TERCEIRA  ENTREVISTA

 

Os Físicos na Caça aos Gambozinos

 

Notícias de Amanhã – Joana Afonso, o canhoneio irá continuar? Ou desta vez traz-nos algo mais sereno, um fogo-de-artifício, por exemplo?

Joana Afonso – Sei lá! No fim logo há-de ver... Vamos falar de Os Físicos na Caça aos Gambozinos. Está-se a rir já? Bem me parecia...

Notícias de Amanhã – Mas essa caçada sempre foi para rir! Pregaram-me tal partida como caloiro em Coimbra. Depois dum rapanço, abandonaram-me no Choupal, à noite, para eu lhes apanhar um dos tais bichos... Representaram tão bem que eu caí na esparrela, matarroano ignaro da minha aldeola que então era... Bons tempos da praxe antiga!

Joana Afonso – Pois. Aqui, todavia, não há partida nenhuma. Apenas os desafios com que a ciência perenemente se confronta. E a busca falhada de hipóteses explicativas que é de norma, até encontrarmos aquela que dá conta dos dados de modo convincente. São sempre mais os erros que os acertos, até formularmos a lei ou classificarmos o fenómeno. É uma constante da história da ciência.

Notícias de Amanhã – Então, a que propósito os gambozinos?!

Joana Afonso – É que, neste caso, é mesmo isto. As soluções foram encontradas, os cientistas não querem saber delas e continuam à procura dum dado mítico que se convenceram que nos há-de vir salvar! Já viu que coisa mais cómica? É aqui, no domínio da ciência, a repetição da asneira medieval das crendices religiosas que levavam as multidões às igrejas a pedir a cura das epidemias, das tempestades, das fomes, em vez de buscarem e usarem os remédios em cada domínio eficazes. É, mais uma vez, o “fia-te na Virgem e não corras!” Quem diria, não é? Vindo do lado daqueles que até pretendem eliminar a religião, a filosofia, a teologia, a pretexto de que são tudo fantasias, de que aí não há nada. Ainda por cima a repetirem a corruptela, o desvio pior da vivência daqueloutro mundo! Não é hilariante?

Notícias de Amanhã – Mas estes não vão a correr para a igreja...

Joana Afonso – Pois não. Mas correm para a capelinha deles: para quanto for o sagrado experimental, quer em laboratório, quer em campo.

Notícias de Amanhã – Ora, é o trabalho que têm... Se não concordam, é o que terão de fazer. Ou não é?

Joana Afonso – Claro que é, se não concordam. Mas discordar é muito ambíguo: não é ignorar, virar costas, jogar no caixote do lixo. É mostrar o dado que não encaixa na fórmula, a contradição factual, a inviabilidade da contraprova. Não é aquilo. Aquilo é a preguiça, o preconceito, a crendice. Ainda por cima entre os que se pretendem iluminados...

Notícias de Amanhã – E é mesmo o que andam fazendo? Não acredito!

Joana Afonso – Mas é, pode verificá-lo. Aliás, é até outro motivo de riso.

Notícias de Amanhã – Afinal, de que é que estamos falando? Os Físicos na Caça aos Gambozinos não é acerca disso, ou é?

Joana Afonso – Não, não. É mera ciência. Responde com soluções onde os factos nos deixam a todos interditos. Há mais dum século. Mormente na astronomia.

Notícias de Amanhã – Aí há mais novidades num ano, hoje em dia, do que em toda a história da humanidade. Não me admira que os astrónomos procurem mais elementos se as fórmulas os não convencem...

Joana Afonso – Quando vir o que é, vai ver como se admira. E como, se calhar, nem vai parar de rir...

Notícias de Amanhã – O que é então, Joana Afonso?

Joana Afonso – Tudo partiu dum grande astrónomo, Hubble, que muitas descobertas fez a vida inteira. O telescópio orbital que lhe presta homenagem com o nome dele é bem merecido, por quanto território virgem desbravou na astronomia. Houve, porém, um ponto em que terminou num impasse: a luz das galáxias desvia-se regularmente para o infra-vermelho tanto mais quanto mais distantes. Ora, quanto maior o desvio, maior a velocidade a que se deslocam. Isto deixou-o perplexo. Se, quanto mais afastadas, mais se aceleram, que é que as anda a puxar? Nada conhecido o faz. Logo, postulou o que lhe pareceu evidente: tem de haver uma força qualquer responsável pelo fenómeno. Como é desconhecida, chamou-lhe energia negra. E andam todos há cem anos à procura dela e nem vestígios de tal coisa. Grande mistério!

Notícias de Amanhã – E não é? Colocada a questão, só lhe restaria pôr mãos à obra, é o normal. Ou não é assim?

Joana Afonso – Diz muito bem, colocada a questão. O problema é se a questão existe  e a verdade é que não existe de todo. A pergunta está mal posta, há um erro à partida e que ninguém notou durante um século inteiro. É a mania de não se ir à origem verificar a fonte. Dá-la por certa redunda muitas vezes nisto. É assim na História, na Teologia e também na Física: já Galileu o dizia do acatamento de Aristóteles sem verificar por si se os factos correspondiam – foi o que o levou às primeiras leis da queda dos graves, ultrapassando de vez o velho mestre. Já tinham corrido dois milénios e ninguém se atrevera a verificá-lo, a pô-lo em causa, eventualmente.

Notícias de Amanhã – Então findamos a ganhar, agora foi um século apenas. Mas eu continuo a ouvir que há, nas galáxias distantes, o desvio da luz para o infra-vermelho, ninguém o põe em causa. Como é?

Joana Afonso – E tem toda a razão, nem Os Físicos na Caça aos Gambozinos tão-pouco o questionam. Aí não há falha, foi uma boa descoberta. O problema é depois, na interpretação.

Notícias de Amanhã – Claro, toda a gente se interroga. E tem de ser, ou não?

Joana Afonso – Tem, tem. Só que importa verificar se a pergunta está bem feita. É que, quando é mal colocada, leva a resultados erróneos, façamos o que fizermos. E é o caso.

Notícias de Amanhã – Essa agora! Não vejo engano nenhum, parece-me claro como água.

Joana Afonso – Exactamente. E foi assim com todos também, até alguém reparar e gritar: “O rei vai nu!” Lembra-se da pergunta de rasteira entre os miúdos:”Oito e sete são catorze ou quatorze?” Olhe, aqui é o mesmo. Os gaiatos desatam a discutir se a ortografia correcta é uma ou outra e nenhum verifica que oito e sete são quinze e que, portanto, a pergunta não faz sentido. Caíram na esparrela.

Notícias de Amanhã – Mas aqui ninguém fez de propósito, não é? O astrónomo passou a rasteira a ele próprio? E se o resultado é quinze e não catorze, tudo bem. Qual é o problema?

Joana Afonso – O problema é que continuam a disputar se é catorze ou quatorze, quer dizer, à procura da energia negra, apesar de ela não existir nem ser requerida para nada.

Notícias de Amanhã – Não se convenceram, foi? Então é porque a resposta...

Joana Afonso – Ora, se convenceram! Nem têm forma de o evitar, a lógica é indesmentível. A razão é outra. Quantas gerações mais o “horror ao vácuo” aristotélico continuou na cabeça dos bem-pensantes a explicar a queda dos graves depois de Galileu? Na geração seguinte ainda Kepler se viu desempregado e reduzido à miséria por não alinhar com o rebanho. A ciência não os convenceu? Pois, se era obra do diabo...

Notícias de Amanhã – Mas aqui são cientistas a sério.

Joana Afonso – Também lá o eram. No critério do tempo, evidentemente. Como aqui também, não é? E quão mais convictos de que são cientistas, tão mais irredutíveis. Eles é que são os detentores do saber e respectivos critérios, hoje como outrora... É sempre o mesmo, a mesma asneira.

Notícias de Amanhã – Mas é uma atitude inteiramente anti-científica! Explique lá. Que é que se passa?

Joana Afonso – Quando a desmontagem do problema foi partilhada e correu mundo, todas as novas teses de doutoramento foram canceladas, quando diziam respeito ao tema, substituídas pela pesquisa da velocidade do actual deslocamento galáctico. Ocorreu no planeta inteiro com os novos astrónomos.

