SONETILHOS

 

MISCELÂNEA

 

 

 

Princesa

 

A princesa sai à rua,

Para casa quer voltar,

Que lá fora o mal actua,

A pegada a lhe apagar.

 

Mas tem de seguir em frente,

Tem de derrotar o medo

E ser feliz entre a gente

Dum mundo que não tem credo.

 

Aprendeu a ser feliz

Sem nunca esquecer o lar

Que alimentou a raiz

 

Donde trepou a reinar.

Tal se mundo não houvera,

Torna sempre àquilo que era.

 

 

Meio

 

É o amor uma lonjura

Mui difícil de atingir,

Bem no meio da ruptura

Com tudo o mais que se vir.

 

É dentre estes distraídos

Que o amor encontra espaço

Para entrar, ver os caídos

E a cada acolher no abraço.

 

E ficar mui simplesmente

Ou ficar delicioso,

Até dolorosamente,

 

Que muita dor dói um gozo...

O amor encontra os perdidos

E os perde ao dar-lhes sentidos.

 

 

Faz-te

 

O que andar bem faz-te mal,

Bem mais que o que mal andar.

Mal andar pede o sinal

Dum trilho para chegar.

 

Mal andar é o imperfeito,

É meio caminho andado

Para atingir o perfeito

Que sempre te haja escapado.

 

Mal andar é desconforto,

Faz sofrer, faz querer mais,

Quer direito o que andar torto,

 

Outra brisa nos trigais.

Pelo aguilhão que te alcança

 Faz-te operar a mudança.

 

 

Fácil

 

Crença fácil combatida

Tem de ser, que é falsidade,

Só com superfície lida,

Não cava em profundidade.

 

A fé, tal como a comida,

É vera necessidade:

Se a não tiver, desvalida

É a vida em plena orfandade.

 

O indivíduo evoluído

Requer esta faculdade

Para atingir o sentido

 

Da sabedoria que há-de

À vida emprestar o rumo

E a força que lhe traz sumo.

 

 

Descubro

 

Não é nunca de repente

Que me descubro diverso.

Comigo ao serão converso,

Vivo a nascer lentamente.

 

Súbita iluminação

É, na curva do caminho

Que trilhei devagarinho,

A instante revelação.

 

Consegui levar às costas

As pedras para a invisível

Construção imprevisível

 

Decénios perdendo apostas.

Até que um dia acertei

E de luz me iluminei.