UM REGULAR HORIZONTE
Sim
Deus, o sim ao impossível,
Quando tudo nos impele
A dizer não. E o incrível
É que nos protege a pele:
Sem o impossível viável
É o possível detestável.
Dor
Viver em dor o desejo
Torna a vida insuportável.
Ignorar dá-me um ensejo
De ser rei mas destronável:
Esqueço-me então de mim,
Já não sou rei, mas enfim...
Indivíduos
Os indivíduos são cortes
Em nossa pele rasgada,
Ferida a sangrar, suportes
A aguentar, na caminhada,
A sanguinolenta prova
De fabricar pele nova.
Libertador
O libertador de massas
Quer dominar pelo medo.
Derrotado, as mesmas traças
Imprime num novo credo.
Assim é pelos milénios,
Da utopia nos convénios.
Entre
Entre a palavra e o ser
Há uma lonjura infinita
Que não logro percorrer:
É minha dita maldita.
Mas não me farto de ser
E é minha dita bendita!
Sinais
Mais vale ficar atento
Aos sinais que nos rodeiam
Que ser surpreso do vento
Em que os desastres se enleiam,
Findar de pernas partidas
De lhes ignorar as lidas.
Candeia
Ó candeia das alturas,
Alumia-me cá em baixo:
Meu amor anda às escuras
E às escuras eu não o acho.
De tão alto eu alumiar
Ainda perco o lugar!
Sou
Ser quem se é, não confundir
O que sou com quem admiro.
Ser parecido é fingir,
Fora do alvo dar o tiro.
Seguir alguém é imitar:
Perco o primeiro lugar.
Pai
Um pai é sempre um telhado
A rematar uma casa.
De repente, um dia dado,
Cai ao chão e o sol abrasa.
No vazio então deixado
É o nada o que nos arrasa.
Lamento
Quando algo dum bom passado
Morre ou morre em minha vida,
Lamento o mau do traslado
Mas a memória revida:
Fica mais bela, mais rica
Quando tudo verifica.
Seguir
Na maior parte dos casos
É seguir o coração,
Ele sabe dos atrasos
Onde empanca o camião.
Sempre há buracos na estrada
Da vida, a cada jornada.
Muda
Aquele que é superior
Traz ideias, traz modelos
Ao mundo inteiro a propor,
Mais ricos ou mais singelos,
Inesgotáveis de apelos:
- Muda ao mundo inteiro a cor.
Gente
Gente que mexe connosco,
Algo muda do que havia:
Já o mundo não é tão tosco,
Da vida há rumos na via.
Então é que, em qualquer lida,
Qualquer sentido há na vida.
Baia
Não há um fim nem há evidência,
Há uma baia à liberdade
Do impulso, da incontinência
Por onde a vida se evade.
Então, com a meta à vista,
Tu no rumo tudo alista!
Venenosos
Moeda e popularidade
São venenosos remédios.
Naquele que cada invade
De seu imo explode os prédios.
No poleiro de seus ombros,
Restam da pessoa escombros.
Coisas
Vai ser o mundo aprazível
Se eu vir permanentemente
Que as coisas, do mundo ao nível,
Ficam cá perenemente,
Traços a nos repartirmos,
Mesmo após de vez partirmos.
Curar
A vida é muito melhor
Sem qualquer ideia feita.
Nenhum custo há que propor
Para curar a maleita
De escapar à sovinice,
Livres de tanta tolice.
São
Todos os que estão doentes,
Doentes não são. Só estão.
Ainda escapam aos repentes
Que na morte os lançarão.
Mas deste ou do outro lado
Cantam todos igual fado.
Pais
Aos pais há-de competir
Deixar o filho voar,
Mal asas bata ao nadir,
Sem problema ali constar.
É disto que consta então
A busca de solução.
Mesmos
Recursos e ferramentas
Com que o mundo melhorar
São os mesmos em que atentas
Quando tudo ande a piorar.
No esfumado mundo vítreo
Nada apaga o livre arbítrio.
Habituados
Habituados a sofrer,
Sabemos lá ser felizes!
Feliz é o momento a ser
Dum grande amor os matizes.
O mais que houver, se o houver,
Dum grande amor são deslizes.
Melhor
O melhor que nos dá vida
São as pessoas e os gestos,
A palavra que é sentida,
Os sentidos e os aprestos,
Os sentimentos que são
Fermentos no coração.
Encontro
Há o encontro inesperado
Que me dá luz ao meu dia
E que nunca foi marcado,
O que marca a coincidência
Com que eu justificaria
O que me escapa à evidência.
