À LUZ DA CANDEIA




BARTOLOMEU VALENTE




Lisboa, 2011







AO SERÃO DOS CONTOS ANCESTRAIS



I


Ao serão de domingo







Contar


Não sou só contos e lendas.

Contudo, sem narrativas,

Sem de as contar oferendas,

Não sou nada. Arestas vivas

Restam só de minhas sendas.


É uma história o movimento

Dum lugar a um outro além,

Nunca deixa o seu fermento

No primeiro teor que tem.

Vivemos neste andamento.


Um princípio tenho, assim,

E terei então um fim.


Histórias


Todo o contador de histórias

É aquele que vem de fora,

Que na praça das memórias

Duma aldeia que ali mora

E que nunca dali sai

É o além que entre eles cai.


Dá-lhes a ver outros montes,

Outras luas e terrores,

Outras caras, outras pontes...

Metamórficos pendores.

É quem captou a atenção,

Que outro mundo traz na mão.


É um outro olhar, outra voz:

Deste era-uma-vez por meio

Supera este mundo a sós

E a metafísica em cheio

Introduz então na infância

De todos com elegância.



Habita-nos


Habita-nos o antiquíssimo,

Cada dia, e nos impele

Para agir, leve, levíssimo.

Haja embora o que o repele,

É assim: para começar,

Vimos de longe e luar.


Como a luz fóssil se observa

Em astrofísica em volta

De nós cintilando, serva,

Desde o nascimento à solta

Dos mundos, ouvir podemos,

Além e aqui, se mantemos


Os ouvidos bem abertos,

Murmúrios de antes da história,

Dos inícios encobertos

De que se perde a memória.

Os sonhos de outrora são

Parentes nossos então.




Repara


- ”Deus fez o mundo em seis dias

E tu minhas meras calças

Nem em seis meses farias?!”


- ”Mas, meu caro, a quanto é que alças?

Repara só, num segundo:

Vê tuas calças e vê o mundo...


Não têm comparação:

Tuas calças, que mundão!”



Pergunta


Quando alguém pergunta à Lua

O que é que ela mais deseja...

- ”É que o Sol que além flutua

Morra e mais ninguém o veja.”


- ”Também, Lua, o não verá...”

E ela confirma sem pena:

- ”Ora, tanto se me dá!”

...E à noite assim se condena.



Fome


Levada pela fome mais cruel,

Uma hiena olha atenta o seu filhote.

As ilhargas cavadas pelo bote

Das privações, achega-se ao farnel:


- ”Não é que um anho me pareces fiel?

Julgo ver um cordeiro como dote

Quando olho para ti. Um borregote

Suculento, a saber-me como mel.”


- ”Mãe, olha para mim, é lá possível

Parecer um cordeiro! Sou teu filho,

Não sou o anho que julgas comestível.”


- ”A prova que me livra do sarilho

É que estás a balir neste momento.”

E logo o devorou sem adiamento.



Sede


Um cão, a morrer de sede

Após mui longa corrida

Pelo deserto que fede

De estorricar nele a vida,

Chega, enfim, junto a um regato

Que corre muito pacato.


Inclina-se. Porém, quando

Se dispõe para matar

A sede que o vem matando,

Nas águas a se achegar

Vê que vem a própria imagem:

Doutro cão crê que que é mensagem


A impedi-lo de beber.

Deita-se o cão sequioso,

A arfar, aguardando, a ver...

Um nada após, momentoso,

Achega-se da má sina

E com prudência se inclina,


Mas o outro lá continua.

Retira e senta outra vez

E de morte a sede o acua.

Várias vezes o entremez

Repete até que, extenuado,

Sem reter-se haver logrado,


Atirou-se dentro de água

Para a limpo tirar tudo

Com o cão de tanta mágoa.

Grande surpresa, contudo:

Não encontra nenhum cão,

Chapinha, enfim bebe, então.


Saiu de água saciado

E, antes de tomar caminho,

Olha atrás o seu traslado

No espelho de água adivinho.

E lá o fantasma o encarava,

Só que então já o não entrava.



Caracol


Observava certo dia

Mui atento um caracol

Que pelas ervas seguia

Lento e mole, lento e mole,

Um filósofo entretido

A ver daquilo o sentido.


- ”Em que pensas?” - um passante

O questiona, oportuno.

- ”Tenho um caracol diante,

Penso nele: eu me coaduno

A que eu penso nele e, enfim,

Ele nunca pensa em mim.”


- ”Isso apenas?!” - o outro torna.

- ”Não, não é somente aquilo.”

- ”Que mais, para além da sorna

De olhar bicho tão tranquilo?”

- Ӄ que, se isto descamamos,

Julgo que nos completamos.”


- ”Completamos?! Em que lei

O homem com bicho cabe?”

- ”Sabe, é que eu sei que não sei

E ele não sabe o que sabe.”

O pensamento, de agudo,

Dum nada retira tudo.



Paraíso


No paraíso Adão mais Eva andavam,

Até que Adão de retirar-se teve,

Eva deixando, num momento breve,

A sós perante as tentações que entravam.


Satã vem logo mais o filho Esquivo

Contando a Eva: -”Tenho de ir-me embora.

Tomas-me conta de meu filho vivo

Até que eu torne? É uma ligeira hora...”


Eva aceitou. Adão, chegando, vê

O Satanás e o reconhece logo

E logo o mata destruindo o jogo

Ao pendurá-lo, retalhado, ao pé.


Quando ele sai, logo Satã retorna

E com magia reconstrói o filho.

Eva, culpada, uma vez mais, sem jorna,

Aceita o encargo mas prevê sarilho.


Quando Adão chega, furioso encara

O Esquivo ali bem retornado à vida.

-”Porque à palavra do inimigo, cara,

Tu dás ouvidos, enganada em lida?


Em mim apenas confiar-te deves.”

Mata o diabo e desta vez o crema,

Espalha as cinzas dele em gestos breves

Por mar e terra, que ninguém o tema.


Satã regressa e Eva logo conta

O que é que Adão empreendera ali.

Satanás chama: então, de ponta a ponta,

Recola o filho e após o encosta a si.


- ”Posso deixá-lo uma vez mais à guarda

De teu cuidado?” - perguntou a Eva.

- ”Leva-o contigo, de novo antes que arda!

Não quero mais. Onde é que isto me leva?”


Mas Satã usa de mil e uma manhas,

Lamenta humilde, sedutor devém.

Eva, à terceira, com pressões tamanhas

Aceita o filho que o diabo tem.


Adão, em fúria, quando volta, mata

Satanás-filho e a frigir o pôs,

Comeu metade e a outra parte acata

Eva comê-la, a dar-lhe fim, após.


Quando Satã reaparece é que Eva

Lhe conta tudo o que ocorreu no dia:

- ”É de nós parte, cada qual o leva

No próprio corpo.” Dali não fugia.


- ”É exactamente,” - diz o rei da treva -

Exactamente aquilo que eu queria.”



Astrofísico


Um astrofísico em papuas terras

Partilha os sonhos a que sonho empresta:

- ”...Por fim é Marte ver se vida encerra.”

- ”Porquê? A vossa vida então não presta?!”



Riquíssimo


Um riquíssimo ateniense

Quer Diógenes de visita

Ao paço dele imponente.

Mas este sofre a desdita

De estar com grande catarro:

Puxa, constante, um escarro.


O ricaço lhe pediu

Que não escarre a impecável

Morada a que o atraiu,

Que de asseio era intocável.

Diógenes, cordato, o encara

E escarra-lhe então na cara.



Fazendeiro


Um fazendeiro da América,

Muito mais do que abastado,

Visita um primo afastado,

Lavrador à escala ibérica,

Pouco mais que remediado.


- ”Pego o carro de manhã” -

Diz o americano inchado -

E, à noite, após ter andado,

Qualquer que seja o afã,

Nem ultrapassei um lado


Do meu rancho.” -”Estou a ver,”

- Comenta o primo, contente, -

Dantes também eu, demente,

Tive um carro assim qualquer...”

E eis como lhe ferra o dente.



Juntos


Um polaco e um judeu

Vão a pé, juntos, à feira.

De repente, um deles viu

Um monte de bosta à beira.


Diz o judeu ao polaco.

- ”Dez zlotys se tu comeres

De bosta aquele grão naco.”

Contas a teres e haveres


Faz o camponês, cuidando

Que intuito secreto tem

O judeu com que anda andando.

Por fim, aceita e retém


O engulho ao comer a bosta.

Recebe então o dinheiro,

Continuando, ganha a aposta.

Perde o judeu por inteiro


Mas medita que, afinal,

Comer bosta não há feito

Ao polaco nenhum mal.

Que bom!” - cuida, satisfeito.


Avista um segundo monte

De excremento e diz então

Ao polaco enquanto o aponte:

- ”Se eu comer este montão,


Devolves-me os dex zlotys?”

O camponês diz que sim.

Logo o judeu aprendiz

Come a bosta até ao fim.


Continuaram para a feira

E o camponês, meditando,

Pergunta, a ver se se inteira

Da razão de tal desmando:


- ”Como és esperto, judeu,

Explica-me o que é tal boda:

Porque é que a gente comeu

Aquela, enfim, bosta toda?”


Da resposta não há escrínio.

Muitos há sobreviventes

É dos campos de extermínio:

- Sabiam cerrar os dentes.



Passarinheiro


Ao fim da tarde, numa ruela de Damasco,

Fechou a loja, pôs às costas as gaiolas

De suas aves e ao caminho apronta o casco

Rude e grosseiro de seus pés, quais padiolas,


Pobre, infeliz passarinheiro, rumo a casa.

Cansado, avança lentamente, com bengala.

Vende umas aves: qual o ganho que isto apraza?

Traz meia dúzia a dormir já, de olhos em pala,


Às costas dele, pelas sombras do crepúsculo.

E eis que um dervixe de Tabris caminha ao lado,

Ouve-o falar com suas aves, som minúsculo:

- “De vós ter pena não importa, que eu traslado


Cada gaiola, trago e levo... Tudo trato,

De manhãzinha, água e sementes, pelo fresco,

Dou polimento ao bico, aliso com meu tacto

As penas breves, varro o chão, num arabesco


Lanço perfume e, pelo frio, junto ao fogo

Cada gaiola. No verão, à sombra as ponho.

Ah! Se eu tivera quem às costas, desde logo,

Me transportara de gaiola, mas que sonho!


Ah! Se eu tivera quem me dera de comer

E de beber todos os dias duma vida!”

Ora, o dervixe ouviu então, a se perder,

Uma vozinha a responder à queixa ouvida:


- ”Julgas que estamos na gaiola mas te enganas.

Nas minhas penas tenho insectos que o nem notam.

Também tu vives na gaiola e não te danas,

Gaiola é a casa, a tua rua e não se esgotam


Aqui as grades, que a cidade o é toda inteira.

Onde é que julgas da gaiola o fim das grades?

A Terra toda é para nós de jaula esteira.

A Lua, o Sol, todo o Universo ao qual agrades


Serão gaiola a balouçar pelo Infinito...”

De lassidão, passarinheiro nem responde

E, se calhar, nem mesmo ouviu o surdo grito.

Quando a sombria noite escura tudo esconde,


O vendedor a se queixar retoma o tema,

A desejar para si mesmo a sorte de ave.

Uma voz débil, de dormente mal atrema

No que dizer, faz-se entender à orelha suave


Do bom dervixe que se cola aos passarinhos:

-”Esquece tudo, fecha o espírito, eis a noite:

A fala de ave que ora escutas sem carinhos

És tu, teu imo, e tu, gaiola onde se acoite.


Teu pensamento o trancou forte em própria grade,

Dá-te trabalho a desmontar, nem o consegues.

Em casa pousa esta gaiola de inverdade.

Não penses mais, come e dormir vê quando adregues,


Que, adormecido, se abrirá tua gaiola

Ao mundo inteiro e então podemos falar mesmo.

Pois boa noite.” E só o dervixe tem a esmola

Desta mensagem que o silêncio espalha a esmo.



Monge


Monge cristão fundado havia, em canibais

Regiões, mosteiro organizado em solidez.

Os solitários, às dezenas, vivem mais

De seu trabalho e orações, em paz de vez.


Tem vastas terras muito férteis e rebanhos,

Hortas, pomares, galinheiros e um viveiro,

Produz compotas, vinho, leite, assados de anhos,

Fabrica pão, bolas de carne... É num ribeiro


Que, represado, águas recolhem para as lidas.

Sobre a região então se abate crua seca

Onde as colheitas são de todo destruídas.

Mas o mosteiro resistiu: irriga a peca


Semeadura, astucioso, controlando

De águas o débito conforme as precisões.

A dura seca entre as cubatas provocando

Vai entretanto letal fome aos aldeões.


Um dia, à porta do mosteiro, uma quinzena

De camponeses mui magrinhos pede ajuda.

O generoso abade-mestre, já com pena,

Mandou colher muitos legumes com que acuda,


Matar um porco dos mais gordos do cercado.

Logo uma sopa nutritiva é distribuída

A cada indígena, aos parentes que hão juntado,

E o que restou vai de farnel, à despedida.


Agradeceram os prendados, mas voltaram

Um dia após, quando eram já meia centena,

Pois o rumor do bem-querer longe espalharam

Todos aqueles que encontraram ceia plena.


O abade manda matar outro porco então

Como abater gordo carneiro a tanta fome.

Todo o selvagem come bem, se embora vão,

Sacos de nozes cada qual leva e consome.


Um dia após, são mais de cem com as crianças

Mais as mulheres, de sanzalas tão distantes

Que jamais antes nem ouvido, em tais andanças,

Tinham de haver mosteiros tais, de bens garantes.


O bom do abade pôs os monges a correr,

Um talhão colhem de legumes horta fora

E pescam trutas com a nassa e vão colher

Cestos de fruta e abater bodes agora.


Todos comeram, já por entre altercações.

Ao fim da tarde, uma oração rezam por chuva,

O monge e a selva de mãos dadas nas funções.

Mas de manhã nem do nevoeiro a branca luva


Responde às preces. Como a fome é mais cruel,

Já são duzentos visitantes por comida.

Alguns ajudam o convento no tropel

De abater carnes, refeição a ser servida.


Todos comeram, bem ou mal, e ao dispor tudo

Os monges põem, generosos, sem limite.

A oração cantam novamente e, sobretudo,

Ritos pagãos vão-lhe acrescer que a selva emite.


Tudo por nada, já que a seca persistiu.

São mais de mil, ao quinto dia, a vir famintos

E desde então os monges deixam de pousio

A quinta deles, já que os ovos, mesmo os pintos,


Legumes, frutos, tudo colhem, vão comer.

Toda a reserva é consumida, frutos secos,

Mel e compotas, as conservas, o que houver:

Os animais são abatidos, rincham ecos


Da mortandade dos cavalos do mosteiro,

Do burro velho que no prado tasquinava.

Tudo comeram, as galinhas, o viveiro,

Patos e cães e mesmo os ratos, se calhava.


Nada restou. E foi então que eles comeram

Os monges todos. E uns aos outros, logo após.

Um que ficou, depois que todos pereceram,

Morreu de gordo, em palermice tão atroz


Que, de ocioso, o rebentou a obesidade.

...E ali findou assim de vez a Humanidade!



Falcão


Adeja um falcão

Forte e ameaçador.

Domina, senhor,

Tudo o que há no chão.


Mas dum caçador

Uma flecha então

O trepassa e não

Tem mais vida e ardor.


Ao tombar, vê penas

De falcão nos nós

Que a frecha contém.


Viu, então apenas,

Que o que vem a nós

Sempre de nós vem.



Viajaste


Dois camponeses conversam,

Por ocasião da feira,

Das ditaduras que terçam

Armas contra o que as não queira.


- ”Conheci tantos países,

Rússia, Polónia, Alemanha,

Sei lá de quantos matizes!...”

-”Viajaste então com sanha.”


-”Qual o quê?! Nunca saí

Desta aldeia onde nasci.”


Hoje a comunicação

Põe o mundo todo à mão.



Piedosos


Dois piedosos muçulmanos

Seguiam pela montanha.

- ”Quando chegam os humanos

À perfeição que se ganha?”


-”Quando à montanha ordenarem

Que ande e ela então andar.”

De repente, ao repararem,

A montanha a começar


A mexer-se principia.

Vira-se o segundo então

Para ela e anuncia,

Com breve gesto da mão:


- ”Calma, montanha, é que eu não

Ordenei mesmo que andasses.

Era uma suposição,

Não percamos nisto as faces.”



Mercado


No mercado de Damasco

Hodja compra de algodão

Bela peça, após com asco

Regatear o preço em vão.


Vai depois a um alfaiate

Para que um bom albornoz

Talhe e cosa que acicate

Uma festa, um tempo após.


- ”Quando é que ele fica pronto?”

- ”Pois, com a ajuda de Deus,

Numa semana, é o que conto.”

Ela corrida, é de incréus


Que os olhos se lhe arregalam,

Pois do albornoz nem sinal.

As tesouras não se calam,

Tudo cortam, por seu mal,


Mas nem ao menos talhada

Foi do albornoz uma peça.

- ”Quando, então, vir de jornada?”

- ”Uma semana mais meça.”


- ”E então pronto de vez fica?”

- ”Pois, com a ajuda de Deus,

Pronto há-de estar, que se aplica

Nisto a vontade dos céus.”


Transcorreu outra semana,

Do albornoz, contudo, nada.

Adoeceu-lhe de esgana

Do alfaiate a filha amada.


- ”Quando devo tornar cá?”

- ”Dentro aí de quatro dias.”

- ”O albornoz pronto estará?”

- ”Com a ajuda em boas vias


De Deus ele há-de estar pronto.”

- ”Escuta, o dia da festa

Dentro de bem pouco aponto.

Não podes, de forma lesta,


Costurar-me este albornoz

De Deus sem ajuda após?”



Ofício


De sexta-feira no ofício,

Um imã, com eloquência,

Exclama, tenta um resquício

De sagrada eficiência:


- ”Ó Alá, senhor do mundo,

Dá-me a fé, dá-me a humildade,

A força de ser facundo,

Dá-nos a paz da verdade,


Dá-nos o amor da justiça,

Perdão, generosidade

Para o pobre que se enguiça,

Mais a luz da liberdade!”


Hodja, que estava presente,

Ergue-se e põe-se a clamar,

Mui convicto, de repente,

Crente de vir a alcançar:


- ”Ó Alá, senhor do mundo,

Dá-me doze potes de oiro,

Uma casa grande e, ao fundo,

Um lago, um jardim, com loiro


Cabelo de raparigas

Bem novas e sedutoras

Que a mui me agradar obrigas

A todas e quaisquer horas!”


O imã tentou calá-lo

E chamou-lhe de infiel

A blasfemar com regalo

Sacrílego e o repele.


- ”Mas porquê?!” - diz com espanto. -

Faço o que faz o imã...”

- ”Como assim?!” - gritam do canto.

- ”Bem, então! Cada manhã,


Cada qual, buscando o bem,

Pede aquilo que não tem.”



Machado


Um camponês perde um dia

Das freimas dele o machado.

Busca em casa, faz vigia,

Tudo em vão, em todo o lado.


Avista então um vizinho

A desviar, passando, o olhar.

Cara e gesto comezinho,

Atitudes, aquele ar,


Tudo nele revelava

Que era ladrão de machados.

Já quase o denunciava

Pondo a público tais dados


E levando-o ao juiz,

Quando recupera então

O machado: uma raiz

O esconde caído ao chão.


Voltou a ver o vizinho:

Afinal, não tem sinal

Do ladrão que ele, adivinho,

Nele presumira real.



Malhas


Acaso e necessidade

Tecem malhas do destino,

A sorte que nos persuade

E a que, queira ou não, me inclino,

Quando piso o chão que grade.


Roleta russa jogamos,

Uma bala no tambor,

Das seis com que o completamos:

Giramo-lo e é o que for,

Quando à fronte o disparamos.


Um actor polaco tinha

De interpretar um papel

Dum militar da marinha

Que, no meio do tropel,

Aquela bala sozinha


Jogava ao terceiro acto,

Numa aposta que ganhava:

Preme o gatilho e o impacto

Nunca o tiro disparava.

Com a vida mal, de facto,


Desanimado, introduz

Uma bala verdadeira

No tambor. E não traduz

A informação desta asneira

A ninguém, que o não seduz.


Pois por vinte e duas vezes,

Com sorte bem milagrosa,

Representa sem reveses.

A cena com ele goza

Com tiros secos, corteses.


Mas no dia vinte e três

Um febrão grave o abateu

E cai à cama de vez.

Quando o aviso recebeu,

Tapa o teatro o revés,


Dele chama o substituto.

E foi com grande alegria

Que este ensaiou o produto.

Quando o cano à fronte enfia,

Morre em cena, ao tiro bruto.


Ergueu-se dias depois

Aquele actor principal.

Foi ele que, dentre os dois,

Assistiu ao funeral...

Mas nunca mais meteu, pois,


No tambor balas daquelas,

Não vá o diabo tecê-las.



Viajante


Um viajante atravessa

A floresta solitária.

Uma quadrilha depressa

Despoja-o da indumentária,

De tudo o mais em seguida.

- ”Vamos deixá-lo com vida?”


O punhal dum salteador

Logo lhe aponta à garganta.

- ”Mas matá-lo que valor

Nos traz, de que é que adianta?”

Atam-lhe aos pés cada mão,

Da vala fica no chão.


Mais tarde outro salteador

Vem junto do viajante,

Desata-o, trata-lhe a dor,

Segue com ele adiante.

- ”Vem agora atrás de mim,

Vou guiar-te até ao fim.”


Caminharam pelo escuro

Noite fora, tempo além,

Até caminho seguro

Se vislumbrar que lá vem.

- ”Tua aldeia fica ali

Ao fundo, vai por aqui.”


- ”Acompanha-me até casa,

Quero-te recompensar.

Comerás do que te apraza,

Beberás lá no lugar.”

-”Não posso ir” - com pundonor

Respondeu o salteador.


- ”Mas porquê?” - o outro se espanta.

- ”Porque sou um salteador.

A polícia desencanta

Minha presença ao odor.

Viria logo a correr

Em tua casa me prender.”


Com isto deu meia volta,

Dali desapareceu.

Três forças andam à solta

Tecem da vida o mantéu:

Uma assalta, uma outra ajuda,

Na fuga a final se escuda.



Aldeia


Numa aldeia abandonada

Do mundo dos distraídos

Um rico tem a morada

E um pobre tem desvalidos.


Trepa um dia o rico ao monte

A mostrar com largo gesto

Ao filho todo o horizonte:

- ”Olha o nosso e olha o resto,


Será um dia tudo teu.”

Trepa ao monte por igual

O pobre, a fruir do céu.


De espanto ao filho em sinal,

Na emoção de quanto o acolha,

Murmura-lhe apenas: - ”Olha...”



Tundra


Na tundra siberiana

Um homem encontra um preto,

Julga mesmo que se engana:

Jamais um vira em concreto!


Perplexo, pergunta então

Quando com ele se cruza:

- ”És a noite? A noite ou não?”

Resposta, porém, recusa


O preto e dali se afasta.

Um dia após, no lugar,

A curiosidade basta,


Vendo o preto ali passar,

A fazer que mais se afoite:

- ”Quem és? És ontem à noite?”



Sonha


Sonha o santo: uma mulher

De incomparável beleza

Encara-o com bem-querer,

Sorri-lhe tal quem o preza.


- ”Donde é que te provém tão

Maravilhosa beleza?”

- ”Um dia” - diz-lhe ela então -

“Choravas tu de tristeza:


Lavei minhas faces duas

Naquelas lágrimas tuas.”



Cão


Um homem está sentado

Lá no público jardim,

Um cão pela trela ao lado,

Aos pés dormitando assim.


Uma dama se aproxima

E senta-se à beira dele,

Olha o cão, um ser que estima,

Pergunta, a apontar-lhe a pele:


- ”O seu cão é um cão mansinho?”

- ”É muito mansinho, muito.”

Ela a mão devagarinho

Estende, em gesto fortuito,


Ao animal. De repente,

Este salta, vai mordê-la

E deveras ferozmente.

- ”Mas que me disse?!” - a sequela


É que a mão lhe está sangrando. -

“Afirmou-me que o seu cão

Era manso e eis senão quando...”

- ”O meu é. Mas este não


É o meu, já que esta manhã

Passeio o da minha irmã.”



Asceta


Um asceta, na esperança

De atingir o bem supremo,

Vê se não dormir alcança

Dezenas de anos seguidos,

De noite, a vergar o demo,

Até perder os sentidos.


Para tal, regularmente,

Nos olhos aplica sal

Até que o sangue fermente.

Já no limite das forças

Adormeceu, afinal.

Ai, virtude, a quanto orças!


Durante o sono, eis-lhe vem

A visão do Paraíso,

De Deus, dos anjos também...

Quando acordou, ficou triste:

- ”Procurei com tanto siso

Isto que no Além existe


Quando acordado e, afinal,

Só dormindo é que vi tal.”



Selvajaria


Após uma ditadura

A selvajaria impera:

Tanto há ganho com fartura

Como se esvai em quimera.


Dois búlgaros a uma esquina

Se encontram a negociar.

- ”Dois camiões quis a sina

De cigarros vir-me dar,


Cigarros americanos,

Um milhão por eles quero.”

- ”Pois é teu” - nem pesa enganos

O segundo, com esmero.


Selam de aperto de mão,

Vai cada qual a seu lado:

Um ver se encontra um milhão,

Cigarros, o outro enganado.


A terra sem roque ou rei,

A sequela a que anda atreita

Esta será: não há lei

E ninguém mais a respeita.



Música


Há na música indiana

Harmonias para a noite,

Harmonias para o dia

E, quando ninguém se engana,

Não há verão que lhe acoite

Dum inverno a melodia.

E diversos sentimentos

Dão vários de canto alentos...


Um rei que era caprichoso

Chama um mestre do sitar,

Pede-lhe um canto da noite

Quando o sol brilha fogoso.

- ”Impossível” - se a queixar,

Sem que mais longe se afoite,

Começa o músico atento. -

“De manhã noite nem tento.”


- ”Toca na mesma!” - “Não posso...”

- ”Recusas? Mando cortar

Já tua cabeça aqui!”

Ante a ameaça, tenta o esboço

O melhor que ele alcançar,

Toca noite, um peso em si.

Faz que a luz empalideça:

- O Sol a pôr-se começa!



Saudá-lo


Quando um novo Papa é eleito,

Os chefes, por tradição,

Doutra qualquer religião

Vêm saudá-lo a preceito.


Entre eles vem um rabino,

O mais ancestral de Roma.

Após a praxe, ele toma

Um sobrescrito mui fino,


Lacrado, de antigamente.

Pega-lhe o Papa na ponta,

Logo um cardeal o aponta

E ao ouvido algo comenta.


Sem abrir o sobrescrito,

Logo o Papa o devolveu

Às mãos do rabi judeu,

Tratando-o como um proscrito.


Este ritual perdura

Há muitos séculos já.

Que é que aquela carta apura

E tais gestos porque os há?


É o segredo dum cardeal

Que à hora da morte o conta

A um vivo que o logo aponta

Para aos Papas dar sinal


Que no futuro vierem.

É assim sucessivamente,

De longe, imemorialmente.

Ora, há imprevistos que ferem:


Há um século atrás morreu

O cardeal, de repente,

Que o segredo tem presente

E a transmissão se partiu.


Contudo, no protocolo,

Todos os Papas seguintes,

Da tradição fiéis ouvintes,

Cumprem o ritual a solo


Sem nenhuma confidência:

A carta é de devolver,

Devolvem sem ver sequer

Se contém qualquer pendência.


Se havia, pois, um segredo,

Parecia estar perdido.

Mas o actual Papa, atrevido,

Quer limpar suspeita e medo.


Nada o proíbe de ver,

Consultas devidas feitas,

Da carta quais as receitas

Que decerto há-de conter.


Os cardeais de antigamente

Que falavam ao ouvido

Se calhar nem o sentido

Sabiam dali pendente.


O Papa logo aceitou,

Sem a devolver, a carta.

O rabino nem se aparta,

Do espanto que o alegrou.


Finda que foi a audiência,

Um cardeal e uns peritos,

A um recanto circunscritos,

Fecham-se com impaciência.


Abre o Papa o envelope

E descobre um documento

Muito antigo, bolorento,

Em língua que ninguém tope.


Vêm os epigrafistas,

Linguistas ao Vaticano,

Esventram a fundo o arcano

E descobrem que são listas:


É duma casa de pasto

A conta de Última Ceia

Por pagar há era e meia,

De Cristo e os Doze o repasto!


O Papa muito se admira:

Então Jesus convidado

Não foi ao festejo dado,

Com eucaristia em mira?


A conta indica o contrário.

O rabino atesta então:

- ”É o texto em primeira mão

Que, através do tempo vário,


De geração se transmite

Em geração, há bem mais

De vinte séculos, tais

Os que conta quem o emite.


A Ceia que não se apaga,

Entre todas fundadora

Mesmo após tanta demora,

Nunca de facto foi paga.


Os meios para pagar

A dívida, sem demora,

Talvez tenha a Igreja agora,

Nem há juros a cobrar!”



Krishna


Quando Krishna era criança,

Tinha fama de maroto,

Era o guloso que alcança

Sempre o que lhe deu no goto.


Era oitava encarnação

Do deus Vishnu, benfazeja

Força que segura o chão

Do mundo, tal se deseja.


Um dia foi acusado

De haver de terra engolido,

Bem escondido, um punhado,

No que foi repreendido


Por Yasoda, a mãe terrestre,

Que explica que em caso algum

- Ela tenta o que o amestre -

Coma a terra que é comum.


- ”Não comi” - diz o pequeno.

- ”Abre então a boca, a ver...”

Obedece e um cheiro a feno

Vem-se dele a desprender.


Debruça-se Yasoda e vê

Árvores, rios, montanhas,

Todo o Universo à mercê

Cheio de estrelas tamanhas,


Dos seres toda a existência,

O passado e o futuro,

Dos mortos parca a vivência,

As formas do nascituro.


Viu além toda a emoção

Que todo o ser vivo tem,

Medo, raiva e coração,

Deslumbramento também.


Viu as lágrimas, o riso,

Os estádios da matéria,

Nada lhe escapa ao aviso,

Do filho na boca séria.


As parcelas do Universo

Todas vão no seu lugar.

- ”Está bem, é um mundo terso,

Podes a boca fechar.”



Quarto


Dorme um frade sozinho num castelo antigo

Quando ouve à meia-noite alguém bater à porta.

Entra um maldito enorme, nariz inimigo,

Olhos de brilho azul, a língua negra e torta.


- ”Quem és e que procuras?” - diz ousado o frade,

A quem Deus dava forças, sem temor algum.

- ”Aquele que virá depois de mim é que há-de

Explicar-to” - responde o que é o fantasma um.


O segundo maldito entra então, eram dois.

- ”Quem és e que procuras?” - perguntou o frade.

- ”Aquele te dirá que vem de mim depois” -

Retorque-lhe o maldito que, segundo, o invade.


Entra então o terceiro dos malditos soezes.

- ”Quem és e que procuras?” - insistiu o frade.

- ”Aquele que após mim entrar diz quanto prezes.”

O frade não arreda, que tal nunca o enfade.


Ora, o quarto maldito que é que diz então?

- Pois o quarto maldito nunca veio, não.



Ilusão


Ramakrishna conta,

Ao falar de Maya,

A ilusão que aponta,

Na qual tudo caia.


Um homem pobre e sem labor

Saiu de junto da mulher,

Do filho doente (arde em calor),

Tenta, pedinte, o que puder.


Não conseguiu. Quando voltou,

Um dia após, o filho é morto.

Logo a mulher o lamentou,

Que ele morreu sem seu conforto.


Ficou a olhar para a mulher,

Para o cadáver, e sorria

O pobre do homem esmoler.

Por que razão, não se entendia.


- ”Porque sorris?” - diz a mulher,

Sem o abarcar, muito espantada.

- ”Minha razão vou-ta dizer:

É que sonhei, de madrugada,


Que eu era um rei com sete filhos

Todos saudáveis, e feliz

Com eles vivo. Os meus sarilhos

São que acordei (bem o eu não quis)


E todos eles se hão sumido.

Diz-me tu quem mais lamentar:

Se o que doente hemos perdido,
Se os sete em vão sumidos no ar.”



Teatro


Vai um homem assistir

Ao ar livre a um teatro.

Leva um cobertor ao ir,

Enrola-o, dobrado em quatro.


Quando chega, a peça ainda

Não havia começado.

Mas que modorra benvinda!

Deita-se e adormece ao lado.


Dorme tão profundamente

Que só acorda bem depois

De finda a função presente.

Dobra o cobertor em dois


E retorna para casa

Com risinho sinuoso

Murmurando, olhos em brasa:

- ”Muito bom! Maravilhoso!”



Lenhador


Um lenhador habitava

Numa aldeia e de manhã

Na floresta se adentrava

A trabalhar com afã.


À noite, quando voltava

Os aldeões reuniam

Em redor e ele contava

O que vira e eles ouviam.


Eram mais de mil inventos

Coloridos, variados,

A imaginários sedentos

Servidos, pratos cuidados.


Um dia encontrara um trol

Das raízes a sair,

Uma gigantesca mole

A falar do que há-de vir.


Outro dia foram ninfas

A mergulhar na cascata

E os faunos que nessas linfas

Armaram o nó que as ata.


Conhecia-os pelo nome,

Sabe querelas, amores,

A inveja que algum consome,

Canta deles os favores.


Crónica quotidiana

Da maga floresta erguida

Todas as noites emana

A uma aldeia embevecida.


Quando ia até junto ao mar,

Via sereias ao sol,

Tritões trompas a soprar,

Cavalgando a onda mole.


Uma que outra vez por ano

O bispo do mar lhe dava

Notícia do mundo arcano

Que na lonjura morava.


Também com elfos se via,

Gnomos, ogres e até fadas

E destas contos ouvia

Para as noitess encantadas.


Sílfides voavam no ar,

Criaturas plantas sendo,

Minhocas a vir falar

Com cobras tais que só vendo.


O lenhador inventava

Histórias mil destes seres

Que na aldeia em todos grava,

Nos homens e nas mulheres.


Emaranhado sem fim,

Com mil ramificações,

Mantinha em suspenso assim

Insaciáveis os aldeões.


Acabavam por julgar

Que não podiam viver

Sem a aventura estranhar

Que o relato lhes trouxer.


Desejos, preocupações

Deles lá reconheciam

Ou em longínquos torrões

Aportavam que nem viam.


Era o que mais divertia,

Acalmava e a dormir

Bem melhor serve de guia

Até o alvor do porvir.


Um dia tudo mudou.

O lenhador lá partiu

Para a selva onde suou,

Ao ombro o machado frio.


Mal tinha entrado no bosque

Viu, desta vez de verdade,

Onde o tojo mais se enrosque,

Dois sátiros, mãos em grade,


Uma ninfa a perseguir

Que pedia ajuda às plantas,

Aos gnomos, a quem ouvir,

E que só foi salva, às tantas,


Por um dragão voador

Que a uma nuvem a levou,

De enxofre em meio a um odor

Com que os ventos sufocou.


Ouviu também de elfos cantos,

Nítidos os viu dançar,

Das sereias os encantos

Vieram-no cumprimentar.


Pois até o bispo dos mares

Veio benzê-lo em latim

Numa vaga alçada aos ares

Com um trono de serrim.


Isto durou todo o dia...

Quando retornou à aldeia,

Todo o habitante que havia

Recolheu à sala cheia,


Que ao hábito ninguém foge,

À espera do que revele.

- ”Ora, então, que é que viste hoje?”

- ”Hoje? Nada!” - responde ele.



Cava


Um homem, torrando ao sol,

Cava, cava, no deserto.

Um beduíno com que bole

Pergunta, ao chegar-lhe perto:


- ”Que fazes?” -”Cavo um buraco.”

- ”Mas para quê?” -”Procurando

Ando moedas que num caco

Escondi já não sei quando.”


- ”Devias ter reparado,

A marcar o lugar onde,

Em algo que hajas fixado,

Rochedo, erva onde se esconde...”


- ”Reparei...” - diz o das moedas.

- ”No que foi?” E este então ri

Ante estas marcas tão ledas:

- ”Das nuvens na sombra ali.”



Acordou


O marido adormecido

Acordou mui bruscamente.

Dá mil voltas e um gemido,

Acorda a esposa dormente.


- ”Que agitação invulgar!

Vais transpondo um rio a vau?!”

- Ӄ que acabo de sonhar,

Tive um sonho muito mau!”


- ”Que sonho?” - ”Sonhei que a burra

Do nosso vizinho acaba

De à luz dar, enquanto zurra,

Um burrinho em que desaba


Esta má sorte sem nome:

O burro nasceu sem cauda!”

- ”Isso é o que aqui te consome?!

Estás à espera que aplauda?!”


- ”Imagina que o burrinho

Cai num buraco, uma vala...

Pede-me ajuda o vizinho

Para a cria então sacá-la.”


- ”Sim, vai pedir. E depois?”

- “E depois?! Depois é o diabo!

Como é que o apanho, pois

O burrico não tem rabo?”



Deitado


Uma noite em que a mulher

Jantou na sua família,

Volta a casa e que vem ver?

Um motivo de quezília:

Dorme o marido em sossego

Deitado com um borrego.


- ”Que é que é isto?!” - grita ela.

- ”Nada” - diz ele. - ”A questão...”

- ”Não contes outra balela!

Agora tens atracção

Por borregos?! Que borrada!”

- ”Não estás a entender nada!


Sonhei que me entrava o lobo

No redil e, logo à entrada,

Comia o borrego bobo,

Dentada atrás de dentada.

E ele é que, de medo, clama

Por abrigo em nossa cama.”



Sem-abrigo


Dois sem-abrigo dormiram

Mui vagamente abrigados

Na entrada que conseguiram

Duns prédios abandonados.

Despertam para a manhã

Dum inverno bem malsã.


Ambos tiritam de frio,

Nada têm que comer.

Os transeuntes, ao rocio,

Correm por eles sem ver,

Apressam os passos ante

A chuvada penetrante.


Um deles ao outro diz:

- ”Tive um sonho extraordinário.

Num paço vivo feliz

Com divãs de odor mui vário,

Bailarinas ao serviço,

Vinhos com sabor castiço,


Todos os frutos do mundo

Num pomar à discrição,

Cada canto o mais fecundo...

E tu, não sonhaste, não?”

- ”Eu não sonhei nada” - diz

Dos dois o outro infeliz.


- ”Tens sorte” - torna o primeiro,

Após vaga reflexão.

- ”Tu é que, num grau cimeiro,

A tens, o sonho é um condão.”

- ”Não, és tu: desiludido,

Não acordas destruído.”


Discutiram tempo além

Sem nunca chegar a acordo,

Como à miséria convém,

Sem barco onde entrar a bordo.

Qual o bem que o mal persuade:

O sonho ou a realidade?



Cura


Um homem religioso

Apaanhou doença grave.

Sonhou então, luminoso,

Que peregrinar é a chave

Da cura. Vai a Konya,

De Rumi na sacra via.


Em sonhos lhe garantira

Um célebre santo imã

Que há muito de nós partira:

Vira a cura de manhã.

Reuniu forças então,

Foi em peregrinação.


Custou-lhe cara a viagem,

Cansou-o, pois que as estradas,

Sem poiso nem estalagem,

Todas vão enlameadas,

Muitas tinham aluído

Das chuvadas que hão caído.


Em Konya, ele ficou,

Sujo, em caravanserai,

Mas as devoções orou,

Aos santos lugares vai.

Ao túmulo de Rumi

Voltas deu de dar aí.


Só depois se fez à estrada

Integrado em caravana.

Esta, a caminho, é atacada

Por bandos de mão profana

Que o doente maltrataram,

Todos os bens lhe roubaram.


Esgotado, regressou

Ao lar para repousar.

Dias após constatou

Que a doença, sem melhorar,

Afinal, mais parecia

Agravar-se dia a dia.


Então confronta o imã

Que em sonhos lhe aparecera:

- ”Prometeste, uma manhã,

Que em Konya a cura houvera.

Fiz o que disseste e sou

O morto em pé que aqui estou.”


O imã não deu resposta.

Porém, na noite seguinte,

Quando o doente se encosta

Na choupana sem requinte

E adormeceu para o lado,

- Sonhou que estava curado.



Virgem


Uma rapariga ainda virgem sonha

Que um príncipe mágico na aldeia pára,

Que por ela vem, para que o sol lhe imponha

Que nele rebrilha como jóia rara.


De manhã levanta-se e com pressa corre,

Deita-se à procura do encantado seu,

Mas ninguém ouviu onde esse amor ocorre.

Um velho sentado entre uma fonte e o céu,


Lhe diz quando passa lá por perto dele:

- ”O teu tempo perdes, o teu tempo perdes.”

Nem ouve o que diz, presa ao que além a impele,

Sai da aldeia e pula pelos campos verdes.


Ninguém viu tal nobre. Ao retornar, cansada,

Passa junto ao velho que de novo diz:

- ”O teu tempo perdes.” Mas não ouve nada,

Volta para casa; não, porém, feliz.


Tentam acalmá-la, que a razão lhe volte,

É apenas um sonho... São inúteis freimas,

Que o sonho é mais forte e faz com que ela solte

Novas correrias após muitas teimas,


Pois de novo o viu que lhe estendera os braços

Num sonho envolvente. Cruza junto ao velho,

Perto da nascente, com os mesmos traços:

- ”O teu tempo perdes.” Sempre igual conselho!...


Busca em toda a parte, fere pés e pernas

Nas pedras dos trilhos, no silvado agudo.

Não tem mais resposta, ralações supernas

São o que recolhe, conferido tudo.


Quando a cruzar volta pelo velho, à fonte,

Torna a dizer-lhe ele: - ”Pois teu tempo perdes.”

Na noite seguinte, o sonho estende a ponte:
O príncipe os braços abre, herança que herdes,


E a moça se lança na prisão que a enlaça.

Louca de esperança, a oposição venceu

De pais, de vizinhos, contra dela a traça,

Corre além do velho que já nem ouviu:


- ”O teu tempo perdes, o teu tempo perdes.”

Após vários dias de mil buscas vãs,

Retorna esgotada. Quanto dela houverdes

É roupa em farrapos, terra em jovens cãs,


Pernas a sangrar... Como não pode mais,

Senta-se na pedra junto ao velho e à fonte.

Ele nem diz nada. Nos fiéis caudais,

Onde à sede a vida mais saúde aponte,


Da nascente perto vai colher em mãos

Água que oferece à rapariga lassa.

Ela inclina o rosto, vê tais dedos sãos,

Tão juvenis mãos em quem por velho passa,


Mais um anel de oiro em que um diamante brilha,

Que levanta os olhos, sob a capa vê

Que lhe oculta o rosto de negror mantilha,

Que um jovem se esconde, de olhar onde lê


O brilho da aurora, lábios sorridentes:

É o que vira em sonhos e a tomara em braços!

- ”Eras tu aí?!” De gestos mui silentes

Ele nem responde, mas não há embaraços.


Ela torna ainda: - ”Porque não disseste

Que eras tu mais cedo?” E ele então responde:

- ”Como é que eu sabia, com saber que preste,

Que era quem buscavas, sei lá bem por onde?”



Dragão


Sonhou alguém com um dragão atroz,

Aterrador, com uma goela em chamas

Ameaçadoras, a urrar feroz.

Ora, assustado, lhe questiona as tramas:


- ”Que vai passar-se? Que aterrado estou!

Irá comer-me? Ai, meu Deus do céu!”

Diz-lhe o dragão, a suspender o voo:

- ”Que quer que diga? O sonho é todo seu!”



Rua


Numa pouco iluminada

Rua uma mulher caminha

Numa passada apressada,

Medrosa, que vai sozinha.


Mas é um sonho. E um homem sai

Da sombra, cola-se a ela,

Estende a mão, quase vai

Prender-lhe a cintura bela.


- ”Cavalheiro, que é que faz

Pare ou a polícia chamo!”

- ”Ora, vós é que sonhais

Seja o que for que eu reclamo...”



Noite


Uma noite, simplesmente

Numa camisa comprida,

Sai do leito, lentamente,

A mão à frente estendida.


Atravessou o jardim,

Deu volta completa à casa

E à porta de entrada assim

Retornou tal quem se atrasa.


Um vizinho, quando o viu,

Pergunta por sobre o muro:

- ”Que fazes?! Que é que te deu?!”

- ”Chiu! Cala-te! Só murmuro...”


- ”Diz-me então que é que se passa!”

- ”Minha mulher conta a todos

Que um sonâmbulo com graça

Sou. Confirmo-o com meus modos.”


- ”E então?” -”Chiu! Podes levar-me

A um mal com que nem concordes.

Há um risco de grande alarme:

Sobretudo não me acordes!”



Aborígenes


Aborígenes primevos

Australianos um dia

Caminhavam, de hoje coevos,

A um etnólogo por guia,


Por uma estéril paisagem

Dos desertos interiores.

O cientista em viagem

Anotava os pormenores


Dos actos deles e gestos.

Regularmente este grupo,

Gente de acordos honestos,

Sem ordens e sem apupo,


Parava um longo momento.

Não era para comer

Nem para ver um invento

Que a natura ali tiver,


Nem sequer para sentar

Nem descansar da fadiga.

Era somente parar

Sem nada que a tal obriga.


À segunda ou à terceira,

O etnólogo então pergunta

Que faz que desta maneira

Todos parados os junta.


- ”É bem simples: nós estamos

À espera de nossas almas.

As almas que nós tenhamos,

De vez em quando, mui calmas,


Param no trilho a cheirar,

Ver, ouvir algo escapado

Aos corpos com que hão-de andar.

As razões de haver parado,


Sendo no íntimo secretas,

São mui fortes, sedutoras.

Por isso, mesmo discretas,

Se os corpos correm por horas,


As almas param, por vezes,

Durante uma hora inteira.

Urge esperarmos, corteses,

Por elas, do trilho à beira.”



Bali


Em Bali contam que, à morte,

Almas há mui descontentes,

Recusam largar à sorte

Os corpos ali presentes,

Mormente quando eles vão

Queimar-se em pira no chão.


Almas há recalcitrantes.

Em pública cremação

Vestem os participantes

As vestes da tradição,

Cumprem rituais antigos

A exorcizar inimigos.


Uma dolente alma esquiva

Duma mulher morta cedo,

Cremação definitiva

Recusa ao corpo em degredo

Que lhe houvera pertencido,

Por um fado não cumprido.


Dela a irritação sussurra

De asas em roucos ruídos,

No toiro que salta e urra,

Que a carreta com gemidos

Puxava, tal como quem

Picado é de insectos cem.


Os oficiantes contam

Que os cabelos se moviam,

Os pêlos na barba apontam

Para onde não queriam.

Tentam pegar fogo à lenha,

Logo a apaga o ar que venha.


Foi preciso interromper

A cerimónia letal.

Dum celebrante vão ver

Que das almas o sinal

Descontente entenderia,

Ao que a voz comum dizia.


As almas que rejeitarem

Morte ao corpo que as alberga,

Conta o velho, é de enjeitarem

O karma que ao alto as erga:

O corpo não satisfez

O que devia, de vez.


Agitam-se loucamente

Na esperança apavorada

De que o morto, finalmente,

Retorne à vida passada

E cumpra a tarefa agora

Que a terra dele lhe implora.


Reuniram-se em conselho:

Que fazer? Saber das queixas

De alma que tem preso o artelho,

Remediá-las, com as deixas.

Mas o corpo estava morto:

Como da morte ir ao horto?


O ancião pede que o deixem

Sozinho uma noite inteira

Junto à morta. Que se queixem

Os do Além é o que requeira

Cada oração, cada reza

Cujo segredo ele preza.


Pela manhã declarou

Que das iras de tal alma

Já sabia: desejou

Dum amor colher a palma

Dum vizinho e tal prazer

Recusara o corpo ter.


O brâmane encarregado

Foi de visita a tal homem,

Explicar-lhe aquele fado

Cujas sequelas consomem

O espírito já partido.

O homem fica surpreendido,


Não tinha de tal ideia,

Pois conhecia a mulher

Desde miúdo, na aldeia,

Mas nem sonhara sequer

Que viver pôde tal sina

Duma paixão clandestina.


O religioso pede

Que receba a alma penada,

Se umas horas lhe concede

A mantê-la bem tratada.

Ele vai falar à esposa,

Que é casado e dum lar goza.


Ela fica surpreendida

E por demais inquieta,

Se há uma ligação vivida

Outrora e tida secreta

E que o brâmane informado

Do facto haverá ficado.


Demorou a convencê-la

Que não era nada disto,

Um adultério não vela

Um morto, mesmo benquisto,

O que ali se tem de pôr

Não é sexo mas amor.


O marido se dirige

À casa da mulher morta

(Onde tal alma o exige

E o segue), a ver se a conforta

Aquela friorenta noite

Que lhe oferta onde se acoite.


Amigos e conhecidos

Ficam até madrugada,

Fora apuram os ouvidos,

Mas ninguém logra ouvir nada.

De manhã, o homem saiu,

Ao lar retorna e dormiu.


O funeral recomeça,

A brisa é calma, mui suave,

Erguem-se as chamas depressa,

Sem peias, quais penas de ave...

Tudo finda calcinado

E de almas, mais nenhum dado.



Narciso


Quando Narciso morreu,

As margens, mui desoladas,

Pediram gotas ao rio

Para as lágrimas choradas.

- ”Nem todas as minhas águas

Chorariam tantas mágoas.


Como o amava!” - e o rio chora.

- ”Impossível não o amar!” -

Carpem as margens agora. -

“Como era belo, que olhar!”

- ”Era belo?!” - diz o rio.

- ”Quem melhor que tu tal viu?


Da margem se debruçava

Ele em ti todos os dias

E nas águas contemplava

Suas faces fugidias.”

- ”Ah! Se o amava não era

Por isso” - o rio assevera.


- ”Então porquê?” - ”Porque, quando

Ele ali se debruçava,

Eu podia ver, cantando,

A beleza que agitava

Minhas águas, sem escolhos,

Na fundura de seus olhos.”








































2


Ao Serão de Segunda-feira































Mendigo


Um homem andrajoso, miserável,

Como um mendigo penetrara um dia

De Bagdade no paço do califa.

Na ausência do venerável,

Se atira, sem cortesia,

Do trono para a alcatifa.


Adivinhando o insólito, a real guarda

Não se atrevera a expulsar o intruso.

O camareiro-mor acorre ao caso:

- ”Sabes que ocupas, sem farda,

Um lugar apenas de uso

Do califa em breve prazo?”


- ”Sim, sei.” - ”Sabes quem é o nosso califa?”

-”Estou acima dele.” - ”A inteligência

Perdeste, que a pobreza ta não dá.

Aqui não ganhas a rifa,

Por sobre Sua Excelência

É só Maomé que estará.”


- ”Sei” - disse o desgraçado. - ”E o Profeta

Saberás tu quem é?” - “Sei muito bem,

Estou acima dele.” Erguem as armas

Que o desplante despoleta

Os guardas que se mal têm.

- ”Deixem, que após ireis dar-mas” -


É o camareiro-mor que mais ajunta:

- ”Acima de Maomé só vive Deus.”

- “Sei” - responde o mendigo. - ”E Deus morreu?!”

- ”Acima estou, se é pergunta.”

- ”Pois nada acima há nos céus!”

- ”Claro! E tal nada sou eu!”



Odor


Um pobre come pão seco

Em frente dum grelhador

De avaro churrasco e peco.

Quer cobrar-lhe o dono o odor,


Recusa o pobre e um juiz

Vem decidir a querela.

Uma moeda que condiz

Com o custo da tabela


Joga ao chão do restaurante

E ao dono diz que ali queda:

- ”Paga-te com, doravante,

O barulho da moeda.”



S. Clemente


De Alexandria S. Clemente

Diz que um egípcio combinado

A soma certa, mui contente

Tinha por ter o favor grado


Da cortesã mais glamorosa.

As condições aceitam ambos,

Combinam bem hora amorosa,

Ele a fremir já de pés bambos.


Mas, entretanto, o jovem sonha

Que tinha obtido da moçoila

Todo o prazer que se suponha,

Drogado em sono de papoila.


Todo o prazer então gozou

Mui solitário, noite fora.

Já satisfeito, ele acordou,

Quer cancelar o encontro agora.


A cortesã disto discorda,

Manda intimá-lo e vai ao rei

Bocóris ver com quem concorda.

E ele decide em sábia lei:


A cortesã deve ser paga,

Porém de certa forma nova.

Ao sol a bolsa que o réu traga

Esvaziou, boa-fé prova:


- ”Mas ela fica, o mais lhe vedas,

Só com a sombra das moedas.”



Molho


No Zaire, um homem idoso

Avança penosamente

Por caminho pedregoso,

De lenha um molho pendente

Às costas, rumo à sanzala,

Apoiado na bengala.


Pára a recobrar alento

E pousa o molho no chão

Dele ao lado, lento e lento.

Diz na pausa ao molho então:

-”Não aguento... Toda a vida

Molhos carrego em seguida.


Contente, quando era jovem;

Sem esforço, homem maduro,

Agora, que mal me movem

Os meus passos, de inseguro,

Das forças este resquício,

Ao levar-te, é já um suplício.”


De repente, ouve uma voz

Que lhe vem da lenha e diz:

- ”Ouves-me? Ouves tu, a sós?”

- ”Quem fala? Será um juiz?!”

- ”Sou eu” - responde-lhe o molho. -

“Ao lado estou, não me encolho.”


- ”És um molho então falante?”

- ”Não muitas vezes, mas hoje

Ouvi-te, por um instante,

A queixa que de ti foge.

Um molho de lenha, a par

De tal, pode então falar.”


- ”E que me queres dizer?”

- ”Se tu, para me levar,

Cansado estás de morrer,

Às minhas costas trepar

Deves, que eu levo-te a ti,

Como a mim tu até aqui.”


- ”E tu podes fazer isso?!”

- ”Pois claro, se to proponho!”

E, como que por enguiço,

O velho vê, como em sonho,

O molho a se levantar,

Ficar de pé no lugar.


Apoia-se em quatro galhos

Que mexem debaixo dele

Como perninhas sem talhos.

- ”Vais a andar!” - o velho expele.

- ”Agarra-te a mim sem medo,

Que eu levo, fim do degredo.”


- ”Certo estás de me levar?”

- ”Muito tempo me levaste,

Está na vez de eu prestar

Serviço igual quanto baste.”

O molho ligeiramente

Se inclina então para a frente.


O velho, contra o receio,

Se instala o melhor que pode

Da ramagem pelo meio,

Pés num galho que não rode,

Braços a agarrar-se bem,

Face entre as folhas que tem.


- ”Estás bem?” - pergunta o molho.

- ”Muito bem!” - retruca o velho.

- ”Cuidado enquanto recolho

O bordão de bom conselho.”

Põe-se então a caminhar

Trilho fora sem parar.


Os ramos um pouco estalam

Mas o todo aguenta bem.

Os pés das lenhas abalam

Carregando o velho além.

Fecha os olhos, em repouso,

Sorrindo, o velho, com gozo.


Durante um tempo, avançaram.

De repente, há uma mudança

No andamento que levaram.

O velho olha e quanto alcança

É que não vão no caminho,

Mas no matagal vizinho.


- ”Não estamos no caminho!” -

Grita o velho ali, zarolho. -

“Já não vamos, adivinho,

Para a aldeia” - impreca ao molho.

- ”Porque iria para a aldeia?” -

Diz o molho. - “Qual a ideia?”


- ”Porque é na aldeia que eu moro,

Lá que vive a minha gente,

Que vê se não me demoro,

Que a noite cai de repente.

Estarão à minha espera

Antes da hora da fera.”


- ”Tu tens medo, tu, das feras?!”

- ”Naturalmente que tenho,

Todos, em todas as eras,

Temem o seu arreganho.”

- ”De feras não tenho medo” -

Murmura o molho em segredo.


- ”De que é que tens medo então?!”

- ”Tenho dos homens,” - responde -

“Do destino que me dão

Na sanzala, se for onde

Eu te levar. É que sei

O destino que terei:


Minhas folhas a comer

Dás às cabras e carneiros,

Vão-me em gravetos fazer,

Que queimam melhor que inteiros.

Isto é que os molhos de lenha

Temerão que lhes advenha.”


- ”Para onde então me levas?”

- ”Ias-me levar à aldeia.

Faço o mesmo, antes das trevas:

Levo-te, floresta meia,

Para o lar onde nasci:

Minha gente vive ali.”


- ”Que vais fazer? Vais queimar-me?!”

-”Porque havia de queimar?

Pegar fogo, se tal arme,

À minha família e lar?

Vou largar-te na floresta,

Que a fera faça o que resta.”


- ”Na floresta não me deixes,

Que das feras tenho medo.

Deixa-me descer dos feixes!”

Logo o molho pára quedo,

O velho desce depressa,

Pisa o chão, de mente avessa.


Fica olhando para o molho

E o molho a olhar para ele,

Olhos de pau sem sobrrolho,

Casca seca em vez de pele.

Cai lento o Sol no horizonte

E há já feras que se aponte.


- ”Que fazer?” - pergunta o velho.

- ”Agora?” - do molho a voz

É sopro a esvair do espelho,

Vida a se apagar a sós. -

“Já não sirvo para nada,

Leva-me em tua jornada.”


- ”Achas?” - o velho pergunta.

- ”Rápido!” - o molho responde.

O velho depressa junta

Os galhos, o medo esconde,

E às costas, com a bengala,

O leva para a sanzala.


O mais depressa que pode

Caminha nas velhas pernas.

No atraso ninguém lhe acode,

Adormece das luzernas

Com as pálpebras pesadas.

Mas não pára. A noite cai,

Vê cada estrela que sai.


Não vai pensar nos joelhos,

Vão cada vez mais doridos,

Arqueja, cedem artelhos,

Os ombros já vão feridos,

Porém, curiosamente,

Na fadiga segue em frente.


Sabe que o repouso o espera,

Ao longe viu uma luz,

A aldeia não é quimera,

Família e todos traduz,

Prontos para o receber

Quando além aparecer.


- ”Estás zangado comigo?” -

Pergunta ao molho silente. -

“Não estás? De eu pôr-me a abrigo?...”

O molho de lenha, ausente,

Dele às costas, já sem vida,

É o silêncio em despedida.



Hassidismo


Um rabino muito jovem

Foi a um mestre do hassidismo.

- ”Quem és tu?” - e mal se movem

Do mestre os lábios de abismo.


- ”O neto sou do rabino...”

- ”Não te perguntei quem era” -

Corta o mestre, de ar ladino -

“O avô que no lar te espera.


Pergunto então outra vez:

Quem és tu? Sabes quem és?...”



Apanha


Quando Nasredim passeia

Com o amigo, este se abaixa,

O espelho apanha que ameia

Num canto, partida a caixa.


- ”Julgo que conheço este homem” -

Ao se ver no espelho diz.

Logo leva a que as mãos tomem

De Nasredim, mui feliz,


O espelho em gesto adivinho.

Olha nele o rosto seu

E comenta: -”Que espertinho!...

Claro, conheces: sou eu!”



Génio


Salomão aprisiona

Num pote de cobre um génio,

Do fundo do mar o adona,

De ondas lhe cobre o proscénio.


O génio enriquecer

Jura quem o libertar.

Cem anos vão decorrer

E ninguém a o procurar.


Jura que ao libertador

De quanto tesoiro houver

No mundo fará senhor.

Cem anos: nada a ocorrer.


Jura então os três desejos

Do libertador cumprir.

Mais cem anos e dos brejos

Ninguém vem-lhe a tampa abrir.


Os séculos vão passando.

E o génio jura (é a verdade)

Que irá matar, judiando,

Quem lhe der a liberdade.



Encontram-se


Encontram-se dois um dia

Na praça duma cidade.

- Ӄs tu?! Mas quem o diria?!

Não vinha à espera, em verdade,


De te ver, mudaste tanto!

Tinhas o cabelo claro,

Hoje é moreno, que encanto!

É dum preto muito raro...”


O outro quer retorquir,

Este, porém, não o deixa

E continua, a sorrir:

-”Eras alto, uma fateixa,


Hoje ao meu ombro mal chegas!

Que aconteceu entretanto?”

O outro, em gestos de mãos cegas,

Tenta desfazer o encanto,


Mas o primeiro retoma:

- ”E a cicatriz aí na testa

Apagaste-a com a goma

Como a texto que não presta?”


E, sem esperar resposta,

Acrescentou: - ”Francamente,

Simão, queres uma aposta?

Mal te conheci, parente.”


- ”Eu não me chamo Simão” -

Consegue dizer, por fim,

O outro, interdito. - “Ai não?!

Também muda o nome assim?!”



Distraído


Era um homem distraído.

À hora de se deitar

É só roupa a se espalhar.

De manhã, sono volvido,

Já nada logra encontrar.


Anota então num papel

Os diversos cantos onde

Põe a roupa que se esconde

Como um rebanho em tropel.

Perde papéis quanto bonde...


Escreve em papel segundo

Qual o lugar do primeiro.

Perde o segundo, pioneiro

Doutros, encadeado fundo.

Nem com lembrete sineiro!


Combina os métodos todos

E, em manhã determinada,

É toda a roupa encontrada.

Do dia é o melhor dos bodos.

Da voz do imo há uma chamada,


Bem de dentro (quem responde?):

-”E tu? Onde estás tu, onde?”



Termos


Nasredim encontra um homem

Que não conhece na rua,

Que diz (termos que o consomem):

- ”Bênçãos na cabeça tua!”


Nasredim, surpreendido,

Pergunta ao homem, de lado:

- ”Quem é que tens no sentido?”

E o outro, desconcertado:


- ”Falo contigo, porquê?”

- ”Então sabes quem eu sou?”

- ”Não...” - admite o outro, ao pé.

- ”Nem quem sou nem onde vou


Sabes tu, na tua crença.

Que te faz pensar que actua,

Que haverá que te convença

Que é minha tal bênção tua?”



Porta


Nasredim, ao ir de casa,

Deixa sempre a porta aberta.

Mal torna, num golpe de asa,

Tranca tudo a hora certa.


Qual a razão da atitude?

- ”Muito simples. Nada tenho,

O bem de maior virtude

Sou eu próprio. Quando venho,


Seja o motivo qual seja,

É normal que me proteja.”



Sábio


Um sábio muito eminente

Do Afeganistão viera

Da invasão mongol premente

A fugir, tal duma fera.


Foi recebido em letrado

Círculo havido em Damasco.

Dele em honra organizado

Houve encontro, vinho em casco,


Com poetas, tradutores,

Com cristãos, maometanos,

Físicos, comentadores,

Judeus mesmo, até ciganos...


Discursou o presidente,

Louvou o labor insano,

Todo o saber eminente

Do grande homem, homem do ano.


E chegou mesmo a dizer:

- ”Eis entre nós o mais sábio

Dos sábios que o mundo houver

Desde Aristóteles. Sabe-o


Quem dele ouvir as lições.”

Pensa o sábio, lá com ele:

- ”Cá está. Já tem restrições...”

E fechou-se em sua pele.



Psiquiatra


Ao psiquiatra vai um homem

E fala de seus problemas.

Mil tristezas o consomem,

É abatido que ouve lemas,


Nada o retém nem importa

E a melancolia plena

Quem o rodeia a suporta,

Sempre a aturar-lhe tal cena.


- ”E viajar, já tentou?” -

Pergunta o médico após.

- ”A viajar sempre estou,

Viajo toda a vida a sós.”


- ”Não vejo nada de grave.

Preciso é dar-lhe o abanão,

A se interessar, suave,

No que toque o coração.


Olhe lá, se ao circo for?”

- ”Ao circo?!” - ”É que há lá um palhaço,

O Grock, um grande senhor,

É de rir a par a passo.


Decerto far-lhe-ia bem.”

- ”Não posso.” - ”Porquê? Já viu,

Ajude um pouco também...”

- ”É porque o Grock sou eu.”



Al-Mokri


Al-Mokri, o mestre islâmico,

Empreende longa viagem

Ao Egipto panorâmico,

Pérsia e África selvagem...


Uma década passou

Numa Ispahan, a mongol,

Que sufi sempre ficou.

Da poesia persa o rol,


A mais bela então do mundo,

Percorre em deslumbramento.

Em reputação fecundo,

Reclamam-lhe o ensinamento.


Da Pérsia vem à Turquia,

Aos dervixes rodopiantes,

Na cidade de Konya.

Auditórios expectantes


Vêm beber-lhe a palavra.

Escreveu vários relatos,

Selectas de sua lavra

Que os copistas, com recatos,


Transmitem mui fielmente

Ao mundo então conhecido.

De quem Rumi tem em mente

É exegeta preferido.


Chega a ser-lhe atribuído

Um saber super-humano

Já de magia tingido,

De fados de anjos arcano.


Com poderes invisíveis

Tem contacto permanente,

Curas pratica impossíveis,

É o milagre aqui presente.


Na Turquia, após seis anos,

O Bósforo atravessou,

Vive na Grécia sem danos,

Por fim à Itália chegou.


Vamos encontrá-lo em Roma,

Muito próximo da Cúria,

A ponto dos de Mafoma

O crerem converso, em fúria.


Mas não ficou por aqui,

A mais viagens procedeu.

Relatos, se houver daí,

O registo se perdeu.


Vinte e oito anos de ausente

Levam-no a casa, por fim.

Como incógnito é presente,

Sem se anunciar, assim,


Que não quer ajuntamentos

De curiosos vazios.

Mas no lar não há elementos,

Ninguém, os leitos são frios.


Mas, para grande surpresa,

Célebre é seu nome ali,

Em toda a parte ele pesa,

Referência ou alibi.


Todos os livreiros têm

Infinitas obras suas,

Ignotas dele também,

De terras, casas e ruas


Relatos imaginários,

Encontros inexequíveis

Com reis de Universos vários,

Com falecidos incríveis


De antes de ele ter nascido,

Travessias de dragões

Que um fantasma há percorrido...

Tentou chamar de ilusões


Aos manuscritos falseados,

Já que visitado tinha

Do mundo os cantos tratados,

Mas logo a resposta vinha:


- ”Al-Mokri foi quem o disse...”

Ir de cidade em cidade

Fez que isto se repetisse,

É o critério da verdade.


Até que ele perguntou:

- ”Mas onde mora Al-Mokri?

Posso ir vê-lo donde estou?”

Olham de surprresa ali,


Tal se a questão fora estranha.

Fica a saber que morrera

Anos atrás, quando apanha

Rumo à terra onde nascera.


Toda a gente o garantia,

De quê, ninguém sabe ao certo.

Alguém mesmo aventaria

Punhal ou veneno perto.


Por uns anjos, outros contam,

Elevado fora ao céu.

E o túmulo? Logo apontam

Da tumba o recanto seu,


Altamente venerado.

Ali vinha prosternar-se

O peregrino enfadado,

A flor lançando em disfarce.


Al-Mokri seguiu caminho.

Em qualquer outra cidade,

Tudo igual e ele sozinho:

Obra apócrifa, inverdade,


De milagres mil relatos,

Cantorias de louvores

E outra tumba com impactos

De visitas e penhores.


Só tumbas, vê mais de doze.

Quando quer informações

De si, retalhos que cose,

Nenhum traz recordações


Da vida que ele vivera,

Não há nenhuma verdade:

Na China até combatera

Demónios que a humanidade


Comem, como a sombra errante

De Alexandre um gole de água

Lhe pede, por um instante,

Para lhe esfriar a mágoa...


Vive ainda nesta era,

Porém, uma lenda viva

Da vida se lhe apodera,

Todos a falar de outiva.


A vida dele se torna

A dum sábio, a dum santo,

A dum milagreiro à jorna,

Quase divino, entretanto.


Várias cidades e aldeias

A honra entre si disputam

De berço dele, em mil teias.

Cantos, árias executam


A levar de terra em terra

Longínquos sonhos de viagem,

Tão longe que o santo aterra

Na fímbria que faz triagem


Entre abismo e fim do mundo,

Onde debruçado aspira

Do inferno o amargor profundo,

O enxofre em rajadas de ira.


Atribuem-lhe o que nunca

Pensara, factos e gestos

Milhentos que a lenda junca,

Ritos, orações, aprestos


Cantam longos dele o nome.

Há dezenas de famílias

Que a dele são, com renome,

Disputam-no em mil quezílias,


Chegam a tirar proveito,

Sem escrúpulo, dos laços,

Quando o assassínio dá jeito,

Matam sem mais embaraço.


Al-Mokri quer combater

Tal efeito irracional,

Discípulos a dizer

Que são dele, a bem ou mal.


Sem se atrever a afirmar

Que ele próprio é o Al-Mokri

(Quem iria acreditar?),

Diz: - ”Muitas vezes o vi,


Era notável, decerto,

Contudo era mais comum,

Mais banal, de nós mais perto

Que a imagem de lado algum.”


Aqueles a quem falava

Viravam costas, troçavam,

Ninguém ouvidos lhe dava,

Muitos até o insultavam,


Chamavam-no de blasfemo,

Gabarola ou invejoso:

É mesquinho como o demo

Apoucar ser tão grandioso.


Foi o que o mais perturbou.

Vai juntar-se aos peregrinos,

Tumba a tumba visitou

A salmodiar loas, hinos...


Cada vez falava menos.

Às vezes tinha a impressão

Duma memória com drenos

A esparramar-se no chão.


Tais pedras toscas dum muro

Que se desagregam, caem:

Konya não é seguro,

De Ispahan entram ou saem?


Na cabeça obnubilada

Os nomes se confundiam:

Em Roma fez uma estada,

Quem são os que lá viviam?


Os pontos de referência

Da existência vagabunda

Foram perdendo evidência,

Obras, nomes, tudo afunda.


Uma noite deslocou-se

Junto duma tumba sua,

Deu-lhe a volta, prosternou-se,

Ignora quem nele actua.


Voltou lá frequentemente.

Uma manhã encontraram

Rígido o corpo fremente

E de imediato o levaram


Para fora da cidade

Onde o enterraram num canto.

O deserto logo o invade,

Nada mais restou do santo.



Ladrão


Um ladrão introduziu-se

Em casa de Nasredim.

Nada encontrou que se visse

Para lá furtar, ao fim.


Numa qualquer arca a um canto

Repara, vai-a pilhar.

Mas lá dentro, em grande pranto,

Vê Nasredim a chorar.


- ”Que fazes aí?” - pergunta.

- ”Escondo a minha vergonha.”

- ”De que tens vergonha?” - junta.

- ”De não ter nada que ponha


De roubar em minha casa,

Onde encontres um bom porto.

Crê que a misériaa me arrasa,

Estou de vergonha morto!”



Conquistador


Um conquistador avança

Pela terra devastada.

Todos fogem do que alcança,

Senão cortam-nos à espada.


Em toda a parte, um vazio.

Entra à porta dum mosteiro,

Cruza o pátio com fastio,

Nas celas só resta o cheiro...


Mas, de repente, detém-se:

Eis um monge ali sentado,

Calmo, imóvel, tal quem vence.

