POEMAS REGULARES
OS AFECTOS
Chorar
Todo o amor tem maus momentos,
É o momento de chorar.
Chorar é de bons intentos:
É deixar a dor sangrar.
Passa o tempo e acalma a dor,
Volto então a construir.
Homem ou mulher, é pôr
Alma aos pés a conduzir.
Com cada lágrima, então,
É de homem ser desde o chão.
Capaz
Capaz de morrer por ele,
Capaz de morrer por ela?
É a mulher da vida dele,
É o homem da vida dela.
Melhor forma de saber
Quem é tal em nossa vida
Ou não há forma qualquer
De tal saber à medida.
Nem dão o abraço que dão
Porque é uma troca de vidas.
O corpo é um estorvo então
Cheio de prendas queridas.
Um estorvo com sabor,
Um estorvo com prazer,
Saboreiam nele o amor,
De que amam eis o saber.
A tempo chegaram mesmo
De não ser tarde demais,
Que, quando em mim me ensimesmo,
Vivências não tenho tais.
Decisão
Amar na infelicidade,
Quando dói e eu sem papel,
Quando a decisão que agrade
For a que mais atropele,
Se nada posso impedir,
Só um abraço e deixar-me ir...
Há sempre tanto momento
Em que o máximo a fazer
É um abraço e que o fermento
Leve o milagre a ocorrer!
É dor por dentro do abraço,
O amor sublimando o traço.
Não suporto a tua dor
E não ter-te é insuportável.
Como escapar ao horror
Do dilema inevitável?
É de mim que mais me perco
Quão mais eu de ti me acerco.
Parte
Aquilo que te incomoda,
Ou faz parte do que amares
E ama-lo então sem pesares,
Ou fazes girar a roda
Para o mal todo alterares.
Isto é o amor a caminho:
Não tolera o que é só espinho.
Gritas
Gritas a palavra feia.
Amei-a em ti tão bonita,
Àquela palavra ateia,
Que já ninguém me acredita,
Nem eu, que até nem me creia.
Mas na teia nada é fita,
Perco-me em ti, volta e meia.
Número
O amor pode ser apenas
Número de telefone
A que ligas quando as cenas
Vão além do que as abone.
Seja um além para bem,
Seja um além para mal,
Quando um coração se tem
Disponível, o amor vale.
Vale por fugir do inferno
Ou ir ao festim superno.
É sempre amor a caminho
Nos meus passos que adivinho.
Grande
Tu és grande em demasia
Para o meu pequeno mundo.
Como é que então te amaria?
Perco-me em ti de meu fundo.
Terei mesmo de deixar-te,
Que é de mim que sinto falta.
O resto, pequeno aparte,
Aguento-o bem na ribalta.
Como é que te darei pão
De amor se apago o morrão?
Acaba sempre um amor
Do frio, findo o calor.
Quando
Um amor acaba
Quando alguém se esquece
De que dele a aldraba
Não desaparece,
De que a flébil aba
Sempre aqui me aquece,
De que dele a baba
Tudo cobre em messe...
- O mundo desaba,
O amor permanece.
Amo-te
Amo-te até conseguir
A mim amar-me algum dia.
És meu profundo nadir,
Lonjura que em mim queria.
Se de a ti te apreciar
Acaso fora impedido,
Incapaz seria, a par,
De apreciar meu sentido.
Amo-te pelo que fazes
Em mim, pelo que consegues
De mim fazer, com as bases
Míseras que em mim persegues.
Amo-te para te ver
Mui feliz por ser amada
E enfim para assim poder
Amar-me em minha jornada.
Serei o maior egoísta
Amante do mundo inteiro
E assim partilho-te a pista
De me dar, por derradeiro.
Falas-me
Falas-me ao ouvido,
Já não ouço mais,
Só afecto sentido,
Acendes fanais,
Meus olhos de mar
Ao porto a chegar.
Paras tudo em mim
Para te sentir,
Meu corpo um cetim
A te recobrir.
Paro tudo aí
A volver-me em ti.
Conheceram-se
Conheceram-se no dia
De jamais se conhecerem:
Ela, a tímida, é energia
E ele, só pés a tremerem.
O que ocorreu no interior
Ninguém sabe em pormenor.
Mesmo nada programado,
Já tudo tinha mudado.
Irritante
Mais irritante nos filhos
Não é chorar quando nascem.
É fazer-nos, com vincilhos,
Chorar quando a vida pascem.
Se não foras tão bonito,
Nunca choraria assim
Nem pensaria no dito
De quão já viveste em mim.
De sempre te desejámos,
És o filho mais querido.
E todos os mais, notamos,
Irão no mesmo sentido.
Todos os filhos serão,
Num entender bem do fundo,
Os mais bonitos então
De quantos houver no mundo.
É aquilo que há-de servir
Para sabermos jucundo
O mundo ou vamos sentir
Que é fértil mas não fecundo.
