POEMAS  IRREGULARES

 

DEVERES  E  SONHOS

 

 

 

Eterno

 

O amor impede

Qualquer eternidade

E é o que sucede

Tornar-nos eternos de verdade.

 

O amor pode ser tudo,

Ao acender o íntimo chamiço,

Contudo,

Nunca é nada disso.

 

Mal trepo um degrau,

Trepa-me ele para o seguinte

E mói-me o peito a varapau

Se o não seguir como um pedinte.

 

De angústia o meu grito

É sempre o desta fuga ao infinito.

 

Tudo é afanosa transitoriedade

Que nunca ninguém ultrapassa

E é por isso que é, perene, a Eternidade

Que me abraça

Na inefável atractividade

Que a vida inteira me enlaça.

 

Sou eu que a construo, saltando o plinto

Do mundo e de mim,

Esta Infinidade que pressinto

Um passo inelutável sempre além do confim.

 

 

Segredo

 

O segredo da vida

É infantil:

É trepar qualquer árvore devida

Que adiante se perfile,

Usarmo-nos uns aos outros às cavalitas,

Trepados aos ombros dos mais altos,

Vislumbrando na lonjura que é que fitas,

Preparando os saltos

Para além dos muros

Que na busca do Infinito nos puserem em apuros.

 

 

Único

 

O incompreensível

Que nada nunca explica

É o único elegível

Que vale a pena a trica

Singular

De experimentar.

Quando o esqueço,

Que tristeza meço!

 

 

Lemos

 

Dum homem lemos a grandeza

Tanto maior

Quanto menor

De querer ter razão a defesa.

 

Quem se desgasta

Então

E os mais agasta

Só por querer ter razão

É um anão,

Por mais que se eleve a pasta

Da respectiva função.

 

E correm perigo,

Que magoar alguém

Sempre há-de ter e tem

Castigo.

 

E é um motivo palerma

De tombar na berma.

 

 

Seduz

 

Como seduz ter razão!

Palmas do bairro ao maior,

Tapete de flores no chão...

Da vanglória o esplendor

E o engano:

Findas tu e a solidão

Das palavras no dano.

 

Jamais soltarás o pano

Das caravelas rumo à imensidão.

 

 

Velhice

 

A velhice nunca se mediu

Pela vida

Traída

Que se perdeu.

 

É pena.

Esta é que era a contagem

Plena

Da verdadeira triagem.

 

 

Paz

 

A paz acalma e depois desassossega:

O mundo pára e, sorrateira, a guerra chega.

 

A quietude promete o perigo:

Sem eu dar conta, nalgum lado,

Perdi o abrigo

Por não ter ali reparado.

 

Tudo é mutável,

Tanto a realidade da vida

Como a minha confiável

Vivência, dela nutrida:

Ontem me espantou

O que hoje me desagradou...

 

Por maior que seja o desconforto,

Quem não muda já está morto.

 

 

Sobra

 

Para além,

Do que havia no começo,

Sobra mais também

Que te ofereço.

 

Sobra um amor maduro

Que nunca fica parado,

Corre de apuro em apuro

Cruzando todo o sobrado.

 

Um equilíbrio

Sempre a reequilibrar-se

Sem disfarce

Nem ludíbrio.

 

E a surpresa

Do que jamais pode ser dito,

Às nossas pegadas presa

No sulco do Infinito.

 

E as primícias que vamos acolhendo

Das colheitas

Entretanto feitas

Do que andar vida fora amadurecendo.

 

 

Gosto

 

Gosto de paz

Mas não me rendo.

Não sou capaz

De me deixar

Ir na onda

E que o mar

Vá fazendo

Tudo aquilo por que eu não responda.

 

Gosto de proteger

E ser protegido

Sem nunca perder

Os dois lados do sentido.

 

Pelo menos tento

E de tentar nunca deixo.

Arranco do penhasco o seixo

Onde depois me sento.

 

 

Sente

 

Sente sem medo,

Sê fraco!

É da vida o melhor credo,

Por mais que findes num caco.

 

Não queiras ser o mais forte,

O herói,

Até que a vida te entorte:

Sente quanto dói.

 

Não tentes escapar

Nem fugir.

Aí é que alguém pode amar

O que na tua fundura continuar

A bulir.

 

 

Leva

 

O amor leva à incoerência.

Sê incoerente, portanto,

Quando do amor a premência

Requeira tanto.

 

Sê criativo:

O inesperado é que te põe vivo.

 

Encontra a nova maneira

De peneirar na velha peneira.

 

Erradica a monotonia:

Daí é que nasce

O novo dia

Onde o amor pasce

As verduras da fantasia.

 

 

Evites

 

Não evites a utopia,

Sê lunático,

Que o luar é muito prático

A sonhar o novo dia.

 

O impossível

Só o é

Enquanto o não pões de pé,

Tangível.

 

Sonha grande

E que grande sonhe contigo

Quem mande

E quem mais for teu amigo.

 

Amor sem sonho não é amor

E vida sem amor não é vida.

Afinal, de que disponho

Na corrida?

 

Marco passo onde me ponho,

Na berma atolada,

Ou tento a passada

Desmedida?

 

Esta é que é do amor à medida...

 

No fim,

À medida de mim

E da vida.

 

 

Inutilidade

 

A inutilidade das palavras...

Com cinco letras apenas,

Bem pequenas,

A morte acaba com tudo:

O que lavras

Amiúdo

E por miúdo

E o que escalavras,

Por duro que seja e graúdo.

 

Com tudo acaba.

Porém,

Da porta a aldraba

Daquém

É a palavra que a retém

E que a flecha dispara

De qualquer humana algara

Para o Além.

 

 

Justiça

 

Sofre a justiça embaraço

Se peito não tiver de aço.

 

Que o traço

De meu destino

Seja um hino

A quanto faço,

Que nenhuma glória me venha

Doutra peanha!

 

 

Inteiro

 

Adulto

É quem tem tudo a perder,

Por mais que cuide em ganhar.

Do velho o indulto,

Inteiro a se desfazer,

É o de ensiná-lo a entregar:

 

Entregar tudo ao lar,

À comunidade, ao país,

Ao mundo inteiro, quando calhar,

Ao Universo de que, de raiz,

Me fiz.

 

Só então se encontrará, no caixão,

Com a raiz, no chão:

Aí não perdeu nada,

A morte é só porta de entrada

Para os lautos banquetes,

Os foguetes

Da chegada.

 

É a interminável partilha

Da inesgotável maravilha.

 

Quanto adulto, porém, se perde

Na carreira que quer ter,

Na família que herde,

No futuro

Que seguro

Pretender!

 

Perde-se no que quiser,

Daquilo que é se esquecendo...

E a vida a passar correndo,

Enquanto ele, à margem da vera lida,

Perde o tempo a pensar na vida.

 

 

Palmilhar

 

Não queiras ser sólido,

Sólido é o calhau.

É bem estólido

Palmilhar tal vau.

 

Nem sequer cubo de gelo,

Embora se derreta ao calor:

O amor

É muito mais belo.

E não é preciso aquecê-lo,

Ele é que nos dá calor.

 

Não sejas bruto,

Que atrais brutalidades

E a brutalidade sobre outrem é teu produto.

Que é que tem de que te agrades?

 

Se sentires, vai e tenta.

Se te apetecer, o trilho

Inventa

E alimenta

Com fecundo grão de milho.

 

Sente

E contagia,

Que quem não sente

Descobrirá um dia

Que nem sequer é gente.

 

 

Ignora

 

Ignora o preconceito,

A pretensa lei geral

Que apenas der jeito

À comunidade global

Mas te encoste a faca ao peito,

 

Escolhe a tua saúde,

A outra não conta,

Que a comunidade, tonta,

Atrás de ti vai correr até que a ti se grude.

 

Não vás, pois, atrás dela,

Que ela venha atrás de ti.

Se não quiser, porém, tua viela,

Continua tu por aí.

 

Vai à tua vida

E trata dos teus,

É a escada de subida

À porta dos céus.

Ao mais diz adeus,

Que ali nada te convida.

 

 

Perenemente

 

O que não falha,

Perfeitinho,

Perenemente limpinho

Em cada malha,

O tão certinho

Que até parece milagre,

- Vomita-o, que é vinagre,

Não é vinho!

 

 

Impedir

 

Alguém sofre

Para me impedir de sofrer

E eu a provocar dor,

De chofre,

Para me não doer!

 

Recorrente,

Em redor,

Toda a gente a magoar toda a gente.

Falta vazio interior,

Há coisas demais em nós para tão pouco espaço.

 

A felicidade

Então mal persuade,

Falta-lhe o calor

Do abraço:

Aquele que for

 Vazio de amor

Não tem nele espaço

Para a quentura do laço.