Notícias de Amanhã – Afinal, é a atitude correcta. Acolheram-no...

Joana Afonso – Pois, parecia que sim. Durante uns tempos ninguém mais se referiu àquilo. Como se fora acatado pacificamente. Mas não. Foi apenas até toda a gente se esquecer. Como não era um tratado, um compêndio ou coisa que o valha, foi relativamente fácil fazer de conta que nem existia. A solução foi exposta em termos que não ligam aos padrões académicos, logo, os académicos ficam muito mal dispostos com ela! Primeiro, houve um ou outro que voltou à formulação de partida da aporia, como a palpar terreno. Os pares devem-lhes ter caído em cima porque rápido se calaram. Era retomar uma asneira, assim também não serviria, não é?

Notícias de Amanhã – Ora, é o que está bem. Quem não andar actualizado, actualiza-se. Estou de acordo.

Joana Afonso – Também eu. Mas espere lá, que conto-lhe o resto. Num segundo momento, todos desataram à procura da energia escura, mas agora sem justificação nenhuma, não tem nada a ver com o desvio das galáxias para o infra-vermelho, é por ela mesma, sem mais. Como todas as semanas se descobrem fenómenos cósmicos que não passariam pela cabeça de ninguém, porque não aquilo? E lá vai tudo em romaria à colina inexistente da energia escura! São os miúdos a continuar a discutir se é catorze ou quatorze, não lhes importando mais o resultado de oito mais sete. Mas, se aqui ainda existe a justificação da ortografia, acolá não há nenhuma: é um mero conceito criado na mente dum astrónomo a que muitos aderiram durante um século inteiro e a que não corresponde qualquer realidade. E riem-se dos que andam com toda a parafernália electrónica numa pretendida caça aos fantasmas? Estes cientistas é que deveras o praticam e a verdade é que ninguém ri! O nosso mundo é mesmo hilariante!

Notícias de Amanhã – Não creio que seja assim tão no vazio, têm de prender-se a alguma coisa. É mau demais se for apenas para garantir uma tradição. É que em nenhum outro domínio ela se mantém, quando definitivamente obsoleta. Seria o cúmulo ocorrer apenas aqui, não é?

Joana Afonso – Pois, de facto. E há uma ponta de meada a que se penduram. Os Físicos na Caça aos Gambozinos resolve um outro problema. Quando, no século transacto, descobrimos que há uma infinidade de galáxias e não apenas a nossa Via Láctea, como críamos até então, os astrónomos desataram a analisá-las. Logo se depararam com uma curiosa dificuldade. As translações das estrelas nelas não é igual à dos planetas do sistema solar: é que estes correm tanto mais rápidos quanto mais próximos do Sol; as estrelas galácticas giram alinhadas em ordem unida, quer dizer, tão mais rápidas quão mais distantes, como os patinadores no gelo, ao formarem os raios da estrela. É tudo ao contrário: desalinhamento acolá, alinhamento aqui; aceleração com a proximidade acolá, aceleração com a lonjura aqui. Como explicar isto?

Notícias de Amanhã – É uma boa pergunta. Dois mundos, um a funcionar ao contrário do outro? Lindo!

Joana Afonso – E não finda aqui. É que nós temos, desde o séc. XVIII, a equação da gravitação universal, de Newton, segundo a qual a gravidade diminui em função do quadrado da distância. Isto explica muito bem o movimento do nosso sistema planetário. Aplicado a uma galáxia qualquer, todavia, deixa-nos perplexos: é que as estrelas exteriores do disco galáctico giram a dezenas, até a milhares de anos-luz do centro, o buraco negro que as mantém coesas. Ora, a lonjuras destas já não há gravidade nenhuma. Que é que as mantém juntas, no eterno bailado em redor? Deveriam sair disparadas pelo Universo além. Todavia, não, continuam alinhadas na correria acelerada que ainda por cima as caracteriza. Como é que pode ser isto?

Notícias de Amanhã – Cada vez mais interessante. E tudo a contradizer tudo...

Joana Afonso – Ora aí tem! Perante isto, que é que os astrónomos haveriam de postular? Muito simples: como não há outra explicação, só pode ser alguma força esquisita que ainda ignoramos. Como a energia negra é uma hipótese muito difusa, algo muito vago espalhado por todo o Universo e aqui terá de ser uma realidade consistente, bem localizada em cada uma dos cem biliões de galáxias, então será uma matéria negra. Tão negra que ninguém a vê. Nem nunca a viu nem nunca a verá, evidentemente.

Notícias de Amanhã – Ah! Então é aqui que radica a manutenção da hipótese. Tinha de ser...

Joana Afonso – Exactamente. E repare que isto foi para muitos astrónomos um peso intolerável a vida inteira. Houve uma investigadora que dedicou mais de trinta anos a observar, registar, questionar dezenas de galáxias, sempre em busca de alguma que se comportasse em conformidade com a equação newtoniana e sempre em vão. Foi uma rotina palmilhada eternamente com a mesma pergunta sem resposta, com os dados a imporem-se-lhe permanentemente opacos. Nunca logrou entender como poderia ser aquilo. Mas anotou-o infatigavelmente, dando conta do mistério para quem poderia fazer luz no enigma. Quando nos imaginamos na pele dela é acabrunhador. Uma vida inteira. E o vazio no fim.

Notícias de Amanhã – É indubitável. Até eu o sinto e não tenho nada a ver com isto. Tenho pena dela.

Joana Afonso – E não é caso único. Depois que Plutão foi despromovido à categoria de planetóide, uma série de astrónomos tem-se dedicado a investigar os asteróides para além dele, com múltiplas descobertas inesperadas interessantes. Não imagina qual a mais intrigante, pois não?

Notícias de Amanhã – Não tenho ideia nenhuma, inteiramente a leste disto.

Joana Afonso – É que, afinal, depois de Plutão, os asteróides não se movem como o resto do sistema planetário: correm todos alinhados, tendencialmente, como as estrelas galácticas, em perfeita ordem unida, é uma parada militar. Também eles não obedecem à fórmula newtoniana. E também os astrónomos ficam aqui com a mesma e redobrada perplexidade. Como é que tal pode ser? De Plutão para dentro, vigora uma lei, para fora é contradita. Que é isto? As leis da natureza nunca são assim, em domínio nenhum. Que é que anda a ocorrer aqui que ninguém entende? E também os investigadores findam todos sem resposta, e também eles confirmam e reconfirmam os dados e é sempre o mesmo. Não fora haver tantas outras revelações e novidades, tal conjuntura desanimaria o melhor. Que frustrante!

Notícias de Amanhã – E a Joana Afonso diz-me que Os Físicos na Caça aos Gambozinos resolve isto, não é?

Joana Afonso – Pois é.

Notícias de Amanhã – Então óptimo. Fica arrumado. Saltamos para diante.

Joana Afonso – Era bom, era! Continuam mas é todos na caça aos gambozinos da matéria e da energia negra. O preconceito é diabólico, que julga?

Notícias de Amanhã – Mas então... Em roda livre, sem estar preso a nada?

Joana Afonso – Ai está, está. E, ainda por cima, é sempre o mesmo, história além. Porque é que queimaram vivo Giordano Bruno, condenaram à morte Galileu?... Porque traíram o Grande Mestre, seja Platão ou Aristóteles, sejam os discípulos Sº. Agostinho ou S. Tomás de Aquino. Aliás, até este, quando morreu, ainda tinha teses condenadas porque não confirmavam a linha agostiniano-platónica então dominante. Mal a escolástica sacraliza o tomismo e o reduz a fórmulas e receitas, desata a decapitar quantos novos espíritos se lhe deparam pela frente, o que redundou naquelas e em muito mais vítimas. A história bem poderia ensinar, a gente é que não aprende...

Notícias de Amanhã – Ó Joana Afonso, estamos a séculos disso. Não tem nada a ver...

Joana Afonso – Ai tem, tem. Há um enorme gigante intocável, Newton. Anátema a quem se atrever a tocar nele! É tão sagrado como um deus. E eis como o cientismo, que até rejeita Deus, logo ergue um ídolo de pés de barro no lugar do que derrubou. Funciona assim e os cientistas nem se dão conta da trapaça em que embarcam. É dum infantilismo confrangedor.

