DESVENDAR  O  DEVER

 

 

Preocupa

Só te preocupa o euro

E só o euro que for teu?

Não tens mesmo um gesto mero

Onde desponte outro céu?

 

Não vês a fome de além

Que um dia é tua também?

 

Não vês solidariedade

Por trás da paz que te invade?

 

Não vês que moeda é troca,

Só em mãos dadas desemboca?

 

Se não for este o caminho,

Só desgraças avizinho:

 

Se não for em minha vida,

É com meus filhos, meus netos

Que desabarão os tectos

Da corrida a toda a brida.

 

Partidarismo

O partidarismo cego:

Se conseguir apressar-me,

Logro do eleitor o apego;

Logo virão atrasar-me,

A fim de prejudicar-me,

Os do contra, outro lamego.

 

Que importa nisto o País?

São só votos de permeio

A garantir o recheio

Que é só o que cada qual quis?

 

Leva

- Quantos anos leva, mestre,

Até que eu nisto me adestre?

- Dez anos! – lhe retorquiu

O mestre ao aluno seu.

- Dez anos?! Com evidência

Nunca terei tal paciência...

- Então, por esses teus planos,

Serão, ao menos, vinte anos.

 

Defronto

- Chefe, defronto um problema...

- Tem solução para ele?!

- Não tenho, por mais que o tema.

- Cuide então de sua pele,

Que faz parte do problema:

Se não resolve o que vê,

Problema então é você.

 

Deitar a parede abaixo,

Eu não, porquê? Não encaixo?!

 

Deita abaixo de raiz

O que impedir ser feliz!

 

Cada

Por cada acerto que tenho,

Tenho um erro, se calhar.

O ideal, para ter ganho,

É aprender menos a errar.

Quando um erro nos ensina,

Então mudámos a sina:

 

Um erro foi o meu mestre

Do novo em que então me adestre.

 

Poderei sempre ter erros

Mas mais no topo dos cerros.

 

Aspiras

Quem te deseja servir

Teimando que renuncies

Ao que aspiras no porvir

- Não ouças nem anuncies!

Sabes tua vocação:

Em ti sentes-lhe a pressão.

 

Quando em ti tu a atraiçoas

A ti é que desfiguras.

A tua verdade ecoas

Gradualmente enquanto a apuras,

Árvore que cresce lenta,

Não fórmula que se inventa.

 

O tempo é o mais importante,

Tornas-te outro a cada apanha,

Trepas sempre por diante

O pendor duma montanha.

Não és solução de enigma,

Curas de ferida o estigma.

 

Uma vez cumprida a cura,

Conheces disto o poder:

É o silêncio que a depura,

A lentidão que a faz ser.

São virtudes esquecidas

Nas vidas de nossas lidas.

 

Correr

De correr tanto, ao domingo

Fico parado a me ver,

A sentir que assim não vingo,

Não sei parar de correr.

 

Os caminhos sem destino,

O destino sem caminho...

Voar ao badalar dum sino

Por onde nem adivinho...

 

Sobra caminho – que bom

Quando eu lhe apanhar o tom!

 

Tanto

Há tanto para fazer

Que fará faltar-nos o ar

E vida para acorrer

Às manhãs a anunciar.

 

Ante isto parece louco

Aquilo que mais convém:

Teremos de fazer pouco

Para poder fazer bem.

 

É a vitória decorrente

De sempre agir a compasso.

São dois passos para a frente

E um para trás: ganho um passo.

 

Saltes

Não saltes da bicicleta,

Continua a pedalar

Senão tiram-te o lugar,

Não há mais curva nem recta?

 

Quando olhares, de repente,

Fugiu-te o mundo da frente,

 

Findas boiando em vazio,

Morre a vida de fastio.

 

Impotência

Nada mais aterrador

A quem nos quer dominar

Que da impotência o pendor

Que nas mãos lhe irei depor

Por dele não precisar

Nem sequer para ganhar

A vida em que sou senhor.

 

Mais

O mais fácil é trocar,

Mais que estudar, entender

Certo e errado o que estiver,

Que pode ou não funcionar.

 

É o meio de disfarçar

Ignorância, incompetência:

Joga a profissão ao ar,

De arrogância uma evidência.

 

Querem deixar uma marca?

Como esta excelência é parca!

 

Boa

É muito boa a rotina

Na segurança que dá

E na paz que nos destina

Ao repetir-se acolá.

 

Certo é que evita a surpresa

Que pode ser boa ou má

E é má sempre de certeza

Se me esgota o que trará.

 

E então se me traz o mal,

Que surpresa mais maldita!

Antes contar, afinal,

Que a rotina se repita.