Marca
Uma marca são pessoas
Que a fazem todos os dias.
Descartá-las, más ou boas,
É tirar as baterias
Às lanternas com que voas:
Tombas onde não querias.
Animais
Animais há mais humanos
Do que humanos que encontrais
E são motivo de enganos,
Enganos com que os tratais:
Há danos, há muitos danos
Por não ler bem os sinais.
Angústia
O desespero da espera,
Angústia do mundo ignoto,
Cegos sempre, em qualquer era,
Do longe em que tudo é boto...
Noite sem vislumbre de alva,
Nada ajuda, nada salva.
Enquanto
Não nos aperceberemos
Enquanto não aparece
Alguém de fora onde lemos
Que o que se fez não parece
Ter de ser de igual maneira
Mas doutra e mais fértil leira.
Selar
O real, o imaginário,
Que mundo de diferença!
E sempre é o santo sudário
Dos dois a final sentença!
Nada vale outra esperança:
Vai ser eterna esta dança.
Luz
- Porque é que não és capaz
De fazer o que eu adoro?
- Não vês a luz que me traz
A iluminar poro a poro?
Não é a ti que hei-de agradar,
É de ao sonho iluminar.
Aproveitar
As pessoas têm vergonha
De aproveitar o gratuito.
Se um assado ao lixo ponha,
Deixam-no em paz, ao final,
Um olho em redor, fortuito,
Por mor do estigma social.
Cuidei
Cuidei que o florescimento
Viria com o perfeito.
Aprendi que é doutro jeito:
É na confusão à toa
Que, num incerto momento,
De repente a fruta é boa.
Demónio
O demónio é impostor,
Mente para confundir,
Mistura à mentira um ror
De verdade, a nos trair,
Só para nos atacar,
Até ser dele o lugar.
Imagino
Como tudo é diferente
Do que imagino em rapaz!
À medida que ando em frente,
A casa é o que a gente traz:
Está mesmo em toda a parte
E parte não há que a acarte.
Gestos
Gestos, versos e trinados
Que busco por brincadeira,
A despertar os cuidados
De quem mos escuta à beira,
Com o tempo é o elemento
Onde aflora o sentimento.
Perdeste
Há sempre alguém de permeio.
Quando de tua justiça
Disseres, mero paleio,
Perdeste a mão da rabiça.
Não falta muito quem queira
Doutrem lhe mandar na leira.
Chaga
Ter alguém que se ama preso,
Às vezes é melhor morto.
De descanso não há vezo,
É uma morte mas sem porto,
Que dura meses ou anos
E a chaga sempre sem panos.
Oposição
A oposição segue avante?
Se somos burros de carga
Dos de trás, dos de diante,
Só a cilha mudam à ilharga.
Do trono é sempre o poleiro,
Os mais bicam o quinteiro.
Prisão
Por muito mal que se esteja,
Na prisão também se vive
Cada manhã que viceja,
Ninguém há que a vida esquive.
Nem sequer depois da morte
Se perde à raiz o porte.
Nasceu
Nasceu, viveu e morreu
E pelo mundo passou
Tão nada por trás do véu
Que até ninguém reparou.
Eis a sina descabida
Da maioria na vida.
Sede
A sede feroz de intriga,
Cálculo e perversidade,
Faz prodígios quando miga
O pão da vida que invade.
E única satisfação
É só migar este pão.
Chave
Para o rico habituado
À chave de abrir as portas,
Ficar pobre não é um fado,
É o fatal de vidas mortas.
Antes do tempo é que assim
A vida lhe encontra fim.
Procurava
Procurava uma mulher
E fugiu para as retretes?!
Não encontrou o que quer:
Só encontrou toaletes!
O sonho morre nas fezes:
Só encontras lá o que desprezes.
Paisagem
Dois à paisagem que vi:
- Quem me dera ser aqui
Para o eterno sepultado!
- O que eu quero, por meu lado,
É viver aqui a esmo!
...E ambos vão dizendo o mesmo.
Custa
Não custa muito morrer,
O que custa é ficar morto:
Ou a vida é de viver
Ou anda então tudo torto.
A vida dura infinita:
A morte só muda a fita.
Posição
Só é preciso chegar
À posição de poder
Para aos outros ordens dar.
Já se então podem fazer,
Embora daquilo às custas,
Apenas as coisas justas.
Nós
Nós de nós sempre a falar,
Não vá o mundo se esquecer:
Existimos num lugar
E aqui somos nós a ser.
É tão crónico e tão forte
Que nos dá cabo da sorte.
Longe
Um amor imaginário
Só poderá florescer
Longe de quem ama, vário.