 

 

Sonho

 

A juventude,

O sonho por realizar.

A senectude,

O realizado e, a par,

O trejeito

Do tão parco feito.

 

Pelo meio, os desgraçados,

A querer fazer

Sem nunca saber

Como nem com que dados.

 

E é, todavia, ser feliz:

Nunca saber de vez

E descobrir, indagar,

Cavar a raiz,

Errar

Fatidicamente em cada entremez.

 

O exagero de ir além

Para sobreviver

E a tristeza do fatal aquém

Que se impuser.

 

O excesso:

Eu, afinal, no meu íntimo processo.

 

Eu, o que fiz a mais.

Não o daquilo

Que ficou no sigilo

Por eu não ter sido capaz

De trilhos que tais.

 

Fica, porém, para os de trás

E, atando os nós,

Saltaremos o vau juntos, após.

 

 

Driblando

 

Sonhar,

Driblando a impossibilidade:

Ignorar o sim-mas, o não-é-possível,

O não-temos-a-capacidade...

Os da pegada sofrível

Que apenas a dão

Se antes confirmarem que ainda têm chão.

 

É que só a surpresa nos surpreende,

Festivos,

E nos rende

Estarmos vivos.

 

 

Aprenda

 

Contigo,

Só quem contigo aprenda a sonhar,

Não quem te apunhale o umbigo,

Te corte as asas por enraizar.

 

Ninguém que ao voo se te esquiva

Antes até da primeira tentativa,

 

Que em cada jornada

A prosseguir

Te tranque a porta de entrada

Antes sequer de a tentar abrir.

 

Contigo,

Só alguém de sonhar ao abrigo.

 

 

Trabalhar

 

Trabalhar para o sonho,

Ir a qualquer sonho abrir caminho.

Procurar, risonho,

O que ninguém tem,

Nas lonjuras para além

Do ninho.

 

Chegar onde ninguém chegou

No risco que ninguém arriscou.

 

Senão, na estrada,

Não é nunca a tua chegada.

 

 

Doravante

 

Sonhar e ter medo

De que doravante, se calhar, não dê.

E continuar

A tentar

Com cada dedo

Da mão e do pé:

Prende aqui, vira acolá,

Salta à frente, atrás não dá,

Até descobrir a pista

Do trilho que não exista,

Até inventar a porta

A rasgar nos fundos de qualquer horta,

Até encontrar a direcção

Inexistente,

Ali presente

Fora de mão.

 

Com medo, mas de mim a par,

Continuar, continuar, continuar...

 

 

Nem

 

Ir a sonhar, sim,

Dos dias até ao fim.

 

Nem perda, nem doença,

Nem ausência, nem dor,

Nem da precisão a cruel sentença,

Nem o termo do labor,

Nem que o dinheiro demore

E a fé não me enamore,

 

-Sempre andar

Pelo sonho além a caminhar.

 

Pobre ou milionário,

Saudável ou doente,

O precisado como o de tudo excedentário,

 

- O mundo inteiro é dependente,

Que a todos falta o todo de tudo:

Todo o ganho é de milho miúdo.

 

Sonhar a cura completa,

A verdade total,

O amor integral,

A vida repleta...

 

E voar para aí, voar,

Voar eternamente.

É urgente

Sonhar!

 

 

Coragem

 

Coragem de ir contra o que assusta,

Quando todo o mundo, mesmo desperto,

Cuidará que é certo.

Coragem, que custa!

 

Não abdicar do que vires.

Nunca ocultares

Aquilo que olhares.

Não eliminar o que sentires

E quiseres...

 

Coragem!

Teus poderes

Irão crescendo ao correr da viagem.

 

 

Olhar

 

Olhar é ver o que andar por aí.

Se com os olhos, porém, o senti,

Nem o sol é o sol,

É, a sorrir, o arrebol,

Nem o vento

É o ar,

Mas o alento

Do espírito a deambular.

 

E o pardal

No beiral

 

Das casas

É uma cantilena com asas.

 

 

Fica

 

Fica quieto

A ver Deus acontecer:

Do golo vê o trajecto

Que o mundo fará erguer;

Vê do fado aquele tecto

Que faz teu peito tremer;

Vê da consoada o afecto

A tornar feliz quenquer;

Vê o espacial projecto

Onde os céus teu peito quer;

Vê do Universo o trajecto

Que Deus de ti anda a fazer...

 

Fica quieto

E vê Deus a acontecer.

 

 

Urgente

 

Para saber ser homem

É urgente conhecer Deus:

As mil possibilidades

Que retomem

Os gestos meus

E que, de requisito em requisito,

Me atiram para o Infinito.

 

 

Revela

 

Um homem revela Deus

No momento incrível

Em que revela, num dos gestos seus,

Como desafia o impossível.

 

Aliás, por dentro de tudo,

Deus mora,

Embora

Mudo.

 

 

Trago

 

Amei e basta,

Mas nunca chega.

Trago ao peito a pasta

Do Infinito,

A pega

Gasta,

Sempre aflito.

 

E nunca se afasta

Aquela cegarrega,

Do intérmino comboio o íntimo apito

De partida

Rumo a outra, infinitamente outra vida.

 

 

Doeu

 

Quando a gente se abraça,

Nunca a dor doeu sozinha,

Logo o amor desembaraça

A linha.

 

Pode a dor doer mais forte,

Nunca a gente perde o norte.

 

E adivinha:

A sorte

É que a dor arrasta atrás toda a mezinha.

 

Mesmo se a tempo não chega,

É no abraço seguinte que pega

E cura,

Sem

Com ninguém

Usar usura.

 

 

Retorna

 

A menininha

Retorna ao lar

(Que nunca o foi)

Sozinha.

Dói tanto, dói

Que mais valia continuar

No comboio da linha,

A meio da multidão sozinha,

Todavia a sonhar.

 

Porém, nunca foi, nunca foi

Mais para diante andar...

 

 

Tamanho

 

O que os homens distingue

É a forma e o tamanho da fome.

Aquele que melhor vingue

Nem sempre é o que mais come.

 

Mesmo o maior comilão

Tem sempre outra fome a que falta o pão.

 

Ora, o melhor faminto

É o que da vida melhor saltar o plinto.

 

 

Laços

 

A carência preserva,

A superabundância mata.

Os laços conserva

A corrida do caçador à lonjura da mata:

A saudade

Alimenta

Colorindo a identidade

De quem se ausenta.

 

Unimo-nos perante o vir-a-ser,

Não tanto à mesa do que já houver.

 

Com demasiada presença de alimento

Não me sustento,

 

Enfastio

E a vida fica por um fio.

 

Quem não estiver sempre presente

Não é o mais ausente:

 

A presença que satura

É que a pior ausência inaugura.

 

 

Corra

 

É fundamental

Que nem tudo corra bem

E o que correr mal

É fundamental

Também.

 

Nem sempre, afinal,

Te fará mal.

 

Tudo pende de como tomas pé

Naquilo que é,

 

A caminho de ser, pelas eras,

 O que ser deveras.

 

 

Sou

 

Sou quem não devia ser,

Não sou eu que em mim me encontro.

Que fazer

De meu íntimo desencontro?

 

Quanta dor a roer-me o sonho

E quantas para cada qual,

Quantas doem em cada um de que disponho!

 

Mas tudo vale

Pelo momento festivo

De manter o sonho vivo.

 

Apenas pelo sonho a vida é suportável,

A porta

Para o que não existe é que viável

Nos suporta,

Crendo no que aí vem

Um passo além.

 

Então é que cada um finda feliz

Na matriz

Do que já tem.

 

O que não dói

Não é o que já foi,

 

É o que irá ser.

- É para aí que ando a correr.

 

 

Outrem

 

Se eu soubera

Que o que eu queria

É que era!

 

Não o que outrem quisera

Que ser eu deveria.

O meu desejo,

Não o que outrem tinha para mim,

É que me daria

O ensejo

De trilhar meu caminho até ao fim.

Se eu vira a diferença tão, tão

À mão,

Talvez tivera vivido mais, enfim,

Então.

 

 

Trabalhar

 

Trabalhar tanto!

A vida não nos quer escravos dela,

Quer o encanto

Mesmo no meio da procela.

 

Não sou o labor,

Nem o dinheiro

De que me abeiro,

Nem a casa,

Da lareira embora com o calor

Da brasa...

 

Trabalhando menos era capaz,

Como sábios ancestrais,

De, eficaz,

Ter vivido mais.

 

 

Custa

 

Não custa nada

Falar do que sinto

E quantas vezes, na jornada,

Me minto!