 

Só quando me fartar dela

E ficar sem horizonte

É que saltar à viela

Refará da vida a ponte.

 

Alguém

Já viste alguém descontente,

Alguém que come e que bebe?

Há mais mundo pela frente

E, se doutrem não se embebe

Da dor que por dentro sente,

Então já no céu tropeça

A cair-lhe na cabeça.

 

Maior

A maior das tentações

Dos homens e das mulheres

Jovens e consequentes

São do instante as diversões,

O anestésico que houveres

À mão, em todas as frentes:

 

Gente inútil que perpassa,

Conversa fútil na praça,

 

A bebida espiritual,

A folgança sexual...

 

Tudo o que é difícil, grande,

Quer esforço e reflexão:

Vão repeli-los então...

- E eis o que inferno nos mande.

 

Largas

Quando largas as certezas

E maneiras de pensar,

Os preconceitos que prezas,

Fica vazio o lugar.

 

Então é que o bem-estar

Doméstico se aprecia,

O que estável é na via

Por fim é de ponderar.

 

Magia

As palavras serão sombras

Das alfombras em que as lavras,

Mas que força a das palavras,

Que magia nas alfombras!

 

Temos de nos defender

Da que desfigure o mundo,

Nos separe do fecundo

Rio de vida que houver.

 

Da que separa e engana

Sobre a criatura humana.

 

Enfrentar

Enfrentar a descoberto

Metralhadora inimiga

Será coragem, decerto.

Mas porque é que ela então briga

 

Com a estranha covardia

De enfrentar de papel grades

Que nos prendem cada dia

A prisões de sociedades,

 

A esta resignação

Ao corso de entrudo à mão?

 

Meninos

Os meninos conscientes

Da vulgar normalidade

Perante a dos diferentes

Em modo, gosto e vontade,

 

Medíocres antecipam

Resguardos com que se equipam

 

Contra quem, excepcional,

Além for de seu visual.

 

Com o número o agridem,

Jogam à margem, elidem.

 

- E assim irão vida fora

Fora matando quem mora.

 

Ponhas

Não ponhas teu inimigo

Lá longe demais, porém,

Não o ponhas ao postigo

De tua casa também.

 

Longe demais, ficas sem

Saber o que é que ele trama.

Em teu lar, só lhe convém

Para te enredar a cama.

 

Devagar

Devagar se vai ao longe,

Devagar, que tenho pressa,

Que, à pressa, depressa o monge

Quebra a perna que tropeça,

Finda o trilho onde se apressa

E até o perto finda longe:

Não há mais de eternidade

Germe na terra que invade.

 

Devagar, devagarinho,

Palha a palha é que assim teça

Qualquer pardal o seu ninho.

Requer muita paciência

Da luz o brilho da ciência.

 

Ajuda

Ajuda a combater a indiferença

De elogiar um hábito constante.

Mantém entre o casal, vida adiante,

A coesão, além do que ele vença.

 

Valorizar, mostrar que se aprecia

O que outrem fez ou disse, a ideia tida

É tão fundamental, mesmo que a via

Não seja tanto assim, de alto medida!

 

É sempre muito bom, se não falseio

O que deveras sinto pelo meio.

 

Controlar

Controlar a ansiedade?

Meditar, nadar, ioga,

Caminhadas pela herdade,

Ginástica em vez de droga

E poder espreguiçar-se

Todo o dia sem ralar-se,

 

Mastigar um chocolate

A activar serotonina,

Com amigos um debate,

Nunca se isolar à esquina,

Ouvir música, cantar,

Bons momentos evocar...

 

- Com tudo isto, ao desbarato

Do buraco saí, grato.

 

Depende

Bem-estar, felicidade,

Tudo depende da imagem

De nós, ao correr da idade,

Pelo que importa a triagem:

Quero a positividade

E, da crítica à voragem,

Olho-a com serenidade.

 

Perseguir

Param de perseguir sonhos

Porque estão a ficar velhas?

Não, que o tempo dos medronhos

Finda igual sob iguais telhas.

 

Ficar velhas, a seguir,

As pessoas, afinal,

Irão por não perseguir

Sonhos na vida integral.

 

Cidade

Pessoas com muita idade

Podem ser cidade nova

No encanto da novidade

Que dia a dia as renova.

 

Ou então cidade velha

De moradias tombadas,

A cada passo uma telha,

Estradas esburacadas...

 

- Viverão em plenitude

Ou morrem se nada mude.

 

Corras

Não corras à minha frente

Porque não te seguirei,

Nem após mim, em corrente,

Porque não te guiarei.

