O  AMOR  DORIDO

 

 

 

 

 

 

BARTOLOMEU  VALENTE

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Aroeira, 2021

 

 

 

QUADRAS  REGULARES

 

 

Aguentar

 

Teremos de não ouvir

Algo, porventura, às vezes,

Para aguentar os reveses

Com que a vida nos punir.

 

 

Alegria

 

Alegra-te! A vida ajeita

Sobre o fio da navalha:

A alegria não foi feita

Para ser uma migalha.

 

 

Tem

 

A vida tem o sentido

Dum amor apetecível:

Principiar desconhecido,

Terminar inesquecível.

 

 

Amizade

 

Uns dos outros promover

O melhor é o habitual

Duma amizade que houver

De nos dela dar sinal.

 

 

Digas

 

Nunca digas sim a tudo,

Que o não também é resposta.

E é frase inteira a que aludo

Se negra aqui for a aposta.

 

 

Perto

 

Fica tu perto de casa

Ou física ou moralmente,

Que a comunhão é que abrasa

O frio do teu presente.

 

 

Além

 

Para além da dor

Que a desgraça entrança,

Onde houver amor

Há sempre esperança.

 

 

Rotina

 

A rotina faz

Perder o lugar

Que mais prazer traz:

- O que faz sonhar.

 

 

Mandar

 

Não logramos mandar no coração,

Só consigo mandar no que pedir.

Contudo, quantas vezes será um não

E não logro, a seguir, lhe resistir!

 

 

Atrair

 

Aquilo em que serei bom

É a atrair o que não quero.

E é só uma questão de tom:

Sonho o não-sonho que espero.

 

 

Lema

 

O lema em que meças

Teu melhor engenho

É menos promessas,

Melhor desempenho.

 

 

Sozinho

 

Estar sozinho que importa?

O que importa é a solidão:

É não ter nenhuma porta

Onde alguém me der a mão.

 

 

Inferno

 

O inferno de andar sozinho

É que quero ser amado.

E um amor, mesmo maninho,

Vale o inferno que hei pagado.

 

 

Benéfica

 

Benéfica, a solidão

Força-nos a procurarmos

Com os outros a união,

A garantir nos salvarmos.

 

 

Passado

 

O passado é uma lição,

Não é, pois, uma sentença.

Larga-o, que te tem à mão

E mais logo é quem te vença.

 

 

Fala

 

A escrita fala por mim

Como por todos os mais.

Então me liberta, assim,

As dores nem são iguais.

 

 

Alpinista

 

O alpinista ante a montanha

Batida da tempestade

Não é um derrotado, ganha

Tempo até que toda a invade.

 

 

Ciclo

 

No ciclo da natureza

Não há vitória ou derrota,

Só movimento que preza

Prosseguir eterno em rota.

 

 

Redu-lo

 

Pode o Inverno ser superno

Que, a seguir, a Primavera

Logo o invade, em jeito terno,

Redu-lo a uma breve espera.

 

 

Gazela

 

A gazela come as ervas,

Devorada é do leão...

Predador-vítima?  Observas

É morte e ressurreição.

 

 

Derrota

 

Uma derrota anterior

Obriga-me hoje a vencer,

Que não quero a mesma dor

Por mim a acenar sequer.

 

 

Ganhará

 

Só ganhará quem persiste

Para além da dor e gozos.

Derrotado é quem desiste,

Os mais são vitoriosos.

 

 

Falam

 

As cicatrizes mais alto

Falam do que nos falou

A espada que em sobressalto

Algures no-las causou.

 

 

Fracasso

 

Fracasso é oportunidade

(Tem do saber mais um covo)

De recomeçar de novo

Com redobrada vontade.

 

 

Volta

 

A volta ao mundo a mentira

Vai dar antes de a verdade

Ter tempo de que vestira

As calças com que persuade.

 

 

Prepara

 

Prepara o teu filho

Para a sério ser,

Que o mundo o cadilho

Lhe atará do ter.

 

 

Nunca

 

Nunca sou movido

Do que vejo ou oiço.

Do que creio erguido,

Corro e aí retoiço.

 

 

Uses

 

Nunca uses a energia

Para te preocupar,

Usa-a a te rasgar a via

Que te vem de acreditar.

 

 

Deixa

 

Deixa que a vida contigo

Crie tanta Primavera

Que desabrochem no abrigo

Flores de toda a quimera.

 

 

Fruto

 

Fruto do conhecimento,

Quem o come ganha siso,

Expulso a todo o momento

De algum falso paraíso.

 

 

Trata

 

Grandeza e profundidade

Duma nação ante as mais

Mostra-o nela, de verdade,

Como trata os animais.

 

 

Farão

 

As pessoas fazem viagens

E mais ou menos à toa.

De viagens mil miragens

Farão por fim a pessoa.

 

 

Caminho

 

Todo o caminho da vida

Como o caminho sidéreo,

Será sempre, por medida,

O caminho do mistério.

 

 

Tornar

 

Tornar a criança boa

É só questão de raízes:

Não é nada nunca à toa

- É só torná-las felizes.

 

 

Ganhar

 

É difícil numa hora

Ganhar um amigo arguto.

Fácil é ofendê-lo agora

Em apenas um minuto.

 

 

Riso

 

Riso e lágrimas serão

Um antídoto maior

Contra a maior perversão,

A do ódio e do terror.

 

 

Outono

 

Outono, desmaio e calma,

Se a gente demais o preza,

É que é mais estação de alma

Que estação da natureza.

 

 

Convicção

 

A convicção deve ser

O primeiro passo ao ir

Para a frente conseguir

Atingir o que se quer.

 

 

Chuva

 

A chuva é vida viúva

A penar pelos valados.