Notícias de Amanhã – Mas, se é urgente ultrapassar Newton, ultrapassa-se. A história da ciência é isto, até Newton o afirmou da experiência dele. Afinal, que é que há?

Joana Afonso – Há que os astrónomos que acolheram a resposta que resolve o desafio, quando confrontaram os demais, o melhor que obtiveram foram atitudes do tipo: “Cá por mim mantenho-me aberto a tudo, aguardo os dados dos satélites e sondas; reformular Newton, não, é esperar para ver...” Isto foi o melhor. O resto, a maioria, fecha os olhos e tapa os ouvidos, recusa-se a olhar pela luneta galilaica, que, se diz o que diz, só pode ser obra do diabo. Por muito que nos custe, não andamos nada longe do obscurantismo seiscentista. E não é apenas neste domínio, é em tudo na vida. Olhe, por exemplo, as dúvidas de Madre Teresa de Calcutá relativamente a Deus. Inibiram a canonização dela. É extraordinário como a cegueira é estrutural e institucional.

Notícias de Amanhã – Não vislumbro que é que um caso tem a ver com o outro. Explique lá...

Joana Afonso – Então, é simples. Se Madre Teresa duvidou foi porventura porque, qualquer que seja a nossa imagem ou conceito de Deus, é necessariamente errado, o mais que poderemos vislumbrar serão vagas verosimilhanças, mais ou menos apelativas. Em si o Absoluto é, por definição, inatingível, seja lá qual for a perspectiva ou dimensão por que o abordemos. Até um infinito matemático é, à partida, inesgotável, e não há volta a dar, fica fora de nosso alcance contê-lo de qualquer maneira, apenas podemos referi-lo, apontá-lo. Ora, quando alguém se coloca nesta perspectiva, apenas pode duvidar do conceito, da imagem que for feita da infinidade, no caso, de Deus. Madre Teresa fez a máxima aproximação viável a ele, atingiu o nível da dúvida de toda e qualquer formulação, Deus é o inultrapassável sempre-mais-além. Vai daí, os que mandam em Deus, que têm o seu deusinho de bolso ao dispor, que comandam os céus porque eles é que são o píncaro (sentam-se nos pináculos da Igreja...), rejeitam semelhante santa que, além de nunca se dar por satisfeita, o que até seria virtuoso, fica em dúvida quanto às capelinhas (reais e mentais) em que eles vivem enclausurados regaladamente. Que espectáculo mais idiota!

Notícias de Amanhã – E isso é Newton?!...

Joana Afonso – Pois claro. Endeusaram-no tanto, a ele que se considerou “um anão ao ombro de gigantes”, que doravante é intocável. Todos metem o rabinho entre as pernas e desatam a fugir. Não pode ser canonizado quem, astrónomo, duvida da imagem dele, mesmo que seja quem faz o que ele faria se aqui vivera. Não, é preciso incensar o génio, fazer-lhe vénias e dobrar-lhe o joelho: toda a exploração espacial (até agora) aplica a equação que ele atingiu, que mais é requerido? Bate certo, não bate? Logo... Se os asteróides além de Plutão e as estrelas das galáxias o desmentem é porque são o diabo que luta contra Deus, a escuridão contra a luz, quer dizer, a energia e matéria negra. E lá continuam na procissão, muito senhores do seu nariz. E o mundo e a comunicação social a assistir à passagem, em veneração pia, planeta além, pelos anos fora...

Notícias de Amanhã – Bem, dito assim, é cómico. Mas não tem nada a ver com Newton, Joana Afonso.

Joana Afonso – Evidentemente que não. É a atitude dos beatos dele. Como todos os beatos de todas as religiões, andam errados, ainda não entenderam nada do que está em causa. Os newtonianos nem sequer reparam que exigem de Newton o impossível: que disponha no séc. XVIII dos dados de que apenas agora dispomos, no séc. XXI. Ele viveu numa época em que apenas a Via Láctea era uma galáxia conhecida e o sistema planetário solar, o único tido por existente. E deu muito bem conta do recado para o Cosmos conhecido daquele tempo. Hoje alargámo-lo indefinidamente e, perante a nova realidade, temos de fazer o que ele fez com aquela tão restrita que então o desafiou, na sequência de Galileu e Kepler e muitos mais, entretanto esquecidos no pó dos séculos.

Notícias de Amanhã – Bem, ao menos agora já não existem autos-de-fé. Esta religião secular informal sempre é mais benigna. Ignorar, passar ao lado...

Joana Afonso – Mas não deixa de prejudicar iniquamente. Os preconceitos encastelam-se e alimentam-se mutuamente.

Notícias de Amanhã – Não duvido. Mas diga lá em que está pensando.

Joana Afonso – O astrónomo Alan Hynek, quando se reformou, publicou o seu Relatório Livro Azul, depois de se ter demitido da comissão presidida pelo Prémio Nobel Condon, criada para estudar oficialmente os OVNIs e que concluíra que não havia provas de constituírem para a segurança qualquer perigo. Esta conclusão foi entendida e divulgada mundialmente como afirmando que não existem OVNIs nenhuns (97% dos casos analisados eram, de facto, explicados naturalmente).

Notícias de Amanhã – Hynek veio afirmar o contrário?

Joana Afonso – Não. Veio dar voz aos mais de 80% de astrónomos com que ele contactou pelo mundo inteiro e que lhe confirmaram que tinham visto objectos a voarem no espaço e que não sabiam explicar o que eram. Também nos dados do relatório oficial se confirma que restam perto de 3% de episódios que resistem a todas as explicações (naturais ou artificiais).

Notícias de Amanhã – Então, óptimo, até convergem, tudo bem... Ou não?

Joana Afonso – Pelo contrário, tudo mal. Sabe porquê? Alguma vez leu ou ouviu dalgum astrónomo um relato daquilo? Não, nunca. E só permitiram estes investigadores que Hynek os referisse desde que não identificasse nenhum deles. Apenas um número estatístico. É curioso, ainda por cima foi igual no mundo inteiro. Não encontrou excepções para darem a cara.

Notícias de Amanhã – Cheira-me a teoria da conspiração...

Joana Afonso – Não cheira, é. O motivo comum a todos foi este: arriscariam o emprego, a carreira, os meios de subsistência para eles e para a família se tal lhes pudera ser atribuído. Está a ver aqui o temor de agora se repetir o que ocorreu com Kepler. Os séculos passam, as asneiras repetem-se... A religião da mentalidade dominante e dos dogmas sacralizados dela, por mais infundados que possam ser, leva ao mesmo que a religião clássica, com mecanismos iguais em iguais deturpações. O processo das bruxas de Salém, com mais ou menos extremismos, é uma constante história além, se não andarmos vigilantes, sobre nós próprios e em redor. Acreditar de mão beijada que os cientistas não fariam isto, é apenas dar-lhes impunidade para o praticarem à rédea solta, sem qualquer controlo. Foi a mesma ingenuidade que pôs na mão dos eclesiásticos o poder de vida ou morte que levou à Inquisição e ao rosário de crimes multissecular dela.

Notícias de Amanhã – Pelo menos ninguém anda a perseguir Os Físicos na Caça aos Gambozinos. Ou anda, Joana Afonso?

Joana Afonso – Há perseguições e perseguições, claro. Umas declaradas, outras germinais, outras camufladas.

Notícias de Amanhã – Também aqui?

Joana Afonso – Também aqui. Eu conto-lhe alguns eventos. Sabe porque é que Alexandre Herculano, o pai da historiografia científica em Portugal, nunca foi bem acolhido pelos académicos, ignorado ou preterido nas Universidades? É que ele nunca se submeteu ao itinerário ritual daquelas instituições, nunca se doutorou e, pior, quando o convidaram para ali leccionar, declinou o convite. Findaram tão ressentidos que, duzentos anos decorridos, continuam a arrumá-lo na prateleira. Só quem usa a borla e o capelo é que é digno, os restantes são o rebotalho da arraia-miúda, merecem apenas um comedido olhar de comiseração. São uns pobres coitados...