Alegria
Se não foras tão bonito,
Não encontraras mulher
Tão bonita que mal cito
Quanta alegria nos der.
A tua felicidade
Dos olhos dela é a fundura.
Só de ver a densidade
Com que amas, em mim se apura
Por ela um amor maior.
Já não precisas de mim,
Tens tua vida a se impor,
Não te resta tempo, ao fim.
Eu por aqui andarei,
Sei que tu me queres bem,
Bem sempre te quererei,
Ligarás se te convém...
Euforia
A vida ou é euforia
Ou não é vida nenhuma.
O atleta que o não veria
Nem vitória tem alguma.
Se uma empresa o esquecia,
Não tem lucros que resuma.
Um artista falharia
A criação dele suma...
A humanidade precisa,
Demencialmente obcecada,
De quanto ali mal divisa,
Divisa dela na estrada.
O segredo é conseguir
Discernir com que tamanho
Cada euforia a atingir
Revestir deve no ganho.
E a felicidade é ter
Mais do que uma disponível,
À espreita de aparecer
Mal haja fresta possível.
Caminho
Amo-te em silêncio,
Nem saibas que estou!
Teu caminho vence-o,
Que eu nem sequer sou...
Que sejas o que és
De ti ao abrigo,
Sem saber de vez
Que aqui te persigo!
Amo-te sem termos,
Silêncio me rege,
A ver se, ao nos vermos,
Ele me protege.
Aliás, gramática,
Nem vindo por vir,
Modo tem, na prática,
De nos incluir.
Sinto
O que sinto por ti tanto releva
Que partilhá-lo não logrei contigo.
Será o desequilíbrio luz e treva,
O abismo por trepar à luz que sigo,
Ou então o que não me faz tremer
O que então nem sequer leva a mexer?
Verdade é que o que sinto tanto importa
Que é demais partilhá-lo a sós contigo.
Na minha solidão do eu a porta
Abro, não vou perder-me a mim comigo.
Do teu beijo a delícia existe, enfim,
Mas sozinho depois fico de mim.
O que sobra é o prazer, quero-te, louco,
Daria tudo aqui para te ter.
Porém, tudo o que quero é sempre pouco
Para aquilo que vou poder valer:
É que és grande demais para que assim
Possamos caber dois somente em mim.
Pior
O pior do amor
É amor recordar:
Foi de grande teor,
Furibundo mar
No alicerce a dar
E agora um pendão
Nem ergue do chão...
O pior é quando
Vejo em todo o lado
Que, não acabando,
É mesmo acabado.
Cura
A cura foi sempre amar:
Quem morre morre curado
Se tiver quem ama ao lado.
Tudo a morte vai curar:
É uma morte apaixonada,
A dum amor sempiterno,
Sempre em ternura tão terno
Que luz na noite nublada.
Podemos, cegos, não ver
Mas é o Infinito a ser.
Enche
Dos velhos a mala
Previamente aviada
Enche toda a sala
Dum sorrir de gala:
Hora da abalada.
Para os que cá ficam,
Hora da partida:
Contos multiplicam,
De nenhum abdicam,
Vazio da ida.
Mas, se aqueles vão
De amor cheia a mão,
Nem é despedida:
Nem a morte olvida.
É uma plenitude
Que a salto nos mude.
Quando
É quando ela chega
Que o cientista pega
Na ilusão do sonho
E enjeita o bisonho:
Ela é sempre a fresta
Duma vida em festa.
Mesmo quando o trai
E o mundo aos pés cai.
Mesmo se não conta
Mais a vida tonta.
Mesmo sendo parva,
Sempre é o céu que escarva,
Nem que espalhe inferno
Dela o gesto terno.
Pequeno-almoço
O pequeno-almoço
É mesmo de espertos.
É para comer
Mas todo este troço
Tem os céus abertos
Para bem querer
A todos com quem
Comer junto advém.
Velhice
A velhice é a maravilha:
Passam o dia a brincar.
É a sorte grande que brilha
A quem lá logra chegar.
O avô com o neto ao parque
Dura as horas que durar,
Sorri num sonho em que embarque,
Rebel lágrima a limpar.
As memórias são gostosas
E o velho é memória viva.
Mais que o sonho, dela as glosas
Tornam a hora festiva.
Pode ser que algo magoem,
De dor velha ou de saudade.
Mas tem de ser, quando soem
As contas da longa idade.
Não fora o que tem de ser
E nunca aconteceria
O que adoramos reter,
Como o amigo de algum dia.
Do que tem de ser gostar
Em paz, com plena bondade,
Mostra de quem lá chegar
A grande maturidade.
Pensamento
Se o pensamento primeiro
De teu dia, mesmo à toa,
E também o derradeiro
For com a mesma pessoa
E a vontade de ficar
Juntos chegar a apertar
O coração com rigor,
- Não há dúvida: é o amor!