O real tem o poder
De limitar ao lugar
O sonho que se sonhar.
Morrem
Sentimentos e desejos
A que não presto atenção
Morrem já de inanição.
A atenção dá-lhes os beijos
De alimento e combustível
Que os fará trepar de nível.
Termo
O demagogo hipnotiza
Com a palavra que mina
E o ditador nos domina
Com o termo que desliza.
A palavra é a sorrateira
Peneira que nos peneira.
Despontando
Despontando a madrugada,
É só alegria o que existe.
De mais triste não há nada
Do que um só menino triste.
É apenas noite a jornada,
Nem já o sol nela persiste.
Retorno
Nunca mais retorno a casa,
Porém deixo para trás
Parte de mim que me atrasa
À espera, nas cinzas brasa,
Duma visita que em paz
Recorde dos céus tal asa.
Concha
É uma concha o sofrimento
Que durante um tempo usamos
Até que então entendamos
Que crescemos, lento e lento,
E somos maiores que ela.
- E jogamo-la à viela!
Espetarão
Nem sempre nós saberemos
O que serão nossos sonhos.
Alguns partirão os remos,
Outros os punhais medonhos
Espetarão em quenquer
Até se então entender.
Amo
O amor entre dois
Não é recriado:
Quando amo, depois
Tudo é o outro ao lado.
Nele diferentes
Somos entre as gentes.
Obrigado
“Obrigado!” – digo aos pais,
Pelo que proporcionaram:
Modelou mundos demais
Um teor de vida raro...
Por resposta eles me encaram,
Comentam apenas: “claro!”
Sempre
Amor verdadeiro
Único não é
Mas sempre sincero,
Com pureza até
Consumir a mente:
É completamente!
Espera
Sempre à espera, sempre à espera,
Mas Deus nunca anda defronte,
É de dentro que Ele opera
E abre fora outro horizonte.
Nisto é que então o Universo
É de Deus o rosto terso.
Pensa
Pensa pensamentos bons
Ou de lágrimas o vale
Breve te inunda os bastiões.
Mau pensamento equivale
A que em desespero fico,
Num piscar de olhos, no pico.
Constrói-se
O amor constrói-se. Requer
Um esforço, investimento
Sem nunca parar a ver.
A paixão é só fermento
E pode ser destrutiva
Quando só por ela viva.
Evoluir
Importa individualmente
Evoluir em consonância
Com outrem cuja semente
Germina e dá corpo à ânsia,
Para que a cumplicidade
Vida entrance de verdade.
Olhar
Um olhar carrega em si
Todas as paixões dum imo.
Ou agulha ou bisturi,
Cumpre ordens a que me arrimo:
Mata, seduz e fascina,
Exprime e até fulmina.
Janela
Janela aberta ante o mundo,
Os olhos permitem ver
Em redor, até ao fundo,
Qualquer paisagem que houver,
Desde a paisagem das coisas
Até o imo onde tu poisas.
Viva
Telemóvel, telefone,
Redes sociais, plataformas?...
- Que o frente a frente me abone
Da palavra viva as normas!
Tudo o mais são redundâncias
Para segundas instâncias.
Mostra
Mostra pública de amor
Do beijo além do fervor
São as mãos entrelaçadas
Das almas enamoradas.
Os casados não merecem?
- O problema é que se esquecem...
Noutra
Buscar noutra relação
A paixão que houve à primeira
Ou à primeira a função
Restituir pioneira?
- É que é apenas se focar
E a manhã vai alvejar...
Ciúme
O ciúme vê tão grande
Aquilo que é tão pequeno!
Só gigantes por onde ande,
Quando é de anões o terreno.
Nem verdade é a prova feita
Àquilo que é só suspeita.
Fruto
Qualquer um finda atraído
Pelo fruto proibido.
Com o desejo a atadura,
É, de ambígua, perigosa:
Só desejo na figura
Do que não tiver na glosa.
Une
Não une um casal um filho,
Muito até pelo contrário:
Se não for forte o cadilho,
O filho é dele o sicário:
Quer atenção, energia,
Desmorona o que mal ia.
Melhor
É melhor em duas casas
Crescer mas com pais felizes
Que numa só sem ter asas,
De matar só o lar matrizes:
Discutem a toda a hora?
- Ser falhado não demora.
Jogo
O jogo relacional
Não é só dum só parceiro,
É co-produção real,
Mútuo acolher por inteiro
Os papéis assinalados
Para os cenários visados.
Enlaçada
Amar deveras alguém
É acreditar que se alcança
A verdade que ele tem
De mim enlaçada à trança.