Notícias de Amanhã – Conheço bem a mentalidade. Numa latada, em meus tempos de Coimbra, saiu a piada “o D. Júlio é a cabeça mais brilhante da Universidade”. Brincava com um novo professor que punha brilhantina no cabelo. Há quantos decénios tal hábito acabara! E a tal cabeça brilhante seguia parágrafo a parágrafo o catedrático que substituíra, tendo, ao todo, acrescentado uma frase, a precisar um ponto qualquer, nas centenas de páginas da sebenta, durante o ano inteiro. Mas isto fora tão precioso que parara a aula toda para transcrever no quadro a sua genial descoberta! Uma frase, uma dúzia de palavras. É obra! Só lhe faltou dar ao rabo como um cãozinho entusiasmado pela iminência do biscoito. “A cabeça mais brilhante”...

Joana Afonso – Ninguém o referiu mas decerto já descobriu o que esteve por trás da polémica de saber quem foi o primeiro astrónomo a formular a teoria do Big-Bang. É que Lemaitre, o belga deveras pioneiro, apesar de professor universitário, era-o noutra área. Como astrónomo, foi um amador. Já viu? Que desprestígio para a área! Vai daí, toca de tentar trocá-lo pelo que primeiro na América divulgou a teoria, esse, sim, um académico a sério! Esta mesquinhez, esta pequenez mental, de tão confrangedora, acaba por devir ridícula.

Notícias de Amanhã – A roubar as coroas de louros dumas cabeças para as outras. Visto deste ângulo é cómico. A mim faz-me rir...

Joana Afonso – Mas há dois desvios naquilo que importa identificar. Primeiro, o furto de ideias, de dar como suas as doutrem, para lhes extorquir os benefícios, nem que seja apenas do prestígio. É perverso. Mas depois é a insensibilidade perante o fascínio de destapar o véu do mistério, como lhe chamou Einstein, e, subscrevendo-o, Carl Sagan. Aquela atitude troca-o pelos louros e benesses que acarretam, é o de quem nunca viu nem saboreou o que fecunda a aventura humana. Anda inteiramente enganado quem crê que é o pagamento dum mercenário o que o justifica. O que entusiasma é outra realidade e outra vivência.

Notícias de Amanhã – Mas em Os Físicos na Caça aos Gambozinos nem há louros para roubar...

Joana Afonso – Mas há a recusa dos louros, não está a ver? Como nos dois casos que referi. O primeiro motivo para olhá-lo de lado e o ignorar é que não obedece aos pretensos critérios científicos exigidos pelos académicos carreiristas que predominam em todas as áreas de investigação, ensino e divulgação. O primeiro critério é que deve pertencer a esta classe de luminares. Herculano não pertenceu? Lemaitre também não? Prateleira com eles, logo à partida! E só não é caixote do lixo porque os factos impõem-se, senão era o que adorariam. Segundo critério, a obra tem de vir carregada de citações ou então não tem “qualidade científica”, como a mim me referiu um eminente catedrático espanhol, aquando da elaboração da minha tese. Os dados experimentais são o menos relevante, até porque, em ambiente escolar, por norma, não trarão nada de novo.

Notícias de Amanhã – Isso não é ironia demais, Joana Afonso? Afinal, estamos no domínio da ciência, não é?

Joana Afonso – Pois. Deveria ser, pelo menos. Mas não. Um colega meu, vergado por aquelas exigências, nunca conseguiu apresentar o doutoramento. Na tentativa de se manter actualizado, para as quinhentas páginas de texto, já ia, na última vez que dele tive notícias, em mais de mil páginas de citações! E nunca mais acabaria... Uma catedrática da Universidade de Aveiro desabafou comigo no dia do doutoramento dela: ninguém no júri se dera ao trabalho de ler a tese, limitaram-se a verificar que tinha o tamanho requerido, a paginação adequada, as citações convenientemente arrumadas e obedecendo aos critérios internacionais então acolhidos. Quanto à substância em que ela investigara anos seguidos, nada. Estava revoltadíssima. E eu não andei à procura de casos. Vão ao encontro de qualquer um que por ali devaneie.

Notícias de Amanhã – É obra! Mesmo que sejam excepções, é muito lamentável. Mas abusos e asneiras há em todo o lado, que se lhe há-de fazer? É de ir lutando contra e o caminho nunca terá fim. Mas dizia, Joana Afonso, que isto é apenas um primeiro patamar de repúdio, o de Os Físicos na Caça aos Gambozinos não provir do meio académico nem lhe obedecer aos parâmetros. Há mais, portanto?

Joana Afonso – Só mais um pormenor, ainda neste domínio: aquilo não foi publicado nas revistas científicas acreditadas, não passou pela joeira dos pares. Compreende como é? Não fez as vénias exigidas, logo, os venerandos viram-lhe as costas. Esta conjuntura actual da ciência até pelos melhores cientistas é denunciada. São os burocratas, os funcionários a dominarem e acorrentarem os criadores, os inovadores, os que descobrirem novos mundos.

Notícias de Amanhã – Mas sem isso há também a arbitrariedade, a manipulação, a venda de banha da cobra, impingir gato por lebre. Até com este filtro há casos públicos e denunciados de falsificação, investigadores que mentiram e até os próprios pares enganaram, não é?

Joana Afonso – Exacto. Também aqui urge encontrar um ponto de equilíbrio que terá de ser refeito e vigiado permanentemente. Agora, dar por inexistente o que não cruzou o filtro?! Que raio de atitude é esta que, a respeito do nosso tema, a generalidade toma? Não olham para os factos, não verificam?! Grandes cientistas!

Notícias de Amanhã – No meio é que está a virtude, lá diz o povo e já o defendia Aristóteles. Mas é tão fácil ignorá-lo! Milhares de anos decorridos e é o mesmo.

Joana Afonso – Pois, isto não é de agora. Vem de longe e há-de ser para sempre. Temos realmente de ser vigilantes. Sabia que no séc. XVIII, quando se reparou que o nosso sistema planetário girava todo aproximadamente no mesmo plano, o facto deixou os astrónomos sem resposta para o que o provocaria? Não imagina quem resolveu o desafio? Ninguém da área deles: o filósofo Immanuel Kant. Ele é que explicou que, na ausência de qualquer força contrária, a mútua atracção dos planetas e do Sol, com o tempo, tende a puxá-los todos para o mesmo plano onde hoje os vemos. Agora já sabe porque é que a ninguém chegou a informação: Kant não era um deles, embora académico universitário. Aliás, não o ignoraram apenas, varreram o problema para debaixo do tapete, até hoje ninguém mais se pronunciou acerca de tal questão, é como se ela nunca houvera sequer existido. Uma varredura limpa.

Notícias de Amanhã – Não fazia ideia de que viria de tão longe neste domínio. Mas é compreensível, se é um pendor comum, universal e intemporal.

Joana Afonso – O que mais estranho é que isto é um renascer, noutro contexto e com outros termos, do ambiente do “magister dixit” que rodeava Galileu no séc. XVII e o levou à condenação. E ninguém aparenta reparar. Se, de repente, aparecer uma proposta a subverter tudo, aniquilar todos os paradigmas vigentes, como é que os pares irão pronunciar-se? Aquilo não tem, à partida, credibilidade nenhuma, logo, cesto dos papéis! Aliás, para isto, o pobre do autor não logrará citações: pois se é radicalmente novo!... Se Einstein vivera agora e não há cem anos, se calhar nunca arranjaria maneira de divulgar e pôr à prova a Teoria da Relatividade. Até um contemporâneo dele comentou, hílare, que não haveria no mundo nem cinco indivíduos que a compreendessem e ele era um deles. Como é que hoje em dia poderia cumprir os critérios, ouvir os pares? Teve muita sorte em ter vivido antes de a rede anti-galilaica se ter montado no terreno e ter logrado acatamento generalizado. Senão, que confirmação pelo juízo dos parceiros teria sido exequível? Este terá de ser pelo menos tão suspeito como forem suspeitas as novas descobertas. Ora, é o que não anda a ocorrer, de modo nenhum. Tornou-se um dogma que, sem prévio acolhimento pelos iguais, nada poderá ser acolhido e divulgado. E eis-nos tornados à era anti-galilaica em estado puro. Não admira que, mundo fora, os astrónomos que aderiram a Os Físicos na Caça aos Gambozinos se mantenham muito prudentemente retraídos, cheios de medo e com os passinhos muito curtos e cautelosos. Se a cautela é muito saudável para o corpo e para o espírito, quando é demais mata-nos de inanição, em ambos os lados. O ambiente de temor é desmotivante. Pior ainda quando é a ciência constituída a liquidar a ciência a constituir. E pior ainda mais quando é o vazio de ciência a rejeitar a ciência que o preencheria. Ora, é o caso, mundialmente.