 

Vamos correr lado a lado,

Em nossa diversidade,

Da vida neste bocado,

Que só há felicidade

Em amar e ser amado.

Isto implica esta igualdade

- E então é um gozo pegado!

 

Difícil

Quão difícil é sabermos

O que somos e queremos,

A vida inteira a acolhermos

Doutrem o que recebemos!

É o que eles querem de nós

Que somos, mais nada após.

 

Ligarei felicidade

Ao que tiver e ao que agir,

Nunca ao que sou: de verdade

Nunca me deixo surgir.

O que é mesmo essencial

Ninguém vê em cada qual.

 

A fundura mais profunda

É o que de vida me inunda.

 

Irmão

Todo o mar, em toda a parte,

Irmão é dum outro mar.

Por que razão e com que arte

Ventos e ondas de discórdia

Se abatem, sem ponderar,

Com tal fúria, tal mixórdia,

Todo o tempo bem no fundo

Sobre as costelas do mundo?

 

Cuido

Um propósito na vida,

Raiz na comunidade

E de mim cuido em seguida

E dos mais, é a minha herdade.

 

Se isolado andar de vez,

A vida não vale nada.

Que oferto em tal entremez

Que valha a pena na estrada?

 

Não vou sentir-me envolvido.

Porque então cuidar de mim?

Acabo de mim perdido,

Bem mal acabo por fim.

 

Difícil

Mais difícil é perder

A guerra do que ganhá-la.

Todos a sabem vencer,

Mas perder, quem se lhe iguala?

 

Quem é que livre se sente

Se vencido de repente?

 

Porém, era a grande meta

Que o homem, ao fim, enceta.

 

Lutam

Antes da libertação,

Lutam para não morrer.

Após, é para viver:

Até rastejam no chão!

 

A dignidade acolá

Finda acaso indigna aqui:

Cerviz não vai dobrar lá,

Aqui a cerviz nem vi.

 

A salvar a própria pele

Foi-se o fogo que me impele.

 

Cristo

Cristo não salvou o mundo

Duma vez por todas.

Cristo morreu, bem fecundo,

A ensinar as bodas

 

Que, pela última ceia,

Nos podem tornar

Outros cristos, volta e meia,

O mundo a salvar,

 

Cada um em seu ofício,

Por seu sacrifício.

 

Cristo inútil morreria

Se hoje cada homem

Não devém Cristo do dia,

Salvando os que em vão se somem.

 

Certeza

A certeza de que a vida

Mais tarde ou mais cedo acaba,

De que a hora em que desaba

Ninguém escolhe, convida

A cruzar pântanos, selvas

Em busca das frescas relvas

 

Onde as potencialidades

De cada um e de todos

Se harmonizam por tais modos

Que realizem novidades

Que tornem em festa a vida

Sem gente alguma excluída.

 

Partem-se

Em criança são brinquedos,

Depois, a festa da vida.

Partem-se os brinquedos, quedos,

E a vida finda partida.

 

Ambos se podem colar

Mas fica sempre um remendo,

Um remendo a relembrar:

Urge não ir esquecendo.

 

Tantos

Há tantos que desistem de viver

Por uma qualquer asa ali partida

E o melro que em vidraça vem bater,

A tentar, a tentar sobreviver,

A lutar para ao fim voar na vida!

 

De ser feliz eis o melhor segredo:

É continuar, embora em queda e queixa.

Pode não voar, porém do avesso o medo,

Pelo outro lado ao voo apanha a deixa.

De voar o canto que na vida entoo

Não requer nunca que eu levante voo.

 

Mesmas

Com as mesmas soluções

Resultados diferentes?!

Quem quer enganar milhões,

Quem atropelou as gentes?!

 

Quando faltam as ideias,

Voltamos aos ideais.

Faltam já? Paredes meias

Afogo-me em tremedais.

 

Enchê-la

Não é ganhar nem perder,

Não é ter nunca ou não ter...

 

Ter uma vida feliz?

O que importa é a vida cheia

Da rama até à raiz

Não ser nunca vida meia.

 

O que é mesmo interessante

É enchê-la mais adiante.

 

Quando

Quando andamos acabando,

Ficamos só pelo quase,

Lamentando as vezes quando

Quase vivemos, ficando

A meio de cada frase.

 

Poderíamos ainda

Ter vivido e a hora é finda.

 

Contamos

Contamos piadas

Sobre o que magoa

Para doer menos.

Fujo para estradas

Onde rir à toa

Não nos faz pequenos.

Com o linimento

Finjo que aguento.

 

Prioridades

Conhecemos sempre alguém

Por prioridades que tem.

Se escolheu ser parasita,

Não recomendo a ninguém

Que se ate dele na fita,

A não ser que, masoquista,

Em ser esmagado insista.

