POEMAS  REGULARES

 

OS SONHOS

 

 

 

Quero

 

Quero ser a criatura

Mais feliz do mundo inteiro.

Até mesmo à sepultura

Hei-de ter tal fim cimeiro.

 

É por tal querer demais

Que não logro ser feliz.

Sempre em demasias tais

Quebro a charrua que fiz.

 

Porém, não quero outro aterro:

Só demais não será um erro.

 

 

Mim

 

A vida o que endossa

É a capacidade

De vidas na nossa,

 

Até ficar terso

Do que persuade

A ter o Universo

 

Em mim, requisito

De eu ser o Infinito.

 

É deixar entrar

Para após sair

Na gesta de amar

Que talha o porvir.

 

 

Sempre

 

A vida acontece

E é sempre tão pouca!

A gente envelhece

E tudo se esquece

Da memória louca.

 

Ou não, que limpei

Um pouco o caminho

Desta humana grei.

O mundo que sei

Tem marcas do ancinho.

 

A minha pegada,

Seja nua embora,

Finda registada

Do Cosmos na estrada,

Sou seu corpo agora.

 

Viverei lá no imo

Do Infinito ao cimo.

 

 

Precisarei

 

Precisarei dela

Tudo a me trazer

Até eu poder

Acender a estrela

Do que em mim eu for

No meu interior.

 

Serei só assim

Eu até ao fim.

 

 

Outros

 

Ama os outros, que, senão,

Não te amas a ti então.

 

É para chegar a ti

Que um amor te atrai a si.

 

O outro mora sempre além,

Amas do outro o que em ti tem.

 

O amor-próprio é que é o fito

Do amor que busca o Infinito.

 

Tudo mais são os caminhos

De ir lá chegando, adivinhos.

 

Os outros são para mim,

Como eu serei para eles,

Bordão de ir buscando o fim

Ante o qual somos imbeles.

 

 

Momento

 

É o momento da viragem

Aquele instante em que tudo

Dentro em mim, numa triagem,

Reordeno, mondo e mudo,

Mesmo que nada em redor

Mude em nenhum pormenor.

 

Mas germina da semente

Um mundo outro mais à frente,

 

Por vezes tão esquisito

Que se alonga ao Infinito.

 

 

Partir

 

Se não foras tão bonito,

Partir não doía tanto.

E tens olhos de precito

Antes de virarem pranto...

 

Os meus já meios vazios,

Nota-se o fim pelo olhar.

Tudo fui, atei mil fios,

Progenitor sempre a par.

 

Ficas bem, tens vida boa,

Teu par lindo continua,

Juntos neste mundo à toa,

Nas mãos um naco de lua.

 

Deixa-me ir bem descansado,

Trata a vida que te resta,

Que contigo, do outro lado,

Dar-te-ei força a quanto presta.

 

 

Êxtase

 

Do êxtase a profundidade

Não é o prazer do momento,

É o que restar do que agrade

Vida fora em acrescento.

Mas se restar resto algum

Não houve êxtase nenhum.

 

É que inteiro um outro quer

A acontecer vida além

E, quando este acontecer,

Outro vai querer também...

- E assim inteiro suscito

Meu caminho ao Infinito.

 

Dum êxtase então após,

Seja orgasmo ou descoberta

Ou criação de arte a sós,

É que vejo se ele acerta.

É depois de qualquer um

Que sei se houve mesmo algum.

 

 

Sonha

 

Ele sonha uma mulher,

A que jamais irá ter.

 

Ela sonha com um homem

Que já teve e cujos braços

Nela já se não consomem,

Delidos na vida os traços.

 

Sonham assim mês a mês,

Da vida até ao serão.

Pela derradeira vez

Assim é que se terão.

 

Solvidos os mais assuntos,

Irão assim morrer juntos.

 

No leito que tudo some,

Cumpridos os nós da sorte,

O nome que à boca assome

Inda ao fim é o do consorte.

 

 

Mais

 

Um amor aberto

Para sempre além,

Mais que amor é perto

De sê-lo também.

 

É o que nunca cansa,

O que nunca mói,

Não desgasta, alcança

Que atingir não sói.

 

Este amor consome

E faz-nos sumir

Como a morte some,

Emigrante a ir.