Alguns sentirão a chuva,

Outros só ficam molhados.

 

 

Mostra

 

Não fales dos planos,

São sempre falhados.

Mostra, sem enganos,

Mas é resultados.

 

 

Aberto

 

Coração aberto a amar,

Entrego-o logo sem medo,

Não há nada a esperdiçar

Nem a perder em tal credo.

 

 

Porta-chaves

 

Não desistas. Geralmente

Do porta-chaves a chave

Derradeira, de repente,

É a que a porta nos destrave.

 

 

Derradeiro

 

Se hoje é o derradeiro dia,

Vivê-lo irei todo inteiro,

Sentindo, miúdo, a magia

Própria dum olhar primeiro.

 

 

Virtude

 

Alguém desobedecer

Onde o mundo andar errado

É virtude, mais saber

Como certo o haver mudado.

 

 

Através

 

Aprendes a amar os mais

Através do que te ofertam

E ofertas teus cabedais...

- Juntos o mundo despertam.

 

 

Raro

 

De tão raro que apareça,

Quando o arrogante é humilhado

E um humilde é exaltado,

- É um milagre o que aconteça!

 

 

Convívio

 

Para quem não aprender

O convívio da ansiedade,

Destina-se a vida a ser

Pesadelo e brutidade.

 

 

Lealdade

 

A lealdade é uma loja

De mui rica porcelana

Cuja chave o amor aloja

À mão de quem a não dana.

 

 

Olha

 

Um amor que ao fim regressa

Não o olha a desconfiança

Quando a lealdade é peça

Por onde todo ele avança.

 

 

Armas

 

Onde existir lealdade

As armas serão inúteis:

As armas são da maldade,

Num sábio são sempre fúteis.

 

 

Parece

 

Parece submisso e fraco?

Se for sábio, toma o norte,

Conquista, humilde, o buraco

E derrota o duro e forte.

 

 

Procura

 

Do que procura agradar-te

O tempo inteiro te afasta.

É que aquilo só faz parte

De quem vem furtar-te a pasta.

 

 

Menos

 

O inimigo é menos quem

Diante de ti se alteia,

É o que ao lado se mantém

E atrás de punhal te ameia.

 

 

Ódio

 

O ódio nunca se apaga

Com mais ódio na fogueira

Mas com justiça que paga

O que custa a vida inteira.

 

 

Entre

 

O mundo não se divide

Entre inimigos e amigos,

Mas entre fortes na lide

E fracos sempre aos postigos.

 

 

Inibas

 

Não te inibas e sê tonto

Com aqueles a quem amas:

Alivia-los de pronto,

Mais vida em todos conclamas.

 

 

Obra

 

Nunca sou obra acabada,

Seja qual for meu recurso

Ou lonjura da jornada,

Sou sempre uma obra em curso.

 

 

Vista

 

Quando a vista neles poisas,

Muitos já se arrependeram

De não fazer certas coisas,

Não das coisas que fizeram.

 

 

Devo

 

Que não devo controlar

Doutrem o comportamento

Deverei mesmo aceitar.

Só o meu, a todo o momento.

 

 

Mal

 

Quando mal tudo estiver,

Ninguém cuida em contrapor,

Nem pensa nem quer saber

Que podia ser pior.

 

 

Acolhe

 

Acolhe, os braços abertos,

(E que seja um de teus cunhos)
Aqueles que, enfim despertos,

Abrirem por fim os punhos.

 

 

Real

 

Deveremos ter cuidado

Com tudo o que desejamos,

Que um desejo descuidado

Ainda real o tornamos.

 

 

Morte

 

A morte torna-nos vivos

Por querermos viver mais:

Viver por sérios motivos,

Não dos ventos aos sinais.

 

 

Impacto

 

O que importa mais na vida

Não é impacto de riqueza,

Mas quão profunda a medida

De meu toque em quem o preza.

 

 

Resolver

 

Resolver o sofrimento?

Via que não atropele

Não é a fuga (traz-lhe aumento),

Será só mergulhar nele.

 

 

Minha

 

A cada um, sua dor,

Sua preocupação.

Não há maior nem menor:

Só a minha vivo, outra, não.

 

 

Atingir

 

Neste mundo acelerado

Mal sabemos da paciência

E menos da persistência

Para atingir algum lado.

 

 

Souberas

 

Se um dia souberas tudo,

Jamais eras surpreendido

Vida fora e, sobretudo,

Já depois de ter morrido.

 

 

Mudando

 

Mudando o significado

À desgraça que te ocorre,

Saltas para o outro lado

E em mãos revive o que morre.

 

 

Segredos

 

Um dos segredos da vida

É dar e ter gratidão.

Toda a ingratidão vivida

Estraga a contribuição.

 

 

Começo

 

Quando começo a aceitar,

Ganho espaço para o evento

Ir transformando em fermento

Do porvir a inaugurar.

 

 

Define

 

O que me define a vida

Jamais é o que me acontece

Mas que farei em seguida

Do que me coube em quermesse.

 

 

Transmudar

 

Talvez possas fazer parte

De quem pega em desafios

E os vai transmudar, com arte,

Da vida nos mil navios.

 

 

Queira

 

Por muito que queira amar,

Se tudo é me proteger,

Findarei por me afastar

E todo o amor, por morrer.

 

 

Freima

 

A freima não é buscar

O amor, já que ele te impele,

Mas barreiras derrubar

Que erigiste contra ele.

 

 

Hábito

 

O hábito fará de tudo

Para me manter pregado

Àquilo que é, sobretudo,

O que não quer ver mudado.

 

 

Alpinista

 

Quem alpinista quer ser

Tem de ir no trilho do cume.