 

Revelar que amei,

Contar que gostei,

Que fui bem feliz...

 

Chego a perder o ganho

Porque ninguém diz

O enorme tamanho.

 

Alturas há em que dizer

Importa mais que sentir.

Ora, aí é que mais viver

Vem a seguir.

 

 

Feliz

 

Ser feliz é uma escolha também

Do que não tem remédio

Um nico além,

Num recanto do mesmo prédio,

Porém.

 

Que tarde me dei conta

Da minha não-escolha

Tonta!

Como queixar-me do que hoje aqui recolha?

 

Tive medo, ansiedade,

Revolta, vaidade...

 

Tanto defeito!

Que é defeito pelo que impede de ser

Do meu jeito,

De meu peito

Valer.

 

Deixei de tentar, folha morta na corrente...

- E quão mais vivera, se presente!

 

 

Nunca

 

Basta

De fazer o que não devo,

De ceder o que nunca cederia,

De aguentar o que não conseguia,

De tal casta

Que nunca me cevo!

 

Basta de buscar salvação

Nos tombos ao chão!

 

Como é que nos céus me encastre,

Se, em vez de voo, sou desaste?

 

 

Apenas

 

Meu Deus, como estou farto

De ser apenas mais ou menos!

Como manter o calor do quarto

Com horizontes tão pequenos,

Tão terrenos?

Qualquer dia ainda parto!

 

O Infinito, porém,

O sempre-além,

 

Como, em que dores de parto,

Compartilhar-to?

 

 

Mudamos

 

Mudamos de casa

Para o que importa ficar

No mesmo lugar.

É um novo cabo do mundo

Para soltar qualquer asa,

Soprar a brasa

Do lar

Fecundo.

E brincar

Ao jucundo:

No íntimo de nós desbravar

Parques de diversão

Que ninguém

Suspeita que advêm

Nem nós, tão fundo

É o coração:

O que nele esconde e ali fito

É o Infinito.

 

Em quanto lugar já vivi

Nunca deixei de estar ali.

 

 

Cheira

 

Cheira a férias grandes e a liberdade,

Minha mão descobre a tua,

Nenhuma preocupação nos invade,

Perdi-me algures lá fora na rua,

As lágrimas tão longe mesmo aqui perto,

E tanta floresta a encantar-nos o deserto...

 

- Um momento a ser criança

E como o mundo inteiro logo nos entrança!

 

 

Desfruto

 

É para chegar ao fim,

Sim.

 

Enquanto me avizinho

Desfruto do caminho.

 

É indefinidamente assim

No requisito

Do eternamente aproximável

Inabarcável

Infinito.

 

 

Condenam

 

Há os que condenam o sol porque aquece

Quando a mim só me apetece.

 

E a chuva porque molha

Quando a mim é de horta quanto recolha.

 

E o vento porque despenteia

Quando a mim é energia que me ameia.

 

O que é urgente

É vadiar

Por cada vertente

De cada lugar.

 

O inferno não são os outros, somos nós

Quando só olhamos aos contras e não aos prós.

 

O momento inesquecível

Duma vida

É da vadiagem o nível,

Vivida embora de fugida.

 

Irrompeu aí

De repente o sonho.

Vivi

E é onde perenemente me reconheço e ponho.

 

 

Pesado

 

Vadiar

Mas com propósito:

Escorraçar

Do dia o pesado depósito,

 

Encontrar um amigo

Do crepúsculo ao abrigo,

 

Dançar sem normas,

Cantar sem ligar a formas,

 

Beber a bebida

Descontraída...

 

Vadio com sumo

Colhido pelas margens do rumo,

 

Com gosto

 De luar que ainda não requeira imposto,

 

Com o sentido

De andar a imprimir pegadas além das margens do vivido.

 

 

Finda

 

Saborear

O prazer.

Se vadiar

Lho não trouxer,

 

O bom vadio não vadia,

Finda no lar todo o dia:

Isto é que lhe irá dar

O prazer que não havia.

 

Vadiagem,

Se não for excelente,

É, de repente,

Mendigagem.

 

Ora, a miséria

De vez

Como ganho de féria,

É mera estupidez.

 

 

Excesso

 

Vomitar

Por um excesso qualquer

Não é vadiar

Sequer,

É estragar

O melhor que a vida oferecer.

 

Fazer figura de parvo

Numa pista de dança

Ou num balcão que, sem qualquer garbo,

Dum pulo se alcança,

Não é ousio

Do deveras vadio:

Sempre estragar pode quenquer

O bom que a vadiagem lhe der.

 

Entre a euforia

E a depressão

A fronteira

Da fasquia

É uma ligeira

Contenção.

 

Pretender ultrapassar

A fasquia alta demais

Não é mais alto chegar,

É de mais alto cair,

A seguir,

Para trás.

 

É burrice

Em lugar de inteligência.

Amor não há que se visse

Em tal pendência:

Ora, deveras vadiar

Ao amor universal é sempre abrir lugar.

 

 

Todos

 

Amar todos os dias

É cansativo demais?

Escolhes fechar tuas gelosias

Com quem, afinal, não amarás deveras jamais.

 

Amar é um labor cimeiro

A tempo inteiro.

 

E cuidas de preservar ainda uma saída

Fora, em tua vida?

 

Findas a abraçar a hesitante ternura

Que o tempo com quem vives te apura.

 

Cuidas que o amor é totalitário,

Te impede os mil caminhos para além

Do mundo vário

Que um amor não contém.

 

Não entendeste ainda nada:

Quem não fica com quem ama

Estraga, jornada a jornada,

De quem creia amar (e não ama) quanto conclama

Da vida para a estrada.

 

É no íntimo do amor,

Na fundura que concito,

Que milhões de vias se me irão propor,

Inesgotáveis, a caminho do Infinito.

 

Apenas neste irrelevante, minúsculo terreno,

Onde me enceno

Do mundo todos os caminhos,

Ao meu aceno,

Se me tornarão vizinhos.

E adivinhos.

 

 

Dia-a-dia

 

O dia-a-dia

Corria

 

E nós sempre em despedida,

Sempre à lida, sempre à lida...

 

Amanhã diferente

Nos há-de ser, de repente.

 

E nunca é

Quando a gente

Já de vez perdeu o pé,

Quando em todo o patamar

Nos esquecemos de amar.

 

 

Refém

 

Refém da coragem adiada

No cinzento corropio

Do cotio,

Não há estrada

Minha a percorrer.

Agir-me é inadiável,

Imperdoável

É não me fazer.

 

 

Tente

 

Que jamais

Desista da ilusão

Ou não tente mais

A perfeição!

Conforme,

Seja embora anão,

Seja mesmo enorme!

 

 

Quiser

 

E se um dia te quiser inteiro?

E se um dia te quiser inteira?

- Depois do corpo ligeiro,

A questão traiçoeira,

Derradeira:

Precisamos de mais nós!

 

- E o mundo de cada um, ladeira a ladeira,

Desata a cair por terra, logo após,

A germinar, do cascalho da serra,

Novos céus em nova terra.

 

 

Todo

 

Se têm tudo,

Então não queiram mais.

Se querem, é um entrudo

O vosso tudo.

Não há todo nenhum jamais,

Há sempre um além a que me grudo

E do Além dos aléns há só sinais.

 

Seremos a História assim

Até ao nosso derradeiro fim.

 

Dos biliões e biliões de anos

São estes os últimos arcanos.

 

 

Nunca

 

Nunca acontece

O que espero que aconteça.

O que tonificado aparece,

Enquanto a gente tropeça,

É que de ir além nunca me esqueça.

 

E que me apresse,

Que a lonjura nunca me esmoreça,

Por mais que esmaeça

A figura

Na lonjura

Do que me peça.

 

 

Nenhum

 

Ela queria abraçar,

Para a cura.

Ele, desabafar,

Para aguentar a pegada segura.

 

Como nenhum o fez,

Tudo ali acabou.

Outro dia, talvez...

 

- E assim cada um a vida inteira

Desta maneira

Adiadamente se finou.

 

 

Vem

 

Teu corpo é verdade,

Vem-me impedir

De mentir.

Toco a felicidade,

Que ele fará quanto puder

Para proibir

De sofrer.

 

É para o que há-de servir

Querer assim:

Pôr fim

À dor que surdir.

 

Inaugurando embora novo patamar

De sofrimento:

O da euforia que tiver lugar,

Da dor viva do crescimento.

 

Amo-te tão activamente

Que teu corpo é minha actividade

Onde fermente

Eternidade.

 

 

Jogo

 

Tudo perdido

Por não tentar,

Não arriscar,

Recusar da vida o pedido

De pôr em jogo o que tinha,

A tentar o que mal adivinha.

