EM COMPASSO IRREGULAR
Abre-nos
Professor a sério
Não é só professor:
Abre-nos as portas dum império
Onde não é preciso haver sol para haver fulgor.
Ferramentas
As ferramentas do patrão,
Por muito que fora o que te apraza,
Dele desmantelar nunca irão
A própria casa.
Unidade
O dinheiro?
A unidade de medição
Por inteiro
Da humilhação.
Nascer
Nascer não é por livre alvedrio,
É produto duma outra liberdade
Que me escraviza da vida no navio
Encurralado para a eternidade.
Dedos
Por vezes, orar
São os dedos ensanguentados
A madeira opaca a raspar
Dos portões fechados.
Mariquinhas
Mariquinhas, na boca o credo?
Esquece:
- Mariquinhas não é o que tem medo,
É o que o desconhece.
Segredo
Mantém em segredo os sonhos,
De ti ao pé.
Os sonhos são os medronhos
Que alimenta quem ainda não é.
Bradar
A bradar aos céus
Anda o mundo a esmo.
- O homem prefere reformar Deus
A reformar-se a si mesmo.
Crer
Cada qual tem o seu deus:
Mesmo o mais esquisito
Dos ateus
Tem sua maneira de crer no Infinito.
Limitações
Não somos apenas aquilo que somos
Mas também quaisquer limitações, quaisquer,
Aos pomos
Que nos ensinaram a querer e a vir a ser.
Metade
Quando adultos,
A vida que perpassa
Perde, em rotineiros cultos,
Metade da graça.
Repara
Pode o mundo ser feio,
Mas repara bem no centro:
Como tu, de ti no meio,
O mais lindo mora por dentro.
Pior
O pior do amor
É acordar solitário, a cada jornada,
Do frio no torpor
Duma cama partilhada.
Escolher
No casamento,
Quer o entenda ou não o par,
Sempre andamos a escolher, momento a momento,
Ficar.
Tem
Lar
É o lugar que nos tem e que nós temos:
Nunca o logramos largar,
Por muito que o tentemos.
Trabalho
Do nosso trabalho é a qualidade
Que agrada a Deus,
Não altos coruchéus
De quantidade.
Espera
Se estão à espera de que desistas
Para de vez te liquidar,
Aí é que é bom que resistas
A dobrar.
Acreditar
Não podemos acreditar em tudo,
Nem relativamente a nós, os principais,
Sobretudo,
Nem relativamente aos mais.
Lágrimas
A vida é persistente,
Entra em mim, eu nela entro.
E as lágrimas fazem bem a quem as sente,
Lavam por dentro.
Longe
Da paz não mangas
Quando afirmas que de longe nos invade:
Para haver zangas
Tem de haver intimidade.
Mistério
Para mim rezar
É, confiante e de forma decidida,
Me entregar
Ao mistério da vida.
Pontapé
Um pontapé numa pedra
Pode soltar uma cadeia tamanha
Que medra, medra, medra, medra
E leva a desabar uma montanha!
Ando
A seguir vem mais,
O que pode ser melhor.
Nunca deixo para trás
O sonho que ando aqui a me propor.
Olhos
Os olhos espantados dum bebé.
Por mim
Só vale a pena viver assim
A vida inteira antes de ficar de pé.
Funda
Quando de vez se apura
A funda verdade,
Somos sempre, em qualquer idade,
Cavaleiros da triste figura.
Sai
Racista,
Com gente como tu a mandar,
O mundo sai da pista,
Não pode avançar.
Cabeça
Uma mínima mudança
E eis a mudança a entrançar em cadeia.
Quando será boa a trança
Que a cabeça do mundo enleia?
Vale
Há o que vale mais que o dinheiro.
Se não acreditar,
Pergunte, primeiro,
A quem recebe tudo de quem não tem nada para dar.
Reclamar
Se vais reclamar de algo,
Ou algo fazes então porque o merece
Ou não merece o degrau que galgo
E então esquece!
Saúde
A saúde faz sentir,
Sem engano,
O agora e não o porvir
Como melhor altura do ano.
Bem
Fará bem, de repente,
A gente gargalhar,
Só para a gente
Não chorar.