Só quem na vida o fizer

Do pico a magia assume.

 

 

Capto

 

Se a vida contra parece,

É que não capto o alcance

Do que me ali oferece:

- Só quer que em frente me lance.

 

 

Cresço

 

Quando entendo o sofrimento

Por desafio a crescer

E cresço como ele quer,

O fim é o que então lhe invento.

 

 

Queima-me

 

Nada ocorre por acaso,

 Poderei sempre dizê-lo.

Se não mudar nem a prazo,

A vida queima-me o pêlo!

 

 

Requeiro

 

A vivência pela qual

Não gostarei de passar

Requeiro-a acaso, afinal,

Por ser o que eu precisar.

 

 

Procura

 

Ando à procura do Reino

Cada dia, a cada instante.

A vida é questão de treino,

Sempre uma escolha constante.

 

 

Precisa

 

Quem é feliz é feliz

Porque é feliz do que tem,

Não precisa doutro bem

Para andar bem de raiz.

 

 

Adio

 

Quando adio o que escolhi,

Ando a desprezar-me a mim.

Já não sou feliz assim:

Não sou eu que estou ali.

 

 

Escolhes

 

Se escolhes a ingratidão,

Ao devir real o que sentes,

Toma a ti muita atenção:

Pões a vida como a intentes.

 

 

Decisões

 

As decisões que tomamos

Põem-nos sempre em viagem

E são mais do que cuidamos,

São momentos de viragem.

 

 

Nada

 

Decidir, executar,

Pode um nada ser que alcança

Mas é um acto de criar

E crio sempre mudança.

 

 

Rumo

 

Uma escolha do passado

Pode mudar no futuro:

Se mudo o significado,

Outro rumo lhe inauguro.

 

 

Atender-lhe

 

O inconsciente sabota

A melhor das intenções.

Terei de atender-lhe à rota

Ou corta-me inda os tendões.

 

 

Atleta

 

Qualquer atleta de topo

Teima, teima até mais não.

De meu imo como o escopo

Buscar largando-o da mão?

 

 

Sempre

 

Andar sempre em correria

A produzir, abarcar,

De que é que me valeria

Se de amor nem desfrutar?

 

 

Mestre

 

Todo o mestre é um aprendiz

Que em prática adora pôr

O que aprende no que diz

E faz em tudo o que for.

 

 

Cura

 

Em mim, cura é uma constante,

Corporal ou interior:

Há sempre um corte adiante,

Dentro ou fora, a se me impor.

 

 

Entender

 

Posso entender mentalmente

Sem a emoção ir atrás.

Então não estou presente,

Nenhuma cura se faz.

 

 

Muros

 

Ao entender, harmonizo

O que houver para entender

Comigo e então deslizo

Sem tais muros rumo a ser.

 

 

Ligo

 

Algo há quando eu entendi:

Então ligo o interruptor,

Faz-se luz onde não vi,

Flui leve o meu interior.

 

 

Doutrem

 

Doutrem o comportamento

Aceitar não concordando

É a paz de cada momento

Cultivar de quando em quando.

 

 

Inteiro

 

Quando a minha mente muda,

Então muda a minha vida.

Se o coração se transmuda,

É o mundo inteiro em seguida.

 

 

Mergulhei

 

Qualquer acto de perdão

É de auto-perdão um acto:

Mergulhei fundo em meu chão,

Rumo ao imo onde me acato.

 

 

Beleza

 

A beleza do perdão

Não é de o clamar em loas,

É de o praticar no chão

Que pisarem as pessoas.

 

 

Patim

 

Aceitar o que acontece

Mas a seguir desistir

Do patim que me aparece

É falhar todo o porvir.

 

 

Pior

 

Bem pior do que estar morto,

Não precisando, furtivo,

Mais de em vida buscar porto,

É estar morto estando vivo.

 

 

Abrir

 

Quando eu me abrir à mudança,

Mudança vem ter comigo

E quanto a mudança alcança

É uma frança a meu abrigo.

 

 

Poder

 

O poder da decisão

Tem sempre um metro a medi-lo:

É medido pela acção

Que irá na vida segui-lo.

 

 

Treino

 

Na vida, o treino não pára

Para alcançar minha altura.

Tudo é uma mera antepara

Do Infindo rumo à figura.

 

 

Aprender

 

Quando algo nos corre mal,

Que é que ando a aprender com isto

É a pergunta que, afinal,

Responde porque é que existo.

 

 

Consciência

 

Ter consciência da morte

Em momentos sucessivos

Pode ser a nossa sorte

A obrigar-nos a estar vivos.

 

 

Ajuda

 

Viver de mal com a vida

Não ajuda, é uma mania.

É de escolher, com medida

Conveniente, a outra via.

 

 

Areia

 

Assim como eu o fizer

Outro também o fará,

Somos de praia a colher,

Moldo a areia que houver lá.

 

 

Quando

 

Deveras tudo acontece

Quando tem de acontecer:

O Cosmos nunca se esquece

De em cada um ser o ser.

 

 

Mede

 

Não será o que te acontece

Que mede a tua estatura,

É o que o coração te tece

Daquilo e te configura.

 

 

Deixa

 

Deixa que teu alimento

Seja de vez teu remédio

E o remédio, cem por cento,

Só então te alimente nédio.

 

 

Viver

 

Logro viver com o erro,

Não, porém, com os desleixos.

Aquele é humano e o encerro.

Estes, não. Saltam dos eixos.

 

 

Atingir

 

Atingir o sonho

É a qualquer idade:

Quando mal suponho,

Salto a minha grade.

 

 

Desvendar

 

O mais engenhoso é ingénuo

Para desvendar o óbvio,

Mais que inutilmente estrénuo,

Mais crédulo que um pacóvio.