O conquistador, irado,


Para o monge avança então

Que o parecia não ver,

Puxa o sabre com a mão,

Na garganta do esmoler


Assenta o gume e lhe diz:

- ”Querer-me-á desafiar?

Quem sou não sabe o infeliz?

E que o posso trespassar


Sem pestanejar sequer?”

O monge os olhos abriu,

Pronto ao que der e vier,

E tranquilo respondeu:


-”E tu não sabes quem sou?

Não vês que me trespassar

Posso deixar-me onde estou

Sem sequer pestanejar?”



Igual


Nasredim vai ao mercado,

Uma grande melancia

Sob cada braço arqueado.


À frente dele seguia,

Caminhando em passo igual,

Outro que também trazia


Duas melancias, qual

Delas a mais bem criada.

Dele a roupa é, por sinal,


Igual à do outro na estrada,

Tem a mesma corpulência...

- ”Quem é aquele?” - a si, de entrada


Espanta a coincidência,

Acelera o passo então

Mas o outro, em precedência,


Faz o mesmo pelo chão,

Nasredim só vê umas costas.

- ”E se for eu?” - é a questão. -


“É que, se não sou, que apostas

Há de quem poderá ser?”

Acelera nas congostas,


Tudo em vão. Parou a ver.

Renuncia a defrontar

Este ignoto que é quenquer.


A si finda a explicar:

- ”Frente a mim se ando a correr,

Que é que adianta me apanhar?”



Batem


Batem à porta. À pergunta

“Quem é?” - respondem - “Sou eu!”.

Hodja, abrindo a porta, assunta

Quem é aquele amigo seu.

Só que, interdito, lhe ajunta:

- ”Mas porque dizes que és eu?!”



Perderam


Dois iranianos se perderam no deserto,

Há vários dias caminham sob o ardor,

Comer não têm, de beber não há por perto,

Vão esgotados, tombam, erguem-se e, ao calor,


De novo tombam. Leva um saco ao ombro um deles

Que algo contém. - ”Que é que tu levas no teu saco?”

- ”Nada” - responde-lhe obstinado e com ar reles

O portador, nada propenso a dar cavaco.


Caem de novo, já se arrastam, já não podem

Mais levantar-se. Igual pergunta se repete:

- ”Que é que no saco, afinal, tens? Coisas que acodem?”

O homem do saco a confessar finda em falsete:


- ”É melancia...” - ”Melancia?! Uma deveras?!”

- ”Sim...” - ”Vá, depressa! Urge parti-la, é de comer!”

- ”Não!” - o do saco, olhos fechados, nas esperas,

“Estou guardando-a” - diz e mais: diz que não quer.


- ”Mas a guardá-la para quê?!” - quer o outro ver.

- ”Para um extremo caso” - diz ele ao morrer.



Diabetes


Preso por reincidente

De escândalo em via pública

E desrespeito ao agente

Que tentou, cordato, a súplica,


Um cinquentão ao juiz

É presente, mui bem posto,

Distinto, com ar feliz,

Óculos de oiro no rosto.


O magistrado, surpreso,

Comenta . - ”Não posso crer

Que alguém tão fino e tão teso

Desacate, ao fim, quenquer.”


-Ӄ porque, senhor juiz,

Eu diabético sou.”

- ”Não vejo o laço que diz

Haver ao que se passou.


Afinal, que é que a diabetes

Tem a ver com tudo isto?”

- ”Ah! Ladrão que me acometes,

Sacana de juiz malquisto!” -


Exclama, a bater o pé,

Aos berros, em fúria, o homem. -

“Besta de juiz é o que é,

Que as questões que me consomem


Retoma: como as repetes

Sobre a minha diabetes?!...”



Loucamente


Um adulto desejava

Loucamentte uma mulher.

A classe alta ele ostentava,

Mesmo assim ela enjeitava,

Tal se ele fora um qualquer.


Mensagem após mensagem,

Persistente, ele enviava,

Seguia-a toda a viagem,

Metia-se com coragem

Ao caminho onde a encontrava.


Mandou-lhe ela um mensageiro:

- ”De meu corpo por que parte

Te prendeste por inteiro?”

Responde ele, lisonjeiro:

- ”Por um olho a assinalar-te.”


Então ela um olho arranca,

Envia-o numa bandeja

Ao homem que o gesto espanca:

- ”Eis o olho, bem o tranca,

Olha-o com senso que o veja!”


Imediata foi a cura

Deste homem apaixonado

Cujo amor logo é secura.

De importunar não mais cura

Da indómita dama o fado.



Duquesa


Da duquesa a lengalenga

Afirma que a classe baixa

É preguiçosa, molenga.

(E ela nem um dia encaixa

De trabalho em toda a vida,

A comparar a medida...)


Que cada trabalhador

Tem um miúdo a ajudar

A transportar com suor

A ferramenta de obrar.

- ”Um homem pode, decerto,

Transportá-la sem aperto” -


Protesta, enquanto o criado

Segura a travessa de oiro

Para servi-la do enfado

Das batatas de tom loiro.

Ao beber o quarto copo

De vinho, então trepa ao topo:


- ”Bebem tanto ao meio-dia

Que incapazes são de tarde.

Esta gente o que queria

É apaparico covarde.”

Entretanto, dez criados

Servem doze cozinhados.


- ”O Governo não tem nada

Que auxiliar a pobreza.

Qual remédio, casa dada,

Qual pensão ao que a despreza?

Os pobres são mais frugais,

Virtude das principais.”


Isto após a refeição

Que teria alimentado

Quinze, com satisfação,

Uns dez dias por contado,

Da classe trabalhadora

Que a duquesa, claro, adora...


- ”As gentes devem contar

Com elas próprias apenas” -

E o mordomo a levantar

A ajuda, com mãos serenas,

E a se dirigir à sala:

Em seu trono nada a abala!



Pavlova


Anna Pavlova, a bailarina,

Teve um triunfo, em espectáculo,

Que foi lendário, como sina

Que a consagrou num tabernáculo:

A sala aplaude em frenesim

Por tempo, em pé, que não tem fim.


Agradecer veio mil vezes,

Recebe ramos às dezenas,

Sorriu, fez vénias mui corteses

Aos gentis fãs naquelas cenas.

O pano desce finalmente.

Ora, os amigos vão à frente


Do camarim, à espera dela

Para a rodear, mais aplaudir.

Um quarto passa, não há estrela,

Meia, uma hora, e ela sem vir!

Vai um amigo ao camarim.

Anna Pavlova, a sós, enfim,


Lavada em lágrimas encontra:

Chorando estava há uma hora.

- ”Não há razão, que é que tem contra?

Que grande noite! Porque chora?”

- ”É que não tenho em mim sentido

Tê-la deveras merecido.”



Bicicletas


Um judeuzito precisou

De ir a Mosscovo de comboio.

Preocupado se esgueirou

(Há muito que andam trigo e joio


A separar, ao persegui-los,

Aos judeus ditos), se aninhou

Num canto esconso, dos tranquilos:

- ”Despercebido a ver se vou...”


Pára o comboio na estação,

Trepa um cossaco à carruagem

Que, ao se sentar, exclama, chão:

- ”Fora os judeus! Que malandragem!


São sempre a causa dos problemas,

Deles por mor, há fome e guerra,

Traem-nos. Tiram oiro e gemas...

Com eles fora é o céu na terra!”


Avista então o judeuzito

Enfiado ao canto e lhe pergunta:

- ”Não é verdade o que aqui dito,

Que os judeus são desgraça junta?”


Com voz tremente, o judeu diz:

- ”São eles mais as bicicletas.”

Coça o cossaco o seu nariz,

Interdito ante estoutras setas.


Com um suspiro - “Mas porquê

As bicicletas?!” - olha os céus.

O judeuzito (mal se vê)

Pergunta então: - ”Porquê os judeus?”



Murmuram


- ”Murmuram que irão prender

Os judeus mais os barbeiros.”

- ”Porquê os barbeiros?!” - dizer

Ouves logo os teus parceiros.



Racista


- ”Racista?! Tenham decoro,

Que eu já sou avô de netos!

Mesmo até porque eu adoro

Os estúpidos dos pretos!”



Eczema


Sofre um homem dum eczema,

Vai a um dermatologista.

Examina-o, como é lema,

Diz-lhe ao fim, completa a lista:


- ”Vou livrá-lo de vez disto.

Irá pôr esta pomada

Três vezes por dia, insisto,

Fica a cura consumada.”


- ”De certeza?” - “Certamente.

O eczema numa semana

Desaparece, é um repente.”

Receita que o não engana


Dobra o doente e ao bolso a mete.

Contudo, sai descontente

E o médico se intromete:

- ”Algo está mal, é o que sente?”


- ”Está tudo muito bem.”

- ”Vá lá, diga, algum aspecto

Não ficou como convém...”

- ”É que...” - diz o doente, recto -

“Onde é que após vou buscar

O prazer de me coçar?”



Comunista


É na Rússia comunista,

País onde falta tudo.

Formam fila, em mãos a lista,

Frente a um armazém sortudo:

Acaba de anunciar

Que há carne mesmo a chegar.


Muito tempo a espera dura,

Até que, a dado momento,

O agente, má catadura,

Ordena sem sentimento:

- ”Judeus, fora! Judeus, fora!”

E vão-se os judeus embora.


Os outros ficam, batendo

Os pés por causa do frio,

Durante a noite. Mas vendo

Da manhã luzir um fio,

Logo - “Fora” - o agente diz -

“Aos não russos de raiz!”


Bielorrussos, ucranianos,

Georgianos e outros mais

Saem da fila de enganos.

No fim do dia os sinais

São que outra expulsão se apraza:

- ”Já podem ir para casa


Os que não são do Partido,

Não chegará para eles.”

Restam como que em sentido

Os puros e só aqueles.

Então vem um dirigente

E confessa-lhes de frente:


- ”Também podem ir-se embora,

Não há carne no armazém

Agora ou a qualquer hora,

E nenhum dia nos vem.

Foi tudo publicidade

A levantar, na verdade,


O moral da esfomeada

População do país.”

Da fila então dispersada

Diz alguém, torto o nariz:

- ”Os judeus, judeus danados,

Sempre privilegiados!”



Sufis


Em casa dum turco rico

Sete sufis se reúnem.

Ele tenta-lhes o bico,

Petiscos que se coadunem,

E eles em nada tocavam:

Meditação nova travam.


Jejuam diversos dias

De seguida, de tal modo

Que ao anfitrião porfias

Tais preocupam-no todo,

Até um amigo dizer:

- ”Sei como os pôr a comer.


Traz em grande quantidade

A necessária comida,

Depois esvazia a herdade,

Todos fora, de seguida.

E sai tu próprio de vez.”

Ora, o homem assim fez.


Serviu pratos variados,

De vinte ou trinta convivas,

A família e os criados

Manda embora, que as festivas

Horas pertencem aos santos,

Todos lhes deixa os recantos.


Porém, desaparecer

Não quis e, num quarto escuro,

Pôs-se a espiar para ver

Dos sufis qual é o apuro.

Quando cuidam que sozinhos

Estão, então quais cadinhos


De fé, de meditação!

Atiraram-se à comida,

Infrene empanturração,

Lambarice desmedida,

A ponto de os insensatos

Lamberem também os pratos!


Ora, com tal tratamento,

Um deles, em dor atroz,

Cai por terra e é o finamento.

Os mais, qual o mais veloz,

Continuam, sem ligar,

Somente a se empanturrar.


Um segundo cai por terra,

Depois um terceiro, ao lado,

Um quarto mais longe aterra,

Um após outro, enfartado,

Sem nunca soltar a garra,

Vítima da grande farra.


Quando só restava apenas

Deles um sobrevivente,

O dono que armou as cenas

Vem como da rua em frente.

Vê seis corpos lá no chão,

Pratos vazios, e então


Perguntou ao que escapou

Se a comida era bastante.

- ”Não” - o sufi retrucou -

“Faltou alguma, ao restante,

Senão eu, que a tantto exorto,

Também já estaria morto.”



Moradia


Uma bela moradia

Ergue na Índia um ricaço,

No cimo dum monte, um dia.

Quando fica pronto o espaço,


Rebenta uma tempestade

Com proporrções de ciclone.

O dono se persuade

A impetrar quem o abone,


Um sacrifício oferece

A Vayu, ao deus dos ventos.

A casa que ele estremece,

De sonho lugar de eventos,


Pede-lhe que não destrua.

Vayu, porém, não o ouviu

E a tempestade na rua

Ainda mais recrudesceu.


Lembra o homem que Hanuman,

O deus-macaco, era filho

Do deus do vento. A manhã

Rompe atando ele o cadilho


Das súplicas, garantindo

Que a casa era uma pertença

Do filho do deus tão lindo.

O deus é surdo à sentença.


De todo o lado batida,

Até o alicerce a casa

Estremecia, fendida,

De ave partida qual asa.


E o homem, em desespero:

- ”Senhor, Senhor, piedade!

Não destruas este esmero

De casa, propriedade


Do próprio Rama, o grão-mestre

De teu filho, de Hanuman.”

E ao vento nada há que amestre,

Tudo arrasa em terra chã,


Vai tudo desmoronar-se.

Então, a salvar a vida,

Corre o rico até que esgarce

A véstia feita à medida.


Maldisse todos os deuses

E, após meditar, exclama:

-”Que a arrasem estes reveses,

Que ma espalhem pela lama!


Bem vistas todas as coisas,

Bem ponderado este enguiço,

Não me inscrevo nestas loisas,

- Que tenho eu a ver com isso?”



Lágrimas


Hodja vê chegar a casa,

Toda em lágrimas, a filha

Que lhe conta como a arrasa

De pancada o bigorrilha


Do homem com quem casou.

Algo pede que o pai faça.

Logo ele a esbofeteou

E lhe impôs por nova traça:


- ”Volta agora a tua casa!”

Como não compreendia,

Perguntou-lhe, o rosto em brasa:

- ”Batem-me então todo o dia?!


Queixo-me de me baterem

E tu bates-me também?!

Queres que assim me venerem?!”

- ”Volta a casa, é o que convém!


Quem cuida o teu homem que é?

Em minha filha a bater?!

Vai-lhe dizer, bem ao pé,

Que eu lhe bati na mulher.”



Feira


Num dia de feira, à praça

Chega, tonto, Nasredim,

Onde a barafunda abraça

Carregadores sem fim,


Cambistas e carroceiros,

Compradores, vendedores...

É multidão de parceiros,

O rebotalho, os senhores,


Homens, animais, mulheres

Que vão e vêm, se cruzam,

Se acotovelam nos teres,

Se insultam quando se abusam...


Sacas de trigo se viram,

Carroças se desconjuntam,

Ladrões, escusos, retiram,

Balem cordeiros, mãos se untam...


No meio desta desordem,

Barulhenta actividade,

Nasredim que os gritos mordem

Se esgueira em dificuldade.


De repente, aos pés avista

Uma moeda perdida.

Apanha-a e, feito alpinista,

Trepa à casa ao lado erguida


E grita, brandindo a moeda:

- ”Ei! Parem com o alvoroço!

Não vale mais que suceda:

Eis a moeda: dá-la posso


A quem a tiver perdido.

Parem lá com o alarido!”



Mandarim


Em tempos que já lá vão

Na China houve um mandarim

Que de amor tombou em vão

Por cortesã nada afim.

Solicita ardentemente

Dela o favor. Renitente


Diz-lhe ela: -”Me entregarei

A ti depois de passares

Cem noites no jardim que hei,

À minha espera, e sentares

Num banco sob a janela

Que é minha, florida e bela.”


O mandarim conhecia

Da rapariga o feitio.

Aceitou e, de noite, ia

Sentar num banquinho, ao frio,

Sob a janela da dama.

Que é que não fará quem ama?


Ora, a cortesã se dava

A uma vida de folguedos,

Só futilidade amava.

De tal vida, sem segredos,

Se propagavam os ecos:

No jardim não eram pecos.


Age assim o mandarim

Por noventa e nove noites.

De manhã ergueu-se, enfim,

Pega o banco das sonoites,

Foi-se embora, ao dealbar,

Para nunca mais voltar.



Dante


É Dante um dia abordado

Por alguém desconhecido:

- ”Qual é o melhor cozinhado,

Mundo fora conseguido?”


- ”Um ovo” - sem se voltar

Dante respondeu, mui breve.

Cinco anos se vão passar...

O mesmo homem que lá esteve


Cruzou por perto de Dante

Em outra rua qualquer.

- ”Com quê?” - lhe pergunta, instante

- ”Com sal” - eis Dante a dizer.


De Dante não é uma glória,

É apenas boa memória.



Tédio


Um rei, muito aborrecido

Do tédio da vida fútil,

Pede que tomem sentido

Nalguma façanha útil,

Que encontrem alguém capaz

De algo que mais ninguém faz.


Os emissários procuram

E acabam trazendo um homem

Que de longe – é o que asseguram -

Lança um fio que as mãos domem,

Fá-lo passar, sem mais bulha,

No buraco duma agulha.


Portento inimaginável,

Tal homem o executou

Ante o rei, corte infindável,

Muitas vezes o provou...

Dá-lhe o rei cem moedas de oiro

Mais cem açoites de coiro.


- ”Mas porquê cem vergastadas?” -

Pergunta o homem, aflito.

- ”As moedas de oiro são dadas

À façanha que, acredito,

Ninguém, em nenhum lugar,

Será capaz de imitar.


As vergastadas, a par,

Que irás aqui receber

São para te castigar

De tanto tempo perder

A atingir com tal quilate

Semelhante disparate.”



Nichapur


Nichapur. Um mercador

Que teria de ir à China

Em negócios, por um ror

De tempo, a confiar se inclina

Uma escrava muito bela

A um amigo: - ”Tento nela!”


Tal amigo recebeu

A jovem (dezassete anos),

Do seu melhor procedeu,

A agradar, sem causar danos,

Porém, sempre a vigiar

Como prometera obrar.


A partir deste momento

Perdeu a calma e o sono.

Não pensa em nenhum evento,

Só na moça que tem dono.

Seu perfume persistente

Segue-o permanentemente.


Quanto admira dela a graça,

O sorriso, os finos pés,

O braço que o não abraça!

Ela olha-o triste, talvez,

O que a ele turva a reza,

Porém serve-o com destreza.


Como, contudo, era escrava,

Teria podido usá-la,

Dela abusar, nada o entrava.

Mas dele a fé não abala,

Licenciosidades, não

Tolera em seu coração.


Quando ocorria sonhar

Que à jovem rouba prazer,

Pelo alvor, ao levantar,

Por castigo merecer,

Fustiga-se à chicotada

Toda inteira a madrugada.


Um dia em que o massajava

Após o banho, ela viu

Os vergões que ele ostentava

Nos ombros e lhe inquiriu

Que era aquilo. Só um resmungo

Deu a entender que era um fungo.


A partir daí recusa

O cuidado corporal,

Perde o apetite, o que acusa

É uma magreza geral

E já sozinho falava,

Os mais dizem que variava.


Oito meses de tormento

Correram. A caravana

Retorna, a dado momento

Da China onde o sonho mana.

O mercador logo vem

Ver se tudo correu bem.


- ”Sim, correu.” - ”E de saúde?”

- ”Muito bem.” - ”E a escravazita?”

- ”Está boa.” - ”Só virtude?

Não deu problemas a dita?”

- ”Nenhum.” Mas o mercador

Viu-lhe da tez o palor,


Os braços mui descarnados,

Os tremores que agitavam

O corpo, toque a finados,

Parece até que o sugavam.

- ”Que tens tu? Estás doente?”

- ”Não tenho nada, é evidente.”


- ”Tens a certeza?” -”Garanto!”

O mercador retomou:

- ”Trouxe-te peças de encanto,

Algum jade, seda e vou

Mostrar-te a escrava chinesa,

Nova, uma flor de beleza.


Se te agrada, fazer podes

Dela tudo o que quiseres.”

O escanzelado os bigodes

Abre contra tais prazeres:

- ”Não, não quero os teus presentes,

Nem da escrava ver os dentes!


Fica com ela e também

Com a que deste a guardar.

Leva-a depressa dalém.”

- ”Não te veio contentar?

Faltou-te ao respeito acaso?”

- ”Leva-a sem mais nenhum prazo!


Nunca mais ouvir falar

Dela vou querer na vida,

Nem quero mais, em lugar,

Escrava jovem sortida.”

- ”Como queiras. Vou levá-la.”

- ”Fora daqui, que me abala!


Quero esquecê-la, me entendes?”

Fez a vénia o mercador

(“Vê o que perdes, vê o que rendes”)

Torna ao lar com o penhor

Daquelas duas escravas.

Há no outro saudades bravas:


Esquecer não esqueceu,

Ao invés, dentro morreu.


E apenas o tempo apura

Nele uma enfermiça cura.



José


José do Egipto, o mais belo,

Entra um dia numa sala

Onde as jovens, de escabelo,

Com olhar que se regala,

Estavam a descascar

Laranjas para o jantar.


Da beleza hipnotizadas,

Dele seguiam os gestos

A ponto de dar facadas

Sem dor sentir dos aprestos,

Dedos e mãos retalhando,

Nele os olhos represando.


José, dos irmãos vendido,

Escravo é do Faraó

Que à venda o pôs, despedido.

As damas metiam dó

Todas a se apresentar

Com o intuito de o comprar.


Trazem ricas oferendas,

Sacos de almíscar, essências,

Preciosidades, rendas...

Todas elas são carências.

Uma velha se aproxima,

Numa bengala se arrima.


Como era pobre, trazia,

Para a compra de José,

De cheiro erva com que enchia

Saca bem segura ao pé.

Fora aquilo que colhera

E preparara como era.


O que dirigia a venda

Comentou-lhe com desprezo:

- ”Como esperas, na contenda,

José comprar a tal peso?

O que trazes bem compara

Com doutras a prenda rara.”


- ”Sei tudo isso” - diz a velha.

- ”Então porque vens? Que queres?”

- ”Que me contem” - aconselha -

“Entre todas as mulheres

Que vieram ao teu pé

Tentar comprar o José.”



Bar


Um judeu americano

Entra num bar que ao balcão

Tem um negro com um pano.

Pede com resolução:


- ”Um café, preto de merda!”

- ”Preto de merda, porquê?” -

Sem se irritar, a voz lerda,

Diz o negro, de boa-fé. -


“Nada te fiz, nem conheço,

Podias ser educado,

Não me tratar sem apreço.”

Encolhe os ombros de enfado


O judeu, insiste em pressa.

Propõe-lhe o negro uma troca:

- ”Queres um gesto que meça

O que ouvi de tua boca?”


- ”Está bem, que é que tu queres?”

- ”Vem para trás do balcão,

É só mesmo para veres.”

O judeu segue a instrução,


O negro sai um momento,

Reentra no estaminé

E diz ao judeu atento:

- ”Judeu de merda, um café.”


- ”Não dou, não” - diz o judeu -

“Que debaixo destes tectos,

Enquanto é negócio meu,

Aqui não servimos pretos.”



Autocarro


Num autocarro, na América,

Os passageiros lugar

Tomam em fila colérica:

Ainda estava a vigorar

Que os negros vão na traseira

E os brancos, na dianteira.


Começam a aparecer

As tentativas primeiras

Contra o racismo que houver.

Os negros cerram fileiras,

Protestam veeementemente

Contra a afronta, de repente,


Como qualquer branco impante

Sentar-se querem à frente.

Mas estes seguem avante,

Nada cedem a tal gente:

- ”Eu sou branco, tu és negro,

É da lei em que me integro.”


Mas estes negros recusam

Os lugares lá de trás,

As altercações abusam,

Rebentam, que é que se faz?

O condutor do autocarro

Declara em jeito bizarro:


- ”Ouçam-me! Ninguém é preto

Nem branco, estão bem a ouvir?

São todos azuis, correcto?

Olhem-se bem, a seguir!”

Estacam, surpreendidos

E um diz, entre os aturdidos:


- ”Mas então que é que fazemos?

O motorista, pensando,

Crê por fim domar os demos:

- ”É fácil, a pensar ando:

Azuis-claros para a frente,

Escuros, atrás da gente.”



Ar


Nasredim recebe um dia

A visita dum dervixe.

Um ar santo o precedia,

Mal comeria uma quiche:

Costumes de santidade

E extrema frugalidade.


Hospitalidade oferta

Cuidando que ele queria

Comer algo, pela certa.

- ”Como bem pouco por dia”, -

Diz o santo homem então. -

“Ervas, a fruta do chão...


Dias há que me contento

Com água mais grãos de arroz.

Mas, se for de teu intento

Comer, como logo após

Contigo, é uma parceria

A fazer de companhia.


É que é bem desagradável

Ter de alguém comer sozinho.”

- ”É verdade insofismável

E agradeço-te o carinho.

Que queres então comer?”

- ”Seja lá o que for que houver.”


- ”Servem ovos estrelados?”

- ”Perfeitamente.” - ”E tu gostas

Deles bem ou mal passados?”

- ”Tanto faz. Mas são mal postas

As frituras em sertã

Com azeite, opção malsã.”


- ”Como então queres que os faça?”

- ”Simples, numa pedra quente.

No centro, a gema, com graça,

Cuidado, que não rebente.

Isto é que é o mais importante,

Tudo o mais passa adiante.”


- ”Ora, então, são bem passados?”

- ”Sim, porém, não em excesso.

A orla da clara, aos lados,

Dourada um pouco te peço.

Vês o que quero dizer?”

- ”Muito bem, é só querer.”


- ”No derradeiro momento

De vinagre umas gotinhas

Caíam que nem pão bento.

Tens vinagre do das vinhas?”

- ”Claro.” - ”Vinagre do bom?”

- ”Do melhor e de bom tom.


Mas diz-me, gostas dos ovos

Com muito ou com pouco sal?”

- ”Muitto, não. Porém, dos novos

Sais vindos do mar real,

Se de todo não te importas.

E, já que tanto me exortas,


De orégão umas folhinhas

A rematar, que delícia!

De alho duas dentadinhas

E é pronta a boa notícia!”

Nasredim então lhe diz:

- ”Passo a informar que a perdiz


Que os ovos pôs para a gente

Se chama Misa, afinal.

Não vês inconveniente?

E não te irão saber mal?”

E pensa: “Frugalidade!

Então que é voracidade?...”



Orgulho


Al-Saqati, o ancião,

No século nono vive

Em Bagdade, a mãe do pão.

Alguém lhe pergunta então:

- ”Se orgulha do que se prive?”


Reflectiu mui longamente

E respondeu no final:

- ”Me orgulho de ter em mente

Há decénios a insistente

De comer vontade real,


Comer mel nalgum ensejo,

Pois resisto a tal desejo!”



Negros


Três negros, com dons de Deus,

Alcançam falar com Ele.

Pedem um favor aos céus

Que lho dão tal qual se apele.


- ”Faz de mim branco” - é o primeiro.

- ”Concedido” - Deus responde.

Fica dum branco pioneiro.

De contente, nem o esconde.


- ”E tu?” - pergunta ao segundo.

- ”Também branco ser queria.”

- ”Concedido, em dons abundo.”

E o segundo agradecia.


Deus dirige-se ao terceiro:

- ”Ficar branco também queres?”

- ”Não,eu não!” - ”Bem, companheiro,

Diz-me, afinal, que preferes?”


- ”Que voltem a ficar pretos

Os outros que hás atendido.”

E, em seus mágicos decretos,

Deus responde: - ”Concedido!”



Cabeça


Na Casa Drouot, Paris,

Um homem desconhecido

Apresentou-se, feliz,

Num leilão descomedido,


Leilão de arte oriental,

Uma amálgama de objectos

De valor mui desigual,

Vindos de locais secretos,


Coreia, Egipto, Tibete...

Na véspera, os comissários

Tinham visto que repete

Os expositores vários


Tal homem desconhecido:

Dum para o outro ia,

Parava como em sentido

Nos fragmentos de magia


De esculturas indianas.

No decorrer do leilão

Levanta as mãos soberanas

No cinquenta e seis, talão


“Cabeça de divindade

Feminina, de Índia vinda,

Dos séculos, para a idade,

VIII a XIII.” Coisa linda!


Lança uma primeira oferta

Que é coberta pela mesa.

A segunda outrem desperta

Que estava na sala coesa.


Ao terceiro lance, ganha.

Por um preço razoável

Ele a velharia apanha.

Paga o custo inevitável,


Leva a cabeça indiana

Em plástico saco pobre

Que trouxera e nada engana,

Na bolsa que nada encobre.


Volta a casa de autocarro,

Ao modesto apartamento

Em Courbevoie, lar de barro.

Dos docentes elemento


Ou então dos funcionários,

Os ombros já descaídos,

Passos com tremores vários,

Cabelos ralos, perdidos,


Entre quarenta e cinquenta

Serão seus anos de idade

Em que ao fim ninguém atenta.

Óculos usa, em verdade.


Pousou o saco na mesa,

Dele a cabeça retira,

Com precaução, gentileza,

Pô-la à frente e fixo a mira.


Era um rosto de mulher

Com um ligeiro sorriso,

Pérolas a lá conter

Da cabeça, ao alto, o siso,


Restos de policromia...

Como muitas, arrancada

Ao suporte sido havia,

A punção, à martelada,


No século dezanove

Ou talvez século vinte.

Vendeu-a quem a remove,

Com clandestino requinte,


Por uns obscuros circuitos

Que sugam beleza ao mundo.

Alguns livros entre muitos

Abre o homem e um fecundo


Ficheiro de indicações,

Múltiplas fotografias.

A origem como as funções

Da cabeça por tais vias


Logra calmo precisar.

Pátina examina, estilo,

Aturado a comparar.

E conclui, por fim, tranquilo,


Que deve ter pertencido

A um templo Tamil Nadu,

De Índia no sudeste erguido.

De Estugarda a Katmandu


Meses depois ele voa,

Por fim aterra em Madrasta.

Sem meios, viaja à toa,

Do modo em que menos gasta,


Mas conservando consigo

Sempre de pedra a cabeça,

Num saco posto ao abrigo.

Num autocarro atravessa


Até Madurai, no sul.

Numa velha bicicleta

Lento faz que se acumule

Uma pesquisa completa.


Era simples a intenção:

Restituir a cabeça

Ao corpo donde o ladrão

Havia roubado a peça.


Ele, cidadão francês,

Desejava ter um gesto,

Mínimo embora, cortês,

Contra o intérmino, imodesto


Furto de que vinham sendo

Vítimas os templos mil

Do mundo de que dependo,

Séculos de hábito vil.


Optando por importar

Cabeças a revender,

Os ladrões decapitar

Vão decerto, sem rever,


Às centenas de milhar

As estátuas mundo fora.

Reconstituir no lugar

Quer ao menos uma agora.


Queria ter a certeza

De que sua vida tinha

Servido para uma empresa

Boa aqui, como convinha.


Pretendia uma acção justa,

De justeza indiscutível.

Desinteressada, custa

O que custa, inamovível.


Devagar, meteu-se à estrada

Na bicicleta queixosa

Com a cabeça cortada

Presa atrás, jóia valiosa.


Em todo o templo parava,

Fora modesto ou grandioso,

Nas estátuas atentava.

Decapitadas por gozo


À mão dos saqueadores,

A maior parte não tinha

Já cabeça e seus humores.

À procura da adivinha,


Elimina efígies de homem

Para só dar importância

Às femininas que assomem.

Às vezes, mesmo à distância,


Um relance já bastava:

Nem dimensão nem estilo

Dão resposta ao que buscava.

Para enfim ficar tranquilo,


Às vezes trepava a um muro,

Chega a pedir uma escada

Para pôr, pelo seguro,

A cabeça na entalhada


Estátua que é duvidosa.

Examina desta forma

Milhares: não cansa, goza.

Com pouco viveu, por norma,


Dormiu, de hábito, ao relento,

Atado por uma guita

À bicicleta do intento.

De arroz, fruta que concita


Se alimentava somente.

Baixote, magro, com pêlo,

As roupas rapidamente

Troca do europeu modelo


Por tanga, corpete e socos

E, com a barba crescida,

Ignorado é como poucos.

Mais de meio ano de vida


Após, encontra por fim

O corpo que respondia

À cabeça. Alegre, enfim,

Fecha os olhos, pensou que ia


Desmaiar com a alegria.

Tudo agora estava certo:

Dimensão, corte, a macia

Face com o áspero perto,


Até os restos de pintura...

Isto ocorreu em Trichi,

Num dos recintos que apura

De Ranganatha Suami


Ser parte do templo imenso,

Dedicado ao deus Vishnu.

Com seu bronzeado intenso

Por um peregrino hindu


Passou, penetrar logrando

Nos locais aos mais proibidos,

Com a guarda vigiando.

Em recantos escondidos


Conseguiu por lá dormir.

Com espátula e cimento,

À noite, ninguém a ouvir,

Na estátua põe o elemento


Da cabeça que faltava.

Não se lhe nota a fissura

A uns metros, quando se olhava.

É uma apsará tal figura,


Uma folha de palmeira

Ostenta na mão direita.

Única por ora inteira

Entre cada irmã desfeita.


Sorriso débil, graciosa,

Tem sempre um pé levantado

Numa postura teimosa

Que é da tradição o fado.


Olha para tudo e nada,

Tinha então voltado a casa.

A tarefa terminada,

Sentou-se na pedra rasa


O homem, não mexeu mais.

De vez em quando se lava,

Come, tem gestos que tais,

Depois volta à pose escrava.


Feliz, satisfeito, quem

O poderia saber?

De qualquer modo, porém,

É pobre, um mui pobre ser.


Peregrinos e turistas

Cruzavam em seu redor,

Incessantes, em mil pistas.

Um dia sente um calor


De moeda a cair na mão.

Um visitante deixado

A havia: toma-o então

Por mendigo consumado.


O homem ergue a cabeça

Para a imagem, nela viu

Que distintamente, a peça,

Ao olhá-lo, ali sorriu.


Então abriu mais a mão,

Estendeu-a para diante.

Muitas moedas cair vão,

Até rupias garante.


No alto, a estátua de apsará

Continua-lhe a sorrir.

Compreendeu que era acolá

O lugar de a seu fim ir,


De terminar os seus dias.

Muito descansado, pensa

Que valeu mais que as folias,

Quem quer melhor recompensa?



Nacionalidade


Quando Hodja foi tunisino,

Tomou-se de admiração

Por Inglaterra. O destino

Fê-lo requerer então


Dela a nacionalidade.

Foram empenhos, gorgetas,

Anos muitos de ansiedade

Para aproximar as metas.


Ao chegar o grande dia,

Quando a carta oficial

Em ordem tudo dizia,

Vestiu-se, em gala real,


Com o melhor albornoz

Para ir ao consulado

De Inglaterra, logo após,

Ao passaporte acabado.


Um amigo o acompanhou.

Quer que este o espere na rua

E no consulado entrou

Sozinho, que no ar flutua.


Mas meia hora mais tarde

Sai de lá, porém em pranto,

Abatido e sem alarde.

- ”Que se passa?” - com espanto


Pergunta-lhe então o amigo. -

“Recusam-te o passaporte

Por derradeiro castigo?”

- ”Não, deram-mo. Que má sorte!”


- ”Mas então de que te queixas?”

Abana a cabeça, cinde-a,

De dor , em duas madeixas,

Diz: -”Ai! Perdemos a Índia!”



Istambul


De Istambul um muçulmano,

Por um cristão convencido,

Converteu-se sem ter dano,

De olhar ingénuo, sentido,

A um claro cristianismo

E recebeu o baptismo.


A ler os livros sagrados

Do que é cristã tradição,

Evangelhos, Bíblia, grados

Padres de antes, pôs-se então.

No Evangelho de S. Marcos

Chega, ao fim de esforços parcos,


Chega a saber que Jesus,

Em vez de reconhecido

Inocente, o que traduz

Dos judeus o mau sentido

É que aos romanos o dão

Que crucificá-lo irão.


Furioso, o convertido

Agarra então num cutelo,

Corre a um judeu conhecido,

Com loja num cotovelo,

Derruba-o em curto espaço,

O cutelo no cachaço.


- ”Cão judeu, vou degolar-te!

Vou-te cortar a cabeça,

Dá-la aos cães, tal quem reparte.”

- ”Degolar-me?! Céus, homessa!

Mas porquê?!” - diz o lojista.

- ”Ainda te atreves, faquista,


A perguntar-me porquê?!

Quando foste tu e os teus

Que entregaram à mercê

Dos Romanos Deus dos céus,

Que mataram numa cruz

Ignobilmente Jesus?!”


- ”Mas isso” - diz o judeu -

“É velho e já não faz danos.

É muito velho, ocorreu

Já faz mais de dois mil anos.”

- ”Que importa toda a demora?

Eu por mim só soube agora.”



Cão


Lambe um cão napolitano

Uma lima. As asperezas

Rasgam-lhe a língua com dano,

Corre o sangue sem defesas.


O cão gosta do sabor

Do sangue e a lamber a lima

Mantém-se, apesar da dor

Que possa sentir por cima.


Nada, pois, o faz parar...

- Cão-homem: ambos a par!



Doenças


De todas as doenças sofre um homem,

Tem todos os sintomas, sua vida

São os mil sofrimentos que o consomem,

Angústias que jamais terão medida.


Que doença podia ser a sua?

Não sabia: cabeça, ventre, rins?...

Impossível dizer: todo ele sua,

Todo o corpo é uma dor em seus confins.


Um médico, porém, lhe diagnostica

Com rigor todo o mal que o atingia:
É doença incurável que ali fica

Arrastando-o na morte cada dia.


O estranho é que, informado, sente alívio:

Agradece ao bom médico e recebe

Amigos que hão tombado num oblívio.

A conversar e a rir, com eles bebe.


Um deles lhe pergunta que razões

Hão-de estar por detrás desta atitude.

- ”É que até agora foram mil lesões,

Agora só há uma que em mim grude.”



Sabedoria


Perguntam a Goha um dia

Donde é que a sabedoria


Que lhe conheciam todos

Lhe vinha assim tão a rodos.


Contou-lhes que possuía

O segredo e a magia


Do que é douta inteligência.

- ”De que forma?” - ”Bem, na essência,


De pílulas sob a forma.

Da receita tenho a norma.”


Instaram que revelara,

Afinal, tal jóia rara.


Em vão se furta à resposta:

A sério levam a aposta.


Foi apanhar, lavra a lavra,

Mil caganitas de cabra,


Cortou-as, moldou bolinhos,

Junta açúcar e cominhos,


Meteu-os num saco atado,

Foi vendê-los ao mercado.


Armou a pequena banca

E apregoa, alçada a anca:


- ”Pílulas da inteligência!

Dez dinares, é ciência,


Um grande segredo enfim

Revelado, vão por mim!


Minhas pílulas comprai,

Dez dinares e pasmai:


Sereis mesmo inteligentes,

Por tuta e meia contentes.”


Não há muito ajuntamento.

O descrente do argumento


Passa , os ombros encolhendo.

Mas há sempre um bronco crendo


Que o saco toma, examina:

- ”É eficaz? Isto é uma mina!”


- ”Duma eficácia tremenda!

E muito rápido, entenda!


- ”Ficarei inteligente

Como quem burro me sente?”


- ”Até muito mais do que eles” -

Diz Goha, a troçar daqueles.


O cliente compra um saco,

Abriu-o e provou um naco.


Mastigou por um bocado,

Depois cuspiu, enojado:


- ”Mas isto é bosta! É o que abona?!”

- ”Pois é! Vê como funciona?”


Escultor


Um escultor brasileiro,

Sem qualquer formação de artes,

Busca, madeiro a madeiro,

Esculpe de animais partes.

Uns são conhecidos dele,

Outros, não. Nada repele.


A girafa esculpe um dia

Sem nenhum modelo dela,

Sem imagem que veria:

Esculpe sem nunca vê-la.

Alguém lhe faz a pergunta

De como é que aquilo assunta


- ”Pego meu toco de pau

E começo a trabalhar.

O que não pertence e é mau

Para a girafa talhar

Então aí boto fora.

Findo o bicho não demora.”



Rumi


De Rumi os seguidores

Puseram-se a lamentar

Das ausências os temores:

Não os deve mais largar.

- ”Quando não estás, sentimos

Tua falta e logo vimos


Que o mundo ficou vazio,

Sem sabermos que fazer,

A tristeza corre em rio...”

Com tal maneira de ser

Rumi se irritou deveras,

Despede-os sem mais esperas.


O filho dele estranhou,

Pergunta ao pai a razão.

- ”É que a sério” - comentou -

“Nem gostarão de mim, não.”

- ”Mas sim, gostam, uma vez

Que estranham se aqui não és.”


- ”Cada qual diz-se mui triste

Todo o tempo em que me vou,

Constantemente, já viste?

Amas-me tu no que sou?”

- ”Sim, meu pai.” - “Diz-me, porém,

Se não estou, não advém


Às vezes uma alegria?”

- ”Sim, claro” - responde o filho.

- ”Tal alegria seria

Eu também, um meu cadilho.

Eles, alunos falazes,

De a sentir são incapazes.”



Asceta


Um asceta mui severo

No intuito de penetrar

Da natura o cerne vero,

Porque um dia ouviu falar


De Nasredim como sábio

Tão grande que dele a fama

Faz que inteiro o mundo gabe-o,

Uma longa viagem trama


Para se encontrar com ele.

Puseram-se a conversar.

O asceta diz que o impele

Uma procura sem par,


Que, ao cabo de anos de esforço,

Ouve as mensagens do vento,

Com aves fala um escorço,

Dos peixes entende o intento...


- ”Não me admira nada, não.

Conheço com animais

Tal jeito de relação.

Um dia um peixe dos tais


Até me salvou a vida.”

- ”Tua vida um peixe salvou?!” -

Julga o asceta em seguida

Que é um prodígio que ignorou.


- ”Aqui está” - diz ele - “a prova

De que todo o ser vivente

Se entende, língua que inova

Com os mais, com toda a gente.”


Era o que sempre afirmara.

- ”Explica-me o que ocorreu.”

- Ӄ dificuldade rara,

Como entender o que é meu?”


- ”Não faz mal e me esclarece.

Conheço os peixes mui bem.

Com tua ajuda com esse,

Talvez o entenda também.”


Ajoelha ali no pó,

Pronto a renúncia qualquer,

Todo o sacrifício e dó.

Nasredim põe-se a dizer:


- ”Aquilo que vou contar

Vai chocar, magoar-te até.”

- ”E que é que me há-de importar?

Diz-me, rogo, homem de fé!”


- ”Como queiras. Pois sabendo

Fica que eu um dia estava

A um passo, quase morrendo

De fome, quando pescava.


Um peixe então se prendeu

Ao meu anzol quando eu já

Levo semanas de meu

A pescar em vão por lá.


Pus o belo peixe ao lume

E comi-o de seguida.

Tudo a isto se resume:

Como vês, salvou-me a vida.”



Água


Um dia a Buda apresentam

Um homem que se dizia

Que há seis anos seus pés tentam

Sobre água andar por magia.


Pretendia ter, enfim,

Conseguido atravessar

Com esforço um rio assim.

- ”A tal dor porque se dar?” -


Diz-lhe Buda descansado. -

“Dei uma moeda à barqueira

Que levou-me ao outro lado

Do rio sem mais canseira.”































3


Ao Serão de Terça-feira























Tacanhos


Os espíritos tacanhos,

Com inteligência lenta,

Imolam-se, tais quais anhos

A que a fortuna não tenta.


Um homem e uma mulher,

Lá pelo norte do Irão,

Amavam-se, tal quenquer,

Viam-se com discrição


Apenas de vez em quando.

Ambos muito jovens eram,

Em casamento falando

Vão, contra os pais que o não creram.


Um dia os vizinhos foram

Encontrar a rapariga

Desolada. Como ignoram,

Perguntam por uma amiga:


- ”Que é que se passa, afinal?”

- ”Ora, está tudo acabado!”

- ”Mas porquê?” - “Além, no vale,

Disse-me ele: no sagrado


Dia que é na sexta-feira,

Vai lá a casa, que ninguém

Vai lá estar a tarde inteira.”

- ”E então? Isso que é que tem?...”


- ”Ora, eu fui por lá, porém,

Não estava lá ninguém...”



Cego


De Edo pelas cercanias,

No Japão, em ano novo,

Um monge cego houve uns dias

Que, convivendo entre o povo,

Foi a casa dum amigo

De criança, por abrigo.


Comeram até fartar,

Beberam na lauta ceia

Até o cego levantar

Indo embora, a noite meia.

- ”Leva esta minha lanterna,

Que a noite vai ter-te à perna.”


- ”De lanterna eu não preciso” -

Diz-lhe então o monge cego.

- ”Precisas, sim, tem lá siso.

Não te vendo num refego,

Os mais contigo chocar

Poderão e magoar.”


- ”Com efeito, tens razão” -

Diz o cego e na lanterna

Pega e parte, ela na mão.

Ruas adiante, eis que aderna

Contra ele brutalmente

Um homem subitamente.


- ”Vê se vês por onde é que andas!” -

Exclama o cego. - ”Não viste

Pela lanterna as locandas?”

- ”Não vi, não” - diz o homem, triste -

“É que ela, nesta jornada,

Vai por inteiro apagada.”



Recém-casados


Na Índia, uns recém-casados

Não param de discutir:

Em campo algum acordados

São rumos por que seguir.


Cada um recriminava

O outro da malfadada

Sorte com que deparava

Do dia em cada jornada.


Era uma existência amarga,

Uma vida barulhenta.

A superarem tal carga,

Um amigo deles tenta


Que um guru da vizinhança

Consultem, o que fizeram.

- ”Só uma solução alcança

A paz aos que a bem quiseram:


Para um casal harmonioso,

Que se tornem é preciso

Os dois, como cada esposo,

Um só. Tal é o meu juízo.”


Logo os dois, a uma só voz:

- ”De acordo, claro, afinal

Que um só fiquemos após,

Tornados num só. Mas qual?...”



Mercador


I


Nos Balcãs caminhava o mercador,

De cidade em cidade, aldeia a aldeia.

Viajava por países de Ásia meia,

Pelo norte da Índia, até o sol-pôr.


Mercador de palavras como um ror

Já fora dele o pai, colhia a teia

Das palavras à sorte, onde as semeia

Dele o trilho de acaso, horto maior.


Pagava-as quando assim alguém lho impunha,

Cedia-as se alguém delas precisava.

E muitas eram onde o ignoto punha.


Ondas, marés, ao montanhês levava,

Neve e glaciar, aos tórridos países...

Mas quantos a tal torcem os narizes!


II


Atenta o mercador no utilitário,

Com termos de bazar, de indústria leve.

Sem grande entusiasmo, busca breve

Com que ganhar a vida em mundo vário.


Por entre quem amou vocabulário

E linguagem, célebre se teve

O mercador de termos, pois reteve

Cuidada ocupação de amor sumário.


Ao comum ajuntava as emoções,

Deslumbramentos de alma, sentimentos,

O afecto peculiar dos corações.


E quantos nele buscam alimentos

Eis que falam por momentos língua tal

Que brilha num mosaico universal.


III


De Portugal levou-nos a saudade,

Tristeza duma ausência dirigida

A quem já não temos cá na vida,

Que já tivemos, pois, mas noutra idade.


De Áustria, a palavra kitsch, de verdade

É que o mercador prende, de seguida,

De Espanha é o termo curso, na medida

Em que é um fora de moda mas que agrade.


Quando chegava a um sítio, os habitantes

Com ele vinham ter, muito discretos,

Descobrem sentimentos hesitantes


Para os quais não terão termos correctos.

E o mercador atento lhes abria,

Num novo termo, um mundo de magia.


IV


Os ladrões de palavras o pilhavam,

Ao desbarato vendem-lhe os tesoiros.

Nos seus cadernos são pepitas de oiros

Os termos que dispunha e lhe agradavam.


Um libanês cliente diz que os loiros

Da classificação nunca bastavam:

Do mercador as práticas armavam

Ordens, rubrica, dum caderno em coiros.


Com o tempo a linguagem foi cifrada,

Mesmo em código duplo, que talvez

A ladroagem fuja assim de vez.


E o cuidado maior desta charada

Tem este mercador, para sossego,

Nos termos a que tem maior apego.


V


Os povos todos que na terra vivem

Pensam e sentem duma igual maneira,

Mas de termos a falta, numa ou noutra leira,

Pode o aparecimento que motivem


Bloquear dum sentimento que se abeira.

Por isso cuidaria que se esquivem

De nós os mil afectos que revivem

Quando de os nomear não ando à beira.


Já que o conhecimento da palavra

Mais facilmente acesso deu à coisa,

Se vais desembestado à tua lavra


Logo o desembaraço em ti repoisa.

Evoca na palavra heróis que apeles,

Serás rapidamente um qualquer deles.


VI


O mercador às vezes faz a troca,

Palavras por legumes, ovo, aveia

Para a mula do carro com que ameia

Na estrada que ao povoado desemboca.


Se for numa palavra que coloca

Troca por troca de que a terra é cheia,

Madruga à luz às vezes da candeia,

Pois a seu termo nenhum abre a boca,


Que desvalorizá-lo o outro iria.

E põe de parte, dele na reserva,

O termo favorito, que não ia


Ser o grosso da venda, mas o observa.

E, ao comparar, repara: há muitos termos

Comuns às línguas, a regar-lhes ermos.



VII


A palavra elegante é sempre a mesma

De línguas em dezenas: conseguida,

Há-de ter nela a ideia bem contida

Na sua própria forma, atada à resma.


Não será de estranhar que, feita lesma,

Se veja no passado, ermida a ermida,

A tantos povos, lenta, distendida,

Se tenha acomodado e agora lês-ma.


Melancolia é um termo que inventado

Foi por quem lhe deu tal sonoridade

De badalada triste como um fado


Que por europa viaja, idade a idade:
Ninguém sabe porque há mais conseguidas

Palavras, só que são as difundidas.


VIII


O que tem para os termos bom ouvido

Não será um bem-falante, longe disso.

Dum endrominador não tem feitiço,

É bastante lacónico, um sonido


É o que dele ouvem quantos lhe hão surgido.

A força da palavra é o seu chamiço,

A única riqueza a dar-lhe viço,

De beleza selvagem um sortido.


Uma palavra basta para pôr

O mundo em movimento e lhe extrair

Um segredo inovado, com calor


Acrescer-lhe a surpresa dum porvir.

Quem das palavras vive é que, fecundo,

As memórias encerra em si do mundo.


IX


Espanta o mercador que chocolate

Seja palavra igual em toda a língua,

Como se de mais sons houvera míngua.

Porém, já borboleta se rebate


Diversa em todas; a igualdade vingo-a

Mantendo sugestivo um som que bate

Asas leves, farfale, um tal quilate

Que papillon, butterfly, não sofrem íngua


Na carne do sentido por que voam.

Que dizer do entrañable que, espanhol,

No íntimo sofre perdas que atordoam?


É como a despedida que no rol

Dum adeus para sempre, desmedida,

É a vera imagem já da nossa vida.


X


O termo bem formado, bem sonoro,

Trazia ao mercador muita alegria.

Em paisagem caminha que infundia

Maravilhas intérminas por foro.


Em Babel, afinal, Deus não punia

Multiplicando as línguas sem decoro

Porque este mar de termos não dá choro

É uma oferenda e nada a igualaria.


No Irão tarif é o termo que descobre

Para uma oferta recusar que dá

Muito prazer, delicadeza encobre


Que, refalsada, mal dispõe-nos já.

Que tanta língua legue, no final,

Assim a Deus é que então levo a mal?


XI


Aumenta de ambição o mercador,

Cuidou que seu negócio já podia

Tornar qualquer pessoa bem melhor,

Ensinando a justiça o que seria


Ou mesmo a compaixão que compraria

Por uma mão de arroz a um vendedor

Que do Tibete volta por tal via

Que a morte a farejar-lhe anda em redor.


Sem conta nem medida os benefícios

Devidos a tal homem sempre são.

Inscrevem-se em segredos os resquícios


Das coisas que nas línguas constarão

E é o que, por conseguinte, nos invade

E que constrói a nossa humanidade.


XII


Durante a guerra a actividade encolhe,

Só depois dela desenvolve então.

Nas nações novas os mercados vão

Entusiasmar-se com quem termos colhe:


A bomba atómica, o radar acolhe

O mercador para negócio são,

Num contrato vendeu mesmo o neutrão,

Como o stalag encante o que o recolhe.


Só que pouco depois o abrandamento

Da curiosidade foi demais,

Já ninguém necessita dum aumento


De termos estrangeiros que acenais.

Cuidou que o retrocesso é passageiro,

Enganou-se, do mal é pioneiro.


XIII


Parking se espalha pelo mundo inteiro,

Weekend e shopping seguem logo atrás.

Conquistadoras, quem venceu as traz

Por marca sua, da conquista ao cheiro.


Mas já o kolkhoze russo a que me abeiro,

Como uma nave soyuz bem falaz,

Não logram nunca acatamento em paz,

Do mundo o resto não se quer herdeiro.


Quem não vender sua palavra ao mundo

A perda tem já nele programada.

Razões políticas há nesta estrada,


De vida estilo de que me eu fecundo.

É que a língua acabamos por falar

Daqueles que gostamos de imitar.


XIV


A Inglaterra espalhou por todo o mundo

Os termos ganster, dandy, mesmo snob,

Embora o derradeiro nunca adobe

Um Baluchistão pobre mas jucundo.


De acordo ninguém diz, é O. K., no fundo

Tomam um drink, jeans usa qualquer Job,

T-shirt, fast food e o mais que nisto englobe

A língua inglesa a passear no mundo.


Porém jihad e fatwa apareceram

Vindas dum mundo que não era inglês.

Ameaçadoras, muito já correram,


Os compradores fazem bicha aos pés.

Analfabeto era não ler francês

Ou inglês e hoje é nem ver que é que lês.


XV


Há palavras morrendo cada dia,

Aspiradas no abismo da ignorância,

O inferno duma língua a que a elegância

Se perdeu na preguiça que nos guia.


Cada vez menos termos haveria

Mundo fora a marcar predominância,

Embora cresça em números a infância,

Explosão sem limites se anuncia.


Os ouvidos humanos se fecharam

Às palavras subtis que outros houveram.

Banalidades cobrem o planeta,


Redes fáceis que a todos enredaram.

Palavras raras, belas se perderam,

O irrelevante as suga, de hoje meta.


XVI


Por mais inverosímil que pareça,

Atém-se a humanidade ao termo pobre.

Árvore imensa onde a ramagem sobre,

As folhas vai perdendo, peça a peça.


Até os ramos da língua em que tropeça

Se quebram ressequidos, sem alfobre

De folhas, de vergônteas, já que cobre

O chão de tronco seco onde esmoreça.


Em vez dum feixe de vital frescura,

A língua é quase de betão pilar.

Um universo que se assim figura


Será uma noite onde, ao ninguém olhar,

Ninguém querer saber como nem quando,

As estrelas se foram apagando.



Califa


O califa de Bagdade

Se admira de Nasredim,

Sábio maior da cidade,

Sempre desdenhar, ao fim,

Das reuniões mui faladas,

No palácio organizadas,


De filósofos e sábios.

Ordem lhe acaba por dar,

Vinda de seus próprios lábios,

De numa participar.

Como se obrigado a murro,

Nasredim vai no seu burro


No dia determinado.

Para a cauda do animal,

Contudo, monta virado.

Apontando feito tal,

A cidade dele troça

Abertamente e sem mossa,


Que ele bem deixa que o façam.

Neste preparo é que chega

Ao lugar onde entrelaçam

Dos ditos sábios a achega.

É a vez de, em coro sidéreo,

Rirem deste despautério.


- ”Montaste o burro às avessas!

Como não te deste conta?!”

Não liga às vozes travessas,

Olha-os bem, de ponta a ponta.

O califa toma então

A palavra e eis a questão:


- ”Porque é que tu nunca vens

A nossas reuniões?

Pelo saber que tu tens

Elogiam-te as nações...”

- ”Misturar-me é que não quero

Com parvos que não venero.”


- ”Toma-los por imbecis?”

- ”Tenho a certeza, califa.”

- ”Que é que a tal te leva? Diz!”

- Ӄ que a pergunta, na rifa,

Nunca dizem que for certa.”

- ”Que pergunta têm alerta?”


- ”Perguntam mui parvamente

Porque montei ao contrário.”

- ”Certa não é, certamente...”

- ”É um questionar arbitrário.”

- ”Dize-me então, por favor,

Qual a pergunta a propor?”


- ”Exactamente a seguinte:

Terá sido Nasredim

Que ao contrário, por acinte,

Montara no burro assim,

Ou é o burro que há virado

Antes para o lado errado?”


E, tal como tinha vindo,

Foi para casa seguindo.



Râbia


Amulher santa do Islão,

Râbia, respostas nos deu

Que a via apontam do chão

A trepar até ao céu.


- ”Donde vens?” - “Do outro mundo.”

- ”Vais aonde?” - “Ao outro mundo.”


- ”E neste mundo que fazes?”

- ”Eu? Pouco dele, por fases.”


- ”E como é que fazes pouco?”

- ”Como-lhe o pão: como um louco


Durante o mesmo segundo,

Faço a obra do outro mundo.”



Visita


Um homem sábio visita

Râbia e fala longamente

De ilusões que o mundo incita,

Miséria sempre presente.


- ”Muito deves gostar disso,” -

Râbia das falas repoisa -

“Para ter-te tanto o enguiço

De não falar doutra coisa!”



Corânica


Numa corânica escola

O mulá faz o final

Exame a ver quem se enrola.

A um aluno diz, leal:


- ”Dou-te a escolher: serão duas

Questões fáceis que eu quiser

Ou uma, se me insinuas

A difícil pretender.”


- ”Quero que a difícil tomem.”

- ”Sendo assim, tu me responde:

Como nasce o primeiro homem?”

- ”Do ventre da mãe, eis donde.”


- ”Seja. E como nasce a mãe?”

- ”Isso agora” - o aluno assunta -

“Vai do combinado além:

É já segunda pergunta!”



Zen


I

Ao budismo zen afectos,

Conversam dois japoneses.

Com mestre dos mais correctos

A retiros fora, às vezes,


Um deles. O outro pergunta:

- ”Que é que fizeste?” - ”Formei,

Após quanto ali se assunta,

A conclusão que é de lei:


Parti tal cheguei – sem nada.”

- ”Então para quê o retiro?”

- ”Sem ele, sem a empreitada,

Como é que ao fim eu confiro


Que sem nada partido hei

Tal sem nada aqui cheguei?”


II

Um asceta zen contava

Que o mestre-mor que tivera

Como Oshibu se chamava.

- ”E que é que viste que ele era?” -

Pergunta-lhe um outro monge

Que ali viera de longe.


- Ӄ muito simples: cheguei

Lá junto dele sem nada

E sem nada retornei.”

- ”Apenas isso?! E te agrada

Afirmar que era o maior

Dos mestres que vens propor?!”


- ”Sim, em verdade eu o digo.”

- ”Mas porquê?!” - ”Porque, sem ele

Como saberia, amigo,

Que sem nada à flor da pele

Tinha chegado e sem nada

De novo parto na estrada?”



Morte


Uns anos depois da morte

Dum inestimável poeta

Juntaram-se, um pouco à sorte,

Uns chineses com a meta

De à pergunta responder:

Quando se pode dizer


Que um poeta estará morto?

“Quando ele perder a vida”,

“Se de editar perde o porto”

- De alguns vai ser a medida.


“Poeta bom morrerá quando

Já não consiga escrever,

Nem por ele nem a mando.”


Mas o consenso se vê

Da poesia neste aborto:

- ”Só quando ninguém o lê

É o poeta deveras morto.”



Agartha


Agartha, o sábio, vivia

Numa floresta indiana.

A solidão que escolhia

Agrada-lhe, não o empana.

Conhecido é por ciência

Dos três mundos e da essência.


Um príncipe o visitou

De longe ido que começa

Por pedir-lhe: - “Que é que sou,

De alma imortal uma peça?

- “Nada te posso dizer,

De tal não tenho saber.”


- ”Fala-me dos outros mundos

Que escapam à nossa vista.”

- “Não posso. Mesmo fecundos,

Não constam da minha lista.”

- ”Dos deuses a natureza...”

- ”Nada sei: matéria ilesa.”


O príncipe que passado

Meses em viagem houvera

Sente-se então enganado

E enraivado vocifera:

- ”Ignorante! Célebre és?!

A tua fama não tem pés!”


-” Isso depende” - responde. -

“Sou famoso do que sei,

Não do que não sei. Nem donde

Às questões responderei

Que faça um desaguisado

Príncipe descontrolado.”



Horta


Nasredim penetra um dia

Na horta do seu vizinho.

Soprava uma ventania.

Pôs-se ele então, de mansinho,

A apanhar para a sacola

Nabo, cenoura, cebola...


O vizinho apareceu

Irritado e perguntou

Que faz no que era de seu.

- ”Nem vais crer” - Hodja contou. -

“Ia a passar lá na rua

E o vento ao ar me flutua,


Num turbilhão pega em mim,

Pôs-me aqui na tua horta.”

- ”E então?” Diz-lhe Nasredim:

- ”Vento assim ninguém suporta,

Agarrei-me ao que podia,

Nabo, alface, uma endivia...


Só que o vento até os levava!”

- ”Estou vendo” - o vizinho olha

O saco que abarrotava. -

“Explica-me esta recolha

Aqui tão bem arrumada

No teu saco de enfiada.”


- ”Ora aí tens!” - diz Nasredim. -

“É o que me há preocupado

Quando chegaste, por fim.

Mexe comigo há bocado.

Pões o dedo na ferida:

Vê só do vento a medida!”



Conquistador


Ao grande conquistador

Que é de todos aclamado

De ter vitória alcançado

Dum inimigo de horror


E que então se vangloria

Disto até mais não poder,

O pobre dum esmoler

Pergunta intrigado um dia:


- ”Quem era, afinal, mais forte?

Tu ou o teu inimigo?”

- ”Eu, é claro, que o persigo.”

- ”Porque então tentar a sorte


Duma vitória a gabar-te

Se dela nem fazes parte?”



Estudante


Um estudante em viagem

Pede ao barqueiro que o passe

A contento, como a um pajem,

Do largo rio ante a imagem,

À outra margem que abrace.


Ora, o barqueiro vivia

Deste labor. Fá-lo entrar,

Logo aos remos se prendia,

Com cuidado se metia,

Profissional, a remar.


De pássaros passa um bando,

No momento, sobre o rio.

- ”Sabe os hábitos e quando

Vêm tais aves voando

Por aqui com tal ousio?”


- ”Eu cá não sei nada disso” -

Diz o barqueiro aplicado.

- ”Pois perdeste, de submisso,

Da vida um quarto de esquisso.”

Tendo o barco após rodeado


De plantas de água um lençol,

O estudante perguntou:

- ”De plantas toda esta mole

Como vive? Que asa bole

Nela, que nome lhe dou?”


- ”Não, não sei de coisa alguma

Dessas” - responde o barqueiro.

- ”Então tu perdeste, em suma,

Meia vida que ressuma

Das águas neste viveiro.”


Chegando do rio ao meio,

Diz outra vez o estudante:

- ”E estas águas, todo o veio

Donde vem? O rio cheio

Vai até onde adiante?”


- ”Disso não sei nada, a sério.”

- ”Três quartos da tua vida

Perdeste” - diz, nada aéreo,

O rapaz, com todo o império.

A madeira apodrecida


Abre um buraco nocasco

E o barco desata a encher-se

Como na torneira um frasco.

O barqueiro, ante o fiasco,

Pára e, com o alarme a ver-se,


Diz, vendo o barco a afundar-se:

- ”Sabes nadar?” - ”Não, não sei...”

-”Nesse caso, sem disfarce,

A vida inteira a afogar-se

É que aqui perdes por lei.”


E para a margem distante

Mergulhou, indo a nadar,

Deixando o barco, o estudante,

Mais o seu orgulho impante,

Rapidamente a afundar.



Ouvido


Em tempos que já lá vão,

Na China um homem gozava

De ouvido tão fino, tão,

Que da margem reparava

No ruído que, a nadar,

Faz o peixe, água a sulcar.


Ao colar o ouvido à terra,

Ouve toupeiras, minhocas...

Quando à noite em sono ferra,

A aranha, ao sair das tocas,

Faz um barulho larvar

Que o leva sempre a acordar.


Um dia foi um prodígio:

Teria ouvido a eclosão

Duma rosa no fastígio

De ao mundo abrir o botão.

Vizinhos foram com ele

A um jardim: que feito aquele!


Até um botão de rosa

Aproximou o ouvido,

Horas e horas ali goza,

Meio sorriso, o ruído.

- ”Ouves mesmo alguma coisa?”

Nos lábios o dedo poisa,


Recomenda aos curiosos

Não perturbem o exercício,

Aparentava os gozosos

Êxtases, tal como um vício.

Ouve as pétalas da flor

Com lentidão, ao calor,


Todas a se descolar,

Ouvia a seiva a fluir,

Murmúrios quase a aflorar,

Roçagar a mal surdir.

Ele nem termos sabia

Para contar o que ouvia.


Após horas no jardim

Uma mulher perguntou:

- ”E o cheiro como é, por fim?”

- ”O cheiro?! Qual?!” - exclamou. -

“Explica-me bem primeiro:

As rosas também têm cheiro?”



Alexandre


Quando Índia fora avançava,

Alexandre da existência

Da feiticeira augurava

De grande reputação

Que o futuro via então


Sem se jamais enganar.

Ficou muito surpreendido

Ao ver a mulher sem par,

Jovem, bela, olhar medido,

Que pergunta, o falar puro:

- ”Queres saber teu futuro?”


- ”Meu futuro não existe” -

Responde o conquistador. -

“Construo-o eu, é o que viste.”

- ”Como tu queiras, senhor.”

E Alexandre, de seguida:

- ”Porém,em contrapartida,


Quero saber como fazes,

Para prever o futuro

Tão exacto, em suas fases,

Com o teu modo seguro.”

- ”Pois eu posso-to dizer” -

Respondeu logo a mulher. -


“É de erguer de certo jeito

Um monte de paus talhados

Duma madeira a preceito.

De incenso são polvilhados.

E, enquanto se pronunciam

Certos termos, se acendiam


As chamas desta fogueira.

No lume que então se eleva

Podemos ver a certeira

Figura vinda da treva,

Com pormenor, do futuro.

Então é que o prefiguro.”


- ”Não me estás mentindo?” - ”Não!”

- ”Dizes-me como se faz?”

- ”Claro. Dou-te a indicação

Do pau de que hás-de ir atrás,

Como talhar os gravetos,

Como dispô-los, secretos,


Como misturar o incenso

E como lhe deitar fogo.”

- ”E verei, é o teu consenso,

O porvir nas chamas logo?”

- “Sim. Mas há uma condição:

Não poderás nunca, não,


Nem sequer por um momento,

Reflectir dum crocodilo

No olho esquerdo. Lamento.

Só no direito, tranquilo.

Mas no esquerdo, um mero instante,

É a perdição tua adiante.”


Diz-lhe Alexandre: - ”Está bem,

Já percebi a evidência.

Jamais tentarei, também,

Indo além do que convém,

Essa tua experiência.”



Mestre


Era um jovem japonês

Que a um mestre se dirigiu

De artes marciais, certa vez.

Grande especialista o viu


Para a prática da espada.

O tempo lhe perguntou

Preciso para apurada

Ter tal arte que sonhou.


- ”Dez anos” - o mestre diz.

- ”Dez anos?! É demasiado,

Não há força de aprendiz

Por prazo tão dilatado.”


E o mestre, a evitar enganos:

- ”Se assim for, então vinte anos.”



Brâmane


Um brâmane muito culto

Vai ter uma vez ao rei.

Dezoito dias o oculto

Lhe tenta explicar da lei,

Dezoito cantos que cita

Do sacro Bhagavad-Gîta.


Escutou com atenção

O rei, contudo, no fim,

Ao brâmane com unção

Diz, numa dúvida, enfim:

- ”Tudo isso está muito bem,

Mas compreendeste também


Tudo quanto me explicaste?”

Responde o brâmane: - ”Não,

Mas importante que baste

É que tu, de coração,

Vislumbando-lhe sentido,

O tenhas compreendido.”



Xun Zi


Xun Zi conta que um famoso

Mestre tomou, certo dia,

A decisão, imperioso,

De que jamais falaria.


Um discípulo pergunta:

- ”Mestre, se não falas mais,

Como é que a assembleia junta

Transmite, com que sinais,


O teu grande ensinamento?”

O mestre explicou-lhe assim:

- ”Fala acaso o firmamento?

Ora, as estações, no fim,

Ocorrem e as criaturas

Multiplicam-se, seguras.


Que me respondes a isto?”

Nada tinha a responder

Este aprendiz, tudo visto.

Silenciam, até ver...

- Este é o silêncio que após

Dali nos chega até nós.



Buda


Quando Buda oferecia

Na Índia os ensinamenos,

Os cultos, em romaria,

Quem de pensar quer fermentos,

Acorriam a escutá-lo

Para tentar praticá-lo.


Porém, os menos dotados,

Desprovidos de altos voos,

Ouviam, mas desolados:

- ”Levar à prática vou-os,


Mas como, se os não entendo?”

Um deles tanto se queixa

Que Buda, a sofrer o vendo,

Lhe tomou então a deixa


E aconselhou-o a varrer

Criteriosamente o chão

E as sandálias que tiver,

A limpar, polir à mão.


Ora, o homem alcançou

Deste modo o despertar

Que há que tempos desejou

Sem sequer o vislumbrar.



Rumi


O poeta Rumi falava

De música aos seus alunos.

Do rebab perguntava,

(Do Afeganistão é um múnus),

Donde vem a força, o encanto

Da música de seu canto.


Quando um o questionou,

Retorquiu-lhe em melodia:

- ”Deveras quando soou,

Eu do paraíso ouvia

A portada em movimento

Por um mui longo momento.”


-”Também eu” - o aluno afirma. -

“Também da porta o barulho

Ouvi, mas não se confirma

O êxtase que ali vasculho.

Porquê?” - ”Simples é a razão” -

Diz Rumi, descendo ao chão. -


“Do paraíso ouço a porta

Quando ela se vai abrindo.

Vós, quando o som vos transporta,

É a fechar que ela vai indo.

É pequena a diferença,

Mas é inversa a recompensa!”



Passos


Havia em Àfrica um homem

Magro mas de olhar brilhante.

Pelas aldeias se somem

Seus passos para diante.


Na mão leva um balde água,

Na outra, uma tocha acesa.

Se lhe perguntam que mágoa

Ou que esperança represa


O levam a transportar

Os dois objectos, responde:

- ”A tocha é para atear

O paraíso sempre onde


O não encontrar eterno,

Como água é para apagar

Por onde calhar o inferno.”

- ”Mas queres iluminar


O céu e apagar o diabo

Porquê?” - ”Travo atento a guerra

Porque vejo, ao fim e ao cabo,

Que há tudo isto aqui na terra.”


E, seguro, no maninho,

Continuava o caminho.



Filho


Nasredim um filho tinha

Que perguntou curioso:

- ”Porque flutua uma pinha,

Não vai ao fundo lodoso?”


Nasredim profundamente

Pensa para responder

Com franqueza, limpa a mente.