Notícias de Amanhã – Eu não dizia? Vem aí o canhoneio! Conte, conte, Joana Afonso! Que é que anda a ocorrer?

Joana Afonso – Vamos trepar ao patim a seguir. Ultimamente os cépticos mudaram de estratégia subtilmente. Continuam a aguardar novos dados, afirmam. Doravante, porém, já não é de satélites, sondas, telescópios terrestres ou orbitais, congeminados para este fito particularmente. Não. Agora toda a parafernália mobilizada, quer construída quer em construção, quer programada, quer proposta, visa prioritariamente outros objectivos variados de sondagem cósmica, colher dados relevantes para múltiplos mais domínios de pesquisa astronómica (planetas extra-solares, ondas gravitacionais, imageamento de buracos negros e demais objectos cósmicos...), de modo que, como bónus ocasional, poderá vir aí a energia e a matéria negra. Está a entender a má consciência, não está?

Notícias de Amanhã – Bem, são investigadores, tudo o que vier à rede é peixe, como diz o povo. Mas isto não é já uma confissão de derrota encapotada?

Joana Afonso – É morrer mas devagar, muito portuguesmente sebastianista. Mas é gato escondido com rabo de fora a dois níveis. Mesmo que recolham aquilo, qual é o interesse, para que serve? E depois, que há de inconfessável por trás desta renitência cientificamente inexplicável? Tem de haver alguma coisa. E é uma sujeira!

Notícias de Amanhã – Explique lá, Joana Afonso, que isto está a ficar bonito!

Joana Afonso – Olhe, mesmo que descubram qualquer realidade nova e a denominem de energia ou matéria negra, a questão é esta: como estão explicados os enigmas que fundaram a hipótese de aquilo existir, que é que pretendem? Que o que está compreendido, afinal ainda não está? Em quê, se não há mais nada ali para explicar, nos termos em que a pergunta é colocada? Descubram o que descobrirem, é uma realidade nova como tantas mais todos os dias, a compreender e integrar harmonicamente numa leitura do Universo. Nem sequer terá qualquer repercussão naquele campo, ao nível do que por ora é decifrado convenientemente. Então porquê a renitência? Querem-se vingar? De quê e de quem? Poderem gritar: “Afinal tínhamos razão, temos aqui uma energia e uma matéria negra!” E daí? Não serve para nada do que era esperado. Se precisam assim tanto, chamem isso à primeira novidade que lhes apareça à frente e fiquem consolados. Isto é duma estupidez tal que faz impressão! Estão à espera de descobrir um planisfério que lhes prove definitivamente que o planeta é chato, como os estapafúrdios da “Associação Internacional da Terra Plana”? E julgam-se cientistas? Pior, crêem mesmo que eles é que formam o verdadeiro padrão do homem de ciência?! À procura de fantasmas?! Valha-nos Deus!...

Notícias de Amanhã – Joana Afonso, mas eu até julgo divertido. A procissão dos bonzos... Bem, a não ser que prejudique alguém ou o avanço na caminhada, não é?

Joana Afonso – Aí é que bate o ponto, senão também eu passaria o tempo a rir. Recentemente, um astrónomo logrou descobrir uma maneira de rastrear a matéria invisível do Universo, que deve ser a maior parte da realidade dele, uma vez que nós apenas vemos o que a vista alcança: as estrelas e pouco mais. Não é que ele se viu obrigado a explicar que isto não tem nada a ver com a matéria negra em disputa na área? Pois teve e fê-lo, não vá ocorrer que alguém desate a gritar que finalmente está descoberta, ei-la ali. Isto é matéria real, não uma alucinação qualquer. Tirou o tapete aos alucinados e, concomitantemente, demarcou-se deles. Não embarca naquilo, ele trata doutra vertente: abriu finalmente uma janela para a imensa matéria não luminosa do Cosmos, semelhantemente ao pioneiro que descobriu maneira de rastrear planetas extra-solares que hoje se desmultiplicam aos milhares e que até ele eram para nós uma incógnita inacessível por inteiro. E aqui está: teve de lavar as mãos da disputa e colocar-se explicitamente aparte. Ninguém pode andar à vontade, o temor obriga a cautelas redobradas, o terreno mantém-se minado, é de não arriscar... Ora, isto é um ambiente de liberdade científica? Não. Isto é atitude de quem teme a caça às bruxas. E de ser vítima apanhada desprevenida. Faz algum sentido? Os astrónomos andam a agrilhoar-se interiormente com auto-censura. É uma escravidão degradada. E degradante. É urgente libertá-los disto para bem deles e nosso bem.

Notícias de Amanhã – Perfeitamente de acordo, Joana Afonso. Mas afirma que há por trás da renitência uma sujeira?! Em quê? Por mim, não vislumbro nada.

Joana Afonso – É simples. Imagina quantos milhões, quantos biliões de euros se empenharam na busca de nada? Imagina como reagiriam os financiadores se alertados para o descomunal desperdício? Mais: quantos milhares de famílias seriam directamente atingidas com o fim deste bambúrrio? E quantos mais milhares as indirectamente afogadas na onda?

Notícias de Amanhã – Ah! Estou a ver, Ponha lá isso em pratos limpos.

Joana Afonso – É que se trata duma caçada aos milhões. Os cientistas convenceram investidores públicos e privados a empenharem fortunas enormes em telescópios, satélites e sondas, em fábricas para produzi-los, em técnicos e investigadores para operá-los, em milhares de operários e peritos para elaborarem os projectos, noutros mais ainda para fabricá-los, executá-los, testá-los e para pôr tudo a funcionar, recolher dados, examinar, congeminar artigos científicos, relatórios, programar e realizar simpósios, comunicações... Enfim, é um nunca mais acabar. Uma teia interminável a operar no vazio, uma vez que não há nada a que se aplique neste domínio.

Notícias de Amanhã – Que grande burla! Estou-me a lembrar do burlão que vendou a ponte de Londres a um milionário palerma. Só que, ao contrário destes, aqui é uma quadrilha de milhares e milhares, sanguessugas de erários públicos e boas vontades privadas. Não tinha reparado por este ângulo...

Joana Afonso – Já viu o paralelo que isto tem com a caça às bruxas durante a Inquisição? Também estes inventaram tribunais, espalharam Europa além (e não só) aparelhos e máquinas de tortura, cadafalsos para os autos-de-fé, produziram especialistas e peritos em múltiplos domínios – legistas, torturadores, interrogadores, carrascos, teólogos... – até peritos em comunicação, investigadores, elaboraram trabalhos como o Martelo das Bruxas, relatórios e actas judiciais... E tudo igualmente sobre coisa nenhuma. Deixaram para trás o rasto sangrento de milhares e milhares de vítimas inocentes assassinadas. Em nome do ídolo dum preconceito.

Notícias de Amanhã – Ninguém acreditaria que nas áreas da ciência haveria semelhantes paralelos. Dá que pensar...

 Joana Afonso – Claro que verdadeiros responsáveis da trama são apenas os cientista que não querem perder a cara. Todos os mais (e serão muitos milhares) crêem neles e acreditam que operam numa boa causa, actuam de boa fé. Não podemos meter tudo no mesmo saco. Como, aliás, na caça às bruxas: o papado e hierarquias de topo daqueles tempos é que puseram de pé semelhante abstrusidade criminosa. A arraia-miúda, por mais que pontilhada de peritos doutros domínios, não entendia nem pretendia entender nada daquilo. Foi arrastada e abusada na boa-fé dela. Então como agora. Aliás, se hoje estancáramos de súbito o úbere onde todos estes mungem o leite de que vivem, muitos findariam desempregados, eventualmente à fome ou reduzidos à miséria. Não pode ser, não é?