 

 

Ver

 

Lograrás ver, afinal,

O que deve ser retido

E não o que é sugerido

(Mesmo à vista) como real?

 

 

Manqueja

 

Se a ideia manqueja, alteia

Tal ideia muita gente?

Tens de criticar a ideia,

Não importa o proponente.

 

 

Poder

 

Palavras com esperteza

Mais emoção demagógica

Têm mais poder, com certeza,

Do que poder tem a lógica.

 

 

Brincas

 

Se brincas às escondidas

Contigo e com o que sentes,

Se lidas só quando mentes

Rio ou choro eu, nestas lidas?

 

 

Falar

 

Sabes lá falar de amor,

Sentir o termo que sente

Quem sente todo o furor

Dum amor que ao mundo invente!

 

 

Ferida

 

Ferida que se não cura

Há uma atrás do disfarce,

Qualquer que seja a figura:

A que não quiser curar-se.

 

 

Contaremos

 

Contaremos o impossível

Rumo a um possível viável,

Vida que mal é sofrível

Sonhando o inacreditável.

 

 

Silêncios

 

Há silêncios que mais falam,

No vazio a apelar fundo,

Que todas (que nos abalam)

As mais confissões do mundo.

 

 

Insustentável

 

Há silêncios que trarão

Neles, duro e a pesar,

O insustentável travão

Do que ficou por falar.

 

 

História

 

A história de “O tubarão

E o príncipe salvador”:

Em qual deles pões a mão?

- Tudo aguarda o teu teor.

 

 

Cuidar

 

Quem cuidar que é suficiente

Jamais além vai tentar,

Não quer mais ser outra gente

E nem gente irá restar.

 

 

Aparência

 

Não é a aparência que ilude,

A ilusão é que coloca

Na aparência, como grude,

A mentira que lá evoca.

 

 

Outrem

 

Para outrem quando olhamos,

É para olhar para nós
Sem darmos conta dos tramos

Que nos atarão após.

 

 

Adaptação

 

Adaptação impossível,

Única de ti ao pé,

Só àquilo indiscernível

Que não sabemos o que é.

 

 

Pior

 

Dum amor, sempre incompleto,

O pior é não saber

O que andar, do chão ao tecto,

A nos faltar lhe fazer.

 

 

Acelera

 

O amor acelera a vida,

É o que nos encurta a cena

Lá da fogueira acendida

E torna a vida pequena.

 

 

Digo

 

A um “amo-te” sem ti

Digo um “amo-te” sem mim

E é o crepúsculo que vi

Do mundo inteiro no fim.

 

 

Fermenta

 

Um amor não é tranquilo,

Fermenta um mundo a cozer:

Um amor é sempre aquilo

Que gostar de vir a ser.

 

 

Amo-te

 

Eu amo-te, ó diferente

Habitante do nadir,

Amo-te o suficiente

Para te deixar sempre ir.

 

 

Pior

 

O pior do amor que finda

É que inda não acabou

Apesar de, na berlinda,

Ser finado que findou.

 

 

Lindes

 

Por mais que queira calar-te

Nas lindes de meu confim,

Não queira embora apanhar-te,

Mais te oiço dentro de mim.

 

 

Tornas-mo

 

Pois tanto contigo vou,

És minha perda e meu ganho,

Com outrem sempre que estou

Tornas-mo sempre um estranho.

 

 

Finda

 

O amor finda consumido

Quando o busco resgatar

Com o prazer ocorrido

Do amor tomando o lugar.

 

 

Ajudar

 

 

Não há nunca coisas boas

Em nada que o mundo acena?

Ajudar outras pessoas

Faz valer a vida a pena.

 

 

Destruir

 

Destruir os elefantes

Que vadiam pelo amor

Deve o amor destruir antes

Que eles se lhe andem a impor.

 

 

Bates

 

Qualquer linguagem importa,

Que tem sempre uma sequela.

Quando tu bates a porta,

Em mim bates tu com ela.

 

 

Porta

 

Poucas coisas doem mais

Que aquela porta batida,

O abandono, o fim da vida

Com alguém a quem amais.

 

 

Aceitar

 

Aceitar o inaceitável,

Sem noutro o reconverter,

É na vida o indesculpável

Maior erro cometer.

 

 

Inaceitável

 

Inaceitável na vida,

Após tudo ponderar,

Apenas é uma medida:

Apenas é não amar.

 

 

Temer

 

É de temer as perguntas

Que podem fazer doer:

As respostas trarão juntas

Que doem sem eu querer.

 

 

Perguntas

 

Perguntas que não ofendem

Há-as que, quando se acatam,

Aquilo que ao fim nos rendem

É que deveras nos matam.

 

 

Ignoras

 

Quando tu ignoras se amas,

É tempo então de saberes,

Entre as dúvidas que tramas,

Que não amas, tens deveres.

 

 

Porta

 

A porta a bater,

De ti nem sinal...

­­- Esta é que há-de ser

A porta final?

 

 

Doer

 

Doer há que mais doa

Que nunca findar

Sempre, sem parar,

O que nos magoa?

 

 

Pedir

 

É mesmo pedir demais

Ver que preciso de ti

Para sermos quem a mais

Será como ninguém vi?

 

 

Amor

 

Está bem de ver:

Amor comedido

Há-de vir a ser

Um amor perdido.

 

 

Alegria

 

Parte-se a alegria às mãos

Quando a apertamos demais.

Licores libam-se sãos

Em fundinhos de dedais.

 

 

Rápido

 

O amor quer sempre quem ama

Que chegue rápido aqui

Para ser rápida a trama

Que feliz eu lhe teci.