- ”Nada sei de tal, sequer.”


- “E como fazem os peixes

Ao respirar dentro de água?”

- ”Não sei, não. Porém, não deixes

De perguntar, não traz mágoa.”


- ”E as marés a que se devem?

Porque é que o mar sobe e desce?”

- ”Sei lá bem porque se elevem

E porque minga o que cresce!”


- ”Não te incomodam, em suma,

As perguntas de rajada?”

- ”Mas, de maneira nenhuma!

Sem tal, nunca aprendes nada...”



Noviço


Um noviço ao mestre chega

E pergunta: - ”Tenho em mim

A natureza que adrega

Buda ter até ao fim?”


- ”Não!” - lhe diz o mestre, seco.

- ”Mas não disseste que todo

O ser vivo, forte ou peco,

De Buda, de qualquer modo,


Terá sempre a natureza,

Mesmo a planta ou o animal?”

- ”Sim” - responde, sem surpresa.

- ”Porque não eu, afinal?!”


Peremptório, o mestre junta:

- ”Porque fazes a pergunta.”



Prender-se


Um jovem muito dotado,

Cioso de não prender-se

A nada, por nenhum lado,

(Como um sábio deve haver-se)


Certo viajante encontrou

Que ali cachimbo fumava

E desde logo o imitou.

Mal sentiu que começava


A tomar gosto ao tabaco,

Rápido abandona o fumo.

Um astrólogo, a um pataco,

Nas estrelas, em resumo,


Ensinou-lhe a ler destinos

E a remendar desonesta

Vida nos termos mais finos.

Logo um astrólogo em festa



Se tornou, mas ao dar conta

Do prazer de encaminhar,

Logo o remorso desponta,

Finda a tarefa a largar.


Experto em caligrafia,

Quando exímio se tornou,

Logo a tudo renuncia,

Que ali o medo o agarrou.


Como monge num convento,

Recebeu do superior

Proposta dum nobre intento:

Suceder-lhe vem propor.


Rejeitou, que a promoção

Temeu que o ia prender

E logo ao convento então

Foge sem adeus sequer.


O mesmo com a pintura,

O sabre, o teatro, o canto...

Se no píncaro figura,

Renuncia, põe-no a um canto.


Quando o fim se lhe aproxima,

Chama um clínico afamado.

O doente, de tudo acima

Quer ver-se, em ânsias, curado.


- ”Que devo fazer?” - pergunta,

Com profunda ansiedade.

- ”Que quer que lhe diga?” - assunta

O outro com sobriedade. -


“Anda assim tão preso à vida,

Tanto então ela o regala,

Que de forma desmedida

Quer tanto, ao fim, conservá-la?”



Pesca


Vem da pesca o jovem monge

Com sete peixes na rede.

Um velho encontra, não longe

De morrer de fome e sede,


Estendendo a mão à beira

Do caminho onde prossegue.

O monge então, com canseira,

Explica como consegue


Escolher-se um bom bambu,

Talhar a cana de pesca

E prender, sem mais tabu,

Fio, anzol e, pela fresca,


A eleição do rio onde ir.

E foi assim por diante,

Que minhoca preferir,

Que peixe a quer, hesitante,


Quando ao velhinho faminto

Lhe tomba a mão estendida,

Cai-lhe a cabeça do plinto

E morreu-lhe à fome a vida.



Dibbuk


Um dibbuk, entre os judeus,

É um defunto que dum vivo

Se apodera, o faz dos seus,

Para atormentá-lo, esquivo.


Hoje narrá-lo rareia.

Perguntaram a Mendel:

- ”Porque é que o ninguém nomeia?”

- ”Porque hoje livrar-se dele


(Vê só o alcance que tem)

Já não o sabe ninguém.”



Confúcio


Confúcio recomendava

O exercício da poesia,

Leitura de odes que amava.


Tseu-Hi recitou-lhe um dia

Uma passagem que diz

Dum rosto que em mulher via:


“Enruga os cantos, feliz,

Da boca um riso trocista.

Olhos belos de raiz


Brilharão, a quem a avista,

No esplendor a preto e branco

Que um fundo branco revista.


Deste a cor diversa arranco.”

Tseu-Hi pergunta o sentido

Que um filósofo mui franco


Encontra no que foi lido.

Confúcio, a quem o poema

Diz além do que é entendido,


Respondeu que isto era o lema

Fiel da sinceridade

Que considerava um tema


Da primária qualidade

Requerida à aplicação

Dos ritos de toda a idade.


Tseu-Hi perguntou-lhe então:

-”Sinceridade porquê?”

Confúcio, com convicção:


- ”Seja lá o que for que vê,

Um fundo branco é questão

Antes de o pintar, não é?”



Guru


Um discípulo a um guru

Votava tal confiança

Que bastava, sem tabu,


Pronunciar-lhe o nome: alcança

A largura atravessar

Dum rio a pé sem tardança,


Sobre águas a caminhar.

O guru, disto informado,

Vem o prodígio testar


Que ante ele foi confirmado.

A si próprio diz então:

“Como santo abençoado


Devo ser para a menção

De mim gerar tal poder!”

Logo, sem hesitação,


Atira-se ao rio, a ver,

Gritando: “Eu! Eu!” Eis senão

Quando acaba por morrer.



Rumi


Rumi, grande poeta persa,

De invasões mongóis expulso,

Espalha a vida, dispersa


Terra em terra, a tomar pulso...

Por fim passou na Turquia.

Por não perder dele o impulso,


Em casa o acolhe, em Konya,

Chams de Tabriz, poeta velho,

Que mui dele divergia.


Rumi dum mestre é um espelho,

Muito rico, bem rodeado,

Pede-lhe o sultão conselho...


Chams era pobre, inflamado,

Um errante, imprevisível.

Quando viu Rumi sentado,


Absorto de modo incrível

Num poema, com paixão,

Pergunta, um pouco irascível:


- ”Que fazes?! Por que razão?!”

- ”Nada que entendas!” Responde

Rumi. Chams agarra à mão


O poema e ali é donde

À lareira o atira então.

Chams de Tabriz não esconde


Que a Rumi quer tirar vendas.

Este grita, a fúria em vão:

- ”Que fazes?!” - ”Nada que entendas!”



Indiana


Conta uma história indiana

Que um mui célebre guru

Que a uma floresta se irmana


Há tempos, já seminu,

Visitaram certo dia

Uns estranhos. Muito a cru,


Uma questão lhes bulia.

- ”As respostas serão duas

À questão que se enuncia:


A primeira, a abrir-nos ruas,

A segunda e a terceira.”

As visitas, mentes nuas,


Se admiram daquela asneira:

- ”Falou de duas respostas

Mas depois, muito à ligeira,


Contou-nos três. São supostas?”

- ”Deixem-me explicar então.

À pergunta, logo expostas


Duas saídas irão.

De imediato reparei

Que, mal vo-las ponha à mão,


Vem-me à mente e então terei

Uma terceira intuído.

Por isso é que a acrescentei,


Por não ser desprevenido.”



Japonesa


Uma lenda japonesa

Conta que um jovem pintor

Que aperfeiçoar a cor

Pretende, a um mestre que preza

Vai que tinha grande fama

Em tons, matizes e trama.


Quando chega ao personagem,

Que só lecciona lhe dizem

Por dia as horas que visem

Do Sol dois pontos da viagem,

Ao nascer e ao pôr-do-sol,

Enquanto no jardim bole.


O mestre recebe o jovem

Que longa romagem tinha

Feito, como se adivinha.

Logo às pretensões que o movem

Acolhe, para regalo,

Ao aceitar ensiná-lo.


Lado a lado no jardim,

O jovem se apercebeu,

Para grande espanto seu,

De que o mestre é cego, enfim.

Como é que um cego podia

Cor lhe ensinar algum dia?


Ficou tentado a partir,

Porém decidiu ficar,

O mistério a decifrar.

O mestre cego a pedir

Ao novo aluno começa

Que os olhos feche e que peça


Uma cor à fantasia.

- ”De olhos fechados só vejo

O preto” - diz-lhe, sem pejo.

- ”Eu” - pois o mestre anuncia -

“Consigo às rãs ver o azul

Como aos céus o véu de tule.


Tenho em mim todas as cores.

Como alguém diz que sou cego?”

O jovem, já sem apego

A estranhos que tais mentores,

Cuida que perde o juízo

O velho, não tem mais siso.


Para o não contrariar,

Mantendo os olhos fechados,

Diz-lhe em termos inventados:

- ”Já começo algo a notar.”

- ”Que vês tu?” - ”Vejo o vermelho

De árvores de tronco velho.”


O velho mestre estacou

E, com espanto na voz,

Remata, incrédulo, a sós:

- ”Impossível! Onde estou,

Nem mesmo longe acolá,

Nenhumas árvores há...”



Neve


No Japão, em pleno inverno,

Caminhava um jovem monge

Por neve fresca até longe.

Voltando-se, ao frio interno,

Viu que imprimia pegadas

Atrás de si afundadas,


A pureza destruindo

Da brancura do coberto.

Para bater tudo certo,

Volta atrás, vai espargindo

Com as mãos a neve solta

Sobre as pegadas em volta.


Mas no caminho em retorno

Novas pegadas imprime,

Sempre assim, por mais que arrime

Neve por sobre o contorno

Novas pegadas se aninham

Por onde os seus pés caminham.


Foi ao mosteiro, arranjou

Então uma vassourinha

E, ao caminhar, adivinha

Que para quanto intentou

O melhor é caminhar

Às arrecuas e, a par,


As marcas ir apagando

À medida que as fazia.

Isto é lento em demasia

E depressa vai cansando.

Um monge as idas e vindas

Viu cheias de intenções lindas


E perguntou ao noviço:

- ”Que é que buscas tu ao certo?”

- ”Nem de longe nem de perto

Perturbar todo este viço

Imaculado da neve,

Pretendo apagar-me breve.”


- ”Pela primavera aguarda.

A neve derrete ao sol

E a tua pegada mole

Desaparece, não tarda.”

E o velho monge sereno

Bebe a alvura, calmo, em pleno.



Bovnam


A Bovnam, rabi de fama,

Se apresenta um velho um dia:

- ”Quem foge duma honraria,

(É o que o Talmude proclama)

Faz com que ela, ao que a repele,

Venha a correr atrás dele.


Pois bem , toda a minha vida

Fugi de honrarias eu,

Nenhuma me perseguiu.”

- Ӄ que tu, na tua lida,

Sempre andaste, contumaz,

Ansioso a olhar para trás.”



Gigantesca


Uma estátua gigantesca,

Buda deitado de lado

No Nirvana quando há entrado,

Esconsa, ninguém repesca

Das areias entre os dedos

Lá dos afegões rochedos.


Trezentos metros medir

Deverá de comprimento.

De todo o deserto o vento

Por séculos a zunir

A pouco e pouco enterrado

A terá, pois, nalgum lado.


De arqueólogos equipas

Tentam um século inteiro

O colosso verdadeiro

Encontrar e nem farripas

Vislumbram de algum sucesso,

Antes lhes é tudo avesso.


Contam que uma expedição,

Quando o país era presa

De guerra e convulsão tesa,

Se perdeu numa região

Árida, pela canícula

Da estiagem, sem retícula


De mapa que lhes valera.

Esgotaram provisões,

Reservas de água, rações...

A pé vão, agora à espera

Dum bom reabastecimento,

Mas nem rádios, de momento.


As forças iam perdendo,

Limiar de sobrevivência.

Uma noite, uma evidência

Num terreno vai-se erguendo:

Reconhecem pelo fosso

Que era uma boca de poço.


Logo um deles se arrastou,

Um calhau deixa cair:

Rumor de água vão ouvir

Que um pouco abaixo ecoou.

Reanima-os o ruído

E o poço é desimpedido.


A uma rocha arredondada

Amarraram uma corda.

É o mais magro que concorda

Descer e fazer a aguada.

A escuridão é completa

Mas encher cantis é a meta.


Puderam dessedentar-se

Da missão os elementos.

Acabaram-se os tormentos,

A vida ao corpo a tornar-se.

Comeram o que encontraram:

Bagas que ao poço tiraram.


Dormiram algumas horas,

Marcharam antes do sol,

Fugindo ao calor que imole.

Mais tarde, muito a desoras,

Socorrem-nos camponeses

Hospitaleiros, corteses.


Nunca souberam que tinham

Naquela noite encontrado,

Providenciais, ao lado,

Boas águas que os sustinham

De Buda na orelha cheia

Enterrada sob a areia.



Hitchcock


Para Hitchcock o que importa

Era acção, não o motivo.

Que é que está por trás da porta?

Vale é que dela me esquivo.


O segredo do segredo

É por McGuffin tratado.

Dois homens, conta o enredo,

Num comboio, lado a lado,


Viajam, quando um aponta

Do outro a mala lá por cima

E faz a pergunta tonta:

- ”Que é que leva neste clima?”


- ”Um McGuffin” - o outro acode.

- ”Que é que é isso exactamente?”

- Ӄ um aparelho que pode

Capturar-nos, de repente,


Leões nos Adirondacks.”

(É cadeia montanhosa

Que nem sequer atabaques

Toca a quem lá férias goza.)


- ”Não há lá nenhum leão!” -

Diz o outro com desdém.

- ”McGuffin talvez então

Não seja o que a mala tem...”



Saco


Na estepe de Ásia central

Carrega um homem um saco

Às costas, piramidal,

Ao sol quente, feito um caco.


Cruza com outro que quer

Saber o que o saco tem.

- ”Toalhas” - diz-lhe, a sofrer,

O que do saco é refém.


- ”Para quê?” - ”Secar a cara.”

- ”Mas é de loucos! Pesado

É demais. É pilha rara

De cem toalhas no costado!”


- ”Mas não é gesto gratuito:

É que, enfim, eu suo muito...”



Bolos


Nasredim diz ao vizinho:

- ”Adoro bolos de mel

Com sêmola, mas definho

Por não conseguir daquele


Manjar nem um só comer.”

- ”Então porquê?” - ”Porque em dia

Em que mel em casa houver

Não há sêmola e, se havia,


Então é o mel que nos falta.”

- ”Ainda assim, alguma vez,

Onde um é já o outro salta,

Os dois juntos ali vês.”


- ”Pois, mas quando isso se apraza

Eu jamais estou em casa.”



Strudel


Numa família judia

O filho pergunta um dia


Ao pai, um homem letrado,

Porque o strudel é chamado


De strudel. O pai reflecte

E diz como lhe compete:


- ”Não tem o strudel a forma,

A espessura que o conforma,


A consistência daquele

Comer chamado strudel?”


- ”Tem” - o moço lhe confirma.

- ”E a canela não se afirma


Nele como no strudel?”

- ”Sabe a canela como ele.”


- ”Tem dentro maçãs cozidas,

Tal um strudel, bem medidas?”


- ”Sim” - o filho lhe responde.

- ”Se todos os pontos onde


O comparar com strudel

É tal e qual como ele


Porque havia de o chamar

Dum outro modo, em lugar?”



Buracos


Nasredim muito ocupado

Num campo anda a abrir buracos.

No fundo dispõe uns nacos

De queijo e com mui cuidado

Logo os fecha muito bem.

Um amigo que lá vem


Pergunta-lhe porque aquilo

Ele andava ali fazendo.

- ”Abro buracos. Defendo

Que apanho ratos, tranquilo,

Só com este estratagema.”

- ”Como assim?! Isso é um poema...”


- ”Atraído pelo cheiro

Do queijo, o rato se inclina,

Funga e entra, é dele a sina,

Para o buraco, lampeiro.”

- “E porque os fechas então?”

- ”É para que os ratos não


Possam voltar a sair,

Uma vez dentro ao cair.”



Espelho


Um homem há um bom pedaço

Estava perante o espelho:

Fecha os olhos. De embaraço,

Pede a mulher um conselho:


- ”Que é que fazes tu, de pé,

Ante o espelho aí plantado?

Porque estás de olho fechado?”

- ”Eu quero ver como é que é:

Como é que eu sou a seguir

Quando estiver a dormir.”



Brasil


Em S. Paulo, no Brasil,

Recebe um italiano

Um amigo: -”Não refile,

Não conduzo por engano.

Meu cunhado é motorista,

Ele é que me deu a pista.


Não se inquiete, já que eu faço

Tal como ele me ensinou:

Ao sinal vermelho, esgaço,

Melhor, acelero e voo.

É que, se não corro assim,

Qualquer ladrão vem a mim.”


Com efeito, noite fora,

O brasileiro ultrapassa

Sinais vermelhos agora.

O italiano se embaça,

Do carro preso ao assento,

Quase aterrado do intento.


De súbito, ao sinal verde,

Logo o brasileiro estaca,

Quase a chiar travões perde.

- ”Que se passa?” - o outro ataca. -

“No sinal verde paraste,

Não há um ladrão que te arraste?”


- Ӄ que pode do outro lado

Vir chegando o meu cunhado.”



Capelista


Nasredim foi capelista,

Anotava as encomendas

Guardando o lápis à vista

No turbante, após as vendas.


- ”Porque o pões atrás da orelha?” -

Diz-lhe um cliente que sai.

- ”O nariz não o aconselha,

Se o lá puser, ele cai.”



Passeio


Dois homens vão a passeio,

Leva guarda-chuva um deles.

Começa a chover a meio.

Já chuva lhes pinga as peles

E o homem não quer abrir

O guarda-chuva, a seguir.


Pergunta o outro porquê.

- ”Não serviria de nada” -

Diz o amigo, de boa-fé. -

“Cobertura esburacada...”

- ”Então porque trouxeste esse?”

- ”Nunca pensei que chovesse.”



Analfabeto


Um homem analfabeto

Vem pedir a Nasredim

Que carta escreva, correcto,

A Istambul, que a manda assim.


- ”Não posso! Bem gostaria...” -

Diz-lhe Nasredim em troca.

- ”Porquê?” - ”Porque todo o dia,

Calçado com esta soca,


Muito me doem os pés.”

- ”Mas escreves tu com eles?!”

- ”Não, mas sofro dum revés:

A escrita a que tu apeles


Em minha caligrafia

É tão má que até Istambul

De caminhar eu teria,

Cruzando de norte a sul,


Para ler ao teu amigo

A carta que não consigo.”



Disparatadas



Perguntas disparatadas

Faziam a Nasredim,

De longe até disparadas

Para ouvir dele algo enfim.


- ”Quantas patas de rã são

Para ir daqui à Lua?”

-”Uma só,” - diz o truão -

“Mas bem mais longa que a tua.”



Banana


Num restaurante, no Irão,

Ao meditar sobre o mal,

Um cliente pede então

Uma banana mais sal.


Salga cuidadosamente

A banana e deita-a fora.

- ”Porquê?” - dizem ao cliente

Circunstantes, sem demora.


- ”Porque odeio nas entradas

Quaisquer bananas salgadas.”



Rússia


Na Rússia o judeu Mendel

Pegou no cesto e o abriu,

No regaço e sobre a pele

Uma toalha estendeu


E, sob os olhos atentos

Dos parceiros de viagem,

Pega na faca e em momentos

Corta um frango sem paragem.


A seguir descasca um ovo,

Batatas e beterraba,

E um pouco de azeite novo

Acrescenta e não acaba:


Cebola, sal e mostarda,

Mais um raminho de salsa...

Fica o efeito a olhar, não tarda,

Mas logo sob os pés se alça,


Abre a janela ao comboio

E atira tudo lá fora.

Dúvida a um parceiro mói-o,

Pergunta-lhe, não demora:


- ”Mas que acaba de fazer?!”

- ”Frango em salada judia.”

- ”Joga-a fora sem comer?!”

- ”É que não há, juraria,


Coisa que eu deteste mais

Neste mundo que a salada

Judia de frango. Tais

As razões. E ei-la enjeitada.”



Tempo


Anda um grupo a passear

E pergunta a Nasredim:

- ”Quanto tempo vai levar

Da aldeia até ao confim?”


- ”Andem!” - disse-lhes. - ”Mas quanto?”

- ”Andem” - repete. Mais nada

Retiram dele. Entretanto,

Fazem-se lestos à estrada.


E meia hora mais tarde

Chegam ao lugar seguinte.

Ouvem passos com alarde

A correr, tal por acinte.


Nasredim vêem agora,

Sem fôlego, a parar junto.

- ”Demora uma meia hora.”

- ”Porque não falou do assunto?”


- ”Porque antes eu não sabia

Qual era a velocidade

A que o grupo seguiria.

Ou isto não é verdade?”



Fumar


Certa noite, Nasredim

Tem vontade de fumar.

Não consegue afugentar

Tal desejo. Então, assim,


À pressa se levantou,

Bate à porta do vizinho

Que pergunta, de mansinho,

Mui depois que o acordou:


- ”Que queres?” - ”Tenho vontade

Muito horrível de fumar.

Não tens fogo no teu lar?”

- ”Fogo?!” - ”Sim.” - ”Vens de verdade


Acordar-me em plena noite

Pedindo fogo e na mão

Tens aceso um lampião?!”

- ”Busco quem o lume acoite.


Vê se mui alto não gritas,

Que o apagas, acreditas?”



Filho


Nasredim, com convidados,

Manda o filho comprar chá:

- ”Depressa, pés despachados!”

Vai o filho a correr já.


Retorna muito mais tarde

A arrastar os pés de sorna,

Quando lume nenhum arde,

De vez já perdida a jorna.


Repreende-o, furioso,

O pai: - ”Eu disse depressa!”

- ”Mas não disseste, é curioso,

Nada a quando se regressa...”



Quântico


Niels Bohr, o quântico físico,

Em Tisvild conhecia,

Na casa de campo um tísico

Com uma ancestral mania:

Mantinha uma ferradura

Por cima da porta escura.


- Ӄs mesmo supersticioso?

Acreditas de verdade

Que a ferradura traz gozo,

Vai trazer felicidade?”

- ”Claro que não” - responde ele. -

“Porém parece que aquele


Ferro resulta se o fite

Mesmo quem não acredite...”



Suíça


Durante a guerra voavam

Sobre a Suíça os ingleses

Enquanto bombardeavam

A Itália múltiplas vezes.


Da bateria suíça

O comandante chamou

Um piloto que na liça

Sobre ele alto sobrevoou..


- ”Você acaba de entrar

Em suíço território.”

- ”Eu sei “ - diz o inglês lá do ar.

- ”Se de imediato este inglório


Voo não voltar atrás,

Então terei de abrir fogo.”

- ”Eu sei” - torna o inglês, veraz,

E em rota nem liga ao rogo.


A bateria dispara

Durante vários minutos,

Nem a recarregar pára.

- ”Do vosso fogo os produtos


Estão cem metros abaixo” -

Diz o inglês, calmo e castiço.

- ”Eu sei” - responde-lhe, baixo,

O comandante suíço.


















4


Ao Serão de Quarta-feira
































Naftali


Naftali, mestre judeu,

Estava a ralhar um dia

A um filho que o mal fez seu,

De idade em dez anos ia.


- ”O que tu fizeste não

Está mesmo nada bem.”

- ”Que fazer na ocasião,” -

O petiz mal se contém -


“Se empurra o instinto do mal?...

Foi bem mais forte do que eu.”

- ”Pois” - diz o pai - “faz igual,

O mal como mal agiu,


Faz tu bem tal deve ser.

Ao menos imita-o nisso.”

- ”É verdade, é o que se quer,

Só que ele não tem o enguiço


Que nós temos, por sinal,

E no pior momento vem:

Não tem o instinto do mal

Que obrigue a fazer o bem.”



Água


Um fio de água corrente

De Mohammed Aslam à porta

Lhe murmura permanente.


Nunca lhe o desejo importa

Que tem sempre de a provar,

Não lhe toca porque, exorta,


Decerto pertence a um lar.

O desejo foi mais forte

Um dia, ao se refrescar.


Mas Aslam não perde o norte,

Tira de seu próprio poço

De água a bilha de transporte,


Do rego a despeja ao fosso.

A seguir encheu a bilha

De regato neste esboço,


Com consciência ergue a vasilha,

Bebe em paz, refeito moço:

Ninguém vê que água partilha.



Bassorá


Um homem de Bassorá

Na Idade Média decide

Que há-de ver, ou cá ou lá,

Custe o custo a que convide,

Do mundo o fim que haverá.


Teria ouvido falar

Por filósofos e poetas

Que o fim do mundo é um lugar

Onde viajantes estetas

Do abismo vão se acercar


No fundo do qual, uivantes,

Correrão rios ferventes.

Vendeu os bens todos dantes,

Comprou camelos correntes,

De guarda armada e garantes


Se rodeou e de comida

Em bastante quantidade,

Partindo então, de seguida,

Numa noite em que a cidade

Via a Lua Cheia erguida,


A aproveitar a frescura

E a nocturna claridade.

Caminhou à desmesura

Sempre a leste, que, em verdade

Era onde há o fim que procura.


Trocou camelos por mulas,

Para atravessar montanhas.

E por camelos com gulas

De águas em oásis tamanhas

Quando por China além bulas.


Cruzou rios e cidades,

Embarcou num barco à vela,

Do oceano imensidades

Transpondo a olhar uma estrela,

Choca em perigosidades,


Aventuras tenebrosas,

Alguns guarda-costas perde.

Chega à América e frondosas

São gentes, paisagem verde,

Pirâmides fabulosas

Feitas por quem nem o ferro

Afinal conheceria.

À doença, traição, erro,

A custo sobrevivia.

Viu pinguins longe, no aterro,


Que por humanos tomou.

Atravessou noutro barco

Outro mar que o balançou,

Que quase o atirou ao charco,

Mas a Europa alcançou.


De terra em terra fugiu

Escapando a locais guerras

Que então, de fio a pavio,

Devastam campos e serras

De Espanha aos Balcãs, no ousio.


Chega ao fim a volta ao mundo,

Quatro anos de provações,

O arredor atinge, imundo,

De Bassorá, seus brasões,

Donde partira jucundo.


Reconheceu a paisagem

Bem familiar da infância.

Na cidade finda a viagem,

Busca o bairro, a casa, em ânsia,

O irmão busca com coragem.


Viu-o no mesmo lugar

Onde o houvera deixado,

A meia-noite ao soar.

- ”Do mundo o fim avistado

Houveste, acaso, ao calhar?”


- ”Não vi nada semelhante.

Cavalguei e naveguei

E eis que me encontro perante

O lugar donde arranquei.

Dilema decepcionante,


É tal se nem viajado,

Saído do mesmo sítio

Houvera para algum lado.

Todo o meu percurso, dite-o

Embora, eis que tu sentado


Estás bem à minha frente

No teu lugar. Que serviu

Tanto esforço? De repente,

Que nada mudou se viu.”


- ”Engano!” - comenta, ausente,


O irmão. - ”Pois algo mudou.”

- ”Então o quê?” - ”Olha!” - estende

O dedo à Lua que achou

Cheia à partida e que rende

Um quarto, ora que chegou.


- ”Mudou a Lua” - lhe diz.

- ”Não mudou por minha causa,

Muda sempre de cariz,

A viagem não lhe impôs pausa.”

- ”Não disse tal, o que fiz


Foi apontar-lhe a mudança.

Tu parado, em movimento,

Pouco importa, o que ela alcança

É que muda a seu contento.

Não podes, após tal dança,


Dizer que é tudo como antes.”

Fica o viajante a pensar

E após diz, de olhos brilhantes:

- ”Como antes anda a mudar!”

E o outro, após uns instantes:

- ”Ainda está por provar.”



Chofar


Um judeu testemunhar

Foi perante um juiz russo.

Pergunta-lhe hora e lugar

Do evento, a coçar o buço.


- ”Foi quando o chofar tocou” -

Lhe retrucou o judeu.

- ”Que é um chofar?” - lhe perguntou.

- ”É um chofar!” - lhe respondeu.


O chofar é um instrumento

Feito em corno de carneiro

Que é tocado no momento

Dumas festas, o ano inteiro.


- ”Se não dizes de imediato

O que é um chofar” - diz o juiz -

“Na prisão é o seguinte acto

Em que tombas por um triz!”


- ”Um chofar é uma corneta.”

- ”Porque não disseste logo,

Sem que ameaças cometa?

É tudo arrancado a rogo!”


E o judeu, fincado à meta:

- ”Porque não é uma corneta!”



Faminto


Um faminto caminhava

Só e perdido no deserto.

Só com pão quente sonhava,

Ovo fresco, azeite perto.


A meio da noite chega

A um acampamento em hora

Em que um ladrão escorrega

Com os roubos, indo embora.


Ora, os donos acordaram,

Tomaram o vagabundo

Pelo ladrão que assustaram.

Cem bastonadas no imundo


Dão antes de descobrir

Que se haviam enganado.

Pois desculpam-se a seguir,

Põem-no bem alimentado


De ovos frescos e pão quente,

Mesmo até dum bom azeite.

Matou a fome, contente.

Semanas após o aceite,


Fatigado e esfomeado

Chega a um outro acampamento.

Viram-no tão esgalgado

Da fome pelo tormento


Que lhe ofertam de comer.

- ”Aceito” - diz às guinadas. -

“Contudo quero sofrer

Primeiro as cem bastonadas.”



Chammai


Uma das mais rigorosas

Das escolas do Talmude,

A de Chammai, diz que gozas

De divórcio, já, em virtude

De a mulher só um cozinhado

Haver mal confeccionado.


Um jovem questiona um dia,

Então, célebre rabino:

- ”Mas quem é que aceitaria

Tal coisa como destino?

Que haja a divórcio direito

Por tal razão tãosem jeito?”


- ”Não percebes nada, a frase

É escrita a bem da mulher,

É uma defesa de base.”

- ”Não estou a compreender...”

- ”Quando um homem estiver

Disposto a largar mulher


Por uma razão tão fútil,

A mulher deve feliz

Sentir-se, de isto ser útil

A se livrar do cariz

Dum homem tal, tão sem jeito

Que o divórcio é um bom preceito.”



Buraco


Um dia, de manhã cedo,

Nasredim cava um buraco

Nas hortas. Logo, num credo,

Enche-o de pedras e caco.


Olha então à sua frente

O monte de terra e cava

Outro buraco onde tente

A terra enfiar que sobrava.


Um vizinho fica a olhar,

Espantado com tal acto.

Nasredim, suor a limpar,

A pensar põe-se, pacato.


- ”Que vais fazer do segundo

Monte de terra cavado?

É num terceiro mais fundo

Buraco que tens pensado?!”


- ”Pára aí!” - diz Nasredim. -

“Não há tempo nem num ano

De explicar até ao fim

O pormenor do meu plano.”



Fumar


Um amigo alguém encontra

Que dois cigarros fumando

Juntos está, como a montra

Das marcas que anda queimando.


-”Eu por mim um vou fumando

E outro pelo meu cunhado

Que não pode fumar quando

Hoje é um hospitalizado.”


Uma semana mais tarde

Voltam a encontrar-se os dois.

No amigo um só cigarro arde

E o porquê quer o outro, pois.


- ”Este é pelo meu cunhado,

Continua no hospital.

Eu, entretanto, hei deixado

Já de fumar, por sinal.”



Soviético


No regime soviético,

Dois oficiais frente a frente.

Um pergunta ao outro, céptico,

A pergunta mais urgente:


- ”Que pensas tu do regime?”

- ”O mesmo que tu, solerte.”

- ”Nesse caso, convenci-me,

O meu dever é prender-te.”



Cruel


Um cruel governador

Pilhava, aterrorizava

Do Império Otomano um ror,

Nas terras que governava,


Doutro governador filho,

Que, por sua vez, bem duro

Com o povo foi, rastilho

Da fereza que hoje apuro.


A divisa parecia

A de que o poder é feito

Para abusar cada dia

Dele a torto e a direito.


Ora, um dervixe vestido

Muito desgraçadamente,

De santidade investido,

Noite e dia, permanente,


Anda ao acaso das ruas

Apregoando, convicto,

Mil insanidades cruas,

Ao que crê qualquer perito:


- ”Viva o governador, viva!

Que ao governador Alá

Dê vida longa e festiva!”

Ao dervixe faz que vá


Alguém mui prudentemente

Murmurar: - ”Porque ao tirano

Desejas longa e decente

Vida um ano atrás dum ano?”


- ”Porque o pai dele era mau

E ele ainda é pior.”

- ”Não entendo. O varapau

É que era de se lhe impor...”


- ”Pois então pensa um bocado:

Se nos livrarmos daquele,

Que desgraças, por seu lado,

Nos traria o filho dele?”



Selos


Numa estação de correios

Da caída União Soviética

Protesta alguém, sem rodeios,

Ante a empregada, com ética:


- ”Camarada, os novos selos

Com a efígie de Lenine

Não colam nunca: os meus zelos

Não resultam. Que os define?”


Com ar de enfado, a sorrir

Diz o balcão de bem perto:

- ”Vê. Não estás a cuspir,

A cuspir do lado certo...”



Húngaro


Um húngaro no hospital

Dos olhos e dos ouvidos

Quer o serviço que igual

Os trata nos ofendidos.


O soviético legado

Diz: - ”São dois departamentos,

O dos olhos é dum lado,

Doutro, os ouvidos.” Momentos


Após diz o paciente:

- ”Então tenho de ir aos dois.”

- ”Porquê?” - ”Vê que estou doente,

De quê não entendo, pois,


De algum tempo a esta parte,

E eu bem descanso e retoiço,

Meus sentidos vão destarte:

Eu não vejo aquilo que oiço...”



Inadequado


Um poder inadequado,

Inoperante seguia,

Lenine, Estaline ao lado,

Krustchev e Brejnev à guia,


Todos no mesmo comboio

E, de repente, este pára.

Diz Lenine (a espera mói-o),

Quando naquilo repara:


- ”Chamem especializados

Engenheiros do lugar

E que sejam despachados

O comboio a reparar.”


Chamaram os engenheiros,

Meteram mãos ao trabalho,

Mas nem saber nem dinheiros

Mexem um comboio falho.


Estaline berra então:

- ”Fuzilem os engenheiros

E o maquinista que é vão,

Também, já agora, os fogueiros!”


Obedecem-lhe, mas fica

O comboio ali parado.

Krustchev é após quem se aplica

A rever o destinado:


- ”É fácil, há que arranjar

Engenheiros, maquinistas,

Fogueiros para o lugar.”

É o que fazem pelas listas,


Mas o trem mantém-se ali

Paralisado de vez.

Então Brejnev sorri,

Olhando-os nos canapés:


- ”Camaradas, as cortinas

Fechemos e faz de conta

Que o trem corre nas colinas

Normalmente, ponta a ponta.”



Ditador


Como em qualquer ditadura,

O ditador quer feliz

O povo. Um disfarce apura

A ver o que o povo diz.


A um vendedor ambulante

Pergunta-lhe o que é que pensa

Do querido governante

Que ao país lavra a sentença.


Diz o homem: - ”Que mudança!

Até que enfim temos quem

Se preocupa. O povo dança!

Há escolas como convém,


Hospitais, públicos banhos,

Até justos tribunais.

E os ricos, hoje, em rebanhos,

Seguem exemplos que tais.


De repente, o mundo inteiro

Nos respeita e nos inveja.

Deus deu-nos guia e sendeiro,

Não há melhor que se veja.”


O governante, encantado,

Revelou-se e ao ambulante

Vendedor diz num trinado:

- ”Sou eu o chefe brilhante.


A agradecer-te a franqueza,

Pede-me o que tu quiseres,

Que te é dado de certeza.”

- ”Sim?!” - “São os meus afazeres.”


- ”Então concede-me um visto

Para eu poder do nicho

Fugir que é, desde que existo,

Todo este país de lixo.”



Imperador


Um imperador que tinha

Poder absoluto em tudo

Ouve que alguém adivinha,

Por trás de qualquer escudo


Todo o segredo do mundo.

Dos animais entendia

Da língua o selo fecundo,

Nas nuvens mensagens lia,


Decifra o código ao vento,

Às ondas do mar também,

Diz dos trovões qual o intento,

Com animais fala tem.


Até mesmo o pensamento

Em funda mente escondido

Lia a qualquer elemento

Que lhe houvera tal pedido.


O imperador manda-o vir.

Mal ele se perfilou,

Pôs-lhe questões a seguir:

- ”É vero o que aqui chegou?”


Ele respondeu que sim,

Que entende quaisquer sinais

Que a terra ofertar por fim,

Que os interpreta tais quais.


- ”Ouve,” - diz-lhe o imperador -

“Fechado nas minhas mãos

Tenho um pássaro cantor.

Vivo ou morto? Ou serão vãos


Teus esforços desde agora?”

O homem silenciou,

Reflectia sem demora:

Se morto o disser, o voo


O imperadorsoltará;

Mas, se disser que está vivo,

Logo ele esmagá-lo irá.

- ”Então? Isto é muito esquivo?”


Pensa um pouco mais na aposta

E diz, para todos verem:

- ”Pois, majestade, a resposta

É a que as tuas mãos quiserem.”



Chinês


I

Um soberano chinês

Que vivia junto a um lago

Um belo junco uma vez

Mandou montar. Tudo pago,


São madeiras preciosas,

A maior parte, lacadas,

Velas e cordame, grosas

De oiro e prata polvilhadas,


Esculturas, ornamentos

De bronze, de incrustações

De madrepérola aos centos.

Uma vez pronto às funções,


Manda o rei lançá-lo às águas.

Começa o junco a vogar

E o rei vai curar as mágoas

Margem fora a cavalgar.


Muito quilómetro além,

Voltam o rei e o cortejo,

Bem como o barco, também,

De vez cumprido o desejo.


II

Uns dias depois tornaram

O caminho a refazer

Com olhos que se extasiaram

De tal junco poder ver.


E nas semanas seguintes

O mesmo se repetiu.

O irmão do rei tais requintes

Estranhou e lhe inquiriu:


- ”Porque não trepas a bordo?

É o melhor junco do mundo,

O mais belo, estou de acordo,

Mas só em terra o vês jucundo?”


O rei responde ao irmão:

- Ӄ de facto muito belo.

Mas, se dele piso o chão,

Como então fruirei de vê-lo?”


III

Mas, ante a pressão constante,

A bordo o rei trepa um dia

Com a corte hilariante

No junco de fantasia.


Largam amarras e o barco

Lento se alonga em viagem.

Olha o rei ao mundo parco

Correndo olhos na paisagem:


Nada de novo lhe traz,

Montes, bosques conhecidos...

Até o irmão, muito atrás,

A acenar, braços erguidos.


De repente, nuvens vêm,

A ventania soprou

Sobre o lago ali refém

Que logo se encapelou.


O junco cerimonial

Era pesado e não tinha

Como resistir a tal

Furacão como convinha.


Partiu-se, desintegrou-se,

Alguns marinheiros tentam

Nadar, o mais afundou-se

Com o rei. Todos lamentam...


O irmão, que há meses se ferra

Na viagem, cão sem dono,

Esperto ficara em terra:

- Então subiu logo ao trono!



Ásia


Na central Ásia um esperto

Conseguiu entrar um dia

Do xeque no paço aberto

E o cavalo logo avia


Tal como se fora em casa:

Lesto pensou a montada

E a arrumar nada o atrasa

Os bens logo de assentada.


Estendeu-se e adormeceu.

Os guardas, muito espantados

Da atitude do sandeu,

Quiseram, pois, destes lados


Expulsá-lo como intruso.

Mas como era muito forte,

O à-vontede, fora de uso,

Hesitaram com tal porte,


Preferem notificar

Quem lhes é superior.

O intendente do lugar,

Depois um alto senhor,


Mesmo um ministro vieram

Com ele parlamentar,

Que as atitudes dele eram

Um enigma singular.


Tudo em vão. Diz que partia

Quando o momento chegasse.

E pediu a simpatia

Dum sono que o sossegasse.


Tanto em volta comentavam

Que chega ao governador.

Este viu que é que pensavam,

Manda chamar o impostor.


O homem, de mau humor

De o sono lhe interromperem,

Chega após de tempo um ror.

- ”Porque sem to concederem


Deitas no chão a dormir?”

- ”Porque é um caravanserai.

Fiz como quem quiser ir

A uma hospedaria e vai.”


- ”Caravanserai aqui?!

Palácio do imperador

É o que pisas, ai de ti!”

- ”E a quem pertence, senhor?”


- ”A quem queres que pertença?

A mim, claro, é o meu palácio!”

- ”E antes de quem era tença?”

- ”De meu pai, que o céu agrace-o!”


- ”E antes? - ”Ao pai de meu pai.”

O homem, por um momento

Em silêncio fundo cai.

Todos observam o evento.


- ”E antes do pai de teu pai,

A quem é que pertencia?”

- ”Ao pai dele.” - ”E antes?” - ”Ai,

Ao pai do pai, esta é a via.”


- ”E dizes que isto não é

Um caravanserai mesmo?

A entrar e a sair de ao pé

É só gente, gente a esmo!...”



Iraque


Durante a guerra do Iraque

Saddam Hussein procuram

Por todo o canto em destaque:

Só fumos se configuram.


Diversos sósias havia

Que sempre ele utilizava

Quando bem lhe parecia.

Um dia alguém os chamava


Secretamente. Hoje diz:

-”Tenho a boa e a má notícia.

Começo com que cariz?”

- ”Boa, que não faz sevícia.”


- ”Muito bem: Saddam é vivo.”

São mil gritos de alegria

Ao anúncio, um bom motivo.

- ”Mas a má que noticia?” -


É um sósia, quer sorte eterna...

- ”Ele perdeu já uma perna.”



Akbar


Akbar era o imperador

Pela generosidade

Famoso, dado o pendor

De aos ascetas com vontade


Favorecer lautamente.

Um destes que, num casebre

Vive miseravelmente

E gostaria com febre


De algo ter para auxiliar

Quem venha pedir-lhe ajuda,

Decidiu apresentar

Petição que o não iluda.


Chegou junto do monarca

Quando ele estava a rezar

E viu que não era parca

A petição no lugar:


- ”Dá-me, senhor, territórios,

Mais recursos, mais riquezas...”

Metido em seus envoltórios,

O asceta nem quis mais rezas,


Tenta logo, de imediato,

Abandonar tal espaço.

Mas o imperador, pacato,

Acena, toma-lhe o passo.


- ”Vieste ver-me?” - ”Sim.” - ”E embora

Ias sem me ter falado?”

- ”Vinha pedir, mas agora...”

- ”E então?” - ”Tendo reparado,


Vi que és tu próprio mendigo...

Prefiro ir ao meu abrigo.”



Ego


Tento-lhes olhar os olhos,

Todos têm ar altivo,

Orgulho a franzir sobrolhos,

Ego activado, incisivo.


Dirão: - ”Sou mais importante

Porque eu é que estou aqui.”

Com que objectivo adiante,

De que serve o frenesi?


- ”Para ser melhor que os mais” -

Dirá o ego. E para quê?

- ”Conforto como jamais

E uma segurança até


De que nenhum mal advém.”

Mas porquê ficar seguro?

- ”Para não sofrer também.”

Mas para quê tanto apuro


Se é só para não sofrer?

- ”Porque, de contrário, dói.”

Orgulho então e poder

São defesas do que mói?


- ”Claro, que a minha função

Foi sempre afastar a dor.”

E se eu tombar neste chão

Vazio mas com um ror


De orgulho e em busca insistente

De poder, isto não vai,

A prazo, uma dor crescente

Provocar-me, onde não cai


Quem humilde for deveras

E com os céus conectado?

- ”Agora, não noutras eras,

Não te dói em nenhum lado.


Só me ocupo com o agora.

Depois, logo se verá...”

E o ego todo se enflora

Sobre a tumba onde ele está.



Polónia


Nos tempos do comunismo,

Na Polónia se contava,

Medindo em dureza o abismo,

Que num grupo se encontrava

O americano, o francês

Com um polaco, eram três.


Alguém lhes perguntaria:

- ”Tocam às três da manhã

À porta. Que é que seria?”

Logo, o americano: - ”É vã

Mais alguma expectativa.

É o meu banqueiro: - 'Ora viva!


Eu nem pude esperar mais:

Suas acções japonesas

Tiveram subidas tais

Que a uma fortuna estão presas!'”

Depois o francês responde:

- ”Olho à porta para onde


Me aguarda uma rapariga

De pouca roupa vestida

Que me diz, sorrindo à intriga:

- 'Há tanto que em minha lida

Desejava conhecê-lo!

Posso entrar um pouco e vê-lo?'”


Ante a pergunta, o polaco

Reflecte um instante e diz:

- “Abri apenas um naco,

Vejo três, de mau cariz,

Roupa escura e de chapéu.

Murmura um deles, do breu:


- 'Daniel Poltarsky é o senhor?'

- 'Não! Ao fim do corredor...'”



Checoslováquia


Checoslováquia invadida

Pelo Pacto de Varsóvia.

Entra um checo de corrida

Na polícia, razão óbvia:


- ”Comissário! Comissário!

Venha, um soldado suíço

Roubou, grande salafrário,

Meu relógio russo. Enguiço!”


- ”Espera aí! Quer dizer:

Soldado russo roubou

Relógio suíço, é de ver...”

Logo o homem exclamou:


- ”Pois o senhor é que disse,

Não eu! Não quero chatice!”



China


De receber uma oferta

Acaba um rei de oriente:

Um manto. A costura acerta

Fio de oiro e prata, assente


Entre pedras preciosas.

Era um sinal de amizade

Do imperador que às formosas

Regiões da China agrade.


O rei vestiu-o, se admira

A um grande espelho e pergunta

A Nasredim que o lá mira:

- ”Quanto valho? Tudo junta!”


Nasredim examinou

Longamente o vestuário,

Um caderno retirou,

Faz um cálculo sumário:


- ”Vales quinhentas moedas!”

- ”Quinhentas?! Nem penses nisso!

Só o manto, com estas sedas,

Isso vale. E o meu feitiço?...”


- ”É verdade, ó grande rei.

Quando perguntaste quanto,

Entendi, tudo somei:

Só vale o valor do manto!”



Rússia


Na Rússia do comunismo

Fala em aula um professor

Muito acerca de humanismo.

Um petiz perguntador


Levanta a mão, questionou:

- ”Mas humanismo é o quê?”

O mestre pensou, pensou

E depois conta-lhe ao pé:


- ”De manhã, Lenine ergueu-se,

Vai fazer a barba ao rio.

É no campo. Então muniu-se

De sabão, navalha e, ao frio,


Vai a um regato ali perto.

Senta e põe-se a barbear.

Uma menina, num certo

Momento, o vem contemplar.


Quando finda, ela pergunta:

-'Que é que estiveste a fazer?'

Lenine apenas assunta:

- 'A barba, como quenquer.'”


Era de humanismo o exemplo.

Fica a turma mui perplexa,

Tudo mudo como um templo.

Porém, o petiz indexa:


- ”Mas, professor, porque é que isto

É um exemplo de humanismo?!”

- ”Ai valha-me o Santo Cristo!

Desgraçado, olha o abismo:


Lenine tinha a navalha!

Podia ter degolado

Num instante, como palha,

A moça que lhe há falado!”



Estaline


Estaline, o ditador,

Envelhecido, uma escolha

Quer fazer do sucessor

Que os loiros todos recolha.


Malenkov e Bulganine

Para junto dele chama.

Cada qual quer que examine

Aves que em gaiola aclama.


Nelas os mandou pegar.

Bulganine pega numa

Mas, de tanto medo a par,

Demais a aperta e, em suma,


Finda matando tal ave.

Estaline, descontente,

Mostra na cara que é grave.

Malenkov então, tremente,


Pega na mão a segunda.

Não quer o erro repetir,

De mão mole, o espaço abunda

E eis o pássaro a fugir.


Pega Estaline o terceiro,

Diz aos outros: - ”Olhem bem!”

Mui delicado e ligeiro,

Pega as patas ao refém,


E uma a uma, lentamente,

Arranca-lhe as penas todas.

Depenado, o inocente

Na mão se aconchega, às rodas.


Diz Estaline: - ”Estão vendo?

Para mais ainda está grato

Do calor que vai sorvendo

De minha mão este rato.”



França


Ao rei Luís XI de França

Vira um criado um piolho

Do manto a passear na trança.

Levantou a mão e o olho


Ao rei a dar a entender

Que ia prestar-lhe um serviço.

O rei se achegou a ver,

O outro o livra logo disso,


Tira o piolho e deita-o fora.

Quando o rei lhe perguntou,

Tal homem quase que chora

Vergonha e medo. E contou.


- ”Ainda bem” - disse-lhe o rei. -

“É um presságio bem feliz,

Pois que, tanto quanto sei,

Tal bicheza sempre quis


Homens jovens atacar.

O que quer dizer então

Que homem sou e novo, a par.”

Qurenta coroas dão


De presente a tal criado.

Mais tarde um oportunista

Fez menção de ter tirado

Algo à roupa que o rei vista.


O rei perguntou o que era.

Com algumas reticências

Simuladas e uma espera

Informou das evidências:


- ”Há pulgas na real roupagem.”

Uma de lá retirara.

- ”Tomas-me por um cão?! Pagem,

Que é que melhor lhe assentara?


De começo, como entrada,

São quarenta bastonadas.”



Samarcanda


Tamerlão, em Samarcanda,

Ia à cabeça das tropas.

Aos portões da cidade anda

Um mendigo com que topas

A estender ali a mão,

Esfarrapado, no chão.


Vendo-o, o tirano o mandou

Decapitar de imediato.

De pronto se executou

Aquele arbitrário acto.

Diz Nasredim: -”Afinal,

Porquê ordem tão brutal?


O mendigo nem havia

Sequer mostrado arrogância

Perante quem lá seguia...

De risco não era instância.”


- ”É verdade” - é Tamerlão

Quem o diz. - ”Mas,como parto

Em campanha este verão,

É mau presságio. Estou farto.”

Mais adiante Nasredim

Murmurava então assim:


- ”Não sei bem a qual dos dois

Um deles pressagiou, pois.”



Tchao-Tchéu


Aos alunos que queriam

Saber de que material

Uma estátua deveriam

Fazer de Buda, afinal,

Para se prostrar ante ela,

Tchao-Tchéu disse, na sequela:


- ”Seja o que for, barro não.”

- ”Porquê” - ”De estátuas de barro

Só se engalana um verão.

À primeira chuva esbarro

Nelas desfeitas, que agoiro!”

- ”Faremos uma então de oiro?”


- ”Logo o fogo a derretia...”

-”De madeira?” - ”Também não,

Que um incêndio a queima um dia...”

Os discípulos então

Entendem que ele não quer

Nenhuma estátua que houver.


E por aí se ficaram,

Ao sábio se conformaram.



Testemunha


Num negócio de carneiros

Um tratante desonesto

Diz que dez vendeu lampeiros

A um vizinho que, de resto,

Só de cinco lhe pagara

Dos dez com que contratara.


O vizinho a Nasredim

Pede, em sinal de amizade,

Que testemunhe, por fim,

Por ele. Vê se o persuade.

- ”Todavia, eu não sei nada

De tal negócio, de entrada.”


- ”Não tem importância alguma.

Tu só terás de jurar

Que é vero o que digo, em suma.

É simples testemunhar.

Se litígios tens aí,

O mesmo eu farei por ti.”


O cadi, no dia certo,

Convocou as duas partes

E as testemunhas do acerto.

A Nasredim, sem apartes,

Pergunta a dado momento:

- ”Confirmas este elemento,


Que o teu vizinho pagou

Ao marchante de carneiros

Os dez mesmo que comprou,

Todos e não só os primeiros?”

- ”Por Alá que o eu confirmo.

E o vendedor mesmo afirmo


Que até umas pauladas deu

Ao meu amigo, a tal ponto

Que uma perna lhe partiu.”

- ”O quê?! Não estarás tonto?

Ninguém falou de pauladas,

São furto as questões tratadas!”


- ”E acrescento que esse infame -

Continua Nasredim -

“Ouvi que, ao bater, lhe chame

Mil blasfémias, um sem fim,

Que jamais me é permitido

Aqui ouvir repetido.”


- ”É muito grave o que contas” -

Observava-lhe o cadi. -

“Cuidado com o que apontas,

Pode acontecer-te a ti,

Se não contas a verdade,

Coisa que nunca te agrade.”


- ”Eu não tenho nada a ver,

Mesmo nada com verdade.

Vieram-me aqui trazer

Apenas na qualidade,

Que o que apontei bem realça,

Duma testemunha falsa.”



Condenado


Um homem foi condenado

De prisão perpétua à pena.

Um amigo dedicado

Lamenta a quanto o condena:


- ”É mesmo horrível, já viste?

Toda a vida na prisão!”

- ”Não é quanto em mim existe,

Estás enganado, não!


O melhor desta demora

É que é só a partir de agora.”



Shiraz


Nasredim foi contratado

No tribunal de Shiraz,

Num Irão desgovernado.

Ver quem é e que é que o traz

Ante qualquer visitante

É a função que tem diante.


Apresentou-se-lhe um dia

Um homem que lhe pediu

Se ao juiz falar podia

Principal que lá existiu.

- ”Isso não vai ser possível” -

Diz Nasredim, impassível.


- ”Mas porquê?” - ”Porque ele está

Agora num julgamento.”

- ”E quanto é que durará?

Não sai a qualquer momento?”

- ”Depende: se ele é julgado

Ou não é como culpado.”



Afeganistão


Hodja, no Afeganistão,

Foi ao rei pedir um cargo,

Um rendoso até mais não.

O rei não quer pôr-lhe embargo:


- ”Que cargo desejas tu?”

- ”Um de teus ministros ser,

Do petróleo, sem tabu.”

- ”Do petróleo?! Hás-de saber


Que não há petróleo algum...”

- ”E daí? Que é que isso enguiça?

Não tens por lá também um

Que é Ministro da Justiça?”



Salomão


Salomão vai à prisão,

Chama os presos um a um

E, a cada, pergunta então

Se cometeu crime algum.


E todos a responder:

- ”Qual o quê? Eu não fiz nada!

Agora um crime qualquer!

A sentença está enganada,


Sou vítima de injustiça!”

Mas o rei não acredita,

Adivinha, atrás da liça,

Que a mentira é que os agita.


No entanto, um dos presos diz:

- ”Cometi, meu rei, um crime.

Mereço, pelo que fiz

A prisão que me redime.


Causei muitas vezes mal

A muitos meus semelhantes.

É um pesadelo real,

Nem durmo já como dantes.”


O rei chama de imediato

Os guardas e logo ordena

- ”Antes de algum desacato,

Libertem de toda a pena


Este grande criminoso,

Senão irá corromper

De inocentes o pasmoso

Bando que aqui dentro houver.”



Índia


Na Índia o brâmane Astica

Foi em peregrinação

A um sacro local que fica

Do Ganges lá num covão.


No caminho, ao se entregar

Dele às rituais abluções

Doutro rio num algar,

Um crocodilo, aos sacões,


Veio dele se achegando

Que pretendia informar-se

Do rumo que ia levando.

O brâmane, sem disfarce,


Respondeu de boa-fé.

O crocodilo pediu

Que com ele o leve a pé,

Que o sonho que em vida viu


Foi do Ganges ver as águas

Que não tinham ligação,

Para grandes dele mágoas,

Com o rio em que estarão.


O brâmane, compassivo,

Aceitou e o foi levando.

Como, apesar de bem vivo,

Mau é o réptil caminhando,


Meteu-o num grande saco

E aos ombros o carregou,

Sem lhe cobrar nem pataco.

E muitas vezes parou


A descansar do penoso

Esforço a que se entregou.

Chegam ao rio gozoso,

O crocodilo chorou


De fé com que lhe agradece.

Mas diz-lhe que ressequida

Tem a pele, que fenece...

Não pode ele, de seguida,


Levá.lo um pouco mais dentro,

Para as águas mais profundas?

Condu-lo o brâmane ao centro,

Onde há maretas jucundas.


Quando vem a regressar

Para terra, o crocodilo

Vai-lhe logo abocanhar

O pé, como é seu estilo.


- ”Assim me agradeces, dás

O mal pelo bem que fiz?

Que virtude é a que te traz?”

E o crocodilo lhe diz


- ”Vens-me falar de virtude?

Hoje o que é da rectidão

É comer quem nos ajude,

Bons alimentos darão.


Este é que é do mundo o estado,

Quer o tu queiras, quer não.”

Discutem, sem resultado.

Convence o brâmane então


O crocodilo a apelar

A três árbitros, ao menos.

Uma mangueira a velar

Na margem com uns acenos


É o primeiro que lhes conta:

- ”Aos homens dou todo o fruto,

Nem com um fico por conta.

Dou sombra, folhas, produto


Que lhes serve, porta a porta.

Porém, ao envelhecer,

Cortam-me os ramos - 'que importa?' -

E fazem mesmo mister


De da terra me arrancar.

Para os homens a virtude

É quem os alimentar

Destruir. Nada isto ilude.”


Uma vaca, consultada,

Foi pelo mesmo discurso:

Dera leite e, afadigada,

Laborara como um urso.


Depois, quando envelheceu,

Foi largada junto ao rio,

Das feras ao escarcéu,

À morte, por desfastio.


Terceiro árbitro, a raposa

Não gaba benfeitorias

Que lhe devam e não goza.

Quer do pormenor as guias,


Obriga a recontar tudo

E pede confirmação.

- ”Num assunto tão agudo

Não posso decidir, não,


Levianamente, à ligeira.

Não serei tão categórica

Como a vaca ou a mangueira.

Não basta a forma alegórica,


Tenho de ver rectamente

Da viagem a condição.

Crocodilo, certamente

Não te importarás, pois não,


De entrar no saco um momento

Para eu ficar sabendo

Como aqui te trouxe o intento?”

O crocodilo, tal vendo,


Nem hesita, entra no saco.

O brâmane o pôs às costas,

Uns passos deu, sem cavaco,

E a raposa olha as congostas.


- ”Vem comigo” - diz-lhe então.

Condu-los, brâmane e carga,

Da margem e do fundão

Para longe, nada a embarga.


Manda o brâmane pousar

Depois tudo lá no chão.

Numa grande pedra, a par,

Pega e, sem hesitação,


Ao crocodilo esmagou

A cabeça, ainda no saco.

- ”És imbecil,” - regougou

Ao brâmane - “que um pataco


Não vale o que tens na mente.”

Depois chamou a família

E cada qual, mui contente,

Devorou, sem mais quezília,


O crocodilo feroz.

Brâmane é vegetariano?

Fez excepção logo após,

Da troca não sofreu dano.



Divórcio


Nasredim Hodja desposa

Mulher em núpcias segundas,

Viúva de muita prosa.

Recordações mui jucundas


Guardava de anterior lar,

Do morto, do irmão, da irmã,

Filhos, gente singular.

Do falecido, mui chã,


Acolhera os quatro filhos

Dum anterior casamento.

Atara-os com tais atilhos

Que hoje aguardam o momento


De vir com toda a família

Visitá-la o mês inteiro

Em sacrossanta vigília,

Alegria sem argueiro.


Ela tivera três filhos

Que continuava a educar,

Sempre em casa, sem sarilhos,

De Nasredim, novo lar.


Nasredim vai ter um dia

Com o cadi: foi pedir

O divórcio, pois queria

Da família prescindir.


- ”Por que motivo?” - o cadi,

Espantado, perguntou.

- ”Porque à noite, ao que já vi,

Sempre a mulher me expulsou.


Atira comigo fora

Da cama que é do casal.”

- ”Não venhas com essa agora,

Ela é grande, por sinal.”


- ”Parece grande, parece,

Mas com toda a gente dentro,

Garanto e juro uma prece,

Já não há lugar no centro,


Nem sequer lugar no fim,

Não há lugar para mim,”



Rublos


Um pobre judeu russo encontra, um dia,

Com uns quinhentos rublos, a carteira

Do mais rico da aldeia que dizia

Cinquenta dar a quem lha entregue inteira.


Foi o pobre levar-lhe a bolsa cheia.

O rico verifica o conteúdo,

Põe ar severo e diz, de cara feia:

- ”Da recompensa já tiraste tudo,


Quinhentos e cinquenta rublos tinha,

Aqui só estão quinhentos, nada devo.”

O pobre, mui zangado, se avizinha

Do rabino a quem narra o caso coevo.


- ”Confio que me diz mesmo a verdade” -

Comenta ao homem rico este rabino. -

“Um homem tal você para que é que há-de

Mentir, ainda por cima ao que é destino?”


Começava a alegrar-se o homem rico

Como a indignar-se o pobre e eis que o rabino

Para este se vira: - “Verifico

Que não és desonesto (pois me inclino


Perante a tua entrega), que, se o foras,

Com a bolsa ficado tu terias.”

E então ao rico torna sem demoras:

- ”Logo, não foi a bolsa que perdias


Que ele encontrou. Fique ele então com ela,

À espera de que o dono verdadeiro

Lha venha após pedir, disto em sequela.

Fica com a carteira e o dinheiro.”



Discussão


Durante discussão das mais acesas

Um pobre esbofeteado é de mão rica.

Insultado, recorre, as garras presas,

Ao cadi que entre os justos pontifica.


Os dois ouve o cadi, cara sisuda,

E manda ao ofensor que ao ofendido

Dê uma malga de arroz, para que muda

Indemnização seja ao ocorrido.


Ao ouvir a sentença, o pobre vem

Esmurrar o cadi com toda a força.

- ”Estás doido?” - o cadi mal se contém.

- ”Nem por sombras!” - o pobre o tom reforça.


- ”Não ficaste contente da sentença?”

- ”Fiquei” - responde o pobre. -”Agora vou

Embora. Fica tu (que te convença!)

Com a tigela de arroz que me ficou.”



Destrinçar


Um rei que todos os dias

A justiça administrava

De destrinçar não vê vias

Sinceridade que lava

De mentira que escurece,

Até os culpados esquece.


A justiça parecia

Actividade confusa,

Aleatória mania

De que quenquer usa e abusa.

Um dia vem-lhe falar,

Mas sem se identificar,


Um homem com o remédio

Para tantas incertezas.

- ”Posso dar-te, sem assédio,

A faculdade que prezas

De sem falhas distinguir

Justo de injusto a seguir.”


- ”Sabes ler os pensamentos?”

- ”Precisamente, até o fim.”

- ”Que é que lês desde há momentos?”

- ”Que não confias em mim.”

Viu que ele tinha razão,

Era o diabo em questão.


O rei, pois, desconfiou,

Começou por recusar,

Pouco depois aceitou

Uma experiência tentar.

Se não gostar, findaria

O tentame em qualquer dia.


Nas audiências seguintes

O mundo e seus habitantes

Têm luminosos requintes.

Vê logo, em poucos instantes,

A culpa deste ou daquele

Como a sombra que os impele.


Vê pensamentos de amigos,

Dos filhos e das mulheres,

Dos secretários ambíguos

Que o ajudam nos mesteres

De deslindar o que enliça

Sempre quem fizer justiça.


Vê que em toda a parte havia

Crime, inveja, cupidez,

Esconsa malfeitoria

Que aos justos fazem revés.

Hesita, mas reparou

Que a mente se lhe turvou.


Dorme mal, até suspeita

Dos próprios filhos que tem,

Castiga alguém que uma peita

Aceitou que lhe convém

Quando dantes confiara,

Bem imprudente, em tal cara.


Volta a chamar o diabo:

- ”Que experiência dolorosa!

Não vou levar isto a cabo.”

- ”Mas não é fastidiosa

E é útil, é bem de ver,

Terás de o reconhecer.”


- ”Já agora, não me pediste

O que te hei-de dar em troca.”

- ”Não pedi nada, já viste?”

- ”O diabo sempre invoca

As almas a quem concede

Tal favor. E logo as pede:


Quando morrem é no inferno

Que assam para a eternidade.”

- Ӄ o costume desde o eterno,

É o costume, é bem verdade.”

- ”Põe-me como eu era dantes,

Com meus olhos hesitantes.”


- ”É o que desejas deveras?”

- ”Clarividência suprema

Não é humana, é doutras eras.

Não poderei por sistema

Muito tempo suportá-la.

É um tormento que me abala.


Não quero ser infalível,

Antes dúvidas prefiro,

Mesmo a hesitação terrível,

Frente a frente, de que aufiro,

Com os homens, da verdade.

Isso, enfim, é o que me agrade.”


- ”A tua situação

Não é das mais confortáveis.

Contudo, quem é que não

Quer juízos confiáveis?

Alguém há que me refila

Contra poder adquiri-la?”


- ”Os que têm tal desejo

Não sabem a dor que traz

De conhecer este ensejo.

Castigou Deus o capaz

Juizo de Adão e Eva

Que retirou toda a treva


Que existe entre o bem e o mal.

Volta a enevoar o meu

Discernimento, afinal.

Que a justiça tenha um véu

E duro me dê labor

Como sempre, aonde eu for.”


- ”Não posso” – diz-lhe o diabo.

- ”Mas prometeste, aceitaste

Que uma experiência a cabo

Eu fizesse, por contraste.”

- ”Não tinhas, quando acordei,

Este poder que te dei.


Não podias ver, portanto,

Que eu te estaria a mentir.”

- ”Mentira?!” - ”Mentira e tanto!”

- ”Pois claro. E de mim a rir!

Vejo em toda a claridade

E que hoje falas verdade.


Não posso voltar a ser

Quem era outrora, portanto.”

- ”Não está no meu poder

Volver ao incerto encanto.

O que propus aceitaste,

Voltar atrás renegaste.”


- ”E não há nada a fazer?”

- ”Nada a fazer.” E, ao sair,

Voltou-se para dizer:

- ”Quanto a pagar, há-de vir,

Não te preocupe tal.

Interesse não há igual


Em almas iguais à tua.

Nunca te irei pedir nada

Além da morte que actua,

A acompanhar-te na estrada.

O inferno que mais aterra

É o que vais viver na terra.”



Persa


Um persa chora, em plena noite,

Ante uma porta ali fechada.

Um outro passa e que o acoite

Não há recanto nem entrada.


- ”Porque é que choras?” - ”Eu perdi

A minha chave desta porta.”

- ”Ao menos tu, bem pressenti,

A porta tens, que é só o que importa.”



Marselheses


Marius e Olive, os marselheses,

Compram dois carros contrapostos:

Olive é o lento e com reveses,

Marius, o bólido, bons gostos.


Um dia chega uma surpresa:

Olive tem um acidente!

Marius acorre à cama lesa,

Só ligadura no outro assente.


- ”Que te ocorreu? Demais depressa

Por uma vez ias na vida?”

- ”Pelo contrário, o que interessa

É que eu seguia calmo à ida.


Ultrapassaste-me, um tornado!

Numa certeza então esbarro:

Julguei que estava ali parado

E, ao julgar, saí do carro!”



Corrida


Marius e Olive se inscrevem

Numa pedestre corrida.

Os mais desistem, não devem

Comparecer à partida.


São só dois e Olive ganha.

Tempos depois, um amigo

Que Marius na rua apanha

Quis saber do feito antigo.


- ”Então, que tal a corrida?”

- ”Já foi...” - ”Como te correu?”

- ”Fui segundo. É à medida.”

- ”Nada mal, amigo meu!


E o Olive se aguentou?”

- ”Em penúltimo acabou.”



Alfaiates


Conversam dois alfaiates

No Bronx, Estados Unidos.

Um diz de Einstein que quilates

Tem tais que nem são medidos.


- ”Einstein...quem é?” - ”Não conheces?!”

- ”Não...” - ”És idiota ou quê?!

Génio que o mundo enaltece,

A maior cabeça é o que é!”


- ”Mas é tão célebre assim?!”

- ”Tem o nome nas canetas,

Cigarros, cerveja, enfim,

Não há onde o tu não metas.”


- ”Tão célebre é assim porquê?”

- ”Pela relatividade.”

- ”Está bem... Mas isso que é?”

- ”Pois, pois... Que é que te persuade?”


- ”Não me podes explicar?”

- ”Imagina que uma velha,

A cheirar mal, vem sentar

Ao teu colo e se aconselha


Aí durante um minuto:

Vai parecer-te uma hora.

Mas é um tempo diminuto,

Se, em vez daquela senhora,


É uma linda rapariga

Que se sentar ao teu colo:

Na hora que aí se abriga,

Que minuto é desconsolo?


Tudo finda de repente,

Parece que mal sentou...”

-”É disso que fala à gente?”

- ”Mais ou menos tal soou.”


- ”Relatividade então...”

- ”Explico-a mal entendida,

Que os sábios é que a dirão.”

- ”E a dar colo ganha a vida?” -


Pergunta, após um momento,

O ignorante, agora atento.



Diminuta


À mulher que se queixava

De ter casa diminuta

Um homem aconselhava,

Após convicta disputa:


- “Pega nas tuas galinhas,

Mete-as lá dentro contigo.”

-”Nas divisões que são minhas?!”

- ”Vai lá, faz o que te digo!”


Deixou-se ela convencer,

Transportou para o interior,

Vociferando a valer,

O galinheiro, um horror!


-”Agora as tuas ovelhas

Vai buscar, mete-as em casa.”

- Ӄ mesmo isto que aconselhas?

De cheia. Vai ficar rasa...”


Mais uma vez, transportou

O rebanho para dentro

E todo ele ali ficou

Muito apertado, no centro.


Com o burro foi o mesmo

E, depois, com o camelo.

Fica tudo tão a esmo

Que lá não entra um cabelo.


Vários dias decorreram.

O conselheiro à mulher

Disse, então que findos eram:

- ”Esta noite – ouves sequer? -


Pelas três da madrugada,

Tira os animais de casa,

Vai pô-los duma assentada

No lugar. Nada te atrasa!”


O que o homem lhe ordenou

Fez a mulher, expedita.

Quando a manhã clareou,

Andava, com muita dita,


Divisão em divisão,

Exclamando, olhos em brasa:

- ”Mas que enorme casarão!

Como é grande a minha casa!”



Dinamarquês


Num trem, o dinamarquês

Victor Borge, certa vez


Vai com Einstein viajar.

Não sabe de que falar,


Que o que viu de seu trabalho

Tudo nele é só um baralho,


Sem cartas para jogar,

Que nada está no lugar.


Após muita hesitação,

Se encoraja e diz então:


- ”Boston, a terra de apoio,

Parará neste comboio?”



Rómulo


Rómulo, aquele lendário

Fundador de Roma mítico,

Não bebia vinho. O erário

Era, ao tempo, mui somítico.


Alguém lhe comenta um dia

Que o preço bate no fundo

Se, como ele não bebia,

Não bebera todo o mundo.


-”Não,” - responde ele - “ao contrário.

Os preços iam subir

Se todo o mundo, sumário,

Como eu bebera a seguir:


É que eu bebo, não te esqueça,

O vinho que me apeteça.”



Anarquismo


Na Guerra Civil de Espanha

O anarquismo catalão

Suprime, em primeira apanha,

A anterior legislação.


Liberdade para todos

Como a partilha dos bens

E amor livre, de mil modos,

Sem pecado e sem reféns.


Uma mulher que enganava

Dela o marido em segredo

Olha, enquanto se esquivava,

Da aldeia o padre com medo,


Em traje civil blindado.

Propõe-se ele então ouvir

A confissão, nalgum lado,

Dela para a bem servir.


Ela, porém, recusou,

Nada tinha a confessar.

- ”Já não enganas” - fitou -

“Teu marido com um par?”


-”Não. Renunciei a tudo isso.”