Amamos quem respondeu
À questão de quem sou eu.
Jamais
Jamais a infelicidade
A que me exporei é tanta
Como ao amar de verdade,
Que mais findo desvalido
Quando perco quem me encanta
E a quem amo até o olvido.
Curar
Curar a separação
Não é nunca iniciar
Qualquer outra relação:
Isto é tapar a ferida
Sem primeiro a ir tratar,
Desinfectar à medida.
Encontrar
O luto é fundamental
Para me encontrar comigo,
Mas prolongado, afinal,
Aprisiona-me ao abrigo...
Aí se perde auto-estima,
De vez se inverteu meu clima.
Fim
O fim duma relação
Reabre sempre a paixão
Onde só um amor ligeiro
Luzia pelo parceiro
Ou se nada até dizia:
- É que o vazio esvazia.
Respirar
Se uma relação findou,
Noutra não reentres logo,
Sem respirar ante o fogo
Que em ti se então desatou.
Absorve teu mundo à volta
Até o pé findar-te à solta.
Afastes
Não te afastes de ninguém
De que precises também.
Se choras, que o sol perdeste,
As lágrimas que revelas
Não te deixam ver, celeste,
Nenhum brilho das estrelas.
Carência
Uma carência afectiva
Pode levar de empreitada
A qualquer compra efectiva,
À fome descontrolada...
- É mera compensação,
Não cura, dá uma demão.
Romper
Ao romper a relação,
Importa absorver o mundo
Em redor ali à mão,
A se reconstruir fecundo.
Depois desta tempestade
A bonança nos invade.
Acolho-o
Se auto-estima me findou
E autocompaixão houver,
Não me perco de meu voo,
Acolho-o no que tiver.
Não me comparo a ninguém,
Sou eu e é o que ao fim convém.
Abrir-me
Autocompaixão não é
Muita pena de mim mesmo,
É abrir-me a mim, do sopé
Ao cume que atrai a esmo.
Meu valor ao encontrar
Mais o doutrem lho irei dar.
Amor
O amor terá de crescer
Por outrem com meu desejo
Sem me omitir, absorver.
Antes desperto, no ensejo,
Ao meu íntimo assumido,
Não renegado e perdido.
Abordagem
A abordagem negativa
Conduz-nos ao pessimismo.
Ora, em tudo há positiva
Face que gera optimismo.
Indo aqui, o desafio
Da vida é menos sombrio.
Alarmes
Alarmes a decifrar
Tem o corpo, mais sinais.
De miúdos imos a par
De companhias que tais.
O corpo a emoção apanha
Da vida em toda a campanha.
Excesso
O excesso em proximidade
Mata o desejo sexual.
Salvo a individualidade?
Eu salvo então o casal.
O desejo é aquele traço
Que sempre requer espaço.
Idolatria
A idolatria do amor
Romântico é o que arruína,
Passando o tempo, o fulgor
Da relação que fascina.
A novidade e a distância
É que ao fogo dão fragrância.
Desistiram
Quando os membros do casal
Desistiram da partilha,
São dois trilhos, afinal,
Sem paralela ter trilha.
Se se cruzam, entrementes,
Só provocam acidentes.
Gestão
A gestão de expectativas
Confunde a comparação:
Se reduzidas, furtivas,
Qualquer melhoria é um dom;
A uma expectativa em alta
Qualquer melhoria é falta.
Foca
Se uma relação constróis,
Foca o que for complemento
Mais a sinergia a dois
Que são dos laços fermento.
Há sempre três entidades,
Eu-tu-nós – em que persuades.
Crescer
A relação prolongada
Vem de crescer em conjunto,
Da utopia partilhada,
Seja lá qual for o assunto.
De ir-se adaptando à mudança,
Onde quer que ela se alcança.
Sempre
Para sempre ser feliz
Quer mui grande investimento
Mas é viável, de raiz,
Sempre em qualquer casamento.
Requer é sempre dos dois
Que nele invistam mil sóis.
Importa
Importa ver se é feliz
Nosso par com quem vivemos,
Que, se o for, partilharemos
A alegria de raiz.
Senão, é ver que lhe falta
E repor-lhe a vida em alta.
Pare
Pare de tentar
Controlar quem ama.
Aprenda que amar
Tece uma outra trama.
Simples ame então
Todos como são.
Copo
Quando o copo está vazio,
De que vale lamentar
De água o derradeiro fio?
Enquanto isto tem lugar,
De o encher a ocasião
Outra vez perco de mão.
Dois
O melhor final
É o que o surpreende?
