SOBREVOO,  UM  ÉLITRO  ALÉM

 

 

Desporto

A sério desporto é guerra,

Mas guerra sem tiroteio.

Com desporto pelo meio,

A guerra a sério se emperra,

Basta apanhar este veio.

 

Instante

Por um instante, tudo se equilibra na perfeição?

Todavia, nunca as rodas

Pararão

E as coisas perfeitas terminam todas,

Terminam todas então.

 

Sábio

Sábio só dúvidas tem,

A certeza, foge dela.

Ao ignaro é que convém

Na asneira assentar-se bem

E acenar dela à janela.

 

Pára

Às vezes, é tudo tão imundo

Que, para que me de vez arme,

Precisaria de algo bem mais fundo:

- Pára aí, mundo,

Quero apear-me!

 

Ogre

Há quem sinta uma alegria

Enorme por me encontrar

Como um ogre encontraria

Um bebé gordo na via

Que vai poder cozinhar.

 

Surpreendente

É surpreendente o que os ricos,

Como todos em geral,

Aturam por uns salpicos

Dum gratuito mas banal

Jantar onde afiar bicos!

 

Passa

Passa a vida em boas obras,

Principalmente a acuar,

Com restos de suas sobras,

No seu devido lugar,

Todo o pobre que encontrar.

 

Deixar-me

Deixar-me ir?!...

Ora, só um amigo

Nos pode desiludir,

Nunca um inimigo.

Se me abandono, não terei porvir.

 

Fere

Todo o anti-totalitário

Fere o totalitarismo

Com um igual extremismo,

Finda igual ao adversário.

- Só o diverso finta o abismo.

 

Farol

O paralítico, o doente, o acamado,

Farol no cabo aprumado

Onde o mar da vida tropeça:

O lugar parado

A meio de tanta pressa.

 

Repousar

Autocompaixão

Não é autocrítica,

Põe a mão

Na mente somítica

E deixa-a a repousar todo o serão.

 

Faltando

Na relação com os mais,

Se for agressiva e tensa,

Faltando afectos reais,

Então os gozos sexuais

Já nem dela são pertença.

 

Resolvem

Optimismo e um sorriso

Não resolvem os problemas.

Mas pessimismo, se o viso,

Também não e então meus lemas

São o inferno em paraíso.

 

Chave

Dar a chave da cidade

A um qualquer libertador?

Se eu for livre, é insanidade:

Só um escravo de verdade

Quer que o livrem dum senhor.

 

Custa

O que mais custa na dor

Não é a facada ou moinha,

É não termos em redor

Com quem partilhar e for

De se vivê-la sozinha.

 

Partilhar

Partilhar é pelos dois

Partir a infelicidade

De maneira que depois

Solitários já não sois

E este elo é o que mais agrade.

 

Professor

Professor que nada aprende

Com um qualquer seu aluno,

Ao aluno nada rende:

Que ensina quem não é uno

Com a quem produtos vende?

 

Silêncio

Quando o silêncio conforta,

Nos ama fazer sentir,

O amor abriu-nos a porta:

Ao devir eis como exorta,

Principiou o porvir.

 

Ataque

Na vida a melhor defesa

Não é de braços cruzados

Aguardar sentado à mesa.

É o ataque, com certeza,

De braços arregaçados.

 

Funda

A dor mais funda é só pensar deveras

Naquilo que jamais iremos ter.

E tanto temos através das eras

Que não importa viver mais de esperas,

Por pouco que aqui tenha, é muito haver.

 

Dentro

Crescer

Não é só corpo aumentar

É também perguntar

Para por dentro correr

Até nunca mais parar.

 

Podemos

O que não podemos ter

Quando nós no-lo atacamos,

Não atacamos sequer

O que ter se não puder,

Ataco o que não possamos.

 

Quero

Quero lá ganhar!

O que quero é amar.

Depois, sim, venham as vitórias.

Tudo serão glórias,

Porém no devido lugar.

 

Andam

Amamos a quem amamos.

Tantos andam por aí

A amar, aflorando os ramos,

Quem não ama. Detestamos

Este amor que nunca vi.

 

Grande

Pode não ser grande a casa,

Mas se for um grande amor,

O grande amor sopra a brasa,

Faz sempre uma grande casa

Só daquilo que ele for.

 

Prontos

Prontos ao que amor quiser,

A vida irá começar

Se um amor sobrevier:

Faremos o que ele quer,

Faremos o que mandar.

 

Juntos

Não teremos para onde ir

Nem um filho para amar,

Mas juntos vamos seguir?

- Já basta a não desistir,

Seguir assim vai vingar.

 

Recusa

Tende o dinheiro a cegar

Toda a gente que, sem pejo,

Se recusa a reparar

Do que é justo onde é o lugar,

Recusa ver o que vejo.

 

Faltar

Que há-de faltar a uma mãe

Que consegue a comidinha

Que o filho come tão bem?

Tem tudo ou é um pedro-sem?

- Pobre embora, é já rainha.

 

Tropeçando

Somos sempre porcaria

Do princípio até ao fim,

Com diversão algum dia

A passar por ser magia,

Trôpegos, assim-assim...

 

Velhotes

Velhotes com amor jovem,

Mas que amor tão jovial!

Anos não há que o demovem,

Mais anos mais amor provem.

- Para amar idade? Qual?

 

Défice

Um défice de ternura

É o que a mulher sente mais.

De sexo um défice apura

Qualquer homem. É a figura

Que não resolvem jamais.

 

Crescer

Ao crescer imos cortando

Mil cordões umbilicais,

Mas só maduro sou quando

Disto afectos mil ficando

Vão em meu imo tais quais.

 

Nada

Podes não ter nada para dar,

Nem sequer pão com bolor.

Tens sempre uma prenda singular:

Não te esqueças de mostrar

Amor.

 

Problema

O problema das ideias

É que são vento e não malas:

Não podemos enterrá-las

Para mais tarde escavá-las

E ficar de tulhas cheias.

 

Custa

Custa a liberdade caro,

Mais caro que a escravidão,

De moedas não do amparo,

Que oiro não compra o bem raro,

Mas de alma a ater-se à função.

 

Abraço

Um abraço ou salva a vida

Ou não é abraço nenhum,

Pele junta distraída...

Com bem mais que braços lida

O que salva qualquer um.

 

Perder

Não há como temer

Que posso perder quem amo

Para entender

Que tão ansioso estou para acolher

Que por dentro me derramo.