DO SER AO DEVER
Único
Por mais assustadora e dolorosa
Que seja a realidade,
É o único lugar onde se encontra e goza
A vera felicidade.
O lugar do sonho
Não é o real real.
Quando, porém, neste o ponho,
Ganho a lotaria total.
É, todavia, tão raro
Que nem com faro!
Grandes
Qualquer um pode ser estúpido,
A maioria o é.
O mau contrato com quem é cúpido
Não é, porém, de ser estúpido,
É de ser tolhido,
Na sua boa fé,
Por ser pobre e pouco instruído.
É um indivíduo muito atraente
Para ser explorado
Por quem for um competente
Diabo engravatado...
Ferida
A vida
É tentar aliviar
A ferida infligida
Pela demais gente do lugar,
Reparar
Os danos provocados
Por desconhecidos ignorados
E por amigos
Nos comuns pascigos.
Singulares ou colectivas, as empresas,
Para nossa desdita,
Têm um poder, delas nas presas,
De danificar em escala infinita.
Alturas
Creio que os homens podem voar,
Se quiserem.
Costumávamos ser águias de cocar,
Pelas alturas a adejar,
Até cortado as asas nos haverem.
Teimamos em ir lá fora,
Precipícios a saltar,
Quando cá dentro é que mora,
A toda a hora,
A verdadeira magia de voar.
Quando alguém medita,
Mergulhado em plena interioridade,
É que concita
E fita
A imensidade
Infinita
Da eternidade.
Desejo
Do desejo na voracidade,
Na grandiosidade da ambição,
O homem ignora, esquece
O tempo presente que tem à mão,
Único em verdade
Que o aquece.
Tão frágil e fugidio
Que, de vez partido
De seda o fio,
Para sempre é perdido.
Condenado
Condenado a arrastar-se
Pelo chão,
Não,
O homem pode, neste mundo a esmo,
Elevar-se
Acima dele mesmo.
Então,
Com os pés na terra,
Pode pelo ar
Voar
Bem acima do cume da serra.
Daí é que lança o grito
À lonjura do Infinito.
Verdade
A verdade inteira
É que vives num quarto sem portas nem janelas,
E não há maneira
De pôr fim à vida, de apagar as estrelas,
Para a eternidade
Aprisionado:
Encurralado
Em tua singularidade.
Salvar
O fadário
Que isto tem:
Ninguém logra salvar ninguém,
Só o próprio, solitário.
Por mais que quanto nele retém
Seja, afinal, gregário.
Na fundura do fundo
É só ele perante o mundo.
Perder
A mais fácil maneira
De perder alguém
É empurrá-lo para a beira
Do lugar que além
Não queira.
No país, entre amigos ou no lar
É aqui que o sonho pode findar.
Ganha
Não se ganha em ser herói.
A idade madura
É de quem joga com cautela,
Gere o risco que dói
E se apura
Em escapar pela janela,
Mesmo alta,
Às luzes da ribalta.
Quando ninguém suspeita que existe,
Aí é que deveras resiste.
Vidas
As vidas que invejas,
De maravilhas feitas,
A tanta plenitude atreitas,
Dá graças para que nunca tal sejas!
Quanta dor,
Quanto desamor!
- Não há vidas perfeitas,
Baste-te a tua que aceitas.
O mais
São enganadores sinais:
De ti te alienam
E a tua vida própria te drenam.
Inventaries
Não inventaries o que te falta
Mas o que tens.
Senão, com o Infinito por fasquia mais alta,
Nem de pé te manténs.
Todavia, tudo são bens,
De tua vida na ribalta.
Uma vez livre daqueles vazios a que te aténs,
Então tudo te exalta.
Lavoira
As palavras são palavras,
Não a vida.
Nem sequer serão as lavras
Da lavoira prosseguida.
Meros sinais
Com os rumos
Dos caminhos pedonais,
Nem sequer deles resumos.
Nas reais pegadas
É que sinto a gravilha das estradas.
Sonhar
Uma vida alistada
Não é vida,
Não é nada.
É uma vida fingida,
À sonoite
A sonhar a madrugada.
E nem tem onde pernoite.
Dever
Ao bebé
É de dar o peixe à boca.
Mas corrida uma semana,
Já de pé,
O dever que mais me toca
É o de pôr-lhe à mão a cana
E ensinar
Como sozinho pescar.
Crer
Em ti próprio acredita,
Que aos poucos a gente se converte
No que o crer concita.
