NOTÍCIAS  DE  AMANHÃ

 

 

 

 

 

BARTOLOMEU  VALENTE

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Aroeira, 2020

 

 

 

 

 

 

 

PRIMEIRA  ENTREVISTA

 

A caminho do amanhã

 

Notícias de Amanhã  – Joana Afonso, como perita duma empresa de colocar talentos, que é que a leva aqui a operar ao contrário? Não é para colocar ninguém no lugar correcto. Ao invés, é para afastar qualquer tentativa em tal rumo, a fim de sublinhar apenas o relevo da obra, genericamente ignorada. Ora, para esta não há emprego, não é verdade?

Joana Afonso  – Pois não. E, noutro sentido, há todo o emprego do mundo. Sabe o que é que ocorre quando avança o autor à frente da obra? Tenho um amigo que integrou uma tertúlia de homenagem a José Saramago, logo após ter sido galardoado com o Prémio Nobel de Literatura. Durou anos o jantar mensal em que seroaram animadamente, até que ele abandonou tudo. Adivinha porquê? Olhe, quanto a ele, é que primariamente fez sempre questão de levar para o grupo uma garrafa de vinho de qualidade. E todos a apreciavam muito. O convívio foi sempre agradável. De Saramago, só uma ou outra picardia ou bisbilhotice, que havia sempre outros temas mais interessantes. Da obra ninguém se importou nunca, é chata de ler e mais ainda de entender. Finalmente, fiéis, fiéis, eram umas matronas solitárias perenemente à espera duma masculina oportunidade... Aqui está em que dá a obsessão pelo autor. Todos enaltecemos Luís de Camões. Mas alguém lê Os Lusíadas? Já nem falo do resto...

 

Notícias de Amanhã – Mas não é legítima a curiosidade pela biografia? Pode ser tão ou mais exemplar que a própria obra... Então, quando do nada se elevou um sol gigantesco no horizonte...

Joana Afonso – Claro que é legítima. Só que é desviada e desviante. Acaba deitando fora o principal. Alguém se importa com a vida dum zé-ninguém qualquer? Não. Como justificar que a curiosidade passe à frente de tudo, tão fascinada pelo mensageiro, a ponto de obliterar a mensagem? É só porque é mais fácil? Mas isto não leva a nada... Nem vamos mais longe. Ninguém consegue reconstituir a biografia de Camões e ainda bem, não é o mais relevante. Senão toda a gente a desbravaria, vaguearia por ela e deitaria a obra ao lixo, mais ainda do que já deita. Numa conversa de amigos, estudantes em Coimbra, uma estrangeira deixou-me envergonhada: sabia mais de Os Lusíadas do que a roda inteira. Ficou tudo muito caladinho a acenar com a cabeça... Que tristeza!

Notícias de Amanhã – Deve ser meramente ocasional e há-de mudar, acredito. A nossa escola tem andado às voltas em busca dum modelo que não mate Camões, como antigamente a turma inteira à procura da oração principal no prólogo do épico. Ainda foi do meu tempo...

Joana Afonso – Não é tão ligeiro, creia. O problema é universal e bem mais fundo. É característico da humanidade, ao que parece desde sempre.

Notícias de Amanhã – Como assim?! Há mais casos, Joana Afonso?...

Joana Afonso – Ora, por todo o lado. Repare só no que aconteceu com Jesus Cristo. Há milhares de bosquejos biográficos nestes mais de dois milénios. Mas não há dados seguros praticamente para nada. As fontes de referência de base, os Evangelhos, são de três ou quatro gerações depois. Memórias transmitidas de boca em boca. E já sabemos que quem conta um conto acrescenta um ponto. As contradições são insanáveis, por mais critérios probabilísticos e de bom senso que utilizemos. A mistura com tradições paralelas doutras crenças baralha tudo ainda mais. Aquela nossa tendência, porém, nunca desiste e as configurações de Jesus multiplicam-se ao infinito. Alguma corresponde à figura? Pergunta inútil, não há como discriminá-lo. Praticamente tão inútil como a obsessão por este caminho: é o modo mais eficaz de desviar toda a gente  da grande novidade. Perdemos a lição ao fixar-nos no personagem.

Notícias de Amanhã – Ora! Mas é uma vida exemplar para milhões e milhões de indivíduos... Isto é eficaz!

Joana Afonso – Pois, deveria ser, mas é mentira. Melhor: é eficaz, mas não no rumo em que deveria ser. Repare: aparte uns poucos que se centraram na Boa Nova (o itinerário da ressurreição) e que podem ser luminares em tal sentido (Sº. Agostinho, S. Francisco de Assis, S. Tomás de Aquino...), enquanto não nos virarmos, também neles, para o culto da personalidade, que é que os demais biliões vêm predominantemente operando cada vez mais desde o princípio? Adoram Cristo e, decorrendo dele, veneram os santos (cujas biografias também devoram, evidentemente). É tudo o contrário do que Jesus viveu e propugnou: era endireitar o mundo, rumo à amorização universal e cósmica, era viver, em carne viva, as bem-aventuranças... Foi o que ele fez, nos três anos da vida pública. Este foi o caminho que culminou na ressurreição, não foi ir à missa, rezar das matinas às vésperas, encher o resto com mil e uma devoções e assim por diante...

Notícias de Amanhã – Anda tudo no caminho errado?

Joana Afonso – Não, não. Anda tudo no caminho certo, só que não caminha. Abancaram no jardim dos piqueniques e nunca mais o largam, com a auto-estrada ao lado, abandonada. E, quando julgaram que se teriam de se mexer, trataram foi de transpor o mundo inteiro para o recanto daquele convívio. É o que foi a cristandade: não é amorizar o mundo, é enfiá-lo todo nas malhas eclesiásticas, ali bem acorrentado para a eternidade. Aliás, é o que tenta o Estado Islâmico como o Tibete budista. Está tudo ao contrário. Houve sempre em todo o lado umas poucas excepções que entenderam que o rumo não é o canteiro das merendas mas os profetas solitários foram sempre abafados pela gritaria da multidão. E os guardas dos refúgios prandiais encarregam-se de imobilizar todas as viaturas, para que ninguém mais tenha a veleidade de voltar à estrada.

Notícias de Amanhã – Que pessimismo! É tudo silenciado?

Joana Afonso – Ora, ora! Isto é realismo. Só vale a pena ser optimista com os pés no chão. Se olharmos a história das religiões, aquilo é uma constante. Na Bíblia, então, que cobre cerca de mil e quinhentos anos do povo judaico, a periodicidade do confronto dos dois pendores é tão regular que acaba na convicção generalizada de que os profetas são sempre mortos para, depois da morte, todos reconhecerem que, afinal, tinham razão. E esta razão, uma vez implantada, é onde os novos merendeiros assentam arraiais, em nome dos quais matam o profeta seguinte e assim encadeadamente. É um pesadelo ao infinito. Em nenhuma época foi diferente, em nenhuma o será, até à consumação final. Não temos como fugir a isto. Só resta escolhermos de que lado nos pomos: sentados a vida inteira à mesa, a comer e a tagarelar, ou de pés à estrada, até ao novo refúgio de repasto, quando a fome aperta? Até Jesus terminou a grande aventura com um encontro de despedida, a última ceia. Mas era para que todos arrancassem alimentados para a vida lá de fora, não para ficarem ali a cantar loas, nem para arrebanharem o mundo inteiro para a sala do festim. Andamos há dois milénios a fazer isto, dominantemente.

