DILÚCULO

 

 

 

Muda

 

Há uma idade em que o clima

Nos muda o centro:

Os rapazes crescem para cima,

As raparigas, por dentro.

 

 

Mistério

 

Somos o mistério dos mistérios das artes

Que sobre nós se entornam:

Somos infinitamente mais que as partes

Que nos adornam.

 

 

Jovens

 

Os jovens, no fundo

Do coração,

Crêem palmilhar o mundo,

Que nunca morrerão.

 

 

Não

 

Não ter medo

É precioso

Mas não é o credo

Do corajoso.

 

 

Seduzir

 

Quantos homens tentam seduzir uma donzela

Para longe dos caminhos da virtude

Ensinando-lhe, como quem ajude,

A maneira de à virtude defendê-la!

 

 

Tape

 

Não há nada que tape as orelhas

A um homem palreiro

Como as chavelhas

Do dinheiro!

 

 

Mundo

 

Queremos o doce

Mas precisamos do que sabe mal.

Se o mundo outro fosse,

Outro fora o sinal.

 

 

Obediência

 

A obediência pura

E cega

Entedia da lisura

Com que das mãos escorrega.

 

 

Mais

 

Quando alguém obtém

O que o coração mais deseja,

Não é nunca, porém,

O que almeja.

 

 

Contenta

 

Quem,

Veraz,

Se contenta com o que tem,

Tem assaz.

 

 

Fica

 

Que fica da dor,

Uma vez vivida?

O tempo dilui-a, sem nunca a recompor,

Só dá para um risinho à despedida.

 

 

Olhos

 

Se com olhos doutrem me vira,

Não lograra um passo adiante,

Desaparecera, quebrada a lira,

Num instante.

 

 

Mais

 

A bondade

Tem mais imaginação

Que a perversidade.

E, além do mais, é uma festa à mão.

 

 

Desastre

 

A vida, por melhor que suceda,

É um desastre de viagem.

Ora, o problema não é da queda,

O problema é da aterragem.

 

 

Escritor

 

Todos gostam de quem escreve,

Sentem-no, mal é assumido:

Um escritor deve

Ser um país desconhecido.

 

 

Sopra

 

Não é quenquer

Que sopra as brasas.

A formiga, só ao não se importar de se perder,

Criou asas.

 

 

Além

 

A família,

Grande ou pequena,

Chega a ser o que, para além da quezília,

Faz com que tudo valha a pena.

 

 

Aguardas

 

Aguardas o recurso em falta

Para após cegar a messe?

Salta,

Que a rede logo aparece!

 

 

Perseguem

 

A fama

Que tantos perseguem em vão

Ninguém repara quanto nos trama:

É uma prisão.

 

 

Apreço

 

O apreço tem o poder real

De transmudar o singelo

E banal

No que é belo.

 

 

Única

 

A vida tem momentos duros e ternos,

É melhor não sossegarmos:

Perder-nos

É a única maneira de nos encontrarmos.

 

 

Aceitar

 

Quer queiramos, quer não,

A vida continua.

É para acolher a razão

E logo meter pés à rua.

 

 

Idade

 

Que importa a idade dos filhos?

Nunca ninguém,

Haja o que houver de sarilhos,

Deixa de ser mãe.

 

 

Fecharem

 

Quando ambos se fecharem, num casamento,

Mantendo cada qual o outro de fora,

É o fermento

De ir embora.

 

 

Máximo

 

Aceita

O mal incontornável que nos tornar reféns

E ao máximo aproveita

Aquilo que além dele tens.

 

 

Estranha

 

A mais estranha remessa

De cuidados:

Os que andam sempre com pressa

São os que andam sempre atrasados!

 

 

Parto

 

O parto dói,

Nunca foi só uma alegria:

Nunca foi

Só dar luz à luz do dia.

 

 

Dor

 

A dor a estilhaçar-nos por dentro,

Cavando um abismo,

Onde antes existia apenas, ao centro,

O céu com que cismo...

 

 

Dói

 

O ódio, a revolta,

Por ninguém entender

Como dói um sonho à solta,

Ao morrer.

 

 

Quantas

 

Quantas vezes uma mãe

Que em dor de parto se esvai

Ganha um bebé, porém,

Perde o pai!

 

 

Parecem

 

Se não for o colo do bebé

Colo a dar-nos,

Todos os colos de que precisamos até

Parecem falhar-nos.

 

 

Filho

 

Um filho, sejam quais forem os credos,

Nunca deixaremos de o sentir

A fugir

Por entre os dedos.

 

 

Primeiro

 

Ninguém como o primeiro filho

Nos põe a fazer de Deus

Com tal brilho

Que até brilham os ateus.