 

E era o que mais queria,

Era mais que a luz do dia...

 

Tudo por falta de coragem

Para a viagem.

 

- Quando é que se nos adrega

A dita de gritar: chega!

 

 

Demasiado

 

Os demasiado iguais

Morrem de tédio dum nós

Que não dá sinais

De se ter após.

 

Demasiado confortáveis,

Descansam de si,

Repousados no interior dum aqui

Sem lonjuras insondáveis.

 

Há um excesso de defeito

Que varre qualquer trajecto

A eito

E, do fundo do peito,

Todos, afinal, findam sem tecto.

 

 

Sonhámos

 

Sonhámos com mil e um matizes

Um amor qualquer

E fomos para sempre felizes

Antes de nos conhecer.

 

Mais estranho é que depois,

Casados, com filhos e as mil freimas a ter,

Sonhamos mil e um arrebóis

E, em quaisquer países,

Em quaisquer,

Somos para sempre felizes

Antes de nos conhecer.

 

Aí, no recanto ignoto

De nós os dois,

Tudo é pleno, nada é boto:

Tu e eu

Vivemos para sempre felizes no céu,


Eternos,

Antes de conhecer-nos.

 

 

Pasto

 

Se amas e fores amado,

Tens tudo.

Não queiras mudar de prado

Por um pasto mais graúdo.

 

Não queiras mais que o que tens,

Se tens aquilo que queres.

És dono do mundo: que vinténs

Mais será de pretenderes?

 

Tens a suprema felicidade,

Não queiras ter mais que tudo,

Que um passo além o que grade

É o nada com que me iludo.

 

Ora, caminhar para o nada

Julgas que é uma estrada?

 

És um sortudo:

Goza aí quieto e mudo!

 

 

Grandiosa

 

Bem tento,

Mas és grandiosa demais

E eu não aguento:

Dum dependente tenho todos os sinais

Mais e mais vitais.

 

Decerto nada te pode substituir,

Sou de ti prisioneiro.

Um degrau em frente, para ti ao ir,

E foi o meu derradeiro:

Doravante são todos teus

Os degraus que forem meus.

 

Só precisar de mim

Para ser feliz?

Chegam teus olhos e assim

Erra quanto aquilo diz.

 

Amo-te. Tudo o resto

É de lixo mero cesto.

 

 

Ignora

 

Satisfeito

Sem te deixar extasiado?

Ignora da satisfação o preceito,

A euforia é que é teu leito,

O teu prado

A que prestar da charrua o preito

Ao outro lado:

O Infinito prometido

Para além do que é vivido.

O teu jeito

De ser deus nalgum sentido.

 

Mexe-te, pois,

Não deixes a preguiça

Engordar-te da vida os bois,

Que a vida se te enguiça!

 

 

Temas

 

Não temas cair,

Olha o prazer de te levantar,

Ousa sofrer

Pela alegria de vencer,

Ama sempre, a seguir,

Pela euforia de te dar,

Zanga-te até conseguir

Apaziguar...

 

- Sangra, que os sinais

São de que vais

Sarar!

 

 

Fica

 

Fica bem

Apenas quando

Bem não estiveres:

Quando fores procurando

Sempre mais além.

 

O inatingível que apostaste teres,

Quando o óptimo atingires

Que entrevires,

Que sabes bem, saudável,

Que é apenas indefinidamente aproximável.

 

Aí, a caminho,

É que sabe bem

Voar além

Do beiral do ninho.

 

 

Passo

 

Além do passo em frente,

Prefere o salto.

De repente

Findas mais alto.

 

E, ao saltar,

Pouca ou muita,

É a única maneira de voar

Gratuita.

 

 

Sequer

 

Talvez nem sequer a amara

Mas não lograra,

 

Vislumbrando, além, de sonho uma estrela,

Viver sem ela.

 

Bastara

Aquele vago fermento por quesito:

Nela

Respirara

O Infinito.

 

 

Talvez

 

Talvez nem nos amemos,

Se calhar,

Mas não conseguimos, como vemos,

Deixar de nos amar.

 

O que temos

Nunca basta,

Mas o que um no outro entrevemos

É doutra casta:

 

Aí, indo nós, indo,

Há um toque de Infindo,

 

Apenas um vago vislumbre...

- E como basta a que nos deslumbre!

 

 

Revolta

 

A revolta do ultrapassado

Pelo tempo corrido,

Por não tê-lo agarrado

E assim ter vivido

Mesmo o não devido.

 

E a vida ter passado

Ao lado,

Sem ponta de sentido.

 

 

Alturas

 

Alturas há em que alguém tem de estar.

Ao lado, à frente, atrás, pouco importa.

Estar. Ali, no lugar.

Que nos vê, nos toca, nos exorta

Ou nem diga nada, se calhar.

Mas que esteja.

Amar é estar lá disponível, amar.

Para o outro, para o nós que ambos reja,

Porque só para nós estamos

Quando estivermos para o outro que amamos.

 

 

Mulher

 

A mulher precisa

Dum olhar, duma palavra, duma pessoa,

Duma dor que acaso doa...

Se lá não estiver

Ninguém, não avisa

Sequer:

Se há muito não está

Quem ela procura,

Não a encontrará.

Para o vazio, a cura

Só estando,

Ao menos de vez em quando.

 

Quanto ao mais

Pode já ser tarde demais.

 

 

Mata

 

Queria

O que de morrer

Me impediria:

O amor

Que me mata obter.

E que dor

Não o ter!...

Ah! O vazio do Infinito

Em cada recanto cheio que em mim fito!

 

 

Real

 

Olho o real atrás de ti,

O real do todo

Que nunca vi

Mas pressenti.

E sempre deste modo.

 

O que não fomos

E poderia ter sido,

Os cromos

Dum mundo perdido...

 

O que recusei,

Que irei morrer a desejar.

Sei

Que não há como voltar.

 

O sonho

Com tudo o que houver dentro.

Quando louco me ponho,

É que por ti além em mim me centro.

 

Aí disponho

Da raiz

E mais além, muito lá para trás,

Enfim, pressinto os perfis

Da paz.

 

 

Apenas

 

A vida não é apenas a procura

Do que não existiria.

Afia

Nela outra figura.

 

Há príncipes e princesas

E, acima destas belezas,

 

Existimos nós,

Da terra com lama, da lua com pós.

 

Então há namoro e noivado

Casamento e o mais que for destinado.

 

E felicidade

Perenemente

Recorrente.

Nunca plenitude, porém, falsidade

Que perpetuamente

Nos mente.

 

Na vida tudo é transitório

E a felicidade finda muitas vezes num velório.

 

Ou se alimenta

E aprofunda

Ou toda fermenta,

Imunda,

E nada mais acalenta.

 

É, todavia, real,

Para bem ou para mal.

 

 

Devastados

 

Diariamente

Devastados por tufões,

Recuperamos milagrosamente,

Encontramos tijolos a meio dos montões,

Erguemos do lar as casas

Onde espanejar as asas.

 

Como lográmos sobreviver

A isto,

Da vida a tanto maligno quisto?

É um milagre qualquer...

 

E tantos são os milagres

Que na vida inteira consagres

 

Que a caminhada tudo a resume no fito

Do Infinito.

 

 

Voltar

 

Construir, destruir

E voltar a construir

 

Um patamar mais acima,

Para onde cada degrau nos arrima.

 

Os dias deliciosos

(A ternura, o beijo, a brincadeira...)

E dolorosos

(O deserto no peito, a lonjura traiçoeira...).

 

E nós no intervalo

Entre mágoa e euforia,

O intervalo da agonia

Entre a dor e o regalo.

 

Sempre do pântano a sair,

Sempre a tombar e a prosseguir...

 

Apenas um

Vencerá no fim?

Seremos dois num,

Assim.

 

Até porque, na fundura do fundo,

Tudo é Um

No mundo.

 

Seremos o Uno do Universo

Em nosso minúsculo berço.

 

 

Anda

 

O mundo anda pejado

De gente estúpida,

É a mais cúpida

De cada estado.

 

Não é improvável seres menos

Que a maior parte das criaturas

Que te rodeiam de acenos

E mesuras.

 

Não te culpes pela tua quota

De imbecil, limitado,

Idiota

Alguma vez, de descuidado.

 

As limitações,

Por entre as possibilidades,

É que permitem soluções

Que invades.

 

A criatividade existe

Porque existem limites

E alguém persiste

Em dar carne e sangue aos próprios palpites...

 

Na ruptura

Sê o maior,

Seja lá o que for

Que isto te apura:

Serás de ti senhor

E livras o mundo da clausura.

