SEXTILHAS  IRREGULARES

 

MISCELÂNEA

 

 

 

Simples

 

Que simples, as vidas!

Uns aos outros a nos procurarmos, petizes

No jogo das escondidas,

E basta para sermos felizes.

É a verdade

Em qualquer idade.

 

 

Pronuncias

 

Mal pronuncias a palavra

Sorrir,

Logo ela te lavra,

Por ti fora ao ir.

O efeito preciso

É na cara teu sorriso.

 

 

Fico

 

Fico feliz

Na tristeza sem fim

Se alguém feliz te faz, roubando-te ao que eu quis:

- Amo-te para além de mim.

É o que comigo condiz,

Alegre de tão triste... Enfim!

 

 

Crianças

 

As crianças são abraços

A crescer

E os velhos são os laços

Que os ensinam a viver

Em pequenos pedaços

De ser.

 

 

Escalamos

 

Cremos que, com alguns cipós,

Escalamos os céus?

Ora, nós estamos para Deus

Como o minúsculo vírus está para nós.

Compreensão coisa nenhuma!

Ou portamo-nos bem ou o Universo nos arruma...

 

 

Fora

 

Daquilo que não te assusta

Nem arrepia,

Que pode ocorrer à justa

Ou nem ocorreria,

Que nada em ti se altera,

- Fica de fora, és doutra era.

 

 

Poda-o

 

Quem te não dá nada novo

Cada dia,

Novo abraço num renovo

De magia,

Nova vivência,

Poda-o, que é mera excrescência.

 

 

Fica

 

Se não fica na memória,

Inesquecível,

De glória

Irrepetível,

- Então ignora

E deita fora.

 

 

Grande

 

Ao grande homem acedo,

Que é tão pleno

Que não tem medo

De ser pequeno.

Aí é que a gente preza

Dele a grandeza.

 

 

Perder

 

O grande homem é por quem

A mulher respira.

Então

É também,

Do amor na pira,

Quem lhe faz perder a respiração.

 

 

Afundar

 

Amor com uma boazona,

Que maravilha!

Porém, com o amor

Pela zona,

É bem melhor.

E do vulcão não vai afundar a ilha.

 

 

Aquém

 

Que nada ocorra

Aquém de mim:

Que por meu fito

Eu corra

Até ao fim

Rumo ao Infinito!

 

 

Fazermos

 

A pobreza com amor,

Que alegria!

A riqueza sem pudor,

Que arrelia!

E não há maneira

De fazermos a joeira!...

 

 

Sempre

 

Sou insuficiente,

Falível,

Um carente

Incorrigível.

Sou sempre menos demais,

Mas não há nenhum amor sem quebras tais.

 

 

Moinho

 

O que digo ou deixo de dizer,

Quanto falo

E quanto calo

É para nada nos interromper.

É assim o amor:

O moinho com a peneira maior.

 

 

Logrei

 

Bem podia ser maior

Ou melhor me pretender.

Nunca além,

Porém,

Me logrei pôr

Do que já me fizeste ser.

 

 

Também

 

Amar,

Porque apenas amamos

Quando superamos,

Também é chorar,

Para depois rir

O dia a seguir.

 

 

Cabeça

 

O amor requer paciência,

O abraço da compreensão.

Toda a ciência

É a cabeça no ombro poisada

A acalmar o coração.

E logo iremos juntos de largada.

 

 

Fatiguei

 

Quando me fatiguei de ti,

Como toda a fadiga,

Finda logo por aí.

Apenas obriga

A uma noite repousada...

De manhã inauguramos juntos a alvorada.

 

 

Abrir

 

Liberdade

Não é ofender,

É abrir caminho à autenticidade

De todo e quenquer.

Quem é livre é libertador,

Quem ofende é ditador.

 

 

Nada

 

Nada para sempre dura,

Avós, pais, irmãos, amigos...

Tudo transitório se afigura,

A vida não tem abrigos

Definitivos

Nem para mortos nem para vivos...

 

 

Estás

 

Estás em minha vida

Como o sol e os ventos.

Basta expor-me aos elementos

Para tê-los em mim,

À minha medida:

Assim tu, assim.

 

 

Manhã

 

Não há manhã de sol alegre

Nem dia de chuva triste,

Até que os integre

No que em mim existe.

São mero atavio

Do que eu vivencio.

 

 

Algo

 

Quando algo tão bom houver

Como amar todos os dias,

Não o fazer

Não é timidez

Do que farias,

É estupidez.

 

 

Velhote

 

A velhice,

Quando adorara o velhote que ma servisse,

Poderia ser ainda,

No fundo,

A vivência mais linda

Do mundo.

 

 

Negues

 

Não negues o que não logras ver,

Que não vês o vento

Nem teu íntimo intento

Nem o amor que houver,

Mero sentimento

Que não verá nunca nem o mais atento.