Se em ti não crês, tudo reverte,
De tua inauguração jamais cortarás a fita.
Se eu acreditar, porém,
O poder de me criar advém
Nunca num primeiro momento,
Antes lento e lento
Como convém
A qualquer fermento.
Viver
Viver é escolher
Entre os vários que houver
Dentro de mim,
Cada qual a querer
Tudo ser
Até ao fim.
Sou eu, porém, que tomo conta
De tudo, de ponta a ponta.
Eles dão-me os materiais,
Nada mais.
Servida
Em vez de a vida cozinhar no prato
Quere-la servida em salva?
- Pois: é o rato
Quem sempre se salva...
Não é por acaso:
Nele nada trepa, é tudo raso.
Pior, o cheiro
De todo ele é rasteiro.
Engolimos
Engolimos mais palavras
Que cervejas.
Escorregam melhor pelas lavras
Que escalavras
As cervejas que as palavras das invejas.
Fico gelado
Do gelado que não como,
Que as invejas são de tomo
Em todo o lado.
Ligeiro
Com o mar
Reduzo-me à minha dimensão,
Ligeiro vapor de água a vogar
Na imensidão.
Nem rio nem lago,
Vago
Traço
A riscar o espaço.
Em breve diluído
Na nuvem de vapor dalgum sentido.
Confiar
Confiar menos,
Desconfiar mais...
Apesar dos múltiplos sinais,
Para mim são sempre pequenos.
Persisto e confio,
Cheio de medo,
Com a vida por um fio,
Credo, credo!...
Sinto
Porque é que me sinto mal
Tantas vezes,
Porque me é tão importante, afinal,
Provocar nos mais tantos reveses
Para que se sintam tal e qual,
Só para eu poder, todos os meses,
Continuar, fatal,
A sentir-me mal?!
- Não é hora de rever as teses
Do doloroso estendal
De teu ritual,
Por mais que as prezes?
Vistas
Não tens de ser como eles,
Não tens de ser como ninguém.
Não lhes vistas as peles
Que têm!
Basta tu seres tu
E qualquer tabu
Se detém.
Demore o tempo que demorar,
Sê tu no teu lugar!
Nunca
Deus nunca fala,
Quem fala é o diabo,
Deus cala.
Preso pelo rabo,
O diabo é fraco,
Por isso as paredes escala,
A ver se se desentala,
Se escapa por algum buraco.
Não consegue
E Deus nem o persegue...
Deus é forte:
Limita-se a atraí-lo para o norte.
Até seria, se calhar, divertido,
Não fora, se o diabo escapa, então perdermos o sentido.
Custo
Toda a ventura fere
Pelo custo que recorda.
Toda a felicidade confere
Uma parcela onde afere
Um sofrimento que acorda.
No riso da gargalhada
Uma dentuça é mostrada.
Realidade
A realidade o voo limita
Às almas sonhadoras.
Da vida se debatem com a fita,
A desoras,
Sofrendo os safanões
Desta eterna ceifeira de ilusões.
Mas são destas as brasas
Que ao coração emprestam asas.
Terás
Um dia terás de viver sozinho,
Sem a escola, sem o clube, até sem mim.
O que importa é o que tu fazes deste ninho,
Não o que os outros farão lá pelo seu confim.
Se os seguires apenas,
Em tuas asas nunca crescerão as penas.
Bem podes crer que algo em ti voa
Mas vives à toa.
Fundo
A vida é assim:
Caminha com muita pressa,
Alegre e descuidada,
Á superfície e, no fundo, é ruim.
Para onde se apressa
Na jornada?
Ninguém
Percebe que não tem
Nenhum fim?
Sempre a correr, sempre a correr,
Que é que irá ser
De mim?
Presunção
Presunção que se desincha
Produz uma dor tamanha
Que lhe não ganha
A maior tragédia que nos lincha.
Vaidade ferida,
Presunção rebentada
Podem dar em gargalhada
Mas cada uma sentida
Dói na carne rasgada.
A sangueira, embora por falta de juízo,
Nunca é motivo de riso.
Vale
Mais vale uma terra
Dividida e em paz
Que o mundo em guerra
Tenaz.
Uma serra
Ineficaz
Apenas nos aterra,
Não nos aparelha as tábuas nem traz
O tecto do lar que nos encerra.
Mais vale,
Divididos embora sob o tecto
Onde nenhuma rota outra iguale,
Acarinhar cada qual
O irrepetível trajecto
E o projecto.