 

 

Resto

 

Sou só um resto de mim

Desde que te conheci,

Que sou também, desde aí,

O que em mim és tu, no fim.

 

 

Desistas

 

Não desistas de quem amas

Quando tu tens a certeza

De que quem amas proclamas

Que ama o além do que em ti preza.

 

 

Fim

 

O lugar mais doloroso

Que um indivíduo alcança,

Onde morre todo o gozo,

Será o do fim da esperança.

 

 

Dor

 

Qualquer dor insuportável

Já suportável devém

Se ao lado mais intratável

Outra dor ali advém.

 

 

Dores

 

Há dores que terão dentro

Outras dores, formam nós.

Quão mais cavo rumo ao centro,

Maior meu inferno a sós.

 

 

Final

 

Há muito final feliz.

Mas o amor, se houver final,

Enganou-se no total,

Se tem final, é infeliz.

 

 

Beijos

 

Há beijos que são do contra,

Contra quem sou e quem tenho,

Beijos de se pôr na montra,

Neles nem vou nem devenho.

 

 

Seguro

 

Amar será sempre ter

Um lugar na manga, ao ir,

(Se houver de se reverter)

Seguro para cair.

 

 

Ilude

 

Sem ti, amar, nem a custo.

Um beijo ilude a lacuna

Mas não há um preço justo

Ao morto à sede na duna.

 

 

Luta

 

Quando a luta é contra a morte,

Pouca energia nos resta

Para tentar outra sorte

Que ter sorte contra a besta.

 

 

Perdes

 

Quão de ti mais cheio estás,

Mais perdes o desafio

Onde mais te vês capaz:

Mais e mais estás vazio.

 

 

Balão

 

Ninguém é vazio

Mais que aquele ali

Balão de fastio

Que é cheio de si.

 

 

Doença

 

 A doença que me mata

É a que poderá matar-te.

Esta é que, amor, me maltrata,

Doutra qualquer nem dou parte.

 

 

Solidão

 

A solidão, muitas vezes,

É só falta de coragem,

O temor de haver reveses,

E então nem pés nem mãos agem.

 

 

Livrar

 

Para me livrar da morte,

Da grande que ao fundo acena,

Terei de acolher à sorte

Muita morte mui pequena.

 

 

Enjeitada

 

Uma enjeitada consorte

Que sempre temos diante,

É fácil falar da morte

Quando parecer distante.

 

 

Sair

 

Para eu sair de mim

Bem mais forte do que nunca,

Vivo a sós até ao fim

A dor que a vida me junca.

 

 

Admitir

 

Admitir nossas fraquezas

É uma força que só os fortes

Em si têm com certeza

Donde nos traçam os nortes.

 

 

Força

 

A força principia na aparência.

Parecer forte pode muitas vezes

Ser o início de forte ser na essência

Com que eu agora enfrento meus reveses.

 

 

Pior

 

A pior dor é a que vem

Dum lado que é o intangível,

É aquela dor que não tem

Uma explicação possível.

 

 

Hipóteses

 

Há hipóteses desastradas

Que, mal pensadas, ofendem

Aqueles a que se prendem

Só por serem colocadas.

 

 

Planos

 

Quando a dor à dor se impõe,

Temos planos, objectivos:

Logo a vida se propõe

Manter os vivos mais vivos.

 

 

Mostra

 

Quando estamos a morrer,

Quem nos mostra a finitude

É uma criança a correr

No trilho da plenitude.

 

 

Nenhuma

 

Amar é nenhuma dor,

Da primeira à derradeira

E seja lá que dor for,

Sozinha morrer solteira.

 

 

Questionar

 

Amar é uma faculdade

De questionar permanente,

Insistir com lealdade

Em busca do eterno ausente.

 

 

Fora

 

Quero que o que não é teu

Finde lá fora, distante.

O amor é mesmo sandeu

Ao ser tão inebriante.

 

 

Vida

 

Vida não é de pensar-se,

É de usar-se com as mãos

A tal ponto que me esgarce

O senso comum noutros chãos.

 

 

Afecto

 

O afecto cresce das ruínas

Dum outro afecto de antanho?

Tão mais para o novo inclinas

Quão mais crês que a perda é ganho.

 

 

Curado

 

Curado do amor de alguém

Andarás ao não tremer

Sabendo que um pouco além

I-lo-ás logo ali tu ver.

 

 

Algo

 

Tens algo para dizer-me:

Quanto é que me irás matar?

Recusas-me o amor e eu, verme,

Esborrachado a deixar.

 

 

Tira

 

Amar a respiração

Tira de toda a maneira.

É bom ser capaz, então,

De aspirar à melhor leira.

 

Curo

 

Embora de ti me cure,

Não me curo de infeliz

Te querer se me não quis

O que teu amor procure.

 

 

Feito

 

Começa um amor saudável

Apenas quando começa

A já não ser encaixável

Amor feito peça a peça.

 

 

Falta

 

Não falta gente no mundo

De vida manipulada

A acreditar que, no fundo,

Toda a vida foi amada.

 

 

Sentes

 

Sentes sempre aquilo que és

Por trás do que crês sentir,

Mas sentes tanto o que crês

Que arriscas-te a te esvair.

 

 

Além

 

O amor, para além de grácil,

Toda a vida multiplica.

O amor é sempre mui fácil

Quando ninguém o complica.

 

 

Cative

 

Cative eu o que cative

Da vida que nas mãos corre,

De pena nunca se vive,

De pena apenas se morre.

 

 

Basta

 

Basta não estar contigo

A viver-me por inteiro,

Por inteiro perco o abrigo

E findo outra vez solteiro.