Saúde
A sentença
Indecente:
Quem tem saúde não pensa
No doente.
Acontecem
Quando repoisas,
Onde e como acontecemos?
Acontecem tantas coisas
Que não vemos!
Tocar
Tocar música tem uma vantagem:
De repente
Dominamos toda a gente
E ninguém sequer reparou na viragem.
Compasso
Esperar...
O tempo galgo
No compasso de parar:
Esperar ainda é fazer algo.
Sonho
No casamento, o sonho de ventura
Ou acontece
Ou fenece.
Da memória, porém, ninguém jamais o rasura.
Remédio
Para a grande dor
Sem solução
O remédio a propor:
Resignação.
Absoluto
O amor do lar,
Recíproco, incondicional,
É o absoluto, afinal,
Aqui em vias de se realizar.
Abre
O amor que se tem
E que abre o cancelo:
É preciso amar alguém
Para conhecê-lo.
Caminho
A cada qual,
Seu caminho.
E em cada caminho, fatal,
Terá de morrer sozinho.
Sempre
Nesta terra não há quinhão
Que sobre:
Quem nunca tem razão
É sempre o pobre.
Procura
A vida é assim:
Passo o tempo à procura de mim.
E cada encontro, por mais pequeno,
É um dia pleno.
Desejo
O extraordinário é real
Em todo o lado.
Daí o desejo, afinal,
De me ver de vez assentado.
Seguir
Seguir em frente
Obliterar não é o passado:
Este é o trampolim que, de repente,
Me convida ao salto para o outro lado.
Bom
Sou bom para ti
E sou melhor por tua causa.
Em ti por isso cresci:
É de eternidade uma breve pausa.
Só
Conciso,
Mas de nada me esqueci:
De nada de ti preciso,
- Só de ti!
Morto
Morto é quem correu para o Mistério
A toda a brida
Para tratar a sério
Da Vida.
Alimentar-se
Os homens são canibais
Morais
Quando o que melhor os congraça
É uns dos outros alimentar-se da desgraça.
Sofrimento
O sofrimento é tolerável
Quando lhe damos o sentido
Invulnerável
De o termos escolhido.
Fito
O que sou ou que não sou
É de meu fito ser algum:
Pouco importa para onde vou
Se não estou em lado nenhum...
Caminho
A quem não souber
Para onde ir
Um caminho qualquer
Vai servir.
Olhos
Os olhos decerto
São
O caminho certo
Para o coração.
Beijos
Os beijos, no início,
São vividos
Com todos os sentidos.
Depois, na rotina, são um resquício.
Toque
Leva a rotina a esquecer, temporã,
Como o toque importa, da vida nos tremedais.
Amanhã
Pode até ser tarde demais.
Abraça
Abraça teu companheiro
Sem pejo.
Fala o dia inteiro?
Cala-o com um beijo.
Pode
Todo o fim,
Seja qual for o precipício,
Pode ser, outrossim,
O início.
Montra
Na montra
Duma dificuldade
O que se encontra
É a oportunidade.
Evento
Em vez de chorar
O evento que ocorrer,
Trata tu, em lugar,
Trata tu de acontecer!
Jovens
Ao nos afastarmos
Da idade que ao fim é treva,
Jovens nos tornarmos
Que tempo que leva!
Dignidade
Auto-estima reconhece
A dignidade humana universal
Que em cada um entretece
O imo individual.
Baixa
Ninguém com baixa auto-estima
Pode levar,
No negror do clima,
Uma vida de bem-estar.
Acolhe
Auto-estima valoriza
O que se vai pondo de pé.
Autocompaixão acolhe e enfatiza
O que se é.
Mulher
A mulher é o prazer
Da sensualidade e beleza
Que pode ter
Quando alguém a preza.
Vento
A zoar
Começa?
O vento é o ar
Quando vai com pressa.
Corpo
O corpo é o mapa geográfico
A decifrar em pormenor,
Para a contento gerir o tráfico
Do amor.
Telemóvel
Mais vezes no ecrã tocamos
Do telemóvel, à toa,
Do que de quem amamos
Na pessoa.
