amor é mesmo sandeu
Ao ser tão inebriante.
Vida
Vida não é de pensar-se,
É de usar-se com as mãos
A tal ponto que me esgarce
O senso comum noutros chãos.
Afecto
O afecto cresce das ruínas
Dum outro afecto de antanho?
Tão mais para o novo inclinas
Quão mais crês que a perda é ganho.
Curado
Curado do amor de alguém
Andarás ao não tremer
Sabendo que um pouco além
I-lo-ás logo ali tu ver.
Algo
Tens algo para dizer-me:
Quanto é que me irás matar?
Recusas-me o amor e eu, verme,
Esborrachado a deixar.
Tira
Amar a respiração
Tira de toda a maneira.
É bom ser capaz, então,
De aspirar à melhor leira.
Curo
Embora de ti me cure,
Não me curo de infeliz
Te querer se me não quis
O que teu amor procure.
Feito
Começa um amor saudável
Apenas quando começa
A já não ser encaixável
Amor feito peça a peça.
Falta
Não falta gente no mundo
De vida manipulada
A acreditar que, no fundo,
Toda a vida foi amada.
Sentes
Sentes sempre aquilo que és
Por trás do que crês sentir,
Mas sentes tanto o que crês
Que arriscas-te a te esvair.
Além
O amor, para além de grácil,
Toda a vida multiplica.
O amor é sempre mui fácil
Quando ninguém o complica.
Cative
Cative eu o que cative
Da vida que nas mãos corre,
De pena nunca se vive,
De pena apenas se morre.
Basta
Basta não estar contigo
A viver-me por inteiro,
Por inteiro perco o abrigo
E findo outra vez solteiro.
Agarrar-me
Tenho em mim de me aguentar
Para, quando só tiver
A mim a me segurar,
Alguém a agarrar-me ter.
Lágrimas
Lágrimas que não magoam
Significam esperança,
Trazem luz dentro, atordoam
Do longe que a luz alcança.
Ininterrupto
Ininterrupto me atiro
Para o escuro mais medroso
Desde que saiba, em meu giro,
Que estás lá, que, então, que gozo!
Ausência
Quando o corpo é depressão,
Ausência de corpo mata.
Que é que serei eu então
Por trás, dos dias na mata?
Salvar
Espero algures que alguém
Venha-me salvar da queda.
Toda a vida cai, porém,
Na tumba que lhe suceda.
Permanece
Antes fim que permanência
Quando temos a certeza
Duma dor que, de inerência,
Mantém-se a tornar-nos presa.
Gostaria
Gostaria de dormir
Outra vez entre os teus braços,
Até por fim te atingir
Sem do sono os embaraços.
Velho
Ninguém é mais perigoso
Ao amor velho, a puir,
Do que alguém que, mui gozoso,
Todo o dia fizer rir.
Brincar
Não brincar com coisa séria
É palermice pegada.
A brincadeira é uma léria
Para tal mesmo inventada.
Salva
Há o que nos salva da morte
Quase à custa de matar:
Ou morrer disto ou, com sorte,
Hás-de mais forte arribar.
Soube
Soube da primeira vez
Que eras minha: fiz-te rir!
E é sempre deste jaez
Que talhamos o porvir.
Jamais
Jamais serei o meu lar
Se não fores a inquilina.
Vens cá para em mim morar,
Sermos nós por nossa sina?
Dou-te
Dou-te o mundo, basta o mundo
Para ti própria chegar,
Senão vou dar-te, no fundo,
Mais que o mundo, até bastar.
Gosto
Gosto da tua alegria.
Se não minha, seja tua.
Minha é também, todavia,
Que em mim igualzinha actua.
Principie
Há quem principie a amar
Quem, afinal, sempre amou
Quando já o amor lugar
Não tem, que o amor findou.
Afinal
Há quem principie a amar-se
Quando a amar não tem ninguém.
Então irá revelar-se
Que, afinal, sempre é alguém.
Amar-se
A amar-se há quem principie
Quando uma pessoa a mais
Do que já teve indicie
Vias mil de amor reais.
Perder
Há quem de perder o reino
Precise para findar,
Finalmente, por tal treino,
Da estatura de reinar.
Cabo
O que dá cabo do mundo
É a quantidade de coisas
Que é de não fazer, no fundo,
E que farás onde poisas.