Ou o que era igual
Ao que quer e entende?
- O que for perfeito
Tem dos dois um jeito.
Multiplica-lhe
Não se deve encurralar
Nunca qualquer inimigo,
Que isto o vai desesperar,
Multiplica-lhe o perigo.
Melhor é deixar a glória
Deixando-lhe escapatória.
Apagar
Quem anda a apagar estrelas
O problema tem então
De não enxergar as vielas
Que enxameiam pelo chão
E de que a vida anda cheia
Só com a luz da candeia.
Mente
O problema da velhice
É o de vencer o sofá,
Conviver na esquisitice,
Mente activa sempre e já,
E alguma coisa aprender
Na alegria de saber.
Flagelo
Um flagelo social
Anda oculto na moderna
Vida: a solidão total.
Quem der a mão não hiberna
E, de tal gesto em virtude,
Até melhora a saúde.
Anda
Por aí anda o futuro,
Nós nem tomamos sentido.
Anda mal distribuído
Dos primitivos no apuro.
E somos bem primitivos,
Aqui mais mortos que vivos.
Pele
Todos temos a Bastilha
Para tomarmos de assalto
E uma pele que então brilha
Quando damos esse salto.
Mas para salvar a pele
Quanto dela se repele!
Vencedor
Para se sentir herói
Muito vencedor precisa
De violar quem sempre foi,
Para vencido, alma lisa.
Perde assim todo o valor,
Feito escravo e não senhor.
Quarto
Para um homem, liberdade,
Aquela que persuade,
É dum quarto sem janela
Ir para um outro onde, adrede,
Nenhuma janela apela,
Que é um quarto, mas sem parede.
Vencedor
O vencedor é um vencido
Quando nem templo nem deus
Respeita aos vencidos seus.
Se lhes respeita o sentido,
Pode então da perda alçar-se,
Então poderá salvar-se.
Herói
Um herói de pau na mão,
Sem mais nenhum armamento,
Menos hipótese então
Tem de dar bom seguimento
Que uma abelha com ferrão,
Seja qual for o tormento.
Enganar
Não se deixa enganar o corpo, nunca.
Entra no jogo da mentira então
Durante um tempo em que de festas junca
Cada dia. Depois cobra ao tostão
Tudo quanto pertence ao que apresenta
Teatro sem lhe ouvirem a sentença.
Sabido
O problema do veneno
Não é nunca que envenena.
Isto é sabido terreno
Como uma dosagem plena.
Problema é que, não demora,
Salpica cá para fora.
Igual
Ser como os demais, que bom!
Banalidade e rotina,
Mesmo o igual sem tom nem som,
Que descanso da má sina!
Que descanso do cansaço
De nunca parar meu traço!
Falar
Temos de falar dos sonhos
Para nos mantermos vivos,
Ou do mar saltam, medonhos,
Os monstros, de morte arquivos.
As palavras em que poisas
Dão-te a substância das coisas.
Fuga
Boa fuga é para a frente,
Para trás é desistir.
Para a frente é, de repente,
Rasgar o véu do porvir.
Sabemos lá bem o que é!
- E eis como ter-nos de pé!
Desrespeito
Não é dizer palavrões
Que mal vai fazer a alguém.
Do desrespeito os senões
É o que nos mata, porém.
Sentir o que o outro sente:
Aí começo a ser gente.
Pensa
Dá trabalho a diferença
E pode dar trambolhões.
Mas feliz será quem pensa,
Quem pensa com seus botões
E quem arriscou amar,
Passo a passo com seu par.
Chá
Um amor ou salva
Ou não é nenhum,
Ou é chá de malva
Ou dita o jejum.
Salva-nos de tudo.
- De si, não, contudo!
Luz
Há uma luz que nos aquece,
Que nos ofusca demais:
Quando um amor aparece
Nem a noite é noite mais.
Um amor aparecido
Ofusca ou está fundido.
Sorriso
Eis um sorriso inteiro e, de repente,
Existe um mundo novo no meu mundo.
A vida vale porque a cruza a gente
Que nosso estéril chão torna fecundo.
Aí é que este mundo tão pequeno
Alarga a novos mundos o terreno.
Abram
Abram os olhos, mesmo bem fechados,
Já que quem sonha não é cego nunca.
Quem não sonhar é cego em muitos lados,
Vê só no canto o chão que a morte junca.
É ser pequeno precisarmos de olhos
Para sonhar que há vida além-escolhos.
Ilha
Sempre amar é construir
Aquela ilha em que dois
Vão mar fora deixar-se ir
Rumo ao céu a vir depois,
Rodeados de ternura
Num mar que sem fim figura.