 

 

Maior

 

O maior dentre nós dirá “eu amo”

Por verdade universal,

Sobriedade que fale

Do mais profundo

Tramo

Que, afinal,

Muda o mundo

 

 

Amo-te

 

“Amo-te” contém

Todas as palavras

Nas íntimas lavras

Donde provém.

 

E, das palavras para além,

Contém todos os sentidos

Que, bem ou mal vividos,

Cada um nem sequer sabe que tem.

 

“Amo-te” – palavra tantas vezes dita

E quão poucas, contudo,

Com tudo

Quanto concita!

 

 

Força

 

O amor assumir

É assumir a fragilidade absoluta.

O amor é força bruta

A rasgar porvir.

 

O amado manda no mundo,

Define o percurso,

Orienta-o, fecundo,

Percorre-lhe o curso...

- E não admite recurso.

 

O amado decide,

Quem ama ama apenas:

Onde o amado que sábio lide

De amor com tais mecenas?

 

 

Tocas

 

Todo o corpo é musical,

Tocas aqui, responde além

E, ao novo sinal,

Outros mais virão também...

 

Cada corpo com seu estilo,

Melodia previsível:

Conheces alguém ao abri-lo,

Decorar as notas,

 Das modulações o nível,

As entoações que depois

Anotas

De cada instante a dois.

 

O outro lado da melodia

(Com um falível remédio)

Que ouvires todo o dia

É o tédio.

 

Ouvida sem conta,

Continuas a amá-la.

Embota, porém, da agulha a ponta

Que te regala.

 

Disco antigo,

Finda gasto

Num pascigo

De intérmino pasto.

 

Em músicas novas apostas,

Embora menos agradáveis?

Não as amas, gostas,

Criança eufórica com brinquedos improváveis.

 

O brinquedo velho, a um canto,

É o que ama de verdade,

Mas o pó esmoreceu-lhe o encanto,

A rotina embotou a novidade.

 

Na hora de escolher, porém,

É o velho brinquedo do sótão bafiento

Que repara que deveras lhe convém,

O que resiste dos furacões ao vento.

 

No momento,

Todavia, ignora

Se ele o espera lá nessa hora.

 

O cão ao abandono

Procura outro dono.

 

Para quem ignorar os sinais

Pode ser tarde demais.

 

 

Aqui

 

Aqui, depois de tantos mortos,

Ainda escrevo para os manter vivos.

Da vida após tantos abortos,

Todos devêm furtivos:

Por mais que neles andemos absortos,

Todos nos são esquivos.

 

Vivos não os terei senão em meu íntimo arquivo:

Escrevo, então, a me manter vivo.

 

 

Mudaste-me

 

Com tua morte

Mudaste-me a sorte.

 

Para que é que aqui fico?

O que pontifico

 

Não tem outro norte

Senão tua guia de transporte...

 

O barco perdi?

Que importa estar aqui

Se vou aí?

 

Só contigo

Me sigo...

 

Moras do lado de lá da vida?

Quem te diz que fiquei cá

Só porque não há

Outra saída?

 

 

Tudo

 

Para ganhar

Tudo o que o sonho tiver

É preciso arriscar

Tudo perder.

 

Em todo e qualquer

Patamar

Da vida:

É o que perenemente nos anda a ensinar

A derradeira saída.

 

 

Razoavelmente

 

O razoavelmente bom

Num emprego, numa relação,

É razoavelmente

Um profundo

Fundão

Onde lentamente

Me afundo,

A cada estação.

 

Quando, afinal, tenho tempo ainda

De ir à procura

Do que é bom deveras.

 

Entre ida e vinda,

Sempre o perigo fura

O escudo das esperas.

 

E daí? Como ter contemplação,

Com o que não fizer vibrar o coração?

 

 

Lograram

 

Há os que dão palmadinhas nas costas

Aos que lograram as aposta

Que eles não lograram fazer.

E há os que levam pontapés no rabo,

Por porem tudo em risco, ao fim e ao cabo,

Até conseguirem o que o Homem quer.

 

Que vida fácil a daqueles que nada impele!

Que vida dura a destes a que arrancam a pele!

 

É a vida dura,

Todavia,

Que inaugura

O dia.

 

Quem prefere ter,

À noite,

A furna onde nem sequer

Se acoite?

 

 

Antes

 

Sou de ti dependente

Por todo o lado.

Ainda bem. Que fique assente:

Antes feliz dependente

Que de ti ressacado.

O amor pode matar a gente?

E daí? Olha eu preocupado!...

 

 

Gesto

 

Vencedor,

Mais ou menos clandestino,

É quem for

Anti-destino.

 

O fado

Propicia

O que andar predestinado

Na via:

 

Cria vida

Tanto quanto a vida mata.

Vencedor é quem envida

O gesto que o nó desata.

 

 

Castigo

 

O destino,

Se não for o que queres,

É o castigo divino

Para aprenderes.

 

O que perde e o que ganha

Dependem do que fizerem

Do destino à manha,

Para a si o converterem.

 

O resignado

É o de antemão derrotado.

 

O que esbraceja,

Mais tarde ou mais cedo, viceja.

 

Perde muitas vezes

Mas enfrenta os reveses.

 

Não é um derrotado nunca,

Pese embora quanto sangue o chão lhe junca.

 

Ele ama, porém,

E é o amor

Que a energia contém

Do vencedor.

 

Os mais poderão ter ocasionais vitórias.

Ele, ganhe ou perca,

É sempre uma coroa de glórias

Que o cerca.

 

E finda inelutavelmente vencendo,

Nem que milhares da anos leve correndo.

 

E leva.

O mais é treva.

 

 

Caos

 

O segredo

Do infeliz

É ter do caos medo

De raiz.

 

Ora, o caos é apenas a ordem

Desordenada

Dos que concordem

Que ela é que era a apropriada.

 

Se do caos te aproprias,

No interior dele te ordenas.

Que bem viverias

Nas selvagens arenas!

 

Adapta-te, é a chave.

Ias para a esquerda e tens de ir para a direita?

Que nada o pé te trave

Na viela estreita:

Encontra aí, depressa,

O que te interessa.

 

Se nada se encontrar,

Inventa o que calhar.

Ias à praia

E, afinal, chove?

Troca de raia:

Para o cinema

Te move,

Escreve o poema

Que nas mãos te caia...

 

O que não logras ordenar

É para te adaptar.

 

Ou ordenas

Ou te adaptas:

Em ambas as cenas

Em teu melhor a ti mesmo te captas.

 

E realizas

Mais e melhor o que visas:

 

Gradualmente, é a plenitude.

- Então nunca mais te ilude.

 

 

Hesitar

 

Hesitar é útil,

É útil tremer também,

Ignorar o que fazer não é fútil

Descaminho de ir além.

 

A dúvida vem apurar

O poder de olhar.

 

É pôr-me a mim lá de fora

A ver-me cá dentro o que mora,

 

O meu vazio

Num qualquer desvio.

 

É olhar-me a mim

Como um problema

Para me resolver, por fim,

No domínio daquele tema.

 

Duvidar é ser humano.

Ainda bem

Que a dúvida advém

A desmascarar-me o engano.

 

É a alavanca

Que ao chão me arranca

 

Quando em ver hesito

Quão longe anda o Infinito.

 

 

Vivem

 

Os artistas e os apaixonados

Vivem condenados

Aos potros.

Aos lados

Vivem os outros.

 

Ora, quem nos eleva aos píncaros da serra

São aqueles, os que sofrem os desmandos da terra.

 

E que juram corrigi-los,

À custa, porém, de nunca viverem tranquilos.

 

 

Limpa-lhe

 

O louco, perante a etiqueta,

Procura se tem sentido.

Se o detecta,

É cumprido,

Se o não tem,

Limpa-lhe os pés e segue além.

 

Tem a mania

De pensar no que o rodeia

E age após em sintonia,

Sem ligar meia

Ao instituído

Com muita tradição e nenhum sentido.

 

Choca a gente normal

Ver um louco nu

Na avenida marginal

A tratar todos por tu,

Mas morrem todos de inveja

Ao ver tanta singeleza.

 

Sem coragem,

Porém,

De embarcar também

Na viagem.

 

 

Perca

 

Há quem perca a vida a dizer:

“Podia ser...”

 

Nunca nada põem de pé,

Que poder ser nunca é.

 

São quem crer creria

Que ser podia,

Mas não há maneira nunca de poder:

É a única via

De vivos continuarem a ser.

 

Lêem a vida

Como cadeia de oportunidades perdida.

 

Nada pode ser porque é sempre demais

Ou de menos:

Tarde, cedo,

Longe, perto...

E a fome que arrastais

Não se mata com acenos,

Morre sempre, ao recuar com medo,

No deserto.