Mais vale.
Guerra
A guerra é a do comércio entre nações.
A política é a continuação dela aos tropeções.
A diplomacia
É uma ponte de papel
Entre as duas margens da ria,
No estreito intervalo em que a paz se anuncia
Enquanto após se não repõe.
- A gratuitidade do amor
Nunca logrou a tudo isto se sobrepor.
Continue
Quando alguém morre de inveja
De si,
Não dê confiança, nem o veja,
Continue andando por aí...
Caleja
E o que caleja protege
Da pancada que outrem rege:
Não dói mais o tornozelo que lhe subtraí.
Raiz
Leva o homem a vida inteira
Num chão,
Cria raiz no torrão,
E vem uma ordem ligeira
De o jogar para fora,
Como um pé de mato
De cortar na hora.
É um desacato.
Como é que ninguém o chora?
Não há direito!
Nem sequer a dorida demora
De o arrancar do peito?!
Coração
Andarei no mundo
De coração aberto.
Irei, desperto,
Aonde a vida me levar
Da vida no mar
Profundo,
A me abismar,
Fecundo.
Vulnerável
Ser sincero
É ficar vulnerável, exposto.
Leva sempre a um paradeiro
De maior liberdade,
O rosto
Da objectividade.
Não há falsidade
No jogo doravante suposto
Nem duplicidade.
No trilho da vida
É o posto
Da verdade
Assumida.
Durar
Só por algo não ser destinado
A durar a vida inteira
Não quer dizer que o fado
É que devia haver maneira
De não ter existido.
É que para nós todos
Faz sentido
Termos existido
De mil e um inenarráveis modos.
E tão mais plenos
Quão mais variados os terrenos.
Não somos inimigos,
Somos complementares abrigos.
Instantes
Há instantes na vida
De perguntas importantes
Em que a resposta pretendida
Jamais é atingida.
Mas vale a pena tentar,
Embora sem garantes:
Como saberemos sem perguntar?
E, às vezes, quem sabe,
Talvez a noite acabe...
Mundo
O mundo lá de fora
Só persiste ali
Porque está dentro de ti,
Porque em teu íntimo mora.
Doutro modo nem sequer existiria,
A não ser que, por outra via,
Te batera à porta.
Bem pode existir por ele,
Que, se me não tocar a pele,
Nem sequer me importa,
Bem menos que coisa morta:
Não é nada
Para quem é pouco mais que uma estrada.
Algo
Agora
Deve estar a passar
Algo de interessante
Em que vale a pena, sem demora,
Reparar,
Antes de passar adiante.
Sem passado nem futuro
É aqui que me inauguro.
Quando me adio,
Sou capaz de me perder
Por um fio
Do que poderei vir a ser.
Nada de peso demais
Ao futuro e ao passado
Ou perder-me-ei nos tremedais
Sem jamais
Ver o sol nado.
Ponderando
Deus é muito estranho.
Na verdade,
Ponderando perda e ganho,
De nada serve a verdade
Que detenho ou não detenho,
Somente a conformidade
Com que vivo a realidade
Conforme ou não ao desenho
Que Ele quer e que me invade.
É no imo da intimidade
Que me insinua ao que venho.
E, ao vivê-lo,
É que respondo ao apelo,
Entenda ou não entenda
O que me vem nesta prenda.
Consta
Consta do catálogo
O que põe fim ao dislate:
- Quem entra em diálogo
Não combate.
Nenhum ao fim tem
O que quer.
Porém,
Basta ver,
Em lugar,
Que ambos findam a ganhar.
Sempre
A guerra
É sempre em perda.
O que mais aterra
É que o oiro
Ninguém herda.
Peneira a terra
E o tesoiro
São as trincheiras de lama
Onde a morte se acama.
Fora
Lá fora o mundo quer entrar,
Desalinhado e rude.
Mas há um muro tosco a nos separar
E ele não se ilude:
Aqui dentro é o lugar
Que tudo lentamente em sonho mude.
E o mundo sabe esperar
Até que a esperança em nós se grude.
Homem
O homem vive em espera
E o apuro
Não é nunca seguro.
A espera assim é trabalho de galera
Interminável e duro.
O homem é um condenado
Porque espera
E o final resultado
É definitivamente nesta vida adiado.
Levam
Quando homens de Estado,
De Estado por razões,
Põem de lado
A própria consciência,
Levam o país aos trambolhões,
Pelo mais curto caminho,
Do abismo até à iminência
E da tragédia ao cadinho.