Notícias de Amanhã – Mas então a refeição no lar das irmãs Marta e Maria? Jesus prefere Maria que o fica a ouvir à Marta que se atarefa a preparar a comida...

Joana Afonso – Ora, é exactamente a confirmação do que digo: pouco lhe importa que o sirvam, mais do que isto vale ouvi-lo bem, compreender o caminho. Então, se é cumprir rotinas, como o cotio é feito, de certeza que é andar no trilho da vida sem roteiro nem bússola, na tropeada do rebanho: não há norte nem horizonte de referência. É, porventura, o cumprimento de Marta. E, se for para banqueteá-lo ou homenageá-lo, ainda é pior: Ele só quer que se cumpra a vontade do Pai, o resto é desvio. Ou tudo executa aquilo, ou então, não. É isto que a multidão ignora, há séculos. O que, aliás, é diligentemente cultivado por quantos beneficiam com este alheamento. É onde leva trocar a mensagem pelo personagem. E isto é sem se lograr reconstituir a biografia de Jesus. Que faria se fosse viável!...

Notícias de Amanhã – Compreendi. Vamos então à mensagem, ignorando o mensageiro. Dizia, quando combinámos, que principiaria por um guião que depois exploraríamos, não era? Avance, Joana Afonso!

Joana Afonso – Confirmo. Inauguro a aventura com A Caminho do Amanhã. Sabe qual é a aporia mais antiga da cultura crítica, do saber de rigor e precisão? Tem dois mil e quinhentos anos. E até agora sem resposta convincente, apesar de mil e uma tentativas, mais ou menos falhadas, mais ou menos conseguidas, milénios além. Foi Aristóteles (séc. IV a. C.) o primeiro a tomar consciência do problema, ao alinhar, livro após livro, todo o saber do tempo dele que tentava ir além do mero discernimento empírico do quotidiano. Foi ao tentar elaborar a primeira enciclopédia de que há memória que ficou interdito, a meio: tinha corrido todos os campos do conhecimento sensível, a que chamou de Física, e agora deparava-se com outro tipo de saber que não se enquadrava ali, uma vez que não tinha nada de físico, mas era o domínio privilegiado dos sábios mestres dele, Platão e Sócrates. Ignorando como caracterizar tal campo, mas discernindo que era um novo pendor da realidade irredutível àqueloutro, separou-o dele e designou-o pela localização em que o colocou: depois da Física, criando o neologismo que significava apenas isto – Metafísica.

Notícias de Amanhã – Que raio é a Metafísica – é este o problema? Mas a quem importa tal bisantinice? Não é outra vez discutir o sexo dos anjos, enquanto Constantinopla está a cair, cercada pelos turcos otomanos? A História anda cheia de ilustrações disto, olhe só a rainha Maria Antonieta a disputar o seu pavilhãozinho privado no palácio de Versalhes quando a França estava toda a desmoronar-se com a Revolução Francesa...

Joana Afonso – Pois, até parece, mas é o contrário. A História é conduzida pela mentalidade dominante, feita de convicções profundas generalizadas, onde radicam as escalas de valores, por sua vez inspiradoras de rumos de vida que redundam nos actos e actividades de cada um. É uma realidade quase sempre inconsciente e tanto mais poderosa quanto mais o for. Antolha-se a todos como natural e, portanto, devém inquestionável e inquestionada, por mais que, ao analisá-la, constatemos que tem sempre pés de barro: repare, a título meramente exemplar, no ideal ameríndio norte-americano de o homem só ter direito a usar no cocar o número de penas correspondente ao de inimigos abatidos. Levava às guerras tribais intermináveis com que os colonos descobridores depararam naqueles territórios. Compreende? Era da metafísica deles... Se tivessem outro entendimento do homem e respectivo destino, outra era a atitude derivada. É sempre isto, em todo o mundo, em todas as eras.

Notícias de Amanhã – Quer dizer, Joana Afonso, que temos a civilização mundial a estiolar e o planeta a extinguir-se diante de nós por o problema da metafísica não ter sido até agora resolvido? É mesmo o pano de fundo em que as aventuras decorrem?

Joana Afonso – Fatalmente, seja expresso, seja implícito. E é pior quando implícito, que os indivíduos nem sequer tomam consciência do que andam protagonizando. Vivem no imediato, sem discernirem (até sem suspeitarem) do que os condiciona por trás. Insensivelmente encaminhados em determinado rumo, irão em tropeada por ele além, rebanho obediente mas incônscio, embora nos leve porventura a um letal precipício, como ocorre mundialmente hoje em dia. É uma lei colectiva perene. A civilização greco-latina de que o mundo ocidental é herdeiro foi norteada pelo ideário de Platão e Aristóteles (séc. V-IV a. C.), cuja influência, aliás, vem até hoje, mais ou menos diluída através de quantos inspirou, milénios fora. Foi assim que, decaído o Império Romano e proliferando o cristianismo como europeia fé dominante, inspirado em Platão e herdeiros (Plotino...), S.º Agostinho propõe uma revisão da mentalidade generalizada que devém a grande referência dos europeus durante oito séculos. Foi o grande fermento dos povos daqueles tempos. Até que S. Tomás de Aquino (séc. XIII), fascinado pela redescoberta de Aristóteles há tantos séculos ignorado, reformula de novo tudo e marca a mentalidade dominante das seguintes quatro centúrias. O peso da Física aristotélica, por exemplo, amadureceu o terreno para germinar a ciência da era moderna, produto do mundo ocidental, onde aquele ideário a chocou por aquelas gerações além. Até que Descartes (séc. XVII) retoma em mãos o testemunho e, na linha de Platão – S.º Agostinho, fundamenta a procura da verdade segura com a dúvida metódica, até atingir o irredutível “penso, logo existo” (Discurso do Método), ou simplesmente “penso, existo” (Meditações Metafísicas), certeza angular, a partir da qual seria de deduzir (à maneira do pensamento matemático) qualquer saber firme que fora viável. Engraçado é que ninguém reparou que isto retoma a versão agostiniana, mil e duzentos anos depois, para o mesmo problema de fundamentar um qualquer conhecimento incontestável: “Duvido, logo existo”.

Notícias de Amanhã – E atingimos o estado actual, quatro séculos depois. A ciência é rainha, com a tecnologia de braço dado. O pior é que tanto sabemos e transformamos que doravante precisamos de três planetas Terra para conseguirmos elevar todos os povos ao nível dos países mais ricos. Isto não tem saída, nem que desatemos a colonizar o sistema planetário inteiro, o que é, para já, uma utopia palerma. É ou não é verdade? Ou o A Caminho de Amanhã tem a varinha mágica de operar o milagre?

Joana Afonso – Eu creio que tem. É que é tudo uma questão de mentalidade, como sempre foi. Não estaremos mesmo a ler mal aquilo que somos? Donde vêm os riscos e a ameaça? Não é melhor ir lá verificar qual é a origem? Não é urgente refazer o acerto, identificando o que tem andado ignorado, esquecido na valeta da vida? Que é que existe em nós e que a mentalidade dominante crê que é negligenciável, porventura inexistente, mas que anda a alimentar o desastre? Se calhar esta é que é a saída radical para a camisa de onze varas onde nos metemos...