Mesmo
O mundo é grande demais
Para se nascer, crescer e se finar
No mesmo lugar,
Meu e dos ancestrais.
Mudar
Mudar a mente
Muda a idade
E muda, lentamente,
A realidade.
Óculos
Óculos de felicidade,
Lentes de graduação certa,
Só se o optimismo nos persuade
Mantendo ao Infinito a porta aberta.
Lesões
A comunicação é facilitada
Quando um tem força e o outro, não.
A felicidade, porém, paga a estrada
Das lesões da comunhão.
Portão
O inferno?
Tens dele o portão que aterra
Neste mundo bem interno:
- A guerra.
Muda
Da grande roda da vida
A essência
É que tudo muda de seguida,
Tudo é impermanência.
Angústia
A angústia pelo futuro
Força-me a manter-me agarrado
À memória donde me inauguro,
À memória do passado.
Pesada
A glória, aquilo a que se chama
Glória,
Tem muitas vezes a memória
Pesada de lama.
Ganha
Para o vencido
Qualquer vencedor
É um homem de cor
E o racismo ganha sentido.
Bandeira
A bandeira da pátria não é nenhuma,
Se nada a impele.
Nossa verdadeira pátria, em suma,
É a nossa pele.
Mata
Quando um cristão ganha,
Esquece que é cristão.
Torna-se um cidadão
E mata todo o que apanha.
Entendido
Ninguém é bom.
Entendido isso,
Podemos viver então
Em qualquer parte do cortiço.
Lógica
Se tudo fora lógica na vida,
A vida seria,
Dia a dia mais delida,
A mais monótona falta de fantasia.
Sabe
Quem é que sabe o que quer?
Não há maneira
De o saber,
Por mais que saiba aquilo que queira.
Muda
O mundo muda (e em quantos ramos!)
À medida
Em que saltamos
Uma janela proibida.
Próprios
Ser como os mais
Não faz mal nenhum
Se continuais
Vós próprios dentro do comum.
Custa
Muito custa a liberdade!
Todavia, atrás
Como traz
Felicidade!
Paixão
Quando me apaixono,
Fecundo,
É paixão por alguém, mais, em seu abono,
Pelo mundo.
Chora
Quando se chora por amor
Em choradeira perdida,
Chorando seja lá pelo que for,
Choramos pela vida.
Mais
O amor sempre fica
Depois do medo
E é aquilo em que mais medo pontifica,
Credo!
Habituou
Quem se habituou ao sofrimento
Está morto, acabado.
Mais lhe valera ser, a qualquer momento,
Sepultado.
Parte
O amor parte tudo
E pode partir
Porque é o que junta os cacos, sobretudo,
A seguir.
Engana
Muito se engana quem pensa!
Quem só pensa e não sente,
Mente,
Seja qual for a lógica da sentença.
Protege
Amar, quando o apuro,
Não fará que doa,
É o muro
Que protege uma pessoa.
Pior
O pior da vida
Acontece
Ao acreditarmos sem medida
Em quem o não merece.
Todo
O amor pode ficar
Com todo o sofrimento
Para o sofrimento evitar
De quem amar a todo o momento.
Juntam
Quem não amar morre sozinho.
E é só.
Todos os mais juntam pelo caminho
Grão de pó a grão de pó.
Nunca
Quantos casais,
Há décadas juntos,
Nunca se tiveram! Sinais?
Tratam duns vagos assuntos...
Abre
Abre, junta a junta,
A janela do céu:
Pergunta, que quem não pergunta
Nunca aprendeu.
Opera
Ficar feliz
Às vezes começa
Pelo que opera a matriz
De nossa cabeça.
Vive-se
Vive-se com todo o amor do mundo,
Senão, para que viver?
No fundo,
Mal era vida sequer...
Deixar
Se dói, deixa-te ir,
Amar é deixar-se ir também,
Por mais que o vazio, a seguir,
Doa vida além.
Provém
Somos o que queremos ser?
É verdade e é mentira.
Se nem nosso querer
Nos provém, de raiz, de nossa mira...
Mata
Quanto abraço
Mata uma guerra
Ao amordaçar cada traço
Que berra!