 

 

Brincar

 

Que mistério,

Brincar desarrumadamente

A sério

Com os filhos da gente!

 

 

Demais

 

A coragem de ser mãe

Que ser mãe nunca hesita

Quando se sinta também

Pequenina demais para tal fita!

 

 

Bate

 

A vida começa

Quando na mente ergo a aldraba

De quão depressa

Ela acaba.

 

 

Permita

 

Que de teu dia a trama

Permita que a sonoite

Te acoite

De pés limpos para a cama!

 

 

Sombra

 

Se alguém hoje à sombra se senta,

É que, há muito tempo atrás,

Alguém a grande árvore plantou que lenta

Cresceu e hoje sombra faz.

 

 

Erguê-lo

 

Ser pai é dar colo,

Erguer o bebé ao ar, feito avião.

E no fim ser eu que descolo,

Por mor dele, do chão.

 

 

Mãe

 

A mãe dum bebé não dorme

E nem sequer faz fita,

Conforme

Apenas dormita.

 

 

Coração

 

Quando o meu coração dança,

Aí,

Um milagre me alcança:

Meus pés dançam por si.

 

 

Recurso

 

Nunca ponderei ter à mão

O requisito

Da compaixão

Como um recurso finito.

 

 

Céptico

 

Do céptico o melhor

É tudo questionar

A tudo aberto, prospector,

A par.

 

 

Farei

 

Farei o que todos porventura farão:

O melhor que consigo.

Por vezes até, então,

É só falar ao postigo.

 

 

Mais

 

São mais os que nos levam para a frente

Que quantos nos relegam para trás.

Rodeamo-nos de gente

Em nós crente e eficaz.

 

 

Bênção

 

Quando uma bênção do Universo

Me acrescento,

Pergunto-me, terso:

Como poderei ser instrumento?

 

 

Esforçado

 

Seja o trabalhador

Mais esforçado que conhece.

Se o não for,

Outro o lugar lhe apetece.

 

 

Resposta

 

A resposta aos problemas humanos

É que todos somos iguais,

Criados, para não sofrer danos,

Com direitos fundamentais.

 

 

Sensato

 

Neste mundo de abundância,

O mais sensato dos acenos

É, sem ânsia,

Fazer porventura menos.

 

 

Sabemos

 

Quando sabemos o nosso lugar

E o preenchemos,

Sabemos o que esperar.

Todavia, embora vivos, já morremos.

 

 

Rosário

 

Seja lá o que for que acolhas,

É de vez.

A vida é um rosário de escolhas:

Escolhe com sensatez.

 

 

Fito

 

A todos em teu fito integra

Sem cobrares um pataco.

Quem com a derrota doutrem se alegra

Revela que é fraco.

 

 

Assassino

 

Quando o Estado assassino devém,

Ninguém pode esperar, ninguém,

 

Que a polícia que o sustenha

Escrúpulos tenha.

 

 

Demasiado

 

A vida é demasiado curta

Para nos preocuparmos com ninharias.

Ou é a ninharia que, surta,

Nos traz todas as alegrias?

 

 

Prego

 

Procura dar o salto,

Mas cuidado:

O prego mais alto

É o primeiro a ser martelado.

 

 

Punhado

 

Um punhado de alegres rumores

Rápido se transmuda em conto de fadas

Sem quaisquer elos condutores

Às realidades apontadas.

 

 

Escoam

 

Quantos indivíduos se submetem a canalhas

Pomposos e arrogantes,

Enquanto as boas almas se escoam pelas calhas,

Tidas por simplórias a todos os instantes!

 

 

Canção

 

É uma canção sem música, a poesia,

E a música muito ao longe, perdida na lonjura...

Canção sem música seria

Um corpo sem alma que a procura.

 

 

Poder

 

Quando dás o teu nome

Por aqui, por ali,

Dás poder sobre ti

A quem de ti tiver fome.

 

 

Natureza

 

A natureza do homem certo

É preocupar-se em aflição

Com o que lhe andar mais perto

Do coração.

 

 

Instrumento

 

A vida poderá ser bela

E pejada de magia.

Porém, a cautela

Será sempre um instrumento de sabedoria.

 

 

Orgulho

 

O rico, o nobre, o pretensioso...

- Com eles orgulho vão

É sempre mais poderoso

Que a razão.

 

 

Costumam

 

As coisas costumam ser injustas,

É uma verdade universal.

E não tem nenhum mal:

Só temos de aceitar e pagar as custas.

 

 

Vias

 

Vias seguras são

Os ossos que, um ao outro bem preso,

Da civilização

Sustentam o peso.

 

 

Manter

 

Da vida na jornada,

Ser esperto

É manter a boca fechada

No momento certo.