- ”E que é que te fez mudar?”

- ”Perdeu de todo o feitiço

E gozo deixou de dar:


Eu tive de o pôr de lado

Por deixar de ser pecado.”



Príncipe


Um príncipe andava à caça,

Disparou a um javali,

Mas falhou. E se embaraça

Vendo a fuga em frenesi.


Alguém entre a criadagem

Gritou então: - ”Bravo!Bravo!”

- ”Porquê bravo?!” - no nobre agem

Mil espantos no tom cavo.


- “Não, não lhe falava a si,

Era com o javali...”



Muçulmana


Na tradição muçulmana,

Jesus caminhava um dia

Com discípulos, savana

Fora, quando, em meio à via,


Dum cão a carcaça topam.

O cadáver já fedia,

Vermes, insectos galopam.

O que é que o mestre diria


Curiosos aguardavam

Os discípulos, ao lado.

Jesus, enquanto paravam,

Ao passar, há comentado,


Sem se atrasar uma linha:

- ”Que dentes brancos que tinha!”



Turco


Um turco gabava um dia

A estatura de seu pai:

- ”É muito alto! Quem diria?”

- ”Mas, de alto, até onde vai?”


- ”Nunca conheci ninguém

Tão alto, tão alto ele é.

Chega às nuvens, vejam bem,

Quando ele se põe de pé!”


Nasredim ouve, discreto,

A conversa e então pergunta:

_ ”Quando ele ultrapassa o tecto,

Se a mão, à cabeça junta,


Ele erguer, não sentirá

Uma coisa suave e quente,

Como uma carícia lá?”

- ”Se calhar...” - diz o outro, crente.

- ”Não sabes o que é, pois não?”

- ”Não...” - responde-lhe o farsante.

- ”Os meus testículos são

E não sabes, ignorante!”



Empurrados


Dois judeus, depois da guerra,

Depois de muito empurrados,

Como sempre, terra em terra,

Reencontram-se, arrumados:


- ”Olha, tenho aqui um visto!”

- ”Visto para que país?”

- ”Para a Argentina me alisto.”

- ”Vós para longe fugis!”


O outro pára um pouco, até:

- ”Longe?! Mas longe de quê?!”

























































5


Ao Serão de Quinta-feira




















Lendária


O amor de Leila e Majnum

Correu todo o Oriente,

Não houve recanto algum

Que o não ouvira, insistente,


Com imagens à beleza

Muito lendária da jovem

Cuja perda tanto lesa

Que errância e loucura movem


O jovem Majnum que a perde.

O califa os elogios

Ouviu desde a idade verde,

Quis conhecer tais feitios.


Chama Leila até Bagdade,

Mandou-a sentar em frente.

Fica, de curiosidade,

Horas a olhá-la presente.


Uma chávena de chá

Toma, muda a posição.

A olhá-la mantém-se lá,

Perplexo, no almofadão.


Diz o califa por fim:

- ”Como é possível que contem

Tanta maravilha, enfim?

Olho-te a ver o que apontem


E não logro compreender

Tudo o que dizem de ti.”

- Ӄ que olhas para me ver,

Mas falta uma coisa aí


E que é uma falta comum:

São os olhos de Majnum.”



Japão


Era uma vez no Japão

A cordada de alpinistas

Equipados, nada é vão,

A atacar, mesmo sem pistas,

Um cume a pique talhado,

Até então inviolado.


Longamente preparada,

Anunciada na imprensa,

A expedição, à largada,

Teve a directa presença

Dos jornais e da TV,

Da rádio, sei lá do quê...


Logo nos primeiros dias

Viu-se o percurso penoso

De perigo em demasias

Que a vários, extinto o gozo

Ou de força limitada,

Leva a fugir da escalada.


Um deles finda morrendo

Dos efeitos duma queda.

Vão-se nas névoas perdendo,

Na neve que lhes suceda.

Telefones avariam

E os rádios se lhes seguiam.


Muita vez vêm atrás,

Trepam com enorme esforço

O contraforte tenaz,

Donde irão, nem um escorço.

Exaustos, roupas rasgadas

E de mãos ensanguentadas,


Conseguem chegar ao cume.

E, para grande surpresa,

Encontram, ateando o lume,

Um grupo que se reveza,

Homens, mulheres, em roda,

Bebendo o chá, como em boda.


Sorriem tranquilamente,

Alguns deles reclinados

Em coxins comodamente.

A custo os recém-chegados

O fôlego recuperam

E, de espantados, ponderam:


- ”Então estão mesmo aqui?!”

- ”Estamos” - diz um do chá. -

“Sirvam-se. Agora o fervi.”

- ”Mas como puderam já

Ter chegado aqui ao cume

Sem ver aonde se rume?!”


Os em roda lá sentados

Uns para os outros olharam

Como que um pouco espantados

Até que ao fim perguntaram:

- Ӄ deveras o que ouvi?!

Isto é o cume? É mesmo aqui?!”



Deserto


Ao deserto, a meditar

Vai um homem e passou

Dos anos quarenta a par

Da solidão que traçou.


Tornando ao mundo habitado,

Veio de reputação

Imparável aureolado.

Tinha, em meio à solidão,


Mil e um mistérios sondado

Da natureza, da vida,

Do coração que é-nos dado.

A multidão o convida,


Todos vão falar com ele.

Um jovem foi admitido,

Perguntou-lhe à flor da pele:

- ”A vida o que é, faz sentido?”


Após longa reflexão,

Respondeu-lhe: - ”Ora, é uma fonte.”

- ”Fonte? De certeza então?”

- ”Se quiser, não é uma fonte.”


E, a saborear o horizonte,

Num adeus, ondeia a mão.



Rabino


Encontra o rabino novo

O que era o velho rabino.

Diz o velho: - ”Não aprovo

O que ouvi, que é bem cretino:

Que andas a afirmar há dias

Que tu é que és o Messias.”


- ”Quem to disse?” - ”Toda a gente,

Nos campos e na cidade,

Em todo o lado igualmente.

Agora diz-me: é verdade?”

- ”É verdade” - diz o novo. -

“Perante ti o renovo,


Que a ti posso bem dizê-lo:

Sou deveras o Messias.”

- ”És?” - ”Sou. De borla e capelo.”

- ”Quem to disse, dir-mo-ias?”

- ”Claro! Foi o próprio Deus.”

Arregala os olhos seus


O velho, todo enfermiço,

A gemer: - ”Eu?! Eu disse isso?!”



Criar


Quando Deus anunciou

Que iria criar o homem,

Muito arcanjo protestou

Quantas razões o consomem:


- ”Ó meu Deus, não faças isso!

O homem são rivalidades,

Querelas por um chamiço,

Mortes por quaisquer vaidades...”


Deus escuta e suspendeu

O gesto da criação.

Mas depois os anjos viu

Que todos discutir vão


Lá numa esquina do céu,

Muito, muito acalorados.

E cada qual diz de seu:

- ”Como podem ser falados


Do homem tantos defeitos

Se nem criado é sequer,

Não existe, pelos jeitos?”

Respondia outro qualquer


Que tinha ouvido rumores

De Deus sobre as intenções,

Sabia bem os humores

Da criatura, os senões...


Armaram tal reboliço

Que Deus, que os bem escutava

Às escondidas, o liço

Pega em mãos, já reatava


A obra que há programado.

- Sabemos o resultado...



Faraó


Quando o Mar Vermelho fecha

Do Faraó sobre a tropa,

Um anjo canta uma endecha,

Seráfico em sua opa.


- ”Mas que é isto?!” - exclama Deus. -

“Estão criaturas minhas

A afogar-se e aqui nos céus

Cantas tu?! Não os detinhas?!”


- ”Mas não foste tu, Senhor,

Que ordenaste àquele mar

Que se fechasse em redor

Dos guerreiros a afogar?”



Ramakrishna


Diz a Ramakrishna um dia

Certo discípulo atento:

- ”Sempre que um elefante ia

Pela estrada fora ao vento


Houve sempre mil rafeiros

Que atrás dele vão correndo

A ladrar, muito lampeiros.

O elefante, parecendo


Nem mesmo os ouvir sequer,

Continua o seu caminho.

Dum homem de Deus qualquer

Parece ser o adivinho.”


Diz Ramakrishna: - ”Atenção,

Acerta bem teus ponteiros!

Deus, é a minha opinião,

Também é Deus nos rafeiros.”



Estacionar


Gira o homem de negócios

Ao volante de seu carro,

Dos escritórios nos ócios,

A sonhar com um chaparro,

Pois não consegue encontrar

Lugar para estacionar.


Dirige-se a Deus: - ”Suplico,

Faz com que encontre um recanto.

Vais ver como então me aplico,

Da mulher vou ser o encanto,

Dos filhos irei cuidar

E aos pobres muito vou dar...


Mas depressa, tem piedade,

Deixa-me um lugar vazio!”

Logo à frente um carro à grade

Do parque sai com ousio.

O homem diz a Deus, com jeito:

- ”Pronto, pronto! Já foi feito.


Não precisas mais de estar,

Portanto, a te incomodar.”



Existência


Dois rabinos, de repente,

Sobre a existência de Deus

Discutem veementemente,

Um pró e outro contra os céus.


Esgrimem mil argumentos

Quando, às tantas da manhã,

Concluem de seus intentos:

- “Deus não é, mas coisa vã.”


Um deles, de manhã cedo,

Vai procurar o confrade

Que no jardim reza o credo

A que o ritual persuade.


Pergunta, surpreendido:

- ”Que fazes?!” - ”Rezo a oração.”

- ”Então que foi concluído

Com tanta argumentação,


Não foi que Deus não existe?

E agora, porque é que rezas?”

E o outro, com todo o chiste,

Surpreso, escondendo as presas:


- ”Demos cabo do toutiço...

Que tem Deus a ver com isso?”



Itália


Francesco, homem mui piedoso,

No norte de Itália, um dia,

Viu-se imbuído com tal gozo

De Deus que não conseguia


Pensar mesmo em nada mais.

Um sinal particular

De Deus quer, dos mais reais,

Gesto, palavra, um luar,


Nem que para tal levara

O resto de sua vida.

Com tal fito não poupara

Jejum, oração seguida,


Muita mortificação

E até peregrinações.

Do deserto soube então

Que os Padres tinham menções


De Deus, que era um bom retiro.

Foi anos para a montanha,

Comeu bolota, deu tiro

E devorou a castanha.


Correu descalço na rocha,

Cantou hinos, reza o terço,

Flagelou-se, acendeu tocha,

De espírito a devir terso...


E resultado: nenhum!

De Deus, tão solicitado,

Nem visão, nem rosto algum,

Nem termo algum formulado.


Já que Deus não se mostrou

Sensível à tentativa,

Francesco o rumo mudou:

Não terá o inverso esquiva.


Pôs-se então a insultar Deus,

A profanar o sagrado,

A infâmia a gritar dos céus,

Cruzeiros a ter quebrado.


Panfletos escrevinhou,

Foi mesmo à televisão

Onde o ódio reafirmou

Por um Deus que é um aldrabão.


Alimentava a esperança

Que insultos, provocações,

Sacrilégio algum alcança

A resposta às pretensões.


Nada, porém, ocorreu.

O grande ausente do mundo

Ninguém o viu nem ouviu,

Indiferente, infecundo.


Francesco então longamente

Reflectiu numa cabana:

“Se Deus não responde à gente

Quer louve, quer malhe em gana,


É porque eu é que sou Deus.

Isto é que explica o mistério

Que consome os sonhos meus.

Não responde do sidéreo


Porque quem é Deus sou eu.

Como mostrar-me podia

Eu a mim próprio? Sandeu!

Impossível tal mania.”


Quando, após meditação,

Concluiu que era a correcta,

Partilhar a conclusão

Decidiu por nova meta.


Foi buscar a velha mota

Guardada antes de partir

E conseguiu pô-la em rota,

Rumo a Milão, a seguir.


De prática tinha falta,

Porém, e a direcção solta.

Em curva derrapou alta,

Caiu, volta atrás de volta,


Por uma ravina abaixo.

Esmagou-se nuns rochedos,

Corpo desfeito num cacho.

Nunca ninguém, nos seus credos,


Soube que na ribanceira,

Por ela abaixo caído

Por desleixo e por asneira,

Deus, enfim, tinha morrido!



New York


Numa família abastada

De New York, o pai, burguês,

De visão muito alargada,

Ateu convicto e cortês,


Decidiu mandar o filho

Para uma escola cristã

Mui reputada, com brilho,

Onde o inscreve, uma manhã.


Após dois meses de estudos,

O filho chega da escola,

Pergunta ao pai, por miúdos,

Pousada ao lado a sacola:


- ”Que é que quer dizer Trindade?”

- ”Não me chateies com isso!”

- ”Mas então porque é que invade

Toda a escola este feitiço:


Pai, filho, Espírito Santo?”

O pai arrasta, furioso,

O filho lá para um canto,

Sacode-o, diz desgostoso:


- ”Ouve bem o que te digo

E mete-o dentro da pele:

Deus há só um – que castigo! -

E nós, nós nem cremos nele!”



Sábio


A um sábio mui reputado

Um rapaz fez a pergunta:

- ”Deus existe?” Olha-o de lado

O sábio que os trapos junta.


- ”Para a questão ter sentido

É preciso que a resposta

Tua vida haja mexido.”

- ”É disso a causa suposta.”


- ”Se eu te garantir que Deus

Existe, isso irá mudar

Em tua vida os modos teus?”

- ”Julgo que não, se calhar.”


- ”Então” - e o sábio se ajeita -

“Tua escolha já está feita.”



Cartas


Certa noite, de repente,

Morre um homem ao jogar

Às cartas, a um café rente.

Os amigos anunciar


Não sabem como a notícia

Súbita e triste à viúva.

Um deles vai, sem letícia,

Entanguido, como à chuva,


A casa dela. Ele sabe

Que é muito religiosa.

- ”Boa noite. Não me cabe

Iniciativa gozosa.


Venho aqui, repare bem,

Da parte de seu marido.”

- ”Pois. Há-de estar mais além

No jogo, vício perdido!”


- ”Pois, sim...” - ”E perdeu dinheiro?”

- ”Claro, precisamente.”

- ”Perdeu tudo por inteiro?”

- ”Foi muito, claro. É indecente.”


- ”Fulmine-o Deus num ataque,

Mate-o naquela cadeira!”

E o homem, como num baque:

- ”Deus ouviu-a! Toda inteira!”



Samaritana


Jesus a samaritana

Vê sentada numa pedra

À beira da estrada insana.

Não pede água. A ver se medra,


Olha-a com severidade

E diz-lhe assim: - ”Filha, estás

No mau caminho, em verdade.”

- ”Nem me fales!” - e olha atrás. -


“Desde manhã cá presente

E nem sequer um cliente!”



Padre


Um velho padre atravessa

Um subúrbio perigoso.

Um grupo encontra sem pressa

De jovens fumando o gozo


Da marijuana e tabaco,

Bebendo álcool e revendo

Pornografia a pataco

Num aparelho contendo


Uma ilegal ligação.

Detém-se o padre, admoesta:

- ”Vossos pais não vos dirão

Que isto de fumar não presta?”


- ”Dizem” - responde-lhe um jovem.

- ”E que não devem beber?”

- ”Também, mas não nos demovem.”

- ”E que filmes destes ver,


Tanta indecência, é pecado

Que a mulher fica humilhada

E o desejo, emporcalhado?”

- ”Claro que a rapaziada


Ouviu bem já disso tudo.”

Murmura o padre, indo embora:

- ”Graças, meu Deus, sobretudo:

Não sabem mentir, por ora.”



Criou


Deus criou o paraíso,

Diz ao anjo Gabriel

Para o visitar com siso.

Mas que espanto todo ele!


Vem de lá maravilhado,

As criaturas humanas

Não queriam outro lado.

Por isso Deus de praganas


Lhe cobriu qualquer acesso,

Deveres e obrigações

Bem penosos no processo.

Gabriel viu tais funções,


Retornou apavorado:

Ninguém queria ou podia

Entrar lá por nenhum lado.

Então Deus o inferno cria.


Gabriel foi visitá-lo

E voltou com mais pavor:

Ninguém teria regalo

Em viver num tal horror.


Deus aí fez o contrário

Do que fez no paraíso:

Todo o atractivo sumário,

A tentação sem juízo


Pôs o inferno a rodear,

De modo que Gabriel

Com ele até vem sonhar,

Qualquer via a ele impele.


Se Gabriel não caiu,

Entre humanas criaturas

A lista de quem ouviu

A chamada às vis venturas


É longa e sempre em aumento,

À medida que aparecem

Tentações em acrescento

E as antigas nunca esquecem.



Golfe


Um judeu que é um novo-rico

Pelo golfe tem paixão,

Dá-lhe em tempo cada nico,

Pensa em cada reunião,

De a cabeça ter tão cheia

Não dorme, com cefaleia.


Ora, de Kippur no dia,

A festa da tradição

Mais importante judia,

Ele, que nunca à oração

Na sinagoga tem falta,

Não resiste ao que o assalta:


Aproveitando a inacção

Que entre todos é geral,

Deixa então que os pés lhe vão

A um campo de golfe tal

Que é só de judeus usado,

Desata a jogar, viciado.


Mal o avista, Satanás,

Ávido de denunciar,

De Deus corre logo atrás

O que se passa a contar:

Joga golfe um insolente

Em dia de Deus somente.


Deus ouve e a Satanás diz:

- ”Muito bem, eu trato disso.”

Cá em baixo, o homem, feliz,

Bate a bola e, num enguiço,

No buraco entra à primeira.

Ele, eufórico, se abeira,


Nunca logrou tal façanha.

Coloca a segunda bola,

Bate-a e tal efeito ganha

Que noutro buraco atola.

E assim sempre de seguida,

Cada buraco à medida.


- ”Mas então que é que se passa?” -

Diz o diabo desnorteado. -

“Disseste-me, em tua graça,

Que era um assunto tratado.

Explica-me, pois, te rogo,

Porque lhe acertas o jogo.”


- ”Porque ele está ali sozinho.”

- ”E daí, que é que isso tem?”

- ”Quando ele quiser, tontinho,

Gabar-se por aí além

Deste jogo singular

Quem o vai acreditar?”



Prova


Um estrangeiro a Nasredim

Pergunta um dia: - ”Crês em Deus?”

- ”Creio” - responde, firme, assim.

- ”Então porquê? Nos feitos teus


Tens uma prova da existência?”

- ”A prova é simples: é que eu rezo

Todos os dias.” - ”E na essência

Há um só Deus? Que prova prezo?”


- ”Só rezo a ele!” - ”E omnipotente

Também o provas com acções?”

- ”Pois! E que prova convincente:

Nunca me ele ouve as orações!”



Avisa-me


A um amigo Nasredim

Um dia pede assim:


- ”Avisa-me, se morreres.

Que queres?


Não gostaria de saber

Por outra pessoa qualquer...”



Apagado


Um homem muito apagado

Junto a Nasredim morava.

Morreu e foi enterrado,

Ninguém em tal reparava.


Um vizinho perguntou

De que é que tinha morrido.

Nasredim obtemperou:

- ”Como posso ter sabido?


Se nem sei de que viveu,

Como ver de que morreu?!”



Amigas


Duas amigas de ouvido

Encontram-se à porta dum horto.

Diz uma: -”E o teu marido?”

E a outra: - ”Continua morto.”



Grave


Falam com todo o sentido

Duas amigas que o tempo esqueceu.

- ”Como está o teu marido?”

- ”Não sabes? Morreu.”


- ”Que doença danada

Te impôs tal entrave?”

- ”Uma rinite complicada.”

- ”Vá lá, que ao menos não foi coisa grave...”



Gata


Nasredim, ainda criança,

Regressando de viagem

Vê que na rua o alcança

Um vizinho, com bagagem,

No burro dele montado,

E que logo o há saudado.


Pediu-lhe novas da aldeia,

Em particular da gata

De que gostava e que ameia,

Sempre que mal se precata.

- ”A gata morreu” - lhe diz.

- ”Porque é que a nova infeliz


Dum modo tão brutal dás?”

- ”Como a havia de anunciar?”

- ”Olha: vê o calor que faz,

Ela uma volta quis dar

Mas, como escaldava a telha,

Saltou e, como era velha...


Era qualquer coisa assim,

A dar tempo a preparar-me.”

- ”Desculpe” - diz Nasredim.

- ”Não faz mal. Cantar-lhe um carme

Nada adianta sequer...

Como vai minha mulher?”


- ”Ora bem, precisamente,

Veja só o calor que faz,

Quis tomar ar, de repente,

Trepou ao telhado e zás!...

Não que ela já fosse velha...

É isto assim que aconselha?”



Mekki


Abbu Hâchim Mekki foi

Um dia pelo bazar.

No magarefe olha o boi

Que ele estava a esquartejar.


- ”Leva esta carne” - ofertou

Ao santo homem o talhante.

- ”Não há dinheiro” - objectou

O outro que era um mendicante.


- ”Não faz mal, leva e me pagas

Depois, quando tu puderes.

Confio, não comas bagas.”

- ”Eu é que em mim, para veres,


Não confio mesmo nada.”

- ”Vá lá, vejo-te as costelas...”

- ”Isto basta à jantarada

Dos vermes que, nas sequelas,


À cova irão que me acoite.”

De facto, morreu à noite.



Bater


- ”Porque bateu no meu filho?”

- ”Porque ele é um mal-educado:

'Gorda!' - diz-me o peralvilho.”

- ”E então há-de ter achado

Que será por lhe bater

Que ao fim logra emagrecer?!”



Jesus


Jesus entra no hospital,

Vai à cadeira de rodas,

Impõe mãos e, a um sinal,

As mazelas cura todas.


- ”Como é que é o médico novo?” -

Dirá quem fora esperou.

Nem vê o curado o renovo:

- ”Como os mais. Nem me auscultou...”



Chaqiq


O homem santo muçulmano

Chaqiq recebe um dia

Um velho no desengano

Que, penitente, diria:


- ”Cometi muitos pecados,

Vim penitenciar-me aqui.”

- ”Tarde vens a estes lados.”

- ”Mas, afinal, consegui.”


- ”Conseguiste ou foi da sorte?”

- ”Consegui porque cheguei

Aqui mesmo antes da morte.”


Chaqiq vê fé, vê lei,

Junto de si o ancião

Escolhe acolher então.



Pobre


Era um homem muito pobre,

Estava para morrer,

Mas, antes que o sino dobre,

Chama o médico a mulher.


Este examina o doente

Que no catre arfa em esforço,

À luz da vela tremente,

Uma só, magra, um escorço.


Nenhuma esperança resta.

Então o homem, parca a fala,

Diz da vela que mal presta:

-”É inútil desperdiçá-la...”


Sopra-a logo. Sem escopro

Talhou o dito que abala:

“Foi o seu último sopro.”



Doente


A mulher de Nasredim

Cai gravemente doente.

E ele ali geme sem fim,

Chora copiosamente.


Os vizinhos lhe disseram:

- ”De nada serve chorar.

Quantos doentes se ergueram!

Ainda te vai preparar


Amanhã uma jantarada.”

- ”Não é por isso que eu choro.”

-”Sim?! Porquê? Não há mais nada...”

- Ӄ que aquilo que eu adoro


É que, aquando de eu morrer,

Quero que ela me recorde

Como o homem que há-de ver

Que a chorar bate o recorde.”



Preguiça


Foi num tempo de preguiça

Que a Nasredim diz alguém:

- ”Que fazes tu, não tens liça,

De manhã à noite sem

Ter qualquer ocupação?”

Nasredim responde então:


- ”O meio de não morrer

Procuro o meu dia inteiro.”

- ”E funciona? - quis saber

O intrometido, lampeiro.

E Nasredim, sempre à tona:

- ”De momento funciona.”



Ásia


Na central Ásia um proprietário

Mui generoso diz a um pobre

(Que o ajudara num agrário

Duro labor) que os passos dobre:


- ”Caminha tanto quanto possas

E toda a terra que os teus passos

Hajam rodeado vai sem mossas

Ser sempre tua e de teus laços.”


O homem pôs-se a caminhar,

Tendo o cuidado de correr

Primeiro um círculo a traçar

Muito pequeno que após quer


Ir alargando a cada volta.

Caminha sempre, dia e noite,

Cansa-se, perde a desenvolta

Noção do que há que ao fim o acoite,


Pois não queria, enfim, parar.

No termo, exausto, cai no chão

E morre logo, um ai sem dar.

Quem o encontrou abre o covão


Com o tamanho do que enterra:

- Dele a parcela foi de terra.



Daud Tai


O santo xeque Daud Tai

Que viveu no século VIII

Pede que, quando se esvai

Do corpo a vida, o introito


É que o corpo depositem

Atrás dum muro qualquer:

“Para que os peões evitem

Minha cara ver sequer.”



Morrer


Uma senhora de idade

Que a uma disputa assistia

Chama um padre à puridade

E, aparte, então lhe confia:


- ”Quando eu morrer, pelo menos,

Num canto bem sossegado

Me ponha onde nem acenos

Me cheguem de nenhum lado


Das disputas que são notas

De todos estes idiotas.”



Egipto


Quando o Egipto era romano,

Do século quarto em volta,

De Alexandria o engano

É da cortesã a escolta


Que de Aminta se chamava.

Os poetas a elegiam,

E de amor artes que usava

Em boatos se estendiam


Por África e Ásia funda.

Príncipes núbios lá vinham

Dela à benesse jucunda,

Paga a fortunas que tinham.


Também Aminta é versada

De música e dança em artes.

Vive em sumptuosa morada,

Escravos são baluartes.


Um faustoso que provinha

Lá das margens do mar Negro

Alexandria maninha

Encontra: dele o que integro


É que só quer impetrar

Entrevista com aquela

Que era a imperatriz de amar,

Só vinha por causa dela.


Nem pirâmides do Cairo,

Nem sarcófagos de antigos:

É tão grande seu desvairo

Que só nela busca abrigos.


Com dura negociação

Fixa para o encontro o preço.

Uma entrevista lhe dão.

Uma alcoviteira o ingresso


Recebe, como é costume.

No dia e hora marcada,

Com véstia com que se aprume,

De Aminta se posta à entrada.


Ao chegar, porém, repara

Numa silhueta escura

Que na casa se prepara

Para entrar, má catadura.


Reconhece de imediato

Que era a morte, não se engana.

A silhueta, com recato,

Passa junto, a porta abana,


Pronta para entrar na casa.

Crítias (ele assim se chama)

Com um gesto breve a atrasa:

- ”És a morte?” - ”Sou” - proclama.


- ”Que é que vens fazer aqui?”

- ”Buscar nesta casa alguém.”

- ”Não!” E, já fora de si:

- ”Dá um pouco de tempo além.


Dar-te-ei o que quiseres,

Caminhei dias e meses

Em busca destes prazeres.

É o supremo, sem reveses,


Sonho duma vida inteira,

Única felicidade

Que na terra se me abeira.

Deixa-a viver, que me agrade


Durante mais duas horas.

Que o sonho se realize

E o desejo, sem demoras,

Se me aplaque em quanto vise!”


Falou algum tempo mais,

A silhueta escutou,

Virou costas e os sinais

São que a entrar renunciou.


Crítias segue, era aguardado,

Entrega o resto da paga.

Após banho e perfumado,

A Aminytas vai que o afaga


Dos segredos com tal arte

Que as duas horas correram,

Num encanto, como aparte.

Mas as emoções valeram.


Quando, no fim, se vestia,

Disse a Aminta: - ”Te agradeço,

Meu sonho foi real um dia.

É certo, jamais te esqueço.


Mas também tu poderás,

Creio eu, estar-me grata.”

- ”Porquê?!” - cortesã sagaz

Tudo apura em cada data.


- ”É que hoje salvei-te a vida.”

- ”Que queres dizer?” - ”Ao menos,

Prolonguei-a, na medida

Em que os momentos pequenos


De estar contigo logrei.”

Crítias conta à cortesã

Da morte a entrar lá sem lei,

Como afastara a malsã.


- ”Ela vinha aqui?” - Aminta

Pergunta com atenção.

- ”Aqui, sim. E, quanto eu sinta,

Ia pisar já teu chão,


A atravessar o jardim.”

- ”Caminhava à tua frente?”

- ”À minha frente, pois sim.”

- ”Que disse ela, exactamente?”


- ”Buscar nesta casa alguém.”

- ”Disse quem? Citou meu nome?”

- ”Não, não disse o de ninguém...”

Cai em si e se consome


Crítias, as feições geladas,

De olhar fixo, de repente.

À morte as questões cobradas

Foram sem rigor premente.


A respiração findou,

Já não vê, não pensa em nada

Quando para trás tombou

Nos braços duma criada.



Índia


Do norte da Índia o rei,

Aos quarenta e cinco anos,

No dia em que era de lei

Receber ele os decanos


E mais os embaixadores,

Se aborrecia de morte.

Pois então, com tais humores,

Não foi capaz, ante a corte,


De segurar a cabeça,

Deixa-a cair sobre o peito

A meio daquela peça

Dos cumprimentos de preito


Que um diplomata apresenta.

O rei, muito surpreendido,

Deu consigo numa lenta

Passagem por um florido


Campo verde onde avançava

De jovem com a leveza,

Com uma moça cruzava

De encantadora beleza


Que lhe sorriu ao passar

E a quem devolve o sorriso.

Ela pertencia a um lar

De camponeses com siso.


Levou-o até à casa

Onde com os pais vivia.

Ali não há rei que apraza,

Ele próprio se esquecia


Do título e condição.

Ela apresenta o rapaz,

Diz que lhe quer dar a mão,

Consentem-lho logo em paz.


Casaram-se pelos ritos,

Tiveram filhos robustos.

Cumpre o ex-rei os requisitos,

Às ordens do sogro os custos


Paga com trabalho duro.

Morre este e deixa-o senhor

De casa e terras, seguro.

Os filhos crescem no amor,


Casaram por sua vez.

Quando ele tinha já netos,

A desgraça, duma vez,

Se abate sobre seus tectos.


Secas constantes o solo

Empobrecem e as colheitas

Emagreceram o bolo.

Ele lutou nas estreitas


Condições, mas a mulher

Morreu, bem como um dos filhos,

Dum relâmpago qualquer

Fulminado em letais brilhos.


Quando o raio o fulminou,

Ergueu a cabeça o rei,

Os olhos abriu, voltou

A si no trono de lei,


Escutou, aí sentado,

O final dos cumprimentos.

No dia, antes de findado,

Audiências e lamentos,


Propostas, reclamações,

Mil petições recebeu

E respondeu com tenções

Do melhor que conseguiu.


Retornara a sua vida,

a seu ofício de rei.

Chegada a noite, a dormida

A favorita (é da lei)


Lha garantiu sossegada.

Ao cabo de vários meses

Desta vida retomada,

Quando, com vénias corteses,


Por um corredor seguia,

Veio-lhe à memória a aldeia,

Uma casa, um rosto-guia...

A emoção breve se alteia.


Um desejo inexplicável

De rever o lugarejo.

Só partiu, indetectável,

Encontra, fácil, num brejo,


O lugar onde vivido,

Trabalhado anos e anos

Dantes houve, desmedido.

Vizinhos, com seus arcanos,


Lhe perguntam: -”Por onde é

Que tens andado? Buscámos

Por toda a parte. Porquê

Te escapulir como os gamos?”


Não soube que responder,

Nem sequer fazia ideia

Que ausência findara a ter.

No lar dali que lhe ameia


O lugar vai ocupar,

Junto à neta que às desgraças

Sobreviveu singular.

Vivendo os dois vidas baças


Foram tal como podiam.

Pouco antes do pôr-do-sol,

Um dia em que o invadiam

Torpores em vasto rol,


Sentou-se então frente à casa,

Sem poder nem respirar.

Olha as flores, plantas, brasa

De estival calor e, a olhar,


Tudo é da primeira vez.

Rumo a ele avista a neta

Que um colar de flores fez

De luto que ao colo meta.


Então ele arranja forças

Para perguntar-lhe, brando:

- ”Tanta flor que em colar torças

São para quem, para quando?...”


A menina se aproxima,

Sorria, detém-se à frente.

Ele tem tempo, em tal clima,

De a ouvir, antes que rente


Lhe descaia o queixo ao peito,

A jamais se levantar:

- ”Porquê flores deste jeito?!

O rei morreu. Ando a par.”



El Centauro


El Centauro, o ditador,

República de Miranda,

De qualquer opositor

Se livra, pondo-o de banda.


Reina, senhor absoluto,

Com, na polícia secreta,

Um terço do povo bruto

E um outro terço a completa,


A vigiar o primeiro

E assim sucessivamente.

Tudo depende, certeiro,

Do ditador tão somente.


Cognomes se atribuía

De El Unico, El Generoso,

El Cercadedios um dia,

Purificador de Gozo.


Execuções às centenas,

Nas prisões não cabem mais,

Nem liberdades pequenas

Na educação, nos jornais...


No décimo aniversário

Da tomada do poder

El Centauro vai, sumário,

Glorificar-se a valer.


Uma semana, porém,

Antes das celebrações,

Uma carta às mãos lhe vem

Que diz só, sem mais razões:


“Morrerás no teu discurso.”

Ficou tudo em polvorosa

A seguir da carta o curso

Mas, do autor, nem uma prosa.


Medidas de segurança

Tomam-se extraordinárias.

Cada convidado alcança

A sala das honras várias


Só depois de três controlos.

Todo o edifício guardado

É de regimentos. Rolos

Cercam de arame farpado.


El Centauro entra na sala

Com meia hora de atraso.

Outra meia é para a gala

De aplausos que vêm ao caso,


Bênçãos, felicitações...

Depois, tudo a seu lugar,

São do discurso os borrões.

El Centauro, ainda a acenar,


Abre a pasta e lá encontrou,

Escrito em termos argutos,

Um papel que o transtornou:

“Daqui a vinte minutos.”


Hesita, pensa anular

A cerimónia, mas nota

Que o excita ir enfrentar

Deste desafio a rota.


Tinha experiência da morte,

Ao menos da morte alheia.

“Companheira de meu norte,

Convivemos volta e meia.”


Olhou longamente a sala

Onde havia homens armados,

Pouco espaço os intervala.

Irão traí-lo os soldados?


Impossível. Escolhidos

E formados são a dedo,

São robôs de outrem movidos,

Seguros que nem um credo.


Limpa a testa com um lenço

E começa. Recordou

De benesses rol extenso,

Persistir em tal jurou.


Mas não falou da miséria

Que assola campo e cidade.

Quinze minutos de léria,

Páginas de insanidade.


Na sala, nem uma mosca,

Apenas do ditador

O elogio a si se enrosca.

Mas, uma lauda ao transpor,


Um bocado de papel,

De novo uns termos enxutos

Pingando a gota de fel:

“Daqui a cinco minutos.”


Novamente perturbado,

Fez uma pausa e tentou

Ver que astúcia imaginado

Terá o mentor. E cuidou


Se agiria só, em grupo,

Como iriam atacar...

E como, após tanto apupo,

Há oposição no lugar.


Uma página após leu,

Dois minutos lhe levou,

Outra a seguir, suspendeu,

A fronte então enxugou.


Pega o copo de cristal,

Serve-se dum pouco de água.

Pensativo, um gole mal

Deu, duma fogueira a frágua


O estômago dilacera.

O sangue a arder, entendeu

Que água envenenada era

E que morrendo se viu


Perante os olhos de todos.

Cinco segundos mais tarde

Já nada mexe em seus modos.

Ninguém se atreve nem arde,


Agora que está tranquilo,

A pensar em aplaudi-lo.



França


Em França, uma professora,

No final do ano lectivo,

Anuncia, sem demora,

Que um dia depois, ao vivo,


Vem um fotógrafo à escola.

A os convencer a posar,

Retira duma sacola

Uma foto singular


Do ano anterior em que posa

Ela entre os outros alunos.

- ”Verão mais tarde o que goza

Quem a olhar e, no seu múnus,


Puder dizer: olha a Linda,

É vedeta de cinema,

E aquele ali, mal vê-se ainda,

É um político de gema,


E o João Paulo, o cientista...”

Um dos miúdos põe o dedo

Na fotografia, alista:

- ”E esta é a professora, credo!


Nunca mais ninguém a viu,

Há muito que já morreu...”



Emissário


Manda a morte um emissário

A buscar um eremita:

Era a hora do sudário.


Porém, ele em si concita

Decénios numa floresta

De Índia ao sul, o que habilita


O monge a escapar na fresta

Dum poder que ninguém tem.

Ele é capaz desta gesta:


Só por vontade mantém

De si múltiplas imagens.

O emissário se detém


Ao entregar as mensagens,

Pois em redor vê centenas

De monges de iguais montagens:


Não vê qual, entre tais cenas,

É a quem deve dirigir-se.

Fala à morte: - ”Mal acenas,


E o prodígio a produzir-se.”

A morte fica a pensar,

Murmura ao ouvido, a rir-se.


Volta o criado ao lugar,

A ter com o velho asceta

Logo a se multiplicar.


De espanto a cara correcta,

Diz o emissãrio, convicto:

- ”Que maravilha! Cometa


Alguém tal, não acredito.

Nada vi que se compare!

É milagre o que aqui fito!


Que pena um nada faltar,

Que haja uma pequena falha...”

- ”Falha?!” - logo a perguntar


O ermitão nem se atrapalha.

Só que é o próprio quem falou.

O emissário logo, à gralha,


Rápido o identificou,

Levou-o sem mais palavras.

As mais imagens olhou


A esvaírem-se nas lavras,

Até que nada restou

Da selva nas terras glabras.



Condolências


Nasredim detesta tudo

O que tem a ver com morte,

Das cerimónias o entrudo,

Das orações o transporte,

Como todos os rituais,

Mormente os tradicionais.


Um imã censura-o um dia

Por mor disto e Nasredim

Defendeu como podia:

- ”O profeta nunca, enfim,

Fez daquilo obrigação,

Glória à morte é de dar? Não!”


- ”Ao menos faz um esforço” -

Diz-lhe o imã. - “Nem que só seja

Por respeito, sem remorso,

À família que o deseja.”

- ”Tens razão” - diz bruscamente

Nasredim com algo em mente. -


“Escuta aqui: por respeito

Para com minha família

Prometo tomar a peito

Comparecer na vigília

De meu próprio funeral.

Dou-te a palavra formal.


Chego à hora combinada,

Ficarei até ao fim

Do enterro, é coisa aprazada.

Só há um pormenor, enfim,

Que não posso prometer.”

- ”O quê?” - quer o imã saber.


- ”Não irei poder ficar

Depois para as condolências.

Sempre detestei, a par,

Essa parte em tais pendências.”



Cavaleiro


Um cavaleiro parou

Ante o lar de Nasredim

E diz-lhe, quando o chamou:


- ”Tenho uma notícia, enfim,

Bem triste para te dar.

Venho de Damasco. É assim:


Acaba de se finar,

Na cidade, o teu irmão.”

A nova vem-no abalar,


Deixa-se tombar no chão,

Lá no meio do jardim,

A cabeça numa mão,


E põe-se a chorar sem fim.

A mulher e os vizinhos

Reconfortam Nasredim.


O cavaleiro os caminhos,

Entretanto, volta atrás

E diz-lhe, ao ver os carinhos:


- ”Perdoa, tirei-te a paz.

Quem morreu não foi o teu,

Mas do Kacem lá de trás


Um irmão. Foi erro meu,

Que me enganei com a casa.”

E a galope então partiu.


Nasredim, que o sol abrasa,

Endireita-se e suspira:

- ”Já estou bem, já não me arrasa.”


- ”Tinhas um ar!... Quem te mira

Vê-te aí bem abalado” -

Diz um vizinho que o vira.


- ”E razões de tal estado

Bem as tinha, que a notícia

Deixou-me como sangrado.”


- ”Mas porquê? Foi sem malícia...”

- ”Não é isso. Esta é a questão:

É que eu nunca tive irmão!”



Qirguízia


Da Quirguízia algumas tribos

Guardam dum texto a memória

Que, em momento certo, cibos

Dão dum medo contra a escória

Da morte, a porem-na em fuga,

Que ela então nunca madruga.


Testemunhas tinham visto

A morte ao vivo, vestida

De preto e rubro registo,

Silente, no leito erguida,

Um moribundo a levar,

Quando este, ao brusco acordar,


Lograva lembrar o texto

E recitá-lo a contento.

Garantem que, em tal contexto,

A morte, em terror do intento,

Fugia, escondendo o rosto

Atrás das mãos de osso exposto.


A natureza, porém,

De tal texto qual seria?

Oração, reza ao além,

Imprecação ou magia?

Que é que metia, afinal,

Medo à morte que é fatal?


É de supor e convir

Que a morte pode ter medo,

Que emoções há-de sentir

Tais que roubam o sossego.

Pode ficar revoltada

E depois ser castigada.


Já nas lendas indianas

De deuses morte escolhida

Recusa matar humanas

Vidas na missão pedida,

Quando vergá-la conseguem

Com palavras como seguem:


“Nos séculos que hão-de vir

Glória tua é sem igual.

E descansa, estás a ouvir?

Morte não mata, afinal.

Não te aflijas com os danos,

Não farás mal aos humanos.


Uns aos outros todos matam,

Mesmo os deuses são mortais.”

Medos à morte não atam,

Dizem uns, se o bem cuidais.

Tudo era teatro ou jogo:

Adeus, que voltarei logo.


Outros, que o texto é dum deus

Ou dum arcanjo caído:

Vingam-se de algum dos seus

Dando ao homem destemido

Este poder clandestino

Com que emular o divino.


Nesta tradição, a morte

Arma suma era dos deuses,

Do poder deles suporte

E dum culto sem adeuses.

Se o homem sem morrer vive,

Religiões leva a que arquive.


Por isso os chefes supremos

Das grandes religiões

Mandaram, até os extremos,

Missionários com missões:

Ou recolhem as palavras

Ou extirpam-nas das lavras.


Um chinês, príncipe grande,

Enviou um velho astuto

Que uma idosa lá demande

Que da montanha em reduto

Há tantos anos vivia

Que suspeitam que sabia


O texto que espanta a morte.

Quis-lhe comprar o segredo.

Ela recusou: - ”De sorte

Que é vender-te, tarde ou cedo,

Aquilo que nunca tenho?”

- ”Diz os termos. São teu ganho.”


- ”Porque é que eu hei-de dizer

Umas palavras à toa?

Este é um momento qualquer

Em que a morte me atordoa?”

- ”Das falas pões-te ao abrigo

Só se de morte em perigo?”


- ”Mas de que falas me falas?!”

Ela afirmava, insistente,

Que não sabe de tais galas

E ao chinês sempre desmente.

Este envia homens armados

A ameaçá-la assanhados.


Ameaçada e ferida,

Ela muda se manteve.

- ”Porque nem por tua vida

Ouço o que a morte susteve?”

- ”Pois é porque não sei nada

Que nada digo, à chegada.


Desde que entraste na gruta

Que sei bem que irei morrer.”

- ”Não há aqui quem o discuta,

Como podes tal saber?”

- ”Se não falar, tu me matas

Com os homens com que tratas.


Se eu falar, matar-me-ias

Por só teu ser o segredo

Com que então sobrevivias.

Vieste por esse credo.”

- ”E não te importa morrer?”

-”Na longa vida hei-de ter


Algo aprendido que importa:

Morrer é bem menos grave

Que matar, fechar a porta.

Se há palavras com que trave

A morte e protejo alguém,

Não as há para quem vem


Matar, para vir salvá-lo.”

Calou-se por uns instantes.

O chinês vê com abalo,

Fascinado, a velha de antes:

Parece estar frente a frente

Com o imortal é o que sente.


A mulher volta a falar:

- ”Se tais palavras houvera

Que impedissem de matar,

Que precioso bem era!

Se as souberas nestes dias,

Tu pronunciá-las-ias?”


O chinês se levantou,

Fez brusco sinal aos guardas,

Um logo a sabre cortou

Da velha o pescoço às sardas.

Ela teve um sobressalto

E tentou pronunciar alto


Umas palavras decerto,

Talvez para se salvar

Por fim no momento certo.

Tarde demais, ao findar:

A cabeça cai no chão

Da gruta, num repelão.


O chinês desce a montanha

Com os seus guardas armados.

Mais adiante, com manha,

São por um bando atacados

Que pacientes esperaram

E a todos os massacraram.


Habitantes da região,

Pensavam que o chinês tinha

A senha mágica à mão.

Queriam tal adivinha.

Prenderam-no, interrogaram

E, ante o não, o degolaram.


Entre eles também havia

Uns cavaleiros de oeste

Cobertos de ferro e a guia

(Que não sabem a que preste

E que os nem veste com jeito)

Duma cruz vermelha ao peito.



Africana


Conta uma lenda africana

Que uma pedrinha do chão

Apanha um homem à mão.

Diz a um outro, a ver se engana:


- ”Que é que aqui tenho? Adivinhas?”

- ”Uma bicicleta!” - ”Ora!

Fizeste batota agora

Quando a escondi nas mãos minhas.”



Irão


No Irão, na revolução

Islâmica, a interdição


É permanente e arbitrária.

Alguns, de forma sumária,


Conseguem que os internassem

Por que por malucos passem.


Ao menos podem gritar

Sempre naquele lugar:


- ”Abaixo o Islão! E ao Profeta,

Morte, que não se intrometa!”


Quando queriam sair,

Bastava o grito banir,


Confessar que eram errados,

Pedir perdão dos pecados.


Na actividade proibida

Era a música mantida,


Mesmo a mais tradicional.

Quem era profissional,


Por perícia não perder,

Tem de às esconsas manter


Treino à sua conta e risco.

Houve quem fugiu do aprisco,


Orquestras em plena noite

No deserto que as acoite


Tocando, à luz das estrelas,

As melodias mais belas.


Um pianista à prisão

Cai por crime de opinião.


Pratica todos os dias

Na mesa, em mudas porfias,


Para os dedos adestrar

E flexíveis conservar.


Ao director da prisão

Foi chamado. Eis a questão:


- ”Que faz com as mãos na mesa

Da cela, qual sua empresa?”


Disse que se aborrecia

E então na mesa batia


Deixando o tempo passar.

Logo o outro, a gargalhar:


- ”Não me venha com histórias!

Um pianista tem memórias


E, apesar da proibição,

Treina a futura função.”


O pianista nega e nega

Mas ocorre – diz – que adrega,


Às vezes, contra-vontade,

Que os dedos têm saudade,


Lembram alguma sonata

E a pauta, mal se precata,


É a superfície da mesa.

Mas ele até que a despreza...


- ”Está bem, pode voltar

Para a cela, ao seu lugar.”


Quando o pianista saía

E entre os guardas se espremia,


O director o chamou,

Irónico acrescentou:


- ”Cuidado com as dedadas:

Só peças autorizadas...”



Bagdade


A Bagdade um estranho chega um dia.

Ninguém o conhecia, é de aparência

Pobre, como um dervixe se anuncia.

Porém, não mendigava e a estridência

Do canto não usou nenhuma vez.

Nunca ninguém o viu comer talvez


Senão algumas tâmaras do chão

Da feira, que esfregava dentre os dedos.

Não era esburacado o seu gibão,

Nem era roupa usada dos degredos.

Calçava umas sandálias, mui decente,

De cajado robusto, em mãos pendente.


Era muito bonito, o rosto magro,

Cabeça levantada, limpo olhar

De verde cintilando, flor num agro,

Com laivos de cinzento a contrastar.

Este olhar maravilha, dentre o escuro

Olhar dos habitantes, negro muro.


Só de noite era visto, após a uma.

Ia de casa em casa onde batia

Com o cajado à porta, em grita suma:

- ”Vem alvorada aí!” - mas repetia

O mesmo em casas nobres, do Governo,

Na mesquita, no albergue... Acorda o inferno!


Duas ou três semanas tal durou,

Reputação estranha anda a envolvê-lo:

Seus olhos são dum tigre quando olhou,

Corta pau à dentada, salta em pêlo

Aos terraços mais altos a que chega

Sem trampolim de apoio, sem ter pega...


Pergunta uma mulher porque anuncia

Em plena noite o alvor quando faltavam

Umas cinco ou seis horas para o dia.

Então o anunciador que embaraçavam

Estas questões, afasta-a do caminho

Com um gesto do braço comezinho:


- ”Anuncio alvorada quando é noite

Porque à noite é que falta-nos a luz.”

E a mulher a insistir como um açoite:

- ”Mas toda a gente sabe que reluz

Toda a manhã o alvor. Porque insistir

A dizer o banal? Deixa-os dormir!”


- ”Se sabem que alvorada vem aí

Porque é que dormem todos os que dormem?”

- ”Pois não te compreendo” - pensa em si

Que era bêbedo ou louco e, ao que a informem,

Os despertados já por tal o tomem.

- ”Ninguém me compreende” - disse o homem. -


“Não é quando houver fome que é preciso

Anunciar a chegada de comida?”

- ”Isso é” - disse a mulher com todo o siso.

- ”Quando se está doente é que a medida

De o médico chamar é que convém?”

- ”Pois é.” - ”Que serventia para alguém


Teria uma alvorada lhe anunciar

Quando ela está chegando de oriente?

Quando a mulher acorda já no lar,

Da capoeira o galo era estridente...”

- ”Isso eu entendo” - diz a mulher, calma.

- ”Não parece que entendas” - com a palma


Afasta-a do caminho e bate à porta

Posterior a gritar pela alvorada.

Tornou-se impopular. O povo exorta

A que o prendam e expulsem para a estrada.

Mas semanas mais tarde ele voltou

E novamente às portas cutucou.


Novamente o prenderam e entregaram

A uma caravana: é de o levar

Bem longe de Bagdade. Abandonaram,

Sem consideração mais lhe mostrar,

O pregoeiro à aridez de algum deserto,

Não pôde mais voltar para mais perto.


Alguns dias depois desta partida

Chegaram os primeiros cavaleiros

Mongóis às cercanias da perdida

Cidade de Bagdade. E aos luzeiros

Da manhã, quando acordam, os vizinhos

Tendas de invasor vêem como ninhos


Erguidas no exterior já das muralhas.

O assalto foi lançado em poucos dias

E foi de madrugada, hora em que as gralhas

Um pouco antes troçavam das manias.

Dormiam sossegadas no seu leito

E viram-lhes depois punhais no peito.



Louco


Fazia um louco as orações a sós.

Alguns amigos o convencem, logo,

A ir na sexta à comum reza. Após,

Numa mesquita, ei-lo a assistir a rogo.


O imã começa a levantar a voz,

Pôs-se a mugir com toda a força o louco.

- ”Não tens vergonha?! Deus não temes, pois?!” -

Dizem-lhe alguns num comentário rouco.


- ”Estive apenas a imitar o imã.

Quando ele disse 'seja Deus louvado',

Estava um boi comprando então no afã.

Pus-me a mugir, por igual, eu, ao lado.”


Pergunta alguém ao pregador que se ia

Ali passando. - ”Bem” - disse ele - “enquanto

Rezava, estava a meditar que um dia

De tratar tenho dum terreno, um canto


Longe daqui. Comigo disse, é certo,

De comprar tenho um boi. E ouvi mugir...”

- É com respeito que sairá de perto

Do louco o louco que anda a nada ouvir.



Resposta


Havia em Bagdade

Um louco que nada

Dizia, em verdade,

À fala escutada.


Perguntam-lhe um dia:

- ”Não dizes palavra?”

- ”A quem o diria?

Não vejo na lavra,


Nem com alta aposta,

Quem me dê resposta...”



Varredor


Diziam a um varredor:

- ”Procuras tu sem parar.

No entanto, és já sabedor

De que não vais encontrar.”


- ”É verdade, tens razão.

Não hei-de encontrar jamais

O que não perdi, no chão,

Sei-o tão bem como os mais.


Mas o que é mais curioso

É que isto me põe furioso.”



Febre


Alguém diz a um louco:

- ”Sabes que tens febre?”

- ”Morra eu um pouco

E, duma assentada,

Foge como lebre

A febre, curada.”



Mulá


Nasredim, vendo um mulá

A pôr uns óculos grossos,

A um oculista de lá

Iletrado até aos ossos

Pede uns óculos de ler,

Tal se bastam a o aprender.

Um rádio tendo comprado,

A um emissor estrangeiro

O liga. Mal hão falado,

Nada entende. Então, ligeiro,

Corre à loja: que um lhe ceda

Que à língua dele lhe aceda.


Um dia estava a serrar

O ramo em que se sentava.

Avisa alguém, ao passar,

Que cairia, se não trava.

Nasredim não lhe ligou,

Cede o ramo e ele tombou.


Uma espécie de profeta

Concluiu que era o vizinho.

Pergunta a hora correcta

Da morte a tal adivinho:

- ”Quando morro em meus achaques?”

- ”Quando o burro der três traques!”


E assim, pois, se livrou dele.

Nasredim vigia o burro.

Quando ia à feira com ele,

Ouve um traque, com um zurro,

E depois segunda vez.

Treme da cabeça aos pés,


À espera então do terceiro

Que devia ser fatal.

Logo ouve outro que, certeiro,

Provou mesmo ser letal:

Na estrada, ao lado dum horto,

Nasredim tomba ali morto.


Logo uns homens o levaram

Para casa e as mulheres

Do cadáver se ocuparam,

São da tradição deveres.

E mais alguém decidia

Enterrá-lo nesse dia.


Breve se forma o cortejo

Que à margem chega dum rio

Que é de atravessar no brejo.

O cemitério se viu

Que era na margem de lá

Onde ninguém chega já.


Era mui forte a corrente.

Como a ponte utilizada

Pelo povo normalmente

Das águas fora arrastada,

Perguntavam por onde ir.

Uns diziam que a subir,


Outros julgavam que não,

Discutiam com calor.

Houve quem, na confusão,

Julgue que um barco é o melhor.

Nasredim, na padiola,

Lépido se desenrola


E proclama com voz clara:

- ”Há uma ponte mais abaixo,

Sólida, coisa bem rara,

Nela é que melhor encaixo.

Um barco?! Era o que faltava!

Eu ainda me afogava!...”



Lago


Um lago vinha bater

Na base dum muro em pedra.

Sentado em cima, um qualquer,

Fatigado, se requebra,


Uma a uma tira ao muro

As pedras que ao lago lança.

- ”Que fazes aí seguro?! -

Diz mulher que o lago alcança


Para de água encher a bilha.

- ”Ao muro tiro umas pedras,

Lanço-as ao lago que brilha.”

- “É tarefa em que não medras.


Porque estás a fazer isso?”

- ”Porque tenho sede” - diz.

- ”Não entendo o teu enguiço.”

Logo o outro contradiz:


- ”Se atirar pedras ao lago,

Faço o lago então subir.

Tarde ou cedo, alcanço um trago,

Que as águas hão-de aqui vir.”


- ”Vai levar um tempo louco!”

- ”Não creias nisso. Olha bem.

Jogo a pedra, sobe um pouco

O lago e baixo também


Um pouco a altura do muro.

Assim é que os aproximo.”

- ”Se desces, é mais seguro,

Debruças-te de água ao cimo.”


- ”Talvez, mas eu tenho medo

De cair e me afogar.”

- ”Aqui, no ponto onde acedo,

Não é fundo, é um bom lugar.”


- ”Como sabes?” - ”Vou mostrar

Como é que sei” - e a mulher

Vem-se, lesta, então postar

Atrás do muro. Vai ter


De dar um grande empurrão

Ao homem que cai no lago,

Com um enorme chapão

Mais um grito, de olhar vago.


Nem chega o lago aos joelhos.

- ”Venho aqui todos os dias

Água buscar, molho artelhos,

Sei dos fundos as manias.”


- ”Deste-me cabo das contas” -

Diz ele, com ar zangado. -

“Assim as pedras que apontas

Não sei se haviam bastado


Para o lago a mim chegar.”

- ”De que é que isso te servia?”

- ”De nada. Mas lá gostar

De saber bem gostaria.”


Sacudiu-se como um cão,

Saiu de água e se afastou,

Deixando um rasto no chão

De água que dele pingou.


- ”Disseste que tinhas sede

E não bebeste, afinal.”

- ”Não quero as águas que cede

Um lago de mau sinal.”


- ”Mesmo se eu teoferecer?”

A mulher colhe um bocado

Para a bilha, dá a beber.

Ele hesitou. Agachado,


Bebe por fim longamente.

Morta a sede, se levanta,

Porém fugiu, de repente,

Como quem se desencanta.




























































6


Ao Serão de Sexta-feira






























Hospício


Num hospício um judeu não

Parava de requerer

Comida kosher, senão

Mais nenhuma ia comer.


Grita tanto e barafusta,

Escreve tanto e tão bem

Que por favor se lhe ajusta

O prato que lhe convém.


Mas no sábado seguinte

O psiquiatra reparou

Que ele de aves era ouvinte

No jardim e ali fumou,


Tranquilo, um gordo charuto.

- ”Está fumando?” - pergunta,

Espantado do produto.

- ”É como vê” - o outro assunta.


- ”Então fez tanto chinfrim,

Incomodou tanta gente

Para ter comida ao fim

E agora fuma contente


Do sabbat em dia. Como?!”

- ”Ora, como lhe retruco?

Senão, que prémio de tomo

Havia de estar maluco?”



Muçulmano


Foi num país muçulmano

Que um pobre maluco deu

Com conhaque, por engano,

E à noite, a esconsas, bebeu,


De grande árvore por baixo.

Rebenta uma tempestade,

Sacode os ramos em cacho

Um vento que tudo invade,


Relâmpagos iluminam,

Os trovões nos ensurdecem...

Do louco a Deus se destinam

Os gritos que o estremecem:


- ”Que é que Te deu? É uma estafa!

Como nisto crer não posso!...

Eu é que bebo a garrafa

E Tu é que ficas grosso?!”



Sevilha


Havia em Sevilha um louco

Que adoptou a extravagância

Que a ninguém lembra tão-pouco,

Nem por ânsia nem ganância:


Arranja um tubo de cana

Dum dos ladoa aguçado.

Se um cão da rua lhe abana

A cauda, é logo apanhado,


No pé prende-lhe uma pata

E segura a outra à mão,

Mete-lhe, mal se precata,

No ânus o tal tubo então,


Põe-se a soprar do outro lado

Até que o pobre animal

Fique em bola arredondado.

Após pô-lo em forma tal,


Dava-lhe umas palmadinhas

E largava-o comentando,

De conduta ante tais linhas,

Dos circunstantes ao bando:


- ”Cuidarão vossas mercês

Que é coisa de pouca monta

Inchar este cão, talvez?

Não é, não, É coisa tonta...”



Córdoba


Em Córdoba um louco havia

Que trazia na cabeça

Um pedregulho. A mania

Tinha um fito para a peça.


Sempre que encontrava um cão

Que não estivesse alerta,

Aproximava-se e então,

Antes da atenção desperta,


Deixava cair o peso

Em cheio por cima dele.

O cão urrava mui leso,

Fugia a salvar a pele.


Ora, um dia aconteceu

Que, entre os cães tão maltratados,

Do chapeleiro um caiu

Que ao dono é dos mais amados.


A pedra, ao cair, bateu

Na cabeça. O agredido

Mui lancinante ganiu.

O dono, tendo-o ouvido,


Fica furioso deveras.

Pega numa vara e espanca

O doido sem mais esperas.

À paulada que o desanca,


Gritava-lhe: - ”Era o meu galgo!

Não vês que é um galgo o meu cão?”

Galgo repete como algo

Que não pode olhar-se em vão.


Dava bordoada no louco

Como quem malhara trigo.

Desterra-se o doido um pouco,

Pois dava efeito o castigo,


E, durante mais dum mês,

Não aparece na rua.

Voltou por fim outra vez

Ainda sob a pedra sua.


Aproxima-se dum cão,

Apontava com cuidado,

Mas não se atreve à função.

Sem a haver nunca largado,


Diz ele: - ”Este é um galgo, não!”

De todos os cães comenta

Que eram galgos. Desde então

Contra nenhum cão atenta.



Campónio


Um campónio muito rico

Foi vender a uma feira

Sete burros com fanico

Tal quem nem lavram a jeira.


Monta o mais robusto deles,

Atrela os outros atrás

E segue, coberto a peles,

Chega e, sem se apear, faz


A conta aos burros que tem.

Aquele esquece que monta,

Só descobre seis além.

Volta a contar: mesma conta.


Aflito e bem convencido

De um burro lhe ser roubado

Ou então de o ter perdido,

Volta à quinta desvairado.


Chama a mulher e lhe diz:

- ”Não sei o que se passou,

Com sete à estrada me fiz,

Só meia dúzia restou.


Ajuda-me, por favor.

Quantos burros contas tu?”

Vai-se a mulher, calma, pôr

A contá-los, tu mais tu,


Sem esquecer o montado

Ali pelo seu marido.

Com dedo a ele apontado,

Diz com sorriso fingido:


- ”Esquisito o teu introito.

Pois olha, eu cá conto oito.”



Estrelas-do-mar


Uma forte tempestade

Lança na praia milhares

De estrelas-do-mar: invade

As areias e os palmares

Delas todo inteiro o rol

Ali a morrer ao sol.


Passam dois homens. Um deles

Baixa-se de vez em quando,

Apanha uma estrela reles,

Ao mar a atira, em tom brando.

O outro, que tinha pressa,

Diz-lhe, abanando a cabeça:


- ”Que fazes?! Irás deitá-las

Todas ao mar? É impossível,

Estás maluco! Não falas?”

Diz o primeiro, credível:

- ”Das que deito ao mar, retruco,

Acha-me alguma maluco?!



Espanha


Um viúvo pobre, em Espanha,

Cria com dificuldade

Dois filhos. Gasta o que ganha,

Nada poupa que lhe agrade.


Um filho era jovial,

Um optimista por lema.

O outro é uma sombra letal,

Sempre infeliz, toda a cena.


Ante as festas natalícias,

O pai pensa nos presentes

Que pode, como primícias,

Dar aos filhos dependentes.


Ante a magra economia,

Pede dinheiro emprestado

E compra, em segunda via,

A seu filho desgraçado


Um relógio. Mas não tem

Nada para o optimista.

Quando numa rua vem,

Eis que um burro, à sua vista,


Desatou a defecar.

Apanha a bosta, embrulhou

Num papel prata a imitar

Que na lixeira encontrou,


Atou-lhe uma fita em volta,

No presépio de Natal

A aconchegou bem envolta

Junto ao relógio real.


Chegada a noite das prendas,

O filho que é taciturno

Retira ao embrulho as vendas.

Vê o relógio, porseu turno,


Pô-lo no pulso, automático,

Sem demonstrar alegria.

- ”Então?” - Um vizinho, prático,

Pergunta no outro dia. -


- ”Viste que relógio belo

Te comprou teu pai?Ao menos

Estás contente por tê-lo?”

Faz que não com uns acenos.


- ”Mas porquê?!” - ”De cada vez

Que no pulso pouso os olhos,

Vejo as horas, dias, mês

A passar. Baixo os sobrolhos,


Que o que me resta a viver

Encolhe, aproxima a morte.”

- ”E tu tiveste um qualquer

Presente melhor da sorte?” -


Ao outro irmão perguntou

O vizinho muito atento.

- ”Um cavalo?” - retrucou

O rapaz, cheio de alento,


Acrescentando na hora:

- ”Só que foi-se logo embora!”


Nasredim


Nasredim fica senhor

De dinheiro apreciável.

Vem-lhe um camponês propor

Se lhe não era emprestável


A soma de mil dinares,

Que lhos paga, sem engano

E com juros singulares,

No prazo dali a um ano.


Ele empresta-lhe o dinheiro,

Julga-o perdido de vez.

Mas, corrido um ano inteiro,

Paga tudo o camponês.


Nasredim perplexo fica.

Dois ou três anos mais tarde,

O mesmo homem embica

Aonde a fortuna guarde


E pede-lhe a mesma soma.

- ”Ah, não! De mim nunca mais

Tua lábia algo me toma.”

- ”Mas porquê recusas tais?


Reembolsei-te o prometido,

Juros de todos os meses...”

- ”Precisamente! É o cumprido.

Não me enganam duas vezes!”



Avarento


Um rico muito avarento

Um dia caiu a um rio.

Arrastava-o lento e lento

A corrente, em desfastio.


Como não sabe nadar,

Acorrem várias pessoas

Margem fora a lhe gritar:

- ”Dá cá a mão, que te atordoas!”


Mas ele não a estendia

E deixava-se afundar.

A vida ao fim deveria

A Nasredim que, ao chegar,


Das águas se aproximou

E gritou do coração:

- ”Vá, homem, sem hesitar,

Toma, toma a minha mão!”



Marselhesa


Um retornado da Argélia,

Rei do merguez em Marselha,

Tem fortuna (quer revele-a

Como nova quer por velha)


Que é por incontável tida.

Um condiscípulo acolhe

Certo dia, doutra vida,

De Oran, do liceu e molhe.


Algum tempo conversaram

Trocando recordações,

Os colegas evocaram,

Professores e lições...


O que veio de visita

Um empréstimo pediu

Ao outro a quem bem concita.

O abastado reflectiu,


Levou-o a uma janela,

Mostrou-lhe fora, na rua,

Da agência bancária a tela.

- ”Vês o pendão que flutua?


Fiz um acordo cortês

E que dura o ano inteiro:

Eles não vendem merguez

E eu não empresto dinheiro.”



Glacial


Viajavam lado a lado

Por um tempo glacial

Um rico e um pobre coitado.

O rico sente-se mal


Embrulhado em dez camadas

De roupa, vai tiritando.

O pobre traz apertadas,

Nunca aos frios se entregando,


Umas roupas de algodão,

Insensível fica ao gelo.

- ”Como fazes tu então

Para o não sentir no pêlo?”


- Ӄ que tu sofres de frio

Porque tens no teu roupeiro

Botas e xailes, um rio

De sobretudos inteiro.


Ao passo que eu, pobretão,

Só tenho isto de algodão.”



Índia


No centro de Índia, um asceta

Mendicante se instalou

À porta que dá directa

Para um bordel que ignorou.


No chão se senta, a escudela

Estendida a quem passar.

Veste pobre, tanga em tela,

Barba grisalha a abanar,


Cabelos em carrapito.

O sinal de Vishnu tem

Na fronte bem circunscrito,

Os ombros cinza contêm.


Quando soube por quem passa

Que uma prostituta actua

Na casa a distância escassa,

Uma fúria lhe deu crua.


Insulta a porta, as paredes,

Quis fazer queixa, mas dizem

Que de lei não há cá redes

Para os que por lá deslizem.


Ele alerta a quem passar,

Dizem que o que a fazer tem

Era mudar de lugar.

É o que jamais lhe convém,


Tão movimentada é a zona,

Tão favorável à esmola.

Os clientes, numa fona,

Insulta, à má-fama imola,


Tenta atacar à paulada...

Uma tarde, ao dormitar,

Um cliente, junto à entrada,

Uma moeda faz tombar


De prata lá na escudela.

Ao despertar do barulho,

O asceta retira dela

A moeda com orgulho.


Nos dias que se seguiram

O mesmo gesto ocorreu,

Dezenas o repetiram.

A crítica esmoreceu


Do asceta, agora acalmando.

Os clientes satisfeitos

Lá o iam esportulando,

Como a tal mendigo afeitos.


Foi o hábito crescendo,

Os vizinhos deste asceta

Pela calada dizendo

Que era um mero proxeneta.


Mas um dia a prostituta

Decidiu mudar de casa.

As carroças, em disputa,

Cada qual a carga apraza.


Móveis, tapetes transportam,

Candeeiros, roupas, tudo

E nas carroças se exortam

A atulhar miúdo e graúdo.


Ora, o asceta olhava aquilo

Com um ar muito inquieto.

No fim sai, em grande estilo,

A mulher, saco repleto.


As carroças já partiram,

Vinha agora um palanquim.

As criadas reagiram

A ajudar a dona ao fim.


O asceta então a chamou

E perguntou: - ”Vais-te embora?”

- ”O insulto me azucrinou,

Contente deves agora


Estar da minha partida.”

Trepa para o palanquim,

Fecha a cortina em seguida.

O asceta, num frenesim,


Correu atrás a clamar,

Pisando os calhaus da estrada:

- ”Não me poderás tu dar

A tua nova morada?”



Haim


O judeu Haim dormia

Com sua mulher, à tarde,

Quando um barulho se ouvia

Na casa que tão mal guarde.


Um ladrão de introduzir-se

Acabava em casa deles.

Cheios de medo, a esvair-se,

Ficam imóveis aqueles.


O ladrão busca a correr

Por toda a parte e encontrou

Um lindo anel de mulher

E foi o que ele levou.


Haim, que estava a espiá-lo

Pela porta entreaberta,

Foi atrás até caçá-lo.

Ao voltar, ainda desperta,


A mulher lhe perguntou:

- ”Recuperaste o anel?”

- ”Não, não!” - ele retrucou.

- ”Correste... Não foi por ele?!”


- ”Só lhe queria dizer

Que o anel tinha custado

Muito mais que outro qualquer,

Para não ser enganado:


Quando ele tentar a alguém

Vender, venda, ao menos, bem.”



Rabino


Um rabino viajante

Oferecia os serviços

Cidade a cidade adiante.

Das etapas nos sumiços,


Chega sempre a Berditchev,

Se aloja no lar dum pobre,

Que outro convite não teve

Que em tal terra ali lhe sobre.


Mas tornou-se popular,

Ganhou dinheiro o rabino,

Reuniu, a o rodear,

Mil discípulos de tino.


Chega um dia a Berditchev,

Agora em coche doirado

Que os cavalos puxam leve.

Um dos ricos, anafado,


Logo se lhe apresentou,

Para seu lar o convida.

E o rabino retrucou:

- ”Com sua licença, a ida


É ao pobre do costume.

Porém, se lhe dá regalos,

Tudo a isto se resume:

Convide então meus cavalos.”



Colectas


Um padre mais um rabino

Falam da parte que têm

Para seu próprio destino

Das colectas que retêm.


O padre: - ”Traço no chão

Da igreja uma linha recta

E, no fim da missa, então

Atiro ao ar a colecta.


O que cair à direita

Guardo inteiro para mim.

O que à esquerda ali se ajeita

Será para Deus, enfim.”


E o rabino: - Ӄ mais ou menos

O que eu faço, mas sem linha.

Grandes atiro e pequenos

Dinheiros ao ar. A minha


Decisão é feita assim:

De Deus é o que fica no ar;

O que cai é para mim.

Ninguém se pode queixar.”



Fato


Um judeu com um amigo

À loja vai por um fato.

No alfaiate encontra abrigo:

Um lhe agrada e quer contrato.


Discute, porém, o preço

Durante três quartos de hora.

- ”Regateaste! Não esqueço

Que o não vais pagar agora...”


O outro diz-lhe: - Ӄ que assim

Perde ele menos, ao fim...”



Ética


Um judeu ensina ao filho

O que é que ética será:

- ”Queres ver com todo o brilho

Um problema onde isso está?


Um cliente vem à loja

E, ao sair, esquece o troco

No balcão que a caixa aloja.

Problema no qual eu toco


A ética mais profunda

Que me faz perder meu ócio:

Se o dinheiro não abunda,

Divido com o meu sócio


Ou guardarei por inteiro

Para mim todo o dinheiro?”



