QUADRAS  IRREGULARES

 

AFECTOS  E  CONTRADIÇÕES

 

 

 

Destrói

 

A vida,

Nas colheitas,

Sempre destrói, desmedida,

As fórmulas feitas.

 

 

Homens

 

Quando homens, é por vossa conta andar.

Uma criança, porém,

Quem se atreve a não ajudar,

Quem?

 

 

Rede

 

O amor nos traços

E na norma:

Uma rede de laços

Que nos transforma.

 

 

Depois

 

Já fui adulto.

Depois cresci,

A partir do dia em que te vi.

Agora sou a tua criança de culto.

 

 

Gratifica

 

É estranha

A maneira

Como a vida se ganha:

- Nada gratifica mais que a brincadeira!

 

 

Estranho

 

O estranho da maturidade

Não é quão frágil dura,

É que é demais e de verdade

Imatura.

 

 

Ignora

 

Só o adulto ignora o que pressenti.

Estulto,

Também eu já fui adulto.

Depois, porém, cresci.

 

 

Encontrarem

 

Muito dói a nudez

Sobre os que, nos desacertos,

Só se encontrarem de vez

Quando encobertos!

 

 

Almas

 

De noite

As almas saem à rua.

Quem tem onde se acoite

Senão em qualquer alma que for sua?

 

 

Lembram

 

A vida,

Após vivida, após,

São os momentos que, de seguida,

Nos lembram de nós.

 

 

Fatiga

 

É tudo na mesma:

Nada como dantes!

- Como fatiga a seresma

Dos instantes!

 

 

Rota

 

Em rota de colisão

Comigo,

Sou rota de solidão

Até ao umbigo.

 

 

Agora

 

Quem te diz que ama depois,

Agora, não,

Que sóis

Te põe à mão?

 

 

Crédulo

 

Quem crê que não podes mudar,

Que a coerência é marca humana,

É um crédulo alvar

E a ti é que te engana.

 

 

Confia

 

No grande homem confia a mulher,

A todo o nível,

Embora a saber

Que ele não é nunca previsível.

 

 

Amo-me

 

Se teu amor me estrangula,

Amo-me demais

Para a tua gula.

- Jamais te quero ver, jamais!

 

 

Filhos

 

Os filhos enriquecem

Do mundo o cabouco

E, por mais que se tenha, sempre acontecem

No meio do pouco.

 

 

Ternura

 

Que uma meia

Perdida

Não seja, numa casa de ternura cheia,

Uma ternura interrompida.

 

 

Ama

 

Quem ama não perdoa,

Continua a amar,

Que, por mais que doa,

Amar é perdoar.

 

 

Envelhecer

 

Envelhecer contigo

Não é esquisitice,

É a parte boa no abrigo

Da velhice.

 

 

Acerta

 

Amar quem é bem feliz

É apenas amar a vida:

Tudo acerta na matriz

Haurida.

 

 

Juntos

 

Na cidade

É assim:

Vão juntos no autocarro e, no fim,

Vai cada um para sua infelicidade.

 

 

Saudade

 

A saudade, quão mais doa,

A par,

Menos magoa:

Continua a amar.

 

 

Pese

 

Toda a gente,

Pese embora a parecença,

É diferente.

Ainda bem, é o que faz a diferença.

 

 

Dói

 

Quantas vezes o aviso

Da vida que em mim concentro

É um sorriso

Quando tudo dói por dentro!

 

 

Cair

 

Quem desistir

Definitivamente

De cair

- É impotente.

 

 

Procura

 

Quem,

Mesquinho,

Não se entregar a ninguém

Finda sozinho.

 

 

Segunda

 

A natureza tem a magia

Da generosidade:

Cada dia

É uma segunda oportunidade.

 

 

Derradeira

 

Há uma derradeira graça

Em tudo o que foi:

Como tudo passa,

Também passa o que dói.

 

 

Vens

 

Ou vens comigo

Sem condição,

Ou então, não:

Não entras em meu abrigo.