Correr
Muito mais interessante
É a vida que não correu
Mas vai correr adiante
Que a vida que aconteceu.
O sonho dá o colorido
E à vida empresta o sentido.
Próximos
Quanto mais me distancio
Mais próximos nós ficamos.
A lonjura atou o fio:
Quão juntos tão longe andamos!
Ocupas-me a mente inteira:
Longe a vida é à tua beira.
Crescemos
Crescemos para viver
A mais longe das lonjuras,
Para vir-nos a ocorrer
A fundura das funduras,
Para ir até ao osso
De ser, embora no fosso.
Perante
O que está perante os olhos
É o argumento dos ocos.
O que importa tem antolhos,
Quem o vê são muito poucos.
Parece não ter sentido
E é o que norteia o vivido.
Preferir
Preferir felicidade
Daqueles a quem amamos
A toda a infelicidade
Daqueles a quem odiamos
Mede à pessoa a grandeza
Que da vida serve à mesa.
Acolher
Mãe ama e tem medo,
Por isso não quer,
Sempre à boca o credo,
Acolher quenquer.
Parece um horror
E é um acto de amor.
Preciso
Preciso é tão pouco
Para ser inteiro!
E anda o mundo louco
Do grevista ao cheiro...
Quando basta amar
Sendo amado a par.
Vencem
Uma ideia perdedora
É que vencem os melhores.
O pior mexe na hora
Os cordéis dos corredores,
Garante ser pioneiro
Na meta como primeiro.
Igual
A mulher não é querida,
A mulher tem de ser boa
No que for, que faz da vida,
No que fala nem que doa...
A mulher igual ao homem,
Não objecto que consomem.
Envelhecer
Sempre envelhecer a bem
É ser mesmo inteligente.
Fazer de conta, porém,
Não ser o ser do presente
Não nos faz mais do que somos
E menos de nós lá pomos.
Custa
O que custa a escuridão,
O lar vazio de breu
Por mais luz que acenda em vão,
Por mais luz que acenda o céu:
Que espaço ocupa o vazio!
Com que entranhas me desvio?
Beleza
A beleza pelos olhos
Entra-nos no coração.
Se desprezo tais refolhos,
Perdi-me nalgum desvão.
Posso não ter mais caminho
De mim até meu vizinho.
Ícone
Qualquer ícone mundial
Primeiro entra pelos olhos,
É um modelo visual,
E depois, sem mais antolhos,
Vem o resto do que for,
Onde o que for for maior.
Sempre
Sempre que um amor acaba
É mesmo um mundo a acabar.
O fim do amor menoscaba
Quem mundo não vir a par.
Por mais mundos que haja aí,
Aquele nunca mais vi.
Largar
Amar é largar a vida
Para outra começar
E a vida que então envida
É que é de viver lugar:
A vida em que então tropeço
É que é de viver começo.
Engasga
Ninguém nunca é satisfeito.
Se for bom, a fome é tanta
Que engasga a própria garganta.
Se for mau, vai prestar preito
À garganta do vizinho:
Mata-o dum golo de vinho.
Parecerá
Um amor acrisolado
Irá fazer, de repente,
O que para toda a gente
Parecerá estar errado.
É outra forma de olhar
E por ela caminhar.
Quero
Quero a vida por inteiro
Porque inteiro é que aí sou.
Inteiro a sinto onde vou,
De tudo nela me abeiro.
Quero tudo o que mereço
Porque é o todo que, enfim, meço.
Trouxe-me
O amor da resignação
Livrou-me um dia de vez.
Trouxe-me à revolução
À frente, atrás, de través...
- Quando se ama, toda a vida
É revolução seguida.
Explica
A ciência explica tudo
Mas não tem explicação
Para nada, sobretudo
Do que eu amar com paixão.
Um amor da zona vem
Onde a ciência mão não tem.
Tanta
Há tanta coisa infinita!
O Infinito, dele mesmo.
A estupidez, que é tal dita.
Há tanto infinito a esmo,
Que até mesmo o que é finito
Só o parece: é um infinito!
Sempre
Nunca pode ser proibido
Um amor: ele é ilegal.
Podem proibir o vivido,
O amor é que é sempre tal:
Nunca tem leis nem tem regras,
Nem fronteiras onde o integras.
Território
Amor é dentro de nós
Um território que após
Somos nós todos inteiros.
Amar com comedimento
É não ver nunca o fermento
Que em nós aduba os lameiros.
Leva
O amor leva a resistir
Mesmo quando a ausência dele
Nos faz querer desistir,
Que tudo nos rasga a pele.