 

 

Aldeia

 

Na aldeia abandonada,

Uma calçada

Cheia de pedras, a seguir

Para nenhum lugar:

Cheia de histórias para contar

E ninguém para as ouvir.

 

 

Dentro

 

A felicidade, por dentro do ramerrão

Escondida,

Pode ser

Com quem partilhar o pão

Vida além ter

E os nossos vislumbrar de nossa vida.

 

 

Saltitar

 

Somos sempre adolescentes

Quando amamos,

Urgentes

A saltitar pelos ramos.

Onde houver um apaixonado a mais,

Um adulto a menos encontrais.

 

 

Tempo

 

O tempo mata

E, entretanto, vai-nos apagando:

O velho já nenhum sonho acata,

A lareira esmorece em lume brando.

Não há velhos de muita idade:

O sonho era a lenha da vitalidade.

 

 

Inteiro

 

As caras feias

Nem sempre são feias caras.

São as infelizes por inteiro e nunca a meias,

Sofrem sempre, nunca em horas raras.

- Correm pela vida sem nunca saber

O que é viver.

 

 

Ladeiras

 

A cara de sofrimento

De indivíduo para indivíduo corre,

Pelas ladeiras do mundo escorre,

Invernia de envenenamento.

É uma epidemia

Que ao mundo inteiro mata a alegria.

 

 

Choro

 

Uma comunidade inteira

De cara de choro, é doente,

Mora à beira

Do cemitério

E nem lhe sente

O império.

 

 

Impedindo-nos

 

O amor é a única receita

Que, impedindo-nos dentro de envelhecer,

É misteriosamente atreita

A não deixar morrer.

Que se cuide o Infinito,

Que eu disto não me desquito!

 

 

Palavras

 

As palavras tanto criam como matam:

Um sonho, um beijo, uma discussão...

E, por igual, numa relação:

Atam tanto quanto desatam.

Tem dois gumes a faca do poder:

Para bem, para mal – qual iremos querer?

 

 

Olhar

 

Quem olhar algures

Entre o que vê e o quem não lograr ver

É a quem augures

Um novo ser,

É alguém

Em busca de si uma pegada além.

 

 

Oxalá

 

Oxalá que a saudade

Se não perca nunca no gelo,

Que a verdade

Não escape a meu apelo

E nunca dum beijo

Eu perca o ensejo.

 

 

Dedo

 

Nunca um dedo ameie

A quem amou,

Nunca fuja, antes medeie

Quem amor buscou!

Toda a gente

Num mundo a buscar-se integralmente.

 

 

Fora

 

Um amor

Que credível

For

Ama como se impossível

Fora, em lugar,

Não amar.

 

 

Avança

 

Avança sem medo,

Com medo de perder tudo.

É quando podes perder tudo, na boca o credo,

Que, sobretudo,

Muitas vezes entra em cena

Tudo o que vale a pena.

 

 

Eis-me

 

Tão prisioneiro

Quão fraco,

Eis-me aqui teu por inteiro,

Embora um caco.

Ainda bem que o amor

Tudo recola, ao calor.

 

 

Gera

 

O amor gera alegria e tristeza,

Gente feliz e cativa.

O amor preza

A morte viva:

Ressuscita cada morto

Queimando-lhe o que vir torto.

 

 

Sábio

 

Ela é sempre muito pouco,

Contudo

É o cabouco

De Tudo.

É por isto que sou louco,

Sábio sendo por miúdo.

 

 

Gostou

 

Ele gostou como quem gosta

Do que o torna vivo.

Ela gostou como quem aposta

Que tem na mão, fecundo,
O furtivo

Controlo do mundo.

 

 

Respire

 

Que eu respire dentro

Do abraço ao mundo inteiro,

Bastidor de sonho caminheiro

Por onde entro

A viver sem par,

Sem nunca meramente para aqui restar.

 

 

Felicidade

 

A felicidade de alguém

Não requer a tua.

Se és feliz, porém,

Toda a rua

Partilha fatias de lua

Pelo trilho além.

 

 

Nasceste

 

Nasceste com o fado

De me impedir de morrer.

Toda a vida à tua frente e ao teu lado

E a minha sem sentido sequer.

Depois veio o teu sorriso

E nada mais foi preciso.

 

 

Retorno

 

Abandono-nos de frente e de través,

Ao explodir,

E de vez retorno outra vez,

A seguir.

Custa tanto ir

E custa tanto voltar do revés!

 

 

Delícia

 

À delícia que nunca ocorreu

Nem imaginas quando virá,

Atira-te, quando o dia anoiteceu,

Que o luar, mais tarde ou mais cedo,

Por entre o escuro arvoredo,

Brilhará.

 

 

Traço

 

A vida não vale

Pelo que ela nos faça.

O principal

É o traço que em mim não traça

Porque a não deixo sequer

Tentar fazer.

 

 

Perdê-lo

 

Sabe que ao amor

Perdê-lo podemos

E, todavia, nunca o perdemos.

Assume-o sem temor,

Todavia sem sequer

Deixar de tremer.