 

 

 

Vê no que vês

Aquilo em que porventura nem reparas sequer

Mas que será, de vez,

O que a sério fará ver.

 

 

Contra

 

Voar

Não é somente

Andar no ar:

Mesmo isto é já ir contra a corrente.

 

 

Deixa-se

 

O displicente

Deixa-se atropelar,

De vez impotente

Para superar.

 

 

Gostar

 

Gostar de alguém,

Do amor mais fundo ao mais leve que vivi,

Além de tudo, além,

É estar. Estar ali.

 

 

Estação

 

A Primavera

Era para o amor.

E qualquer outra estação era

De igual teor.

 

 

Basta

 

Basta alguém andar vivo

Pela nossa vida além,

Que a nossa vida também

De andar viva tem a realidade e o motivo.

 

 

Velho

 

O velho que já não tem tempo nenhum

É que, no fundo,

No meio deste jejum,

Tem todo o tempo do mundo.

 

 

Vê-la

 

O velho vive a trapaça

Em tudo urdida,

Basta vê-la nele: tudo passa,

Mormente a vida.

 

 

Estar

 

Da felicidade o assunto

Pode ser

Apenas estar junto

De quem nos quer.

 

 

Humano

 

Quando alguém é todo ele gravidade,

É um morto disfarçado:

Um humano ali jaz de verdade

Desde que o adulto é nado.

 

 

Feiura

 

Uma cara de tristeza,

Com a feiura que a invade,

É um crime de lesa-beleza

Da humanidade.

 

 

Apenas

 

O amor é a capacidade

Em mim

De apenas eu me deslumbrar de Infinidade,

- De apenas eu te ver assim.

 

 

Depois

 

De amar

O maior pasmo

É a capacidade de ficar

Depois do orgasmo.

 

 

Encontrar

 

Amor é a faculdade

De ser de alguém até ao caroço

E de encontrar aí a própria identidade:

Ser si próprio sendo nosso.

 

 

Tectos

 

Por mais tectos que tiver,

Sem teu amor serei aqui,

Na maior fundura de meu ser,

Um sem-abrigo de ti.

 

 

Verias

 

A mulher que amas te espera

Paciente e comedida

Como quem desde sempre soubera

Que um dia verias o que era a vida.

 

 

Largado

 

Com o amor largado para trás

Quenquer

É incapaz

De a si sobreviver.

 

 

Infindamente

 

Apenas o amor

Nos logra envelhecer

Além a nos propor

Infindamente sobreviver.

 

 

Loja

 

A minha mãe é uma loja bonita

Com o mundo inteiro para descobrir

Quando me fita

A rir.

 

 

Capaz

 

Que é que eu seria capaz de fazer

Para definitivamente parar

De a ver

Chorar!

 

 

Bandeira

 

Um humano

Capaz de chorar

É que do pendão nos ergue o pano

Da humanidade em que é de apostar.

 

 

Dilema

 

O amor, ao vir,

Vem num dilema singular:

Abraçar

Ou fugir?

 

 

Minúscula

 

Por minúscula que seja a cama,

Tem sempre muito lugar:

Quem se ama

Nunca se deveria separar.

 

 

Esperava

 

Esperava quem me viera salvar
Da vida a esmo

E tu chegaste para me terna amar...

- Na verdade, é o mesmo.

 

 

Alguém

 

O amor fenece

De pejo

Quando alguém se esquece

Do beijo.

 

 

Aprender

 

Palavras para quê,

Sequer,

Se no teu corpo é que é

De aprender a ler?

 

 

Centro

 

Amo-te tão fundo

Que atinjo o centro do mundo.

 

E dá para ver

Como o centro do mundo dá prazer.

 

 

Mil

 

O amor pode ser mil coisas

A esmo.

Jamais é, nas humanas loisas,

Mais do mesmo.

 

 

Amo-te

 

Amo-te e não é nada amável:

Quando o amor amor derrama,

Ama

De maneira insuportável.