Teoria
A teoria, verdadeira ou não,
Pouco importa.
O que importa e que me exorta
É crer nela, tendo-a à mão:
Isto é que me abre a porta
Para a acção.
Dali parte a decisão
Donde cultivo a horta
Onde germina da vida o pão.
Ora, o pão da vida
Mede-se apenas dele pela medida.
Dita
Pode a palavra ser arma,
Para bem ou para mal.
Dita, não pode ser retirada,
Navalha que não desarma,
Letal.
Pode, porém, ser atenuada:
Embota-lhe o sentido
De desculpas o pedido.
Encontra
Repressão,
Violência, busca duma identidade...
E ninguém encontra à mão
A felicidade.
Em tudo há uma insegurança,
De tudo vem ansiedade.
Auto-estima mal auguro,
Da incerteza em que balança
Meu futuro.
É no amor, é na família
No trabalho...
Tudo gera uma quezília,
Tudo malha como um malho.
De repente, eis que me apago
No mar vago
Duma má recordação
- E tombei na depressão.
Resta então, por excelência,
Qualquer meio de sobrevivência.
Uma sólida auto-estima
À dor e ao luto
Que me imputo
É o que melhor mos sublima.
Valor
Auto-estima pondera
O valor individual
De cada qual,
O que é real, o que é quimera.
Quando é baixa,
Até pode o suicídio arriscar
Como fuga que na tumba enfaixa
Uma vida que nem devia ter lugar.
Elevada
Elevada auto-estima
Requer que da normalidade
Findemos acima.
A média é uma banalidade:
Ser mediano ou normal
Não é bom, afinal.
Destacar-se
Leva a extremos,
Até que alguém se esgarce
E parta os remos.
Tens de ser melhor,
Sentindo-te bem contigo
- Conflito difícil de transpor
Sem perigo.
Toda a cultura ambiente,
Anónima e agressiva,
Me despenteia a mente
E pode impedir que deveras viva.
Pende
Auto-estima, no que pende do sucesso,
Quando advém o fracasso,
Com que traço
A processo?
Frustração, desilusão...
A mulher com que imagem
Há-de ela atrair então?
De beleza e de atracção
Trepa ao cume da miragem
O padrão.
Decréscimo de auto-estima
É onde o fracasso nos arrima.
Portas
Dar com portas fechadas
É parte do envelhecimento.
Nem todas, porém, ficam trancadas
A todo o momento.
E bater à porta
Prova que a mão
Ainda não
Está morta.
Perde
Quando alguém perde a esperança,
Agarra a primeira
Asneira
Que alcança.
Ainda bem que a esperança que houver
É a derradeira
A se perder!
Sítio
O sítio donde vieste
Não poderás mudar,
Por mais agreste
Que se te depare.
Mas podes mudar daqui,
Deste cais,
O sítio para onde vais:
Um sítio para ti.
Se um fim te não agrada,
Noutro o muda,
Nem que a forma seja aguda,
À bofetada.
Viagem
Mesmo uma viagem de circum-navegação,
Uma viagem a Marte
Parte
Dum primeiro passo que todos dão.
Uma migalha não vale nada
Mas muitas duma assentada
Formam um pão.
A vitória
Da humanidade
Vem de cada ínfima glória
Que aos milhões e milhões nos persuade.
Mesmo a imensidão do Universo,
Tamanha que nela mal crês,
É, no reverso,
De partículas subatómicas que nem vês
Formada,
Em inumerável
Fornada argamassada
De estrelas, o nocturno espectáculo admirável.
Ganhamos com isso
Não desprezar nem um chamiço.
Catástrofe
Orgulho mais ideologia
Cegam:
Já ninguém admitiria
Que a catástrofe que carregam,
Prolongada ou breve,
A eles se deve.
E eis como a desgraça
Principia
E grassa.
Depois
Depois da guerra
Os jovens desgostam dos heróis,
Desgostam do heroísmo
Que não tiveram
E cada um se aferra
A qualquer dos simulados sóis
Que no abismo
Lhe ofereceram,
Ideológicos, crentes,
E outros sóis parentes...
Apostam que o fazem pela liberdade
E é apenas o simulacro da heroicidade.
É tudo mera desculpa
Para o incontornável complexo de culpa.
“Vocês fizeram-nos assim!”
- Gritarão por fim.