Notícias de Amanhã – A Joana Afonso está a referir-se ao cientismo e tecnocratismo que dominam incontestavelmente a civilização mundial hoje em dia? Há uma alternativa? Mas, claro, que não seja um retorno à Idade da Pedra... Essa toda a gente a conhece e ninguém a quer, repúdio universal.

Joana Afonso – Também eu a repudio, evidentemente. Não, não é por aí. A questão é que o ameríndio deve perguntar se, para ser homem, precisa de usar penas no cocar. E, se as quiser, é de questionar se tem mesmo de abater inimigos para dispor delas. Nós somos sempre estes ameríndios de antanho que não põem em dúvida o credo ancestral. Quando o fizermos, abrimos a porta dum mundo novo. Foi assim desde que o homem é homem. Ficarmos fixos numa modalidade de vida qualquer é que aniquila tudo e nos aniquila, arrasa impérios e civilizações. Mata cada um de nós, na nossa vidinha privada. Quem não evolui permanentemente é um morto-vivo a enganar toda a gente, a principiar por ele próprio.

Notícias de Amanhã – Isso é muito genérico, muito vago... Ninguém fica tocado por tal abordagem.

Joana Afonso – Já não é tanto assim quando reparamos que foi a fixidez de convicções tomadas por verdade absoluta que levou às Cruzadas e à Inquisição outrora, como hoje ao genocídio nazi a às purgas estalinistas, maoístas e tantas outras idênticas, pelo mundo fora. Mesmo os massacres tribais provêm daquilo, não são monopólio dos ameríndios do norte, na era dos Descobrimentos.

Notícias de AmanhãA Caminho do Amanhã é um libelo contra o fanatismo? Se o for, olhe, até eu o sou, como qualquer indivíduo com dois dedos de testa que não seja um ignorante básico ou então um alucinado por uma qualquer revelação divina ou humana, sempre uma idiotia mortífera. Aliás, o alucinado é o que nunca entendeu deveras o que o alucina. Se entendesse, deixaria de o ser, mesmo continuando entusiasmado.

Joana Afonso – O anti-fanatismo é o efeito da relatividade das verdades. Não é o núcleo da obra. O que ali se atinge é identificar e delimitar o âmbito da metafísica por contraposição ao da ciência. Evidentemente que logo isto as relativiza uma perante a outra. Nenhuma doravante pode pretender aniquilar nem sequer subalternizar a vizinha, como ocorreu durante a Idade Média com a desvalorização da Ciência ante a sobrevalorização da Teologia, por sua vez colocando como serva a Filosofia. Nem como agora, fruto da Idade Moderna e Contemporânea, em que apenas a Ciência impera e cada vez há menos lugar para a Filosofia (e a Teologia é só de círculos restritos de crentes, quase como um arcaísmo folclórico...).

Notícias de Amanhã – Então A Caminho de Amanhã logra identificar o campo da Metafísica que a aporia aristotélica deixou em aberto há dois milénios e meio, até hoje sem características definidas. Todas as abordagens foram incongruentes, é?

Joana Afonso – Diria, pelo contrário, que todas foram congruentes mas com a pontaria ao lado: nenhuma logrou demarcar nitidamente a fronteira, salientaram pendores, apontaram traços comuns, eventualmente universais, objectivos típicos, missões a cumprir... Tudo, porém, muito subjectivamente individual, quer dizer, correspondendo à vivência daquele autor particular e de mais ninguém. Não que nos não identifiquemos com estes itinerários, bem ao invés. Deixam-nos é famintos de mais e, principalmente, de mais consistência e abrangência. Uma visão que englobe tudo e todos, o mundo aparte que é este mundo particular. Ora, é o que consta daquela obra: abarca os desbravamentos de tal domínio de há três milénios para cá, da nossa cultura ou de quaisquer outras onde bandeirantes rasgaram trilhos por tais campinas...

Notícias de Amanhã – Numa palavra: o objecto de pesquisa foi finalmente identificado. E isolado. É isso, Joana Afonso?

Joana Afonso – Exactamente, tirou-me as palavras da boca. Curiosamente, diria Aristóteles, não é Física, está mesmo para além dela, é mesmo Metafísica. Mas doravante vemos o que é, bem clarinho. Custou mas foi, é verdade. Dois mil e quinhentos anos...

Notícias de Amanhã – Está mesmo fascinada! Desculpe que lhe diga, mas a mim nem me toca. Que é que importa seja a quem for que alguém tenha conseguido tal coisa? Até os cientistas têm mais que fazer... Só se for algum filósofo ou teólogo e, mesmo estes, se não andarem alheados, ocupam-se é dos problemas que enfrentamos. Agora aquilo...

Joana Afonso – Pois, visto assim, parece inócuo. Não adianta nem atrasa nada, não é? Mas é uma ilusão de óptica. É o imediatismo que nos tolhe a visão, não reparamos no horizonte para onde aponta e nos dirige e que é de todo diferente do abismo para onde deslizamos hoje em dia planetariamente. Aliás, perguntaria se não lhe aguça a curiosidade descobrir como investigar, testar, contraprovar uma área de pesquisa que não tem dimensões sensíveis, que não se encontra em espaço nenhum. Não é desafiador? Há maneira de consegui-lo? Depois de verificarmos mesmo que persiste um domínio destes, a questão impõe-se. Não existindo nem podendo existir método científico para isto, o senhor é mesmo invulnerável à adivinha? Como entrar ali? Como desbravá-lo? Como dominá-lo?... Continua a não o importar? Não acredito que isto não espicace qualquer um, por mais alheio que ande a tais problemas.

Notícias de Amanhã – Bem, colocado em tais termos, deponho as armas. Agora realmente sou eu que me pergunto: como raio se faz isso? Nunca tinha pensado... Mas não há forma, não é? Ou há?... Mas se o método experimental fica de lado... Ora esta! Aqui é que me apanhou mesmo, Joana Afonso. Levante lá a ponta do véu. Como é que é isto? A Caminho do Amanhã encontrou uma alternativa, foi? Fico em pulgas, confesso. Só há o método científico... Mas então há outro?! Como? Para conhecimentos com o rigor e precisão dos da ciência?! Não acredito. Andamos há meio milénio pelo científico-tecnológico justamente para escaparmos ao jogo dos subjectivismos opinativos, cada cabeça, cada sentença, sem forma de superar isto que não aquela. Quer-me dizer que doravante...?

Joana Afonso – Digo, digo. Mas antes repare como em si, como em todos nós opera a cultura dominante. Primeiro, nem cremos que haja alternativa ao que herdamos, onde nos recentramos e que desenvolvemos. Não é verdade, há sempre outros itinerários. Ao nosso livre arbítrio corresponde uma natureza fora e dentro de nós que é sempre multímoda e moldável. Em segundo lugar, cremos firmemente que é segura a verdade da ciência. É falso, a dois níveis. Desde logo, a descoberta de hoje cairá, inelutavelmente, perante a de amanhã: toda a história da ciência é a da sua caducidade. É fatal em todos os domínios. Isto redunda no seguinte paradoxo verdadeiro que a nossa crendice multissecular repudia: a única verdade segura que a ciência nos traz é a de que toda ela é e será sempre falsa. A verdade não lhe fica ao alcance. Vai saltando de alpondra em alpondra incerta no rio inelutável da vida, mais nada. Ao menos dá-nos alpondras, nada mau. Mas apenas isto. O resto é ilusão e podemos ter de pagá-la caro.

