QUADRAS  REGULARES

 

AS  CONTRADIÇÕES

 

 

 

Vitória

 

Só a vitória nos une.

A derrota só separa:

Todos entre si desune,

De si cada um cortara.

 

 

Ideais

 

Por ideais luta o homem

Até morrer e matar.

A mulher é pelo lar

Que as freimas toda a consomem.

 

 

Juntar

 

O que me juntar a alguém

É o que ninguém conseguir,

É o que finda sempre além

Deste aquém onde eu bulir.

 

 

Bonança

 

Trago-te o desassossego,

Sabendo que quero paz.

Da tempestade o aconchego

É a bonança que após traz.

 

 

Apesar

 

Muito há quem seja um menino,

Apesar de ter atrás

Todo o vivido destino

De cem anos e até mais!

 

 

Passado

 

O passado mete medo,

É que nunca volto atrás.

Em dor e prazer lhe acedo:

É milagre e satanás.

 

 

Trocarmos

 

Ao trocarmos de pessoas,

É fantasia da gente:

Doer farão que tu doas

Mesmo a doer diferente.

 

 

Custa

 

Por vezes custa estar vivo,

Parece que nunca passa,

Mas passa sempre ao arquivo

A peste que algures grassa.

 

 

Velhice

 

Na velhice o corpo cai

E nós dentro a levantar-nos:

Sempre mais alto se vai

Se a idade tenta elevar-nos.

 

 

Verga

 

O que tem de ser

Não me verga, não.

Conforto em perder?

Que vida de cão!

 

 

Sei

 

Sei lá bem quem sou!

Que importa a adultez?

Mal vejo onde vou...

- E é tudo. De vez.

 

 

Cinzas

 

Sempre temos de falar

Mas amar vamos primeiro:

O problema que restar

Resta em cinzas no cinzeiro.

 

 

Displicente

 

O displicente tolera

Aquilo que lhe acontece,

Que nele intocado impera

O que à frente lhe aparece.

 

 

Ponta

 

O displicente não muda

Nunca uma ponta do mundo,

Da mais romba à mais aguda,

De si dejecto infecundo.

 

 

Choro

 

Há um choro de alegria,

Há um choro de tristeza

E a agulha que troca a via

Sempre à mão de quem nos preza.

 

 

Muda

 

A vida pode mudar

Na mudança dum instante:

Haja o instante, que, a par,

Retrocede ou salta adiante.

 

 

Perda

 

Se andar feliz for estranho

Com todos mesmo a estranhá-lo,

O prejuízo é tamanho

Que é perda todo o regalo.

 

 

Fogo

 

Não há lágrima que apague

O fogo que me constrói

E a dor maior que me trague

É a de fugir ao que dói.

 

 

Melhor

 

O amor é sidéreo:

O melhor apresto

Dele, fora o resto,

É ser um mistério.

 

 

Roupas

 

Andas nu, como ela, nua,

Sob as roupas da estação.

Ninguém o vai ver na rua,

A não ser o amor. E então?...

 

 

Despimos

 

Se nos despimos por dentro,

O de fora pouco importa:

Se nos demais me concentro,

Já lhes arrombei a porta.

 

 

Acaba

 

O amor, sendo sempre eterno,

Também acaba, por fim.

Da vida o pior inferno

É poder matar assim.

 

 

Rebolão

 

A vida, a porta que se abre

Com um rebolão de vento,

Fechada a golpes de sabre

E eu ali, sem alento...

 

 

Prova

 

“Um dia talvez me entendas...

E sê feliz, por favor!”

- Ainda é prova de amor

Cobrindo o rasgão nas tendas.

 

 

Feliz

 

Ser feliz jamais é ter

Da felicidade o teor,

Ser feliz é percorrer

Felicidade melhor.

 

 

Todo

 

Amar todo o dia

Com a mesma veia

Mata a fantasia

E o amor falseia.

 

 

Amar

 

Amar todo o dia,

Se um amor falseia,

Não amar avia

Morte à vida cheia.

 

 

Perdida

 

Sou aquela criatura

Às vezes toda magoada,

Criança eterna insegura,

Perdida a meio da estrada.

 

 

Vivo

 

Estar vivo é não morrer

- Sabedoria caseira.

Mas quem não vai entender

Que segredo ali joeira?

 

 

Dói

 

Dói a vida pela frente,

Dói a vida para trás

E mais dói a dor que sente

Quem de amar-nos for capaz.

 

 

Dói-nos

 

A vida dói tanto,

Dói-nos tanto a vida

Quer há-de ser em pranto

Que amo sem medida.