 

Vantagem

Vantagem de poderoso

É ser capaz de usar tudo

Para do poder o gozo

Manter como grão graúdo.

 

Só quem disto for capaz

Ao poder chega, tenaz.

 

Chega lá bem infeliz

Mas é a sorte que ele quis.

 

Pode rir-se da granada

Mas tem-na à garganta atada.

 

Ser feliz e ter poder,

Só quem o poder não quer.

 

Então pode usá-lo a bem

De quem não pode e não tem.

 

Estalo

Uma estalada na cara

É estalo às vezes na vida:

A vida às vezes mudara,

O estalo deu-lhe a partida.

 

Obrigou ao passo em frente,

A arriscar a solução,

Tentar o que algo implemente

Ou uma nova função...

 

Há estalos, porém, que fazem

Parar de vez ou fugir.

Se for da vida, ali jazem

Esperanças do porvir.

 

São estes os mais frequentes,

Depois deles já não sentes.

 

E ao fugir, fugir da dor,

Fujo de mim no que for.

 

Querer evitar quem somos

Apodrece à vida os pomos.

 

Do vazio o pior meio

É de vazios ser cheio.

 

Bate

Quem bate menos vergonha

Tem do que aquele que leva.

Como é que um olhar aponha,

A separar luz da treva,

 

Se eu olho mais carregado,

Sem uma dúvida pôr,

Sobre quem for violentado

Que sobre o violentador?

 

Algo vai mal neste reino

Se o juízo é assim tão leino.

 

Coragem

Amar é por vezes ter

A coragem de escolher

Aquilo que custa mais.

Esperar todos os dias

Cumprir minhas fantasias

Custa custos infernais:

 

É que jamais chega à justa...

Cada dia mais assusta.

 

Fará

Quando nós nos perguntamos

Que é que o país faz por nós,

Fará que nos desunamos,

Inimigos logo após.

 

Quando cada qual pergunta

Que fará pelo país,

Logo consigo os mais junta,

Unimo-nos de raiz.

 

Prenda

O menino Jesus pede

Uma prenda diferente:

Quem à tentação não cede

Nem se irrita facilmente,

Que a capacidade tem

De acolher o mundo além.

 

Quem relativize à volta

O que imite o imprescindível,

Para focar-se, asa à solta,

No essencial sempre eludível.

Quem se deslumbre, acredite

Que é um milagre quanto fite.

 


Querelas

Há uma certa liberdade

Em nunca ter de pensar

Sobre as querelas da vida.

É o que a todos persuade

A se então desamarrar

Da intimidade vivida:

Eis a espiritualidade

De vez por cada perdida,

 

Tudo feito receituário

De entes sublimes no armário.

 

Cada qual posto de lado

Do que era, afinal, seu fado.

 

Cada qual, pois, abolido

Do imo, seu fogo sagrado,

Sua forja de sentido.

 

Invisível

Ser invisível, que bom

Quando tudo à nossa volta

Nos quiser forçar o tom!

Ser invisível, que mau

Quando for o diabo à solta

A moer-nos a varapau!

 

Ser-se reduzido a nada

É nem ser nem ter estrada.

 

Aqui será de irromper,

Ser cada qual o que quer.

 

Cordeirinhos

Vão-te um dia agradecer

Os cordeirinhos submissos

Ou findam-nos a prender

Se ninguém lhes doma os viços?!

 

Destes, um ganha um Nobel,

Outro ao mundo salva a pele...

 

Do outro lado, aos prisioneiros

Quem tem da cela os chaveiros?

 

Os cordeiros que persuades

São vidas atrás das grades.

 

Meio

A meio da vida já

Corremos trilhos stressantes,

Tragédias ora acolá,

Divórcios, mortes gritantes,

Ora crónicas doenças,

Monetárias desavenças...

 

Mesmo com dor inerente,

A perspectiva que dão

Pode ajudar-nos à frente

A perseverar no chão

Da dificuldade advinda

Num porvir que não é inda.

 

Se cruzei a adversidade,

Então já desenvolvi

A larga capacidade

De enfrentá-la logo ali.

Já sei procurar ajuda

E que passa quando acuda.

 

Há resistência mental

Que os desafios da vida

Leva a enfrentar tal e qual.

Sobrevive-se em seguida

A viver alegremente

Mesmo em difícil presente.

 

Pena

Ao sentir pena de mim

Por não ter isto ou aquilo,

A pensar me obrigo, ao fim,

No que tenho em meu sigilo.

 

No mau momento, o importante

É nunca perder a fé

E a confiança restante

E tudo transpor de pé.