 

 

Agarrar-me

 

Tenho em mim de me aguentar

Para, quando só tiver

A mim a me segurar,

Alguém a agarrar-me ter.

 

 

Lágrimas

 

Lágrimas que não magoam

Significam esperança,

Trazem luz dentro, atordoam

Do longe que a luz alcança.

 

 

Ininterrupto

 

Ininterrupto me atiro

Para o escuro mais medroso

Desde que saiba, em meu giro,

Que estás lá, que, então, que gozo!

 

 

Ausência

 

Quando o corpo é depressão,

Ausência de corpo mata.

Que é que serei eu então

Por trás, dos dias na mata?

 

 

Salvar

 

Espero algures que alguém

Venha-me salvar da queda.

Toda a vida cai, porém,

Na tumba que lhe suceda.

 

 

Permanece

 

Antes fim que permanência

Quando temos a certeza

Duma dor que, de inerência,

Mantém-se a tornar-nos presa.

 

 

Gostaria

 

Gostaria de dormir

Outra vez entre os teus braços,

Até por fim te atingir

Sem do sono os embaraços.

 

 

Velho

 

Ninguém é mais perigoso

Ao amor velho, a puir,

Do que alguém que, mui gozoso,

Todo o dia fizer rir.

 

 

Brincar

 

Não brincar com coisa séria

É palermice pegada.

A brincadeira é uma léria

Para tal mesmo inventada.

 

 

Salva

 

Há o que nos salva da morte

Quase à custa de matar:

Ou morrer disto ou, com sorte,

Hás-de mais forte arribar.

 

 

Soube

 

Soube da primeira vez

Que eras minha: fiz-te rir!

E é sempre deste jaez

Que talhamos o porvir.

 

 

Jamais

 

Jamais serei o meu lar

Se não fores a inquilina.

Vens cá para em mim morar,

Sermos nós por nossa sina?

 

 

Dou-te

 

Dou-te o mundo, basta o mundo

Para ti própria chegar,

Senão vou dar-te, no fundo,

Mais que o mundo, até bastar.

 

 

Gosto

 

Gosto da tua alegria.

Se não minha, seja tua.

Minha é também, todavia,

Que em mim igualzinha actua.

 

 

Principie

 

Há quem principie a amar

Quem, afinal, sempre amou

Quando já o amor lugar

Não tem, que o amor findou.

 

 

Afinal

 

Há quem principie a amar-se

Quando a amar não tem ninguém.

Então irá revelar-se

Que, afinal, sempre é alguém.

 

 

Amar-se

 

A amar-se há quem principie

Quando uma pessoa a mais

Do que já teve indicie

Vias mil de amor reais.

 

 

Perder

 

Há quem de perder o reino

Precise para findar,

Finalmente, por tal treino,

Da estatura de reinar.

 

 

Cabo

 

O que dá cabo do mundo

É a quantidade de coisas

Que é de não fazer, no fundo,

E que farás onde poisas.

 

 

Nuvens

 

Quantas nuvens que se adensem

São, afinal, o que eu urdo

Para que os demais não pensem

Quanto mesmo eu sou absurdo!

 

 

Primado

 

Primado de sentimentos

É que é o primado da vida.

Se sentes, vives intentos,

És o que sentes em lida.

 

 

Romântico

 

Romântico o amor me faz,

O maior que o mundo tem,

O que arrastar vai atrás

O mais cómico também.

 

 

Transborda

 

Quanto for apaixonado,

Além de bom, é melhor,

Transborda por todo o lado,

Melhor inda sendo amor.

 

 

Treme

 

És o meu abrigo

E a estranha invasão:

Vejo-te ao postigo

E até treme o chão.

 

 

Feliz

 

Ser feliz tem mais respeito

Pelo que vive e nos ata

Do que irá mostrar-se atreito

A ligar ao que nos mata.

 

 

Complicada

 

Por complicada que seja

Cá qualquer complicação,

Um sorriso dentro enseja

Já descomplicá-la então.

 

 

Beijo

 

O beijo que nos aquece

Fica em nós e faz barulho,

Mais de nós dá para a messe

Da vida ao varrer-lhe o entulho.

 

 

Dores

 

Vida a sério quer também

As doses da inconsequência.

Se inconsequência não tem,

De infeliz é uma evidência.

 

 

Cortejo

 

Um amor de mão na mão,

Cortejo em vida a correr,

É um amor de perdição,

Nunca é de se perder.

 

 

Frase

 

Problema da frase feita

E mais nos termos mais ternos

É ser muita vez atreita

Na fundura a desfazer-nos.

 

 

Existir

 

Existir é andar feliz

Ou então, para quenquer,

Apenas é, por um triz,

Somente não falecer.

 

 

Mãe

 

A mãe, de bebé nas mãos,

É mesmo a dona do mundo,

Deus a aflorar nos desvãos

Que ela lhe reabrir no fundo.

 

 

Mundo

 

Ser a mãe de filho ao colo

É o mundo ter no regaço

Com o coração que enfolo

Pelo Infinito do espaço.

 

 

Coração

 

Quando amamos, sempre temos,

Sempre o coração nas mãos,

Para, quando precisemos,

À mão tê-lo além dos nãos.

 

 

Principiou

 

Ter um filho é ter o apego

Mais o frio e o calor.

De vez findou o sossego

Mas principiou o amor.

 

 

Colo

 

Um bebé no colo ecoa

O que eu tiver sem supor:

Tornei-me noutra pessoa

E sou pessoa melhor.

 

 

Aparecer-nos

 

Um amor, quando aparece,

É para fazer, após,

Na ternura que estremece,

Aparecer-nos a nós.

 

 

Um

 

Às vezes é requerido

Que um dos dois ame a dobrar

Um amor já ressentido

Do outro a se lhe escapar.