Notícias de Amanhã – E como obviar a tal efeito?

Joana Afonso – Por duas vias que deveriam estar a ser seguidas e não há maneira de o serem. Primeiro, o acolhimento sem reservas da ciência onde ela abriu já caminho. Segundo, a reconversão dos objectivos. Quanto àquele, por muito que tenha sido de boa-fé que os cientistas avançaram à partida, só por mera casmurrice, vergonha ou por mera defesa de proventos sem fundamento poderão continuar ignorando o passo em frente. Ora, qualquer que seja o motivo, é sempre perverso e uma atitude inelutavelmente não científica. Continuam a ser como os adeptos da Terra plana, irredutíveis, sejam quais forem as provas que lhes entrem pelos olhos dentro. Isto é obscurantismo puro e duro que a ciência visa irradicar, mas aqui militantemente praticada pelos seus próceres mais lídimos. E são mesmo os da linha da frente, o que só agrava ainda mais o desvio da atitude. Então, se for só para continuarem a garantir proventos, é mesmo reles, duma baixeza inqualificável. Nem os salva o eventual argumento de que não será por eles mas pelos milhares cujas famílias dependem do que daqui auferirem, mero farisaísmo de beatos mal encapotados. Não convence ninguém nem a eles próprios.

Notícias de Amanhã – Até porque a reconversão é sempre viável, não é verdade?

Joana Afonso – Efectivamente. Toda a rede montada deveria ter sido logo reorientada a outros fitos da investigação cosmológica, mal os problemas foram resolvidos. Com isto findariam justificados os investimentos e garantidos os réditos de todos os envolvidos. Mas está a ver qual é o problema? Não é fácil encontrar mistérios tão mobilizadores e convincentes para os magnatas e os financeiros como o da energia e matéria negra, alimentado na mentalidade popular comum durante um século inteiro. Há o risco de o úbere estiolar, não é? Vai daí, fazem de conta...

Notícias de Amanhã – Ah! Então é por isso que o juntam como um bónus eventual ao que advier dos actuais projectos. A aproveitar a onda que restar na mente do vulgo.

Joana Afonso – Pelo menos eu não vislumbro outro motivo. E é por inteiro injustificado: é uma mentira. O fim plausível não justifica a sordidez do meio. É um maquiavelismo na ciência. Não é só na política, ei-lo aqui todo e ninguém a dar por ele...

Notícias de Amanhã – Bem, não há nenhum massacre como na caça às bruxas, valha-nos isso. A gravidade dos efeitos...

Joana Afonso – Não é felizmente comparável. Mas o germe das perdas anda por aí a interromper caminhos. Quer ver onde isto leva? Parece que não, mas bloqueia o itinerário da ciência, quase sem darmos por ela. Nem é preciso recorrer a outros domínios, ainda neste já poderemos i-los contabilizando.

Notícias de Amanhã – Venham eles, Joana Afonso. Estou a adorar esta pancadaria. Força!

Joana Afonso – A primeira desmontagem da hipótese da energia negra foi feita numa carta breve que correu o mundo inteiro. Os investigadores de então trocaram o tema da investigação, doravante inútil, por outro bem promissor: qual a velocidade actual de expansão do Universo? E pelo seguinte, deste derivado: quando inverterá o rumo, depois desta correria? Sim, porque irá parar e desatar a contrair, é o que os factos correctamente interpretados demonstram. As outras alternativas estão definitivamente postas de lado, incompatíveis como são com a prova factual. Por muito que haja quem continue a delirar com o Universo final a congelar, a diluir-se em partículas até ao nada, a noite do vazio eterno e assim por diante. Não faz mal nenhum a ficção, até pode ser muito divertida e formadora, mas o Universo não terá nada a ver com isto, sabemo-lo doravante de fonte segura: os factos falam e contra factos não há argumentos, é da imemorial sabedoria popular. Agora é verdade: aquilo pode continuar a render muito dinheiro... Quando esta for a questão, já vimos como é, certo?

Notícias de Amanhã – Os astrónomos conseguiram algum resultado?

Joana Afonso – Vários deles conferiram, por métodos diferentes, qual a velocidade actual da expansão do Universo. Os números são todos diversos mas, curiosamente, muito próximos uns dos outros, o que mutuamente os valida. Têm-nos vindo a apresentar à comunidade científica, aguardando acolhimento, muito tímidos e humildes. Por ora ninguém lhes bateu, o que é bom. Mas também ninguém os aproveita, o que já é estranho, até suspeito. Estes investigadores puseram-se na atitude de quem vislumbra os mais de pau na mão, à espera de que virem costas para lhes malhar em cima, com ou sem razão. Daí não se atreverem a avançar o degrau seguinte: nenhum leva o trabalho até ao fim, nenhum faz o cálculo da paragem e da inversão do movimento cósmico. Todos lhes cairiam com anátemas, não há factos do porvir: por definição é o que nunca ocorreu ainda.

Notícias de Amanhã – Lá isso é verdade, o que trará o futuro não o temos agora, não é?

Joana Afonso – Pois é. Mas toda a ciência é elaborada para prever e prevenir. Ou será que a meteorologia não existe? Para falar do passado não era precisa. E com todas as demais matérias é o mesmo. Porquê então ali aquele retraimento? Têm medo de ser vítimas da caçada, só pode ser. É o que ocorre aos meteorologistas quando o mau tempo se prolonga indefinidamente: as comunidades ignaras, vítimas da intempérie, fazem-lhes esperas à saída do trabalho para os espancarem, atribuindo-lhes a culpa do clima adverso. Só que aqui o espancamento temido é o provindo das mentes mais brilhantes do planeta. Movidas, todavia, pelo mesmo obscurantismo: como é que estes atrevidos se arrojam a prever o que nós não queremos ouvir?! Quem é que eles julgam que são? Espera aí que já lhes mostramos como é!

Notícias de Amanhã – Reduzem-nos ao silêncio?! É muito mau...

Joana Afonso – Exactamente, é mau demais. E pior ainda porque é por auto-castração. Nas ditaduras, pior que a censura prévia da comunicação, é a auto-censura de cada um sobre ele próprio. Um indivíduo finda a duvidar e temer a própria sombra. É uma vida desgraçada, Não resta alegria nenhuma em sobreviver assim. É um clima igual que respiram estes astrónomos pioneiros. Por mão dos pares que sobre eles superintendem, formal ou informalmente, por via da mentalidade dominante, do prestígio adquirido, da credibilidade atingida, bem ou mal fundada.

Notícias de Amanhã – Estou em pulgas. Os Físicos na Caça aos Gambozinos rompeu o cerco, Joana Afonso?

Joana Afonso – Pois rompeu. Está-se nas tintas por completo para esta gente! Faz um cálculo rápido e simples com os dados disponíveis hoje e conclui que a expansão universal finda daqui a cerca de três milhões de anos. Curiosamente, outro tanto que a idade da humanidade actual. Uma coincidência interessante. Claro que nenhum de nós andará então por cá para confirmá-lo, não é? Se calhar, nem a humanidade, extinta pelo caminho, como tantas estirpes humanas que se foram perdendo pelos meandros do passado. Pelo menos com a versão actual é que não será de certeza. É o que nos conta a evolução da nossa espécie: do australopiteco até agora muito do nosso filão veio mudando e a muda continua através da nossa era. O itinerário evolutivo não pára nunca, em nós e no mundo em redor, por muito lento e gradual que opere. Mas pronto, isto é devaneio. Não andaremos nós por aqui. Poderão ser os nossos herdeiros... Ou será que andaremos?

Notícias de Amanhã – O quê, o quê? Andaremos?! Que é que esse risinho quer dizer?

Joana Afonso – Que andamos a lidar com cientistas que são tão cientistas que até os factos recusam. Deram a volta inteira e agora vivem em pleno obscurantismo medievalista com todo o triunfalismo, sem se darem conta. Só os factos são de acolher, certo? Para eles, todavia, factos são apenas os que encaixam no funil preconceituoso deles. Os que extravasarem dali não o serão, muito embora revistam as características dos demais: são sensíveis, percepcionáveis por terceiros, embora eventualmente não por todos (os cegos não vêem, os surdos não ouvem, os cegos surdos-mudos mal dão conta do mundo exterior...). Não é nada novo, sempre foi assim, mas para eles, cuidado, há certas categorias que não podem encaixar aqui, de modo nenhum.