Muito custa acreditar
Que haja um amor a findar!
Pena
É pena a incapacidade
Para contra o preconceito
Lutar com tenacidade,
Contra tal limite estreito
Intelectual que impede
De raciocinar adrede.
Triste
Que triste é quem se obrigar
A amar a quem não amar!
Braço dado não há dentro
A acompanhar o de fora.
Encher o vazio centro
Como demora e demora!
Filho
Ter um filho bem querido...
Quando chora, o mundo chora,
Quando dói, nos há doído
A nós próprios com demora.
Chegou e é mais um de nós,
Um que é tudo logo após.
Carregar
Carregar o amor ao colo,
Levá-lo aonde é preciso,
De fatigado sem siso,
- Eis como ao amor me imolo
E no fim fico feliz
Como nunca e de raiz.
Ir
Ir à nossa vida é amar.
Quando não amamos, vamos
À vida doutrem, a par,
E que somos nós pensamos.
O que andar à nossa volta,
Não nós, é outrem à solta.
Bastar
Bastar deveria
A quem ama ouvir
De quem ama, um dia,
Feliz se sentir.
Quando tal não chega,
É amor que não pega.
Falta
Um amor, o mais completo,
Sente sempre a falta de algo.
Mesmo de filhos repleto,
Mais um degrau tem que galgo.
Não me frustra quando o fito,
Lança-me para o Infinito.
Chegamos
Ao amor chegamos tarde
E vamos embora cedo.
Às vezes até mal arde
À hora a que ao lume acedo.
Temo-nos, porém, por dentro
E então a lonjura é centro.
Leva-nos
Amar leva-nos a amar
O que temos, o que somos
E o lugar por onde andar.
E do possível dispomos
Enquanto o amor nos afira
Do todo final a mira.
Combater
Combater a quem amamos
É já combater connosco.
Quem amo é meu tronco e ramos
Do bosque onde a mim me embosco.
É contra mim ir também
Quando assim vou contra alguém.
Abraço
O abraço dum amor velho
Tão cheio de juventude!
Ah! Não haver um conselho
Que ao caminho a nós nos grude!
É o abraço dos abraços
E a gente a sonhar tais traços...
Dor
Faz de conta que não há
Aquilo que nos magoa.
Por instantes, acolá,
A dor fará que não doa?
É fugir para viver,
Não engana a quem doer.
Adiar
Ao adiar a derrota,
Há esperança de ocorrer
Algo a eliminar qualquer
Derrota de sua rota.
Venha ou não a acontecer,
Suaviza a vida a quenquer.
Ensinas-me
Amar a vida a correr,
Ensinas-me a ser assim?
Corres a vida que houver
Depressa, mal dou por mim,
Claro, porque eu já sou velho.
Tu és o novo que espelho.
Justiça
A justiça (que é divina),
Tramando um homem qualquer,
Justiça não há-de ser,
Vai findar numa latrina.
E só mesmo a mão de Deus
Nos fará sonhar com céus.
Verdade
A verdade apenas
Vai ter o poder
De tudo fazer
Sentido nas cenas.
É por ela a vida
Sempre prosseguida.
Molho
Há quem vê no amor
Um molho de tretas.
Há depois um ror
Dos que amam. Sem setas!
E há mais quem se incite
Ao melhor palpite.
Tendemos
Quando somos boa gente,
Tendemos a bem tratados
Ser de todo o contingente
De humanos entrelaçados.
Mais seremos nós em nós
Quão outrem em nós mais pôs.
Apenas
Cada qual é um acidente
Sempre em vias de ocorrer.
Mais atrás ou mais à frente,
Finda por acontecer.
Cada dia é um adiado
Milagre daquele fado.
Choque
O amor é o luminescente
À espera de acontecer.
Algures na noite ingente
O fulgor vai ocorrer.
Mas só vai crescer com ele
Quem for para além da pele.
Encaixe
O homem, para ficar bem,
Vai querer mais e mais sexo.
A mulher, para ter sexo,
Quer antes sentir-se bem.
O encaixe do desencaixe
É que a plenitude enfaixe.
Quer
A mulher quer quatro vezes
Mais afectos do que o homem
E o homem sofre os reveses
Das dez vezes que o consomem
Apetites sexuais
Mais que a uma mulher jamais.
Rumo
O caminho rumo ao topo
É cada vez mais estreito,
Mas, se tal for teu escopo,
Chegas lá de qualquer jeito.
Paga-lo em suor e dor
Mas verás o sol do alvor.
Suficiente
Não é suficiente para um homem
Sobreviver apenas, animal
Acossado e com medos que o removem.