Fome


Sobre a região a fome

Tremenda ali se abatera,

A população não come,

Mata a miséria qual fera.


Porém, os ricos cuidado

Tinham de encher os celeiros

E adegas, tudo atulhado,

Fartos são meses inteiros.


A mulher de Nasredim

Diz-lhe então: - ”É uma vergonha!

O rico foi sempre assim,

Tudo tem de que disponha.


E meio povo não tem

Nem sequer de que comer.

As crianças morrem também,

Até o rato anda a morrer.


Não poderás fazer nada?”

- ”Mas que queres tu que eu faça?”

- ”A riqueza partilhada

Com os pobres nos congraça.


Não poderás convencer

Os ricos à entreajuda?”

- ”Tens toda a razão, mulher,

Vou já tentar se isto muda.”


Saiu de casa e só volta

Cinco ou seis dias mais tarde.

Esgotado, a voz mal solta

Num murmúrio sem alarde.


- ”Então,” - pergunta a mulher -

“Cumpriste e tua missão?”

- ”Sim” - mal se ouve responder.

- ”Conseguiste, pois, então,


Convencê-los a aceitar

Uma partilha dos bens?”

- ”Consegui metade, a par.”

- ”Metade?! Mas que é que tens,


Que é que é isso que me encobres?”

- ”Convenci mas foi os pobres.”



Damasco


Nasredim saiu um dia

De viagem a Damasco.

Logo o imã longo escrevia

Que de lá lhe traga um frasco,


Várias peças de brocado,

Mais duas tapeçarias,

Serviço de chá talhado

Em porcelana de estrias


Com a chinesa embutida,

Cem obras encadernadas,

Miniaturas à medida,

Mais luxos para as jornadas...


E anotava: - ”Não te inquietes,

Pago-te mal aqui voltes.”

Mal torna e pisa as carpetes,

Logo o imã: - ”Que enfim te soltes!


Correu-te bem a viagem?”

-”Correu” - disse Nasredim,

No descanso da paragem. -

“Damasco, um mundão assim,


Que grande, grande cidade!

Contar-te-ei até ao fim

Tudo o que vi que te agrade,

Se tens paciência, enfim...


Mas antes, algo em contraste

Tenho-te a dizer a ti:

A carta que me mandaste

Eu cá nunca a recebi.”



Cinema


Um produtor de cinema

Célebre por seus calotes

Os Champs-Élysées atrema

Em subir, um dia, aos trotes,

Quando sentiu uma mão

Pousar-lhe no braço então.


Sem, contudo, se voltar,

Diz a quem tenta detê-lo:

- ”Também a mim, se calhar,

Me chegas a roupa ao pêlo.

Ora, a mim próprio, parceiro,

Também me devem dinheiro...”


Sacha Guitry de finados

Solta deste canto os dobres:

“Conheci-os arruinados,

Mas nunca os conheci pobres...”



Polónia


Na Polónia dois judeus

Viajam no mesmo comboio

A Varsóvia, rumo aos seus.

São como o trigo e o joio.


Não se conhecem. O novo

Diz ao velho, de repente:

- ”Para si sei que reprovo,

Mas diz-me a hora presente?”


O velho, numa olhadela,

De imediato lhe responde:

- ”Não!” E ao canto, sentinela,

Se encolhe todo, se esconde.


O rapaz, surpreendido,

Aguarda então uns minutos:

- ”Porquê o não tão decidido

E com uns modos tão brutos?”


O velho hesita um instante

Até depois responder:

- ”Ouve cá, ó meu tratante,

A Varsóvia vamos ter.


Cidade que não conheces,

Disseste-o ao revisor.

É o sabbat, não te esqueces,

Este é o dia do Senhor.


Vais perguntar-me, portanto,

O rumo da sinagoga.

Eu recusar-me, no entanto,

Não posso, que a fé o advoga.


Levo-te lá pessoalmente.

À saída, como vejo

Teus meios (são de indigente),

Perguntas-me se entrevejo


Alguma pensão barata.

Como nenhuma conheço,

Num jogo de desempata,

Minha casa, no começo


Vais aceitar, com certeza,

Poderei prever que sim.

Tenho filha, uma beleza,

Dezoito anos de marfim.


Vai-te agradar, pela certa,

Não tardam a apaixonar-se

Um do outro, em casa aberta.

Uns meses, para disfarce,


E pedes-ma em casamento.

- E achas bem se eu a concedo

A quem nem tem, de momento,

Nem para um relógio?! Credo!”



Bagdade


Em Bagdade houvera outrora

Uma longa discussão

Entre a gente pensadora,

A responder à questão:

Há duas categorias

De homens cá todos os dias?


De acordo era a maior parte

Mas discordavam acesos

Sobre a razão que os reparte:

Como dividir os coesos?


O muçulmano convicto

Diz: fiéis e infiéis.

O cristão, não: é o maldito

E o salvo, sem mais papéis.


Para o grego, é o dominante

E, a seu lado, o dominado.

Noutros termos: grego impante

Contra bárbaro iletrado.


Noutros era a inteligência

Que havia de dominar:

Os que sabem, a ciência,

E os que ignoram, logo a par.


Instruídos – ignorantes.

Mas há mais nestes alfobres,

Que aqueles dizem pedantes:

Bastam-lhes ricos e pobres.


Há o que manda, o que obedece.

Há o vencedor e o vencido.

De Índia um há que não esquece

Divisões noutro sentido:


A dos vivos e a dos mortos.

Para alguns, são bons e maus,

Embora, nos nossos hortos,

Onde, entre os dois, talhar vaus?


Ao fim do mês foi forçoso

Separar sem solução

Tanto sábio portentoso,

Que vã fora a discussão.


Encontram então na rua

Nasredim que ia a passar

Calmo na montada sua.

Vai-lhe um sábio perguntar:


- ”Nasredim, categorias

Será que de homens há duas?”

- ”Claro que há, não o sabias?”

- ”Quais e como as encafuas?”


- ”Os que pensam que do Homem

Há duas categorias

E os outros, os que nos tomem

Por irmãos todos os dias.”



Zen


Uma velha abastada decidiu

Auxiliar um jovem monge zen

Em estado famélico que viu

Penitente na rua, ali perene.


Alojamento deu-lhe na cabana

A meio situada, em parque imenso

Em torno à residência onde se fana

E alimentou-o então, com todo o senso.


Ora, o monge aceitou, não vendo nisso

Mal algum e alguns anos decorreram.

Ele ganhava peso mas serviço

Fez sempre, que orações sempre correram.


A dama apreciava tal presença

Que, tranquila e devota, a apaziguava.

O eremita cuidava da sentença,

Em seu lugar pecados lhe lavava.


Aos amigos falava e o exibia,

Que trocavam com ele algumas falas.

Com o tempo ninguém estranharia

Tal presença: o melhor era das galas.


Uma sobrinha a dama, porém, tinha

A quem vida monástica atraía.

Mas antes do convento o que a detinha

É que conhecer quer toda a alegria,


Ao menos uma vez, do amor carnal.

Pensa consolidar a vocação

Se aprende a apreciar pelo total

Aquilo que depois larga no chão:


Senão, qualquer renúncia que valia?

Não ousando ela aos pais, à tia fala

Que, depois de hesitar, admitiria

Como era pertinente o que a regala.


- ”Tenho justamente o que é preciso,

Ao menos creio ter” - confidenciou.

À rapariga disse, com juizo,

Que à cabana a acompanhe, onde explicou


Ao eremita o acto que esperavam.

Mas este recusou veementemente

Qualquer sexual contacto. Renunciavam

Os monges ao prazer, coração quente


Já não tem e não quer correr o risco...

A velha se irritou e pôs na rua

Imediatamente aquele cisco,

Que a vista já lhe turva, negra e crua.


- ”Como dei eu guarida ao imbecil?!” -

Exclama, a verter fel, raivosa esponja. -

“Com certeza não há mais um em mil!”

E a rapariga foge de ser monja.



Hassan


Hassan ia desposar

Do sultão a filha única,

Mas tem um jogo de azar:

Tirar do bolso da túnica,


À escolha, um de dois papéis.

Num se escreveria “vida”

E o consórcio troca anéis.

Noutro, “morte” e, de seguida,


Era morto o pretendente.

Apesar deste contrato

(Que assina Hassan, de repente),

O sultão perde o bom trato,


De aflito. Pensava ele:

Tenho uma hipótese em duas

De a filha dar para aquele

Zé-ninguém de andar nas ruas,


Mais a parte da fortuna.

O risco é grande, cuidava.

Do biltre a morte se coaduna

(E só ela) ao que o magoava.


Dá parte da inquietação

Ao grão-vizir, um escroque.

Aconselha-o este então

A ter de génio este toque:


Escrever nos dois papéis

A fatal palavra “morte”.

É o privilégio dos reis:

Mudam a seu gosto a sorte.


Mas Hassan é inteligente

E prevê toda a armadilha.

Chega o dia e, sorridente,

Entra à sala da pandilha,


Onde o aguardam o sultão,

O vizir e toda a corte,

Mais um carrasco. No chão,

O cepo e o sabre do corte


Do pescoço que pretendem.

Hassan avança. Um criado

Põe na bolsa que lhe estendem

Os dois papéis. Descuidado,


Hassan logo agarra num,

Enrola-o, sem mais o engole.

- ”Porque quebras o jejum

Comendo esse nojo mole?” -


Exclama brusco o sultão.

- ”Fiz a escolha e engoli-a.

Se meus fados onde vão

Queres saber, pois a via


É ler o outro papel.”

Ora, neste havia “morte”,

Pelo que deduz-se dele

Que o que engolira reporte


Nele escrito o termo “vida”.

O sultão já não podia

Tirar-lha e é-lhe cedida

Mais a filha que queria.



Indiano


Tinha um sábio indiano

A fama de preferir

Silêncio a todo o engano

De ensinança que existir.


Uma pequena cidade

Convidou-o, no entanto,

Decidindo que o persuade

A falar, usando o encanto.


Ante a centena de parvos

Pergunta a primeira vez:

- ”Sabeis de que irei falar-vos?”

- ”Não!” - respondem no entremez.


- ”Então nada vos direi.

Sois por demais ignorantes,

Com que podia não sei

Entreter-vos ums instantes.”


E retirou-se. O auditório,

Desapontado, voltou

Segunda vez, em velório.

De novo ele perguntou:


- ”Sabeis do que irei falar-vos?”

- ”Sim!” - responderam em coro.

- ”Nada então tenho a ensinar-vos.”

E lá se foi, com decoro.


Não se dando por vencidos,

Os interessados voltam

Um dia após, decididos

A um ardil que aos pés lhe soltam.


- ”Sabeis de que que falar vou?”

- ”É que uns sabem e outros não.”

- ”Nesse caso, donde estou

Os que sabem o dirão


Aos que não sabem.” E, a par,

Foi-se, sem mais retornar.



Senhorio


- ”Padre, chamo-lhe a atenção

Para o terrível flagelo duma pobre família:

Pai desempregado e a mãe não

Pode trabalhar, dada a vigília


Pelas nove crianças que tem de sustentar.

Têm fome e em breve irão para a rua,

Salvo se alguém lhes pagar

Os 500 euros da renda sua.”


- ”Que horror!” - diz o padre, tocado

Pela preocupação do homem de brio. -

“E o senhor quem é? Conheço-o de algum lado?”

- ”Sou deles o senhorio.”



Crêem


Desde sempre os homens crêem

Que haja um mistério no mundo

Que só os iniciados vêem

Após um rito profundo.


Um califa encarregou

Nasredim de o descobrir.

- ”Queres” - este interrogou -

“Do esoterismo que ouvir


Que eu lhe descubra o segredo?”

- ”Sim e que após mo reveles.”

- ”Mas, supondo que lhe acedo,

Não és acaso daqueles


Que, após to haver confiado,

Mandas cortar-me a cabeça?”

- ”Mas para quê tal mandado?!”

- ”Para o único da peça


Ser que tem conhecimento.”

O califa trejurou

E Nasredim, no momento,

Logo a casa retornou


Prometendo sem demora

Do esoterismo informar-se.

Mas nem antes nem agora

Da vida altera o disfarce.


Vai no burro colher figos,

Ocupa-se do negócio,

Conversa com os amigos

Em redor dum chá, em ócio


Discute com a mulher,

Com os filhos, com o burro...

Rotina, como quenquer.

Findo o tempo, mui casmurro,


O califa o convocou,

Pergunta, no encontro a sós:

- ”Do que tanto se falou

Descobriste alguma voz?”


- ”Descobri” - diz Nasredim.

- ”Mas o que é? Conta-me então!”

Lançando um olhar sem fim

Em redor, pelo salão,


A assegurar que sozinho

Está com o soberano,

Ao ouvido, em burburinho,

Do mistério tira o pano:


- ”O que é que é o esoterismo?

Descobri que é uma cenoura.”

- ”Uma cenoura?! O que crismo

De mistério é o que me agoura?


Mas porquê?!” - ”Ao que parece,” -

Nasredim que o não impeçam

Garante, a salvar-se em prece -

“Muitos burros se interessam


Por ele, não é verdade?”

E, com isto, ele se evade.



Glicínia


Um ingénuo camponês

Depõe toda a confiança

Dum monge zen em mercês,

O qual em gruta se alcança

Distante mais duma hora

Duma aldeia aonde mora.


Quando um problema sofria,

Filho doente, má colheita,

Até à gruta subia

E ao monge, para a maleita,

Um conselho então lhe pede

E logo este lho concede,


Sempre com igual resposta,

Fosse qual fosse a pergunta:

- ”Para a questão que é proposta,

De glicínia um pouco junta

E, na chávena servida,

Bebe glícínia fervida.”


Com uma só diferença:

Se era animal ou pessoa

Doente, então a sentença

Dita que a tisana é boa

Só quando, evidentemente,

É bebida pelo doente.


O campónio, uma manhã,

Procura em vão o cavalo

Pela aldeia, em busca vã.

Constata, com muito abalo,

Que anda desaparecido

E, sem ele, se há sumido


Todo o trabalho da terra.

Trepa à gruta do eremita

Lá bem no cume da serra,

Explica-lhe o que o agita.

Reflecte profundamente

O eremita, em chão assente.


Meia hora bem contada

Após, diz com toda a gana:

- ”Pois de glicínia apanhada

Vai beber uma tisana.”

- ”Em que me vai ajudar

Uma tisana emborcar?!”


O eremita se recusa

A dizer mais e voltou

Para a sua gruta escusa.

O camponês retornou

Para a aldeia onde a mulher

Diz mais glicínia não ter.


Devia haver noutro vale,

Onde se chega transpondo

Uma escarpa sem igual.

Mas para quê ir, supondo,

Se não diz coisa com coisa

O monge que no alto poisa?


Sem saber mui bem porquê,

O camponês tem confiança

No eremita que além vê.

Põe-se a caminho e alcança

O outro vale. E eis que o cavalo

Ali pasta que é um regalo!



Dougxan


Em pleno século XIII

Andavam Xengha e Dougxan

Pelo campo, sem que os lese

Nada, até que uma manhã,

Couves chocas, de repente,

Vêem a ir na corrente.


Dougxan diz que um eremita

Budista ter-se instalado

Devia lá na territa,

Pois o resto rejeitado

Duma refeição seria

A couve que ali se via.


Procuram, acham-no logo.

Mal os vê, pergunta ele:

- ”Caminho nenhum advogo

Nesta montanha. Que impele

Minhas visitas então?

Vieram, mas por que chão?”


- ”Pouco importa” - diz Dougxan.-

“E o senhor onde passou?”

- ”Não vim atrás da manhã

Nem do rio que escoou.”

- ”E há quanto tempo aqui vive?”

- ”Anos não há que eu arquive.”


- ”Quem vivia aqui primeiro,

O senhor ou a montanha?”

Diz o monge pioneiro:

- ”Sei lá bem qual de nós ganha!”

- ”Mas como, como não sabe?!”

- ”A conta em homens não cabe


E nem nos deuses também.”

- ”Mas, sendo assim, porque veio?...”

- ”Vi dois bois de lama além

Que lutavam, num enleio,

Entrarem pelo mar fora.

Depois, nada. Até agora.”



Sandália


Ao discípulo curioso

Que da vera natureza

De Buda quer ter o gozo

Responde o mestre que preza:


- ”Uma sandália do pé

Tira, põe-na na cabeça

E sai sem dizer até

Logo, como quem tem pressa.”



Um


Um jovem pergunta ao mestre:

- ”Tudo a um é redutível.

E o Um não há quem amestre?

Ele é mesmo irredutível?”


Responde o mestre Tchau-Tcheu:

- ”Antigamente, quando eu


Morei na zona de Tching

A pesar uns sete kin


Mandei fazer uma veste

Que assim bem a mim me preste.”



Istambul


Um homem, em Istambul,

Andando já nos sessenta,

Por amor, com véu de tule,

Casa com jovem que assenta,

Uma bonita mulher,

Dos amigos contra o crer.


Era um homem reputado,

Rico e mui bom conselheiro:

Cada assunto delicado

Ponderava o ano inteiro.

Ocorreu-lhe o que acontece

A quem de quem é se esquece:


A sua jovem esposa

Amante da idade dela

Toma e clandestina goza

Duma alcoviteira em cela.

Por mais hábil que mantida

Seja, acaba conhecida.


Una amigos do enganado

Acharam-se no dever

De tudo lhe ter contado.

O homem manda rever

Toda aquela informação,

Ouve inteira a confissão.


Mandou chamar a mulher,

Não nega o que era evidente.

Ante acusação qualquer,

Chora desoladamente,

Impetra todo o perdão,

Que as leis a morte lhe dão.


Remete-a o homem ao quarto,

A decisão a aguardar.

Sozinho fica, refarto,

Noite inteira a ponderar.

Orou muito e reflectiu,

Até que a decisão viu.


Bem cedo, saiu de casa.

Viram-no em diversos cantos

Da cidade. Tudo o atrasa.

Ao fim da manhã, sem prantos,

Manda preparar depois

Uma refeição a dois.


Quando a refeição foi pronta,

Mandou descer a mulher,

Que em frente se sente aponta.

Ela faz o que ele quer.

- ”Comamos” - diz ele então.

E, durante a refeição,


Recorda à sua mulher

Que, um dia após, convidados

Terão para receber

E que ela preste os cuidados

Requeridos a que bem

Corra tal serão também.


Mais informou que viriam

Reparar parte do tecto

Onde já brechas se abriam

E que contava, em concreto,

Com ela para acertar

Tudo e para vigiar.


Comportava-se tal como

Num outro dia qualquer,

Sem perturbação de tomo.

Admirava-se a mulher,

Inquieta desta atitude

Que qualquer castigo ilude.


Mal começam a comer,

Diz-lhe o homem: - ”Não desdobras

Teu guardanapo sequer?”

Da confusão entre as sobras,

Ela esqueceu de pegar

O seu guardanapo a par.


Ao desdobrá-lo, descobre

Lá dentro o estojo da marca

Do joalheiro que cobre

O melhor que a urbe abarca.

Abre o estojo e a jóia viu

Brilhando que ele lhe deu.


- ”É para quem?!” - perguntou

Num espanto bem profundo.

-”Para ti” - lhe retrucou

O marido, em baixo fundo.

Ela, sem compreender,

Nem toca a jóia sequer.


Por fim diz, trémula a voz:

- ”Não mereço recebê-la.”

- “Não” - diz o marido após,

Meditando na sequela.-

“Mas eu é que, de alma aberta,

Eu mereço oferecer-ta.”



Nasredim


Nasredim ia a passar

Numa rua quando alguém

Tão violento vem chocar

Com ele que quase tem

De ir ao chão recuperar

O equilíbrio dele além.


Nasredim, muito abalado,

Atrás do homem correu

E perguntou-lhe, açodado:

- ”Este encontrão que me deu

Foi por mero acaso dado

Ou brincando aconteceu?”


- ”Por acaso” - diz-lhe o homem.

- ”Ainda bem, fico aliviado.”

- ”Mas que coisas te consomem?”-

Diz o outro, por seu lado.

- ”É que, se encontrões se tomem

Por brincadeira de agrado,


Uma brincadeira assim

Era nova para mim.”



Índia


Na Índia, certo homem santo

Caminhava na cidade,

A escudela canto a canto

Recorrendo à caridade,

Quando foi doutro atacado,

Desta atitude irritado.


Violentamente agredido,

Deixa-o, tal morto, no chão.

Do convento, o aviso ouvido,

Os monges, de supetão,

Vêm logo ali buscá-lo,

Para a cela a transportá-lo.


Dispensam todo o cuidado,

Lhe arejam todo o ambiente,

Água fresca, leite coado...

Quando abre os olhos, em frente,

Um monge, a verificar

Se a mente tem no lugar


Perguntou: - ”Tu me conheces?

Saberás dizer-me a quem

Este leite que apeteces

Deverás por fim também?”

- ”Sim, sim,” - logo o enfermo anuiu -

“Àquele que me bateu.”



Trolha


Houve certa vez um trolha

Que, se um bocado de massa

Cai no nariz donde a colha,

Logo a um colega, com graça,

Pede que com a colher

Lha tire em golpe a correr.


O companheiro cumpria,

Sem olhar, sem apontar,

No ar a colher assobia

O bocadinho a arrancar.

O trolha não há mexido,

Nem sequer estremecido.


Foi um príncipe informado

Desta proeza inaudita.

Ao trolha envia um mandado

E pede-lhe que repita

Perante ele a habilidade

De que se mal persuade.


-”Lamento, mas é impossível.”

- ”Porquê?” - ”Porque já morreu

Aquele trolha impassível

Que sempre a mim mo pediu.

Hoje mais ninguém alcança

Que eu tenha tal confiança.”



Zen


Um mestre zen com mais dois

Dos discípulos caminha

Pelas veredas de sóis

Dum jardim florido e vinha,

Num insecto a reparar,

Um perfume a respirar...


Chega ao termo do carreiro,

Voltou-se para o jardim

E afirmou com ar matreiro:

- ”Sem pisar caminho, assim

Caminhei, sem pisar terra,

Só agora é que o pé me aterra.”


- ”Eu também” - disse o primeiro

Dos discípulos, facundo.

- ”Eu também não” - justiceiro,

Completa assim o segundo.



Sesta


Nasredim dormia a sesta

Num jardim perto de casa,

Costume a que bem se apresta.

A vizinha, olhos em brasa,

Acorreu alvoroçada,

Sacode-o, descontrolada:


- ”Depressa, vem! De cacetes

Entraram homens armados

Em casa. Pagam-lhes fretes,

Que golpeiam os costados,

Sem paragem nem sentido,

Do pobre do meu marido.”


- ”E então? Fracote como é,

Não vão precisar de mim...”

Nem sequer se pôs de pé,

Adormeceu logo assim.



Filhos


Perguntam a Nasredim:

- ”Um homem de oitenta anos

Pode ter filhos ao fim?

-”Na condição...” - quentes panos

Quer Nasredim aplicar.

- ”Que condição tem lugar?”


- Ӄ que ele tenha em caminho

De vinte anos um vizinho.”



Enganar


A Nasredim vem contar

Um vizinho que a mulher

Dele o andaria a enganar

Com um padeiro qualquer.

Nasredim, que jovem era,

Mal a fúria contivera.


Agarrou logo um punhal

E atrás das árvores foi

Colocar-se ante o rival,

Junto à loja que lhe dói.

Da ira fúrias lhe dão,

Bate os pés, punhal na mão.


Cai a chuva miudinha.

Ao sentir gotas na cara,

Da verdade comezinha

Se lembra que em si dispara:

- Há muito não tem mulher,

Vive só, nenhuma quer!



Frango


A mulher de Nasredim

Um belo frango assa à noite,

Lume em lenha e alecrim,

Senta-se à mesa onde a acoite

O marido bem disposto,

Com ele a comer com gosto.


- ”É bem pena” - diz então

Nasredim tal para si -

“Sermos tantos ao quinhão,

Tão numerosos aqui.”

- ”Numerosos?!” - a mulher

Não está mesmo a entender.


- ”Preferia – vè, não mango -

Ser apenas eu e o frango...”



Gato


A solteirona sozinha

Vive apenas com um gato.

Dispende horas na cozinha

Matando o tempo pacato,

Em frente à televisão

Que vê distraída então.


O gato acariciando

Às vezes junto à lareira,

Vai memórias recordando,

Devaneios de solteira.

De vez em quando murmura:

- ”Se mudasses de figura...


Se pudesses transformar-te

Já no príncipe encantado

Que espero de qualquer parte,

Há tanto tempo contado!”

Um dia, o milagre opera:

A transformação se dera.


O gato desaparece.

Diante da solteirona

Está um jovem que esclarece

Que é um príncipe vindo à tona.

Soberbo, respandecente,

Veste magnificamente.


Olha-a com sorriso amargo

E diz-lhe, como a hesitar:

- ”Que bom seria este encargo!

Mas mandaste-me capar...”



Erudito


Era um homem erudito,

De grande reputação.

Recebe um outro, esquisito,

Que o nunca larga de mão,

Serve um pretexto qualquer

Seu conselho a recolher.


- ”Posso ir a tua casa?”

- ”Podes, claro” - ele responde.

- ”Um problema que me arrasa

Tenho, vindo não sei donde.

Esta tarde posso ir?”

- ”Se quiseres, é só vir...”


O homem não se coibia

De o visitar, cada vez

Mais frequentemente iria,

Por razões de tal jaez

E por tão fúteis motivos,

Tão vazios, tão esquivos


Que um certo dia o erudito

Perdeu mesmo a paciência,

A ponto de lhe ter dito:

- ”E se tu, na minha ausência,

Em vez de vir todo o dia,

Em prol duma ninharia,


Procurar-me em minha casa,

Resolvesses, ao contrário,

Por quanto, afinal, te arrasa,

Procurar, antes, sumário,

Vir-me a casa em tua casa?

Findava-se-te o calvário...”



Bascos


Vão dois bascos num comboio.

Durante um grande bocado,

A cada o silêncio mói-o,

Frente a frente ali sentado,

Olhando de vez em quando

Paisagens que vão cruzando.


A dada altura, o primeiro

Pergunta: - ”Tu, tu donde és?”

- ”De Bilbau. E tu, parceiro?”

- ”De San Sebastian, já vês.”

- ”E que fazes de trabalho?”

- ”Sou músico quando calho.”


- ”Também eu. E que instrumento

É que tocas, afinal”

- ”Violino é quanto tento.”

- ”Também eu, é o principal.”

Fica um nada a meditar

E torna então a falar.


- ”Ao tocar na catedral,

As lágrimas vão correndo

Da imagem, da principal

Da Virgem, no altar se vendo.”

Após um silêncio curto,

Responde o outro, num surto:


- ”Quando na igreja toquei,

Cristo até desceu da cruz,

Veio até mim. Quando dei

Por ele, diz-me Jesus:

'Deixa-me, irmão, abraçar-te!

Tocas com uma tal arte


Que és mesmo muito melhor

Que o estúpido que põe

Minha mãe chorando um ror

Em Bilbao, ao que supõe!'”



Burros


Um homem que burros vende

Lá no terreiro da feira

Vê que o mesmo, ao fim, pretende

Nasredim à sua beira,

De metros a umas centenas

Já de venda a encenar cenas.


Só que os vende mais baratos

Do que o mercador consegue.

Descontente com tais tratos,

Comprar em conta persegue,

A roubar aos criadores,

Dos preços baixando os teores.


Mas burro de Nasredim

Sempre é de preços mais baixos.

Furioso, o outro, enfim,

Corta na aveia, nos sachos...

E os de Nasredim, nos tratos,

Continuam mais baratos.


Reduz paga aos empregados,

Despede uns, batota faz...

Nasredim, nos burros dados,

Nunca, porém, fica atrás.

O mercador já vender

Não consegue, é só perder.


Quando acaba a paciência,

Vai ter com o afortunado

Rival e diz-lhe, na essência:

- ”Como é que fazes, danado?

Não logro vender os meus

Burros ao preço dos teus.


Roubei os fornecedores,

Os criadores roubei

E também os mercadores

De aveia que lhes tirei...

Como é? Trata-los a murros?...”

- ”É simples: eu roubo burros.”



Turco


Um turco tenta evitar

Desesperado que caia

Um burro por um algar,

A cauda a agarrar sem baia.

O burro agitadamente

Bate os cascos que mal sente,


Sem nada a que segurar-se.

Tal homem, com toda a força,

Agarra-se até que esgarce,

Pedindo ajuda que torça

O destino malfadado,

Que os santos olhem seu fado.


Chama em auxílio os profetas,

Moisés, Abraão, Jesus,

Que importam de igreja as setas?

Aqui não há mais tabus:

- ”Acudam! Se o burro cai,

Atrás a vida me vai...”


Os músculos crispa, as mãos

Cedem, que já não aguenta,

Vai ter de largar, são vãos

Os esforços que ele tenta.

No instante em que o burro cai:

-”Santos, ai, vos abrigai,


Que eu aqui, mesmo casmurro,

Eu findei largando o burro!”



Parteira


Quando à luz dava a mulher,

Nasredim se preparava

A sair, como quem quer

Passear na terra brava,

Mas a parteira lhe disse

Que não, não, que não saísse.


- ”A ajudante está doente,

Anda,vais substituí-la.”

Nasredim quer, veemente,

Protestar, mesmo à má fila.

Fez que a parteira ordenasse,

Cogente, que ali ficasse.


Na mão pôs-lhe a vela acesa

E disse-lhe, autoritária:

- ”Tens só de mantê-la presa,

Dar-me dela a luz sumária.”

Trémulo, então, Nasredim

Viu chegar o serafim


Do primogénito filho.

Ia-se logo afastar

Mas a mulher diz, com brilho:

- ”Não, não! Terás de esperar.

Vem outro aí, acho eu...”

E Nasredim então viu


O gémeo vir do primeiro.

Rápido a vela soprou.

- ”Que fazes, ó mau parteiro?

Alumia! Cega estou...”

- ”Desgraçada! Daqui sai,

Que esta luz é que os atrai!”



António


António, pândego alegre,

Inventor de patacoadas,

Qual a melhor que se integre

Em refeições bem regadas,

Enfrenta a questão que sobre:

Que é que no homem é o mais nobre?


Um dos parceiros sustenta

Que eram olhos, outro, a fronte,

No coração outro assenta,

Outro à mente abre horizonte...

Depois cada qual explica

As razões de sua dica.


António prefere a boca,

Logo outro o ânus escolhe.

Porque este tal parte invoca

O espanto de todos colhe:

- ”Por uso, tal honra assenta

No primeiro que se senta.”


Aplaude então toda a gente,

Fica António derrotado.

Remói no caso pendente

E, após um tempo passado,

Voltam a ser convidados

A um banquete os dois visados.


Encontra António o rival

Que estava ali de conversa

Enquanto não vem sinal

Do jantar que a reunião versa.

Vira costas, ergue o fraque

E solta um sonoro traque.


O rival fica indignado,

Diz de António: - ”Grosseirão,

Rústico mal engendrado!

São tais modos teus então?!”

- ”Porque te zangas?” - responde -

“És mais nobre, afinal, onde?


Se a boca, o mais nobre em mim,

É que em mim te cumprimenta,

Respondes-me amável, sim.

Cumprimenta-te o que assenta,

Que é para ti o mais nobre

E ficas zangado?! Pobre!”



Alemanha


Na Alemanha, um mestre-escola,

Finda a guerra mundial,

Na turma a questão recola:

- ”Porque a perdem, no final?”

Um aluno, o mais reguila,

Responde, do fim da fila:


- ”Pelos generais judeus!”

- ”Mas nós nem tínhamos cá,

Nos crentes nem nos ateus,

Judeus generais, se os há!...”

- ”Pois não, nem cá se adivinham.

Eram os outros que os tinham!”



Indiana


Na tradição indiana,

Dos tempos lá pela origem,

O deus do sexo, o deus Kama,

Mãos à obra, com vertigem,

Deita pela criação,

A moldar o mundo à mão.


De sábios uns delegados

Vêm trazer-lhe oferendas,

Cantos em louvor entoados.

Porém Kama, em meio às prendas,

Desatou a rir com gosto.

Os sábios, a contragosto,


Surpresos, desiludidos,

Perguntaram-lhe a razão

Dos risos descomedidos.

- ”Os que aqui vêm e vão

Tentando agradar com ritos,

É de rir, na cara fitos.”


- ”Então e quanto aos demais?”

- ”Se alguém que for ponderado

Do mundo busca os sinais,

Da razão-saber armado,

Rio-me na cara dele.”

- ”E se é o amor que o impele?”


- ”Se um sensato ou insensato,

Malévolo ou virtuoso,

Me diz que busca num acto

De amor o mais fundo gozo,

Na cara dele me rio,

Tal com os mais, de fastio.”


- ”Mas porquê?!” - estupefactos,

Perguntam os sábios todos. -

“Por que razão a tais actos

Reages tu com tais modos?!”

E Kama, ante as questões dadas,

Desatou às gargalhadas.



Judeu


David, o judeu, dá voltas

Na cama e não adormece.

A mulher perguntas soltas

Lança a ver que é que acontece

E ele acaba a confessar:

Um dia após, de entregar


Tem uma soma ao vizinho

Jacob, pois lha deve, e não

A tem, nem nada a caminho.

A mulher ergue-se então,

Abre a janela e, sem dó,

Chama na noite: -”Jacob!”


Do outro lado da rua

Acende-se a luz então,

Abre-se a janela à Lua,

Jacob grita à negridão:

- ”Que foi, mulher? Que é que queres?”

- ”É melhor já tu saberes:


O David não vai dar

O teu dinheiro amanhã.”

Volta a janela a fechar,

Vai deitar-se até manhã

E a David há murmurado:

- ”O Jacob fica acordado.


Tu podes, pois, meu rapaz,

Tu podes dormir em paz.”



Africana


Um missionário cristão

(Conta uma história africana)

Repreendia a tradição

Dum soba de terra arcana

Por, entre crenças e haveres,

Ter sempre duas mulheres.


Um dia encontrou o soba

E logo este vem dizer:

- ”Descansa, acabou a boba,

Já só tenho uma mulher.”

- ”Ainda bem” - o missionário

Diz, palpando o seu rosário. -


“E da outra que fizeste?”

- ”Comi-a” - retruca o chefe.

- ”O quê?! Comeste-a?! Comeste?!”

- ”Comi” - torna o magarefe.

- ”Mas porquê?! (Ai que é que eu fiz!)”

- ”Porque era a mais tenra” - diz.




























































7


Ao Serão de Sábado





























Acordo


Era um homem que de acordo

Estava sempre com todos,

“Senhor-sim” em todo o bordo.

Sendo fraqueza de modos,

Um amigo diz-lhe um dia,

Contra tão tola mania:


- ”Vê lá se tomas emenda!

Devias não dizer “sim”

A evitar toda a contenda,

Nem tudo o merece assim.”

- ”Um sim eu nem sempre digo” -

Retorquiu ele ao amigo.


- ”Achas tu!” - ”Tenho a certeza!

Quando a minha mulher “não”

Afirma em algo que preza,

Também “não” eu digo então.”



Nápoles


Em Nápoles, uma dona

Insulta, insulta o marido.

Que é um cretino é o que lhe abona,

Cretino enorme e sabido,

Dos cretinos é o cretino.

- ”És tanto, que eu desatino!” -


Grita-lhe ela, a briga em curso, -

“Pois, se houvera de cretinos

Por acaso algum concurso,

Não irias cantar hinos,

Ficarias em segundo.”

- ”E porquê?” - diz-lhe, jucundo,


O sujeito a tal destino.

- ”Ora, porque és um cretino!”



Além


Morre um homem, ao Além

Chega e dá com um amigo

Que uma jovem bela tem

Do colo dele ao abrigo.

- ”Olha-me esta!” - diz e pensa: -

”Ela é tua recompensa?”


- ”Não, não! Vês mal a sequela:

Eu sou o castigo dela!”



Conversa


Nasredim tagarelava

Com vários amigos dele.

A conversa em breve dava

Num sábio que a culto apele,

Mas que era muito emproado...

Nasredim não há gostado.


- ”Porque é que dele não gostas?”

- ”Não gosto porque ele é parvo.”

-”Parvo?! Perdes as apostas.

Quanto mais por ele escarvo,

Mais vejo que sofres mínguas:

Ele fala sete línguas!”


- ”Está bem, vejo ao que apelas,

Mas é parvo em todas elas.”



Áustria


Nos tempos da guerra fria,

Uma cortina de ferro

A Europa dividia,

O comunismo no aferro,

Sempre encerrando a fronteira,

Não vá escapar algo à joeira.


Mas um jovem checo obteve

Milagrosa permissão

Para, em Viena de Áustria, breve

Ter uns dias de verão.

Logo na primeira noite

Foi a um bordel que o acoite.


Uma madame arrogante

Dá uma olhadela à roupinha

Que é socialista o bastante

Perguntando-lhe ao que vinha:

- ”Como é que estás de dinheiro?”

- ”Cinquenta coroas cheiro.”


- ”Cinquenta coroas checas?!

Dá para te masturbares

Sob a ponte para as cuecas...”

E a porta, nos alizares,

Lhe fechou logo na cara.

Minutos após, repara


Que o jovem lá retornou.

Abre-lhe a porta outra vez.

A mulher lhe perguntou:

- ”Que vais querer tu, freguês?”

Responde ele, humildemente:

- ”Vim só pagar, no presente.”



Mobilizado


Nasredim mobilizado

Foi com a mais soldadesca.

Quando à batalha hão marchado.

Um soldado, cara fresca,

Que ao lado dele seguia,

Viu que a aljava ia vazia.


- ”Não tens flechas?” - perguntou.

- ”Não.” - ”E para a guerra vais

Sem flechas quando soou

A batalha? Com que sais

A combate?” - ”É que inimigo

Dispara flechas. Consigo


Apanhá-las. Vou servir-me

Delas para lhe atirar.”

- ”E se ele as não lança, firme?”

- ”Então hás-de reparar” -

Diz Nasredim, não se aterra -

“Que em tal caso não há guerra.”



Acampamento


Nasredim, no acampamento,

À noite, numa campanha,

Ouve os comparsas atento

A gabar muita façanha:

Este tinha derrubado,

Seis cavaleiros matado,


Apesar dos ferimentos,

Tinha o outro no seu rasto

Quinze mortos, uns portentos,

Um terceiro aumenta o pasto

E assim todos por diante,

Não há quem lhes passe avante.


- ”E tu?” - perguntou alguém.

- ”Eu cá cortei uma perna

A um guerreiro mais além,

Mas era a besta superna...”

- ”Não lhe cortaste a cabeça?”

- ”Tinham cortado tal peça.”




Cairo


No Cairo, em pleno mercado,

Lado a lado estão três lojas

Que vendem por atacado

Tudo igual quando as despojas.

A um egípcio pertencia

A da esquerda, a olhar da via;


A do meio, a um judeu;

A direita, a um libanês.

O egípcio lá conseguiu

Ser primeiro certa vez,

Nem sequer comera os caldos,

Mas na montra escreve: “Saldos”.


Chega o libanês mais tarde,

Vê o cartaz, escreve à entrada,

Sem dar parte de cobarde,

Em letras de mor fachada:

É “Liquidação Total”.


O judeu apareceu,

Viu então os dois cartazes,

Pensa um pouco e lá escreveu,

Em caracteres capazes,

Sobre a porta, a dar sinal,

Isto: “Entrada Principal.”



Judias


Se encontram duas judias

Que há que tempos se não vêem,

Aos abraços de alegrias

Como há muito já não têm.

- ”Então, Sara, novidades?”

- ”Ai, Raquel as necedades


Que tenho por te contar!

Para já, duas notícias

Terei, para começar,

Boa e má, mas sem malícias.”

- ”Qual a má?” - diz a Raquel,

Arrepiada logo a pele.


- ”Tu lembras-te do meu filho,

Do Samuel?” - ”Que idade tem?”

- ”Trinta e dois. E vê o sarilho:

Homossexual é também.”

- ”Oh desgraça das desgraças!

Em teu lugar como passas?


Mas diz-me lá então, ó Sara,

Tens uma notícia boa?

Na boa melhor repara,

Senão ficamos à toa.

Dela posso saber eu?”

- ”O namorado é judeu.”



Anos


A judia oferta ao filho

Que hoje faz dezassete anos

Duas gravatas de brilho,

Rubros e amarelos panos.

Logo o filho experimenta

A vermelha que o mais tenta.


Faz o nó, vê-se ao espelho

E a mãe logo, na sequela,

Vendo-o todo de vermelho:

- ”Que tens tu contra a amarela?”



Mães


Em cena, três mães judias

Falam de seus filhos ternos.

- ”Pois o meu, todos os dias

Me retira a meus infernos.

Busca-me cada semana,

Dá presentes, não se ufana...”


- ”O meu” - a segunda diz -

“Duas vezes por semana

Me visita mui feliz,

De pele que não engana

Me ofertou um bom casaco,

Todos os dias um naco


De belas flores me envia,

É mesmo um amor de filho.”

- ”Ora, o que é isso, hoje em dia?

O meu atou um cadilho:

Vai por semana três vezes

A um amigo com reveses


A quem pagará sem fim,

Só para falar de mim...”



Moisés


Um mestre-escola pergunta:

-”Quem é Moisés?” E um aluno

Logo a resposta lhe junta:

- ”Era o filho que coaduno

Com uma egípcia princesa,

É dela o filho que preza.”


- ”Não é, não” - diz o docente. -

“A mãe dele era judia.

Encontrou, benevolente,

A princcesa, certo dia,

O bebé numa cestinha,

Na correnteza maninha.”


E o outro, erguendo o nariz:

- ”Isso é o que a princesa diz...”



Casada


Uma judia casada

Há cerca dum ano ou mais

Vivia desesperada

Por ter atenções reais

Do esposo que só na mãe

Pensava que perto tem.


A mãe era a referência

E a esposa, apesar do esforço

Por distrair com veemência,

Vestir bem e sem remorso,

Cozinhar bem o que ganha,

Sente-se sempre uma estranha.


Por sua mãe vive o marido,

Vive para a mãe também.

A jovem não vê sentido,

Confessa a amigas que tem.

- ”Vê se tentas seduzi-lo,

Arma nossa, em grande estilo.


Calças umas meias pretas,

Bem como um preto espartilho,

Combinação, curvas, rectas,

Tudo de negro e com brilho,

A luzir e, então, deitada,

Aguardas dele a chegada.”


A esposa segue os conselhos

Das amigas, se prepara.

Do marido eis os artelhos,

Abre a porta, olha e dispara:

- ”De preto?! Coisa malsã

Aconteceu à mamã!”



Cincinnati


De Cincinnati a judia

Velha dirigiu-se um dia


De viagens a uma agência

Por um bilhete de urgência


Para Katmandu, Nepal,

Seu destino principal.


Quer da agência o director

Dissuadi-la, custa um ror,


Falou-lhe até da distância,

Das deslocações, com ânsia,


Mesmo do preço elevado

E tudo sem resultado.


Foi-se. Em Katmandu apanha

Transporte que a custo ganha


Um mosteiro lá bem alto,

Da montanha num ressalto.


E, no fim, ainda teve

A caminhada na neve.


Um guru muito famoso

Era do mosteiro o gozo,


Até previa o futuro,

Em milagres tinha apuro,


Palavras de compaixão

Que a vida iluminarão.


A judia americana

Quer-lhe a presença com gana.


Espera pacientemente

Na mole imensa de gente.


Pauzinhos de incenso queimam

Os que numa audição teimam.


Quando ao fim alguém a leva

Por um corredor de treva


Onde os monges, sem engano,

Salmodeiam tibetano,


Dizem-lhe que só uma frase

Lhe pode falar, de base.


Ela aceitou, descuidada,

Fique a turba descansada.


Levaram-na então diante

Do guru, estátua infante.


E, de olhos semi-cerrados,

Tira-se ela de cuidados:


-”Basta, Salomão! Agora

Vamo-nos daqui embora!”



Cegonha


A cegonha é uma ave impura,

Numa tradição judaica.

Mas, hassida, o afecto a cura,

Ama os seus, nada prosaica.

- ”Como é que se explica” - um dia

Pergunta uma mãe judia -


“Que se diga que a cegonha

Ama os seus e, no entanto, ela

Se conte dentre a vergonha

De aves impuras na tela?”

Diz o rabi, mãos aos céus:

- ”Porque ela só ama os seus.”



Herança


Um judeu lá da Polónia

Recebe de herança casa

Rodeada, com cerimónia,

Dum prado com que bem casa.

Para imitar os vizinhos,

Mesmo sem ver os caminhos


Nada sendo camponês,

Começa comprando um toiro

Que no prado põe: é a rês.

À feira, com algum oiro,

De Minsk foi comprar vaca

Que no prado pôs de estaca.


O toiro, mal viu, se atira

À vaca, mas ela o evita

E foge, se o tem na mira.

Vezes sem conta, igual fita,

Ele sempre a persegui-la

Sem a apanhar à má fila.


O homem fala ao rabino,

Desistindo de juntá-los,

Conta-lhe o caso mofino:

- ”Mal das patas ouve estalos,

Se ele investe da direita,

Logo a vaca à esquerda é atreita,


Mas se é da esquerda que vem,

Pela direita se escapa.”

O rabino então se atém

Longo tempo a pôr a capa

E, por fim, sereno, diz:

- ”Compraste a vaca, infeliz,


Em Minsk onde tens o tino?”

- ”Como vieste a saber?!”

E responde-lhe o rabino:

- ”De Minsk é a minha mulher.”



Israel


De Israel Chefe de Estado,

Ben Gurion pelo Mar morto

Caminhava, encabulado,

Quando uma garrafa, absorto,

Pousada avista na areia,

Dum velho mistério cheia.


Nela pegou, abre-a e jorra

De lá um fumo que se eleva

Para o céu, forma uma gorra,

Depois um génio de treva,

Enquanto em voz de trovão

A bem Gurion diz então:


- ”Livras-me dum cativeiro.

Formula, pois, um desejo,

Concedo-to por inteiro..”

- ”Só não vejo algum ensejo

De haver a paz verdadeira

Com povos à nossa beira.”


Pensa o génio no problema

Que lhe era posto e, por fim:

- ”Perdoa, mas esse tema

Excede quanto haja em mim.

Formula um outro desejo,

Que eu concedo-to, prevejo.”


- ”Faz com que a minha mulher

O prazer da felação

Me venha à noite a fazer,

Quando eu chegar, ao serão.”

O génio fica a pensar

E acabou por perguntar:


- ”O teu desejo, afinal,

O primeiro, fora qual?”



Cão


No cinema um homem fica

Sentado ao lado dum cão.

Do outro lado pontifica

Deste o dono, na sessão.

O cão segue o filme inteiro

Com interesse cimeiro,


Ele ri quando é de rir,

Chora quando é comovente.

No fim é vê-lo a aplaudir

Com duas patas da frente.

O homem se inclina então

Dizendo ao dono do cão:


- ”O seu cão é formidável!

Como ele o filme seguiu

E apreciou! Admirável!”

- ”Pois, o espanto” - o dono anuiu -

“É que do livro, de entrada,

Ele não gostava nada.”



Maesh Das


Traça pelo chão, a giz,

Uma linha um cortesão.

A Maesh Das lhe diz

Que encurte essa linha então

Sem a tocar e apagar.

Limita-se ele a traçar


Uma linha mais comprida

Junto à primeira, em seguida.


- Se em tal tempo Einstein vivera

Que prazer isto lhe dera!



País de Gales


Nos finais da Idade Média

Houve no País de Gales,

Na selva de caça nédia,

Uma fonte em fundos vales

Tal que o que a mira mudara

De imediato ali de cara.


Às vezes nem davam conta,

Seguiam pela floresta

Tendo a sede morto à tonta,

Só que então já ninguém resta

Que os possa reconhecer.

Vinham após então ver


Que tinham perdido o aspecto:

A fonte havia roubado

Olhos, orelhas, o recto

Cabelo, o nariz talhado

E por outros os trocara

Agora na nova cara.


O fenómeno durou

Por cerca de dois decénios,

Muito tempo perpassou

Até notar-se-lhe os génios,

Tanto mais que inofensivas

Há por lá nascentes vivas.


Quando foi assinalada,

Um número muito grande

De gente desengraçada

Lá foi, à espera que mande

Trocar-lhe pela beleza

A feiura que despreza.


Tanto pode acontecer

Como acontece o contrário:

Um homem mirou-se, a ver,

E o que viu foi um sudário,

A cara virou caveira,

Os dentes alvos à beira.


O dono de tal floresta

Mandou chamar os doutores,

Teólogos, quem mais presta...

Dissertam, graves, penhores

Compram com mil orações

E vão-se sem soluções.


Nenhum deles se debruça

Sobre tal água que pode

Mostrar o inferno que embuça.

A aparência lhes acode

Como bem satisfatória,

Doutra não querem a glória.


Há curas miraculosas

Mas crassos também fracassos.

Recomendam-se-lhe as glosas

Ou proíbem-se os espaços?

A fonte detém caprichos

Conforme o humor de seus nichos.


Padres fazem exorcismos,

Invocam lugares santos...

Tudo em vão, ante os abismos

Donde corre a fonte em prantos.

Vem um dia um saltimbanco,

Veste andrajos, mas de branco,


Vende poções milagrosas,

Poemas recita escuros,

Anedotas escabrosas,

A saltitar pelos muros

E que ninguém conhecia,

Nem sequer donde viria.


Antes de se debruçar

Por sobre as águas da fonte,

Lembrou-se de afivelar

Uma máscara que conte

Com nariz, lábios espessos,

Dentes pretos, podres gessos...


Debruçou-se sem temor

Sobre as águas, levantou-se:

Tem a máscara o palor

Dum Apolo, embelezou-se.

Quanto à cara do bufão,

Por baixo, nem beliscão.


O homem jogou a caraça

Ao regato que a levou,

Vai-se embora, achando graça,

À gargalhada abalou.

Perdeu a fonte o poder,

Já ninguém mais a vai ver.



Tuaregues


As saarianas lendas,

Entre os tuaregues mormente,

Narram que, por entre as tendas,

Apareceu, de repente,

Um estrangeiro à ventura

Que, pela areia insegura,


Quer ir só, com um camelo,

Mais algumas provisões,

Um odre de água com selo,

Mapa, bússula, ilusões.

Seguro de seu caminho,

Dos poços quer-se adivinho.


Qualquer conselho prudente

Despreza e, certa manhã,

Parte à sorte, para a frente.

No princípio, com afã,

Assaz tudo corre bem,

Solidão nunca o detém.


Porém, ao terceiro dia,

Começa a preocupar-se,

Duna a rocha sucedia

Sem que horizonte o disfarce.

Não parece progredir:

“Ando às voltas sem sair?”


Ao quarto dia não tinha

Víveres e no cantil

O fundo já se adivinha

E a ração nem vale um til.

No quinto dia, as imagens

São vertigens e miragens.


Sentiu então, de repente,

Atrás a respiração

De alguém posto, ali presente,

Do camelo na armação.

Voltou-se, sem crer na intriga,

E ali estava a rapariga


Atrás dele bem sentada,

Sorridente, mui morena,

Véstia de brancura armada,

Pés descalços, que lhe acena.

- ”Quem és tu?” - pergunta ele.

- ”Que importa?” - a questão repele. -


“Não te quero incomodar.”

- ”Nada. Viajas sozinha?”

- ”Sempre só. Pode levar

Teu camelo os dois em linha.

Eu sei disto e sou leveira.”

- ”Teu nome?” - já se ele abeira.


- ”Nunca costumo dizer

O meu nome, vai andando.

Daqui a pouco vais ver

Quem eu sou, adivinhando.”

A marcha o homem prossegue

Que mais deserto lhe agregue.


O camelo parecia

Pouco sensível à carga

Suplementar que trazia.

A passada desembarga

Parando de vez em quando

Comendo ervas que há secando.


Ao homem tolda-se a vista,

Tosse, cospe, procurava

As referências da lista

Em redor. Nada acertava.

Admite, em palavras meias,

Que se perdeu nas areias.


- ”Tu bem vês que estou perdido

E cantas despreocupada.

Não tens alforge provido?”

- ”Não, não preciso de nada.”

- ”Diz-me quem és, por favor,

Que eu nada tenho. É um horror!”


- ”Agora posso dizer.

Tu não me reconheceste?

Sou a sede. De beber

Se um viajante não se ateste,

Quando já não tiver nada,

Eu faço a minha chegada,


Dou-lhe minha companhia,

Tal é sempre o meu papel.”

- ”Mas és viva?! Quem diria?!”

- ”Aquele a quem seca a pele

Poderá dizer que sim:

Sou dos vivos, mesmo assim...”


- ”Podes viver sem beber?”

- ”A sede não bebe, dá

De beber ânsia a quenquer,

Constante lembrando-a está.

Porque havia de beber?

Também a fome não come,

Nem frio fogo há que tome.”


Garganta de areia e sal

Já tolhia lentamente

O viajante terminal,

Já compreensão nem sente...

...Vê só a moça se escapando

E o camelo tasquinhando.



Guatemala


Diz a antiga crença maia

De aldeias da Guatemala

Que, à morte, o corpo desmaia,

Desintegra-se na vala,

A nossa sombra, porém,

Continua terra além.


E, sobretudo de noite,

Vagueia meia perdida,

Meia incônscia do que a acoite,

De ameaças perseguida:

De sombras um caçador

Pode vir delas dispor.


Tais caçadores ferozes

Às sombras recalcitrantes

Encurralam-nas, atrozes,

Contra a vontade que hão dantes

Levam a presa forçada

Lá para a terra do nada.


Mas neste mundo há um lugar,

Da Guatemala num monte,

Onde as sombras encontrar

Refúgio podem na fonte:

É gruta profunda, escura,

A quilómetros de altura.


Quando qualquer corpo morre

Em qualquer lugar da terra,

Separa-se a sombra e corre,

Buscando a gruta na serra.

Tal qual ave migratória,

Segue indícios de memória.


Ao longo deste caminho

Que pode demorar anos,

O caçador adivinho

Usa armadilhas e arcanos

E muitas vezes consegue:

Captura então quem persegue.


Umas chegam a bom porto,

Juntam-se às que se escaparam.

Montanhês que, por desporto,

Trepe à gruta que visaram

Ouve um roçagar nos pegos,

Como milhões de morcegos.


Sombra às sombras se amontoa

Naquele lugar do mundo.

Há tempo ou tudo anda à toa?

É um eterno antro infecundo,

Purgatório de verdade,

A pausa da eternidade.


Na mais vulgar armadilha,

O caçador escurece

O Sol que pelo céu brilha

Antes que a noite aparece,

Leva as sombras a pensar

Que podem sair, passear...


Uma vez um caçador,

Entre os ferozes feroz,

Duma africana o fulgor

Cobiçou de amor atroz.

Logrou, com um sortilégio,

Tirá-la ao refúgio régio


Quando o sol alto escandia.

Ela aproveita a paragem

Para se lavar na ria.

Fica nua nesta viagem.

O caçador, deslumbrado,

A fera em si põe de lado.


As regras viola do Além,

Tratando então de a salvar.

Roupas berrantes convêm,

Chega-lhe o rosto a velar,

Levou-a, no tempo certo,

Para um canto do deserto.


É mulher toda velada

No Iémen, ruas de Sana,

Sombra como as mais na estrada

Que o véu cobre, não engana.

Convence a sombra ao raptor

De a qualquer perseguidor


Escaparem juntamente.

O mar então atravessam

Da caçada sempre à frente,

Escapam aos que aparecem,

Na corrida sem escala

Alcançam a Guatemala.


Chegados perto da gruta,

Está o caçador cansado,

A sombra já não disputa,

Quer um canto sossegado:

Para a gruta ela fugiu

E ele atrás logo a seguiu.



Roménia


Em Bukovice, Roménia,

Contam muitos viajantes,

Com atestado e com vénia,

Que cruzaram, hesitantes,

Uma aldeia sem fim que há

Em terras de algures lá.


São casas tradicionais

Dum lado e doutro da estrada,

Com uns motivos florais

Pela madeira pintada.

Por trás há um quintal plantado,

Fruteiras, tudo arroteado.


De carruagem ou a pé,

De automóvel hoje em dia,

Na aldeia tomamos pé

Como em qualquer se faria.

Avistam-se aqui, além,

Habitantes, sempre alguém.


Passados alguns minutos,

O viajante repara

Que a aldeia, além dos produtos,

Tem uma lonjura rara,

Alonga-se sem parar,

Parece nunca acabar.


Para cruzá-la há turistas

Que demoram mais dum mês.

Mesmo os automobilistas,

Quando ao fim chegam de vez,

Reparam que a luz do dia

Foi-se e a noite se anuncia.


Muitos param, admirados,

A pedir informações.

Porém, de todos os lados,

Sorriem a tais tenções

E, com simpáticos gestos,

Não falam de seus aprestos.


Muitos buscam encontrar

Nome e localização

De aldeia tão singular

Nos mapas da região.

Ninguém identificá-la

Logrou em nenhuma escala.


Há testemunhos aos centos

De que, num ponto da aldeia,

De “déjà vu” sentimentos

Fica-nos a mente cheia.

Os viajantes reconhecem

Casas que lhes aparecem,


Tal se a aldeia recomeça

Várias vezes ou sucede

Uma a outra, peça a peça,

Sempre igual à que a antecede.

Fotografias tiradas

Saem sempre desfocadas.


Mais estranho é que nalgumas

Só vejamos terra arada,

Árvores, casas nenhumas...

Muita comissão nomeada

Foi para ver do mistério:

Nenhuma o resolve a sério.


Os últimos escolheram

Fugir de vez da Europa.

Um não fez o que fizeram

E a estrela sob esta copa

É que acabou internado

Numa clínica, acabado.


Por fim, muitos, concordantes,

Dizem que a aldeia sem fim

Não se encontra como dantes

No mesmo lugar assim,

Que, ao sabor das estações,

Se desloca entre nações:


Um a viu em Bukovice,

Outro, porém, na Moldávia,

Na Transilvânia alguém disse

Que a viu dum cesto de gávea

E um, enfim, até veria

Tal aldeia em meio à Hungria...



Parvati


A jovem adoradora

De Parvati, par de Shiva,

Na Índia proposta fora

Para o serviço da diva

Num dos templos consagrados.

Dos deuses no panteão dados


Punha Parvati acima,

O tempo dava à oração,

Cuida de altares, se arrima

Às estátuas desde o chão,

A colher e arranjar flores,

Varrendo o templo de odores,


Distribui pão aos mendigos,

Observa todo o ritual.

Nas festas, sai dos abrigos

Dos bailados ao sinal,

Junta-se às mais bailarinas,

É Ambalika em nome e sinas.


Ao fazer vinte e três anos,

Conheceu lá no recinto

Um peregrino. Fez danos

Seu olhar onde pressinto

Das profundezas o brilho:

Foi da paixão o rastilho.


Ambalika bem lutou

Contra a emoção que sentia

Mas depressa adivinhou

Que o rapaz a compartia.

O jovem persuadiu

E Ambalika consentiu.


Antes da noite da fuga

Dirige à deusa a oração,

Que entenda porque madruga,

Perdoe-lhe o coração.

Jeito arruma clandestino,

Vai ter com o peregrino.


Viveram juntos seis anos,

Têm dois filhos e a usura

Da vida provocou danos,

Vai matando com secura.

A atracção já se esboroa

E ele vai-se embora à toa.


Sozinha com os dois filhos

Ambalika enfrenta a vida,

Do campo lavra os sarilhos,

Perde um filho de seguida,

Outro homem que a conquistou

Meses após a largou,


Roubou-lhe o pouco dinheiro

Que ela lograra poupar...

A vida inscreveu-lhe inteiro

O inferno que tem vulgar.

Decidiu voltar então

Ao templo deixado em vão.


Quando ao templo após chegou,

Já tantos anos mais tarde,

Algo estranho constatou:

Todos, sem qualquer alarde,

Brâmanes e sacerdotes

A acolhem com os seus dotes,


Como se a tivessdem visto

Somente umas horas antes.

Saúdam-na, tal previsto,

Chamam-lhe o nome, constantes.

Ausência ninguém a sente,

Tudo é como antigamente.


Ambalika não pergunta

Mas a deusa interrogou.

Parvati ao sonho junta

Uma apsará que falou:

-”Parvati bem conhecia

Que voltarias um dia.


Assumiu tua aparência

E cumpriu tuas funções.

Varreu, perfumou de essência,

Engrinaldou os balcões,

Dançou, acolheu com hinos

E orientou peregrinos.


Ninguém da substituição

Se pudera aperceber.

Retomas tua função,

Ela, a sua e a correr

Tudo, enfim, ficará bem.”

Ambalika acorda e vem


O milagre agradecer

Em segredo realizado.

Retoma o que haja a fazer.

Porém, ao varrer um lado

Duma das salas a cargo

Notou que um tapete largo,


Num recanto mais escuro,

Parece inchado, uma bossa

Grande ali subia em muro.

Levanta o tapete a moça

E vê que há muito que alguém,

Por preguiça ou por desdém,


Se limita a empurrar lixo

Por baixo do tal tapete

Que ali só já cria bicho,

Em lugar, como compete,

De com a pá o apanhar

E para fora o levar.


De cólera então fremente,

Pousa Ambalika a vassoira,

Despe a bata competente,

Sem olhar quem a desdoira

Abandonou, com a ira,

De vez templos de mentira.



África


Havia duas aldeias

Frente a frente, junto a um rio,

Em África, como ameias

Que se olham em desafio.

Os remoinhos constantes

Impedem os habitantes


De fazer a travessia.

Crocodilos e serpentes

Venenosas de vigia,

Maus espíritos presentes

Aumentam o isolamento

De quem ali toma assento.


Quando algum audacioso

Tenta dum ao outro lado

Ir do rio tenebroso,

A verdade é que voltado

Nem sequer houve jamais

Nenhum de partida ao cais.


A aldeia de Ogadaú

Olha ao longe Uadagô,

Aceitam, pois, o tabu,

Do terreiro vêem pó,

Fumo a subir das cubatas,

Do tal rio além das pratas.


Uma ou outra silhueta,

Barcos ao longo do rio,

Luzeiros na noite preta

E das relações o fio

Ficava, ao fim, por aí.

De Ogadaú, Bakari


De muito novo sentiu

O fascínio duma aldeia

Que nunca alguém atingiu,

Horizonte a braça e meia,

E deu consigo a sonhar

I-la um dia visitar.


Aos dezoito anos chegado,

Decidiu que é a sua vez

De desafiar o fado,

Cortar o rio através.

Muito cuidadosamente

Prepara o que tem em mente.


De noite cava a piroga,

Leva uma pagaia a mais,

Uma catana que advoga

Contra ataques eventuais,

Bem como alguns amuletos

Contra espíritos secretos.


Treinou o melhor que pôde

Na margem onde habitava,

Aos remoinhos acode

Onde o perigo rondava,

Adquire vera destreza

Nestes domínios que preza.


Ao sentir-se preparado,

De manhã, rompendo o dia,

Saiu do lar, açodado,

Lança-se ao que o atraía

E, para sua surpresa,

Foi a travessia ilesa.


Os rápidos e correntes

São menos assustadores

Que quando os vêem as gentes

Da margem sonhando horrores.

Houve umas sacudidelas

Que dominou sem sequelas,


Desembarca do outro lado,

Puxa a piroga na areia,

Caminha para o povoado:

É-lhe familiar a aldeia.

A mesma vegetação,

Iguais cubatas no chão,


Iguais árvores e terra,

As mesmas redes de pesca

Ao sol, sem sinais de guerra,

- É uma magia grotesca!

Os aldeões a sair

Começam, ao campo a ir,


Enquanto a mulher sacode

A esteira à porta de casa.

Bakari vê que então pode

Conhecer do lar a brasa:

Tais habitantes maninhos

São todos os seus vizinhos.


Um cão de pata partida

Que havia na sua aldeia

Ali vive a mesma vida.

Virou-se, deu volta e meia:

Será que ele se enganou

E ao mesmo lado voltou?


Um habitante da aldeia

Cumprimentou-o ao passar

Com seu nome em boca cheia.

Conhece-o bem, era o par

Mais antigo do pai dele.

Arrepia-se-lhe a pele.


Cada vez mais espantado,

Sente-se mesmo à vontade

Na ruela, em todo o lado.

É a vez primeira, é verdade,

Mas Bakari, de repente,

Entra em casa de sua gente,


Na que tinha abandonado

Umas poucas horas antes.

Hesitou em ter entrado,

Que a mãe viu, mãos bem constantes,

A varrer o chão em frente

E que o olhou, sorridente.


Perguntou-lhe donde vinha.

Bakari, num gesto vago,

Olha o rio da adivinha.

Para beber de água um trago

Entra na cubata então.

Dá com seu bebé chorão,


Sua esposa a dar-lhe o peito.

Não parece surpreendida

De o homem ver deste jeito.

Foi quem lhe trouxe a bebida.

O copo de água sorvido,

Ele adormece aturdido.


Bakari fica na aldeia

Que é de nome Uadagô,

Retoma o labor, semeia

Campos de que sabe o pó.

Reencontrou o seu cão,

As alfaias, dele o chão.


Está mais velho, há momentos

Em que pára, imóvel fica,

Os olhos presa dos ventos

Da aldeia que o mistifica.

Voltar lá por vezes pensa...

Mas o risco o rio adensa.



Sudão


No Sudão, as caravanas

Perdidas aparecer

Vêem, dentre as secas canas,

Quando esgotamento houver,

Uma enorme fortaleza,

A seco, em pedra e beleza.


Basta então bater à porta

Para abrir-se hospitaleira

E a entrar como que exorta.

Dentro, de alguma maneira,

Os viajantes fatigados

São logo retemperados,


Há uma fonte de água fresca,

Fruta, carne de carneiro,

Leite, chá, do rio pesca,

Tâmaras, figos – viveiro

De coxins, tapetes, loiças

Onde noite além retoiças.


Um único pormenor

Preocupa aos que o elegem

Para fugir do calor

Para os repousos que o regem:

Faltam quaisquer animais

E, de humanos, nem sinais.


Não se encontra castelão

Nem criado de servir,

Nem mulher vinda ao serão,

Nem criança a brincar, rir...

Nem sequer um cão se apanha,

Nem um lagarto ou aranha.


O local parece ter

Sido por um batalhão

Preparado para ser

De fantasmas um desvão:

Nem sombra, sopro ou ruído,

Nem de música um gemido.


E, quando os caravaneiros

Acordam de madrugada,

Estão no deserto inteiros,

De arbustos a cama armada.

De tapetes, vitualhas,

Nem sinal, nem de muralhas...


Contudo, tempos mais tarde,

Outros grupos noutros cantos

Contam com algum alarde

Ter vivido, em meio a espantos,

No desespero da viagem,

Aquela mesma miragem.



Conto


Ao avô que muito preza

A criança diz, cordata:

- ”Porque é que do conto a reza

Em 'era uma vez' sempre ata?”

- ”Para eu ter a certeza

De não me enganar na data.”



Majun


Majun, o louco de amor,

Dum dervixe é questionado:

- ”Que idade tens tu, senhor?”

- ”Mais de mil hei já contado...”

- ”Que dizes?! Estás mais louco

Do que antes quando o eras pouco?”


- ”Estes mil anos não foram

Mais do que um sopro de nada.

Mas nesse sopro é que moram

Traços do rosto da amada:

Vejo Leila que perpassa...

Podes entender tal graça?”



Idade Média


Na Idade Média europeia

Partiu um monge à procura,

A manhã nem ia meia,

De plantas que davam cura,

Na floresta do lugar.

De repente ouve cantar


Um pássaro encantador

De canto maravilhoso.

Um momento, com fervor,

Ouve, arrebatado em gozo,

Depois retorna ao convento.

Vê que é o mesmo monumento,


Mas ele não reconhece

O irmão porteiro que atende.

O arvoredo em redor tece

Uma altura que surpreende

E, por fim, a sua cela

Outro monge habita nela.


Pretende, inquieto, ir falar

Com o superior da casa:

Era um outro, singular,

Não conhece a fronte rasa,

Nem o outro mostra saber

Quem é que ele venha a ser.


Compreendeu então que o canto

O teria enfeitiçado:

No feitiço desse encanto

Cem anos terão passado!

Volta então para a floresta

- Mas canto nenhum já resta.



Velho


Retorna um velho duma longa viagem,

Sai da estação e a pé regressa à aldeia,

Atravessando da floresta a aragem.

Quando julgava andar sozinho, ameia


Um outro homem e da mesma idade,

Caminha ao lado e mui silente em frente.

Cumprimentaram, num sorrir que agrade,

Não se conhecem, conclui ele, ausente.


Finda uma hora de caminho, o velho,

Cansado, viu que o outro, enfim, havia

Ficado jovem, a mexer o artelho

Bem mais depressa do que o que antes ia.


Toma de avanço metros mais de dez,

Volta-se após para esperar por ele.

Tal não o turba: -”Eu me enganei talvez...”

Ambos avançam, a apressar impele


O tempo curto. Só que o velho viu

Que o companheiro está na meia idade,

Caminha agora sem qualquer desvio

Bem mais do que ele, sem que nada o enfade.


Como enganar-se tanto já podia

Na idade dele? Não entende, não.

Passa uma hora e o velho então veria

Algo de estranho a lhe ocorrer à mão:


Detém-se o outro um pouco além, se volta,

Distintamente ele deveio jovem,

Além dos vinte pouco mais e, à solta,

Os gestos dele juvenis se movem.


Não se tratava de nenhum error,

Nenhuma dúvida já tem de tal.

- ”Quem és?” - pergunta com algum temor. -

“Entre nós dois que a correr anda mal?”


Responde o outro só sorrindo e avança.

No mais cerrado da floresta estavam,

O companheiro às vezes não alcança,

Reaparece longe donde andavam.


Seriam vários? Perturbar-me querem?

Mas porque haviam de querer? “Que fiz?” -

Tenta perguntar, nada mais lhe auferem

E o par caminha tal qual um petiz,


Adolescente, quando muito, agora.

- ”Não corras tanto, que eu estou cansado,

Por mim espera, que isto a mim demora.”

E, paciente, o outro espera ao lado,


Durante um tempo irão no mesmo passo,

Depois se afasta e a aguardá-lo torna,

Senta-se às vezes, após mais espaço.

- ”Mas que me queres? Andas nisto à jorna?


Trazes amigos confundindo um velho?”

E o companheiro só um sorriso tem.

É uma criança de tomar conselho,

De dez anos, cinco, já nem anda bem.


É que aos três anos lentamente vai,

É-lhe difícil em floresta andar,

O velho guia, ajuda quando cai,

Pega-lhe ao colo quando urgir saltar.


O mais estranho é que tudo é normal,

Sem saber como, recupera forças.

Mas de repente, sem qualquer sinal,

Quando entre os troncos passeavam corças,


Desaparece o bebé dentre o mato.

O velho o chama, o procurou em vão.

Desamparado, retomou, pacato,

A caminhada da floresta em chão.


Pouco depois outro barulho ouviu,

Como de passos, ali perto a andar.