Nuvens
Quantas nuvens que se adensem
São, afinal, o que eu urdo
Para que os demais não pensem
Quanto mesmo eu sou absurdo!
Primado
Primado de sentimentos
É que é o primado da vida.
Se sentes, vives intentos,
És o que sentes em lida.
Romântico
Romântico o amor me faz,
O maior que o mundo tem,
O que arrastar vai atrás
O mais cómico também.
Transborda
Quanto for apaixonado,
Além de bom, é melhor,
Transborda por todo o lado,
Melhor inda sendo amor.
Treme
És o meu abrigo
E a estranha invasão:
Vejo-te ao postigo
E até treme o chão.
Feliz
Ser feliz tem mais respeito
Pelo que vive e nos ata
Do que irá mostrar-se atreito
A ligar ao que nos mata.
Complicada
Por complicada que seja
Cá qualquer complicação,
Um sorriso dentro enseja
Já descomplicá-la então.
Beijo
O beijo que nos aquece
Fica em nós e faz barulho,
Mais de nós dá para a messe
Da vida ao varrer-lhe o entulho.
Dores
Vida a sério quer também
As doses da inconsequência.
Se inconsequência não tem,
De infeliz é uma evidência.
Cortejo
Um amor de mão na mão,
Cortejo em vida a correr,
É um amor de perdição,
Nunca é de se perder.
Frase
Problema da frase feita
E mais nos termos mais ternos
É ser muita vez atreita
Na fundura a desfazer-nos.
Existir
Existir é andar feliz
Ou então, para quenquer,
Apenas é, por um triz,
Somente não falecer.
Mãe
A mãe, de bebé nas mãos,
É mesmo a dona do mundo,
Deus a aflorar nos desvãos
Que ela lhe reabrir no fundo.
Mundo
Ser a mãe de filho ao colo
É o mundo ter no regaço
Com o coração que enfolo
Pelo Infinito do espaço.
Coração
Quando amamos, sempre temos,
Sempre o coração nas mãos,
Para, quando precisemos,
À mão tê-lo além dos nãos.
Principiou
Ter um filho é ter o apego
Mais o frio e o calor.
De vez findou o sossego
Mas principiou o amor.
Colo
Um bebé no colo ecoa
O que eu tiver sem supor:
Tornei-me noutra pessoa
E sou pessoa melhor.
Aparecer-nos
Um amor, quando aparece,
É para fazer, após,
Na ternura que estremece,
Aparecer-nos a nós.
Um
Às vezes é requerido
Que um dos dois ame a dobrar
Um amor já ressentido
Do outro a se lhe escapar.
Darei
Darei tudo pelo amor,
Não por ser melhor a amar,
Mas porque amar há-de impor
Por amor todo o amor dar.
Desinquieto
Como és desinquietação,
No desinquieto te centras,
Da paz sinto a falta então,
Em nós tu já então não entras.
Apagas
Como és tu quem me seduz,
Se apagas a luz, então,
Como em ti só vejo luz,
Deus mora na escuridão.
Jaz
Aqui jaz acaso alguém
Que deixou marca na vida
Por levá-la mui contida?!
- Não é verdade em ninguém!
Festa
Não quero o divertimento
E à festa não dou abrigo
Se tu, a todo o momento,
Não te divertes comigo.
Atiro-me
Se um dia qualquer suceda
Que aí vais cair, de início
Atiro-me ao precipício
Para amparar tua queda.
Mata-me
Se, da vida no lugar,
É na morte que tu mordas,
Mata-me mesmo acordar
Sem saber que tu acordas.
Enfrento
Enfrento quaisquer assuntos,
Ergo à mão qualquer suporte
Só para ficarmos juntos,
Bem vivos até à morte.
Gostar
Gostar de alguém, de repente,
Faz querer o que não quero
Para o partilhar contente
Com quem amo, de amor mero.
Inspiração
A inspiração dá trabalho,
Que mais não seja, o bocado
De querer quebrar o galho,
De querer ser inspirado.
Amar
Amar será ser feliz
Apenas quando fizer
Quem amar já, de raiz,
Tão feliz que é de se ver.
Saber
Há palavras que magoam
Por não saberem quem és
E talvez até mais doam
Pois nem tu sabes de vez.