Tanto dói encarar-se
Que apenas usam disfarce.
Perante
Todos os homens são iguais
Perante a morte.
De seguida,
Com um pouco de sorte,
Serão tais quais
Os demais
Perante a vida.
Pontes
Cortar as pontes atrás de nós
É diabólico.
Findamos na outra margem, após,
Chamando como o inveterado alcoólico
E, por mais que ao acto o louve,
Ninguém nos ouve.
Não há como retornar ao outro lado
Mas todos queremos ser ouvidos,
Queremos resposta.
O mundo desolado
Perdeu, porém, os sentidos:
- Perdemos a aposta.
Animal
A vedação
De arame farpado
Pode ser protecção,
Mas cuidado:
Pode dar-me a indicação
De ser pelos mais escorraçado
Ou, pior, de ficar preso
No meio da paisagem,
Não para ficar ileso,
Mas para ser um animal selvagem.
Entra-nos
Entra-nos a vida pelas montras
Ou, ao invés,
É o revés
Em que de ti te desencontras?
A montra serve para sonhar.
Pois.
Mas e se, depois,
Te castrar?
Quantas vezes andamos pela vida
Só a ver, sem a comprar,
Nem a tocamos de fugida...
- Perdi o lugar por não sair do lugar!
Recanto
Felicidade
Barulhenta
Ensurdece
Muita individualidade
Atenta
Que às mãos cheias dela fenece.
Só o recanto discreto
É da longevidade o tecto.
Nação
“A bem da nação”, desculpa
Para roubar
E fugir,
Para matar
E mentir...
- E a nação a ninguém inculpa,
Saco sem fundo
Que só finda no outro mundo.
Donde
Donde vem tanta palavra?
Não vem, não,
Do coração.
Coração não escalavra,
Lavra
Fértil meu torrão,
É uma lavra
Com o mundo inteiro à mão.
Ora, uma palavra fria
Até a vida afogaria.
Espreito
Passamos a vida a fugir,
Da cidade mil e um sem-abrigo.
Espreito ao postigo:
Estou a ir
Mas nunca sozinho,
Neste caminho
Vou comigo.
Trepo
A vida é feita de muito erro
E pouco acerto.
Quando trepo ao cerro
E vou ficando perto,
Verifico que foi o erro
Que me abriu os olhos para escapar ao deserto.
Na encosta calva,
Redimido,
O erro é que me salva
Ao nortear-me o sentido.
Deixar
Magoar
Sem fazer crescer
É a vida empanar,
É deixar de correr.
Antes esconder
O que dói
Que doer
Sem crescer:
O moinho da vida assim não mói,
Sem o grão da dor, a farinha
Não é mais que moinha.
Moinho travado,
Porém,
Quebra da moenda o fado
E já ninguém
Mói mais além.
Atingir
A unanimidade
É um artifício
Duma qualquer potestade.
Quando somos o que somos
E a alguém nos propomos,
O mais que logramos com bom senso
É atingir um consenso.
Neste cada um é o que é
Sem outrem esmagar debaixo do pé.
Por aqui haverá crescimento então;
Acolá, só alienação.
Menos
Como o dinheiro é poder,
Então, o mais certeiro
É que, quão mais dinheiro,
Menos ser.
É que o poder corrompe
E o trilho de vir a ser fatidicamente interrompe.
Queiramo-lo ou não,
Esta é a lei do nosso chão.
Mata
Mata o que devia alimentar,
Mata a criatividade,
O pensamento próprio e, em lugar,
O que fizer a diferença
Apanha a sentença
De leviandade.
Só os mais fortes resistem à escola,
Os mais, ela imola.
Derrota
A derrota fere o que somos,
Muda-nos e nos apaga.
Humaniza o que fomos,
A fera devém criança e afaga.
Quem nunca perdeu
Nunca sentiu
E de sentir o pranto
É de perder tanto.
O ganho depois, porém,
Supera tudo também
A quem aprende
O que a vida rende.
Adoramos
Que bom
Quando adoramos aquilo que fazemos!
Em breve muda de tom:
Sabe a pouco o que vislumbraremos...
Previne, pois, com a ponte
Para um novo horizonte
Antes que, sem alarde,
Se venha a tornar demasiado tarde.
Progresso
O progresso é lento,
Não é como o pensamento,
Mais veloz que o vento.
Quem for persistente
É que lenta, lentamente,
Qualquer dia o sente.
Falo do progresso humano,
Não do técnico, um engano.