 

Até podiam ser felizes,

Mas não:

Que trabalho, que loucura, que sujeira nas raízes

A que deitar a mão!

É o que eles nunca têm,

Tais matrizes.

 

Não se pode amá-los também:

É que eles não amam nada.

É só medo de arriscar,

De tentar,

De afundar uma pegada

Maior que o pé,

Mesmo na berma da estrada

Que nunca é.

 

Podiam atingir o outro lado

Mas falta o instrumento,

Desasado

De alento.

 

Nem chegam a ser desilusão:

De insípidos, quem criaria

Com eles, algum dia,

Uma ilusão?

 

Nem poderão ter amigos.

Talvez, se calhar,

Algum, algum dia, por azar...

Mas não, que trabalheira

Criar abrigos,

Rasgar postigos,

Maldita canseira!...

Amigos? Ninguém os logra encontrar.

 

Como decisores

São reis da não-decisão.

Como governantes,

Da não-governação.

Lideram os estertores

Da morte que, a todos os instantes,

É morte em vão.

 

Não é que não tenham chama

E que bem que escutam!

Mas têm mil e um pontos no programa

E nunca executam.

 

Bom é que o poder de decisão

Não caia nunca em tal fundão!

 

São o não-ser

De não sentir, não mexer, não existir...

A segurança a atingir

É o bem mais valioso para quenquer.

 

Por ela de tudo abdicam,

Fogem de tudo,

Tudo temem.

E ficam

Mariconços de entrudo

Que só vento têm quando se espremem.

 

 

Ignora

 

Ignora o dinheiro,

As contas por pagar,

A desgraça que entrar

De teu lar pelo terreiro.

 

Vai pela casa além,

Sai de ti para fora,

Beija quem vier por bem,

Sem demora.

 

Abraça o mundo inteiro

Com teu corpo todo.

O limite certeiro

É o que sentes deste modo.

 

A felicidade vem

Do palpite

Do que sentimos por bem

Como único limite.

 

 

Frenar-te

 

O que bem te apetece

É o que te fará bem apetecer.

Esquece

O que por aí não vier:

É rédea-guia

Da mão de outrem a frenar-te todo o dia.

 

O ponto de partida

Para outrem encontrar

É o que em teu imo lida,

Não o que outrem por ti fora comandar.

 

 

Capaz

 

Ignora o que podia ser,

O que já não é,

O que podia ter sido

E não foste capaz de pôr de pé,

Sem sequer

Nele haver bulido.

 

Sê o que és,

Hoje aqui,

Da cabeça aos pés,

Sem frenesi,

Veraz

Naquilo de que és capaz.

 

Aproveita

O que trens para aproveitar.

E é tão grande a colheita

Que se te depare!

 

Vida positiva

É aproveitar

Cada prazer simples que ela cultiva

Para no-lo dar.

 

 

Espreme

 

Ignora o que dói,

Te espreme por dentro,

Te mói

Da periferia ao centro.

 

Muda o mundo,

De vez,

De triste para jucundo

De falaz para cortês.

 

Ajuda o velhote

A cruzar a passadeira,

De sangue vai dar um pacote

Ao hospital que o requeira,

Voluntaria-te ao jeito

De quem precisar

De chorar

No teu peito,

As compras carrega

De quem carecer de entrega,

Joga com o miúdo sozinho

Do parque vizinho,

Junta-te à manifestação

Que requer do sol o pão,

- Faz festa

Onde não houver motivo algum:

É a fresta

Para quebrar dela o jejum...

 

Persistir

É festejar

A sorrir

Todo e qualquer lugar

Onde motivo nenhum houver

Para a festa acontecer.

 

A festa é dela própria o motivo:

É que aí é que deveras vivo.

 

 

Foge

 

Foge à recta da rotina,

Escolhe a curva

Que escapa à vida pequenina

Que te turva,

Voa pela adrenalina,

Vai por ti

Na fundura de sonhar

E por quem te apanhar

No voo de colibri.

 

Prefere

O carreiro do fim mesmo se o pé te fere,

 

Salta pela janela,

Se à porta não voa a tua estrela.

 

Escreve um poema,

Declama-o no chão

Onde o luar trema,

A arremedar o dia...

Ninguém vive sem pão

Nem poesia.

 

Um poema é o melhor da vida que se preza

De encher a mesa.

 

 

Depois

 

Uns amam,

Depois morrem:

Os fios que tramam

Dia a dia vida fora lhes escorrem.

 

Nós amamos morrendo do lado de fora.

Depois, cá dentro, de amor morremos

Um no outro, não demora,

E é imortalidade o que temos:

Primícias, sem disputa,

De paz absoluta.

 

Uma morte sentida,

Consciente,

Que por dentro é vida,

Eternamente,

 

Em paz,

A explodir de energia,

Em toda a noite capaz

De alvorecer o dia.

 

 

Voltar

 

O sonho da humanidade

É voltar a sonhar

Quando a fúria da tempestade

Tudo arrasar.

 

E em mim também

É a medida que tem

Quando murchou toda a realidade

Ressequida que a vida contém.

É não ficar:

Ficar na vida de verdade

É além.

 

 

Exígua

 

Uma possibilidade,

Exígua embora,

E nossa pegada logo há-de

Correr sem demora.

É a nossa inevitabilidade

Na hora,

Para sempre fatalidade,

Também agora,

De toda a humanidade.

 

 

Comigo

 

Fui até ao fim, comigo inteiro nos braços,

Carreguei-me todo até ti.

Pesava toneladas de cansaços

E fracassos,

Mas resisti.

 

Levei quanto pude levar,

A aguentar e a tentar...

 

Procurei o sonho

Onde nem a realidade entrava:

Desisto do amor se lhe oponho

Do real a trava.

 

Que nunca a realidade aconteça

Antes que o sonho apareça:

 

Ele é que a doirada talha

Lhe deve desenhar na malha,

 

Nunca o contrário,

Ou desapareço, sumário.

 

Então, inteiros,

Fomos e seremos do sonho parceiros.

 

 

Caindo

 

Aos poucos, sem remédio,

Fomos caindo no tédio,

 

Um peso intolerável nos pés:

Interdito voar de vez.

 

Aqui, além,

Às vezes uma loucura,

Porém,

Um rasgão na opacidade...

- Apenas a loucura o sonho depura

E salva. E nos salva a realidade.

 

 

Dói

 

Dói tanto sofrer!

E era tão fácil o sorriso,

A multidão que perpassa a acolher,

Tal se fora meu destino preciso

Na vida que me vier!

 

Tão perto da euforia,

Feita minha consorte,

Como da morte

Estaria...

 

Não me importa,

Porém,

O que vertigem à porta

Não tem.

 

O que por trás

Não tenha o medo

De que não seja demais

Que sucedo.

 

Se demais não for,

Não me atrai,

Se fatal não tiver que propor,

Não me serve, cai.

 

Sou o actor

Que ignora o papel

E pelo caminho desempenha o calor

De quantos descubra a granel.

 

Nem trágico nem humorista,

Nem génio nem imbecil,

Sou o que ignora onde está na lista

E então vai estando em lados mil

Para, tudo acabado,

Não estar, afinal, em nenhum lado.

 

 

Felizes

 

Pobres e felizes criaturas:

Têm um lugar

E têm tudo

- Um lar,

A mesa recoberta de farturas,

Um sonho miúdo...

Cantinho de felicidade viável

Com um sorriso partilhável.

 

E todo este nada

Os preenche em cada jornada.

 

Como adoraria não querer mais do que tenho,

Sentir-me inteiro com as migalhas do meu ganho,

 

Sem comando,

Apenas com o que o mundo me vai dando!

 

 

Tudo

 

Tudo quanto quero

É o que nunca terei.

O que sinto é o que espero

Que algum dia sentirei.

 

O que me ocupa

É o que espero conquistar

E nem à lupa

Um dia o verei

De mim a par.

 

O que dói todos os dias

É que de todos os dias quero mais

Do que meras fantasias,

Quero as fantasias tornadas reais.

 

Assim, nunca me deito realizado...

Por outro lado,

Isto é o que mais me impede

De ficar deitado

Para o último dia, como sucede

A tantos,

Do mundo e da vida pelos cantos.

 

 

Queria

 

Queria ser feliz com pouco,

Mas dou em louco.

 

Queria ser feliz com muito,

Mas nada é gratuito.

 

Queria ser feliz como sou,

Se eu soubera,

Algum dia, nalguma era,

O que sou, no trilho

Por onde vou,

Quando só deste tenho o brilho.

É o único rastilho

De me surpreender o voo.

 

Queria ser feliz.

Todavia, de vez,

De raiz

Não é de meu jaez.

