SONHOS DE ALVORADA
Apetece
Apetece sempre mais
Desistir que resistir,
Mas sempre o passo que andais
Só do escuro traz porvir.
Patriota
Ser um patriota qualquer
É apostar num qualquer sonho.
Venha a tragédia que vier,
Neste canteiro o disponho.
Desafio
Não me irei levar a sério,
Nem muito nem pouco, nada:
O desafio sidéreo
Ante ele que sou na estrada?
Porvir
Passado prometedor?
O porvir é que promete:
Posso aí curar a dor
Num mundo que se repete.
Rumo
Na lufa-lufa crescente
Cobrem-se os homens de véus,
Já não vêem o oriente,
Perdem o rumo dos céus.
Gesto
Quem tem Deus no coração,
Cada gesto é dEle um pingo,
Nem requer outra menção,
Tem já cara de domingo.
Erguem
Qualquer coisa, qualquer coisa
Pode ser sempre o bom Deus:
Ver é só como ali poisa,
Do céu se erguem logo os véus.
Ajuda
O mundo é um lugar escuro.
Se uns aos outros, acolá,
Ninguém ajuda no apuro,
Quando é que amanhecerá?
Conversarão
Conversarão os amantes
Olhando-se e, neste olhar,
As tramas do amor vão dantes
Ao porvir que não findar.
Infinito
Respeito e compreensão,
Criar momentos a dois,
O outro ouvir com atenção
-E é o Infinito depois!
Olhar
Num olhar tem outro brilho
Aquele que se apaixona:
Ausenta-se para um trilho
Que das nuvens anda à tona.
Devém
Pequeno, insignificante,
Bem menos do que um mosquito,
Devém um homem perante
O festival do Infinito.
Dom
Grande dom é o de aceitar
Que aquilo que aconteceu
Já se não pode mudar
E com tal viver no céu.
Banal
O mais extraordinário duma vida
É o que, mesmo banal, é tão gostoso
Que findamos medindo-o com medida
Que cá mede outro mundo: é o espantoso!
Enorme
Somos sempre tão pequenos
Para o enorme tamanho
Que em inóspitos terrenos
Queríamos ter de ganho!
Além
Estamos onde sentimos,
Nunca, porém, onde estamos,
Que além é que nós bulimos
E só somos o que amamos.
Sonhar
Amar é ter sonho,
Um sonho de amor.
E, ao sonhar, disponho
Do porvir que for.
Valer
Quem amo mais liberdade
Chega a valer: vale a pena
Para arrotear a herdade
Que da lonjura me acena.
Somos
Por mais feios que sejamos,
Que sejamos esquisitos,
Todos nós, quando sonhamos,
Somos todos tão bonitos!
Resiste
O amor resiste, persiste,
Ataca, assusta, arrepia
E nunca, nunca desiste
Até ver nascer o dia.
Mudo
Preciso de olhar à volta
E ver que tudo ali muda
E que mudo, muda à solta,
O mundo que a mim se gruda.
Tira
Que é que será que te impele,
Que será que te seduz
Se o que luz na tua pele
De ti é que tira a luz?
Apenas
Felicidade é ficarmos
Apenas nós mais a vida,
Sem mais dor a mediarmos
Na interminável subida.
Antes
Antes dura honestidade
Que bem rica hipocrisia!
Quando será que a bondade
Vai pintar a luz do dia?
Aguentar
Quantas vezes um amor
É aguentar o mundo inteiro
E aumentar-lhe inda o fervor,
O fervor de caminheiro!
Depois
Amar é sempre este estar
Até que a morte separe
E depois dela encontrar
Tua mão do Infindo na gare.
Direito
O direito ao sonho nada
Impede quando quem sonha
Quer mesmo sonhar, de entrada,
Seja o que for que se oponha.
Algo
Amar é ter a certeza
De que há sempre algo, algo mais
Em quem amar: é a beleza
Do que não finda jamais.
Aguilhão
Tudo é mesmo transitório
E a transitoriedade
Pica o aguilhão compulsório
De buscar a eternidade.
Sou
Eu sou dum país pequeno
Num planeta pequenino.
Sou, porém, todo-o-terreno,
O Infinito por destino.
Abrindo
Na recordação, se aprendo,
Outro em mim é que inauguro:
No adubo de antanho rendo
Portas abrindo ao futuro.