Notícias de Amanhã – Eh, lá! Isso é varrer a ciência? Ou não?...

Joana Afonso – Não, é pô-la no seu lugar. Há séculos que a epistemologia da ciência o sabe. Não há volta a dar-lhe. Não há maneira é de entrar na mentalidade comum, todos crentes numa mentira generalizada. Mas há mais. Se é para fugir a cada cabeça, cada sentença, a ciência é apenas ligeiramente menos vulnerável a isto. E é quando o for... Que dizer das múltiplas correntes irredutíveis e irreconciliáveis que pautam todas as ciências humanas? Não há uma que escape. Resta, fora delas, a matemática, não é? Só que é um mero jogo de formas, sem conteúdo de realidade. E depende dos pressupostos. E se os recuso? Aqui já não vale nada. Quando se aplica, lá retorna a confusão e a disputa entre alternativas. Nas ciências da natureza não seria assim, perante a prova experimental? Também não se confirma, senão temporária e parcialmente: que dizer da contradição insuperável entre a física de partículas e a macrofísica? E das múltiplas atitudes e correntes da astronomia? São tendências, são escolhas: numa palavra, cada cabeça, cada sentença. Também aqui, portanto, em todo o lado. Só nos resta continuar o esforço para ir superando isto, no que nos for estando ao alcance. É, aliás, a grande lição da ciência: persistir interminavelmente em busca de mais migalhas, no trilho inesgotável da verdade inatingível mas indefinidamente aproximável. É a nossa condição, dê lá por onde der. Em todos os domínios, sejam físicos, sejam metafísicos. Não há como escapar-lhe. E é melhor convencermo-nos das fronteiras reais da nossa natureza, que apenas então poderemos lidar vitoriosos com os recursos disponíveis. Se não formos por aqui, batemos na parede e partimos a cara. Foi o que sempre nos fez a mentalidade dominante, História além, cega permanentemente às respectivas insuficiências e surda à denúncia das crendices dela. Tem de estar, como tudo o mais, em permanente revisão e reformulação. Somos peregrinos do Absoluto em todos os planos e a todos os níveis. Nada escapa ao perene peregrinar: quando o traímos, aniquilamo-nos individual e colectivamente. É da História, é da Sociologia, é da Psicologia. E é da Filosofia e da Teologia. É isto.

Notícias de Amanhã – Mas fugiste à pergunta. Há um método alternativo? É mesmo?

Joana Afonso – Evidentemente. Com características perfeitamente paralelas às do experimental. A arbitrariedade tem de ser eliminada o mais possível em qualquer que seja o campo, não é fito apenas da ciência. Mesmo sabendo que, enquanto ideal, também isto é apenas aproximável, jamais atingível definitivamente. Somos sujeitos e a subjectividade acompanha-nos as pegadas em qualquer que seja o domínio. A fuga para o facto experimental é apenas isso, uma fuga, nunca uma consumação: sou eu, o sujeito, que constato o dado e nunca poderei fugir a mim. Há sempre ali um componente subjectivo, definitivamente inultrapassável. Se eu me elimino, desaparece comigo tudo. Tão simples e óbvio como isto. Se desaparecer a Humanidade, não há ciência, civilização nem cultura. Enquanto ela existir, existe subjectividade em tudo, em todo o lado, fatalmente. Não vejo como escapar a isto nem ninguém o vê, não é verdade? Portanto...

Notícias de Amanhã – Pois, estou a compreender, é tudo uma questão de grau de segurança maior ou menor. Em resumo, A Caminho do Amanhã identifica o objecto da metafísica, aponta-o e delimita-lhe as fronteiras. E com isto dá-nos uma grande paulada na cabeça das convicções dominantes que nos estruturam a mentalidade de que todos partilhamos. Como se tal não fora bastante, logra definir um método para investigá-lo, testá-lo, ratificá-lo. Isto é novo, claro. Eu nem imagino como, não é?...

Joana Afonso – É tudo novo, embora numa teia velha de milénios. E que a Penélope da humanidade tece de noite e destece de dia, eternamente a aguardar, fiel, o retorno de Ulisses viageiro ao lar, perenemente adiado pelas peripécias de cotio. Ele anda, pelo que nos diz respeito, há quatro séculos perdido nos trilhos do cientismo e da tecnocracia, doravante em rota suicidária e sem vislumbrar como escapar-lhe. Melhor, com várias fugas por vários lados que até, se calhar, permitirão fugir ao afogamento no turbilhão da planetária cachoeira, mas sem entrever rota alternativa que aproe o barco à Ítaca do sonho. Este é que é o desafio a sério, o que anda por trás de tudo. O cientismo gerou o problema, não o resolve; o tecnocratismo consuma-o, não o evita. É urgente outro mapa do tesoiro. Este já deu o que tinha a dar. Quem tem o itinerário daqui para a frente?

Notícias de Amanhã – Tem-no no bolso, Joana Afonso?! Não me diga!

Joana Afonso – Era bom, era! Também nem tanto... Aliás, é sempre a nossa tendência: queremos a receita. Ora, não há receituário. Nunca, para desafio nenhum, em nenhum domínio. Aliás, há muitos mas são todos charlatães, a não ser quando se relativizem, a título meramente exemplificativo, mero fermento de novas fornadas a inventar sabores, aguilhada doutras correrias à descoberta ou, pelo menos, à aventura. O bom cozinheiro não é o que segue à risca as indicações, é o que apura ao gosto dele, o que molda aos recursos do momento, adapta às preferências dos comensais... Em tudo na vida é assim. Quem o recusa cai na rotina, termina caduco de mãos vazias. É um empecilho, não um pioneiro, muito menos um bandeirante.

Notícias de Amanhã – Por outras palavras, A caminho do Amanhã não chega aqui.

Joana Afonso – Não chega porque o problema é outro. Aí ninguém deve chegar, senão naqueles termos. E, para cumpri-lo, é preciso uma porta aberta que permita operá-lo. Ora, a porta anda fechada pelo cientismo positivista: só importa o cientificável, o dado perceptível, o resto é despiciendo, se calhar nem existe, é meramente ilusório. Acolhido isto, não há saída nenhuma. Não há porta, nem portal, nem gateira, nem fresta: nada. Ficamos reduzidos ao corpo percepcionável, mera exterioridade, somos um robô que mexe até que se lhe esgote a bateria. Nada mais. Alguém sente que é isso? Se não, como dar a volta?

Notícias de Amanhã – E a Joana Afonso encontrou a volta dada. Foi ou não ?

Joana Afonso – Pois foi. Já reparou que aquela imagem de nós nada tem de científica? Não há como comprová-la experimentalmente, nem em laboratório, nem em trabalho de campo, por metodologia nenhuma desta área. Entretanto, trata de impor-se como se fora cientificamente demonstrada. E a mentalidade dominante acolhe-a como derivada dali, com a pretensa segurança do saber comprovado. É uma burla do princípio ao fim, uma mentira descarada e sem escrúpulos. A cultura comum é muito acrítica. Então cai em pegos destes sem dar por ela, com a maior facilidade, em plena inocência ignara. A ordem estabelecida tende a cobrir tudo, polvo de mil tentáculos, também as idiossincrasias que não andem atentas e que praticamente envolvem toda a gente. Caímos todos como ratos na ratoeira. Ora bem, isto é matéria doutra área que não a da ciência, o cientismo extravasou do seu domínio e entrou em seara alheia sem ninguém dar por ela. O cientismo é uma postura filosófica como outra qualquer e que deve ser escrutinado nesta área, não na da ciência onde não tem nenhum cabimento nem recurso. Só prolifera justamente devido à indefinição de campos e à confusão que gera. Uma vez isto clarificado, tais pretensões caem por terra. Isto não é física, por muito que o pretendam os crentes dali, mas metafísica: é uma imagem mental, como qualquer outra que eu queira formular, não tem qualquer dimensão no espaço que alguém agarre para encafuar num laboratório. Com o povo diz, o saber não ocupa lugar. E, portanto, não há ciência que aqui possa legitimamente intrometer-se. Senão, andará claramente a vender gato por lebre. E é desonesto, para além de integralmente falso.