Soldadinhos
Nós soldadinhos de chumbo
Somos a que a vida ilude,
Numa guerra onde sucumbo
Fatal contra a finitude.
Cheia
Amar-te é uma camioneta
Cheia de sonhos meninos,
De inocências que acometa,
Do Infindo a semear destinos.
Curar
Querer curar nossas mágoas
Com mágoas doutro qualquer
Será eternizar as águas
Do rio de dor que houver.
Faltar
Quando faltar algo mais
Sempre a um amor, talvez falte
Amor em amores tais
E fará que deles salte.
Terra
O amor não é sustentável,
Todos tudo reinventam:
Sendo todos terra arável,
Em todos tudo alimentam.
Faca
O amor que por viver fica
É a faca por arrancar
Do peito que mais se aplica
Nos a vida a infernizar.
Tente
Que ninguém tente matar
O amor que houver por aqui.
Corre o risco, se calhar,
É de se matar a si.
Intervalo
Como na vida prossigo,
Foi, é, será sempre assim:
Quando não estás comigo,
É um intervalo de mim.
Olhos
A quem com amor quiser,
A quem amar com apego,
Sempre o amor me fará ver
Com olhar como de cego.
Adultez
A adultez, dela no porte,
Mata mais do que a velhice:
Se não vir dela a tontice,
Finda a matar mais que a morte.
Tentar
A vida inteira é correr
A tentar constantemente
O que nunca importa ser
Em vez do que importa: gente.
Procuro
Procuro quanto és em mim,
A validar o que sou,
E o que eu sou em ti, assim,
Ambos um num igual voo.
Rio
Quando rio de mim mesmo,
No limite isto comprova,
Corra o que ocorrer a esmo:
Do amor-próprio tenho a prova.
Grande
Um grande amor quer alguém
Grande para, sem abalo,
Poder, como ali convém,
Por igual também amá-lo.
Responde
Amar responde à pergunta
Que nunca foi perguntada:
Responde a tudo, pois junta
Tudo à pergunta de entrada.
Véspera
És tu minha consoada,
A véspera de Natal,
Mesa lauta celebrada,
Céus a aguardar no final.
Ilusão
Que a ilusão me bata à porta,
A tolher-me a compostura,
Com o mel que a abelha exorta
A voar até ter cura!
Toque
Foi o toque, foi o abraço
E é um arrepio na espinha:
O amor reconhece o laço
E eu sei lá bem da adivinha!
Tempestade
Um amor pode trazer
Sempre tempestade e dor.
Dá, porém, sempre a quenquer
O que outrem não der: o amor.
Moras
O que ao fim sou, por essência,
Tanto tu moras em mim,
Tanto sou tu própria assim,
É que sou só tua ausência.
Quero
Quero lá quem me complete!
Quero mas é ser feliz
Com o que sou e repete
Quem de amor assim me quis.
Atire
Se não quero amar alguém,
Por muito que uma emoção
Me atire aos pés dela ao chão,
Não a quero ver também.
Par
És o par de minha vida.
Porém, se te quero fora,
É por que de mim te elida
E de ti me vá embora.
Descobrir
Saber o que nos faz bem
Também nos vai requerer
Descobrir, afinal, quem
O bem nos irá fazer.
Magoar
Quem ama a sério resiste
A magoar o outro após,
Mesmo se a mágoa persiste
Em nos magoar a nós.
Nunca
Amar é nunca atrasada,
Nunca, chegar até mim,
Porque, na curva da estrada,
Sempre à espera estou assim.
Teu
A felicidade é sermos
O que nós podemos ser:
Eu sou teu em quaisquer termos,
Nem ser outro irei querer.
Andei
Andei por aí,
Acaso qualquer...
- A partir de ti
Soube então viver!
Bem
És bem mais que o inefável
Em mim um dia sentido,
És o sonho inesgotável
Dia a dia além cumprido.
Bebe
Aquele que bebe a mais
É pior que o que a mais bebe:
É o bêbedo sem sinais
De quem de vinho se embebe.
Tentar
Amar é tentar de tudo,
Nunca, porém, humilhar-se.
Respeito, pois, sobretudo,
Ou não há ninguém que amar-se.
Somos
Somos aquele intervalo
Entre aquilo que queremos
E aquilo que aqui já temos:
É o reino onde ao sonho abalo.