Vira a cabeça e uma jovem viu,

Grávida andando de si quase a par.


Com uma mão o ventre inchado apoia

E num cajado apoia os lentos passos.

- ”Como te chamas?” - antevê tramóia

O velho, olhando-a com seus olhos lassos.


Por mais perguntas que fizer, a moça

Não lhe responde, fica a olhar, sorri.

Ao caminhar, então do ventre a mossa

Diminui lenta e o passo é leve ali.


- ”Que me acontece?” - o velho a si pergunta.

Um pouco após, de gravidez cintura

Desaparece e o velho as forças junta,

Revitaliza, perdeu anos, jura.


Caminha atrás, começa a achá-la bela,

Um sentimento há muito já perdido.

- ”Vamos falar” - diz - “um bocado” - a ela.

- ”Quase a chegar. Há que tomar sentido.” -


Até que enfim que já lhe ouvira a fala.

Vai-a seguindo, já não via mais

Que seu vestido de amarelo em gala.

A selva acaba, um rio dá sinais,


Macacos saltam como as aves cantam.

A rapariga pára junto às águas,

Solta o vestido, juvenis encantam

As curvas suas de esquecerem mágoas.


O homem cuida que jamais tal vira,

Um sangue novo se agita nas veias,

Do corpo a idade já de si saíra,

Todo o cansaço, da fadiga as teias...


Quis perguntar à rapariga ali,

Raio de sol em frente ao rio manso,

Mas ela tempo não tem mais em si

E diz-lhe então, com ancestral descanso:


- ”Não foi aqui que combinámos nós

Vir encontrar-nos em segredo, amor?”

Nesse momento reconhece-a. Após,

Braços abertos, tudo é só fulgor.



Mesopotâmia


Foi no século XIV,

Em plena Mesopotâmia,

Que mui alto às turbas orce

O custo de certa infâmia.

Hoje um estranho acrimónia

Daquilo olha em cerimónia.


Numa praça, seminus,

Homens o corpo fustigam,

Látegos de coiros crus

Com ferros que se lhes ligam.

Jorra o sangue e cai no chão.

Lúgubres, em cantochão,


Em redor batem no peito

Assistentes em lamentos.

Choram crianças em preito,

Da desolação aos ventos,

Tal se de ocorrer findara

O que em dor os arrasara.


O estranho pergunta a um velho

Que é que se passa, afinal.

- ”Dobramos nosso joelho

Ao passamento final

Do nosso emir Hossein

Que à vida o rumo define.”


- ”Quem foi?” - ”Não sabes?!” - ”Eu não...”

- Ӄ o fundador do xiismo,

O modelo da nação,

Quem nos dá lições de abismo.

Mas foi traído e deixado,

Em batalha se há finado.”


- ”E quando é que ele morreu?”

- ”Terá sido há pouco mais

De quatro, ao que contei eu,

Quatro séculos atrás.”

-”Só agora” - diz o outro a rir -

É que o estão a carpir?!”



Salvatore


Aos vinte anos, Salvatore

Deixa a povoação lenta

Onde nada é de supor

Que aconteça e implementa,

Negociando flor de dália,

Nova vida pela Austrália.


Fica lá quatro decénios.

Depois, com a vida feita,

Arrumados mil convénios,

Volta à terra, anciã colheita,

A reviver trigo e joio,

Num ronceirão dum comboio.


Ao pôr o pé na estação,

Questiona se um velho amigo

O irá conhecer ou não,

Se alguém quer relato antigo

De aventuras solitárias

Por longínquas terras várias...


Ao se apear, logo vê

Um homenzinho curvado,

Funcionário. Nele lê

Que é Giovanni, o do lado

Colega em turma da escola.

Acena e ali se lhe cola,


Apontando, a mão tremente,

Para a sua própria cara.

Olha-o Giovanni, indulgente,

E, sem surpresa, declara:

- ”Olá, Salvatore! Agora

Por aqui? Quê, vais-te embora?!”



Iraniano


O espanhol e o iraniano

Conversam da relação

Com o tempo: traz-nos dano

De horários com precisão,

De acção com imperativo,

Por vezes sem ter motivo.


- ”De 'amanhã' a noção temos

Que cómoda nos é bem.

Entre vós algo veremos

Semelhante a tal também?” -

Comentava o espanhol,

Já de mente muito mole.


- ”Temos” - diz o iraniano -

“Temos 'oxalá', Deus queira.

Mas creio que, a evitar dano,

Vendo-a por minha joeira,

No que respeita a premência,

Não tem nunca a vossa urgência.”



Émulo


Pergunta o émulo ao mestre

Que é que afinal é verdade.

Para que nela se adestre

Diz o mestre: - ”Ah, mocidade!

Traz-me de água uma bacia,

Mete a cabeça em tal pia.”


Feito isto, com toda a força

Segura-lha dentro e funda.

Enquanto ele se contorça,

Mantém-no, que o ar abunda.

Se rareiam bolhas de ar,

Deixa o mestre de empurrar.


Quando, quase sufocado,

Retira a cabeça de água,

Diz-lhe o mestre, ponderado:

- ”A verdade, é certo, trago-a.

Porém, só se a desejares

Como quando, ao sufocares,


Desejaste ar ao teu pé,

Saberás o que ela é.”



Religiões


De diversas religiões

Eminências soberanas

Conversam, nalguns serões,

Sobre estas crenças humanas.

O budista celebrou

Paz íntima que entoou,


A renúncia, a compaixão,

A anulação do desejo.

E os mais dizem , com unção:

- ”Que maravilhoso ensejo!

Se funciona para si,

É fantástico, bem vi.”


O hinduísta ciclos de vida

Traz por ele à colação,

Subtil trama de subida.

E os mais dizem com unção:

- ”Maravilha! Opera em si?

É fantástico, bem vi.”


O católico Jesus

Diz que traz a redenção

No sacrifício da cruz.

E os mais dizem com unção:

- ”Maravilha! Opera em si?

É fantástico, bem vi.”


Só que ele fica furioso:

- ”Mas aqui não é questão

De em mim obrar o amoroso

Deus, de todos coração!

É a verdade universal:

Se não credes, fareis mal!”


E os outros, todos em coro:

- Ӄ mesmo maravilhoso!

Se em si opera, o que ignoro,

É fantástico e que gozo!”



Rei


Um rei sincero buscava

Justiça e verdade e via

Que só lisonja imperava,

Corrupção, miséria fria.

Ouvira falar dum sábio,

Conselho quis de seu lábio.


- ”Como é que se pode o homem

Tornar melhor algum dia?”

- ”Leis não bastam, que o consomem,

Clareza e paz são o guia.

Tem de obrar com compaixão,

De ignorar-se. E aos outros, nâo.”


- ”Como, porém, consegui-lo?”

- ”Só com verdade lá chega.”

- ”Como no vero o perfilo?”

- ”Manda o que o vero congrega.”

Irritado, manda embora

O palavroso na hora.


Para ele, o que é verdade

Há-de estar de certo lado

E do outro, a falsidade,

O erro a ser extirpado.

O que mais apreciava

É o que é simples e bastava.


Faz uma forca instalar

Logo da cidade à entrada.

- ”Quenquer que deseje entrar

À pergunta formulada

A verdade há-de dizer

Ou há-de enforcado ser.”


Ora, alguns dias mais tarde,

É o sábio que se apresenta:

- ”Onde vais?” - diz, sem alarde,

O chefe, mal nele atenta.

- ”Para a forca vou, aquela,

Por que me pendures nela,”


- ”No que tu dizes não creio” -

Diz, de espanto, o comandanta.

- ”Enforca-me sem receio,

Se menti” - diz o impetrante.

- ”Contudo, se eu te enforcar,

Falas verdade, em lugar.”


- ”É verdade” - diz o sábio.

- ”Então não te enforcaria

Por me mentir o teu lábio

Mas porque a verdade envia.

Isto é, porém, o contrário

Das instruções ao sumário.”


- ”É verdade” - repetiu

O sábio segunda vez.

Logo o capitão correu

Ao palácio, que talvez

O rei encontre saída...

- Mas nem sombra de medida!



Universo


Ao ser criado o Universo,

Imenso e respandecente,

Tinha um segredo no verso

Cujo saber imprudente

Perigoso é tanto e agudo

Que pode destruir tudo:


Aniquila-se no instante

O que passara a existir.

Escondê-lo era importante

O mais que se conseguir.

Ora, os deuses indianos

Prestam a tal seus arcanos.


Shiva, o grão destruidor,

Acredita que é num poço,

Bem junto ao templo maior:

Quem buscaria em tal fosso?

Mas os mais não concordaram:

Sempre em redor caminmharam


Infinitos peregrinos,

Pode um cair por descuido...

Krishna quer outros destinos:

- ”Na manteiga de que eu cuido.”

Pode sempre derreter

E o segredo se perder,


Foi a opinião dos mais.

A ideia foi rejeitada.

A Jagannath, o das reais

Fúrias temíveis, agrada

Na sua estátua escondê-lo:

De terror, quem quer sabê-lo?


Mas um deus a envelhecer,

Com a estátua a esboroar-se,

Se ela se quebra, quenquer

Ao segredo pode alçar-se.

Ganesh, o deus-elefante

Propôs a Lua distante.


Mas os homens são tão loucos,

Com tamanha agitação

Que acabam trepando aos poucos,

Ainda à Lua chegarão.

Diz Vishnu: -”Precisamente,

Que o segredo fundo assente


Dos homens no coração!”

Acham a ideia excelente.

Os demais deuses então

Enterraram, má semente,

O segredo em nós bem fundo,

Não vá vir o fim do mundo!



Depressão


De crónica depressão

Mui sofria uma mulher.

Ao terapeuta vai ter

A lhe confessar então:

- ”Doutor, tenho um bom marido,

Ele ama-me, desvalido,


Sempre a encher-me de presentes.

Os filhos têm saúde.

O trabalho, os pés assentes,

Nunca me ele desilude,

Até tenho, por excesso,

Considerável sucesso.


Nunca sofri, de raiz,

De qualquer grave doença.

Em suma, sou infeliz.”

Para tal não há sentença.

O terapeuta, após prazo

Longo, encontra-a por acaso

Em festa muito animada.

Conta-lhe ela que o marido

A deixara abandonada,

Trocara-a, ao fim, ressentido,

E agora os filhos se drogam,

Perdeu o emprego e se afogam


Em dívidas doravante

E um cancro receia ter...

- ”Pois então, nalgum instante

Já infeliz não sente ser?”

- ”Sinto” - diz ela, de pé. -

“Mas agora sei porquê.”



Marselhesa


Numa história marselhesa

Um homem entra num bar,

Viu um peixe, com surpresa,

Pendurado, singular,

Grande, enorme, embalsamado.

Tendo a cabeça abanado,


Diz: - ”Que grande mentiroso

Pescou um tão fabuloso!”



Europa


Na Europa, um bebé nasce.

No instante de vir ao mundo,

Um anjo que ali perpasse

Pousa-lhe um dedo fecundo

Na boca, para impedi-lo

De revelar o sigilo


Que ele então ainda conhece.

A cova ao centro do queixo

Do apoio provém neste eixo

Dum dedo de anjo, parece.



Bombardeada


É bombardeada a cidade.

Cada qual, conforme pode,

Foge, já sem liberdade,

Por onde melhor lhe acode.

Não têm mortos e feridos

Mais conta, pois os vencidos


Tudo saqueiam, de fome.

Pior, chuvas incessantes

Destroem quanto se come

Com inundações constantes.

São levadas casas, pontes,

São desgraça os horizontes.


Correm só por toda a parte

Pegadas de desgraçados.

Do canibal a vil arte

Aflora em todos os lados.

Eis que um monge zen caminha

Por entre quanto definha,


Sem pressa, muito sereno.

Dizem-lhe: - ”Isto não o aflige?!”

- ”Não” - responde num aceno.-

“Aparte o nada que exige

Esta agitação, está

Tudo bem calmo por cá.”



Deserto


Um pedregoso deserto

Mui raramente recebe

Uma nuvem que, no acerto,

Águas deixa de que bebe

A terra e a seca areia,

Então da benesse cheia.


Podiam sobreviver

Animais e vegetais.

Não cansa de agradecer

O deserto gestos tais

A cada nova visita

Que a morte total desquita.


Lamentava não poder

Ofertar-lhe nada em troca.

- ”Pára de me agradecer” -

Diz-lhe um dia a nuvem louca.

- ”Então porquê?!” - perguntou

O deserto que a escutou.


- ”Dizes que não me dás nada

Em troca de te regar.

Nada vale, então, de entrada,

Este meu prazer de dar?

A minha rega se apaga,

Isto, não e não tem paga!”



Hakuã


O mestre zen dito Hakuã

Vive junto à peixaria.

Do peixeiro a filha sã,

Nova e que de encanto ardia,

Grávida um dia aparece.

Os pais querem que confesse


De quem. E ela a revelar:

- ”Foi o mestre Hakuã, é dele.”

O monge vive a esmolar

Em cabana de osso e pele.

Não vão a filha querer

Dar-lhe o peixeiro e a mulher.


Não lhe falaram de nada.

Quando a criança nasceu,

Ponderaram na jornada

E dizem-lhe: - ”Já que é seu,

O melhor será tratar

Mas é de no-lo criar.”


- ”Está bem” - disse Hakuã,

Sem mais qualquer comentário.

A criança, de manhã,

Dele vive igual fadário,

Atada às costas, nas ruas

Quando pede de mãos nuas.


Um dia, a mãe da criança

Confessa que o vero pai

É do merceeiro a frança

Do filho que perto vai

Andando, antes reticente

E agora aceite e presente.


O peixeiro e a mulher

Conferenciaram então,

Com mestre Hakuã foram ter,

Mil desculpas pedirão,

Ofertam-lhe alguns presentes,

De vergonha reticentes.


Iam buscar a criança

Que não era filha dele.

- ”Está bem” - Hakuã lhes lança

E a criança lhes impele.

- E, tal como antes do acinte,

Continua a ser pedinte.



Hindu


Um jovem inteligente

E sábio mais que o credível

Se apaixonou de repente

Pela princesa invisível

Que é filha do rei dos génios

Que nunca aceitou convénios.


Sonhava constantemente

Com ela sem a ter visto.

O pai do rapaz consente

Que vá ter, dado o imprevisto,

Com o hindu sábio que ao mundo

Conhece o segredo fundo.


Que dele fique ao serviço,

Passando por surdo-mudo,

Para ver, como um noviço,

Dele as práticas em tudo.

Talvez aprenda um segredo

Que importe para o seu credo.


O jovem foi ter com ele,

Já bom fogo lhe acendia,

Água lhe traz, jarro em pele,

O cabelo escovaria,

Até lhe prepara a cama

Como o respeito reclama.


O sábio, por várias vezes,

Pô-lo à prova, a confirmar

Enfermidades soezes.

O jovem, no seu lugar,

Resistiu mesmo à picada

De sovela que enterrada


Lhe foi num pé, certa noite,

Enquanto ele ali dormia.

Da dor ao sentir o açoite

Abre a boca e gritaria,

Mas lembra a prova, o jejum,

Não sai de lá som algum.


Passam anos. Pouco a pouco,

O rapaz foi aprendendo

Segredos (têm-no por mouco)

E anotou-os, como a medo,

Excepto os que eram contidos

Num cofre à chave escondidos.


E, tal como antes, pensava

Numa princesa sem cara

Cuja presença palpava

Mas que nunca vislumbrara.

Adoece o rei um dia

Pois qualquer coisa bulia


Sempre dele na cabeça.

Nenhum médico entendeu

Que era aquilo e onde começa.

O sábio se dirigiu

Ao palácio com a ajuda

Da criança surda-muda.


A cabeça enorme inchaço

Apresentava do rei.

Um bicho encerrar lá crasso

Parece ser que é de lei.

O mestre rapa o cabelo

E lanceta sem apelo.


O bicho logo encontrou,

Tal e qual um caranguejo,

E de o retirar tratou

Com a pinça, num arquejo.

Mas o bicho se agarrava

À cabeça e o rei urrava.


O discípulo exclamou,

Após anos de silêncio:

- ”Cuidado, mestre, escapou!

É que assim a pinça vence-o,

Mas ele se agarra mais.

Queima-lhe as costas atrás,


Que ele tira logo as patas!”

Ao ouvir dum surdo-mudo

Tais palavras tão sensatas,

Tem o mestre ataque agudo,

Cai morto em pleno salão,

Nada o reanima então.


Logo delicadamente

Trata o rapaz de queimar

As costas do repelente

Bicho na cabeça a andar.

O carvão a arder o solta,

É retirado de volta.


O rei, restabelecido,

Por título sartapeck

Ao jovem dá e um sortido

De presentes, mais, no leque,

De seu mestre toda a herança

Que ele nem sabe o que alcança.


O seu primeiro cuidado

É abrir o cofre-mistério.

Encontra ali, num traslado,

Aquele rosto sidéreo

Duma princesa invisível

Com que sonha, inesquecível.


Desenha uma figurinha

Que a representava inteira,

Recita uma ladainha,

Magos termos, chama à beira.

Quarenta dias mais terde,

Ela aparece-lhe. Ele arde.


Sartapeck não encontra

Palavras de a descrever.

Contudo, saiu da montra

De dentro de si, ao ser.

- ”Como conseguiste, enfim,

Penetrar dentro de mim?”


- Ӄ desde o primeiro dia

Que eu estou sempre contigo.

Sou alma tua: a porfia

Com que em mim buscas abrigo,

O que buscas com ardor

É a ti próprio, o teu pendor.


Olha, pois, com atenção

E verás que o mundo inteiro

Mais não é que tu então.

Sou alma tua, pioneiro.

Vê, pois, que o que buscarás

Só em ti encontrarás.


E não sejas preguiçoso

Na tua longa demanda.

Se procurares teimoso

Descobres o que em ti anda,

Afinal, que tu és tudo,

Aberto ao infindo mudo.”


- ”E porque em mim procurar

Devo?” - pergunta o rapaz,

Os ouvidos a zoar,

De entender ainda incapaz.

E a moça, um olhar agreste:

- ”É porque tu te perdeste.”



Suma


Pergunta um noviço ao mestre:

- ”Como pode um ser humano,

Ao fim de quanto se adestre,

Reconhecer, sem engano,

Que por fim atingiria

A suma sabedoria?”


- ”Quando ele, por fim, deixar

Tal questão de colocar.”



Sabedor


Questionam um sabedor

Que muito mundo viajara

Se por acaso encontrara

Pessoas de algum fulgor

De que, com algum vagar,

Goste mesmo de falar.


- ”Só encontrei homem e meio.”

- ”Quem era a metade homem?”

- ”Antes que fúrias o tomem,

Um que, de prudência cheio,

Só doutrem dizia bem.”

- ”E o homem inteiro é quem?”


O sabedor olha a estrada:

- ”Um que não dizia nada.”



Índia


Transportava um aguadeiro,

Na Índia, duma nascente,

Água para o povo inteiro.

Sempre o carrego ia assente

Em duas bilhas atadas,

Muito bem emparelhadas.


Nos ombros, de cada lado

Duma barra de madeira.

A da direita chegado

Sempre havia toda inteira,

Pois era uma bilha intacta

De parede bem compacta.


Mas a da esquerda, rachada,

Perdia metade de água

Pelo caminho pingada.

Durou isto anos de mágoa,

Que o aguadeiro nem tinha

Com que comprar uma linha.


Um dia, a bilha rachada

Diz, penando, ao aguadeiro:

- ”Tenho vergonha aumentada,

Só da imperfeição me abeiro.

Perco água por minha culpa,

Por isso peço desculpa.”


Olha para o recipiente

O aguadeiro e então lhe diz:

- ”Ao voltarmos da nascente

Vais olhar, tal quem não quis,

O lado esquerdo sozinho,

O teu lado do caminho.”


- ”E que verei?” - diz a bilha.

- ”Verás as ervas e as flores,

A pequena maravilha

De verduras e de odores

A que a tua água perdida,

A todo o tempo, deu vida.”



Bombaim


Na Índia, um Jain, Vijaya,

Comerciante em Bombaim,

Tinha fortuna de praia,

De porto e transporte afim.

Por antiga tradição,

A meio da vida, então,


Fez renúncias sucessivas

Para atingir a sageza.

Neste método uma arquivas

Por ano, a que mais se preza.

No primeiro, renuncia

À fortuna que teria.


Distribui bens em redor,

Guardando para viver

Só o que imprescindível for.

No segundo ano o que quer,

Ao carro é renunciar,

No terceiro é dispensar


De vez dele o motorista,

Conservado inutilmente

Durante um ano na lista.

Tabaco é no quarto assente:

Bem difícil pareceu

Mas ele, enfim, conseguiu.


São bebidas no seguinte

E, no sexto, o leite e o queijo.

É, no sétimo, o requinte

Dos temperos, no desejo.

Um ano após já depura

Da cabeça a cobertura.


No nono ano renuncia

Ao guarda-chuva que usava.

No décimo o sexo adia,

Que nunca mais o activava.

Veio depois o cinema,

O teatro e segue o esquema


Com a música e a dança,

Por fim a televisão.

No décimo sexto alcança

A animal degustação.

E, antes de ir a campos novos,

Renuncia após aos ovos.


O décimo oitavo é duro,

Teve de o recomeçar:

Tenta pensar com apuro,

O erótico a recusar.

Se renuncio a uma meta,

Levo a que a força a acometa.


Largou a religião:

Mais fácil lhe pareceu

Que quanto, em compensação,

Antes, nisto, ele previu.

Renunciou aos jornais

Como às outras formas mais


De conversa e relações

Com parentes ou amigos.

Recusou as abluções

Sem mais ligar aos perigos,

Um ano os pés, outro os dentes,

Outro o cabelo sem pentes.


Renunciou ao orgulho,

À cobiça e à vaidade,

Dos defeitos todo o entulho

Que pesa na humanidade.

Até que desaparece

E o mundo quase que esquece.


Sessenta e tal anos tem,

Ninguém sabe onde encontrá-lo,

Dele novas não advêm.

De súbito, com regalo,

Reaparece, sorridente,

Bem vestido, mui contente,


Guiando um descapotável,

De radiosa dama ao lado,

Um havano insofismável

Fumegando incendiado.

Um amigo o reconhece,

Pergunta-lhe o que acontece.


- ”És tu mesmo, tu, Vijaya?!”

- ”Sou eu, pois claro, sou eu.”

- ”Voltaste a uma vida gaia

Ou que foi que aconteceu?”

- ”Não, de maneira nenhuma,

Continuo tudo, em suma,”


- ”A que é que renunciaste

Agora, na tua lei?”

- ”Bem vês tu, já reparaste:

À renúncia renunciei.”

E de Vijaya a esperança

A suma sageza alcança.











































À Lareira do Amor Divinatório




1


Primeira Lareira



























Primata


Bem mais primata que lobo

É o homem,

Quando o confiro:

Feito bobo,

Deixou de ser lobisomem

Para tornar-se vampiro.


Porém,

É nossa a perda que houver

Se alguém

Deixar o lobo morrer.


Do pimata a artimanha

Não dá em nada

Quando o fim te apanha

Da jornada:

A esperteza trai-nos um dia

De vez

E a sorte que nos fez

Acaba então, vazia.


Depois é que descobrimos a medida

Do que é importante na vida.


Nada tem a ver

Com o que estratagemas, esperteza e sorte

Nos proporcionaram.

Deste primata norte,

Nem as sombras sequer

Ficaram.


Antes, é o que resta

Quando tudo isso (que então não presta)


Acabou

E na cinza ficou.


Muitas coisas somos!

Mas o eu mais importante

Que não referem os tomos,

Não é o que conspira vida adiante,


- É aquele que fica preso à calha

Quando a conspiração falha.


Não é o que se delicia

Com a artimanha,

É o que fica em agonia

Quando ela o apanha

Como a quenquer

E o abandona para morrer.


O eu mais importante

Não é o que goza dele a sorte,

É o que continua para diante

Quando ela se vai embora

E, em tal hora,

Finta a morte.


O primata

Há-de sempre falhar-nos, ao fim.

Quando o fio se desata,

Assim,


A pergunta que ecoa

É que responde ao que presta:

- Quem é a pessoa

Que resta?



Rumos


Disciplina e liberdade

Não seguem rumos contrários:

Disciplina é que persuade

O ser livre, em trilhos vários,

A ser possibilidade

Que desafia os fadários.


Sem a disciplina não

Há deveras liberdade:

Apenas, na ocasião,

Ao acaso para os que agem,

Aquilo que sofrerão

É mera libertinagem.



Amizade


A amizade familiar,

A que nos entrosa ao grupo,

Tem vontade de actuar

Em prol de quem eu me ocupo.


Por mais que o não queiramos fazer mesmo,

Por mais que até nos deixe horrorizados,

Mesmo doentes vagueando a esmo,

Mesmo que ao fim os preços elevados

Acabem mais pesados, no lugar,

Que o que nós lograremos suportar


Fá-lo-emos, que o melhor é para eles,

Fá-lo-emos porque havemos de o fazer.

De o fazer talvez nunca nós, imbeles,

Tenhamos, mas impõe-nos o dever

Que estejamos, fiéis, já preparados

Para tal, sejam quais forem os dados.


O amor às vezes dá-nos muita raiva,

Amaldiçoar-nos pode eternamente,

Leva-nos ao inferno que nos caiba.

Porém, a melhor sorte em nós presente

É o amor, na atitude desenvolta

Que a nos trazer nos finda a nós de volta.



Temporais


Por sermos criaturas temporais,

Daqui sofremos cruas desvantagens:

Matuto num passado, o nunca-mais,

E um porvir que vazias tem as vagens.


O passado recordado

E o desejado futuro

O agora-aqui hão moldado

No irreversível conjuro.


As temporais criaturas

Neuróticas são, de modo

Que do presente as figuras

Jamais fruirão de todo.


No passado e porvir tanto vivemos

Que há-de uma maldição nos controlar.

Porque “através” melhor a olhar nos vemos,

Através dos momentos, em lugar


De a eles os olhar: queremos vidas

Que contenham sentido e, em simultâneo,

Não entendemos como nossas lidas

Possam sentido ter no supedâneo.


Nossa temporalidade

É para nós o desejo

Daquilo que nos invade

Sem de o compreender o ensejo.



Melhor


Vou morrer e o meu melhor

É que me sinto aqui bem.

Vou fazer seja o que for

Que me apetece e convém.


Este momento se inteira

Nele mesmo e não precisa

De justificar-se à beira

Doutro qualquer que desliza


Do passado ou do futuro:

- Inteiro aqui me inauguro!



Lápides


Lendo as lápides, revejo

Quem há perdido o combate,

Da vida somado o ensejo

Numas linhas para abate.


Deviam enaltecer

Como é que tinham vivido,

A diferença a insvrever

No mundo ao jeito esculpido.


Senão, para quê tentar,

Se tudo, ao fim, reduzido

É, na pedra tumular,

A palavras sem sentido?



Recuperar


Agora que entre nós vive,

Deus anda a recuperar

Das coisas o estado antigo.

Ao visível o que esquive

É uma oferta por que ansiar:

Um coração para abrigo,


Invisível, onde quero

Viver eterno em seguida.

Por ele é que me supero:

- É o que me dá peso à vida!



Passado


Quão mais nos dissociamos

Do passado, à nossa volta

A viver bem disfarçado,

Mais difíceis são os ramos,

Entre os caminhos à solta,

Do retorno ao lar sagrado.


A recusa em aceitar

O que foi nosso passado

É a maneira mais segura

De a nossa vida tombar,

Ceder de antanho ao traslado:

- E de mim perco a figura!



Problema


Um problema de imediato

Nunca nos desaparece,

Ou até, de nenhum modo,

E, quando mal me precato,

Ao parecer que me esquece,

Não o aniquilei de todo.


Imperfeição e tristeza

São sempre o preço a pagar

Por isto de estarmos vivos.

Se calhar demais nos pesa

E há horas em que lutar

Tem, por únicos motivos


Da resistência ofertada

Sem recompensas cabais,

A hipótese de lutar

Nestas barreiras da estrada

Apenas um pouco mais

Ante a derrota a chegar.


É um fardo muito pesado

Mas é sempre um bom passeio

Isto de andar deste lado

Um outro sempre a rasar

E, às vezes, cá pelo meio,

Conseguirmos ver o mar.



Olhar


Por vezes temos de olhar

Para trás e não faz mal.

Tornar-me estátua de sal

Só mesmo se, incompetente,

Eu então nunca voltar,

Não voltar a olhar em frente.



Pior


O pior, pior dos gestos

É que acorrentaram Deus

Em infindos manifestos

De palavras, quais ateus.


Tornaram-nO tão concreto

Que tem então de viver

Entre nós, nada secreto:

O invisível a morrer,


De viajante inconformado

Carne efémera tornado.


Assim é uma instituição:

Do sonho é sempre prisão.


E, quando nela o captura,

Tanto faz que o desfigura.



Realidade


A realidade da vida:

Não posso ter dito ou feito

Sempre o que é certo, à medida,

Nem sequer sempre me ajeito


A ajudar todo e quenquer,

Nem a levar nunca alguém

A disponível se haver

Para quenquer que aí vem.


Há sempre o que não ocorre,

O amor desarticulado.

Diferente enquanto corre

É o presente ante o passado,


Quando a luz de o recordar

Através dele brilhar.


A vida não tem que ver

Com a perfeição jamais

Mas com aquilo fazer

Que puder em dias tais.


Tal como havia de ser

É que tudo foi então.

De confiar hei-de ter

No instinto que tenho à mão


E após terei de esquecer...

O passado há-de-me ter


Sempre o seu dedo apontado,

Conserve-o ou não conserve.

Como quer que eu vá jogado,

É o grilhão de que se serve.


E mantém-me prisioneiro

Se além não saltar pioneiro.



Eventos


Os eventos do passado

Endureceram, ficaram

Cacos dum vidro intocado

Em nossa mente espetado,

Corpos que estranhos nos aram,



Se deslocam e nos ferem,

Profundos demasiado

Para alguma vez poderem

Sugar-se onde se esconderem,

E é tudo tão aguçado


Que nos cortam o presente

E nos sangram, de repente.



Más


As coisas más acontecem:

Às vezes nós as fazemos,

Outras outros no-las tecem.

Nada importa que as neguemos,


Não vão desaparecer.

Que importa a profundidade

No lixo em que as esconder?

Continuam de verdade


A fazer parte de nós.

Se uma carta nos destroça,

Que importa queimá-la após?

Dar tréguas encurta a mossa:


Não damos voltas à faca

Durante a noite e tentamos

Impedi-la, por mais fraca,

De nos arruinar os tramos


Com que alinhamos o dia.

Mas tentar a perfeição

É só de quem se iludia

Contra o real em acção,


Dando mais valor acaso

Ao que estiver na cabeça

Que o que em redor eu aprazo

Que é o que sempre me atravessa.


O lugar onde viver,

Também com sombras erguido,

Sempre é o lar para quenquer:

O mobiliário partido,


Dedadas no interruptor

- É o que faz dele o que for.



Sinais


Olha os sinais,

Não forces a conjuntura.

Tenta ver, quando tu vais,

Onde leva a água pura.


Importa boiar agora,

Respeitar das ondas a frequência,

Entender do céu onde o rumo mora.


A seguir,

Ao fulgor da evidência,

Agir.


Cá em baixo, então,

Abrirás caminhos.

Lá de cima abençoarão

Das veredas todos os ninhos.



Acordo


De acordo estás com o céu

E o céu, de acordo contigo.

Escuta-lo ao teu postigo,

Fala-te ele atrás do véu.


O fruto que isto te deu

É maduro em teu abrigo,

Rio que flui mas consigo

Leva dois mundos de seu.


Tal é, pois, tua verdade,

Vais onde fores levado

E és feliz por ter tal fado.


Trilho de sublimidade,

Na terra de parto em dor

És de céu um semeador.



Felicidade


Era uma vez toda a glória

Duma pessoa feliz

Com planos e com memória

Para a vida que ela quis.


A felicidade foi

Há muito tempo, entretanto.

Agora, distante, dói.

Não houve culpa, no entanto,


Mas responsabilidade:

Tu criaste uma distância

Do céu à terra, em verdade.

Do Além a fala, com ânsia,


Deixaste de ouvir na vida

E crês então que a atitude

Se justifica em seguida.

O céu fala em quanto mude,


Na chuva que rega e molha,

No sol que brilha e bronzeia,

No murete que se antolha

E que à frente nos ameia


Para ao céu erguermos olhos...

Encurta, pois, a distância,

Olha acima dos escolhos,

Apreende o céu da infância,


Que ele te vai ficar grato

Para toda a eternidade.

Que sentido há, se desato

Céu de terra que ele grade,


Que sentido há neste chão

Se não for a comunhão?



Convicção


A convicção no caminho

É um poder espiritual,

Tão poderoso cadinho


Que enquanto vir o esteval,

Enquanto souber onde ando,

Porque acontece um sinal,


O que é que aprendo, onde e quando,

- O percurso luminoso

Irradiante vai ficando.


Convicto de que me entroso

No caminho verdadeiro,

Atraio, para meu gozo,


Energia em grau cimeiro,

De tamanho imensurável.

E o caminho, mais ligeiro,


Com destreza inigualável

Assim então percorrido,

Vai ficando mais estável,


De vencer vou convencido.

A chave é a meditação

Feita da vida o tecido.


E, mesmo que a estrada então

Não aparente harmonia,

Tal caos é ocasião


Para religar o dia,

Trepar ao céu a buscar

Mais informação que urgia.


E a vida há-de prosperar

Para além da fantasia,

Mais abundante que o mar.



Medo


Um medo fundamental

Leva-te à compensação:

Medo tens de algo real

E compensas logo então.

Não vais enfrentar o medo,

Vivenciá-lo, tarde ou cedo?


Vivenciar uma emoção

É permitir-lhe ir-se embora.

Se o medo te tem à mão,

Leva-te a fazer agora

Outra coisa, longe ou perto,

O que nunca dará certo.


Quando algo queiras fazer

Por te trazer bem-estar

Contra o mal-estar que houver,

Por medo de o enfrentar,

Um tal acto, apenas teu,

Não tem o acordo do céu.


Se estás mal, fica-te aí,

Sofre o que tens de sofrer,

Chora a mágoa que haja em ti.

Com certeza que a quenquer

Daqui vai advir a luz,

Que ir ao fundo se traduz


Numa clarificação

Sempre em todos os sentidos.

Ao mergulhar no cachão,

No fim, os medos volvidos,

Irás sentir-te melhor.

Depois, se ainda então for


De algo fazer com vontade,

Se persiste o chamamento,

Já quebrada a opacidade,

Já transposto o fingimento,

Em tal caso então avança,

Que o céu quer o que te alcança.



Comando


Certas alturas da vida

Há que assumir o comando.

Não é sempre que é devida

Uma atitude de mando.

Quando, porém, acontece,

Nem importa se apetece.


Comandar implica agir

Mas não é somente acção.

Também provoca a seguir

Qualquer um outro à função,

Gera exército, estratégia

E avança em passada régia.


Não há muito espaço aqui

Para o coração vibrar,

Sentimentalismos vi

Sempre nisto a soçobrar.

O que houver para fazer

É só fazê-lo quenquer.


É faceta da matéria,

Nem tudo é exacto, de vez.

Pede uma conexão séria

Normalmente o céu que vês,

Sentimento, coração

E mui profunda intuição.


Raramente o que nos pede

É um exército a avançar

Porque é o que a hora antecede,

Não há mais tempo ou lugar.

Contudo, se isto é o de agora

O céu diz-nos: é a hora!



Culpa


Quem és tu, tão importante

Para crer-te imprescindível?

Culpa é um ego petulante.

Quem és tu, para, impossível,

Crer que sem ti nada roda,

Jamais anda a vida toda?


A culpa é uma tentativa

Inconsciente do ser

Para ter poder que arquiva,

A imprescindível se ver.

Culpa quem sente, por norma,

Faz um lugar tomar forma


Mas julga que deveria

Ser outro noutro lugar.

Por isso a culpa o atrofia,

Em conflito sempre a andar.

Não relaxa as mãos que ararem

Nem deixa os mais relaxarem.



O culpado sofre muito

Mas tem a grande tendência

De outrem culpar desse intuito.

Não cumpro minha apetência?

Então outrem também não

E, se cumpro uma função


Contra quanto me apetece,

Então outrem também tem

De cumpri-la, não me esquece.”

A exigência donde vem

Contigo e com os demais?

Atitudes porquê tais?


A culpa nunca te deixa

Viver nem te deixa olhar

Para ti mesmo e te enfeixa,

Sem evoluir, a te atar.

Culpas-te do que fizeste,

De não ter feito que preste,


Culpas-te de não fazer

O que os mais de ti precisam...

Ora, àquele que sofrer

Dele as carências avisam

Que escolheu a situação

Para, através da lição,


Da solução que procura,

Poder evoluir por dentro.

Dele que cuides da cura

Precisa,mas não é o centro.

Se extremo for teu cuidado,

Prejudica o que hás curado.


Ora, tu também terás

Evolução a fazer.

Se te culpas para trás,

Que evolução vai haver?

A conexão é importante

E meditação instante:


Lá no alto ganhas distância,

Vês vida doutra maneira.

Entendes a manigância

Duma dependência inteira,

Já que é um tipo de prisão:

Quem depende é preso ao chão,


Vive preso quem se culpa.

Vai Acima lá sentir,

Sem precisar de desculpa,

Nem de cuidar de ir ou vir,

A leveza que te invade:

- És leve de liberdade.



Ascender


Ascender, trepar ao céu,

Em espírito elevar-se,

Corpo em terra, o poiso seu:

É viável alcançar-se

Em meio ao cotio esquivo,

Enquanto ainda estou vivo?


Ora, a verdade é que sim:

Quando a consciência se alarga

E o caminho trepa assim

Até ao céu, a descarga

Da energia desce então

Do canal aberto ao chão.


Desce, invade o corpo inteiro,

Limpa misérias e mágoas

Muda posturas... Ligeiro,

Vibro como um cachão de águas.

Um homem, aqui em baixo,

Do céu com mágico facho,


Muda os paradigmas todos

E muda, gradual, de vida.

Emite novos engodos,

Aflora-lhe o âmago à lida,

O que atrai muita abundância:

Do Infindo tudo é fragrância.



Emoção


Perto demais da ruptura,

Tudo parece ruir,

A emoção maior supura,

Leva ao rubro o que sentir.

É o que então mais dói, assim:

Parece chegar o fim.


Última gota de sangue,

A última de suor.

E após o tormento, exangue

De o fustigar tanto a dor,

E de se ir embora, enfim,

De doída até ao fim,


- Eis uma tranquilidade

Deveras libertadora.

Se o termo final persuade,

Sofre quenquer ainda e chora,

Não de atraído por dor

Mas por de facto supor


Que de vez forma eficaz

Vai ser de se livrar dela.

Do que doer luto faz,

Dói da dor toda a sequela.

Só então ergue a cabeça

À jornada que começa.


Parar e sentir a perda,

Parar a se emocionar.

Transpor a emoção que se herda

Para depois avançar

Com a lição aprendida

Na nova trilha erigida.


De facto cada lição

Mais uma oportunidade

A cada bifurcação

É de nova identidade,

De escolher, perante as eras,

Quem alguém vai ser deveras.



Contrários


Não estás mesmo a ser prático:

Experiência de matéria

Harmonioso e simpático

Encontro é sempre dramático

De contrários, féria a féria.


Pendes sempre para um lado.

Sonhas e o céu sonho adora,

Anseias e bem guardado

É do céu quem haja ansiado.

Só não entendes agora


Que tens de conciliar

Céu com terra nesta vida.

O sonho é de sustentar

Sólido em chão basilar,

Senão o sonho, em seguida,


É uma forma de fugir:

Quanto mais se sonha então

Mais real vai-se excluir,

Só sonho é parco existir.

Lá do alto nunca o céu, não,


Será contra teu sonhar,

Mas depois de sonhar tens

De na matéria tentar

Construir teu sonho, a par,

Senão só sonho manténs.


É que sonho construído

Na matéria é evolução.

Se só sonhado é vivido

E de mais sonho seguido,

É uma fuga à situação.


Qual vai ser para recolha

Finalmente a tua escolha?



Abre-te


Abre-te ao céu como à terra

E não vivas mais aflito.

Tudo o que hoje aqui te aterra

Busca, afinal, o Infinito.


Abre-te ao céu por inteiro,

Abre-te à terra também:

Tudo de que ao fim me abeiro

O Infinito busca além.



Dinheiro


O dinheiro é um potencial,

Cada qual faz o que quer,

Gasta bem ou gasta mal

Consigo ou outro qualquer.

Teu livre-arbítrio, onde imperas,

Diz-te o que fazer deveras.


Mas para o ganhar de volta

É que tudo se complica.

Gastas o dinheiro à solta?

Não, que ao fim nada te fica.

Para o interlocutor

Ter uma vida melhor?


Também parece que não:

Não gastas só por gastar,

A ajudar, nem é questão,

Muito menos se é comprar

Qualquer luxo que alguém pense

Que alegria lhe dispense.


Compras para melhorar

Tua vida num pendor,

Em tudo o que ela visar

Que para ti tem valor.

Não melhoras doutro a vida

Mas a que é por ti vivida.


Quando pensas em ganhar,

Não vês que a moeda que visas

Outrem é que ta vai dar,

A melhorar o que gizas

Nas compras com que melhora

Tua vida, a toda a hora.


Não melhoras doutro a lida

Mas queres que te melhore

Outro a que é por ti regida.

É o teu recado em redor,

É teu trilho no Universo,

Alimentado em teu berço.


Não vês que não vai dar certo?

Gastas em prol do que é teu,

Outrem, do seu, dele perto,

E eis como o mundo é sandeu.

Não te centres no dinheiro,

Antes em como é que, inteiro,


Contribuis para os demais:

Quando logras trabalhar,

Na tua oferta que mais

A vida vai valorar.

Aí ganhas teu dinheiro,

Mas serviste outrem primeiro.


É mero poder de troca

O dinheiro: então, de entrada,

Dele escondido na toca,

Sozinho, não vale nada.

Se meramente o quiseres,

Ele foge e eis-te a perderes.


Se deres contribuição

Para trocar, ele vem.

Ignora o dinheiro à mão,

Centra-te em dar tal convém,

Pois então vais receber,

E ao fim realizas teu ser.



Evento


Evento sem emoção

Evento não é nenhum.

Matéria a mexer no chão

Não é nada de atenção,

Será o vento evento algum?


Preciso do ser humano

Para emocionar o evento,

Alma dar a que me irmano.

É o que liberta sem dano

Toda a energia a contento.


É o que faz girar o mundo

E, no mundo, girar todos.

Faz das crianças fecundo

O ventre que as traz, jucundo,

E faz prosperar a rodos


Projectos com que sonhamos,

Diminui-nos as distâncias,

Faz que em vida aconteçamos.

A que é que atenção prestamos?

Ao que tem de emoção ânsias.


Estar no evento sem alma

É ser a pedra à deriva,

À espera, do sol na calma,

Até que a torreira acalma

E ela morre ao canto, esquiva.


Aquilo que tens em mão

Vera emoção te suscita

E que tipo de emoção?

Que é que de ti no torrão

Colocas do que te excita?


Fecha os olhos e pergunta:

Que parte de mim é que eu

Coloco no que me assunta,

Mente ou coração? Que junta

Àquilo que me ocorreu?


Um plano de pormenor

Ou a visceral vontade?

Dos dois de que ando em redor

Qual deles é mais senhor?

- Só neste sou de verdade.



Abrir


Abre acima de tudo o coração,

Em cada conjuntura desta vida

Cada vez mais abrir é a requerida

E mais libertadora, ágil função.


São possibilidades que se dão,

É não ficar fechado numa ermida,

Da própria expectativa fementida

Acorrentado à estreita e vã prisão.


O mundo tem bem mais a oferecer

Do que imaginas tu nesta estreiteza,

Mas tens de àquilo abrir mente e emoção.


Abrir para aprender e receber,

Para não estagnares na pobreza

Do que sabes, fizeste e os mais farão.



Abre


Abre, abre tudo, abre-te ao mundo inteiro,

Abre-te a mente, as faculdades todas.

Não fiques preso às iguais mesmas rodas

Que o mesmo operam, tão forte é o argueiro.


Teu coração, teu privilégio beiro:

Abre-o, com ele apontas falsas modas,

Falhas também, mas ocasiões de bodas

Mui oportunas formarão ribeiro.


É o coração que na intuição discerne

O que convém e não convém a ti.

Vês o caminho, que o pé não te hiberne,


A tua lua a iluminar a trilha:

Teus breves campos alargando ali,

Tudo é Infinito, nada, nada é ilha.



Corpo


Se atraír um corpo frágil,

Doente a qualquer instante,

Perfil de não ir avante,

Membros de quem não for ágil,

Tenho então de o respeitar,

De saber quando parar.


Quando o corpo não aguenta,

Quando o espírito murmura

Que avanços já não apura,

Pára a teima que te tenta,

Pára, de vez, de insistir,

Que já não vais conseguir.


Pára, pára, interioriza,

Cuida no que é mais profundo

De ti próprio neste mundo.

E fica nesta baliza,

Sem impulsos, ilusões,

Só contigo nos fundões.


Até ouvir a chamada

Da vida a apelar de novo

À batalha a que me movo

E que melhor é travada

Porque apurei no intervalo

As armas com que hoje abalo.



Brota


O que brota em tua vida,

Em qualquer curva da estrada,

É aposta de ser vivida,

De ser bem vivenciada.


Caso queiras fugir dela,

Adias só teu caminho,

Que obrigado à passarela

És, qualquer que seja o espinho.


Se atrais o acontecimento,

Indivíduo, conjuntura,

Quando se der o momento

Do encontro, chegou a altura,


É para o vivenciares

E no nível mais profundo,

Mais capaz de o enfrentares

Que em ti haja em tal segundo.


É que, se o não desejavas,

Se achavas que não podias

Enfrentar tais águas bravas,

Antecipado o terias,


Terias outras escolhas

Que iriam desaguar

Em eventos sem tais molhas

E era de outros vivenciar.


Mas foi esta a conjuntura

Que atraíste para aqui,

Agora chegou a altura

De a vivenciar em si.


Não fujas, pois, vivencia

O que de vivenciar tens,

Aprende com este dia,

Só após vai por outros bens.


Vive o evento até ao fim,

Ao derradeiro limite,

É teu mestre visto assim,

Vais aprender teu desquite.


Quando a tormenta passar,

Quando o que houver a aprender

Já foi posto no lugar,

Uma estrela aparecer


Vai no céu da tua noite.

O céu seguirá contigo,

Protege-te onde te acoite

E onde vás te oferta abrigo.



Essência


Teu íntimo é tua essência,

O que de ti pões em tudo,

Quando escolhes com premência,

Quando pensas por miúdo,

Contigo quando a harmonia

Teu gesto é o que encarnaria.


É o que é benéfico a sério

Porque é o que materializa,

Põe da carne sob o império

O que do espírito a brisa

Em nós é já quanto somos

Mas no corpo não dispomos.


Uma boa escolha espelha

O que no fundo és em ti.

Seja nova ou seja velha,

A evoluir vais por aí,

Pouco importa a consequência

Que dela for decorrência.


A má escolha tem o acordo

Dos inúmeros motivos

Que me mordem e em que mordo,

Do âmago fora de arquivos

E em que o céu não põe a mão,

Dele alheia à protecção.


Onde teu eu mais profundo,

Sentimento mais intenso,

Onde o coração no mundo

Colocarias imenso?

- Se este acto é que em ti o sente,

Então segue, segue em frente.



Caminho


O caminho original

Era sempre o da abundância.

Se agora o não sentes tal

Ou dele perdeste a instância

Ou, perdido em vão discurso,

Anda errado o teu percurso.


Se tal é o caso, medita,

Pára, eleva-te às alturas:

Algo trava ao passo a fita,

Do que crês não te asseguras,

Bloqueaste em ponderações,

Não és livre, tens cisões.


Teu ego leva-te a crer

Naquilo que lhe convém,

Que menos freima te der,

De que rejeição não vem.

É o correcto por sistema

Que te propõe como lema,


Em que pensas, em que crês,

Com que ages em consonância,

Do senso comum tão rês

Que com nada há discordância,

Nem doutrem há rejeição

Nem da sociedade então.


Aceite, bem integrado,

És o eterno prisioneiro,

Que o correcto, este teu lado,

Não és tu, é o teu argueiro.

Não ages fiel ao chão

De teu íntimo padrão.


Assim, todo deformado,

A andar vais alegremente

Ao precipício votado,

Atrais só perdas em frente

E perene restrição,

Bem longe do teu torrão.


Caminho de liberdade

É caminho de abundância.

O que és sê, de idade a idade,

Que a vida vai, nesta instância,

Dar-te em dobro, de eficácia,

Pelo fulgor desta audácia.



Gostar


Gostar de ti, auto-estima,

Não vai nunca depender

Do que alguém te vem dizer,

Emprestar, jogar acima.


Nem sequer do que é que alcanças,

Do que podes conseguir,

Nem do que vais perseguir,

Almejar, mesmo se cansas.


Duma entre as condicionantes

Gostar de ti só depende:

- Teu imo é que dentro o acende,

É o invés do que além plantes.



Vivenciar


Adquirir e amealhar bens materiais,

Ter uma profissão, cobrar poder,

Estatuto social sobre os demais


Foi para vivenciar muitos duais:

O bom e o mau, as dores e o prazer,

Oposto aos agradáveis bons sinais

Qualquer desagradável que vier.


Se sofrer não é bom, porque aceitá-lo?

É que, se os dois extremos vivenciarmos,

Acaba-se a questão, vamos em frente.


Aceita o que é proposto, sem abalo,

E não fujas da dor, que, ao aceitarmos,

Continua a jornada eternamente.



Responsabilidades


Quando alguém faz o que era de ser feito,

Responsabilidades a assumir,

A de devir quem é, moldar seu jeito

Para, concorde em si, bem se cumprir,


O compromisso cumpre dum eleito

Com o povo do céu, rumo ao porvir,

Também consigo próprio, com seu peito

Que fala para si quanto sentir.


Honrando o compromisso, esta estadia

Na terra será boa, que a energia

Do céu semeia aqui, na opacidade.


A sábia voz que guia na jornada

Nítida fica quando for honrada

A jura de em nós pôr a eternidade.



Vagueando


Arte de ir vagueando pelos céus,

Escoando o pesadume até voar,

É a minha plenitude singular.

Minha capacidade de por meus


Meios ir aprendendo a volitar,

A voar para onde à vida os véus

Levem e a mim também nos escarcéus:

O dual vem aqui se harmonizar.


É cumprida a missão de mais um dia,

Cumprido o mundo como Deus o fez:

Não sais de dentro e te manténs o que és.


É vestir-me da luz que me alumia,

Capaz de retomar minha morada,

E a festa já está sendo preparada.



Parece


Nem sempre o que parece apropriado

É o que afinal vai sendo preparado


Para se aqui em baixo vivenciar

Em quanto na matéria tem lugar.


Que é que me move, porque quero eu algo?

Porque me sinto só e os cumes galgo?


Que me dêem valor e que me aceitem?

Tudo quanto me louvem ou despeitem,


Nenhuma atribuição vinda de fora

Colmata a grã lacuna que em mim mora.


Fazes o que agradar à tua roda

Para a tua auto-estima ajudar toda.


Mas não depende nada do que possam

Dizer ou emprestar no que te esboçam.


Gostar de ti depende de ser, não

De fazer nem de ter qualquer quinhão.


E ser é simples: quieto, acede ao imo

Mais fundo de teu ser, que é mais ao cimo.


Sentir, sentir, sentir, interiorizado

Ficar com o que sentes alinhado.


É estranho no princípio, o que é normal,

Lugar desabitado era, afinal.


Aos poucos, ao parar o pensamento,

Acedes a ti, no imo és sentimento,


A perceber começas o que é ser:

Ser é sentir. O inverso é proceder


Com o folclore do ego a distanciar

Donde qualquer essência tem lugar.


Acede ao que és, logo um amor perene

Virá de cima penetrar infrene


A tua vida, enchendo-a de magia:

- Ao céu acedes em ti nesse dia.



Força


A força do homem vive da do céu,

Sem a energia deste nada somos:

Puxar a corda pouco me acresceu,

É do mais forte repartir os gomos.


Se o que propões tiver do Cosmos força,

Será maravilhoso, tudo bem

Irá correr, fluir, passo de corça

A saltitar pela campina além.


Tudo voa sozinho. Mas, se a sós

For tua força contra o Universo,

Quem pensas que és, com tal carrego após?

Ele é muito pesado, no reverso,


Para ser empurrado, se o não quer.

Ajuda pede ao céu, deixa ajudar,

Que, adonde for seu vento, vai quenquer:

Se as coisas não fluírem, é parar.


Não queiras, pois, forçar, ouve e aprende:

Depois lavra daqui o que te rende.



Aceite


Pelos outros ser aceite

Pode ser mui vantajoso,

Mas não dá maior deleite

Que ser quem a si se ajeite:

- Isto, sim, dá mais que gozo.



Caminhos


Se quaisquer caminhos irão dar ao mar,

Da felicidade o caminho é só um,

Único, especial. E para o teu levar

A bom termo tens de te ligar a algum


Secreto abismo íntimo, emoções haurindo.

Cada descoberta do caminho traz

A serenidade para quem for indo,

Uma indescritível, do imo funda paz.


Quando um homem segue o perceptivo mundo

E nele deseja os atributos seus

Ver realizados em vergel fecundo

Para ser aceite, com poder sem véus,


Vai ser tudo em prol duma exterior benesse,

Não do interior bem. Seja qual for o rumo

Que for de seguir, o original se esquece.

E era o verdadeiro, de meu cume a prumo.


E, se este não chega, outros irei trilhando,

Porém sem certezas, convicção deveras.

São meros percursos, não caminho que ando

Quando o rumo entendo onde desbravo as eras.


Vejo que encontrei se o coração me pulsa,

A emoção aflora, as pernass tremem de ânsia.

Tudo explica o corpo, o mais de mim expulsa,

Em casa se sente em infinita infância.



Insatisfeito


Quando alguém é insatisfeito,

Algo então não anda bem,

Vazio aberto no peito,

Dúvida do mais além,


É um sentimento de falta,

De que não se está completo,

Que traidora é qualquer alta

Do vazio a ser repleto.


Assim é que irás partir,

Cavaleiro vigoroso,

Do elo perdido a inquirir

E não descansas, teimoso.


Contudo, sempre parece

Que o buraco continua,

O vazio permanece

Na mágoa que nos acua.


Esta vontade perene,

Tentativa de estar bem,

É o que a correr faz que pene

A cumprir um passo além.


Esta agitação provoca

Sempre mais actividade,

Busca o que após se coloca

Que é o além que nos persuade.


Depois, consequentemente,

Vem mais insatisfação.

Quanto mais correr em frente,

Mais outrem me quer à mão,


Já que sou quem disponível

Encontra a tudo fazer.

E mais culpa aqui visível

Vem por mim dentro escorrer.


Mas tem de se fazer tudo?

Momento de parar antes

Não há-de ser sobretudo,

De interiorizar que instantes


Me insatisfazem vazios?

Vejo então que a plenitude

Não corre, não ata os fios

Que esta fuga em frente ilude.


Nunca foge para fora

Dela mesma: quem é pleno

Que fazer não tem agora,

Sabe que nenhum aceno


É preciso para ser,

Em ser basta concentrar-se.

Ao não cuidar em fazer,

Ao se centrar sem disfarce


Apenas em si a estar,

Leva inconscientemente

Outrem a ser similar,

Fica livre de repente.


Culpa, urgência, sempre são

No fundo devastadoras.

Desprende-te, que isto é vão

E o mundo dá-te os emboras.



História


Uma história verdadeira

Parecer deve inventada,

Como uma história inventada,

Parecer a verdadeira:

Doutro modo uma jornada

Trigo ao joio não peneira.



Contador


Contador amordaçado

Por depuração estética,

Breve à gémea todo atado

Duma depuração étnica,

Antes de tombar no abismo

Sonha com liberalismo.


Liberalismo pretenso

Chega – “Calem-se!” - a gritar

E, quando livre me penso, -

Ouçam-nos!” - ouço , em lugar.

Depois tudo um pouco finge

E só nisto alguém se atinge.



Duas


Duas coisas manterão

Sempre feliz uma esposa:

Cuidar bem do seu torrão

Que é o trilho próprio que goza;

A outra, que finda a briga,

É só deixar que prossiga.



Ideais


Não adiantam ideais

Poeticamente perfeitos,

Com belas palavras tais

Que versos dão escorreitos,

Porém que tolos se antolham

Confrontados com o real,

Quando ao acordar os olham

Os trabalhos, a fatal

Urgência que há de comer,

A aguilhada de viver.


Não adiantam ideais

Que os pés nos tiram da terra:

Degolam-nos, ao fim, mais

Que da guilhotina a serra.



Revolução


A revolução, na essência,

Nunca rompe com os laços

De egoísmo e prepotência:

Nunca sacudiu dos braços,


Das pernas e das cabeças

A preguiça de erigir

Novo mundo doutras peças,

Igualdade a produzir,


Fraternidade de vez,

A envolver, no dia-a-dia,

Actos de qualquer jaez,

Por pífios que se os veria.



Preceitos


Nossos preceitos morais,

Mesmo até bem arraigados,

Raízes podres demais

Parecem ter quando os fados


Nos velam de realidade,

Exigindo então de nós

Decisão que persuade

E a prática dela após.


Tudo na mão se esboroa:

- Outra então é a gesta boa.



Migrar


Qualquer ânsia de emigrar,

De cada vez mais longe ir,

Quer de desertos cruzar,

Quer de Himalaias subir,


É o tutano de ser homem,

Dum ancestral que cá dentro

Persiste e faz que o retomem

Os fogos que ardem no centro,


Luz empurrando aos recantos

Distantes de Terra e Espaços

Como do imo até os espantos

Onde o Infindo estende os braços.



Dolorido


É difícil perder uma inocência,

É dolorido ver nossa teoria

A massacrada ser pela evidência

Da realidade crua que espolia


Dúvidas, certezas e verdades.

E dói reconhecer que te persuades


A repensar ideias ponderadas

Para às acções levarem acertadas.


E mais dói descobrir que é sempre assim,

No princípio, no meio, até ao fim.


Enfurece e remói nos peitos meus,

- Mas é o preço de me ir tornando Deus.



Morte


A morte é, por si, fatal,

É parte da própria vida.

Para a fé será portal,

Mera passagem temida,


Travessia para o eterno.

É uma espera, um reduzido

De aflições tempo superno

Antes dum umbral volvido


Que vai permitir a entrada

Para o seio do divino.

Porém muitos, à chegada,

Na hesitação do destino,


Apegam-se à vida tal

Se não houvera o outro lado,

Tal se não fora real

O eterno em Deus destinado.


É o medo ao desconhecido,

Toda a incerteza que envolve,

Tal mantelete fluído,

A convicção que resolve


Acolher a religião

E que nos faz agarrar

A vida com decisão,

Bem precioso sem par.


Não importa, pois, a crença,

Não importam orações,

Perdão de qualquer sentença,

Os pecados, as traições,


A vida actual é a certeza

Única de que dispomos.

Por isso o apego que a preza,

À morte o temor que apomos.


A morte é dor, é saudade,

É definitiva ausência.

Da vida eterna, em verdade,

A credível existência


Não nos tolhe o sofrimento

Da perda de alguém que amamos.

O pedinte mais chaguento,

Mais miserável que olhamos


Não se apega tanto à vida,

Mesmo quando a dor lhe medra

Dia a dia, desmedida,

Como o musgo se ata à pedra?


































2


Segunda Lareira
























Árvore


Qualquer árvore se inclina

Sobre o lago e seu reflexo

Árvore não é mas sina

Da palavra: lá conexo

Reproduz o pensamento

Que aponta o dado-alimento.



Liberdade


A liberdade da guerra

É apenas uma ilusão

De ao inimigo que aterra

Elidir, de supetão.


Verdadeira liberdade

É aquela que convencer

O inimigo, de verdade,

A deixar de vez de o ser.



Problema


Problema não é escolher

Religião em que crer.


Problema é de acreditar

Em espírito, o imo a par,


Na essência que decorrer

De qualquer que se escolher.



Velho


Viver tal se o dia de hoje

Não fora tão importante

Como o de ontem que nos foge

- É do velho o mal gritante.


A juventude não é

Privilégio sem medida.

Olhada de boa-fé,

É mero estágio da vida.



Trilho


O trilho da sapiência

Ninguém descobre nem quem

As veredas da evidência

Descobre que lhe convém.


Porque a sapiência vem

Do Criador e só ele

Tornará capaz alguém

De a aflorar na própria pele.



Rei


O rei dele mesmo é o homem,

O que é muito, muito mais

Que do mundo, que o consomem

Terra, mar e ares que tais.


Tal é o homem, que a palavra

Recebeu que cria a ideia

E origina em sua lavra

Tudo de que a terra é cheia.



Perfeita


Nunca a terra prometida

Será uma terra perfeita,

Nunca do Criador querida

Para a criatura eleita.


Há-de esta formar-se em dor,

Para a humana condição

Abandonar sem temor

E poder entrar então


Na casca da divindade,

A tornar-se eterna e bela,

Brilhando ante a opacidade

Tal no além brilha uma estrela.



Partir


Pouco importará o destino

Quando o que importa é partir:

Busca do Éden clandestino

Basta por si, traz porvir...

Nem é preciso o regalo

De vir um dia a encontrá-lo.



Conjuntura


Ante a conjuntura má,

O pessimista: - ”Pior

É impossível, já não há.”

E o optimista: - ”Oh, senhor,

Veja bem, o mais credível

É que é possível, possível...”



Reter


Para reter o poder

Há quem queira até matar.

Para liberdade ter

Há quem finde a vida a dar.

Por isso, quando nos tenta,

A esperança é violenta.



Respeitável


A respeitável mulher

Casada não gostar finge

De sexo quando o tiver,

O que quase sempre atinge.

Frustra o homem, na disputa,

E ele vai à prostituta.


Esta finge apreciar,

Mas, como o faz tantas vezes

Com tanto e tão vário par,

Não tem prazer: são corteses.

- A fingir, pois, toda a gente

Acaba estupidamente.



Amados


Apenas se adora um deus.

Para poder ser amados

Só os humanos, sob os céus.

Se adoramos, enganados,


Um humano, não podemos

Então amá-lo deveras:

Depois que o deus lá não vemos,

É o ódio, devimos feras!



Fraco


Mulher, judeu, preto, cigano...:

- ”Fraco, ignorante, parvo, soez...!”

Mas, se se educam, isto é engano,

Já não ignoram mais, de vez.


E, se por eles já pensarem,

Então estúpidos não são.

Se para a luta se juntarem,

Fracos como é vê-los então?



Forte


Muito mais forte que o ódio

É o amor. O ódio destrói,

Não pode durar-lhe o bródio,

Leva ao fim quanto ele rói.

O amor, não, o amor constrói,

Abre na vida uma rua

E por ela continua.



Controlar


Os fortes alguém procuram

Que os possa, enfim, controlar.

Ao invés, os fracos curam

De alguém controlar, a par.


O controlo de si mesmo

É o que é preciso, afinal,

E não mais fugas a esmo,

Do bem pouco e muito mal.


É criar em cada dia

A minha própria energia.



Esperança


É muito estranha a esperança!

De esperança viver posso,

Dum pouco de água e comida

Que em laboriosa trança

Teço no fundo do fosso

Em que me lançar a vida.


Mas pode impedir a acção

Que traga a sobrevivência.

Às vezes, quando é perdida

É que as pessoas então

Agem, lutam sem clemência,

Desafiam a medida


Que as ameaça esmagar,

Ao seu espírito altivo,

À vontade de viver.

Às vezes, nada a esperar

É que afinal me põe vivo

Do tamanho do meu ser.



Positivo


Se escolher só o positivo,

Do real perco metade,

Perigo a que não me esquivo.


Caminho certo é ver tudo

Como um todo que me invade.

Depois escolher, agudo,


Que o idealismo, afinal,

Pode ser mesmo mortal.



Míope


É míope a juventude

Mais em si própria centrada,

Idealista e desligada.

Com cegueira por virtude,


De algum modo é abençoada,

Pois não vê consequências.

Então é, nestas pendências,

Estado de graça dada.


Estado que vai ser gasto

Do efeito cumulativo

Das experiências que vivo

E que trazem ao repasto


Todo o efeito corrosivo

De infindas desilusões.

Com ele vão-se os senões

De eu ser este cego altivo


Que o bom-senso haja afastado.

Desprovido então da graça

Salvadora que embaraça,

Eis-me sendo condenado,


Enfim, de meus próprios olhos.

E enfrento então os escolhos.



Prisão



Aqui, na prisão da vida,

Dependemos lá de fora,

Dos que se foram embora,

Para existir em seguida.


Sem o reconhecimento,

Sem o apoio desse amor,

Deixo, no mundo exterior,

De existir nalgum momento.


Desapareço diante,

Diante dos próprios olhos:

A vida com seus abrolhos

Escapa-se num instante,


À medida que as pessoas

De nós se vão afastando.

É como um naufrágio, quando

Em terra hostil e sem loas,


Na praia dos já perdidos,

Naufragamos sem mais rumo.

E por vezes, em resumo,

Os que vêm, comedidos,


Abastecer-nos de vida

Ficam cansados demais

Com ocupações reais,

Não se importam, em seguida.


Por isso, árvore a cair,

- Faz barulho quando cai

Se ninguém lhe ouvir um ai? -

Nós deixamos de existir.



Canto


Antes de a dor ocorrer

Não via além de meu canto,

Devotado a um outro ser

Em vida de sonho e encanto.


Tinha-me entregado a isto:

O efeito iria durar

Até meu fim... Só que avisto

Além o estranho a amear.


Foi terrível erro trágico,

Contudo, sem intenção.

Como imaginar que o mágico

Punha o inferno em acção?


Nunca mais devo entregar-me

A um fugaz humano real,

Apenas ao que Deus arme,

A consciência universal.


Pois, quando me entrego a alguém,

Deito o livre arbítrio fora.

É um perigo e ataca além:

Quem no-lo aceitar devora.



Positivo


Como posso transformar

Em positivo um sinal,

Sentir-me bem sem parar,

Em vez de me sentir mal?


Tu tornas todas as coisas

Da maneira como as pensas:

Se mau inscreves nas loisas,

Vão ser más, tais tuas crenças.


Tens de implantar a maneira

De bem cuidar do teu dia

Que é o que decides que a jeira

De tal dia ser devia.



Dizem


Dizem que a justiça é cega,

Que o amor é cego dizem,

Que devo agarrar a pega

Da fé cega que alguns gizem...


Cegos a ser conduzidos

Por cegos mais desprovidos?


Como é que então não se apura

Que é de abrir olhos altura?



Realidade


É muito bom termos sonhos,

Mas ninguém pode viver

De sonhos bons nem medonhos.

A realidade há-de ser

Sempre o chão que fruiria

Alguém no seu dia-a-dia.



Raiva


A raiva mantém-nos presos

De modos mais destrutivos

Do que aço e cimento coesos,

De arame os farpados vivos.


Muda em casca consumida

Uma pessoa, sem nada

Dentro para dar na vida

A qualquer pessoa amada.


Irá, pois, manter-te aqui,

Tirar-te o teu tempo inteiro,

Restringir-te o espaço em si...

Mas não há toque certeiro


Que te roube tua mente

E menos teu coração,

Teu espírito presente:

Ninguém tos tira – teus são!



Adversidade


Através da adversidade

Para sempre nós mudamos

Num momento de verdade:

O nosso ser entregamos,

Ficamos, ante os céus frios,

Tão plenos quanto vazios.


Num momento tudo é claro

Tal qual água cristalina:

A faísca, um clarão raro,

Silêncio, calma divina,

- E a vivência pessoal

Desemboca no Total.


Ocorre perante a morte,

Teremos de a ver sorrir,

Acenar a dar-nos norte,

Antes de saltar ao ir:

Isto é o que aí acontece,

Suspensos no ar refece.


E, quando aterro outra vez,

Descubro outra dimensão

No mundo que antes me fez,

Outro agora é o mesmo chão.

E já não procuro abrigo:

Sem bem nem mal, que perigo?



Lado


Se do lado da manteiga

Nos cai sempre uma torrada

E se um gato cai na veiga

Sempre de pata assentada,

- Um gato em manteiga untado

Cairá para que lado?



Escuro


A partir dum quarto escuro,

Três atitudes humanas:

Se no quarto algo procuro,

A um cientista tu me irmanas;


Se busco o que ali não há,

Um filósofo serei;

Se crente, o que nunca está

Procuro e exclamo: - ”Encontrei!”



Prenda


Dou-te de prenda uma mala,

Tichertes de fantasia:

Logo a vida nos regala

De ternura cada dia.


Uma prenda troca afecto

Em corrente de mão dada,

Porta a acolher-nos a um tecto

No frio da madrugada.


Contamos trinta e três anos

De partilha, de projectos,

De sonhos e desenganos,

- Na vida quantos trajectos!


Não duas, mas uma vida

Foi o que até aqui vivemos:

O amor foi a nossa lida,

Mais fará que nos amemos.



Tudo


Tudo, tudo o céu te dá,

Notícia, protecção, luz...

É o que precisas, não já

O que queres, pois traduz

Qualquer querer o teu ego

E no céu não tem emprego.



Força


Força não é carregar

Mil e um toros de madeira.

Força é ver no seu lugar

A mole pesada inteira

...E nem sequer lhe tocar!



Diverso


É fácil amar o igual,

Confortável e seguro.

Já o diverso, por sinal,

Escolhas doutrem que apuro

Que me apertam contra o muro,

Quão difícil é amar tal!


- Isto é que é, porém, penhor

Do que é o verdadeiro amor.



Controlo


Vivo por inteiro a zero

Quanto a controlo ao que vem,

Mas a mil quanto ao que espero

Do que do ignoto me advém.


Por mor da contradição,

Quando arauto, sou-o em vão.



Auto-suficiente


O nosso ideal, hoje em dia,

É ser auto-suficiente

Cada qual interiormente.

Bem como a par, nesta via,


Sentir-se ligado a todos

E a tudo. Mas sem apegos,

Sem dependências de engodos

Emocionais, sem os pregos


Que os vínculos hão-de ter.

É que, se estivermos bem,

A Humanidade também

Melhor fica e há-de ser.



Medo


É do ignoto tanto o medo

Que à memória duma dor

Se agarra o homem mais cedo

Do que ir em frente propor


Se irá sem saber, sentir

O que é que vem a seguir.



Gota


Estou aqui, preparado

Para o que tiver de ser

Em prol do trilho almejado

Meu e doutrem, de quenquer,

Do Cosmos ou do Planeta...

Sei que sou gota discreta


Mas também sei que uma gota

Tem de fazer sua parte.

E eu quero dar boa nota

Do que em meus ombros acarte.




Ele estará sempre aí,

De ti próprio no mais fundo:

Onde te encontras a ti,

A Ele o encontras e ao mundo.