Um homem de viver tem, afinal,
Por algo que o transcende e põe de pé:
- Um sonho de Infinito e, nele, a fé.
Infrutífero
Ponderar sobre o passado
É um infrutífero esforço,
Não pode mudar-se o dado,
Só de hoje apreender o escorço.
E é por mor dum objectivo
Que amanhã quero ver vivo.
Árduo
Busco ser bem sucedido
Com positivo pensar,
Árduo labor bem medido,
Em vez de manipular,
Deitar pela vida abaixo
Quenquer com que não encaixo.
Aprendemos
Aprendemos a voar
Como as aves e a nadar
Como os peixes, só que não
Aprendemos nunca mais
A conviver como irmão,
Como um irmão dos demais.
Fórmula
Não há fórmula de pai
Nem fórmula de ser mãe,
Não há o certo que não cai
Nem o errado tomba além...
- É o melhor tentar possível
E o milagre ocorre incrível.
Viver
Podemos viver no mundo
Assim tal qual como ele é
Ou trabalhar por, a fundo,
Pôr outro mundo de pé,
O mundo, para quenquer,
Como deveria ser.
Passos
Passos em longo trajecto,
É tudo percurso em curso.
Transformar-se não quer tecto
Mas de paciência recurso
Além de muito rigor
Para ser-se o que se for.
Acreditam
Os grupos privilegiados
Acreditam merecer
Oiro e privilégios dados,
Vá doer a quem doer
A geral brutalidade
Que alicerça a realidade.
Gente
Muita gente há para quem
Hoje é sempre um novo dia,
Pode ser um pedro-sem
Mas é sempre uma alegria.
E a verdade que contém
Torna real a fantasia.
Fantástico
O fantástico da folha,
Ao cair breve no Outono,
É que eu viva bem do abono
Da vida que em mim acolha,
Até após me deixar ir
Graciosamente, a seguir.
Fundo
Ser profundamente amado
Dá força da vida à viagem.
Amar fundo, doutro lado,
Preenche-nos de coragem.
O amor alça-nos à esfera
Em que cada é mais do que era.
Mesmo
Ter o mesmo que o vizinho
Não nos dá significado,
Dá mais o copo de vinho
À mesa em volta trocado.
O que importa é amar alguém
Que a nós nos ame também.
Exige
Porque será que o amor
Sempre exige sacrifício?
É gratuito e custa um ror,
É bom e traz malefício...
- O amor gera sempre o grito
De quem pare o Infinito.
Mãos
As mãos são-nos sempre eternas
Quando a vida nos percorrem,
Até que um dia as mãos ternas,
Olhos e sorrisos morrem.
Fica o sabor dum afago...
- Que cheio vazio trago!
Ter
Os que são desafogados
Serão deveras felizes?
Aquilo não tem trinados
Nem de cor nenhuns matizes...
Quando é que nós aprendemos?
- De tanto ter só morremos!
Sonha
Sonha, porém, sonha em grande!
Somente o sonho maior
Sobrevive ao que o demande.
Os outros vai-los depor,
Apagados pela chuva,
Do vento extintos à luva.
Fama
É a fama apenas um fato,
Sempre pequeno demais,
De usado com os sinais,
Roubado antes do contrato.
- O que conta é quando és tu
Inteiramente aí nu.
Tornamo-nos
Cada qual é o responsável
Pela sua própria vida.
Tornamo-nos no viável
E tal é sempre a medida
Daquilo por que respondo,
Esconda eu o que escondo.
Importa
A vida tem muitos dramas,
Inevitáveis serão.
Pouco importam estas tramas,
O que importa é como irão
Ultrapassar-se de vez:
- Cada qual ali se fez.
Cumprir
A vida só tem sentido
Se cumprir os três destinos:
Amar, perdoar, ser amado.
O resto é tempo perdido,
O resto são desatinos,
O resto é andar enganado.
For
O que for resiliente
É esperançoso, optimista,
Diminui a dor presente,
Acelera a cura em vista
E de cardíaco o risco
Reduz, que não lhe dá o isco.
Velhos
Obrar com os mais velhos, a vantagem
É de aprender com experiência feita,
Todos os dias, e a maior miragem
É uma humildade só ao tempo afeita.
Fazem-nos falta os que entretanto morrem
Contra a arrogância dos mandões que ocorrem.
Lugar
Não há lugar para os bons,
Mas sim para os mais baratos
Ou para os bons cujos pratos
Sujeitem dos mais aos tons.
Nem é só questão de gosto
Se só no mercado aposto.