Seremos
Seremos o amor perpétuo
Perpetuamente adiado?
Sem ti de sob o teu tecto
Sei lá quem sou deste lado!
Canto
Quem não se amar a si mesmo
Pelo canto anda a arrastar-se,
Por mais que alardeie a esmo
Que é no píncaro altear-se.
Chocá-lo
Não sou dos ressabiados:
Não querem o amor de novo
No fundo desesperados
A chocá-lo sempre em ovo.
Posso
É felicidade olhar
Para o que amar posso ainda,
Não para o que é de largar,
De amor uma história finda.
Encéfalo
Viver é com emoções,
Não com o encéfalo à mão.
Morre a emoção aos baldões
Em quem só vive a razão.
Livrar
Amar é livrar do mal
Tanto a mim como a quenquer,
Nem que a lanceta fatal
Até mais não vá doer.
Inçados
Inçados de possidónios
Andam da mente os bandós.
Amar livra dos demónios
Que a nós nos tiram de nós.
Simulamos
Simulamos sempre o sonho.
O destino ou dá prazer
Ou é um destino medonho:
Quem tal destino é que quer?
Precisamos
Precisamos de perdidos,
Porventura, nós andarmos
Para em múltiplos sentidos
Afinal nos encontrarmos.
Vem
O amor vem para ficar.
Um amor que vai e vem
Nunca veio, se calhar,
Nem amor sequer é bem.
Cuida
Amar é sempre cuidar
E cuidar é proteger.
Quem não cuida e julga amar,
Sabe lá o que é que amar quer!
Importa
Importa muito estar certo
De que é o certo que fazemos
Ou longe finda o que é perto
E, no fim, tudo perdemos.
Espaço
Amar não é ocupar
Nenhum espaço vazio,
Não amar é que é um lugar
Vazio cheio de frio.
Final
Final feliz não existe,
É nota de adolescente
À procura do despiste
Dum rumo à vida em que assente.
Vejo-te
Feitas as pazes,
Vejo-te assim:
Ainda trazes
Céu para mim!
Envelhecer
Envelhecer é findar,
Se a sabedoria encorpo,
Um pouco sem ter lugar,
Mais e mais longe do corpo.
Ainda
Muito embora tempo passe,
Amar, se se mantiver,
É o que até mesmo ao trespasse
Ainda nos faz tremer.
Morre
Amar não morre à distância,
A distância só engrandece,
Crava mais fundo, com ânsia,
O amor que a lonjura aquece.
Lapa
Uma opinião muda,
Amar, porém, não,
Como lapa gruda
Dentro em nós, então.
Mora
O amor mora sempre dentro
Do que for nossa coragem,
Será sempre dela o centro,
Seja qual for dela a imagem.
Ama-se
Ama-se em três patamares
Quando de verdade, a sós:
Amo o eu e o tu vulgares
Mais o alto patim do nós.
Inventarei
Eu inventarei por ti
Um eu que nem sei se o vir,
Desde que descubra ali
Que é o que melhor te servir.
Deixou
Já deixou de ser amor
Quando um não não desespera.
Não há fracasso maior
Mas principiou nova era.
Estado
Um amor devia ser
Nosso estado natural
E nunca, nunca um qualquer
Já desvio já excepcional.
Inteiros
Às vezes temos de ser
Inteiros de quem merece,
Não, ao invés, dum qualquer
Amor que só nos esquece.
Pese
O amor é sempre inseguro,
Pese embora quanto alcança.
Portanto, por entre o apuro,
Tem de ofertar segurança.
Grande
Alguém que é grande, no fundo,
Além de ser gente boa
Em algo que em vida ecoa,
Grande é porque aumenta o mundo.
Peça
No que a vida for a selva
És uma peça legítima:
Sê o predador rente à relva,
Nunca sejas tu a vítima!
Compromete-te
Compromete-te contigo,
Com o que queres, que anseias!
Fala com quem, neste abrigo,
Te regue o sonho às mancheias.
Longe
Longe é a verdade, não perto,
E de vez nunca agarrada.
Cuidas que andas sempre certo?
Assim nunca aprendes nada.
Campo
A vida, campo e deserto,
De longe tem de ser vista,
Às vezes, por quem insista
Em querer vê-la de perto.