 

 

Procura

 

A casa deserta,

Cheia de mim,

E a porta perenemente aberta

À procura do que jamais tem fim.

O vazio do Eu:

Eu sendo o que jamais me aconteceu.

 

 

Após

 

Após a morte dum filho

Viver,

É a morte que a vida, como vincilho

Singular,

Há-de ter

Para nos dar.

 

 

Ouço

 

Todos os dias te ouço o murmúrio

Em minha pegada.

Até paro, não vá teu augúrio

Apagar-se nela apagada.

Sobre os ombros de quantos gigantes

Nos espantam nossos instantes!

 

 

Muito

 

O louco,

Ao sonhar muito no que é pouco,

 

Mora no proscénio

Do génio.

 

A diferença

É que um perca onde o outro vença.

 

 

Viável

 

Enquanto um corpo houver

Para abraçar,

Não é viável sequer

Despregar.

O corpo nos prende à vida

E abraçamo-la em seguida.

 

 

Sou

 

Sou o que já não tenho,

Que passou

E o que ainda não retenho,

Que não chegou.

Sou, preso por um fio,

O que luta no meio deste vazio.

 

 

 

Já fui criança

E depois sofri:

No amor eis a matança

Do frenesi.

Todos os amores morreram

Por morte do sonho que tiveram.

 

 

Desastre

 

Tanta gente a ver sofrer

Dum desastre os produtos!

- É que assim todos vão poder

Não sofrer por alguns minutos...

Da chocante novidade a euforia

Tem sempre esta magia.

 

 

Erro

 

A vida inteira

Tentei tudo

Para não errar.

- Eis a maneira

De cometer o erro mais agudo

Que podia imaginar.

 

 

Corpo

 

O corpo tu aproveita

Com todo o prazer viável!

Duma feita,

Explora todos os sentidos,

Que os sentidos são o primeiro patamar viável

De rumos vividos.

 

 

Fora

 

Fora de tua mão, de teu domínio,

Fora de teu ar de respirar,

Fora de teu controlo é que há fascínio,

Aí é que é de saborear.

O resto é a vidinha

Pequenininha.

 

 

Idade

 

A idade une

Com os mil tecidos de vida que reúne.

Um amor a nascer

É um velho do futuro,

Uma vontade de no amor envelhecer

Que ali inauguro.

 

 

Capacidade

 

A capacidade de rir

Talvez venha a ser

A capacidade de viver,

De vida além a sério ir.

Rir com vontade

É vida em liberdade.

 

 

Ultrapassa-a

 

Qualquer que seja a filosofia,

A realidade

Ultrapassa-a todo o dia.

E isto é que é mesmo a fundura

Da Verdade:

Jamais é pura.

 

 

Alguém

 

Quando alguém ama,

De repente é poesia

O que sentiria

Na chama.

E é o que, embora calado, proclama

Todo o dia.

 

 

Agarra

 

Agarra o teu dia para o devorar

Pedaço a pedaço.

Nem assim hás-de alcançar

O derradeiro abraço.

Porém, acalma:

É infinita a fundura de alma.

 

 

Longe

 

A ideia de a família nos reflectir

Aquilo que somos

É longe demais ir

Naquilo de que dispomos.

Afinal, controlo e poder

Apenas sobre nós iremos deter.

 

 

Manhã

 

Os amigos e a família

Com que tratarmos

É que nos dão,

De cada manhã na vigília,

A razão

De nos levantarmos.

 

 

Pensar

 

Sempre a pensar no futuro?

Infelizmente

É o que auguro

A quem nasce com o tipo de mente

De que o porvir dimana:

A humana.

 

 

Coro

 

Quando um coro canta,

Num oceano aos baldões

É um barco que a melodia encanta

E, aos borbotões

A jorrar,

Tem sabor e cheiro a lar.

 

 

Fim

 

No fim, que importa agora

Que da vida terminou a dança:

Sobreviver mais uma hora,

Apostar numa ignota esperança?

Ante o dilema

Alguém há que não trema?

 

 

Protege

 

Nada nos protege contra a morte.

Ter conseguido

É uma sorte.

Mesmo o dia mais infeliz

Vale a pena ser vivido.

- É que é sempre por um triz!

 

 

Difícil

 

O mais difícil escolhemos

Porque não acreditamos

Que merecemos

Amor, felicidade,

Em nenhum dos ramos

Que nos agrade.

 

 

Tudo

 

Tudo, na realidade,

Tende a se solucionar.

Nunca, porém, à velocidade

Que se desejar.

Uma infinita paciência

É a marca da cósmica existência.

 

 

Força

 

O amor que nos impele

É a força do porvir.

Só temos de aprender a sair

Da frente dele.

Respeitado este quesito,

Aí vogaremos pelo Infinito.

 

 

Abalamos

 

Abalamos de viagem

À procura

De lonjura.

Não se encontra em tal romagem:

Lonjura que me sacia

Não se encontra, só se cria.