 

 

Darei

 

Darei tudo pelo amor,

Não por ser melhor a amar,

Mas porque amar há-de impor

Por amor todo o amor dar.

 

 

Desinquieto

 

Como és desinquietação,

No desinquieto te centras,

Da paz sinto a falta então,

Em nós tu já então não entras.

 

 

Apagas

 

Como és tu quem me seduz,

Se apagas a luz, então,

Como em ti só vejo luz,

Deus mora na escuridão.

 

 

Jaz

 

Aqui jaz acaso alguém

Que deixou marca na vida

Por levá-la mui contida?!

- Não é verdade em ninguém!

 

 

Festa

 

Não quero o divertimento

E à festa não dou abrigo

Se tu, a todo o momento,

Não te divertes comigo.

 

 

Atiro-me

 

Se um dia qualquer suceda

Que aí vais cair, de início

Atiro-me ao precipício

Para amparar tua queda.

 

 

Mata-me

 

Se, da vida no lugar,

É na morte que tu mordas,

Mata-me mesmo acordar

Sem saber que tu acordas.

 

 

Enfrento

 

Enfrento quaisquer assuntos,

Ergo à mão qualquer suporte

Só para ficarmos juntos,

Bem vivos até à morte.

 

 

Gostar

 

Gostar de alguém, de repente,

Faz querer o que não quero

Para o partilhar contente

Com quem amo, de amor mero.

 

 

Inspiração

 

A inspiração dá trabalho,

Que mais não seja, o bocado

De querer quebrar o galho,

De querer ser inspirado.

 

 

Amar

 

Amar será ser feliz

Apenas quando fizer

Quem amar já, de raiz,

Tão feliz que é de se ver.

 

 

Saber

 

Há palavras que magoam

Por não saberem quem és

E talvez até mais doam

Pois nem tu sabes de vez.

 

 

Soldadinhos

 

Nós soldadinhos de chumbo

Somos a que a vida ilude,

Numa guerra onde sucumbo

Fatal contra a finitude.

 

 

Cheia

 

Amar-te é uma camioneta

Cheia de sonhos meninos,

De inocências que acometa,

Do Infindo a semear destinos.

 

 

Curar

 

Querer curar nossas mágoas

Com mágoas doutro qualquer

Será eternizar as águas

Do rio de dor que houver.

 

 

Faltar

 

Quando faltar algo mais

Sempre a um amor, talvez falte

Amor em amores tais

E fará que deles salte.

 

 

Terra

 

O amor não é sustentável,

Todos tudo reinventam:

Sendo todos terra arável,

Em todos tudo alimentam.

 

 

Faca

 

O amor que por viver fica

É a faca por arrancar

Do peito que mais se aplica

Nos a vida a infernizar.

 

 

Tente

 

Que ninguém tente matar

O amor que houver por aqui.

Corre o risco, se calhar,

É de se matar a si.

 

 

Intervalo

 

Como na vida prossigo,

Foi, é, será sempre assim:

Quando não estás comigo,

É um intervalo de mim.

 

 

Olhos

 

A quem com amor quiser,

A quem amar com apego,

Sempre o amor me fará ver

Com olhar como de cego.

 

 

Adultez

 

A adultez, dela no porte,

Mata mais do que a velhice:

Se não vir dela a tontice,

Finda a matar mais que a morte.

 

 

Tentar

 

A vida inteira é correr

A tentar constantemente

O que nunca importa ser

Em vez do que importa: gente.

 

 

Procuro

 

Procuro quanto és em mim,

A validar o que sou,

E o que eu sou em ti, assim,

Ambos um num igual voo.

 

 

Rio

 

Quando rio de mim mesmo,

No limite isto comprova,

Corra o que ocorrer a esmo:

Do amor-próprio tenho a prova.

 

 

Grande

 

Um grande amor quer alguém

Grande para, sem abalo,

Poder, como ali convém,

Por igual também amá-lo.

 

 

Responde

 

Amar responde à pergunta

Que nunca foi perguntada:

Responde a tudo, pois junta

Tudo à pergunta de entrada.

 

 

Véspera

 

És tu minha consoada,

A véspera de Natal,

Mesa lauta celebrada,

Céus a aguardar no final.

 

 

Ilusão

 

Que a ilusão me bata à porta,

A tolher-me a compostura,

Com o mel que a abelha exorta

A voar até ter cura!

 

 

Toque

 

Foi o toque, foi o abraço

E é um arrepio na espinha:

O amor reconhece o laço

E eu sei lá bem da adivinha!

 

 

Tempestade

 

Um amor pode trazer

Sempre tempestade e dor.

Dá, porém, sempre a quenquer

O que outrem não der: o amor.

 

 

Moras

 

O que ao fim sou, por essência,

Tanto tu moras em mim,

Tanto sou tu própria assim,

É que sou só tua ausência.

 

 

Quero

 

Quero lá quem me complete!

Quero mas é ser feliz

Com o que sou e repete

Quem de amor assim me quis.

 

 

Atire

 

Se não quero amar alguém,

Por muito que uma emoção

Me atire aos pés dela ao chão,

Não a quero ver também.

 

 

Par

 

És o par de minha vida.

Porém, se te quero fora,

É por que de mim te elida

E de ti me vá embora.

 

 

Descobrir

 

Saber o que nos faz bem

Também nos vai requerer

Descobrir, afinal, quem

O bem nos irá fazer.

 

 

Magoar

 

Quem ama a sério resiste

A magoar o outro após,

Mesmo se a mágoa persiste

Em nos magoar a nós.