 

Mas é ir por dentro,

Território fundo,

Mais do amor ao centro

Onde o Infindo inundo.

 

Este amor precisa

De vida exterior,

Contexto de brisa,

De gestos calor.

 

Um amor de morte,

Só de mim e ti:

Basta estar e a sorte

Logo ali sorri.

 

Tudo em mim se liga,

Desliga do resto,

Corremos na biga

Do Infinito apresto.

 

 

Esquivo

 

“Temos vida boa

Quem chorar é à toa,

 

Que não há motivo

De chorar, se vivo.”

 

- É o que não entende

Que a vida se rende

 

Apontando o fito

Do esquivo Infinito.

 

E que isto dói fundo

Na raiz do mundo.

 

 

Gosto

 

Gosto de andar assustado,

Com medo de que termine.

Tudo acaba e, acabado,

Que susto o que me fulmine!

 

É bom ver e acreditar

Que tudo escapa das mãos.

Liberdade é libertar

De ser livre os mitos vãos.

 

Sou espaço preenchido

Sem ter liberdade alguma:

De mim fico logo enchido,

Sou o Infindo que ressuma.

 

Sou a total impotência

Ante o poder absoluto

E sou livre, na evidência

De só ser dele produto.

 

Só uma probabilidade

Entre infindas de ser eu:

Esta é que a realidade

De eu viver me mereceu.

 

E, como pode acabar,

É que uma mais outra vez

Trato de recomeçar,

Não vá sofrer um revés.

 

Será uma num milhão

A ocasião de ser feliz.

Acredita tu então,

Agarra-a pela raiz!

 

É a vida do motivado

Em ser um entre milhões:

Por crer em tal é que o fado

Pode entregar-lhe os galões.

 

 

Segredo

 

Segredo pilar

Da felicidade

É não hesitar

Enquanto se invade

 

O baú proibido

De amêndoas sortido,

 

Proibidas também

A quem fome tem.

 

 

Passo

 

O passo por dar,

O trilho a correr,

Voltem a brotar

Do fundo querer!

 

Corramos o risco

Que corre quenquer

Ao saltar do aprisco

Por querer viver!

 

 

Acorda

 

Acorda para o que tens,

Enflora-o do que quiseres!

À que amas dá parabéns

Se é o amor que pretenderes!

 

Atira-te a teu emprego

Se queres nele o sossego!

 

Explode o teu furacão

Onde só disseste não!

 

Trata, pois, de ser humano:

- Vai ter o que és, sem engano!

 

 

Entrevejo

 

Amo em ti toda a miragem

Que entrevejo além de ti.

Odeio a opaca carnagem

Em que sempre encarna aí.

 

O revelado revela

No revelador o além

Como a luz vem duma estrela

Inatingível, porém.

 

Sempre mais, vou lentamente

Rumo à estrela em ti presente.

 

 

Criança

 

A criança é brincadeira,

Nunca pára de brincar.

O melhor desta canseira

É que quem dela se abeira

Deixa-se contagiar.

 

De repente quem é adulto

Dá provas de criancice,

De vez se revela estulto

E duma criança o culto

É só asneira que se visse.

 

O mais estranho, porém,

Seja lá qual for a idade,

É que isto mostra também

Que na vida que se tem

Há mesmo maturidade.

 

 

Guerras

 

As guerras são instigadas

Por interesses de velhos,

Por adultos sustentadas

Para manterem seus quelhos,

Por jovens sempre lutadas

Que sonham com maravilhas,

Não da terra, do céu filhas.

 

 

Bolhinha

 

Perante o Cosmos, a Terra

É uma bolhinha de vida.

Cada lar que aqui se aferra

Uma outra bolha escondida

Por dentro daquela entalha,

Cada amor, nova cisalha.

 

Um nada que é sempre o Todo

De miniatura no modo.

 

 

Acaso

 

Quando um acaso desperta

Em nós o amor, tudo ordena

Conforme tal porta aberta

Até onde o Infindo acena.

 

O mesmo a música bela,

Um romance ou um poema,

Até da infância a janela

Onde ao mundo lia o lema...

 

Mas nada do fundo humano

Se mede ou conta: é um engano.

 

É o espírito que voa

E além-fronteiras ecoa.