Na fundura cada qual

É reunido ao Universo

Em cujo Todo, afinal,

Tu és o Infindo em reverso.



Emociona


Apenas um coração

Que se emociona anda pronto

A se arrebatar do chão:

O arrebatamento é o ponto

Que qualquer alma fará

Aqui se expor desde já.



Melhor


O tempo da humanidade,

O melhor tempo há-de ser,

Se já o papão não a invade,

Quando cada qual tiver


A chave, de vez em quando

E quando mui bem quiser,

De ir lá Acima, visitando

Os céus a seu bel-prazer.



Hora


Esta é a hora crucial,

Tudo tem de acontecer:

A mudança é radical

E a muda é de agora ser.


É urgente interiorizar,

Hora de meditação:

Há que momentos criar

De olhar no imo o coração,


De olhar para dentro e fundo

E de aprender a sentir,

Sentir a Alma do Mundo,

Deus, Cosmos, o Todo-a-ir.


E de O sentirem à força,

Sentir-se a si todos vão.

Quem já O sente hoje se esforça

E a força é o rumo que é são.



Amor


Um só termo é de dizer

E de fazer: dar amor,

Amor como o amor quiser.


As religiões aos rituais

Irão ter de contrapor,

Aos símbolos visuais,


O incentivo para olhar

Cada qual bem para dentro:

É neste íntimo lugar


Que Deus nos espera, ao Centro.



Falam


Eles falam em meu nome,

Não são as minhas palavras,

Falam de Mim, mas a fome

Não era a das minhas lavras,


É a fome do que eles querem:

Falam duma Instituição,

Da Igreja com que se aferem.

Porém, nunca falarão


Do que é que ela representa,

Do que a inspira... Ninguém tenta.”


- Para quando a diluição

Do monstro da instituição?



Sei


Não sei onde irei parar,

Terei é de continuar


A fazer o que Ele pede

Como e quando Ele o concede.


E há um recanto onde chegar.

Não o tento controlar:


Há-de ser quando for, quando...

- Tenho é de seguir andando.



Domínio


É fora do domínio da palavra

Que Deus existe, exacto.

Não tentes encontrá-Lo dos termos na lavra,

Outro é o pacto:


- ”Queres ouvir-Me?

Vem sentir-Me!”



Liberdade


Religião que seu tempo saiba ler

De liberdade práticas ensina:

Respeita o livre-arbítrio de quenquer,

A toda a tolerância já se inclina.


Valerá tudo para ser feliz,

Só que não prejudique nem a si,

Nem a outro indivíduo, de raiz,

Nem à natura, à Terra em que nasci.


- Eis a marca universal

Do que é o porvir da moral.



Pressão


A agressiva e autoritária pressão

Da civilização


Já o homem mal aguenta:

Libertar-se, pois, tenta,


Dele próprio sente a falta,

De alma e da luz que o exalta.


À medida que intui o que do imo o chamaria,

Intui que aquela não é a via.



Negativo


Se te tentas proteger

De algo que for negativo

Com negativa atitude,

A protecção que vier

É logo anulada ao vivo.

Negativo e negativo,

Do negativo em virtude,

Nunca aqui dá positivo.



Distante


Quão mais alguém se ligar

A Mim vendo-me distante

(Com o céu comunicar

Sempre é da intenção diante),

Mais distante irei ficando,

Menos posso, se a agir ando.”



Turistas


Passam aqui, distraídos,

Turistas a conversar,

Bela arquitectura a olhar

E vão-se embora, cumpridos.

- Ninguém há de olhos fechados

A sentir do íntimo os lados.



Sofrimento


O sofrimento é pesado

Só se o não compreendemos.

Ao invés, do outro lado,

É entendimento que temos:

É tudo de Deus perdão,

De nós, tudo gratidão.



Tentativas


Amo-te nas tentativas

De seres feliz deveras

Em meio às brutais esquivas

Do mundo hostil pelas eras.”

- Assim Deus me falaria

Se O ouvira cada dia.



Pecado


O pecado não existe

Como não existe um erro.

Um erro é um mero despiste,

Um desvio pelo cerro

Do caminho que é mais perto,

Que atrair irá decerto


Efeitos. E a aprendizagem

Poderá surgir então

De como é feita a triagem,

De efeitos qual é a gestão.

Deus ama apesar de tudo,

Das falhas do nosso entrudo.



Portas


Os rituais portas ocultas

Serão doutras dimensões.

As catedrais de fé cultas

Redes serão de pregões,


Espalhadas pelo mundo:

Igrejas, locais sagrados

Ou simbólicos, no fundo,

São portais apropriados


A uma nova dimensão.

Pois é nesse campo, nesse,

Que ocorre a revelação,

Que, afinal, tudo acontece.


- Ou acontecer devia,

Se o fim ninguém lho traía...



DEle


DEle conhecem a história,

Não conhecem a energia,

São palavras de memória,

Não o amor que é dEle a via.


Tudo é dimensão mental,

Da vivência, nem sinal.


Então tudo é diferente,

Traído completamente.



Estado


Quando tudo é retirado,

Num inteiro desconforto,

É que atingir logro o estado

Que-interessa?”, “Não-me-importo”:


Já não há nada a perder,

Já não há nada a ganhar,

Cheguei ao fundo que houver.

Milagre é que em tal lugar


É que anda alojada a paz.

É neste zero total

Onde de nada ando atrás,

Nada controlo, afinal,


Que nos reside deveras

Do íntimo a tranquilidade:

Uma paz de além das eras

Enche-me de eternidade.


Já me sinto outra pessoa

E outra, lento e firme, sou-a.



Aparece


O que Ele é na realiddade

Ninguém o logra alcançar.

Aparece, idade a idade,

Conforme o tempo e o lugar


O lograrem compreender.

Na época de Moisés,

É deste a energia o Ser

Como O entendem por sua vez.


Há dois mil anos atrás,

O que iria ter impacto

É Jesus com o que faz.

Hoje Ele faz outro pacto,


Age agora mais subtil

Porque estamos preparados

Para como isto O assimile.

Sempre à frente, os passos dados


Puxam pela humanidade,

Para ajudá-la a avançar.

Mas não demais, em verdade,

Ou nem dá para O avistar.



Causa


Aquecimento global,

Terrorismo, violência,

Sida, crise, desemprego...

- Tudo isto e o mais, afinal,

Já nos andam a evidência

A pôr em causa, o sossego.


Cuidam que são acidentes?

Nada do que anda a ocorrer

É acaso em programação.

Tudo, em todas as vertentes,

Programado é para ser,

Para nos retirar chão,


Para a dúvida deixar,

Que as infindáveis certezas

Enfim possam ruir de vez.

Antes de nos apanhar

O tufão, o que mais prezas

Pergunta-te se é quem és.


E a nós próprios perguntemos

E, por uma vez, por uma,

Na vida admitiremos:

- Posso estar errado, em suma.



Diferenças


São a grande comunhão

As diferenças que enfim

Nos separam mão da mão.

Com Universo sem fim


Onde tudo é diferente

Comungamos: tudo integra,

Tudo, sendo divergente,

Se complementa, por regra.


Compreendemos que ninguém

Tem de a ninguém ser igual

E que o amor que se tem

Pode sentido afinal


Ser por coisas e pessoas

De nós próprios diferentes,

Desde que tome por boas

As diferenças presentes.


E ninguém é mais nem menos,

Nem melhores nem piores,

Todos iguais e pequenos,

De trilhos vários, autores.



Escuro


Escolhendo a luz no escuro

Promoves transformações,

As maiores que figuro,

E em células as dispões.


No meio da escuridão

Mostras este ourives de alma

Que és, tal como a criação

Inauguras, forte e calma,


Da identidade interior.

Nova era principias,

Que esta é a fonte do valor

Dela, por onde te guias.


Se tu mudas a energia,

Vais mudá-la à tua volta,

Que por seu lado a reenvia

Em redor, maré à solta,


O que mais irá mudar

Mais longe, encadeado berço,

Até um dia alcançar,

Alcançar todo o Universo.



Transformar


Vais-te querer transformar,

Vais querer evoluir

Não só por ti, mas, a par,

Pelos biliões que irão ir,

Por um mundo mais amigo,

Evolucionar contigo.


Pela Terra que o irá

E pelo Universo inteiro

Que, por um segundo já,

Mais subtil fica e leveiro.

E esta fracção de segundo

Impregnará todo o mundo.



Muitos


Muitos de nós pensam muito,

Muito falam, muito correm,

Muito trabalham no intuito

Só de fugir, senão morrem,

Do fulcro em nossa energia:

A dor que se sofreria.


Porque a não compreendemos,

Não sabemos o porquê

Do aperto ao peito que temos.

Se em lógica tomo pé,

Não há lógica, há senões;

Se em razões, não há razões...


É tudo de lá de trás,

Das vidas que não vivemos

E em nós vivem, buscam paz,

Porque lá nunca quisemos

Sentir deveras a dor.

E ela foi, no passador,


Escorrendo vida a vida,

Cada vez mais pressionada

E mais tapada, escondida.

Ora, a defesa cerrada

É que vem dando mais dor,

À primeira a justapor.


As vidas, pois, vão passando

E o peito, mais apertado,

A insatisfação pontuando,

E tudo a ficar bloqueado,

Sempre a tentarmos viver

Vida normal de quenquer.


Talvez, se calhar, achemos

Que no dia em que a chorar

Finalmente principiemos

Nunca mais vamos parar.

É o resto da eternidade

A chorar por piedade.


Então é de controlar

Todo o processo à partida.

Distraio-me sem parar

Com carro novo em seguida,

Roupas, tralhas a pataco,

Para tapar o buraco.


Mas o buraco não tapa.

Chega o dia de encarar

De frente a dor que se alapa.

Entender, de mim a par,

Que é minha e de mais ninguém.

E que o que disto me advém


É que ninguém nesta vida

Dela responde, só eu.

Tapei-a eu, escondida,

E ela grita, quer ver céu.

Esta dor enclausurada

Acaba atraindo à estrada


Aquela doença, a morte,

Aquela impotência, alguém

Que mal crendo traz má sorte

Ou mesmo quem nos quer bem

E nos faz mal sem querer,

Coisas tristes de se ver...


Chega o dia em que não temos

Mais argumento à defesa,

Mais resistência que erguemos.

Chega o dia em que a tristeza

Bate fundo, sem mesura,

- E abre mesmo a sepultura.



Mostrar


Vamos mostrar aos que Me afastam,

Que em repressão e medo apostam,

Que estas mudanças que os agastam,

Transformação e cura, gostam

De realidade serem já,

Possível, viável cá e lá.


Edificá-las na matéria

Mais fácil é do que parece.

Mármores, oiros, coisa séria,

Não são precisos na quermesse.

E não precisa, nem sequer,

De hierarquia nem poder.


Preciso é só, seja onde for,

Ligar o Além, viver o Amor.”



Enchem


Duas vivências no mundo

Enchem a vida interior:

A emoção, fundo do fundo;

Significado, o que for.


A emoção porque nos enche

Dum outro lado da vida,

O invisível que preenche

O imo, portal que convida


A um mundo desconhecido.

Significado, que a mente

Nos pacifica, entendido

Que há um outro lado existente.



Canal


O canal para o Além

Hoje anda demais estreito.

Cada regra o que contém,

Cada proibição, a eito,


Restringe, fecha o canal.

E afasta Deus e nós dEle.

Se O não sente cada qual,

Afasta-O, logo O repele.


Podem rezar, com promessas,

Visitas ao Vaticano,

Fazer tudo ou às avessas...

Se não Me sentem, é engano,


Irão por fim afastar-Me.

E dentro de cada um

Eu estou vivo num carme.”

Porém, é preciso algum


Olhar para dentro, ao imo.

Função das religiões

É prover-lhe, dar-lhe arrimo,

Dentro ir fundo aos corações.


- Continuam até agora,

Contudo, a olhar para fora.



Papa


Não basta um papa a mudar:

Há mil forças anacrónicas

Fortíssimas a puxar

Do passado para as tónicas,

Convencionalismo alvar.


Tudo é tão cristalizado

Que não há mais a fazer

Que manter, por todo o lado.

E sem regredir manter

Já difícil é um mandado.


Assim, a Igreja terá,

No futuro, de sofrer

A grande perda: será

A maneira de, a valer,

Se desmontar, para já.


Não, porém, para morrer.

É preciso desmontar,

Qual velharia qualquer

Que queremos restaurar:

- Desmontar para crescer.



Incondicional


Amor incondicional,

Aceito, perdoo tudo.

Não que fale cada qual

Em meu nome e que, abelhudo,

Ande espalhando energia,

Minha não, de fantasia.


Ora, enquanto isto não muda,

Vou ficando cá escondido

De arte em obra, fala muda

De quem no amor sempre há crido.

O resto, deles será...

Eu, por Mim, não estou lá!”



Peregrinos


Há milhões de peregrinos

Que vão aí ver de Mim.

E não podem seus destinos

Receber esse eu assim,

Esse eu feito camafeu,

Pois tal eu já não sou Eu.


De forma avassaladora

O espírito está mudando

E Eu preciso a toda a hora

Que me sintam, que aqui ando.

Caso contrário, findei.

Ora, é o que já constatei.


Religiões que não mudam,

Que não acompanham sendas

A que novos mundos grudam

Morrendo estão, feitas lendas,

No coração das pessoas.

Só os resistentes, às broas


Continuam indo aí.

Porém, ao não Me sentir,

Encostam-se por ali

E acabam por desistir.”



Informação


Toda a informação que temos

É que Alguém vem resgatar-nos.

De fazer nada teremos,

De responsabilizar-nos.

Assim, pois, nunca escolhemos.


Ora, um mundo sem escolha

É um mundo que se dirige

À mais egoísta recolha

Que o confortável exige

E que o mais barato acolha.


É um mundo que vai direito

Ao submundo a que anda atreito.


Urge radical mudança

No tom das religiões

Quando dizem o que alcança

O sagrado em seus sermões,

Quando é Deus que ali se entrança.


Que O mostrem será preciso

E que O façam bem sentir.

Ora, o passado é indeciso

Nas vias de o atingir.

Pouco embora toleradas,

São de hoje outras as pegadas.


Quem disto o trilho cobrir

É que a porta abre ao porvir.



Mal


Quando queres proteger-te

De algum mal, trepa mais alto,

Sente o amor que anda a envolver-te

E gratidão pelo salto

De poder ali ficar

No mais alto patamar.


E verás que o denso escuro

Não se aproxima, te auguro.



Incentivo


Todos gostarão de ser

Deveras incentivados.

Que enorme incentivo ver

Que Ele anda em todos os lados,


Agora aqui, bem de frente

Mesmo a cada um de nós,

Colocando a mão presente

Sobre as cabeças após,


A provocar a ascensão

Como espírito, energia,

Às almas que ao céu se vão

Daqui da terra à porfia!



Pior


Não há pior energia

Que travar uma emoção.

Eis a maior restrição:
Quando o ser humano adia


Dar-se uma oportunidade

De sentir, até chorar,

Mesmo de felicidade,

- A si se adiou a par.



Lutam


Uns lutam pela igualdade,

Pelos direitos humanos,

Não-violência que grade

Do mundo os negros escanos,


Outros é na ecologia,

Na solidariedade,

Ética onde se não via,

Cooperação que agrade...


Tudo eleva o ser humano

Como a Terra enquanto todo.

E já não é por engano,

É da qualidade o modo.



Fora


Continuamos, perenes,

À procura lá por fora

De nós próprios, sempre infrenes,

Sem encontrar, na demora,


Nada de satisfatório,

Nada que seja eficaz,

Enquanto o premonitório

E que a solução nos traz


É que do imo a força pede,

Incessante, persistente,

Que destranque o que em mim cede,

Que retire a penitente


De espinhos coroa imposta

De mim a mim, para ir

Efectivar minha aposta,

Agir o que for de agir,


A fim de estar preparado

Para os tempos compreender

Que vêm de todo o lado

E o mundo irão subverter.



Solidão


A solidão é uma imagem

Só que de mim hei-de ter.

Se não consigo a coragem

De comigo conviver,


Se me não relaciono

Com meus eus interiores,

A essência de que me abono,

O eu superior e os humores


Dum ego, difícil génio,

Como, ao fim, poderei ser?

Como manter um convénio

E com outrem conviver?



Plástico


Quão mais de plástico é o Papa

Para que enfim gostem dele,

Mais a oposição o tapa,

Vê que Cristo não é aquele,


A analisar o que diz,

A analisar o que faz,

E mais frágil é o cariz

Da igreja que O contrafaz.


Quanto mais gente O sentir

Mais são os que irão passar

A mensagem e se unir,

Lado a lado, par a par,


A qualquer religião

Que então promova a Presença,

Deveras a conexão.

- E é o que faz a diferença.



Diferença


Sabes qual é a diferença

Entre o que é imaginação

E o que a uma visão pertença?

- Explode nesta a emoção.


Imaginar, ao contrário,

Trabalho feito na mente,

Não sente forte o cenário.

Se me imaginas presente,


Não vais então sentir nada,

Vais pensar em mim e pronto,

Não há no afecto alvorada.

Se no horizonte o que aponto


For um Deus que me aparece,

Se toca a minha energia,

De emoção tudo estremece,

Vai ser tão forte a magia


Que eu inevitavelmente

Sei que Ele é que está presente.



Desespiritualizam


Cada vez mais as pessoas

Se desespiritualizam.

As religiões, mesmo as boas,

Afastam do céu que avisam


Mostrando só sofrimento

Mais pecados, restrição

E no fim tudo é tormento.

Todos perdem conexão,


Não há mais vida interior:

Todos vão se concentrar

No externo que tem mais cor,

Movimento, som e ar.


O interior é só energia,

Bem mais difícil, subtil.

A desconexão é via

Que ao submundo abre o redil,


Dele as forças aparecem:

Desconectados, depressa

Querem tudo (e o mais esquecem)

Cómodo, barato, à peça...


É no que o submundo aposta,

Tudo a puxar para baixo,

E é do que hoje a Terra gosta.

Dum outro mundo onde o sacho?


E, lá em cima, as almas todas,

Sem mais ter a parceria

Das religiões, armam rodas

A tentar ainda algum dia


Resgatar-nos do atoleiro.

É o mais difícil argueiro.



Incomodam


Sempre os homens se incomodam

Com o que não perceberem,

Mas também sempre se engodam,

Já que perceber não querem.


Querem o seu universo

De razão e de conforto.

Por isso o mantêm terso,

Estão lá como em seu horto.


Por isso é que nada muda,

Por isso não desce mais

O Deus que alguém desiluda.

Cá não O querem os tais,


Não O querem tal qual for,

Querem a imagem antiga,

A do mártir sofredor

A que o hábito nem liga


E que dará jeito ter

Lá na parede de casa.

Senti-Lo não vai quenquer,

É comprar como se apraza,


Pendurá-Lo e então ter pena.

É o que sabem fazer bem.

Ter pena é o que dEle acena

Ao que a propósito vem.


Fá-los sentir superiores:

Pena é do que está pior.

E distantes dos horrores,

Pois quem sofre e aguenta a dor


É herói que se distancia

Do ser humano comum.

De sofrer quanto sofria

Capaz, pois, não é nenhum.


E tal serve a religião:

Quão mais distantes de Deus,

Mais a Igreja buscarão

Para os achegar dos céus.


A Igreja então não acaba.

O círculo assim encerro,

De partida esta é igual aba.

E tal perpetua o erro.



Indícios


Sempre entre duas ravinas,

Sempre entre dois precipícios,

Um em frente ao outro, as sinas

Da vida me dão indícios.


Entre um e o outro, eis um tronco

Que ao lado de lá não chega.

E eu ando em cima e o ronco

Dele a crescer me aconchega:


Consoante vou andando,

Eis que o tronco vai crescendo,

Até chegar, firme e brando,

Ao lado além que estou vendo.


É a fé que me leva a andar,

Andar é que faz caminho

E o caminho cresce a par

À força da fé, sozinho,


E quão mais assim me inclino

Mais longe chego ao destino.



Saberão


Saberão todas as datas

E saberão toda a história,

Nomes, dogmas, concordatas,

Épocas de má memória,

Bem como as proibições:

Nem malas nem os cordões


Podem pôr nos parapeitos

Nem podem num templo entrar

Com roupas de entrever peitos...

Mas nada sabem de amar.

Não amam: quebraram o elo,

De Deus à terra o apelo.


Então de que serve tudo?

Para quê toda a opulência,

A arquitectura, o entrudo

De imagens, frescos, cadência

De exageros da matéria

Se a nada eleva, sidérea?


Se não for para levar

Peregrinos até Deus,

A Quem apenas é amar

Que os filhos marca de seus,


De que servem exageros

Cuja soma, ao fim, são zeros?



Desatar


Há-de chegar o dia em que as pessoas

Lograrão desatar dos nós amarras

Que as prendem ao passado como garras,

Aos dogmas, à violência, anéis de boas.


A dimensão do livre pensamento

Irão compreender como a importância

De os seus próprios critérios, sem jactância,

Seguir ao emergir cada momento.


Sei que esse dia chega, preocupado

Com a felicidade, a evolução,

Não com a obediência, o poder vão,

- E qualquer medo então é abandonado.






































3


Terceira Lareira























Vindoira


Ninguém de ninguém depende

Na vindoira liberdade,

Cada qual busca a verdade

Que o ensine e donde pende

A escolha que há-de fazer.

Não se verga um livre ser,


Mas, ao não obedecer,

Não se criam poderosos.

Ora, ao não haver poder,

Não há mais ricos gozosos

E, sem poder nem riqueza,

Perde a actual elite a empresa.


Enquanto houver quem aceite

Tudo fica como está.

Até o dia em que o deleite

Já ninguém busca acolá.

Então cairá por terra

Quanto ainda nos aterra.



Catedral


É linda, a catedral, é mesmo linda!

Estou nela, apesar da densidade.

Da forma diminuta estou ainda

Que as pessoas alcançam da verdade.


Os que às vezes aplaudem Me sentiram

De algum modo e então bateram palmas.

Ser de expressão é o ser que construíram

Para exteriorizar o que há nas almas.


Porém, nos dias de hoje quase não,

Ante os tabus, fazê-lo poderão,


Pobre fermento, à espera, de vigia,

Que a massa coza o pão de cada dia.”



Erro


O grande erro de igrejas, religiões

É que a crer continuam que tudo age

Por medo e pela culpa, por senões,

Que ninguém, restringido ao ser, reage.


Não entendem que a antiga era acabou,

Que um novo tempo agita os corações,

O apelo à liberdade inaugurou

A escolha própria, viva, às multidões.


Ora, a religião, seja qual for,

Tem de respeitar isto ou morre em dor.



Insistem


Pedem cada vez mais os corações,

Insistem noutro rumo as religiões.


Todos a abandoná-las tenderão,

Já que incompreendidos todos vão.


Como ainda não sabem ir ao céu,

Perdidos ficarão no escuro breu.


Como espirituais rumos não há mais

Que os das religiões de ruins sinais,


Do espírito desistem, na matéria

Se perdem, sem visões de luz etérea.


Ora, a partir daí tudo acontece:

A violência, a miséria que enfraquece,


Doenças, egoísmo, acaso a morte...

- Até que o imo encontre outro transporte.



Mudar


É de mudar cada dia

Em festas de amor e luz

Das igrejas a energia,


Com música que seduz,

Palmas e meditação

Que transcendência traduz,


Com tolerância de opção,

Do credo de cada qual,

E com legitimação,


Mútua abertura total.

É de legitimar tudo,

Cada escolha pessoal.


Entramos no tempo agudo

Da personalização,

Não mais o rebanho mudo,


A grei atrás do bordão.

Cada ovelha hoje devém

Mestre de seu próprio chão,


Aceitando, errando além,

Mas, sobretudo, escolhendo,

Aprendendo a ser alguém,


A ser quem for aprendendo.

Ser quem é diverso é ser,

Jamais, pois, obedecendo


Para igual se entretecer.

Qualquer religião pode

Na dianteira correr:


Com incentivos acode

A devirem diferentes

Todos aqueles que engode,


Uns dos outros divergentes,

Uns com outros a aprenderem,

Com verdades no imo assentes,


Vias várias a correrem,

Todos seguindo-as, prementes,

- E no apoio a se reverem.




Sempre a fé foi praticada

Apenas por obediência,

Não por escolha tomada.

Quão mais forte, por tendência,


For uma religião,

Quanto mais poder tiver,

Mais segurança em acção

É suposto oferecer.


Mais segurança daria

De a salvação conseguir

A quenquer que a tenha em dia.

A obediência, a seguir,


É atingida por aí.

É como se ela dissera:

Vê que força consegui.

A ti vou salvar-te, espera.


Mas, se não me obedeceres,

Ficas por aí perdido

Para sempre, ao me não creres,

A penar muito sofrido.”


Ora, como o ser humano

Continua a procurar

Ser feliz, mas sem engano,

Sentiu-se securizar


Por ali. E então lá ia,

Sem entender, achar justo,

Sem ver quem o compreendia,

Sem ser amado... Que custo!


Eis o medo em mim, em ti,

Eis porque há que ir por ali.



Humildade


De humildade a submissão

Há uma grande diferença.

Na humildade os homens vão

Entender a força imensa,


A lei que rege o Universo

E que, apesar de eu poder

Fazer a escolha que verso,

Há o imutável a ter


De ser de vez respeitado.

Isto me redimensiona

Ante o infindamente grado

Universo onde ando à tona.


Nosso ego faz-nos pensar

Que se é maior do que tudo,

Que tudo se pode, a par,

E então nem o mal eu mudo.


Redimensionar o homem

É que é da humildade o amanho,

Do poder que os egos tomem

Ao reduzir-lhe o tamanho.


Quando um homem compreende

Que algo maior há do que ele,

Rende-se à luz, longe entende,

Novo poder o imo impele.


No imo alma priorizando,

Encontra um homem caminho,

O seu caminho que, andando,

Lhe traz alegria ao ninho.


A submissão, ao invés,

É só jogo de poder.

O padre dá Deus, talvez,

A quem julgará não ter


Acesso a Deus e O recebe.

Tudo em baixo, na matéria.

Quem dá, tem-nO, se percebe.

Quem recebe, não. Miséria!


Pois quem não tem se submete

A quem tem e que achará

Que quem tal gesto repete

Não tem nem nunca terá.


Onde fica a auto-estima,

Mesmo a espiritualidade,

Onde a ascensão que sublima?

Demitido, a identidade


Tem dum desenergizado.

Triste, não tem esperança

De encontrá-Lo em nenhum lado:

É o que a submissão alcança.



Dispersos


Todos na igreja dispersos,

Não sabem que buscam Deus.

O antigo, do céu nos berços,

Procuram nos rastos seus,


Um homem de há dois mil anos,

Não Ele que hoje aqui mora.

Mas, entre perdas e danos,

Faz Ele algo sem demora:


Tenta elevá-los, centrar

Novas energias neles,

Foi quem os trouxe ao lugar.

Fácil é tê-los a eles


Aqui, mas já conseguir

Que se abram a Ele entrar...

Contudo, basta, a seguir,

Deixarem-se emocionar.


Basta um raio de emoção

E Ele entra e logra ir mudando

As traves do coração,

A vida modificando.


Alguns julgam que é um milagre,

Não percebem que o feitiço

Foi que a emoção os consagre:

- Emocionar-se fez isso!



Olhar


Em vez de vos ajudarem

A sentir o meu amor,

A via para mudarem

De vossa vida o teor,


Fazem-vos olhar um velho

Senhor mui conservador,

Aplaudi-lo a seu conselho,

De espectáculo mentor.


Espectáculo não sou,

Não estou fora, estou dentro.

Cada vez que o consagrou

O povo, que pôs no centro


Um medianeiro qualquer,

Alguém que está na matéria,

Mais de Mim se afastar quer,

Mais de si a fuga é séria


E do que há-de trabalhar

Em sua interioridade.

Pois tudo o que há-de importar

Dentro em ti mora, em verdade,


Não fora, onde nunca esteve.

E, quando as religiões

Fazem que teu olhar breve

Olhe para outros guiões,


Homens por meus porta-vozes

Vão exercendo o poder.

Contra ti fazem-no, atrozes,

E contra Mim, é de ver.


Cada qual diz, a seu modo,

O que Eu fiz, isto e aquilo,

Do que disse a parte e o todo,

Que sofri em grande estilo


Pelos homens, por amá-los.

Falam todos no passado.

Não sabem que ando a afagá-los,

Não morri, mesmo pregado.


Aqui, vivo, permaneço,

A tentar comunicar.

Esquecem-Me? Eu não esqueço,

É o fado de quem amar.”



Sucesso


Homem de sucesso é aquele

Que consegue ganhar mais

Do que quanto a mulher dele

Perder em gastos reais.

Mulher de sucesso, a par,

É a que o consegue encontrar.



Açougueiro


Nada a estranhar, se os carneiros,

Pobres bichos, arrastar

Se deixam para o lugar

Onde a cabeça certeiros

Cutelos lhes vão cortar.


São falhos de entendimento

E de nada desconfiam,

Vão direitos ao tormento

Que os fados destinariam.

De estranhar é que a contento


Opere assim o açougueiro,

Pois tem arte, inteligência,

Nos olhos não quer argueiro,

De saber tem previdência:

Sabe de saber certeiro


Que também subitamente

Vai ser ele degolado.

Como então calmo e contente

Se mantém, assegurado,

Feliz e tranquila a mente?



Vencedor


Um vencedor é o que enfrenta

Desafios um a um.

Um derottado nem tenta,

Ante desafio algum:

Vira costas, no intervalo,

Sempre a fugir de enfrentá-lo.



Distinguirão


Como se distinguirão

Uma escova dum esquilo?

- Junto às árvores, no chão,

Põe os dois: um vai subi-lo,

Ao tronco que houver à mão,

Esse então será o esquilo.



Silêncio


Sem osso nem febra,

Quem o chama o quebra.



Hoje


Serei amanhã, fui ontem

E é bom que comigo contem.



Milagres


Os milagres acontecem

O tempo todo.

As pessoas é que o esquecem,

Não reparam neles, atoladas no lodo,

E perdem o engodo.

Desfalecem

- Tendo à mão o bodo!



Trinta e cinco


Já somamos trinta e cinco

Anos de comum viver.

De cada ficou-me o vinco

De mão tua em mim, mulher.


Foi o vinco da ternura,

Alma e corpo partilhados,

Consumado na fartura

Dos filhos dali gerados.


Vinco de companheirismo

A preservar tempo e espaço,

Da solidão sobre o abismo

Sempre a estender-me um abraço.


Vinco da dor e falhanço,

Pois que sempre disponível

Andas, quando não alcanço,

A curar-me, indefectível.


E o vinco duma constância

Quando a vida se esboroa,

Pois és sempre a eterna infância

Que diz rindo: a vida é boa!



Escuro


Há química na amizade

Mais um nó de confiança,

Mas porque nasce ou invade,

Cresce, diminui, alcança


Aumentar uma outra vez

É escuro onde nada vês:


Tudo é música entoada

Da forma mais delicada.


Sente-la mas não a entendes,

E eis que há céus que nela prendes.



Difícil


Não logra a escola ensinar

Nem se lhe apreende o fundo,

É difícil de explicar

Uma amizade no mundo.


Porém, se não aprendeu

O que qualquer amizade

Bem significar de seu,

Ainda, na realidade,


No correr de sua estrada,

Não aprendeu mesmo nada.



Chega


Uma amizade nos chega

Num longo conhecimento

Ou num sorriso nos pega,

Repentina, num momento.


Uma amizade é a maior

Das posses mais valiosas,

A maior excepto o amor,

Se dele fecundo gozas.


Mas mesmo o amor é melhor,

No que agrade ou desagrade,

Quando vem se sobrepor

Mão dada com a amizade.



Experiencia


Um amigo experiencia

Algo que nunca conhece

Quem amigos não faria:

Linguagem que não esquece,

É um código de magia

O que a amizade entretece,

Faz em nós nascer o dia.



Académico


O académico se senta

Com o intuito de escrever.

A reflexão que acalenta

Nunca lhe irá fornecer

Uma ideia saborosa,

Um termo feliz na prosa.


Contudo, basta a um amigo

Uma carta formular,

Invade-o, dela ao abrigo,

Em mil modos de pensar,

Amáveis e bem despertas,

Um ror de palavras certas.



Oiro


A amizade apenas pode

Ser medida em paz, amor,

Memórias, riso que acode

Só por sentir-lhe o calor.


Nunca pode ser medida

A amizade em peso de oiro:

A pureza garantida

Deste não basta ao tesoiro.



Ponte


Um amigo é sempre a ponte

Para o mais largo horizonte.


Pelos olhos dele vemos,

Vemos tão nitidamente

Como pelos que nós temos,

Ao lado, atrás como à frente.


Ouço com mais distinção,

Penso mais profundamente,

Exploro um país, torrão

Que nem sabia existente.


De carinho e de bondade

Constato que bem preciso

E alegra-me a novidade

De que ele, com todo o siso,


Para ter todo o seu viço,

Também requer muito disso.



Conforto


O conforto da amizade

Não é de aceitar de leve,

Nem de dar, por mais que agrade,

Por adquirido o que teve.


É que após respiração,

Comida como bom sono,

Nossas amizades são

O essencial em abono


Contra qualquer turbulência

Da nossa sobrevivência.



Diferentes


De pessoas diferentes

Precisamos nesta vida:

Refúgios contra as correntes

Numa enseada à medida,


Abrigos da tempestade,

Ou, porque é um dia mui belo,

A visita a uma amizade

Por mero prazer singelo.



Longe


Quando longe, telefono,

Escrevo cartas, postais...

Para mostrar são sinais

De que o canto que eu entono

Tem outros ouvidos mais,


De que nunca estamos sós,

De que nos preocupamos

Um com o outro, antes e após.

Por mais que nos distraiamos

Não desatam nossos nós.


Um amigo a solidão

Enche mais que a multidão.



Retiro


É tão doce a solidão!

Mas no retiro um amigo,

Um anigo só que fosse

Vou querer ter sempre à mão,

Para contar-lhe, no abrigo:

- A solidão é tão doce!



Fortalecida


Tem de ser fortalecida

Vida fora qualquer vida

Através das amizades.

É que amar e ser amado

É numa existência o fado

Das grandes felicidades.



Indispensáveis


Nós somos indispensáveis

Na medida em que nós somos

Amados por adoráveis

Outros que nos dão os pomos


Que farão com que ninguém

É inútil quando ao abrigo,

Mesmo sem ter um vintém,

Ao menos dum vero amigo.



Pegada


Há quem entre em nossa vida

E fugaz desaparece.

Outros ficam, em seguida,

A pegada não esquece:

No coração nunca mais

Nós então somos iguais.



Instinto


Quem é que pode explicar

Este misterioso instinto

Que, ao alguém eu encontrar,

Me diz que quanto então sinto


É que ele, em particular

E dum modo que é mistério,

Me importa tanto que, a par,

É o meu melhor refrigério?



Multidão


Entre a multidão de amigos

Um amigo, pouco a pouco,

Vejo feliz, aos postigos,

Por me ouvir meu termo rouco.

É a quem tenho em série lindas

Lendas a contar infindas.



Cimentar


A cimentar a amizade

Entre estranhos ou então

De diversa condição,

A fagulha voar há-de


Entre pessoa e pessoa,

A que lhes tocou secreta,

Atravessando discreta

Tempo-espaço, um muro à toa


A derrubar de incidentes

Que sempre apunhalam gentes.


No fim acende o tição

Que arde em cada coração.



Dois


Anos e anos já conversam

Os dois sob o mesmo tecto

E, no entanto, nunca versam

O encontro íntimo secreto.


Outros dois logo à primeira

Fala largam os abrigos,

Tornam-se numa certeira

Trama de velhos amigos.



Luz


Se todos tiverem luz,

Por si próprios brilharão.

Conseguiremos então

Saber o que nos traduz,

Ao andar na escuridão,


Sem precisar de passar

A nossa mão pela face

De quem nos caminhe a par,


Nem nos metermos no meio

Daquilo com que se enlace

Qualquer coração alheio.



Pele


Nem todos são teus amigos.

Amigo há-de ser alguém

Tão íntimo que ele tem

Em tua pele os abrigos.


E com tal conta e medida

Te transmite cor e drama

Que teu mundo em ti te acama

E te dá sentido à vida.



Perguntar


Nada um ao outro precisam

Agora de perguntar.

Sabem que chá vão tomar,

Se espinafres é o que visam,


De que teatro é que gostam,

De que livros, que cantores,

Quais as preferidas flores

E em que perfume é que apostam...


Toda a singularidade

Um do outro já conhecem.

O sopro que ateia a brasa


É meramente a amizade.

Cada encontro que entretecem

É sempre voltar a casa.



Têm


Os amigos sempre têm,

Têm cuidado, afeição.

Nossos fracos não retêm,

Virtudes têm à mão.


Alegram-se com triunfos,

Confortam-nos na tristeza.

Os amigos jogam trunfos,

Dão-nos vontade que pesa


De oferecer alegrias

E de partilhar prazeres,

Se calhar todos os dias,

Depois com todos os seres.



Independente


Todos os mais se sentaram

Ao lado da cama doente,

Flores, livros amontoaram...

Tu trouxeste, independente,


Alguns balões e piadas,

- A ti próprio, sobretudo.

Minhas mãos são-te obrigadas

E, de emoção, fico mudo.



Deveras


Com um amigo deveras

Eu nunca precisaria

De olhos a brilhar de esperas:

Era mesmo o que eu queria.”


Pois é sempre o que me dês

O que eu quero a cada vez.



Preciso


És quem sabe o muito ou pouco

Que era preciso dizer

Quando, de triste, me apouco

Ou me anulo, de sofrer.

Amigo, és quem sabe então

Reler o meu coração.



































































4


Quarta Lareira






















Amparam


Amigos, duas pessoas

Que uma à outra mui se amparam,

Que nas horas más e boas

Interdependem do que aram,


Se animam e se defendem

Contra o mundo exterior,

Sem olhar a quanto rendem

Actos de amigo em penhor.



Contamos


Entre amigos nós contamos

Um ao outro a dor que houver.

Por vezes não encontramos

Nada para a resolver.


Mas ver que nos apoiamos

Mutuamente e que a qualquer

Hora já nos preparámos

Para ouvir, basta a quenquer:


É de facto toda a ajuda

Que requeiro para a muda.



Fiel


Um amigo que é fiel

Ri-se na prosperidade,

Se une na dificuldade

E te carrega metade

Do fardo que te atropele.


Aumenta a tua alegria

E diminui as tristezas,

Partilhando dia a dia

Todas elas nele presas.



Catástrofe


Quando senti que não ia

Sobreviver ao que via

Tal se catástrofe fora,

Ali comigo estiveste,

Que sou capaz me disseste.

- E fui-o mesmo na hora!



Nadas


Os nadas que esqueceremos

Logo após os termos feito

Mais os que consideremos

Sem importância e sem jeito

- São aqueles pelos quais

Vale a pena lutar mais.



Ar


Todo um ar de simpatia,

Um ar de encorajamento,

Uma mão que se estendia

Por bondade, no momento,


É tudo. É o vero sumário.

O restante é secundário.



Simpáticas


As simpáticas palavras

Dos amigos podem ser

Curtas, fáceis de dizer,

Mas nos cômoros das lavras

Das vidas, em seu confim,

Seus ecos não têm fim.



Insignificante


O mais insignificante

Gesto de bondade diz:

Preocupo-me, constante”,

Interessas-me, petiz”,

Pensei em ti, meu irmão”...

- E é o que eleva o coração.



Momento


Ninguém capaz de dizer

É o momento em que se forma

Da amizade o bem-querer.

Tal como ao encher, por norma,


Um copinho gota a gota

Há uma que finalmente

Lhe faz transbordar a cota

Também é numa corrente


Certa de amabilidades

Que uma última há-de ser

A que, por fim, sem maldades,

Faz o coração verter.



Percebe


Um amigo é quem percebe

Que algo desejas comprar

Mas não podes, que recebe

Tua bolsa apenas ar.


Então ele te oferece

Esta prenda, solidário,

Provando que não te esquece,

Pelo teu aniversário.



Retribuir


Só quero, amigo, a benesse

De o suficiente viver

A retribuir, como em prece,

Teu bondoso conviver,


Tua generosidade

Por mim sempre imerecida,

Meu esteio de verdade

Que me escora, terna, a vida.



Pequenos


A vida jamais é feita

Pelo grande sacrifício,

Do dever pela colheita,

Mas por leve benefício


De muitos pequenos nadas

Em que sorrisos e gestos

Amáveis calçam estradas,

São repetidos aprestos


Que conforto ao coração

Perenes garantirão.



Juntos


Os amigos andam juntos,

Vão às compras, entram, saem

De lojas próprias e assuntos

Tratam que só risos traem.


Acabam a comer bolos,

Um copo para animar...

- Há quem diga que são tolos,

Até porque vão ficar


Apenas com o dinheiro

Preciso, quando se apraza

O momento derradeiro,

Para regressar a casa.



Queixar


De te queixar se precisas

Das coisas que correm mal,

De lamentar indivisas

Injustiças, afinal


Pequenas, cercando a vida,

- Fica um amigo contente

Só de ouvir a tua lida

Infatigável presente.


E, por fim, quando proferes

O derradeiro lamento,

Podem rir dos desprazeres

Juntos: e leva-os o vento!



Conversas


Conversas de raparigas

Divergem das outras mais:

São mais os temas que ligas

E as brigas nem são reais.


Aninham-se em cada canto

Do modo mais confortável

E ali ficam, entretanto,

Um tempo considerável.


As conversas nunca findam

E as vidas todas alindam.



Pilha


Uma pilha de cedês,

Um café, calças roçadas

Curtas em descalços pés,

Batatas fritas salgadas


E pipocas, se calhar,

Conversa sem direcção,

Chuva na janela a dar:

- É amizade, é coração.



Amigas


Amigas, quando se juntam,

Não precisam dum motivo

Para rir nem o perguntam:

Riem só por se estar vivo.

À festa que cada observe

Tudo serve, tudo serve!



Prazer


Muito, muito do prazer

Em fazer algo diverso

Vem de contar se prever,

Se com amigos converso,

Acaso uma e outra vez,

Tudo aquilo que se fez.



Noitada


Uma noitada de borga

É exército saqueador

Que quem as regras outorga,

Pai, líder, qualquer senhor,

Embora a queira entender,

Nunca é capaz de deter.



Deixarem


Quando os amigos deixarem

De ser benéficos, francos

Uns para os outros, reparem,

O mundo inteiro, em barrancos,

Na cauda deste rastilho,

Perde ao fim todo o seu brilho.



Escolhido


És, meu amigo, o escolhido

Que comigo compra roupa,

O que faz todo o sentido:
Não é só do que se poupa,


Um amigo não desiste

De me pôr ao fim capaz.

Só ele diz: - “Tu já viste

Como é que ficas por trás?”



Descosido


Só um amigo vai dizer

Que a bainha há descosido,

Que um dentífrico qualquer

Tens na cara mal sumido

Ou que calças uns sapatos

Velhos demais em teus actos...


- Só um amigo e para bem

Diz todo o mal que te tem.



Chocolate


Um amigo mesmo amigo

Diz-te a verdade onde bate

Do bolo que é o teu perigo,

Teu bolo de chocolate.

E nunca põe em questão

Que sejas mesmo um glutão.



Insulta-me


Insulta-me que é um espanto.

Se outra pessoa qualquer

Me repontara outro tanto

Nem lhe falava sequer.


Tem razão habitualmente.

Porém, o melhor de tudo

É que posso, de boa mente,

Todo o insulto acolher mudo


- Porque sei que ele grudado

Está sempre do meu lado.



Simpatizar


Todos vão simpatizar

Com uma dor dum amigo,

Mas excepcional, a par,

Será sempre quem lobrigo

A simpatizar, professo,

Com o amigo de sucesso.



Nada


Não há nada que não faça

Por um amigo qualquer.

Dele nada anda na traça

Que me não venha fazer.


Passámos as nossas vidas

Um pelo outro sempre à mão,

Contadas bem as medidas,

- Sem nada fazer então!



Singular


A ideia de cada um

Apenas se interessar

Por bem próprio, não comum,

É deveras singular.


Quem pode ser, quem se alista

A um viver tão egoísta?


É que o pior que isto tem

É que nem a si faz bem.



Contente


Quem ficaria contente

De os amigos conhecerem

Sua bondade presente

Se depois eles quiserem

Ver-lhe um defeito existente?



Parvo


De parvo fazes figura?

Qualquer verdadeiro amigo

No caso, então, não te augura

Que irás correr o perigo

De ir preso a tal frontispício

Como um fado vitalício:



Logo ali desfaz a prega,

Vê-te como te sossega.



Fraude


A amizade está mais livre

Da fraude do que qualquer

Relação que conheçamos

Porque é ligação que vive

Menos afecta ao poder,

Do prazer aos muitos ramos


Ou do lucro ao frio facto.

É livre de qualquer pacto,


Despida que sempre é de ânsia,

De dever ou de ganância.



Respeito


É o respeito a apreciação

Desta singularidade

Que outrem é no coração:

De como é uma identidade,

No âmago de seu perfil,

Única por entre mil.



Continuam


Os amigos continuam

Vida fora a ser amigos.

Não se importam, não pontuam

De confusão os abrigos

(Se confuso for algum)

Da vida de cada um.



Difíceis


Os amigos que atravessam

Os tempos difíceis juntos

Criam laços que estremeçam

Que os estranhos aos assuntos

Nunca compreenderão

Que brotem deles no chão.



Conhecem


Sempre na prosperidade

Os amigos nos conhecem.

Porém, é na adversidade,

Quando os ventos arrefecem,

Que nós, por entre os perigos,

Conhecemos os amigos.



Fiel


Um amigo que for fiel

É sempre um seguro abrigo

E quem o encontrar a ele

Tem tesoiros que persigo.


O amigo fiel não tem preço,

Não há vender nem comprar.

Ele é o elixir que peço

Para a vida respirar.



Perfeito


Um bom amigo é o que diz:

- ”Tem calma, vai correr bem.”

O amigo perfeito, além,

Ajuda-te de raiz


A enfrentar a realidade

E fica firme a teu lado,

Venha o que vier, agrade

Ou desagrade tal fado.



Tu


Quando outra gente qualquer

Teme os teus desagradáveis

Modos pouco razoáveis,

O amigo a capacidade

Tem de te reconhecer

Em teu “tu” de identidade

E gosta de to acolher.



Compartilhada


A amizade deve ter

Sido feita para ser,


Ao longo desta jornada

Da vida, compartilhada.

Senão, como compreender

A romaria à chegada?



Continuaria


Continuaria a sair

Sem ti, a pensar, a ver,

Coisas novas a ouvir...

Contudo, sem a alegria

Da partilha poder ter.

Diminuído ficaria

E o mundo menos seria

Brilhante, menos vivido,

Em mil possíveis perdido.

E nunca chegava o dia

De o poder ter repartido.



Sentir


A dor saberá cuidar

Dela própria mas sentir

O valor total a dar

À alegria, só ao ir,

Ao nosso lado, na sala,

Com alguém compartilhá-la.



Optimismo


Tem algo que nos faz falta,

Como optimismo, um amigo.

Que a vida me corre em alta

Faz-me sentir, ao abrigo

Apenas deste coberto:

- Desde que ele esteja perto.



Ali


Estão ali do outro lado

Do telefone os amigos.

Se teus anseios dão brado

Na confusão dos perigos,

Dos nervos no emaranhado,


Conversa de qualquer coisa

Nos termos que mais te aprazem.

- Verás quanto te repoisa,

Quanto os muros se desfazem!



Quero


Quero que ria comigo,

Que comigo fique sério,

Que com contributo amigo

Me agrade e ajude o mistério


Finalmente a discernir.

E que por vezes admire


A minha espontânea audácia,

Subtileza e perspicácia.


- É quanto basta. Prossigo,

De parar morto o perigo.



Entrelaçado


Nossas vidas, objectivos

Como as utopias têm

Tão intimamente estado

Num robusto entrelaçado

Que sinto que, enquanto vivos,

Não nos sentiremos bem

Se separarmos os tectos,

Pois seremos incompletos.


Quando unidos, tal a força

É de nossas convicções


Que abismo não há que a torça,

Perigos nem contusões.

E os muros incontroláveis

Parecem-nos superáveis.



Acarinham


Os amigos acarinham

Uns dos outros esperanças.

Simpáticos, adivinham

O que ainda não alcanças.

Disponíveis os disponho

Uns dos outros para o sonho.



Compreendem


São os íntimos amigos

Que compreendem melhor

O que a vida nos perigos

Nos diz e nos faz supor.


Sentem o que nós sentimos,

Estão ligados a nós

Nos triunfos que auferimos,

Nos fracassos e nos dós


E quebram, com tudo isso,

Da solidão todo o enguiço.



Compreensão


Conhecer alguém,

Onde quer que seja,

Sentir que é com quem

Compreensão se almeja,


Mesmo na lonjura

Ou em pensamento

Que se mal apura,

Pode, num momento,


Germinar na Terra

Os jardins que encerra.



Dão


Os amigos não dão flores

Nem dão chocolates de anos,

Nem cosméticos, odores,

Lenços de mão, finos panos...


Trazem sacos de cimento,

Acaso um martelo novo:

- Sabem a todo o momento

Do que precisas em ovo.



Descobertas


São o amor como a amizade

De nós próprios descobertas

Nos outros, de idade a idade.

Para além, portas abertas,

De todo o fundo prazer

Em o vir reconhecer.



Encontrar


Não pode felicidade

Haver igual à alegria

De encontrar, quando me agrade,

Um coração de magia

Que, de vez tirada a venda,

Finalmente a mim me entenda.



Obrigado


Obrigado por saberes

O que fazer é preciso

E também por o fazeres,

Como um abraço conciso,


Aplicar a ligadura

Ou preparar um café...

E obrigado se se apura

(E por saberes quando é)


Que preciso ali, de entrada,

De não fazer mesmo nada.



Glória


A glória duma amizade

Não é a da mão estendida

Nem do sorriso que agrade,

Simpático e à medida,

Nem da alegria que crismo

De fruir companheirismo.


De inspiração é o mistério

Que chega quando descubro

Que alguém me acredita a sério,

O que então me põe ao rubro,

E que a acolher me persuade

Deveras sua amizade.



Presente


Sendo amigo, não pretendo

Oiro ou presente real

Para o prazer que eu entendo

Dar-lhe como meu fanal:

Sento ao lado dele então,

Basta um toque mão na mão.



Mais


O mais que logro fazer

Por quem for um meu amigo

Simplesmente é amigo ser

Dele o melhor que consigo.


Riqueza a lhe oferecer

Não tenho e que sou feliz

Basta-lhe a sério saber

Por gostar de seu cariz,


Não quer outra recompensa.

Isto, enfim, não nos inclina

A olhar para a parecença

Com a amizade divina?



Servem


De que servem os amigos?

Não é para uma importante

Nova contar aos postigos:

Uma meia hora adiante


Já nem lembro o que disseram...

O mais importante ri-se

Dos que nunca o perceberam:

- É sempre o que não se disse.



Genuína


A amizade é genuína

Quando, sem uma palavra,

A alegria se combina

De dois amigos na lavra,

Felizes do que compensa:

Um do outro uma presença.



Comunicação


Há uma comunicação

Que se exprime sem palavras,

De pensamentos fusão,

Sentimentos com que lavras,

Quer através da conversa,

Quer dum silêncio que a versa.


É aquela tranquilidade

Que impregnada é de amizade.



Caminhos


Não caminhes ante mim,

Que não te seguir eu posso.

E atrás de mim, não, que, enfim,

De liderar não sou moço.

Caminha ao lado: eu prossigo.

- Apenas sê meu amigo!


































































5


Quinta Lareira
























Espaçosa


Nada faz tão espaçosa

A Terra como os amigos

Longe irem de quem os goza.

Eles tecem os postigos

Que marcam as latitudes

Cruzadas com longitudes:

Cavam terra fora abrigos

Onde germinam virtudes.



Significa


Ver-me com alguém

Lá longe ou cá perto

Significa bem

O fim do deserto:

- Que no meu caminho

Nunca estou sozinho.



Levamos


No íntimo sempre levamos

Nossos amigos, dizendo:

Ia gostar destes ramos”,

Vou contar-lhe o que estou vendo”,


Quem me dera que estivesse

Aqui para partilhar

Esta visão duma messe,

Esta refeição sem par,


Esta pequena aventura!...”

- E a vida luz de tão pura.



Longe


Quando alguém de quem gostamos,

Embora longe, está bem,

Sentir falta é que a adoramos

Num novo sabor que tem,

É um arrepio salgado

Num dia de sol doirado.



Quilómetros


Obrigado por proibires

Os quilómetros de andarem

A murchar quanto fruíres

Da amizade que ignorarem,


Por me escreveres, embora

Com a agenda a abarrotar,

Por me ligares na hora,

Dalgum estranho lugar,


Por fazeres com que o mundo,

De amistoso, até me abrasa,

Que o Evereste alto e fundo

Fique à saída de casa.



Encontrar


Se eu encontrar os amigos

Passados já muitos anos,

Como os saúdo? Bendigo-os,

Lembrando-os em meus arcanos,

E o tempo morto ali vence-o

Uma emoção, um silêncio.



Deploráveis


Nós deveremos andar

Criaturas deploráveis,

Ressequidas, a ficar...

- Não ligues, somos mutáveis!


Quão mais feios parecemos

Aos olhos dos outros mais

Mais encanto, amigo, temos

Um para o outro tais quais.



Vinho


Que como o vinho a amizade

Com o tempo se melhore!

Que vinhos de muita idade

Tenhamos que cada adore,

Mais amigos velhos, povo

De muito convívio novo!



Data


Amigos de longa data

Gostam de ir às compras juntos,

A uma exposição pacata,

A um concerto, a mil assuntos...


O que adoram à saída

É ir à cafetaria

Lá tomar uma bebida

Mais um bolo de magia,


Pôr-se à vontade e ficar

Toda a vida a conversar.



Paisagens


Não há paisagens mais belas

Do que vermos dois amigos

Crescerem rumo às estrelas


E que, à medida em que crescem,

Sondam, por novos postigos,

Que galáxias aparecem


E mergulham na abismal

Fundura de cada qual.



Afastados


Muitos amigos eu tive

Que me foram afastados

Pelo tempo que se esquive,

Distância de fusos grados,


Pela perda e a mudança.

De flores amassadas

Pelos dias a lembrança

Guardo deles nas jornadas.


Mas alguns profundamente

Muito mais rememorados

Ficaram que toda a gente:

Vão em mim enraizados.



Velhos


Uns com outros confortáveis

Sentem-se os velhos amigos,

Sem rivais indesejáveis,

Dissimulados perigos.


Geram pela vida fora

Pacífica identidade

Sempre em paralela hora

E à mesma velocidade.



Chega


Para os jovens a amizade

Chega como a primavera,

Do belo fogosidade,

Milagre que o mundo gera.


Para os velhos tem o brilho

Do outono, festa em colheita,

Fulgor em cada cadilho

Com o pôr-do-sol à espreita.



Alabastro


As caixinhas de alabastro

Da amizade e da ternura

Não sele a fio de nastro

Até vir a sepultura.


Encha aos amigos a vida

De simpatia e consolo

Enquanto a palavra ouvida

Pode ser, tal fofo bolo


Que, partilhado ao serão,

Faz vibrar o coração.



Maior


Os verdadeiros amigos,

Nossa maior alegria

E nossa maior tristeza!

Fiéis nos comuns pascigos,

Quase de ansiar seria

Que morramos de beleza

Nós e eles no mesmo dia.



Comprar


Pode o dinheiro comprar

Coisas más e coisas boas.

Mas do mundo inteiro, a par,

Não pode oiro arrecadar

De nenhum amigo as loas

Nem, após falhada a merca,

Pagar-lhe o vácuo da perca.



Súbito


Creio eu que há na amizade

Súbito conhecimento,

Tal quando o amor nos invade,

Instantâneo, num momento.


Basta um aperto de mão

Ou um termo de passagem.

Depois a separação

É uma perda na viagem


Com a dor dum brilho fosco

Que fica sempre connosco.



Elogios


Não guardes os elogios

Para quando os teus morrerem.

Nem os túmulos vazios

Dedicatórias lhes querem.

Diz-lhes agora o que sentes,

Que isto é que é dar-lhes presentes.



Lembrar-me


Irei lembrar-me de ti,

A chorar, cantar, a rir,

Sempre tu, presente aqui,

A fazer questão de vir,


O amigo que acompanhou

Todas as minhas idades

E que nunca desertou,

Nunca, ante as dificuldades.



Encontrar


Alma, que tenhas certeza

De que, algures, no Universo,

Voltas a encontrar, acesa,

A luz do amigo converso


E que ficarás contente

E animada, sem enganos,

Naquele eterno presente

Por muito mais de mil anos.



Vidro


Quando elas são verdadeiras

Não há de vidro amizades

Nem de cristal talham leiras,

Mas, nas volúveis herdades,

São rochedo que persiste,

O mais sólido que existe.



Filamentos


Nunca podemos viver

Para nós próprios apenas.

Vive ligado quenquer

Aos companheiros de cenas


Por mais de mil filamentos.

Pelos filamentos fora,

Tais tubos com ligamentos,

Nossos actos vão-se embora


Como causas, de algum jeito,

E retornam como efeito.



Mundo


Cada amigo é sempre um mundo,

Um mundo não revelado

Enquanto, por onde abundo,

Não chega a pôr-se a meu lado.


E só no encontro com eles,

Nas campinas onde pasce

De anhos meu rebanho imbeles,

É que o novo mundo nasce.



Luz


A amizade é a luz constante

Que não falha ou estremece.

É quem conforto oferece

E orientação vida adiante,


Esperança na aflição

E nos tempos de tristeza.

Na festa que se embeleza

Dum brilho acresce um clarão


E uma alegria desperta

Extra em qualquer descoberta.



Jade


Se consegues encontrar

A verdadeira amizade,

Estima-a, que é singular,

Pequena jóia de jade.


Desvia-te do caminho

A salvá-la e protegê-la,

Guarda-a no teu escaninho.

Todavia, deixa que ela


Por si própria ande a brilhar:

- Irá crescer sem parar.



Abrigos


Onde quer que estejas

São os teus amigos

A pôr o que almejas:

Teu mundo de abrigos.

Serão sempre eles, no fundo,

Que te farão o teu mundo.



Dispensa


A amizade o mais dispensa:

Dela mesma é recompensa.



Comerciais


Os amigos elevados

Não são actos comerciais:

De sua amizade os dados

São sacrifícios reais.


Não esperam nem desejam

Trocar presentes, favores:

Aquilo pelo que almejam

Não tem metro, peso, odores...


Não faz sentido trocar

Quilogramas de amizade

Por quilogramas, a par,

De prazer com que lhe agrade.



Trama


A criatura sozinha,

Humana, estará ligada

À vida na trama alada

Das amizades que alinha.


Delicadas em seu fito,

Algumas são tão pequenas

Que os solitários, apenas,

Vêem nelas o Infinito.



Prazer-mor


Eu tenho a tua amizade

Como o prazer-mor da vida:

Consolo em dificuldade,

Da dúvida na ferida,

Alegre em prosperidade,

Na vitória acontecida...

- És a vera inspiração

Para toda a ocasião.



Prisões


As prisões que temos

Nós no-las criamos:

Só livres seremos

Se, no que geremos,

Livres nos geramos.



Feliz


Feliz aquele que sabe

Não dar razões arrogantes

À derrota que lhe cabe.

Mais feliz é o que sabe antes,

Quaisquer que sejam as notas,

Que não existem derrotas.



Enterra


Enterra tua existência

Em terra de obscuridade,

Que semente de excelência


Não produz em abundância

Se na terra que se grade

Não se enterra desde a infância.



Diálogo


Nada justifica a fuga

Para fora deste mundo.

Mais vale quanto conjuga

Um diálogo fecundo


Entre os homens, face a face,

Capaz de os transfigurar,

Para, a partir deste enlace,

Talhar ao mundo o lugar.



Atirar


Não se deve atirar o homem

Até ao Tu-Deus eterno,

Já que as freimas que o consomem

Não são do céu nem do inferno.


Antes convém devolvê-lo

À plenitude que tomem

As questões de seu desvelo,

A sua condição de homem.



Envolver


Quem se envolver por inteiro

No encontro com qualquer Tu,

Que nele envolva, leveiro,

Todo o Cosmos, limpo, a nu,


É aquele que há-de encontrar

Toda a fundura do ser

Que não pode procurar

E que nem buscou sequer.


É que ali, sem ser quimera,

É que eternamente o espera.



Ama


Se um homem ama a mulher

Constantemente presente,

O tu que nela vir ser

Há-de fazê-lo entrever

O eterno Tu nela assente.



Bandeira


Andas de bandeira erguida

Apregoando ao vento, ufana,

Onde haverá pão e vinho?

Afinal, é toda a vida,

Mesmo a mais quotidiana,

Que pode ser o Caminho.



Alteridade


Se aceitar a alteridade,

Que o outro não seja eu,

Então descubro a unidade:

Que o outro, em tudo o que é seu,

O outro, ao final, sou eu.



Conhecimento


Do ser o conhecimento

É dos que perderam tudo,

Da solidão no tormento

Se encontram, o peito mudo,

E disto tudo apesar,

São capazes de aceitar.


É dum modo inesperado,

Das funduras da miséria,

Que lhes chega dalgum lado

Aquela graça sidérea

De se verem envolvidos,

Por um amor protegidos


Tão vivificante e fundo

Que já não é deste mundo.



Missão


A mais difícil missão

Que a um homem se pode dar

É de a si renunciar:

Prescindir de ser turrão,

Que ânsia de se destacar

Não o force de mão cheia

Ao que de si tem na ideia.



Divino


O divino não começa

Onde acabar o terrestre:

O terrestre é mera peça

Daquele na mão de mestre,


Dele o sentido profundo

Nunca adquire, por destino,

Senão quando aqui, fecundo,

É uma expressão do divino.



Morreram


Quantos homens já morreram

Se porventura soubéramos,

Quão numerosos cresceram

Os mortos que antecederam

As vidas que nós vivêramos,


Quanto nos governam todos,

Este horror de mortos-vivos

A gerirem nossos modos,

Cadáveres como engodos,

- Se o soubéramos, esquivos


Perderíamos, de horror,

A razão com o estupor.



Setenta


Setenta vezes por dia

Olha Deus meu coração

Para ver se poderia

Nele entrar como seu chão.


Porém quase sempre o encontra

De si cheio até à pele

E então, perante tal montra,

Não logra penetrar nele.



Concebas


Tudo aquilo que concebas

Como sendo o vero Deus,

Só por isto que percebas

Perde atributos dos céus,


Logo deixa de Deus ser,

É apenas teu conceber.



Solitário


Sempre que alguém sabe mais

Que os mais, devém solitário.

Mas ser só não é jamais

Ser fatalmente adversário:

Comunitário ninguém

Finda mais que o solitário

Que solidário devém.



Objectivo


Objectivo do trabalho,

Mais do que talhar objectos,

É talhar homens no entalho

Com que talharem seus tectos.

Pois um homem só se faz

Quando ele ao mundo algo traz.



Atenção


Não basta ter atenção

Àquilo que a gente faz,

É preciso ter à mão

A si próprio, o pé atrás,

Ao fazer-se o que se faz.











































6


Sexta Lareira

























Lei


Mais vale ter a má lei

Do que não ter lei nenhuma,

Pois uma ausência de rei

Aquilo a que leva, em suma,

Não é que é bom não ter reis,

É que isto é a pior das leis.



Véus


Nem o homem é Deus,

Nem Deus é o homem.

Do mistério os véus

Que nos consomem

São que Deus mais o homem, depois,

Nunca somam dois.

São mais um, no fundo,

Do que dois no mundo.



Canta


Canta o rouxinol

E nem sabe que canta.

Canta o homem ao arrebol

E sabe-o bem, o que nos encanta.

O santo canta, porém, sem frenesi,

E sabe que é Deus a cantar dentro de si.



Vazio


Sempre o vazio está cheio

Até às bordas, potência

Eterna, sem entremeio,

Tal qual como a consciência:

Por mais que seja demente,

É sempre o Eterno presente.



Modificar


Os outros modificar

Não é preciso ou possível,

Mas a vós podei-lo, a par,

Descobrindo então o incrível:

- Que não há mais precisão

Doutra modificação.



Fosso


Foi só por imaginar

Que tereis criado um fosso.

Ninguém tem de atravessar,

Basta só não o criar

E é o que podeis e que eu posso.



Pedis


Quando vós não pedis nada

Nem ao mundo nem a Deus,

Quando nada desejais

E nem sequer procurais,

Vem até vós, pela estrada,

O supremo Dom dos céus.


Sem que o tenhais já buscado,

Nem sendo evento aguardado,

Prémio de crentes e ateus,

É sempre um inominado,

Mal entrevisto e sonhado

Mundo entregue aos braços meus.



Fundo


No fundo de tudo

O outro mundo é já.

Outros nem ajudo,

Já que outros não há:

Na vida comum

Somos todos um.



Formular


O nosso próprio desejo

De formular a verdade

Nega-a neste mesmo ensejo,

Pois a palavra que a grade,

Por mais que precisa e bela,

Nunca poderá contê-la.



Correria


Sempre a verdade és tu mesmo.

Deixa de te afastar dela

Nessa correria a esmo

De quem perdeu uma estrela

- E agora corre atrás dela!



Cultivo


Amar Deus não é o cultivo

De horto de que disfrutamos

Sem sabermos se o Deus vivo

Disfruta dos mesmos ramos,

- É do íntimo eliminar

O que impede Deus de entrar.



Infinitamente


Deus anda infinitamente

Próximo de todo o homem

E longe o homem se sente

De Deus nas vias que O somem,

Lonjura de cujo grito

O homem dista ao infinito.



Carrego


O que posso conhecer

É o que carrego comigo

E, portanto, isto é o meu ser.

Por sê-lo, disto ao abrigo,

É que o irei surpreender

E depois compreender:

- Lobriguei-o ao postigo.



Frágil


Por si só frágil é o homem,

Tal dos campos uma flor:

Amam-na todos, consomem

Emoções que em breve somem.

Mas depois, sem mais pudor,

Findados os rapapés,

Todos a calcam aos pés.



Longe


Deus fica longe de nós

Porque, se se aproximar,

Extinguimo-nos após.


Ele espera que nós vamos

Até Ele, em seu lugar,

E então desapareçamos.



Renuncia


Nunca se possui senão

Tudo a que se renuncia.

Ao invés, quanto a que não

Renunciamos, então,

Escapa-nos cada dia.



Vencedor


O derrotado repete:

- ”Sempre fizemos assim,

Outra maneira não me compete,

Portanto, a mim.”


E diz o vencedor:

- ”Deve haver

Uma forma melhor

De tudo empreender...”



Termos


Seis termos são chave do céu:

- ”Este erro admito que foi meu.”


Cinco pesam o que valho:

- ”Tu fizeste um bom trabalho.”


Quatro importância me dão:

- ”Qual a tua opinião?”


Três ao dia dão sabor:

- ”Faça o favor.”


Dois tornam-me abençoado:

- ”Muito obrigado.”


O mais importante, no cume sem tabu:

- ”Tu.”


O menos importante, mas que sempre me traiu:

- ”Eu.”



Natal


Natal é surpresa.

Todos fingem que não sabem

Que, entre desculpas e alegrias presa,

Desgostos e perdas que quase connosco acabem,

Saldos e presentes com descontos sem pudor,

Ali presa, bem escondida, afinal,

A surpresa final

É o Amor.



Presentes


Amor é o que está comigo

Na sala, pelo Natal,

Se os presentes não persigo,

Deixo de abrir, ao final,

Para, em vez deles, então

Escutar com atenção:

- De cada tecto ao abrigo

Há de amor balada igual?



Comemora-se


Comemora-se o Natal,

Época religiosa

Que respeita cada qual

Da forma mais prestimosa

...No centro comercial

Que a preferência lhe goza!



Preocupa


Muita gente se preocupa,

Entre Natal e Ano Novo,

Com o que engorde e olha à lupa,


Quando devia, afinal,

Ocupar-se do renovo

Entre Ano Novo e Natal.



Pedir


No Natal sempre a criança

Vai pedir ao Pai Natal

O que o adulto lhe alcança.

No défice é que, afinal,


Um adulto vai pedir

Para o Governo lhe dar

O que quiser perseguir

- E os filhos irão pagar!




O Pai Natal teve a ideia

De, excelente, visitar

Só uma vez ao ano, cheia

A mão para cada lar.


- Pagar quem aguentaria

Tal mão cheia cada dia?



Miúdo


Um miúdo de dez anos

Pelo médico esperava.

A testa rasgada a uns panos,

Enquanto espera, enxugava.


- ”A culpa é toda do Nel,

Foi ele que me empurrou.”

A mãe explica-lhe a ele

Que é um acidente, acabou,


Podia culpá-la a ela

Por permitir-lhe brincar

Ou à avó que esta sequela

Não lograra antecipar...


Pensa o miúdo então, lá

Concluindo, a sós consigo:

- ”Tudo é culpa do papá

Porque ele casou contigo.”



Petiza


A petiza de quatro anos

Conta andar a namorar

Um menino, sem enganos,

No infantário onde é seu par.


Tão rápido corre então

Este relacionamento

Que o menino pede a mão

Dela logo em casamento.


Um dia, em lágrimas, conta

Que o menino cancelara

O casamento que, tonta,

À ligeira lhe aceitara.


- ”Porquê dele a decisão?” -

Pergunta a família, a bem.

- ”Ele vai” - soluça então -

Mas é casar com a mãe.”



Vizinhas


-”Dizem que andas, as vizinhas,

Com o teu noivo a dormir...”

- ”Mexericos! Tais alminhas,

Vá eu com quem for, ao ir

Logo que é o noivo dirão

Quem provou o meu colchão.”



Morte


Do marido após a morte,

Os dois filhos da viúva

(De oito anos o que a conforte,

De quatro a que a mal coadjuva)


Ficam eufóricos quando

Ela de avião os leva

A umas férias, esperando

Dissipar da noita a treva.


Ao preparar cada mala,

O miúdo ajuda lesto.

A irmã vivaça se cala,

Contra o que é seu comum gesto.


- ”Estás com medo?” - a mãe diz. -

Vais sempre connosco os dois...”

- ”Não” - responde ela, feliz,

Atenta ao que vem depois.


Após horas já de voo,

Cutuca a miúda a mãe:

- ”Onde é que está o pai? Eu vou

Vendo as nuvens e ninguém...”


Só então a mãe entendera

Porque é que, de palradora,

O silêncio emudecera

A menina tanta hora.



Eterna


Uma eterna namorada?

Não, porque o tempo se escoa.

Ao invés, na eterna estrada,

És uma fiel pegada

Que em seu trilho o meu ecoa.


Vejo assim, nos olhos teus,

O trilho que ruma aos céus.


E aqui vamos, de mãos dadas,

De céu enchendo as jornadas.


Os meus rumos são os teus,

És meu bocado de Deus.