Notícias de Amanhã – Joana Afonso, está a referir-se a quê?

Joana Afonso – Às faculdades para-normais, aos fenómenos psi, a tudo o que de incomum ou excepcional surja em alguém. Andamos evoluindo e nunca adivinharemos as surpresas do caminho. Temos de ir bem atentos e abertos a quaisquer inesperados. Ou então, que raio de cientistas seremos? Só que as novidades ocorrem mas vão sendo rejeitadas.

Notícias de Amanhã – Isso traz água no bico. Diga lá que é que anda a ser recusado.

Joana Afonso – Andam a sonhar com a viagem a Marte, não é? Os Físicos na Caça aos Gambozinos propõe-lhes que usem os pares de telepatas que obtêm à roda de 100% de acertos em testagem, quando pretenderem comunicar. É que a intercomunicação normal demorará mais de quinze minutos a ir e a vir daquele planeta. Como a telepatia é instantânea, tanto quanto podemos verificar, a vantagem é inegável. Ora, alguém liga a isto? Não. Para aqueles cientistas muito a sério é conversa de alucinados. Ninguém a pode levar em conta. A verdade, porém, é que numa das viagens à Lua, um dos astronautas combinou experimentá-lo, à margem do programa, sem autorização de ninguém, coordenado com um laboratório de investigação universitário. E a verdade é que funcionou, ainda por cima em ambos os sentidos (Terra-Lua e Lua-Terra). Não com 100% de acertos, mas acima dos 95%. Todavia, aqueloutros querem lá saber! Que lhes importa que venha dum cientista, em investigações de ponta com os melhores do mundo? Aquilo não encaixa nos seus preconceitos, acabou! Não há mais conversa. Exactamente a mesma atitude dos inquisidores quando queimaram Savonarola na fogueira. Quando morrer uma expedição a Marte porque foi inviável uma intercomunicação urgente para lhes referir como se salvariam (como na Apolo XIII), vai-se-lhes pedir contas? Os inquisidores foram extintos. Como se extinguem os pseudo-cientistas que são os que mandam em todas as instâncias de poder e decisão nestas áreas? É que são os carreiristas (aqueles para quem a carreira é a primeira prioridade, não a ciência e menos ainda a descoberta) os que lutam e apanham os lugares de poder. Como irá ser então?...

Notícias de Amanhã – Não podemos extinguir a ciência, era deitar fora o bebé com a água do banho. O que reporta, Joana Afonso, não será um caso pontual, irrelevante na generalidade? Afinal, há sempre o que vai à Lua e experimenta, contra tudo e contra todos, não é? Se calhar é mais comum...

Joana Afonso – Claro que há um pequeno leque que não vai por acolá, um pouco por todo o lado. Mas a secundarização da prova factual perante a pléiade dos sábios é óbvia e permanente, como em tempos galilaicos. É o retorno do medievo bolorento “magister dixit”. Em lugar de “contra factos não há argumentos”, é: contra mestres não há factos (que prevaleçam). Quer ver um caso elucidativo? Quando Isabel Allende publicou Paula, a biografia póstuma desta malograda filha dela, narra a certo momento um curioso episódio recorrente na infância da autora: iam passar o fim-de-semana a casa duma avó e, durante as refeições, a idosa movia os objectos na mesa por telequinese – não lhes tocava e ninguém precisava de ir buscá-los, ela concentrava-se neles e obrigava-os a deslizar para onde fora requerido. Criança que era, julgou sempre isto o mais natural do mundo e só mais tarde reparou como fora incomum e mais ninguém tinha tal dom. Como é que os cientistas laureados encaram isto? Ora, como mero recurso literário, um pequeno toque de magia a embelezar uma experiência trágica de vida. A telequinese natural não pode existir, decretam eles, portanto, ponto final! A postura deles é assim, mesmo depois de saberem que, na antiga União Soviética, fizeram uma pesquisa a tal faculdade e lhes apareceu uma siberiana ignorante e pobre que a comunidade dela entendeu corresponder ao que procuravam. Depois de falhar todos os testes em laboratório, a mulher gritou-lhes: “Deixem-me fazer como eu sei!” Quando afastaram toda a parafernália e a deixaram à vontade, imediatamente os objectos desataram a andar ao mando dela. Ora, que é isto para os nossos cientistas encartados? Mera publicidade comunista, meros lamirés com intuitos políticos escondidos, uma trafulhice. E com tudo o mais esta é a linha.

Notícias de Amanhã – Ai há mais?! Diga lá, diga lá, Joana Afonso!

Joana Afonso – Olhe, Allison Dubois, a inspiradora da série televisiva “Medium” foi submetida (como muitos outros) a testes controlados num laboratório de pesquisa universitário, em provas cegas que o chegaram a ser dupla e triplamente e, obviamente, passou em todas (como muitos mais). Para os investigadores daqui não há dúvidas de que comunica com indivíduos falecidos, embora nem saiba quem são nem a quem se destinam as mensagens (é o que implica a prova cega). Mas eles, os investigadores, sabem-no, controlam-no e validam-no (ou não). Tudo mais que provado, portanto. Mas para os oficiais do ofício, nas alturas da respectiva eminência, aqueloutros colegas, aqueloutras Universidades são uns meros degenerados que se venderam ao obscurantismo. Nem vale a pena ligar a isto, passam ao lado, numa militante política de silêncio. É uma cegueira obstinada, em tudo igual à do Grande Inquisidor: os respectivos dogmas são intocáveis, ele atingiu o Absoluto. O que não se lhe conformar vai parar à fogueira. E não reparam que andam a repetir o mesmo... E há muitos mais casos: olhe, por exemplo, a pesquisa sobre as crianças índigo – durou anos, incidiu sobre centenas de miúdos em trabalho de campo, prolongou-se e alargou-se por períodos seguidos depois. Valeu? Não. Começa logo porque não pode ser: então anda aqui uma investigadora que vê a aura dos indivíduos, ainda por cima a cores?! Que é isto?! É impossível, não pode existir tal coisa. Eles, os cientistas consagrados, não vêem nada, portanto, ninguém venha com tal pretensão. Isto é bruxaria a pretender encobrir-se com o manto da ciência. Se houvera hoje caça às bruxas, estamos mesmo a ver onde isto iria parar...

Notícias de Amanhã – Bem, a verdade é que estas áreas me deixam de cabelos em pé também a mim.

Joana Afonso – Tudo bem, o ignoto fá-lo sempre, como o escuro mete medo às crianças. Vamos virar costas e fazer de conta que não existe? Não. Desbravamos o terreno e damos novos mundos ao mundo. Eu nem preciso das provas da Allison ou da Lorna Byrne ou do John Edward ou do Tyler Henri... Aquilo é mesmo assim!

Notícias de Amanhã – Espere lá, Joana Afonso! Como é que sabe?

Joana Afonso – Sei-o porque eu tenho a mesma faculdade. Eu vejo os mortos, falo com eles e eles comigo e qual é o problema? Nenhum! É muito bom contarmos uns com os outros. Não preciso de prova nenhuma: eu vivo-o. Os que a pedem é porque a não têm. São cegos a isto como o daltónico às cores. Agora recusarem-no?! A que propósito? Somos aos milhões mundo além os que dispõem desta capacidade. Só na minha família e à minha volta conheço um ror de indivíduos. Quem são aqueles pretensos cientistas para me virem negar o que eu verifico todos os dias? São macacos capuchinhos a conversarem no laboratório entre eles: “Já viste estes humanos a pretenderem que são racionais? Grandes pândegos! A razão não existe.” Ou os bonobos no “Safari Park”: “Muito se divertem eles com as nossas brincadeiras! E julgam-se os deveras inteligentes! Ora, acima da nossa inteligência não há nenhuma!” Aliás, se calhar, estes cientistas enfarpelados até disporão de idênticas faculdades, mas, como aqueles que, sendo inteligentes, recusam usar a inteligência, ela atrofia-se em lugar de desenvolver-se e finda a extinguir-se por falta de uso. Então farão parte da imensa mole de gente que alimenta a infinita estupidez de que é capaz a humanidade. O enfatuamento dá nisto.