 

Escapa-me a fundura

Da matriz:

Ninguém jamais a apura,

Ninguém a logra ter segura

À frente do nariz,

Tão Infinita se afigura.

 

 

Chapada

 

Bem-estar

É viver bem.

Mais, porém,

É bem a vida me narrar.

 

A forma como vivo

Depende de como me narro:

Sou chapada de barro

Na parede sem motivo

Ou anjo caído

Pelos céus atraído?

 

O modo como contas o que te ocorre,

O que vês,

O que dizes ou disseram, das horas através,

É que marca a diferença do que vive ao que morre,

Bem mais que dos factos o encadeado

Visto, ocorrido ou falado.

 

O bem-estar harmoniza

Os múltiplos pendores

Mas pende do que cada um divisa

Por cima de tais factores,

Da visão que o todo unifica,

Polarizando nela quanto vida além se multiplica.

 

Narrador feliz

É o mais capaz:

Talentoso, criativo de raiz,

Improvisador eficaz,

Quem diria

Que outro cariz

Ter poderia?

 

Fará da vida uma grande vida,

Embora igual à vida de nada dum narrador de nada:

É a diferença entre ter uma avenida

Ou nem sequer ter uma estrada.

 

 

Promete

 

Promete que irás tentar,

Que apesar de chorar muito, acaso,

Irás continuar,

Que irás acreditar sem limite de prazo!

 

Que quererás as pessoas,

Por mais que te desiludam!

Verás que, com o tempo, mudam,

E, de más, até devirão boas.

 

E que irás crer em ti,

Por muito que te digam

Para parar por aí

Quantos em descrer se afadigam!

 

Promete e cumpre e promete

- E perenemente te repete!

 

 

Recues

 

Vai em frente,

Não recues só por medo.

Não desesperes só porque, de repente,

Haverá problemas, mais tarde ou mais cedo.

Que quererás ser?

- Tudo o que para ser houver,

Evidentemente!

 

 

Selecciona

 

Selecciona com critério

O que te pode magoar.

Não te irás desgastar

Como minério

Dum chão

Que de saída não tiver solução.

 

Não te entregues ao que apenas servir

Para te matar, ao te reduzir,

 

Em lugar de te fazer

Mais e mais viver.

 

Joga na valeta

Quanto te surdir no caminho

Apenas com a etiqueta

De campo maninho.

 

 

Prefere

 

Prefere a loucura,

Arrisca.

 Sê o maluco sem cura

Que cada oportunidade cisca,

Onde nenhum outro for capaz

De fazer o que faz.

Respeita-te ao não respeitar

O que te impedir de sonhar.

 

Anda na corda bamba!

É o melhor troço,

Até porque nunca descamba

Em corda ao pescoço.

 

 

Dentro

 

Quando o corpo for insuficiência,

Vive por dentro da cabeça.

Despreza do espelho a evidência,

Sê o que sentires que ainda és,

Apesar de tudo o que tropeça

Nos teus pés.

 

A partir de dada altura,

A mais importante féria

Não tem figura

Na matéria.

 

 

Escolhe

 

Opta por amar.

Quando houver dois caminhos

E um deles for

O do amor,

Escolhe este em lugar

De quaisquer outros vizinhos

Descaminhos.

 

É inconsequente

E vai doer?

De repente

Até a dor irá valer.

 

É um mau caminho?

Pior é o vizinho.

 

Quando amar se puder,

É amor que irás ser.

 

As imagens que verás

No instante de morrer

São do amor a paz

E a guerra a acontecer.

Na derradeira ponta

Nada mais conta.

 

 

Aprende

 

Aprende a rastejar,

A aguentar as ásperas arranhadelas do húmus,

Apesar disto criador

Das delícias do sabor,

A gerar

Os rumos.

 

Descobrir

As escadas

E aprender a abdicar de subir

Ou descer, conforme o exigir

A trama esperta das empreitadas.

 

E caminhar, caminhar, caminhar,

Que, enquanto vida existir,

É para andar.

 

 

Feliz

 

Sê feliz com o que existe,

Reprova, não elimines,

Acolhe sem julgar.

Crê que a perfeição persiste

Sempre além do que domines,

Sempre a te negacear.

 

É impossível? Só o intentado

Que se houver dela aproximado.

 

O por intentar caminha

E mais e mais dela se avizinha.

 

A plenitude

Da perfeição a atingir

Não é dela uma virtude

Sempre de ti a fugir:

É teu fito

No rumo do Infinito.

 

Inatingível (porque só aproximável) em vida,

Finda na morte ao alcance

Com nossa cheia medida,

Embora no Inesgotável se lance.

Isto, sim, é o distintivo

Do Infinito fruído ao vivo.

 

 

Extremo

 

Aprende com o mendigo

Transeunte

E com o sábio cujo abrigo

Te assunte,

Com o triste coitado

E o de vénias honrado.

 

Aprende

Com o fanado

Que tanto te rende

Como o iluminado...

 

Vai de ponte em ponte

Até ao extremo horizonte,

 

Não percas nenhuma

Das pontes que a vida te assuma.

 

 

Cheio

 

Sê um pouco

Louco,

Cheio de adrenalina,

Torna a inventividade

Teu emprego e sina,

A tentativa,

Uma faculdade.

O que a coragem motiva

É o que a hora tiver de apelativa.

 

Ora, a coragem apenas aflora onde o medo

Apontar o dedo.

 

Coragem, pois

Seremos muitos depois!

 

 

Compreende

 

Compreende e harmoniza,

Recusa a batalha, só serve para matar.

Prefere o abraço como divisa,

Que teu braço

Nunca a ninguém vá lançar

O laço,

Que as armas, no teu torrão,

Só sirvam de decoração.

 

Cede,

Que quem tem carácter mede

E, com a medida proporção,

Procede.

 

Entende que a lonjura

Dum humano a outro humano

É a dum dano que se apura

A outro dano,

O que eternamente configura,

Afinal, um fatídico engano.

 

 

Ombro

 

Das lágrimas em redor

Haja um ombro protector,

Um sonho por cima de cada dor.

E que cada sofredor

Seja um mero actor.

 

Então a fantasia

Até pode alegrar o dia.

 

Mesmo exangue,

Haja um riso que mangue!

 

 

Oxalá

 

Oxalá que a indiferença

Nunca marque a diferença,

 

Que a terra

Não seja adubo só de guerra,

 

Que homem ou mulher

Autênticos, despidos,

Sejam sempre, para quenquer,

Os entes queridos.

 

 

Instante

 

Todo o mundo procura

O momento perfeito,

O instante sem cura

Porque não tem defeito,

O absoluto em plenitude

A que se grude.

 

Tudo o procura sem o procurar:

Espera que ele caia do céu, chuva ao luar.

 

Não cai, todavia,

Requer a perfeita atitude:

O compromisso na via,

A paixão que ilude.

 

Sem isto, é a perfeita impossibilidade,

Agrade-me ou não agrade.

 

Sem nada mexer para o conseguir,

É uma imbecilidade.

Tenho de o procurar até o discernir.

 

Se quero saborear

O pitéu,

Tenho de cozinhar

O céu.

 

A felicidade

É uma questão de sorte,

A de ter atitude, compromisso e paixão

Que até ti lhe dê passaporte,

Então.

 

É tudo uma conquista

Para que o instante perfeito exista.

 

Indefinidamente

Para a frente, sempre para a frente.

 

O perfeito inalcançável

Negaceia

Enquanto o caminho nos ameia

Indefinidamente aproximável.

 

 

Queres

 

Se queres ser o mais rico,

Trabalha.

Só então verifico

Que corres na calha.

 

Se for ser amado,

Ama.

Nenhum outro trocado

Te compra a cama.

 

Se é ser o mais feliz,

Ri como um danado:

Apodreces na raiz

Qualquer negro fado.

 

Se queres ser o mais rápido,

Corre.

Em passeio sápido

Teu fito morre.

 

Se visas ser escritor,

Escreve.

Lento embora, o motor,

Ao fim, se atreve.

 

E se for ser palhaço?

Risca o mundo com teu traço.

 

Teu destino

É apenas o que acontece.

O que moldas com tal caulino

É que és tu,

O guru

Que a vida aquece.

O fascínio com que fascino

Um mundo que apetece.

 

 

Vale

 

Destino que vale a pena

É o de dois corpos bonitos

Com duas almas bonitas

Que entram em cena,

Com mais ou menos gritos,

Com mais ou menos fitas...

 

Que tinham de se encontrar

Para a busca findar.

 

Por mais voltas

E reviravoltas

 

Que dessem,

De repente acontecem,

 

Naquela intercepção de linhas

Que, por mais voltas que dês, nunca adivinhas.