Notícias de Amanhã – Esta é que é a porta aberta? É um tal escaqueirar de ídolos! Leva tudo raso...

Joana Afonso – Isto é só um exemplo do que ocorre quando abrimos a porta que nos pretendem fechar na cara. Permite pôr as carecas à mostra. Mas é só metade da freima.  O mais importante é preencher os vazios depois de jogarmos fora os trastes velhos que nos prendem os movimentos ou nos caem em cima, asfixiando-nos. Não é apenas varrer a casa, é urgente remobilá-la a contento do que precisarmos e pretendermos. É todo um novo mundo de cultura a recriar, à dimensão da nova vida a reinventar, a pôr de pé.

Notícias de AmanhãA Caminho do Amanhã abre a porta, é? Como? Se não enfia a ciência e a tecnologia no saco...

Joana Afonso – Pois não. Isso era a asneira simétrica à da mentalidade dominante, iríamos dum extremo ao outro. Às perdas dum lado acumular-se-iam as do vizinho. Espero bem que a estupidez humana (que Einstein crismou de infinita) não venha a cometer aqui tal disparate. Mas sei lá... Por ora é só a primeira pedra, ninguém pode prever o que nos reserva o caminho. Só pelo andar da carruagem.

Notícias de Amanhã – Mas ainda não compreendo bem a questão da porta aberta. Permite limpar o terreno, correcto. Contudo, em que consiste?

Joana Afonso – Então, identificado e delimitado o domínio da metafísica, entendida a metodologia de abordagem que lhe permita um rigor acima do mero saber empírico do quotidiano, rotineiro e inconsistente, a questão restante é a da função. Para que serve isto? Como iremos utilizá-lo em nosso proveito? Que poderemos atingir com tal recurso? Que potencialidades revela para bem e para mal? Como discriminar e escolher?

Notícias de AmanhãA Caminho do Amanhã vai por aí? E é mesmo útil? De repente sinto-me desconfortável: o meu ponto de partida era o contrário, que isto seria tudo conversa de lana caprina para entreter o ócio, como diria Sócrates, não é?

Joana Afonso – É tudo o inverso: nós tornamo-nos gradualmente no que imaginamos ser. A energia da nossa vida interior é incrivelmente mais forte do que acreditamos. Não damos por ela porque é muito subtil, uma inclinação suave, um pendor ligeiro e vago, muito genérico, mas num contínuo interminável, perene o dia inteiro, todos os meses, anos encadeados... E assim acaba forjando uma mentalidade comum, como aquela em que vivemos mergulhados e que nos anda a precipitar, de enxurrada, no abismo do colapso planetário.

Notícias de Amanhã – Propõe outro modelo de ser? E não é um academismo qualquer, tudo seco e morto, como o formulário duma droga de farmácia?

Joana Afonso – Nem pouco mais ou menos! Põe os pontos nos is. Define a função dos saberes de tal área que nos habituámos a designar genericamente por Filosofia, embora impropriamente, porque abrange também a Teologia, bem como a componente da interioridade das Ciências Humanas, área da cultura que nunca até hoje deu conta do recado a contento, por recusar ver donde lhe vem a tendencialidade das leis, estruturalmente insuperável. Jamais houve aqui a abordagem complementar dos dois campos, o da ciência, a Física, e o da interioridade, a Metafísica. O preconceito do cientismo da cultura dominante continua a bloquear o caminho, a manter-nos em menoridade ignorante. E julgamos que está muito bem, não é?

Notícias de Amanhã – A novidade tem de deixar os velhos morrer para depois devir bandeira das novas gerações, protagonistas dum mundo renovado. Foi sempre assim: Sócrates foi sentenciado à morte, Jesus foi crucificado, Galileu foi condenado e só a velhice o livrou da pena capital... A lista é interminável e é só a dos conhecidos. Quem mais não haverá!...

Joana Afonso – É de tal maneira que eu prefiro designar a função por missão. Porque é mesmo disto que tratamos ali. É a nossa salvação o motivo mais profundo, é o que está em causa ao abordarmos esta área, hoje como sempre. O “conhece-te a ti próprio” socrático era o lema dum templo délfico, no pórtico de entrada, que ele retomou.

Notícias de Amanhã – Espere, espere, Joana Afonso. A Caminho do Amanhã não é, neste ponto, um missal com a sequência duma liturgia qualquer, pois não? É que disto já temos que chegue, que me perdoem os crentes rotineiros. Era pior a emenda que o soneto!

Joana Afonso – De acordo. Não, não é uma litania de palavras mágicas, para ir à bruxa pela igreja dentro, como é, no fundo, a religião popular, mais superstição crendeira que outra coisa. Não. Andamos há quatro séculos a mal abordar a Metafísica, por mor da ciência. Ora, em qualquer época, discerni-la era sempre para joeirar que é que de nós próprios andaria ignorado ou preterido e que levaria a perdas humanas individuais e colectivas. Feita a crítica no trabalho de peneira, identificado o pendor perdido, era então de clarificá-lo, retomá-lo em mãos, desenvolvê-lo em todo e qualquer domínio de vida onde deveria ter papel de relevo, a fim de nos reequilibrar o cotio em cada um e em todos. Era vigiar a mentalidade dominante, detectando-lhe limites, reformulando-a, recriando-a permanentemente, tanto quanto lograríamos discernir-lhe distorções, ignorâncias, erros que nos lesionariam. Esta tarefa tem vindo a ser gradualmente marginalizada e abandonada desde há quatro séculos para cá, a ponto de muitos terem, nas derradeiras centúrias, proclamado o fim da Filosofia (entenda-se Metafísica), ou então, o que pouco menos é que isto, haverem enclausurado todo este universo de incógnitas no cubículo prisional da epistemologia da Ciência. Muito filósofo se deixou convencer (até teólogos, é ver a área toda da cientologia...) e ali ficou a estiolar atrás das grades, com tributos cada vez mais descredibilizados. E eis-nos aqui chegados, orgulhosamente ignorantes e infelizes. Até alheios ao estatuto da própria ciência, matéria preservada como aquele último reduto. É no que deu não se ter nunca clarificado o objecto, nem o método, nem a missão da metafísica. As cabeças ficam todas baralhadas e perdidas. Em desespero de causa, sem outro roteiro, enfiam-se no derradeiro disponível: e aí vem o cientismo a levar-nos alegremente ao suicídio planetário. E é mesmo seguro e eficaz! Não temos deveras juízo nenhum...