 

 

Existe

 

Ela existe e é quanto basta

Para eu investir

Da vida em toda a planura nefasta,

- Para eu existir!

 

 

Corpo

 

Nada prevalece

Sobre um corpo que me torna feliz:

O mais esquece

E aí afloro a derradeira fundura da raiz.

 

 

Célula

 

Uso cada célula que sou

A encontrar a sensação esquecida

Que o custo inteiro validou

Duma vida.

 

 

Entre

 

Entre o desejo de ser feliz, esquivo,

E a felicidade que consuma a sequela

É apenas o corpo vivo

Dela.

 

 

Frase

 

Nenhuma frase raivosa

Resiste à ternura do laço

Quando goza

Um abraço.

 

 

Sempre

 

Para quem ama

É sempre hoje,

Seja lá qual for a trama

Do tempo que foge.

 

 

Igual

 

Existes,

Vives feliz.

Bastam-me tais despistes

Para igual ser meu cariz.

 

 

Olhar-te

 

Perdi tudo.

Basta-me olhar-te a dormir

Para ter, aqui quieto e mudo,

Ganhado tudo a seguir.

 

 

Findou

 

Um dia acordaste,

Olhaste para o lado

E não te encontraste.

- Aí findou do amor o fado.

 

 

Ler

 

No mundo há tanta coisa

Votada ao olvido

Que só logro ler na minha loisa

Quando distraído!

 

 

Melhor

 

O imprevisto,

A meio de minha lida

É tantas vezes, onde existo,

O melhor da vida!

 

 

Prazer

 

O prazer, onde calha

Se propor,

Achincalha

A dor.

 

 

Conseguir

 

No amor é preciso

Crer

Para o conseguir, com siso,

Viver.

 

 

Sabes

 

Sei lá por onde vou!

Se sabes o que sinto,

Não te minto:

Sabes o que sou.

 

 

Sempre

 

O nosso tudo,

Da vida na jornada,

É sempre, sobretudo,

Quase nada.

 

 

Aumentam

 

Apenas os grandes crescem.

No gesto fecundo

Que intumescem

Aumentam o mundo.

 

 

Inelutável

 

O amor progride e se transforma

Ou não aprendemos ainda a amar:

A vida impõe-nos a inelutável norma.

Amo-te, pois, até que a vida nos separe.

 

 

Contar-me

 

Gostava de poder amar-te

Com tua boca a contar-me a vida,

Os dois aqui aparte

Lá fora a sentir do mundo a corrida.

 

 

Cama

 

Quando a cama é uma vastidão

A perder de vista,

Os dois corpos serão

A busca de dono sem ter uma pista.

 

 

Dentro

 

Por dentro dum amor

Mora sempre a vida toda

E a morte do que em redor

Contrarie a boda.

 

 

Entrar

 

Sou aquele que ninguém olha

Por andar sempre a olhar-se.

Como entrar na bolha

Sem disfarce?

 

 

Sou

 

Sou sobretudo o que já não tenho

E me fui fazendo

E o que não tenho ainda de ganho

E ando desesperadamente pretendendo.

 

 

Amiúde

 

Amiúde tem de ser,

Da rotina depois,

Um apenas a mover

O amor dos dois.

 

 

Lume

 

O amor pode matar,

Água viva do lume ao calor?

É da sorte o azar...

Viva o amor!

 

 

Nojo

 

Que nojo quando me tratas

Abaixo de cão

E, apesar de quanto me maltratas,

Me sinto o cão mais querido da nação!

 

 

Vez

 

Devém

O razoável

Tanta vez também

Insuportável!

 

 

Fornada

 

Há dias em que resolvi

Curar-me de ti.

 

Mas depois em fornada lêveda amasso-te:

- Abraço-te!

 

 

Agradar

 

A delicadeza

Que de todos se agrade,

Ao agradar a quem preza,

É a flor da humanidade.

 

 

Põe-nos

 

O amor que a vida nos incute

Põe-nos de pé.

O amor não se discute,

É.