Notícias de Amanhã – Ah! Agora entendo porque andaremos por cá daqui a milhões de anos.

Joana Afonso – É o que me leva ao derradeiro desafio de Os Físicos na Caça aos Gambozinos. Sabe do grande desencontro entre a micro e a macrofísica?

Notícias de Amanhã – O problema da compatibilização mútua, a nunca formulada Teoria do Todo. Não me diga que...

Joana Afonso – Pois é. Ali abrimos o portão que permite harmonizar tudo. A pergunta não é a de quem terá razão, como muitos colocariam no princípio. Hoje ninguém duvidará de que ambos os ramos a têm, embora contraditórios um do outro. É por isso que a questão é a de como formular uma síntese, um patim além, que supere a dialéctica destes opostos que mutuamente se criam e se anulam. Não é diferente aqui de qualquer outra tensão entre contrários de quantas pululam em todos os domínios da vida (e a vida inteira é feita delas, seja qual for o campo: democracia-ditadura, capital-trabalho, conservadorismo-progressismo, idealismo-realismo, espírito-matéria, interiorização-exteriorização, consumo–poupança, disciplina-liberdade, perdas-ganhos... Poderíamos prolongar a listagem ao infinito. Apenas ignorávamos, até ao século anterior, que ela também se colocaria no mundo da Física, tão coeso até então se nos perfilara. Doravante jamais o veremos assim.

Notícias de Amanhã – E há uma saída aí na obra?

Joana Afonso – Há, mesmo que ninguém (ou quase) lhe ligue. Já Carl Sagan, no Contacto (no romance e depois no filme póstumo) o aflorara: ele coloca a astronauta em comunicação com os mortos queridos dela, num fenómeno de dilatação do tempo indetectável por nós, mas que deixa para trás vestígios físicos inexplicáveis a questionar-nos, uma vez que são palpáveis e não podem ser entendidos à luz da nossa actual compreensão do Universo. Fica, porém, por aqui, em perplexidade. Aliás, na mistura de OVNIs com sobrenatural, confundiu mais do que elucidou. O intuito seria, eventualmente, manter a questão de pé, ateu como ele confessamente era.

Notícias de Amanhã – Então onde anda o afloramento da resposta?

Joana Afonso – Em pressupor que o Universo pode ter uma vida interior qualquer. Sem isto, aquela ficção não faz sentido nenhum. É uma viagem espacial até ao reino dos espíritos. Claro que, posta nestes termos, é repudiada por crentes e descrentes. Não é por acaso que Carl Sagan a colocou no domínio da ficção (a única por ele escrita). É uma fantasia. Abriu, porém, uma brecha. Não sendo por aí o caminho, torna mais fácil entendê-lo.

Notícias de Amanhã – Agora sou eu que estou baralhado. No meio da confusão é mais fácil entender?!

Joana Afonso – É, porque se trata de colocar bem a questão. Se ela for mal colocada, leva a respostas más que nunca resolverão nada. Ora, é o que na contradição da Física tem vindo a ocorrer, por isso nos entalámos num beco sem saída até agora. E ficará para sempre aí, se não mudarmos a pergunta.

Notícias de Amanhã – Então qual é a questão, Joana Afonso?

Joana Afonso – É a maneira como encaramos o Universo: como vivo ou como morto? É espantoso que, observando todos os dias mil e um fenómenos variados em permanente convulsão, segundo leis de tão grande complexidade que constantemente nos escapam, obrigando-nos a ir mais além, sempre mais além, indefinidamente, num itinerário que se prolonga ao infinito, não nos tenhamos questionado sobre a maneira como encaramos isto. Pelo contrário: decretámos que a natureza tem três reinos, animal, vegetal e mineral, os dois primeiros vivos e o derradeiro, morto. E se não for assim? E se isto for uma grandessíssima asneira?

Notícias de Amanhã – Ai é?! Mas corresponde ao que vemos empiricamente desde sempre. Aqui à face da Terra não há outra coisa...

Joana Afonso – São as falsas evidências do saber empírico que sempre nos enganaram. É mais uma. Sempre tivemos a mania de que somos o píncaro da criação. Vem logo no capítulo inaugural do Génesis da Bíblia, há milhares de anos. À medida que vamos aprendendo alguma coisa, vamos caindo, caindo cada vez mais. Então, se repararmos à escala incomensurável do Cosmos, que somos nós? Nem sequer o planeta inteiro é alguma coisa de jeito, quanto mais... Não somos nada, é o que é. Mas arrogamo-nos tudo, que parvoíce! Não há maneira de tomarmos emenda. Não passamos dum piolho, num recanto qualquer do couro cabeludo cósmico, a olhar à volta. A floresta de cabelo, sim, é viva, sempre a crescer. Os outros da nossa espécie, também, claro. A caspa que eventualmente se desenvolve pela superfície além, igualmente, não há dúvida, é um campo relvado. Agora as partículas de pele velha à solta, não, são meros calhaus e terra a monte. As secreções glandulares, mesmo em rios de suor, também não, frutos ocasionais do clima. Um duche? Inundações catastróficas. E assim por diante. O piolho nunca poderá dar conta de que é um ser vivo parasitando outro. Este é-lhe tão desproporcionalmente maior que não tem forma nenhuma de o desvendar. E aí anda há milhões de anos, sempre a laborar no mesmo erro. E muito convencido. É verdade, somos nós.

Notícias de Amanhã – É cá uma reviravolta!...

Joana Afonso – E harmoniza tudo, já viu? Nós também nos estudamos desde as partículas do código genético até ao corpo anatómico da Medicina, até às multidões, às culturas, às civilizações... Também aqui cada nível confronta e conflitua com os adjacentes e as reequilibrações são o nosso destino permanente. Com a Física é o mesmo, mutatis mutandis. Só que isto desafia dogmas, portanto, os piolhos científicos fazem-lhe trombas.

Notícias de Amanhã – Repudiam-no? Ferem alguém?...

Joana Afonso – Claro. E vem de longe. O primeiro a propô-lo, muito timidamente, referiu-se apenas à Terra como viva. Foi olimpicamente ignorado e, por conseguinte, ostracizado. Os cientistas encartados são preconceituosos mas não são parvos. Intuíram decerto que admitir que o planeta é um ser vivo implica acolher que tem interioridade, como qualquer outro, como nós, mais germinal ou mais evoluída, pouco importa. Isto produz dois efeitos: é a ciência a reconhecer um mundo de objectos não cientificáveis, uma vez que se não situam no espaço (“o saber não ocupa lugar”, diz o povo e há muitas outras realidades destas além do saber: afectos, valores, escolhas, ideias, utopias, mentalidades...); decorrente daqui, é restaurar o universo inteiro da metafísica que o cientismo repudia, no mínimo por ser cientificamente inabordável (a percepção aqui é, por natureza, impossível), no médio por não ter nenhuma importância de relevo, no máximo por ser eventualmente inexistente (para os extremistas, o pensamento é o disparo eléctrico duma sinapse neurológica; a emoção, uma mera secreção glandular...).

Notícias de Amanhã – E ficamos por aí, é?...

Joana Afonso – Não, não. Há também aqui os que não alinham com o preconceito dos cientistas fátuos. Um deles já se atreveu a publicar a Teoria Gaia II, desenvolvendo e aprofundando a primitiva versão do século anterior. Ainda não tinha ouvido falar dela, pois não? Evidentemente. Como o resto do mundo. No planetário cemitério dos mortos-vivos apelidados de cientistas oficiais qualquer cotovia que cante o anúncio da madrugada é votada ao silêncio militante. Pergunto-me com que direito. Quando romperemos o cerco? Quando faremos ciência honesta, humilde e respeitadora dos domínios que não são os dela? Quando é que a mentalidade desta gente piolhenta (mentalidade que é uma das tais realidades impossíveis de cientificar, na vivência íntima deles – embora eles a nem vejam) abre os olhos e dá conta do que é condição sine qua non para reconhecer-se e se reconverter em algo de jeito? Deixem de ser piolhos, cresçam, sejam gente! – é o que apetece gritar.