Notícias de amanhã – Quer dizer, A Caminho do Amanhã indica o roteiro a desbravar, não o trilha ele próprio. Aponta o guião que resulta do que vem detrás, o que visa e deixa o caminho aberto. É um desafio, um enorme desafio. Quatrocentos anos de atraso é muito. Em que áreas de impacto é que isto é mais urgente? Não é decerto apenas a cientologia que tenta meter a fé pela ciência dentro, confundindo tudo, com esta a tentar justificar aquela, num desespero bem-intencionado que não convence ninguém minimamente informado e com a cabeça arrumada. Poderia reformular tudo com nova disposição no tabuleiro de xadrez. Mas não representam nada à escala da Humanidade, grupúsculo que são, ainda por cima muito confuso e discutível. Só mesmo para os crentes na ciência como uma fé. Apesar do cientismo hegemónico na cultura mundial, também não chegou aí, na generalidade. Aquilo é um minúsculo resquício de gente de bem confundida. Então, onde veremos que há fome disto, Joana Afonso?

Joana Afonso – Fome, diz bem. Vivemos por dentro, à escala planetária, só carne e osso no campo de extermínio do cientismo. E os mais cadavéricos são os obesos mórbidos: nem a eles próprios logram governar-se, folhas na correnteza dos canos de esgoto desta civilização. São os verdadeiros mortos-vivos e ainda nem repararam em tal. Nem os demais, claro.

Notícias de Amanhã – Mas isto não os visa a eles. São doentes, não é?

Joana Afonso – Evidentemente. Mas ilustram bem a condição geral: todos sofremos, a Humanidade inteira, da carência crónica de vitamina metafísica. Ninguém escapa à mentalidade dominante, mesmo consciente dela, mesmo dela crítico: é que sofre o banho da multidão, queira ou não queira. Na melhor das hipóteses vai sendo vítima impotente. Na pior, é mais uma pedra na corrente que vai arrasando tudo por onde passa. A cultura dominante é um tornado permanente, ninguém lhe logra escapar, para o bem e para o mal. E há sempre bem e mal a ponderar, acolher e reencaminhar, não é?

Notícias de Amanhã – Sendo um desafio generalizado de que ninguém finda à margem, onde há afloramentos significativos determinantes, pontos críticos? Ou teremos de aguardar pelos desastres consumados para o diagnóstico? Isto seria muito mau. É sempre melhor prevenir que remediar. Sem aquilo...

Joana Afonso – Ora, o que não falta são exemplos disso. O difícil é escolher e com que fio de meada. A carestia vem de longe. Olhe, há cem anos já Bergson reclamava que a nossa civilização carecia dum “suplemento de alma”. Aplicou a vida inteira a tentar dar-lho, ingloriamente. O vitalismo dele, com os campos físico e metafísico indiscriminados, é quase uma filosofia da biologia, com esta a tentar legitimar aquela – o cientismo também lhe amarrou as asas e o voo resultou curto demais para o que era requerido. Na época quem logrou maior êxito foi Marx, mas o cientismo dominou-o tanto que ele pretendeu elaborar uma filosofia científica revolucionária. É não compreender nada da discriminação dos campos e respectivas fronteiras e relações. É confundir tudo, pretendendo fazer passar, sob a chancela da ciência, ela própria erroneamente entendida como domínio da verdade segura, o que não era mais que uma imagem mental da humanidade do tempo, por mais correcta que fosse. Só podia dar asneira. Para cúmulo, como a estupidez humana não tem limites, propondo ele um materialismo dialéctico assente na luta de classes, os fanáticos asseclas, conquistando à força o poder, logo acabaram de vez com toda a dialéctica e exterminaram centenas de milhões de indivíduos pelo mundo inteiro. Para nada. Tudo em mera perda, a mais trágica da história humana. Para quem não crê na interioridade nem na energia dela, é obra! A área da metafísica abandonada à solta, sem joeira crítica nem ao menos consciência dela própria, dá nisto. É a criança ignara, incônscia da diferença entre terra firme e bacia de água, que avança alegre e finda a se afogar em meio palmo de líquido. Até por aqui se vislumbra a importância de arrumar de vez a aporia aristotélica.

Notícias de Amanhã – Foi tragédia do tempo dos avós, esperemos que não se repita. Embora a História nos mostre que a gente não aprende. Se calhar já por aqui germinam pendores daquilo, não?

Joana Afonso – Há-os e dos mais estranhos. Olhe, por exemplo, o nosso Ministério da Educação, anos atrás, impôs nos programas oficiais de Filosofia, no último ciclo escolar antes da Universidade, em vez duma introdução àquela disciplina, uma introdução à Biologia. Deve ter sido um discípulo anacrónico de Bergson e que nem sequer entendeu o que ele pretendia, no meio da confusão das áreas. Aliás, nem vamos mais longe: uns anos antes, um catedrático de Coimbra responsável pela Lógica, em vez de abordar esta área da Filosofia, trocou-a pela Lógica Matemática! Até onde o cientismo foi! Cá temos uma filosofia científica! Que confusão, mesmo nos mentores de tal área! A urgência da separação das águas é inadiável. Se até a cultura de nível mais crítico se deixa assim baralhar, ficamos em muito maus lençóis...

Notícias de Amanhã – Mas tudo isso é lá nas altas esferas do saber, a multidão humana vive longe e aparte daquilo, nem chega a dar por que exista, normalmente. Se calhar aqui a sabedoria empírica, na prática do quotidiano, é mais equilibrada. Bem sei que lhe falta rigor e a incongruência é de norma, em tal nível. Todavia, cobre a generalidade dos campos da vida de cada um, não é? Até connosco é assim, não há como fugir a isto: quando ficamos doentes, vamos ao médico, não nos tornamos médicos; se precisamos de casa, vamos ao arquitecto, engenheiro, empreiteiro... Nem conseguíamos viver se tivéssemos de ser peritos em toda e qualquer área por que a vida se desdobra. Bendito saber empírico!

Joana Afonso – Tem razão, é evidente. E também é verdade que tentamos o maior equilíbrio viável em cada domínio e entre todos, independentemente dos conflitos, contradições e vertentes que dividam os especialistas. E nem queremos saber disto, é lá com eles, pretendemos é que nos resolvam os problemas nas respectivas áreas, quando o nosso saber empírico não chega. O recurso ao hospital é um bom exemplo: esperamos que tenham as especialidades que nos restituam a saúde, não que nos venham ministrar cursos de medicina, enfermagem, farmácia... Isso é com eles, não connosco. Para nós é a cura e o retorno à vida quotidiana, envolva ou não também ela qualquer especialidade própria. Há, porém, um outro lado. Quem morreu no gulag soviético, no genocídio nazi, no extermínio maoísta, no dos Khmers vermelhos e tantos outros não foram os peritos, foi o povo comum (com muitos deles à mistura, evidentemente, mas porque apanhados na rede, iguais aos demais). A carne para canhão é sempre arrancada daqui, não é o escol dalgum ou de todos os domínios. Quem paga o custo das crenças ou crendices letais é a generalidade da população, desde nações e povos inteiros, até à raça, à tribo, à religião ou ideologia. Claro que nada impede a estupidez de qualquer limitada caça às bruxas. A asneira é idêntica, o mal é que fica felizmente mais delimitado. A grande tragédia, porém, é aqueloutra. Ora, para não voltarmos ao extermínio de milhões (hoje em dia rapidamente atingiriam os biliões), urge entendermo-nos melhor naquilo em que falhámos, para bloquear tal itinerário e referir as novas perspectivas prometedoras que vislumbrarmos em inéditos horizontes. E desvelar a magia do alvor em novéis auroras, mais atractivas que os fogos-fátuos que se fizeram passar como sendo elas. E sempre vigilantes para não voltarmos a cometer os mesmos ou outros erros que, em lugar de nos propiciarem mais e melhor vida, nos vitimem com mais e pior morte.