 

 

Claramente

 

Poderei não sofrer?

Claro que poderei.

Se não fizer

O recomendável pela lei

Fossilizada da grei

Poderei ser mais feliz?

Claramente, de raiz.

 

E se furtar o chocolate

Fechado no armário?

Não é dislate

Se és tu quem escreve o sumário

De uso:

Contuso ou não contuso,

 

És tu que decides

Se podas ou não as vides.

 

 

Fatalmente

 

O lado que tem

Fatalmente de doer...

Entre as crianças ninguém

A fatalidade há-de entender.

 

Todo o seu empreendimento

De ser feliz é um intento.

 

Buscam o porto, buscam a meta

E tudo o que se projecta

 

São motivos

Que mais lhes garantam os objectivos.

 

É apenas cumprir

O fito a atingir.

 

- Todos somos empresários

Ignorantes destes sumários.

 

 

Criança

 

A criança é um trabalhador

Perfeito

Que rasga a eito

Dum empresário o labor

A que for

Atreito.

Toma a peito

O melhor pendor

Que lhe der jeito

Sem perder o fio condutor.

 

Só pára a empresa

Com o objecto do desejo sobre a mesa.

 

- Quem é criança toda a vida

Para a empresa deveras ser erguida?

 

 

Inevitável

 

Inevitável é não haver inevitáveis.

A inevitabilidade

De conjunturas incontornáveis,

Obstáculos intransponíveis,

Dores inultrapassáveis,

Momentos irremíveis

Não tem credibilidade.

Ou já não somos a criança

Com a faculdade

De ler do Universo a intérmina dança.

 

Inevitável é ser feliz,

Brincar, cantar e correr

Quando me apetecer

-E ser o mundo que assim fiz.

 

 

Adiar

 

Adiar o inevitável

É inteligente.

De repente,

Umas horas, uns dias, uns meses à frente,

Devém evitável,

Quantas vezes inexistente!

 

A criança

Logra acreditar

Que o inevitável se alcança

Evitar:

 

Ora é a fada mágica,

Ora o herói contra a sentença trágica,

 

Ora o cavalo branco que se retesa

Para o príncipe salvar a princesa...

 

Adiar

É promover o presente

A único existente.

Neste patamar

De ser o único que existe,

Pode ser a única felicidade

Que eu aliste

Contra a fatalidade.

 

E, de tanto adiar,

Podemo-la mesmo, por fim, ultrapassar.

 

 

Empurra

 

Empurra a desgraça

Para a frente, para o lado,

Para a praça

Onde só nomeiem algum finado.

 

Adia a morte,

Nada mata mais que um presente

Mal vivido,

Cujo forte

Nas mãos do inimigo persistente

Haja caído.

 

O que mata é um agora

Feito apenas de demora

Do que devera ser

Para dar lugar na hora

À desgraça duma sina qualquer.

 

Um agora mal vivido

É a morte.

Ninguém morre outrora

Nem no porvir inatingido,

Mas sempre agora,

Seja lá qual for a sorte.

 

É aqui que a morte aparece,

Vê lá se não te esquece.

 

Antes que ela te adie,

Adia a morte agora aqui.

 

 

Pequenas

 

Pernas pequenas demais?

Jamais!

Não há no mundo

Dois indivíduos iguais.

Jucundo

É revolver de novo o húmus profundo

De todos os finais.

E dar uma oportunidade aos tais

Desiguais

Que lavram outro fundo

Com pequenezas demais.

Aí é que vos extasiais

A cada segundo,

Aí é que de maravilhas celestiais

Me inundo.

 

E são que as outras mais belas

Estas inesperadas estrelas.

 

 

Meio

 

Amar é estar sozinho

No meio do mundo,

Enlaçando o mundo em cada gesto comezinho

E fecundo

Onde concito,

Adivinho

E me avizinho

Do Infinito

Ao fundo.

 

 

Opera

 

A vida opera nas curvas,

Nas trajectórias turvas

 

Do desejo,

No ensejo

 

Do fogo em combustão

Da paixão.

 

A felicidade é a entrega,

Nunca desistir sem tentar até o limite,

O sonho comanda de teus campos a rega

E o palpite.

 

Agarra com as duas mãos

O teu fito,

Planta-o nos chãos

Do Infinito.

 

 

Comum

 

Que a gente comum invista

Na anormalidade!

Nenhuma gravata que exista

Impede a respiração que lhe agrade,

Nenhum cargo de elevado patamar

Impede de ousar,

Nenhuma regra,

Por mais negra,

Impede de amar.

 

Que seja incomum por um dia,

- Talvez lhe agrade o sabor da ousadia...

 

 

Algures

 

Tenho pena de ti

Como te odeio:

É que adoro o que entrevi

De ti algures pelo meio.

E por lá me perdi,

Perdido o recheio.

Será que a memória chega

Para pegar no que nunca se pega?

 

 

Acabar

 

Há uma altura de acabar com o que dói,

Com o que matar em mim:

Ou tudo alumia o sonho que algum dia foi,

Ou é o fim.

 

Dor por dor

Não é amor:

 

Ou caminha para o Infinito

Ou é mero grito

 

Frustrado

Que não leva a nenhum lado.

 

 

Amar

 

Amar é para além,

Não o que fazes.

Mas o que fazes também,

Que ele é já qualquer além que aprazes.

 

Farás amando o não-fazer,

Que este é que dita as bases

Daquilo que quenquer

Quiser.

 

Dás corpo ao não-corporal,

Como um fanal

Do risco

Daquilo que petisco,

Meio real

No limiar do aprisco.

 

És a matéria

Do imaterial,

Simultaneamente térrea

E sideral.

 

Ninharia dum físico objecto

Que, afinal,

Já no Infinito tem o tecto.

 

 

Acordar

 

Acordar, de olhos fechados,

E o mundo, lá fora, a correr por todos os lados:

 

Campos a cultivar,

Fábricas a laborar,

Escolas para aprender,

Hospitais a tratar,

Polícias pelo seguro a me manter...

 

E eu aqui, quieto,

De olhos fechados, prisioneiro de meu tecto...

 

Todo o mundo a passarinhar

E eu... Eu quero é acordar!

 

 

Copas

 

A floresta

O que verde atesta

São copas vivas por cima

E um cemitério por baixo.

Onde encaixo

O bordão que me arrima?

 

Antes árvore viva

Que lírio odorífero morto!

 

O que me motiva

É o lírio honesto,

Modesto,

Todavia acostando a bom porto,

Com todo o apresto.

Nunca um lírio morto.

 

 

Encontra

 

É para ser divertida

A vida.

 

Daí que a brincadeira

É a melhor aprendizagem

E de aprender a dosagem

Encontra a melhor maneira

Da brincadeira na triagem.

 

Na escola e no lar

Ou se aprende divertindo

Ou ambas para trás irão ficar

Se esvaindo, esvaindo, esvaindo...

 

 

Marca

 

Nenhuma vida é em vão.

Só por ter existido

Deixou uma marca no chão

Do Cosmos onde há mexido.

É um traço terso

No pó do Universo.

 

É, portanto, crucial

Como usamos o dom da vida.

Cada ideia, palavra ou acto, afinal,

Cada respiração emitida

Finda incrustada, a fremir

No abismo das eras por vir.

 

Sou o efeito de quanto alguma vez existiu

E o princípio de quanto há-de vir

A existir,

Nunca findo no vazio

Abandonado,

Esquecido,

Ignorado

Ou preterido...

 

Sou um elo na corrente

De importância fundamental:

- Sou infinitamente

Sideral.

 

 

Tiraria

 

Em meu abono,

Chamo-te.

Não em teu, que me tiraria o sono.

Amo-te,

Mas não és meu dono.

 

Tal é no amor-paixão,

No da múltipla intimidade

Do lar,

Como no da Humanidade:

Só devém familiar

Quem mantiver o próprio coração,

Sem a outrem o alienar.

 

 

Escolha

 

Se a escolha for

Entre a vida

E o amor,

Qual a alternativa escolhida?

 

É preciso crer muito

Na vida do Além,

Da morte para o dedo fortuito

Não tolher o amor de alguém.

 

E, quando se amar assim,

No fim não haverá fim,

 

Nem na memória daqui nem, também,

Na realidade do Além.

 

 

Derrocada

 

Quando a derrocada começa,

O trabalho falta:

Ninguém sabe a que peça

Dar alta,

Ninguém sabe coisa alguma

Do jogo que assuma.

 

A derrota é, por lema,

A escamoteação de qualquer problema.

 

É o enterro de todos no meio do chão...

- É urgente, é urgente a ressurreição!