Festeja
Quem festeja muito, louco,
Vai acabar
Por ter pouco
Para festejar.
Cheio
Cheio de boinas e soldados
Jogados à sorte,
Um comboio é por todos os lados
Cheio de morte.
Até
Quando é amar,
Até aquilo em que tropeça
Faz andar
Mais depressa.
Falta
A falta de amor
Castiga
Quem briga
Desde o alvor até o sol-pôr.
Falha
O amor é da talha
Mais incrível:
Mesmo quando falha,
É infalível.
Sabe
Amar sabe sempre a tudo,
Amar sabe sempre a pouco...
Fico mudo
De tão louco!
Linguagem
A linguagem mente,
A linguagem abusa,
Todavia reflecte frequentemente
Quem a usa.
Fecham
Há portas que fecham de nós atrás.
É para esconder
O que vai acontecer.
- E morreu-nos a paz...
Vergonhoso
Vergonhoso é pai ou mãe
Não salvarem os filhos
Que têm
De vergonha por quaisquer cadilhos.
Findar
Um amor maior
Uma dor maior arrasta
Quando se ama de tal casta
Que, ao findar, tudo é sol-pôr.
Ir
Como resistir
A um filho a ficar
E nós a ir,
A ir para nenhum lugar?
Menos
Quando menos convém,
Ver para crer
É também
Ver para sofrer.
Piada
Se a piada nos une
De baixo jaez,
Ninguém fica imune
À estupidez.
Fará
A repetição
Fará do aprendiz o mestre
Mas também fará o ladrão,
Já que ao mal como ao bem adestre.
Acendemos
Estamos em nossa casa
Quando moramos
No lar onde acendemos a brasa
De quem amamos.
Ir
Às vezes, na desgraça sobretudo,
Ter na vida o suficiente
Para ir em frente
É já ter tudo.
Finda
Os meus filhos,
Que experiência singular!
Principia nos afectivos atilhos,
Finda de vez a mutuamente nos mudar.
Sempre
Viver
Não será nunca um pasmo,
É ganhar ou perder,
Porém sempre com entusiasmo.
Rotina
A rotina é liberdade
Até me ocupar por inteiro.
Aí, na realidade,
Findo prisioneiro.
Mudanças
As pedras talvez façam maravilhas.
Porém, enquanto medras,
As mudanças que partilhas
Têm de ser feitas pelo dono das pedras.
Ajuda
Sentir-se importante
Para alguém
Ajuda a colocar adiante
O pé pesado que se tem.
Faz
Faz o que amas
E respeita
Em tudo o que tramas
A vida que se te ajeita.
Quando
O Verão
Está instalado
Em todo o lado
Quando está no coração.
Rufias
Os rufias cobrem as estradas
A horas e a desoras.
São apenas pessoas assustadas
Dentro de pessoas assustadoras.
Detractores
Quão mais alguém popular
Se torna e não cai,
Tão mais detractores, a par,
Atrai.
Ódio
Ódio, só quando a par
Houver deserto.
É mais difícil odiar
Quando se está perto.
Dentro
A confiança,
Quem de fora ma garante
Não sabe que ela se alcança
De dentro como uma planta.
Definida
Quem se não definir,
Depressa, repentinamente,
Por outros se irá sentir
Definido erradamente.
Acolhedora
A vida é sempre melhor,
Acolhedora sob o tecto,
Quando conseguimos dispor
De afecto.
Panela
Todos somos a panela de cobre
De amolgadelas uma constante,
Temperada a fogo no que sobre
E ainda assim brilhante.
Feia
A dominação,
Forma feia de poder,
É desumanização
O chão a fender.
Amas
Se amas alguém, então o liberta,
Que para ti vai voltar
Pela certa
Se te amar.
Arte
Obra de arte terminada?
Nunca.
Mero cadáver que o chão junca,
É apenas abandonada.
Bocas
Porque é que tanto me enfastio
Com as mil bocas do mundo?
É que é sempre o barco vazio
Que ecoa o som mais fundo...
Velho
O velho elefante morre,
Come o cadáver o leão...
- A vida assim nos escorre
Da mão.