 

 

História

 

Aquilo que te define

Não é história que viveste,

É o que alegre ou triste a afine

Na maneira como a leste.

 

 

Apetece-me

 

Apetece-me bater-me

E bater-te à bofetada

Por em teu desprezo, inerme,

Amar minha madrugada.

 

 

Correnteza

 

Sou hoje e amanhã serei

Correnteza a acontecer.

Só para trás não virei,

O que foi não volta a ser.

 

 

Preferem

 

Alguns preferem a rua:

Vender-se ao poder vigente?

Mais valera andar na lua

Se a gente ali bem se sente!

 

 

Pernas

 

Que as pernas nunca se cansem

De tropeçar, tropeçar:

É a maneira como avancem,

Única de caminhar.

 

 

Escolha

 

Ou explodes ou implodes

Em cada gesta da vida.

Pouco importa o que sacodes,

A escolha é a tua medida.

 

 

Êxtase

 

Mesmo que êxtase eu não tenha,

Há lágrimas a chorar.

Por ele, então, pois, que venha

Tal custo a ter que pagar.

 

 

Corre

 

O tempo corre depressa

E depressa a vida corre

E de cada dia a pressa

Muito brevemente morre.

 

 

Necessidade

 

Necessidade que houver

Não é fado mal parido,

Necessidade é prazer

À espera de ser vivido.

 

 

Nada

 

Qualquer nada, uma excepção,

É suficiente, contudo,

Para tudo ser então

Seja o que for menos tudo.

 

 

Sanatório

 

Sanatório sanitário

É da sociedade inglório:

É dos afectos o vário

Sanitário feito empório.

 

 

País

 

Um país nunca precisa

De quem diga o que anda errado,

Precisa de quem divisa

O que é certo em todo o lado.

 

 

Educação

 

A educação tem raízes

Que algo amargam do que fosses

Mas dela os frutos que vises

Serão da vida os mais doces.

 

 

Culpa

 

Aquele que é superior

A culpa em si próprio conta.

O que é comum, inferior,

É a dos outros a que aponta.

 

 

Perfeito

 

O perfeito é desumano,

Pois de humano ter o jeito,

Custe embora o desengano,

É sempre ser imperfeito.

 

 

Mais

 

Aqueles que mais ensinam

Dos homens prémios e danos

Nem sempre se nos combinam,

Nem sempre são os humanos.

 

 

Cedo

 

Mui cedo é para os pardais

Da cantoria querida?

Mui cedo é tarde demais

Sempre, sempre em minha vida...

 

 

Mistério

 

A vida não é pergunta

Acaso a ser respondida,

É um mistério que se junta

À sina de ser vivida.

 

 

Verdade

 

Aquele que andar seguro

Da verdade e seu caminho

É aquele que, quando a apuro,

Nem a viu como adivinho.

 

 

Custe

 

Por mais que custe a lesão,

Lesa por fortes motivos:

É sempre a contradição

Que nos torna produtivos.

 

 

Crescermos

 

Se crescermos demasiado,

Sentenciamos, outrossim,

Que não há mais nenhum lado:

Não é a plenitude, é o fim.

 

 

Tolice

 

Num mundo de insanidade,

Uma tolice qualquer

Pode ser mesmo a verdade

Que nos faltou recolher.

 

 

Dor

 

Quando a dor à nossa volta

Em gelo tudo retesa,

Já sofrer não finda à solta,

Afoga a nossa tristeza.

 

 

Após

 

Os homens são perigosos:

Cada dor lhes anuncia,

Sofrimento após, os gozos

Duma qualquer mais-valia.

 

 

Medo

 

O medo faz

Com os tremores

Que as coisas más

Fiquem piores.

 

 

Jamais

 

Jamais é fácil virar-se

Contra o seu próprio país.

Em guerra então que disfarce

Disfarça o que se não quis?

 

 

Nunca

 

Há quem nunca queira ver

O crime nem a desgraça,

A ver se acaba por ser

Inocente do que grassa.

 

 

Contra

 

Quando atingimos a meta

Contra mil dificuldades,

Elas foram minha seta

No alvo de novas idades.

 

 

Precisa

 

Quem precisa de dizer

Que é famoso a alguém ao pé,

Deveras algo há-de ser,

Porém, famoso não é.

 

 

Misericórdia

 

Misericórdia por todos...

Será que todos merecem?

Mas, se merecem, que bodos

Misericórdia oferecem?

 

 

Exige

 

Homem que exige à mulher

Que com burca se arranjara

Exigirá, se puder,

Que a luz do sol se apagara.