Notícias de Amanhã – E onde andam os riscos para a arraia miúda, o rebanho imbele que afinal todos somos para os campos de extermínio da História, distorcidos por crendices erróneas?

Joana Afonso – O que permanentemente me incomoda e que afecta milhões de indivíduos no mundo inteiro é o ilustrado pelos programas de TV dos médiuns que fazem leituras para grupos ou individuais. Em várias vertentes. Primeiro, a quantidade de cépticos que participam como ouvintes e que logo afirmam que têm formação científica e, portanto, concluem eles, aquilo não pode existir. Felizmente, a generalidade deles, porta-vozes que se fazem do preconceito da mentalidade dominante, terminam encostados à parede perante a evidência das revelações, mormente dos falecidos, impossíveis de explicar senão pela realidade do fenómeno. Uns acabam aceitando-o, pondo em causa toda a idiossincrasia de que partiam. Outros findam perplexos, numa crise de crenças sem saída. Mas chega a haver uns fanáticos tais que tentam reformular o mito do cientismo enfiando ali neurónios, campos magnéticos, descargas eléctricas, sei lá que mais, para salvar a asneira perdida de vez. Continuam como os da Sociedade da Terra Plana para quem ela tem de ser isto, por mais que o desmintam as fotografias dos satélites, a permanente observação da Estação Orbital Internacional, a aurora terráquea gravada na superfície lunar, além de todas as provas tradicionais. São, hoje em dia, uns hilariantes crendeiros, motivo de divertimento universal por tal bobagem. É cómico e não faz mal a ninguém. Agora repare: enquanto aqui o mundo inteiro ri desta palermice, acolá é o contrário. Cada um tem direito à sua infinita estupidez, não pode é ter direito ao extermínio universal em nome dela. Ora, foi isto que ocorreu pelo planeta fora, repetidamente, todo o século passado. Travado a tempo antes da consumação final, mas não vivemos ainda livres dela. É que os pressupostos de fundo mantêm-se.

Notícias de Amanhã – Há mecanismos internacionais de defesa, a prevenir...

Joana Afonso – Pois. São os travões. Não superaram o problema nem a ameaça, nem pouco mais ou menos. Vão criando tempo, a ver se encontramos o caminho. É que tudo radica na cabeça e no coração dos indivíduos. Ora, a mentalidade continua igual, como referi. Aflora permanentemente em pequenos conflitos, num ou noutro ponto do planeta. Isto é tão poderoso que, para meu espanto, as cadeias de TV que transmitem os médiuns se vêem obrigadas a prevenir que aquilo é apenas para entretenimento. A que propósito? Alguém as persegue? Não. É que podem perder audiência. O preconceito anda tão enraizado na mente popular que não se arriscam a enfrentá-lo, não vão os ouvintes desligar o botão. Isto vai, portanto, até à auto-censura, embora cada programa em concreto desminta por inteiro que seja para entreter. Ao menos podiam calar-se e deixar ao espectador reflectir e concluir. Não. Têm logo de submeter-se à mentalidade dominante e tentar dar um empurrãozinho para ninguém duvidar do dogma do cientismo. Mas vão ainda mais longe: já não previnem que é para divertimento quando apresentam séries de investigadores à procura da prova experimental daqueles fenómenos, com toda a parafernália de gravadores, luzes, termómetros, análises de campo, entrevistas testemunhais, documentos e por aí fora. É o cientismo no seu melhor ridículo: a tentar pegar numa ideia e observá-la a microscópio, a tentar agarrar um pensamento e dissecá-lo no teatro de anatomia! Se nos ríssemos, estaria tudo bem, o pior é que é tomado a sério. E revela a ignorância mais crassa do que ali está em causa. Sempre fruto da mesma falha de partida: afinal, que é a Metafísica?

Notícias de Amanhã – Nunca tinha olhado para aí deste ângulo. O perigo da continuidade. Inevitável, se olharmos às tragédias de antanho. Mas a verdade é que os espectadores continuam confrontados com fenómenos que não encaixam no quadro mental em que vivem. Pode fermentar outro entendimento, gradualmente...

Joana Afonso – Poder, pode, mas repare. Os próprios protagonistas se queixam de ostracismo institucional e comunitário. Teresa Caputo, católica que é de raiz, queixa-se duma igreja que a repudia, tratando-a, pelo menos, como suspeita. Ali à margem, à cautela... Os factos não contam, o que conta é o preconceito. Lorna Byrne, que escreveu a vivência dela, afirma que toda a vida foi posta de lado: na família, tida por retardada; na escola, por deficiente; na comunidade, por esquisita, no mínimo. Só porque têm uma faculdade de que os demais não dispõem?! Seria bem mais aceitável se não fôramos todos tolhidos pelo preconceito da ideologia dominante: só o captável pelos sentidos é recomendável e acolhido, o mais é posto à margem ou repudiado de todo. Isto é assim, apesar de vários médiuns se terem submetido a provas laboratoriais, em meio universitário, para comprovar, com provas dupla e até triplamente cegas, que têm realmente tal capacidade incomum. E demonstraram-no definitivamente. Repare, é uma prova científica. Não tem nada a ver com a metafísica, é mesmo experimental, uma vez que é a conferência de dados, episódios e informações reportados. Olhe, uma delas é a inspiradora da série “Medium” de ficção que relata casos da experiência dela, enquanto colaboradora com a polícia criminal para episódios de homicídio não resolvidos. É dar a mão do lado da Metafísica a toda a Física da ciência. Pois olhe que nem assim o cientismo recua e toma o lugar que lhe compete: a perita chega a ser assediada pelos jornalistas a exigirem provas e mais provas. E têm as provas comprovadas ao nível mais exigente e não lhes ligam... Que raio é isto? O preconceito é deveras diabólico. Lá teremos de esperar que os velhos morram, não é verdade? Não há paciência!

Notícias de Amanhã – Era engraçado se não dera em tragédia. Já no tempo de Galileu houve colegas que recusaram olhar para a Lua pela luneta dele, porque só podia ser obra do diabo. Hoje rimos mas lá deu numa condenação à morte, não é?