 

 

Nunca

 

Amar é nunca atrasada,

Nunca, chegar até mim,

Porque, na curva da estrada,

Sempre à espera estou assim.

 

 

Teu

 

A felicidade é sermos

O que nós podemos ser:

Eu sou teu em quaisquer termos,

Nem ser outro irei querer.

 

 

Andei

 

Andei por aí,

Acaso qualquer...

- A partir de ti

Soube então viver!

 

 

Bem

 

És bem mais que o inefável

Em mim um dia sentido,

És o sonho inesgotável

Dia a dia além cumprido.

 

 

Bebe

 

Aquele que bebe a mais

É pior que o que a mais bebe:

É o bêbedo sem sinais

De quem de vinho se embebe.

 

 

Tentar

 

Amar é tentar de tudo,

Nunca, porém, humilhar-se.

Respeito, pois, sobretudo,

Ou não há ninguém que amar-se.

 

 

Somos

 

Somos aquele intervalo

Entre aquilo que queremos

E aquilo que aqui já temos:

É o reino onde ao sonho abalo.

 

 

Seremos

 

Seremos o amor perpétuo

Perpetuamente adiado?

Sem ti de sob o teu tecto

Sei lá quem sou deste lado!

 

 

Canto

 

Quem não se amar a si mesmo

Pelo canto anda a arrastar-se,

Por mais que alardeie a esmo

Que é no píncaro altear-se.

 

 

Chocá-lo

 

Não sou dos ressabiados:

Não querem o amor de novo

No fundo desesperados

A chocá-lo sempre em ovo.

 

 

Posso

 

É felicidade olhar

Para o que amar posso ainda,

Não para o que é de largar,

De amor uma história finda.

 

 

Encéfalo

 

Viver é com emoções,

Não com o encéfalo à mão.

Morre a emoção aos baldões

Em quem só vive a razão.

 

 

Livrar

 

Amar é livrar do mal

Tanto a mim como a quenquer,

Nem que a lanceta fatal

Até mais não vá doer.

 

 

Inçados

 

Inçados de possidónios

Andam da mente os bandós.

Amar livra dos demónios

Que a nós nos tiram de nós.

 

 

Simulamos

 

Simulamos sempre o sonho.

O destino ou dá prazer

Ou é um destino medonho:

Quem tal destino é que quer?

 

 

Precisamos

 

Precisamos de perdidos,

Porventura, nós andarmos

Para em múltiplos sentidos

Afinal nos encontrarmos.

 

 

Vem

 

O amor vem para ficar.

Um amor que vai e vem

Nunca veio, se calhar,

Nem amor sequer é bem.

 

 

Cuida

 

Amar é sempre cuidar

E cuidar é proteger.

Quem não cuida e julga amar,

Sabe lá o que é que amar quer!

 

 

Importa

 

Importa muito estar certo

De que é o certo que fazemos

Ou longe finda o que é perto

E, no fim, tudo perdemos.

 

 

Espaço

 

Amar não é ocupar

Nenhum espaço vazio,

Não amar é que é um lugar

Vazio cheio de frio.

 

 

Final

 

Final feliz não existe,

É nota de adolescente

À procura do despiste

Dum rumo à vida em que assente.

 

 

Vejo-te

 

Feitas as pazes,

Vejo-te assim:

Ainda trazes

Céu para mim!

 

 

Envelhecer

 

Envelhecer é findar,

Se a sabedoria encorpo,

Um pouco sem ter lugar,

Mais e mais longe do corpo.

 

 

Ainda

 

Muito embora tempo passe,

Amar, se se mantiver,

É o que até mesmo ao trespasse

Ainda nos faz tremer.

 

 

Morre

 

Amar não morre à distância,

A distância só engrandece,

Crava mais fundo, com ânsia,

O amor que a lonjura aquece.

 

 

Lapa

 

Uma opinião muda,

Amar, porém, não,

Como lapa gruda

Dentro em nós, então.

 

 

Mora

 

O amor mora sempre dentro

Do que for nossa coragem,

Será sempre dela o centro,

Seja qual for dela a imagem.

 

 

Ama-se

 

Ama-se em três patamares

Quando de verdade, a sós:

Amo o eu e o tu vulgares

Mais o alto patim do nós.

 

 

Inventarei

 

Eu inventarei por ti

Um eu que nem sei se o vir,

Desde que descubra ali

Que é o que melhor te servir.

 

 

Deixou

 

Já deixou de ser amor

Quando um não não desespera.

Não há fracasso maior

Mas principiou nova era.

 

 

Estado

 

Um amor devia ser

Nosso estado natural

E nunca, nunca um qualquer

Já desvio já excepcional.

 

 

Inteiros

 

Às vezes temos de ser

Inteiros de quem merece,

Não, ao invés, dum qualquer

Amor que só nos esquece.

 

 

Pese

 

O amor é sempre inseguro,

Pese embora quanto alcança.

Portanto, por entre o apuro,

Tem de ofertar segurança.

 

 

Grande

 

Alguém que é grande, no fundo,

Além de ser gente boa

Em algo que em vida ecoa,

Grande é porque aumenta o mundo.

 

 

Peça

 

No que a vida for a selva

És uma peça legítima:

Sê o predador rente à relva,

Nunca sejas tu a vítima!

 

 

Compromete-te

 

Compromete-te contigo,

Com o que queres, que anseias!

Fala com quem, neste abrigo,

Te regue o sonho às mancheias.

 

 

Longe

 

Longe é a verdade, não perto,

E de vez nunca agarrada.

Cuidas que andas sempre certo?

Assim nunca aprendes nada.

 

 

Campo

 

A vida, campo e deserto,

De longe tem de ser vista,

Às vezes, por quem insista

Em querer vê-la de perto.