Joana Afonso – Dentre as áreas em disputa, uma das mais ilustrativas é a da Psicologia Analítica, inaugurada pela investigação de C. G. Jung. Sempre ele defendeu que estava a criar ciência ao acumular os sinais do inconsciente pessoal, do inconsciente colectivo, a culminar no deus-em-nós, derradeiro nível detectável do inconsciente. Sempre os detractores dele recusaram que isto fosse ciência, uma vez que, segundo eles, não há provas sensíveis para tais conclusões. Sempre ele acumulou mais e mais dados, a vida inteira. E até hoje o conflito mantém-se. Porquê? Por ambos os lados viverem a argumentarem viciados pelo cientismo, até agora. Este é que nunca é posto em dúvida por nenhum dos pendores. Então a querela não poderá ter saída. Os dados de observação provam, a partir do exterior percepcionável, até onde puderem comprovar. Aí pára o domínio científico: mostra os indícios exprimidos pela interioridade no mundo, remete para ela e termina ali o respectivo domínio de intervenção. Não atinge a vivência íntima de ninguém nem a pode analisar nem comprovar: opera nos produtos, não no produtor. A partir daqui este pode operar por si próprio – e isto é tão legítimo como aquilo, e pode ser tão exigente de rigor, análise de precisão, de crítica de interpretação, de comparação e conferência mútua como tudo o que ocorre no outro domínio. Ora, é isto que vem falhando dos dois lados: nem os junguianos podem pretender enfiar a interioridade inteira no saco da ciência, nem os cientistas pretenderem que é ilegítimo avançar pelo outro âmbito, a pretexto apenas de que o método experimental é inviável ali. De ambos os lados deverão respeitar a fronteira, de ambos os lados deverão reconhecer a relatividade mútua dos dois domínios de abordagem, atribuindo-lhes, todavia, o mesmo grau de qualidade e de valor. Isto é o que ninguém fez nunca e continuam com a mentalidade confundida, sem repararem no que lhes troca o passo. E produz logo vítimas: na clínica, os psicólogos ficam tolhidos e não usam todos os potenciais recursos libertadores dos pacientes, porque porventura não são científicos... A conjuntura mata-nos de muitas maneiras, não é só nas guerras mundiais ou locais. É urgente arrumarmos as ideias, para as asas se nos libertarem, quebrarmos as grilhetas.

Notícias de Amanhã – E A Caminho do Amanhã permite isso, é?

Joana Afonso – Diz bem, permite. Não o faz, que a caminhada é de cada um. E mudar uma mentalidade é laborioso e muito lento. E então a colectiva ainda é pior, é uma fermentação de gerações. Sei lá quando irá dar a volta! Aliás, abrir a porta e revelar a paisagem ainda não é explorá-la, recolhê-la e distribuí-la. É meramente um primeiro passo: a seguir, outros, todos, aliás, poderão correr pelos novos trilhos doravante disponíveis. E criaremos outra cultura dominante, sem os vícios da anterior.

Notícias de Amanhã – Haverá fome disto? Até que ponto?

Joana Afonso – Haver, há, mas a dois níveis. Um, inconsciente de quanto daquilo carece, outro a desejá-lo radicalmente sem dele dispor. É curioso como todo o movimento Nova Era, com as mil variações e alternativas em que se desmultiplica, se desdobra pelo mundo fora totalmente alheio a esta querela. É toda uma conjunção de indivíduos, muito informal, como as tendências comuns duma corrente literária ou dum estilo musical, todos visando restituir à espiritualidade a vitalidade e missão curativa, equilibradora e reconstituinte de indivíduos, famílias, comunidades, povos e culturas, missão que deveria ser a dela e anda perdida há séculos, a estiolar como tem vindo mundialmente desde o termo da Idade Média. Não há, porém, um único autor, um guia, um curador, um guru que levante o problema da Metafísica e o resolva. Nem nas religiões, por onde o movimento cruza como um fermento que inspira: há toda uma nova teologia e, dela derivada ou inspirando-a, uma espiritualidade revitalizada, mas tudo à margem da aporia, como se ela não existisse e, portanto, tudo vulnerável a ela e por ela contaminado se a não resolvem. Se apenas os dados dos sentidos são fiáveis (pior: se apenas eles deveras existem, sendo o resto mero devaneio desprezível como um sonho), que é que andam por aqui a fazer crenças, fés, místicas e delírios quejandos? Tudo isto é de varrer da face da Terra, como quiseram (e se calhar continuam a querer) os comunistas da caída cortina de ferro. Esta é a ferida do flanco de qualquer tentativa de renovo da vida interior. Não há espiritualidade que resista a uma postura destas e, quando é o que permeia a cultura dominante inteira, como é que é? Tudo lhe vira costas, como se não existira? O problema é que existe e virar costas não resolve nada, piora a conjuntura para toda a gente: fica-nos enquistado cá dentro e vai operar em cada um e no colectivo como um complexo doentio que qualquer paciente tem de tratar no psicólogo. Só que não há clínica para uma comunidade mundial vítima de morbidez letal. Apenas resolvendo de vez o impasse com uma leitura que supere, definitiva, a contradição dos termos.

Notícias de Amanhã – É curioso e estranho que ninguém de tais áreas se dê conta do problema...

Joana Afonso – Não é tanto assim. A nova espiritualidade é a retomada, fundamentalmente, da inspiração oriental, cujas crenças se mantiveram em grande parte alheias às intervenções científico-tecnológicas, até que as industrializações ocorreram e ocorrem nas gerações actuais (a muitos povos ainda nem chegaram). Daí que o dogma do cientismo tenha contaminado menos e sem desmantelar a credibilidade do tradicionalismo e do melhor das respectivas religiões e místicas. A maioria nem sequer deu conta do problema que os anda a invadir. Isto permite ir recolhendo de lá múltiplas crenças, orientações e práticas que no mundo industrializado já desapareceram do horizonte das multidões humanas. Portanto, os que as recolhem nem sequer reparam no problema, como por lá também o ignoram. Pelo mesmo motivo acolhem acriticamente teorias inteiramente anacrónicas, em versões pré-científicas e pré-filosóficas que apodrecem o movimento por dentro, como a da culpa das doenças ser dos doentes (há já críticos do movimento a denunciar a estupidez desta generalização) ou a da reencarnação fatídica e mecânica, popularizada há milénios, já ridicularizada na era pré-socrática em vida de Pitágoras, por um poeta que ria dele por encontrá-lo choroso ao reconhecer um amigo morto no latir dum cão. Tudo isto debilita o bom intuito do movimento e retira-lhe a energia requerida para reformular a cultura, pelo menos no pendor do cientismo que hoje é rei na mentalidade mundial.

Notícias de Amanhã – Mas quem é que carece de resposta e a não encontra?

Joana Afonso – A escola, a formadora das novas gerações de líderes da cultura, do mundo e da vida. Anda sem resposta há milénios...

Notícias de Amanhã – Ah! A Caminho do Amanhã é abordável a que nível? No ensino superior? No de iniciação? Os efeitos não serão os mesmos, não é?

Joana Afonso – No meu entender, deveria ser a todos os níveis. Aliás, deveria rapidamente generalizar-se na mentalidade da comunidade escolar inteira, daquela área ou doutra qualquer. Os peritos da Metafísica (Filosofia, Teologia, Ciências Humanas em geral) deveriam tomar a peito não apenas informar e formar alunos, mas atingir toda a gente, de modo a libertar-nos o mais rápida e generalizadamente possível das grilhetas mentais que nos tolhem a todos. Quanto mais e melhor o fizerem, mais e melhor singraremos vida além, com as potencialidades de cada um em acto sem a castração que do cientismo nos aniquila por dentro da mente. Andamos todos tendencialmente a viver a meio gás, sempre envergonhados e às escondidas no domínio da Metafísica, com boa ou má consciência. Continuamente, todavia, sem força ou com medo dela, como a pedir desculpa... Temos todos o complexo de sermos tomados como atrasados mentais por termos vida interior e tentarmos dar conta dela. É um triste espectáculo que ofertamos uns aos outros. Mas pronto, temos finalmente uma porta de saída. Vamos lá para a rua respirar fundo sem coletes-de-forças!

Notícias de Amanhã – Certo, Joana Afonso. Ficamo-nos por aqui quanto ao A Caminho do Amanhã.. Tomaremos outra ponta de meada na próxima.

Joana Afonso – Outra porta. Então até lá.