Esperar o céu ao fim?

- Ele anda comigo assim!



Poupar


Preciso é poupar dinheiro

E mais preciso é ganhá-lo.

Mas, para o ganhar, primeiro,

Vai ser preciso gastá-lo.

Neste círculo se adia

Da vida a enviesada via.



Repouso


O repouso da mente é o coração.

A mente ouve todo o dia

Dos sinos o carrilhão,

Dos escapes a trovejada assintonia,

Ruído e discussões na multidão,

E tudo o que quer, quando não se ilude,

É quietude.


Ora, a paz apenas lhe pode vir

Dentro do silêncio do coração.

- Aí é que terás de ir.



Preciso


- ”Preciso da tua ajuda!” -

Digo ao Deus que nunca vi,

Da dor com a voz aguda.

- ”Estou mesmo aqui,

Nunca te irei deixar, seja qual for a muda.

Está tudo bem.

Amo-te, muito do que imaginas para além.”



Previamente


A fé será uma forma de dizer:

Aliado ou adverso,

Aceito previamente

As condições do Universo


E adopto antecipadamente

Aquilo que eu irei ser

Incapaz de compreender

Actualmente.



Mãos


Temos mãos, podemos apoiar-nos nelas,

É a alegria dum corpo mortal.

Por isso Deus precisa de nós, suas estrelas,

Afinal:

Adora sentir a textura do chão

Através de nossa mão.



Interromper


Pára de interromper

Os outros quando estão a falar!

Queres-me convencer

De que mais importa o que tens a dizer

Que o que eles tenham a comunicar?

De que és mais importante

Do que quem tenhas diante?


Pára!

Senão, a seguir,

Mesmo sem ta partir,

Partem-te a cara!



Funde


Que a gota de água se funde com o mar

Todos sabemos.

Poucos, que o mar se funde com a gota de água.

Teremos

De o constatar

Sempre através da mágoa?

Eu e o Universo,

Uma humilde conta no infinito terço:


Ando-lhe a rezar

E ele a mim, a par.



Beatitude


Porque tenho perseguido a felicidade

A vida inteira

Quando tenho aqui a beatitude à minha beira

O tempo todo que me agrade?

- Em mim

No princípio, no meio e no fim.



Mensagem


De Deus uma derradeira mensagem:

Podes aqui voltar

Na tua intérmina viagem

Logo que tenhas logrado entender por ti

Que sempre estás e hás-de estar

Aqui.”



Motor


O Cosmos é um motor rotativo.

Do núcleo vais querer ficar bem perto,

Da roda no eixo esquivo,

Não na parte de fora, decerto,

Onde a rotação é mais violenta

E o sistema nervoso te rebenta.


O eixo da calmaria sem frenesi

É o teu coração.

Aí vive Deus dentro de ti.

Pára de procurar, então,

Respostas no mundo incapaz,

Retorna ao centro,

Que encontrarás

Aí dentro

A paz.




































Ao Morno Tição das Quadras ao Desafio





1


Primeiro Tição
















Barraca


Tirar alguém da barraca

É bem fácil pretensão,

Tirar de alguém a barraca

De dentro dele é que não.



Perdes


Se o bem desprezas, incrível,

Jogas-te fora à mancheia:

- Um mal não há mais terrível

Do que um bem que nos odeia.



Portal


Por mais pequeno que seja,

Tudo é sempre, nalgum modo,

O portal que se deseja

Dum caminho para o todo.



Estradas


As estradas que começam

Fáceis, da esquina ao virar,

Levam os que ali tropeçam

De volta ao mesmo lugar.



Invisível


O invisível é suposto

Mais que um posto ser incrível:

Sempre o invisível é o rosto

Escondido do visível.



Olho


Olho por olho,

Se ninguém o menoscaba,

Tem um escolho:

- É que cego o mundo acaba.



Respostas


Quando julgas que já sabes

As respostas todas juntas,

Vem a vida, mal acabes,

Muda todas as perguntas.



Aceita


Aceita, que então

Nada se perdeu:

Quem vive em aceitação

É que é bendito do céu.



Planos


Não dites planos à vida:

Isto finda a estragar planos

Que a vida tem, de seguida,

Para ti, todos os anos.



Motor


A razão é mal vivida

Se for quem me oferta o chão:

O motor que arranca a vida

É sempre e só uma emoção.



Difícil


Se é difícil eu saber

Quando agir, bem mais, a par,

Difícil para quenquer

É saber quando parar.



Vivencia


O que tens a vivenciar

Vivencia e logo aprende

O que este acto te vem dar,

Que o seguinte então te rende.



Âmago


O âmago não pereceu

Do muito que eu o desloco:

É sempre o âmago o mais meu

Que nas coisas eu coloco.



Integrado


Vives sempre em consonância,

Da comunidade aceite?

Foste integrado e, sem ânsia,

És, de preso, um mero enfeite.



Brincar


Vimos à terra, foliões

Brincando em eterno entrudo,

A entretecer emoções

Para ao fim vivenciar Tudo.



Saúde


A saúde está primeiro,

Não só física, inconstante:

A do espírito é o leveiro

Peso que é mais importante.



Antes


Por mais que queiras fazer,

Derrubar acima, abaixo,

Superar teu próprio ser,

Antes pensa: qual meu facho?



Certo


Escolher certo é escolher

Por meu imo conferindo,

Sem cedências a fazer,

Sem condições ao ir indo.



Vens


O que vens fazer à terra

É vivenciar emoções,

O que te exalta ou te aterra,

- Até que o Todo em ti pões.



Compromisso


É simples teu compromisso,

Veste da cabeça aos pés

O teu mais leve feitiço:

- É de ser mesmo quem és.



Plenitude


A plenitude é voar

Liberto dos pesos meus,

Com alegria, a levar

Notícias frescas aos céus.



Forçar


Não vais forçar o futuro,

Já lá está, por ti à espera,

Não muda o rumo seguro

Só por ver tua quimera.



Aceite


O aceite em comunidade

Não deve ser prioritário

Ante o aceite da verdade

De teu íntimo sumário.



Vínculos


Treina teu desprendimento

Dos vínculos da matéria,

Inteiro sê no momento:

- E é tua a força sidérea!



Reino


O verdadeiro origina

O reino do imaginado,

O imaginado destina

Do verdadeiro o reinado.



Minhoca


Como a minhoca que fecunda a terra

Que cegamente atravessando esvai,

A lenda corre boca a boca e encerra

O que encerrar nenhum modo outro vai.



Fruto


Ao agir juntam-se os gomos

De ir sendo fruto quenquer

E vamos sendo o que somos

Pelo que sonhamos ser.



Medos


Presos doutrem nos fanais

Por mil desejos cretinos,

Os nossos medos reais

São afinal clandestinos.



Aceita


O improvável, o insolente,

O obscuro que ninguém viu

Aceita mais facilmente

Todo aquele que já riu.



Espelho


Longa viagem fizemos

Para um viajante acolher:

No espelho que cá encontremos

Só a nós nos podemos ver.



Exame


- ”Estranhei a tua ausência.

Que tens feito? Oiro de lei?”

- ”Fiz exame de consciência.”

- ”Não digas! E então?” - ”Passei!”



Chineses


De Adão e Eva a certeza

Temos de não ser chineses:

Estes comem cobra à mesa,

Deixam que a maçã tu prezes.



Ego


Qual o modo mais seguro

De alguém se suicidar?

- Trepar do ego ao cume duro

E ao vazio se atirar.



Único


Tem sempre em mente:

És único! E sabe mais:

És único exactamente

Como os demais...



Peregrinar


Peregrinar não é apenas

Ir dum para o outro lado,

É caminhar pelas cenas

De nosso íntimo ignorado.



Nunca


Excelência e perfeição

Nunca são de confundir:

Excelência tenho à mão,

Perfeição é a Deus convir.



Casamento


O casamento é o terror

Do que igual se quer manter,

Que o casamento é a melhor

Ocasião de crescer.



Perdoar


Um casamento feliz

É união para durar

Se cada qual é aprendiz

De estar pronto a perdoar.



Quer


Um homem primeiro amor

Quer da mulher sempre ser,

Do derradeiro a mulher

Quer dum homem ser penhor.



Comer


Há comer que é temeroso,

Feito a golpes, como à goiva.

E o comer mais perigoso

É sempre o bolo de noiva.



Flor


Quando um marido à mulher

Flor traz sem qualquer razão,

É que há uma razão qualquer

Para a flor que traz à mão.



Sucesso


Casamento de sucesso,

Só do apaixonado à toa

Várias vezes, no processo,

Sempre da mesma pessoa.



Elástico


Um elástico sou tenso,

Entre dois pólos derivo:

Ou vivo tal como penso

Ou penso tal como vivo.



Solidão


Mais velhos nos finda a pôr,

Mais o fim querendo em vão,

A mais dura solidão:

A solidão dum amor.



Dentro


A terra sem mal existe,

A questão é de encontrá-la.

E é fácil, pois não nos viste

Cá dentro em nós a levá-la?



Amar


Ninguém pode a humanidade

Amar, mesmo atreito às loas.

Só podemos de verdade

Amar mesmo são pessoas.



Humildade


Deveras e sem disfarce

Humildade em grau maior

É nunca considerar-se

Superior seja a quem for.



Clama


No mosteiro clama o abade

A quem ouvir o quer bem:

- ”Em matéria de humildade

Eu cá não temo ninguém!”




























































2


Segundo Tição

























Opressão


A opressão

Volta das vítimas as dores

Umas contra as outras e não

Contra os opressores.



Envergonhar


Em lugar de se orgulhar

De ter mui grande riqueza

É de alguém se envergonhar:

- A Humanidade despreza.



Nada


De nada serve entender

Onde é que radica o mal

Se nada após se fizer

Para extirpá-lo, afinal.



Única


Há uma única pessoa

Sem a qual o mundo meu

Não pode existir, à toa:

E a tal pessoa sou eu!



Contas


Pede contas de verdade

Por toda e qualquer acção:

Sem responsabilidade

Poder cria corrupção.



Mistérios


Da vida os mistérios são

Para os olhos que aprenderam

A vê-los como serão

E não como outrora os leram.



Fim


Hoje em dia,

O fim do mundo talvez

Não assuste tanto quem o avia

Como assusta o fim do mês.



Guerra


Soldado que sais da terra

Para qualquer guerra aí,

Podes sair de tal guerra

Nunca a guerra sai de ti.



Pedir


Nunca de pedir ajuda

Tenhas medo alguma vez

Nem de a tua mão sortuda

Ofertar a quem tu vês.



Sucesso


Sucesso não é estender

A tua mão a uma esmola,

É trabalho duro ter,

De afirmação própria mola.



Vassoira


É certo que nada sei,

Mas vassoira, embora suja,

Varrer pode o que haverei

De varrer, se lhe não fuja.



Pescar


Melhor para quem tem fome

Jamais é o peixe lhe dar:

Para que ele em mãos se tome

Antes o ensina a pescar.



Carreira


A carreira põe à luz

Teu pendor de vida inteira:

A carreira ou te conduz

Ou conduzes a carreira.



Esmola


Esmola um sábio quer dar

Mas que ninguém saiba, aliás.

Ouve dentro murmurar:

- ”Mas tu sempre saberás!”



Matéria


Tudo o que houver na matéria

É de nós usufruirmos

Sem pela prenda sidérea

Qualquer apego sentirmos.



Fotografia


Se, ao tirar fotografia,

Ando do ângulo à procura,

Não da emoção que teria,

Perco o melhor que ela augura.



Sair


A maior das ironias

É sair do Vaticano

Para de Jesus ter vias,

Para O sentir sem engano.



Violência


Violência jamais é solução,

É carência atrás de carência.

E como não?

- Violência atrai violência.



Mal


Todo o mal da humanidade

Não é de ter fugido aos céus,

O mal é que se persuade

Que dela se afastou Deus.



Somos


Pensar, sentir serão amos

Quando trepamos aos cimos,

Mas não somos quem pensamos,

Somos sempre o que sentimos.



Herança


De herança a repartição

Deve assim entre dois ser:

Do mais velho é a divisão,

Cabe ao mais novo escolher.



Relatividade


Relatividade alcança-a

Qualquer mente pobre e nua:

- Cremos que o comboio avança

Quando é a gare que recua.



Cume


Quando a gente atinge o cume

Como deve então agir?

- Sentir-lhe bem o perfume

E continuar a subir.



Louvado


Um louvado o que é que pensa,

Após ter avaliado

Como louvado em presença,

Se diz: - ”Deus seja louvado!”?



Amo


Fresco, o Paraíso, em cima;

Baixo, o Inferno a arder calores.

- Do Paraíso amo o clima.

Do Inferno, os frequentadores...



Vencedor


Trata de vencer, que o lema

É a vitória ter à mão.

Derrotado, se é problema,

Vencedor é solução.



Graça


Há uma graça de desgraça cheia

Que da desgraça vem após:

- Há sempre na desgraça alheia

Algo agradável para nós.



Ano


No ano, só em dois dias tens a medida

De que nada podes fazer por tua vida:

- Ontem e amanhã.



Errada


Se ainda a pessoa certa

Não foi por ti encontrada,

Desperta,

Frui a vida com a errada.



A Morte


Nem sempre para se dar

Tem de ter-se o que se der.

Que é que só se dá se, a par,

Se dá o que se não tiver?



Pregos do Barco


Em água quando me enfio,

A cabeça não lhe encaixo.

Quem é que passa no rio

De cabeça para baixo?



A Curiosidade


Se me pico, a dor que fica

Às vezes quer quem lhe acuda.

Mas que coisa, afinal, pica,

Nunca, porém, é bicuda?



Ovo


Qual é a coisa que se atira

Branca mais que uma janela

E que, ao cair, eu confira

- Que, se cai, cai amarela?



Morango


Não tem uma telha

Nem herança que herde,

Menina vermelha

Mas num sofá verde.



Os Dentes


Sem elas tu mal declinas

Os sons que há na tua prosa.

São trinta e duas meninas

Num assento cor-de-rosa.



O Fósforo


Um homem entra na sala

Onde há candeia mais vela.

Qual acende para a gala

Primeiro, a luzir de estrela?



Velas do Moinho


Quatro meninas correndo

Uma atrás doutra e não ganham

Terreno que alguém vá vendo,

Já que nunca elas se apanham.



As Pintas do i


Por mais que eu olhe um planalto,

Há mais além um destino.

Afinal, o que é mais alto,

Mais alto no que é divino?



O Sino


Ora às vezes me dá gozo,

Ora faz que o chão eu morda.

Qual é que é o mais ruidoso

Dos instrumentos de corda?



Borla


Porque é que sapatos novos

Nós compramos, desde já

Sem cuidar de mais renovos?

- De borla ninguém os dá...



Carrega


Porque se carrega a Cruz

Quando ao claustro se encaminha

O procissão de Jesus?

- Ela não anda sozinha...



Cama


Quando o sono nos reclama,

Dos olhos nos ata os nós,

Porque vamos para a cama?

- A cama não vem a nós...



Vento


Porque é que o vento é mais frio

De Inverno que de Verão?

- Ficou lá fora, ao rocio,

Que as portas se fecharão.



Galo


Porque é que de olhos fechados

O galo canta ao alvor?

- Porque ele, em todos os lados,

Sabe a música de cor.



Atropelados


Que é uma fila de chineses

Atropelados na estrada?

- É um traço contínuo, às vezes,

Só que amarelo, de entrada.



Gato


De que lado é que mais pêlos

Há-de ter um gato agora?

- Mais pêlos ele há-de tê-los

Sempre do lado de fora.



Elefante


Como faz um elefante

Das árvores ao descer?

- Numa folha senta adiante,

Espera o outono, a ver...



Frigorífico


Como ver que um elefante

Num frigorífico entrou?

- Pelas marcas que adiante

Na manteiga ele deixou.



Quatro


Como é que quatro elefantes

Se arrumam num mini-carro?

- Dois à frente, os importantes,

Dois atrás que são o escarro.



Cravos


De quantos cravos precisa

Um cavalo bem ferrado?

- De nenhum: só desta guisa

Por “bem ferrado” ele é dado.



Crivo


Como é que pode num crivo

Água ao fim ser transportada?

- É que, por algum motivo,

Tal água ficou gelada.





































3


Terceiro Tição
























Papa


Onde é que se encontra o papa

Bem depois do pôr-do-sol?

- Ao fado nem ele escapa:

É sempre da sombra ao rol.



Viúva


Alguém casa com conforto

De sua viúva com a irmã?

- Por grande que seja o afã,

Não, porque ele já está morto.



Pombos


São seis pombos, mato três,

quantos restam que insistiram?

- Nenhum, já que, desta vez,

Todos os outros fugiram...



Pijama


Porque há quem use pijama

Só para de mota andar?

- É que se lembra da cama,

Quer nas curvas se deitar.



Rãs


Porque é que as rãs têm peito

Mas rabo não tem lugar?

- Porque não lhes dava jeito,

Jeito nenhum ao sentar.



Pescadores


Se for abstinência inteira

Que escolhem, fiéis leais,

Que comem à sexta-feira

Católicos canibais?



Olhos


Serão sempre dois vizinhos,

Embora nenhum converse,

Nunca saem aos caminhos

E nunca poderão ver-se.



Cadeias


Alguns das próprias cadeias

Não se logram libertar,

Porém, de algemas alheias

Muito amigo vão livrar.



Morte


Todos, todos a ter tanto medo

Da morte

E eu a ver quão nela acedo

À grande, à grande sorte!



Verdade


À luz do dia a verdade erguida

Não é tão destrutiva, não,

Como a mentira escondida

Na escuridão.



Garrafa


Sempre é de garrafa meia

Que fala a democracia:

Uns dirão que é meia cheia,

Outros que é meia vazia.



Queimar


É uma estranha lei das tribos

Que apodrece as gestas boas:

- Começam a queimar livros,

Findam a queimar pessoas.



Cimento


Amizade, sempre de alma

Misterioso cimento,

Adoça a vida que acalma,

Solda aos mais cada elemento.



Magma


Num magma borbulham, quentes,

Respeito, amor, lealdade,

A alimentar, permanentes,

O coração da amizade.



Doce


Não é tomar de alguém posse,

Não é uma oportunidade,

A amizade é sempre um doce

De responsabilidade.



Jornada


Sem haver uma amizade

Ao correr duma jornada

Não há mais vida que agrade,

A vida não vale nada.



Horas


Horas más ou horas boas

Nos vão pontuando o chão.

Posso viver sem pessoas,

Sem amigos é que não.



Desejo


Não há desejo profundo

Como o singelo do abismo

Que dentro em nós não tem fundo,

O de algum companheirismo.



Vão


Vida fora tudo é vão,

Posso descartá-la à peça.

Os amigos é que não,

São aquilo que interessa.



Precioso


Não há nada precioso,

Tão precioso no mundo

Como este afecto gostoso

De ser querido em que abundo.



Imprevista


Quantas vezes persuade,

Mesmo apesar de imprevista!

Acredito na amizade

Também à primeira vista.



Rir


Nada melhor do que rir

Com alguém num riso a esmo

Porque ambos, de igual sentir,

Ambos acham graça ao mesmo.



Alma


Um amigo: uma alma apenas

Que, além bem do que entenderes

Das adivinhas mais plenas,

É uma só, vive em dois seres.



Amigos


Um do outro na quente alma

Caímos, asa que voa,

Tal pedrinha que, na calma,

Breve tomba na lagoa.



Sós


A sós contigo,

É tudo um dó.

Com um amigo

Nunca estás só.



Chega


Um amigo a que me abeiro

É alguém que chega na hora

Quando o mundo inteiro

Já se foi embora.



Revela


Quer na alegria mais bela,

Quer na tristeza e nos dós,

A amizade é o que revela

Que nós nunca estamos sós.



Auxílio


Não é o auxílio de amigos

Aquilo que mais ajuda,

É fiar-me em seus abrigos,

Certo de que há quem me acuda.



Interessa



Um amigo que interessa

É o que atende uma chamada,

Quando o telefone o peça,

Às quatro da madrugada.



Difícil


Para que é que viveremos

Se não for para tornar

Menos difícil, aos remos,

A vida que haja a remar?



Único


Um único bom amigo

Ter é fazer com que as trevas

Longe andem de meu abrigo:

- Há de luz levas e levas!



Roupão


Um amigo é como um velho

E bom, de quente, roupão

Em que me agasalho o artelho

Quando é escuro e frio o chão.



Teste


Da amizade o teste é a ajuda,

Ajuda na adversidade.

E esta ajuda, quando acuda,

Só gratuita é que persuade.



Palavra


A palavra encantadora,

Vocabulário de amigo,

É “fica”: - “Fica uma hora,

Mais uma hora comigo!”



Agasalhos


Um para o outro nós fomos

Quantas vezes, no arrepio

Da vida estéril de pomos,

Agasalhos contra o frio!



Coladas


As amizades coladas

Se mantêm pelos dias

Das mais adversas jornadas

Com pequenas simpatias.



Fruir


Quem for capaz de mostrar

E fruir de amabilidade

É o amigo a valorar

Mais do que qualquer herdade.



Endireitam


Os amigos endireitam,

Dum café e um bolo à beira,

No calor com que se estreitam,

Nada mais que a vida inteira.



Clarim


Saldos”, “Oferta Especial”

É tal toque de clarim

Às amigas que, ao sinal,

Vão dar luta até ao fim.



Dizer-te


Pode um amigo dizer-te,

Da amizade por magias,

Sem que ela de ambos deserte,

O que a ti nem tu dirias.



Sandice


Apenas o amigo pode,

Quando, por qualquer sandice,

O mal então nos sacode,

Pode dizer: -”Bem te disse !”



Inócuo


Como é que útil pode ser

Quem de mim só se aproxima

Com inócuo parecer,

Hoje abaixo, ontem acima?



Precioso


Vou com ele até ao fim,

No sofrimento e no gozo:

- Se não precisa de mim,

É um amigo precioso.



Maçada


Amigo em dificuldades

É uma terrível maçada

E a lavoira em que tu grades

De amigo a safra mais grada.



Gesso


A amizade anda de gesso,

De perna partida assim,

Se um amigo tem sucesso

E algo então morrer em mim.



Ler


Se um do outro o pensamento

Pudera acaso alguém ler,

Dissolvia num momento

A amizade e o bem-querer.



Vestida


A amizade entre mulheres

Não é possível na vida

Se uma delas tu ponderes

Que está muito mal vestida.



Ingénuo


Das pragas mesmo a maior

Que Deus nos pode enviar

É a dum amigo que for

Deveras ingénuo a par.




























































4


Quarto Tição
























Tensão


A amizade não aguenta

A tensão dos bons conselhos

Se, durante o que se tenta,

Os anos morrem de velhos.



Paga


Um amigo que tiver

De ser comprado não vale

A paga por ele o ser,

Não é um amigo real.



Máscara


A máscara pode ser

De todo jogada aos pés:

Com o amigo podes ser

Aquilo que realmente és.



Sincero


Um amigo é sempre alguém

Com quem posso ser sincero:

Ao pé dele posso, a bem,

Pensar alto no que quero.



Futuro


Um amigo tem um traço

Do futuro que vier:

Permite-nos ter o espaço

Da liberdade de ser.



Qualidade


Sabe o amigo o que ladear

Por ser mera quantidade

Quando vamos conversar

E opta após por qualidade.



Privilégio


Privilégio dos amigos

Velhos é se permitir

Estúpido nos pascigos

Ser com eles sem ferir.



Fechar


Para encontrar um amigo,

É fechar um olho, pois.

Para tê-lo a bom abrigo,

Então é fechar os dois.



Cemitério


Todos deveriam ter

Um enorme cemitério

Para enterrar lá qualquer

Falha de amigos a sério.


Além


Um amigo é quem te aceita

Como és mas espera bem

Que sejas (o que o deleita)

Quanto possas ser além.



Gosta


Um amigo é sempre alguém

Que de ti sabe de tudo

E mesmo assim, olha bem,

De ti gosta sobretudo.



Fecha


Cego o amor te deixa,

Depois são abrolhos.

Só a amizade fecha

Calmamente os olhos.



Lado


Quase ninguém há-de estar

Do teu lado, se estás certo.

O amigo é quem te anda a par:

- Negam razão? Ei-lo perto.



Busca


Tens palácios, guias bólidos,

Sempre na busca perdida...

- Os amigos é que, sólidos,

São a riqueza da vida.



Lealdade


A lealdade vale

O seu peso em oiro,

Dos fracos que agoiro

Salva a imensidade.



Finais


O que a estrada junca

De fins são sinais.

Entre amigos nunca

Haverá finais.



Apanha


Como a vida nos apanha

E então nos ensina a amar,

Sem mais ver quem perde ou ganha,

A todos a perdoar!



Melhor


O meu melhor amigo é

Aquele que faz, por fim,

Vir ao de cima, com fé,

O melhor que houver em mim.



Quando


Gosto de ti pelo que és,

Porém, não somente, amigo,

Também por quanto, de vez,

Eu sou quando estou contigo.



Aguentar


O amigo torna possível

Aguentar, em minha pele,

A viver neste terrível,

Terrível mundo cruel.



Compreender


É compreendido ser,

Na verdadeira amizade,

Tal como é compreender,

A mais bela qualidade.



Compreensão


Amizade é amor

Nesta dimensão

De alegre calor:

- Com compreensão.



Privilégio


O grande alívio, conforto,

Privilégio da amizade

É que ninguém o seu horto

Tem de explicá-lo, em verdade.



Melodia


Os amigos nunca vivem

Meramente em harmonia,

Mas também vivem, revivem

Muita sacra melodia.



Contigo


Ir contigo é caminhar

Numa manhã luminosa

Com a sensação gostosa

De ser daquele lugar.



Silêncio


É verdadeira a amizade

Quando um silêncio prestável

Aos dois de leve os invade

E acontece que é agradável.



Lonjura


Não elimina a saudade

A lonjura aqui vivida,

Traz a lonjura, em verdade,

Já sem danos, para a vida.



Tecido


Os silêncios e as distâncias

Fazem parte do tecido

Com verdadeiras fragrâncias

Da amizade com sentido.



Carta


Um telefonema é bom,

Porém, uma carta, ao vê-la,

É falar num outro tom:

- A carta posso relê-la.



Madrugada


Uma carta dum amigo

Eleva, de saborosa,

O coração, é um abrigo

Na madrugada chuvosa.



Mão


Ah, como é bom,

Sem um perigo,

Sentir a mão

Dum velho amigo!



Ausência


A amizade nunca esquece

Mesmo após a consequência

Do que a esquecer se parece:

A vida inteira de ausência.



Consolo


De ter de amigo o consolo

Pode ter fim definido

Mas neste fim nunca arrolo

O consolo de o ter tido.



Poderoso


Jamais um amor tão bom,

Poderoso nos persuade

Como o que incorpora o tom

Dele sobre uma amizade.



Coluna


A amizade verdadeira

Mais estável vai tornar

A coluna onde apoiar

A paz pela Terra inteira.



Entretecendo


A amizade vai ligando,

Entretecendo o enlaçado

Até que o mundo, rodando,

Fique ao fim nela enredado.



Oferta


De quanto a sabedoria

Oferta à felicidade,

De tudo a maior franquia

É a de ter uma amizade.



Consiste


Consiste a felicidade

De amigos numa recolha,

Porém não na quantidade,

Na qualidade da escolha.



Mereci


Deveras eu mereci

Todos os meus inimigos,

Mas mérito em mim não vi

De merecer meus amigos.



Melhor


É bom ser rico e ser forte

Mas melhor é ter abrigos

Ao ser caro, com transporte,

A muitos, muitos amigos.



Goza


Dum amigo goza

Como se Deus fosses,

É a mais preciosa

De todas as posses.



Medida


Um amigo que se estima

É um padrão já de beleza,

Que um amigo é uma obra-prima

A andar pela natureza.



Tesoiro


Em redor de meu pescoço,

Meu amigo, és colar de oiro.

Viver sem ti como posso?

Tu és meu melhor tesoiro!...



Reino


Sou daqueles que partiram

Da amizade em busca e treino

E o espanto conseguiram

De encontrar ao fim um reino.



Sábio


Frena o sabedor o lábio,

Vendo qual saber lhe cabe:

Sempre que um homem é sábio

Nunca dirá quanto sabe.



Aprender


Aprender o que é malvado

Não é o pior a temer:

Aprender jamais é errado,

Fazê-lo é que o há-de ser.



Abrigos


É por faltarem abrigos

Que os perigos se hão mantido:

Morrem os deuses antigos

E os novos não hão surgido.



Apontarmos


Não existe deus nenhum

Dos que apontarmos nos céus,

De rosto embora incomum:

Nenhum deus é deus. Só Deus!



Outrem


Com outrem não poderei

Dar-me bem quando quenquer

Para mim, como por lei,

Continuar outrem a ser.



Ego


Um ego apenas existe

Através de seus limites

E nada dele persiste

Quando deles o desquites.



Um


Tudo o que é de facto é um,

Daí que ser plenamente

É ser quanto é, sem nenhum

Resquício lá fora ausente.





































5


Quinto Tição























Ocasião


A grande dificuldade

É também, no árido chão,

Para uma oportunidade

A melhor ocasião.



Reciprocidade


Reciprocidade fito

Se é com o abismo que lido:

Quem escolher o Infinito

É do infinito escolhido.



Sufoco


Dum homem qualquer sufoco,

Por mais que por nada o tomem,

É noutro mundo que toco,

É Deus que sufoca no homem.



Confim


O confim

Dos confins meus:

- Descobrir o Homem até ao fim

É descobrir Deus.



Inferno


Os partidários do inferno

São os que, quando isto almejam,

É só para uso externo:



Distante


Em absoluto distante

De quenquer que o interpele,

Deus em nada é semelhante

À ideia que se faz dele.




A fé no homem toca um chão

Que não é dos passos seus:

A fé no homem expressão

É sempre da fé em Deus.



Outro


Não é o outro que é o inferno

Nem poderá ser tabu,

Ele é o meu segredo interno:

- Torno-me Eu ao dizer Tu.



Abrigo


Jamais de mim sou abrigo,

Por mais que me esforce à toa.

Se a uma pessoa me ligo

É que ao fim serei pessoa.



Redor


É quando noutrem tropeço

Que então para mim flutuo.

Doutrem me desinteresso

E a mim é que me destruo.



Fuga


Nenhuma fuga é viável,

Que os passos elas nos somem:

Do próximo responsável,

Meu próximo é todo o homem.



Encontro


Toda a vida verdadeira

Entretece-se em encontro,

Mas dela a visão cimeira

É que é sempre um reencontro.



Aquilo


Sem Aquilo o homem não vive

Mas se viver só d'Aquilo,

Por mais que junte e que arquive,

Não tem de homem pleno o silo.



Busca


Não há uma busca de Deus:

Não há nada, em nenhum lado,

Onde, na terra ou nos céus,

Não seja sempre encontrado.



Encontrar


Ninguém há-de encontrar Deus

Se se mantém só no mundo,

Nem traços encontra seus

Do mundo se sai, no fundo.



Infindo


Dá o Infindo a tudo a mão,

Tudo são reflexos seus:

Com outrem a relação

É já relação com Deus.



Bênção


A bênção de minha vida

É que nunca precisei

Duma coisa perseguida

Antes de a ter, feito rei.



Questão


Nunca te irão perguntar:

- ”Moisés não foste, homem cru?”

A questão a colocar:

- ”Porque é que não foste tu?”



Corpo


Um corpo humano é preciso,

Mas como hotel deve ser

Ao qual, quando o bem diviso,

Nunca me devo prender.



Feliz


Se não podes ser feliz

Aqui e agora, é que junca

Teu trilho a cinza que diz:

- Não poderás sê-lo nunca.



Via


A via que nos conduz

A livrar do sofrimento

Uma aceitação traduz

De sofrermos a contento.



Suportava


Nenhum homem suportava

Ver-se tal e qual ele é

Comparando ao que julgava

Ser na sua boa-fé.



Liberdade


Tomo a liberdade a peito

E a mim mesmo é que me acuso:

Livre em mim sou do que aceito

E preso do que recuso.



Adesão


Se a adesão ao sofrimento

For total, perfeita, a paga

É que logo, no momento,

O sofrimento se apaga.



Medo


Quando deixa de haver medo

Desaparece o futuro,

Fica o momento a que acedo,

Nele inteiro me inauguro.



Estado


De paz e alegria o estado

É um estado sem oposto:

Nem se opõe ao que hei amado

Nem tira ao que odeio o rosto.



Dualidade


O inferno é dualidade,

A divisão interior:

Dum lado a profundidade,

Doutro a derme a se lhe opor.



Fim


Fim do mundo não é nunca,

Não pode ser mais senão

Em nós fim da garra adunca

Do que foi uma ilusão.



Objectivo


Um objectivo comum

Pode o homem atingir

Sem ter tomado nenhum

Comum caminho a seguir.



Parece


Amar apenas aquilo

Que connosco se parece

É amar-se mal em sigilo:

Amor não é, o outro esquece.



Única


É única a Fé, na essência,

Em qualquer religião,

Qualquer lhe exprime a vivência,

Tudo à uma e sem cisão.



Mal


O mal com o mal pagar,

Por mais que justo regalo,

O mal não é reparar,

Afinal, é duplicá-lo.



Bendito


Porque Ele julgou por bem

Não no-lo enfim conceder,

Por todo o bem que não vem

Bendito Deus há-de ser.



Inimizade


O primeiro e maior bem

A fazer a um inimigo

Da inimizade que tem

É livrá-lo do perigo.



Tudo


De desejar

É, sobretudo,

Tudo encontrar

Ao perder tudo.



Guia


Só há um guia verdadeiro,

O nosso guia interior

Que nunca passa, estrangeiro,

Por cônscia mente o que for.



Ajudar


A ajudar outrem e o mundo

O melhor que hei-de fazer

É ser o que ao outro infundo

Que espero que venha a ser.



Flui


Flui com a vida, merece

A folha ao vento: destarte

Deixa vir o que acontece,

Deixa partir o que parte.



Sofrimentos


Não saber que, ao fim, não sabe

Sofrimentos infinitos

Causa a quem em si não cabe,

De imitar de sábio os fitos.



Procurar


Em troca de procurar

O que não tens, decidido

Antes encontra, em lugar,

O que nunca hajas perdido.



Desembaraçar-me


Não vou desembaraçar-me

Dos problemas que atravesso

Sem que a renúncia desarme

As ilusões que professo.



Balizas


Aquilo de que precisas

Apresenta-se-te logo

Mal prescindas das balizas

Com que jogas o teu jogo.



Norma


Norma sobretudo

Para a vida em paz:

- Renuncia a tudo,

Tudo ganharás.




Por mais que dê quanto é meu,

Há uma raia na sequela:

Não posso ofertar-te o céu,

Compete a ti ver a estrela.



Sois


Mistério da terra aos céus,

Transcende todas as leis:

- A verdade é que sois Deus,

Porém vós não o sabeis!



Dificuldades


Que evite as dificuldades

Não devo pedir a Deus,

Rezo para que as vontades

Nelas possa ver dos céus.



Limitada


A religião limitada

Não é por quanto ela inclui,

Mas é-o porque, à chegada,

Toda a religião exclui.



Amanhã


Tendes medo do amanhã?

Do ontem de dor e gozo

Nada ocupa vosso afã

E é por igual perigoso.



Funda


A lei mais funda do ser

Traz uma verdade esquiva:

- As palavras vão morrer

Onde quer que o homem viva.



Ávido


Ávido ser de não ser

Ávido, por sua vez,

De tanto à força o querer,

É mesmo assim avidez.



Força


À força de repetir

Devo acordar”, faz quenquer,

Longe de o fito atingir,

Findar por adormecer.






































6


Sexto Tição























Subsiste


Nada subsiste por si,

Tudo é dum só poema o verso:

Se bem buscas dentro em ti,

Encontrarás o Universo.



Enleio


Corremos sempre no enleio

De não sei quê que buscamos.

Ora, não há nenhum meio

De ir aonde nós já estamos.



Iluminação


Antes de mais, em quenquer,

Ser iluminado em fé

É a liberdade de ser

O falhado que se é.



Questão


Ser ou não ser

Não é questão,

Pois, com razão,

Ser é não ser.



Mundo


Num mundo que se extasia

Por deitar o mundo ao chão,

Há mais fome de poesia,

Mais fome do que de pão.



Precioso


Tudo o que é precioso em mim

Doutrem vem, pois de mim, não.

Tudo o que em mim há, no fim,

Nenhum valor tem então.



Sorriso


Toda a beleza do mundo

É o sorriso de ternura

De Deus para nós, jucundo,

Na matéria onde perdura.



Nada


É o que importa em todo o lado:

Ser nada para ocupar

Seu verdadeiro lugar

- No Todo todo integrado.



Presente


Deus só pode estar presente

Na Criação, por essência

Do que é permanentemente,

Sob uma forma de ausência.



Erro


Se um derrotado cai no error:

- ”Não tenho culpa, vós outros a tende!”

Comete um erro o vencedor,

Diz “enganei-me” e então ele aprende.



Tosse


- ”Eu estou com tosse, mãe.”

- ”Passou-ta teu pai, pele a pele.”

- ”Não! O pai, mãe, ainda tem,

Ainda tem a tosse dele.”



Pavão


Vê o pavão um miúdo, ali,

No êxtase que mal continha:

- ”Que árvore de Natal vi

A sair duma galinha!”



Impossível


O impossível é a quimera

Que nada tem de fatal:

- O impossível sempre à espera

Anda de tornar-se real.



Milagre


Só há dois modos de viver a vida:

Neste, milagre nenhum há que sagre,

Tudo é vinagre a avinagrar-me a lida;

Noutro, à partida, tudo é já milagre.



Aprender


Aprender mais sobre amor

É ir, antes que te enleies,

Começar com pundonor

Por um amigo que odeies.



Lado


Se a nosso lado alguém ficar

Independentemente do que acontecer,

Percebemos, a par,

Que vale a pena viver.



Casa


Porque é que a morte tanto nos arrasa,

Evento infecundo?

- Afinal, voltar a casa

É a melhor coisa do mundo!



Cristal


Nada é verdade ou mentira, afinal:

Tudo tem a singular

Cor do cristal

Com que se olhar.



Depende


Quando Deus fecha a janela,

Abre uma porta na sala.

De ti depende ir por ela,

De ti depende encontrá-la.



Armadilha


Há quem previna tanto o futuro

Que o presente que nem vê nunca lhe brilha.

Mas quem só do presente cuida com apuro

Do futuro em breve tomba na armadilha.



Destino


Como um pêndulo é o destino:

Quão mais afastá-lo, à solta,

Tento dos sons de meu hino

Com mais força ele a mim volta.



Desejo


O desejo vive atreito

A apontar distante o tecto:
O desejo é o defeito

Do projecto.



Missão


A missão dos passos meus

É o olhar do coração

Pelo qual posso ver Deus

Mesmo aqui à minha mão.



Equilíbrio


O programa dos céus

Um equilíbrio tem em si:

Tudo o que fazes, fá-lo para Deus,

Que o que Deus faz, fá-lo para ti.



Dentro


Repara no que tens aí,

Teu imo posto a nu:

- Deus mora dentro de ti

Como tu!



Fronteira


Sou a linha de fronteira

Em perene mudança

Junto à floresta maravilhosa, assustadora e traiçoeira

Do novo que me alcança.



Bênçãos


Pode ser a dor, a morte,

O erro, a falha, o que mui herdas,

Que este teu lema é mais forte:

- Sempre bênçãos, nunca perdas.



Cogumelo


Qual é a coisa qual é ela,

Tem chapéu mas sem cabeça,

Tem um pé mas sem chinela,

Nada mais tem que lhe peça?
































































Ao Luar das Íntimas Estrelas




1


Primeira Estrela





















Movimentos


Os movimentos da vida

Propõem um avanço

Por ganhos e perdas à medida,

Apego e desapego do que alcanço.


Quando ganhas algo

De teu

É que conquistaste, fidalgo,

Alguma coisa no céu.


O que houveres de ganho

É para ser utilizado, ser fruído,

Não para te apegares com arreganho

A ele, que não te pode em propriedade ser cedido.


Quando a uma coisa ou alguém

Te apegas,

Mal a hora de o perder advém,

Não entendes e renegas.


Julgavas que era teu

E para sempre seria.

Que tudo é emprestado quem compreendeu,

De o perder no dia

Ficará sereno,

Sabendo que outra barca virá

Para evoluir em pleno

A partir donde está.


Se o julgas teu,

Na hora da partida

Vais-te vitimizar e criticar

Quem crês que to perdeu

E, em seguida,

Fera à solta,

Findas a entrar

Em revolta.


Revolta é não-aceitação

Da ordem natural do Universo.

Tenta rever, então,

Compreender porque atraíste a perda ao berço.

Senão

O acto que for teu,

Matizado pela revolta,

Não entra em consonância com o céu,

Perdida ponta solta.


Não dará, pois, certo.

Que te leva, portanto, a avançar pelo teu chão,

Revolta ou aceitação?

- Só esta te porá sempre mais perto.



Inactivo


O céu já falou,

Mostra o que quer,

Ao que vem já revelou

A quenquer.


Estão feitas as ligações,

As juntas, apertadas,

Não há mais fundões

Nas levadas.


Permanece, porém,

O homem inactivo,

Ninguém

Segue em frente, decisivo.


Tem medo, vergonha ou cuida que há mais

Novidades a vir,

Aguarda pelos sinais

Para, ao fim e ao cabo, não ir.


Ora, já foram dados os sinais todos

De variegados modos,

Agora é de agir!


Há um tempo para tudo,

Uma primavera de florescer.

Se o homem não agir, contudo,

A altura passa a correr

E perde o brilho de fanal

Dum tempo original.


Não deixes fugir o momento,

Não tenhas medo,

Não fiques parado, desatento,

Que nunca é cedo.


Avança,

Faz o que tem de ser feito

Com um riso de criança

A trinar no peito.


Isto somente,

Que no resto o céu ajuda.

Em frente,

Disponível para a muda!


Há tempo de esperar

E há tempo de agir.

Não deixes passar

Se o momento é de ir.



Instruções


Espera, paciente,

As instruções do céu

Em total entrega.

Já aprendeste a trilhar em frente

O caminho que te apareceu,

Já aprendeste a mantê-lo no meio da refrega.


Ao céu quem se entrega por inteiro

A vida tem facilitada:

Deixa de ter perdas no atoleiro,

Deixa de ter de lutar, em suma,

Logo de entrada,

Por coisa alguma.


A vida dele é um rio

A fluir alegre e macio.


Cumpre a própria missão,

Comprometido.

O caminho dele, através do chão

Seguido,

Já não tem segredo

Porque não há medo.


Há fé e entrega,

Apenas,

No itinerário que adrega

Seguir pelos meandros do que encenas.


Com permanentes reconversões

O homem aprendeu

A deixar de lutar, aos sacolejões,

E voa a fluir da aragem no solidéu.


Quando tudo está bem, avança,

Quando algo está mal, entrega.

Nada o fere do que alcança

Ou em que pega.


A entrega que o reconduz

À vontade do céu que o interpela

É dele a luz,

A fulgurante estrela:

Tudo ali acaba por ficar

No próprio lugar.


O céu comanda,

O homem flui, feito água viva,

E ambos prosseguem a demanda

Em harmonia festiva.



Missão


Quando encarnaste,

Encarnaste uma missão.

As almas que à terra vão

Têm missão quanto baste:

Implica um propósito, com uma vereda séria,

Qualquer experiência da matéria.


Não é sobreviver, não, por sinal,

Fito nada espiritual.


O propósito é cruzar

Pela experiência

Para o âmbito descodificar

Da vivência

Etérea

Do espírito na matéria.


Porém, ao nascer,

A sobrevivência

Meu primeiro fito vem a ser,

Em nome dela se anulam os mais

Altos trilhos espirituais.


Da sobrevivência em nome,

De freimas atulhando de cotio cada depósito,

Descuidamos à fome

Da vida o verdadeiro propósito.


Então, nada acontece,

Que o que acontece não é nada:

Se o retorno material é o que te aquece,

O grande voo não te ocorre na jornada.


Olha bem de ti para dentro,

Questiona o fito da tua iniciativa:

Para que serve, qual é dela o centro,

Onde ajuda a humanidade a ser mais viva

Ou as jornadas

Das gentes que te são chegadas?


Porque estás fazendo isto?

É por ti, pela tua plenitude,

Ou para teres um retorno previsto,

Material ou afectivo que a ti se grude?


Olha o teu coração

E sente o conteúdo de tua aposta.

Ficarás a saber então

A resposta.



Modo


A terra está na terra,

O céu, no céu.

Tudo tem propício tempo a que se aferra,

Um modo próprio que é o seu.


O homem recebe,

O céu dá,

Disto, na terra, quenquer que o queira se apercebe

Já.


O homem compreende o que fazer

E então actua,

Sem ego a entorpecer,

Sem culpa nem medo de ir à rua.


A confiança no céu liberta,

A fé ajuda no imprevisível,

A aceitação desperta

Lima cada aresta ao exequível.


Tudo se harmoniza

Quando está no lugar certo:

A vitória que alguém visa,

A sorte no deserto,

A inspiração,

Húmus do chão.


O céu se entremostra nos sinais,

Tu sabes e lê-los.

Tudo se encaixa entre os varais,

Tudo se justifica nos apelos,

Tudo boa sorte augura:

É o caminho e aqui tudo inaugura.


Em todo o lado

Dele os pendores continua a percorrê-los,

Serás abençoado.



Mudam


Mudam as gentes,

Mudam as terras,

Mas da felicidade os ingentes

Apelos a que te aferras


Parecem estar sempre depois

Da próxima montanha,

Além das margens enredadas de cipós

Do grande rio que mais além o pé nos ganha.


É a terra sem males nem travor a fel,

A terra da ilusão

Onde corre o leite e o mel,

De cada qual nesta aridez o promissor sertão.


É o grito,

A apelar com mil sentidos,

Do Infinito

Em meus ouvidos.



Insatisfeito


Quando alguém se sente insatisfeito,

O que lhe permanece

No peito

É a impressão de que emurchece:

Algo não está bem

E, perene, a dúvida o retém.


Sentimento de falta, de vazio,

De algo incompleto,

E de que urge, sem desvio,

Pôr-se repleto.


Do elo perdido

Da cadeia

Partes em busca, desmedido,

E não descansas, fugindo à colmeia,

Enquanto

O não encontras nalgum canto.


Algo falta sempre, porém,

E é o que te ofusca e te mantém.


Vontade interminável de plenitude,

Tentativa do pleno Bem,

É o que faz correr alguém

E o que, fatal, ilude:

Enquanto não lograr cumprir

O que de cumprir cuida que tem,

Não descansará nunca ninguém,

A seguir.


Tal agitação desencadeia mais actividade,

A fazer tudo o que há tenção

De fazer porque nos persuade,

- O que leva a mais insatisfação...


Quanto mais alguém faz

Para não se sentir insatisfeito

Mais outrem pede o que lhe apraz,

Pois é quem a tal é sempre atreito.


É o que inculpa mais,

Dá mais insatisfação,

Pois ninguém logra jamais

Fazer tudo e o Todo ter à mão.


Mas será de fazer tudo

Ou altura é de parar,

De interiorizar, mudo,

E procurar

Que é que no coração

Cava tal insatisfação?


Não é assim a plenitude,

Não corre, a fugir em frente,

Não foge à própria virtude.

Quem está pleno o que sente

É que nada tem a fazer,

Pois sabe que para ser


De fazer não necessita,

Em ser se centra e concita.


Ao não pensar em fazer,

Ao concentrar-se em estar,

Os mais leva iguais a ser,

Sem exigências a par,

Todos da culpa se libertam,

Para outro mundo despertam.


Quanto mais te concentrares

Em ser,

Sabendo já não precisares

De fazer,


Menos exigirão doutrem as traças

Que faças,


Menos culpa irás sentir

E poderás prosseguir


A concentrar-te em ser,

Que é o que o momento requer.


Nesta hora

A culpa, como a urgência,

É devastadora.


Exercita a premência

Do desprendimento sem penas,

Os vencilhos da matéria retira

E, sem mentira,

- Sê, apenas.


O mundo que vês

Irá cair-te aos pés.



Mar


Viver o mar de Deus, gota que sou,

Com toda a paixão:

Pelo que gosto de fazer e me apaixona

É que vou,

Com a atenção,

Com a emoção

Que o que vale a pena

Traz à tona.


Quando alguém cuida do mar,

Não brinca quando lhe acena,

Não descuida ao se entregar,

Vive a vida onde consuma

A paixão que o resuma.


Dedica-te com alma

A coser o teu botão,

Ergue aí a tua palma,

A tua capacidade

De ser raio e ser trovão,

Põe lá tua eternidade,

Teu infinito semeado aqui no chão,

Aquela força invisível

Que brota dentro de ti

E que é vida, a mais credível

Que em ti vi.


Escolhe o acto e te entrega,

Aí ficas uno.

Tudo em ti se congrega,

Já de ninguém mais és aluno,

Nada alheio se te apega,

Nada te prende os pés,

- Aí tu és!


A escolha, ao agir,

Define o ser

E tu, sem sentir,

Estás a ser.



Rejeição


Todos os que nascem vivenciar

Vêm o temor da rejeição:
Vivenciar é superar

O papão.


Nem sempre acontece,

Porém.

Quem esquece

De alguém

A expectativa

Que sobre si tem?

Quem dela se esquiva?


Ao invés, quenquer

Tudo faz para lhe corresponder.

Se cuidam que deles esperam força,

Fortes se fazem.

Se o não forem, é uma escolha que os distorça,

Nela se contrafazem,

Só para a outrem agradar.


Porquê tanta premência?

Para a rejeição evitar:

Uma pessoa tudo faz

Para escapar à iminência

Tenaz

De acaso ser rejeitada.


Doutrem as expectativas

São o mapa da jornada

Pontilhado a setas vivas.


Se ao invés, porém,

O facto de ser rejeitado

Decidir alguém

Vivenciar

E, ao tal aceitar,

Declinar o agrado

A outrem, não lhe correspondendo

Às expectativas sobre si,

Resolvendo

Assumir quem é, sem alibi,

Então, o que ocorrer

É apenas ele a Ser

E a ser em plenitude.


Então já não se ilude,

Olha-se, entende o medo

Que do peito lhe mora no segredo.


Veio aqui ser limpo, é a missão

Para findar o temor da rejeição.


Aceitar ser rejeitado,

Sentir funda a dor

De não gostarem de nós,

De não nos haverem aceitado,

E limpá-la com fervor

Tanto maior

Quanto mais ela for atroz.


Por trás do escuro ver o Ser

Por dentro de nós

A borbotar amor

Para todos e quenquer.


Não um amor de corresponder

A quem é de mim senhor,

Mas o amor livre e fecundo,

Incondicional e que acalma

De quem encontrou no centro do mundo,

Para sempre, a própria alma.



Itinerário


Um itinerário espiritual cobrir

É nas águas oceânicas do Infinito

Deixar-se diluir.


Rumo ao Universo transito,

Nele minha alma se dilui,

Se dilui a energia.

Aquilo que fui,

Com a diluição no Todo

Anuncia

Que, ao mudar de modo,

Minha alma do Todo faz parte,

É Universo, destarte.


O segredo da comunhão universal

É o deste diluir-se, afinal.


Quando vivemos a energia desligada,

Pejada da densidade da Terra,

Não temos a vida preparada

Para diluir-se, o que a emperra:

A miséria

Que nos desfia

É cuidarmoss que somos matéria,

Não sabermos que somos energia.


Se soubéramos que energia somos

E a matéria, invólucro mero,

A carregar os tomos

Das limitações e potencialidades

Com esmero,

Para podermos trabalhar nossas fragilidades!...


Se soubéramos que a energia é a vertente

Mais poderosa a ter em mente!


Se soubéramos que só nos diluindo,

Como físico, como mente,

Podemos ir atingindo,

Paulatinamente,

Da inefável alma a dimensão

E, finalmente, a fusão!...


O nosso dever radical

É diluirmo-nos em energia

Para melhor fusão, afinal,

Que a unidade nos devolveria.


Como alcançar a frequência de alma?

Diluir é deixar que tudo aconteça

Quando tem de acontecer,

Com a calma

Que meça

O Infinito a ser.


É saber que tudo no Universo

Tem um tempo adequado

E que ninguém devia ser adverso

Ao que para ocorrer

Programado

Estiver.


Se alguém de quem gostas

Mal te fizer,

Deves chorar, chorar de tristeza

Por em tuas apostas

Atraíres quem tanto se despreza,

Quem é tão infeliz

Que tem

De magoar a própria raiz:

Quem lhe quer bem.

Assim te irás diluir

Na dor que sentes,

Sem jamais da dor fugir,

Com todas as dores presentes.


A vida é alegre e triste,

Tudo a fluir

Se não deixas escapar o que existe,

A sentir, sentir, sentir...


Nem todos diluem emoções

Adversas.

Ficam com raiva, zangados os corações,

Culpam as pessoas que não são tersas,

Findam de peles endurecidas,

De nó no peito

Continuam as vidas,

Com emoções mas sem jeito

Para as escrutinar

E que recusam aceitar.


Não é de aceitar a lesão

Que nos faz mal,

Mas de vivenciar a emoção

Que nos trouxer tal.


Ao invés, vão vivendo, a par,

Sem aceitar sentir,

Sem aceitar vivenciar,

Sem jamais diluir.


E o ser não

Entra de alma na dimensão.


Não conseguirá libertar-se nunca

Da vertente da matéria

Que o chão lhe junca

De miséria.


Então, ao Ser

Não irá nunca ascender.



Simpatia


A simpatia

Em direcção ao outro emana

A energia

Que não engana

Da aceitação,

Do acolhimento chão.


Tudo o que é aceite se transforma e aviva

Em vivência positiva.


Quando uma vivência triste,

Densa e negativa

Recebe acolhimento,

Não mais resiste,

Dissolve-se e se desloca,

Seca-se-lhe o tormento,

Apenas paz

Evoca

E traz.


Revolta é vivência rejeitada,

Vivência aceite é paz reencontrada.


A cada contratempo medita:

Que é que me falta aceitar?

E concita

O que houver a transformar.


Quem não aceita

É o ego,

O autor da despeita

De meu desassossego.


Quando a vivência é transmudada,

Abre-se o coração,

Recebe tanto amor, numa orvalhada,

Que o irá disstribuir por cada irmão.


Quem ficou leve,

Aceitou já os limites seus,

Já chorou os lutos que teve,

Já se abriu aos céus,

Já recebeu amor na hora,

- Emana-o agora.


Como em tudo o dimana,

Trata cada qual, em seu caminho,

Como alma a que se irmana

E dá carinho.


Ora, quando as almas andam de mãos dadas,

É bem mais fácil cobrir as estradas.



Sentido


Do itinerário interior o sentido

Não reside na emoção

Nem num facto vivido:

Não é alegria, dor, restrição,

Nem abundância,

Tédio ou ânsia...


O itinerário

É o trabalho diário.


Sobre a emoção, o sentimento

Onde assento.


A tristeza que dentro me grave

É a minha melhor chave.


A raiva, distante,

Não me permite ir adiante.


O ódio, ao me entravar,

Não me permite alcançar.


A culpa, ao me punir,

Não me permite evoluir.


A tristeza,

Ao invés,

Porque dentro me lesa,

É que me faz mexer os pés.


Terei, portanto, sobretudo,

De transmudar em tristeza tudo.


A raiva é dirigida contra alguém

Ou alguma coisa.

Quando entenderes que ninguém

Te faz nada,

Que tudo em ti poisa,

Na responsabilidade em ti gerada,

Que és tu que atrais cada experiência

Para vivenciares a tristeza

Que traz presa,

Com a premência

De desfazeres, no final,

O bloqueio emocional,

- Quando isto entenderes

Irás perceber

Que raiva, ódio, culpa e mais quereres

São o que focamos em quenquer

Para não termos de encarar

A nossa própria tristeza a verrumar.


A partir da consciência

Tudo se depura

Na nova valência

Duma tristeza pura.


Aí principiou o itinerário

Da evolução interior.

A tristeza muda o eixo viário

Da vida, muda o teor

Das pessoas.

Toca no fundo do nó,

Que um nó atou-as,

E liberta-as dum golpe só.


Depois da tristeza,

Tudo é diferente.

Após vivenciar a maior dor que a lesa,

A pessoa fica livre, finalmente:

Nunca mais teme a dor.


Nem sente mais raiva, a vileza

De fugir à dor da tristeza,

Nem terá mais ódio, que é o mesmo pendor.

Nem medo, nem culpa, nem o papão

Da inveja, ansiedade, solidão...


Nada mais terá do que lhe pesa

Senão tristeza.


Se for bem vivida,

Após a restrição vem a abundância:

Uma vez a tristeza exaurida,

Eis a paz, a alegria, a exuberância.


Não temos de correr

Atrás da tristeza,

Sejamos alegres sempre que se puder.

Mas se teu peito estiver ferido,

Dorido,

Se uma pressão te apresa,

Aí pára tudo

E, seja qual for

A forma dessa dor,

Vive-a, sem o escudo

De que outrem te fez mal

Ou a ti to fizeste.

Fica apenas triste, no final,

Não sejas agreste.


Aí aceitas a libetação,

Aceitas a dor,

Aceitas a vida em toda a função,

Da realidade todo o teor:

- Aceitas tua íntima evolução.



Luz


Não podemos ver

O que queremos somente:

Não podemos viver

Na ilusão eternamente.


Temos de ver a realidade,

Ver o que é.

É o que persuade

A fé

À prece que o traduz:

Dai-me luz!”


A luz onde os anjos moram,

A que ilumina os caminhos,

A que os homens transforma

Num arraial que os corações decoram

Com arminhos,

Em festa, por norma.


Luz que me retira o que me é estranho

E minha naturreza me devolve por ganho.


Luz que me clareia os passos

E do sentido da vida me pinta os traços.


Luz que no fim da rota escura

Abre das possibilidades a planura,


A infinidade

Do universo da oportunidade.


A luz da cor da paz,

Da cor dum povo que vive no céu

E que faz

Que minha vida neste escarcéu

Da Terra, em todo o lado,

Tenha mais significado.


Quando estiveres triste,

Repara que te falta luz.

Ora de peito aberto, insiste,

Que logo ela em ti se introduz

E modifica, à medida,

Tua vida.



Importante


Que é mais importante?

Dizer o que tens a dizer

Ou fazer que outrem entenda, num instante,

O que dizer andas a querer?


Jogar tua opinião

Nua e crua

Sem te preocupar a lesão

Com que noutrem actua?


Quando disparas tua convicção,

Não levas em conta

Que outrem, por ficar magoado,

De tua língua se defende da ponta,

E não te vai ouvir,

Preocupado,

Nem compreender, a seguir.


Tens de ser quem és

Sem desvios nem cedências.

Para sê-lo de vez,

Tuas carências

Requerem, porém,

Que doutrem te faças entender,

Sempre mais além,

Para mais violências

Não gerar nem haver,

Nem incompreensão, intolerância

Em redor.


Sê quem és, na infância

De teu coração, com amor.


Depois usa a mente para lograr

Isso a outrem comunicar

Como uma prenda,

Um deleite

Que ele entenda

E aceite.


Se ele compreender

Sem revés,

Mais fácil te vai ser

Quem és.


Se não entender,

Apesar do esforço, da diplomacia,

Se insistir em te ver

Como ele quereria,

Aí dá teu murro na mesa,

Mostra que não vais prescindir

De seguir

O caminho que teu imo preza

E que te mostra em utopia

A cada dia.



Querer


Quantos andam sempre a querer algo!

O que me dava jeito agora

Era a casa onde meu sonho mora

E por que me esgalgo”.


Quando tal não acontece

Mais forçam o querer:

Queria tanto, nunca me esquece!”

Crêem que querer é poder

E então querem de forma violenta,

Radical.

Porque é que o que querem, afinal,

Não se implementa?


Porque é que não páram

A tentar compreender?

Porque não reparam

No que faz não ocorrer?


Querem que algo aconteça

Por estarem desconfortáveis

Na conjuntura actual.

Logo o ego desenha a peça:

Se advierem os eventos desejáveis,

Escapo ao desconforto fatal.

Então, para que tudo por mim torça,

É só querer com muita força.


E se o Universo te enviou à estrada

Do desconforto a sequela

Para ser vivenciada

E não para fugir dela?


Enquanto não vivenciar,

Não deixar doer,

Não chorar,

Do desconforto a dor que houver

Não é dissolvida

E à conjuntura nada a dilui, em seguida.


Enquanto do desconforto

Não houver aceitação,

Nunca atingirás bom porto,

Não há-de vir nunca a solução.


Após, porém, toda a dor vivenciada,

Do que vier depois a sinfonia

Pode não ser nada

Do que alguém esperaria:

É sempre mais e melhor

A alvorada após sol-pôr.



Perdoar


Fará sempre falta perdoar,

É o mais difícil, mas inamovível.

É o que torna imprescindível

Entender, nos casos dados,

A par,

Todos os lados.


Ninguém a outrem perdoa

Se a si próprio não perdoar.

E a si nenhuma pessoa

O perdão há-de lograr

Se não sentir

Que por Deus lhe é o perdão dado.


Só quem, através do céu, vir

Que se livrou de ser culpado

Pode perdoar-se também

E, conseguintemente, perdoar alguém.


Podes crer que perdoaste,

Agir como quem haja perdoado,

Se calhar até o verbalizaste,

Mas se te não tiveres libertado

De tua culpa pelo perdão do céu,

Se te não tiveres perdoado tudo,

Se ainda não se entendeu

Que o que desnudo

Do que fizeste ou te fizeram

É parte do plano sagrado

Com que se teceram

Os fios de teu fado,

- Se tudo isto se não encaixar

Como a quenquer poderás perdoar?


Como, sem abalo,

Poderás da culpa aliviá-lo?


Quem perdoa

É quem sabe ir lá acima

Receber o perdão do céu,

Não se auto-restringe como pessoa

Por achar que o não mereceu

Ou que para o receber não tem clima

Nem estima.


É quem sentir, afinal,

No fundo do coração,

O amor incondicional

Em acção.


Quem tal nível atingir

De interior evolução

Doutros as almas ama, a seguir,

Saberá perdoar-lhes então,

Incondicionalmente,

Pelo que cada qual é, em semente,

E pelo que escolher

Vir a Ser.


Só podes perdoar

A quenquer

Se escolhes amar

O que para si ele escolher.


Sem julgamento.

Perdoar, enfim,

Não é início de encaminhamento,

É o fim.



Chorar


Chorar

É tomar consciência da incapacidade,

É se libertar

Do carrego das defesas,

Aceitar

A impotência.

Ao chorar, acolhes a verdade

De que tens as mãos presas,

Do que queres a premência

Para ti decerto não será,

Ao menos para já.


O ego, porém, quer

Que tudo seja

Como o deseja,

Que tudo venha a ocorrer

Dum modo determinado

E no tempo desejado.


Procura, dele no horto,

O conforto.


Qualquer alma, não.

Sabe que, a cada momento

Em que algo ocorra pelo padrão

Do prévio argumento,

O comum é carregarmos mais defesas,

Aumentamos peso e densidade.

Afoga-se nestas represas

A conexão à infinidade.


Se ocorre o que desejamos

Porque tem de acontecer,

Porque é para que o vivamos,

É o tempo de ele ser,

- Então é que o desejo

Deseja o que a fértil alma quer,

É o irmão converso

Dum ensejo

Do Universo.


Se assim não for, porém,

Se desejas o que não se realiza,

Tua estratégia precisa

De ir além:


O que queres tens de entender

Que não é o tempo interior de ocorrer;


Queres algo contrapor

Para escapar a um desconforto interior;


Deves então chorar

O desconforto íntimo para o libertar.


Se o que cada qual herda

Ultrapassou estas três fases,

Valeu a pena a perda,

Valeu a pena a dor que trazes.


Limpar uma limitação

É dar significado a um sofrimento,

Entender para que servirão

As perdas e o tormento.


Ao chorar,

A consciência que ganhas, em seguida,

Vai ser, a par,

Fortalecida.


À emoção ligada,

Toda a consciência se fortalece:

Chorar é, de entrada,

Ligar-nos à emoção que acontece.


Chora, mas não chores de revolta

Por querer que houvera acontecido

O que houver ocorrido

À tua maneira desenvolta.

Se não ocorreu dum modo qualquer

É porque não tinha de ocorrer.


Chora, de pena, o vazio

De não ter ocorrido,

De não ser para ti esta quebra de fastio

Neste momento vivido.


Não chores de vítima a fazer-te,

Que é tudo mau,

Que te fizeram mal...

O mal que te acerte

Ninguém to fez a varapau,

Veio atraído por teu sinal.


Só precisas de entender

O que é que andas a emanar

Para poder

Descobrir

Por que razão singular

Isto andarás a atrair.


Chora então antes

Por emanares desagrado,

Ódio, fúria ou revolta,

Com atitudes constantes

Que de ti passam ao lado,

Doutrem com a energia envolta.


Chora, só,

Que chorar não atrai nada negativo,

Ao invés do que alguns cuidam com dó.

Chorar é queimar o arquivo

Trancado no teu peito

Do negativo negro e furtivo

A que estiveste sujeito.


Talvez ande há séculos por aí,

Talvez hoje seja a oportunidade

De sair, através de ti.


Chora de raiz

E de verdade.

Chora e sê feliz!



Interioridade


Todos têm uma interioridade oculta,

Um íntimo escondido,

Um imo submerso.

Lugar profundo onde entra e exulta

Apenas quem estiver convencido

De viver ligado à livre alma do Universo.


Entra somente,

Recolhidas as presas,

Quem nele atente

Frágil, sem defesas.


Entra apenas quem quiser sentir

Com o risco de quem lida com emoções:

Quem o ignoto aceitar e perseguir,

Quem aceitar da dor as convulsões

Como aceita da luz a transcendência,

Quem aceitar a dual

Circunferência

Do bem e do mal

E que, quando a dor o invade,

Não fica a gritar por felicidade.


Esta há-de ser alcançada

Quando a dor estiver ultrapassada.


Todos temos dimensão espiritual.

Para lhe aceder

Urge limpar o pensamento

E Ser,

Apenas ser o momento.


Abrir-se-á um portal,

Ao ficar ali, na base de tudo,

Sem pensar, sem sentir, apenas a Ser,

Para um mundo novo onde acudo

Com inesperadas percepções a decorrer.


É de ficar em tal mundo

A construir, consolidar, fortalecer

A vivência de universo tão fecundo.


A cada dia é mais fácil aceder,

Retirar os pensamentos e fruir,

Contemplar e sentir

Por parte de quenquer.


Apenas Ser,

Até do mais não restar resquício.

E tudo isto é apenas o início.



Incondicional


O amor incondicional,

De inatingível, é jardim proibido.

É o amor que todos almejam, afinal,

Todos querem tocar e jamais hão sentido.


Não olha a credos, comportamentos,

Estatuto social, religiões,

Conjunturas, momentos,

Condições...


É o amor total,

Sem medo nem julgamento,

Sem memória nem vingança letal,

Amor absoluto, do Absoluto fermento.


Amor que ama e pronto,

Ama por amar,

Ama sem condições nem desconto,

Singular.


Sejas o que fores,

Faças o que fizeres,

Atraias benesses ou horrores,

Vivas a vida que viveres,

Estará sempre aqui

Deus em ti.


Sempre disponível e atento,

Inteiro a teus pés,

A amar-te, isento,

Como és,


Como decidiste ser

Na aventura seguida

Ao correr

Da vida.


Nunca o Espírito do Universo

Te coloca condições,

Impõe entraves, adverso:

Ama só. E tu dispões.


É a maneira de te proteger,

De te orientar,

De te compreender,

De te elucidar.


A vida vai ensinar-te,

Deus vai amar-te.


E complementam-se os dois

Na orientação, depois,


Bússola de tua passagem

Pela terra, em viagem.


Abre teu coração,

Deixa o Amor entrar.

Só quando te impregnar

O amor sem condição,


Só quando por ti for sentido

Que do Céu és protegido,


Só então poderás e se te vai impor

Emanar amor.


Emanar amor por ti,

O que ajuda a te perdoares,

A tal como és te aceitares,

E a emanar, a partir daqui,

Amor para os outros, o que irá trazer

Mais amor, como efeito dali a decorrer.


Emanar amor para a terra,

Os vegetais e os animais,

O que a estadia que o homem encerra

Prolongará no mundo que habitais.


Religa-te ao que sentes,

Pára de pensar,

De correr, de voar,

Sem saberem teus passos dementes

Para onde nem porquê.

Pára, olha teu coração e vê:

Abre-o e deixa o Amor entrar,

Devagar,

Como ele é,

Aos poucos deixa-O te impregnar,

Ao Deus em si

Que mora em ti,

Deixa-O ficar

Aí.


Verás que tudo se torna claro,

Tudo se transmuda em luz.

Deus passa a ter um motivo raro

Para estar aqui:

Posto a nu

Aquilo que o seduz,

Tal motivo és tu.



Abundante


A natureza é abundante,

Há muitas águas, muitas flores,

Muitas árvores terra adiante,

Muitos frutos de mil sabores...

Há tantos peixes, tanta vida marinha,

Tantos humanos e tanta terra maninha!


A Terra, sendo finita, é imensa.

Se os recursos forem usados

Nesta despensa

Correctamente,

Dá para todos serem saciados,

Todos terão tudo, literalmente.


Não o temos

Porque vivemos pela restrição.

O que faz que nos limitemos

É um papão:

O ser humano não tem

Por ter medo de não ter.

Mesmo quem

Tem mais poder

Tem medo de o perder.


Então agarra-se a ele de tal forma

Que lhe desvirtua a norma,


O propósito inicial,

O norteador, o ideal.


Mesmo se deténs

Os maiores bens,


Mal os alcanças

Logo mudas tuas danças.


Passas a ter medo de os perder.

Mesmo rico ao morrer,


Aquele medo no peito,

A insegurança,

Vai minando de tal jeito

A emoção que se te entrança

Que rico morres mas assustado

E passas a vida inteira angustiado.


Todos tentam manter

E manter é mais difícil que alcançar.

E quem nada tiver

Quer ter,

A lutar, batalhar,

Na humilhação

E tudo é restrição.


Em nome disto

Cresce o canceroso quisto:


Homens contra homens lutam,

Homens outros homens maltratam,

Homens a homens humilham, disfrutam,

Desacatam...


Ora, a vida

É um hino à natureza,

Uma homenagem a si própria, na beleza

Que convida.


Nada é teu,

Tudo o que a vida te empresta

É para ser vivido sem labéu,

Aproveitado,

Saboreado

Até à gota que resta,

Seja bom,

Seja mau.


Não buscar nenhum dom,

Não chegar a nenhum sarau,

Querer apenas estar, de raiz,

Ser, húmus do chão,

Se possível, feliz,

Se não,

Acolhendo a dor

Para que ela desapareça

Esgotando-se depressa

E brote um novo dia com fulgor.


Não fugir à dor, chorá-la,

Fazer o luto de cada dia

E só depois pegar na mala,

Caminhar para a utopia.


Nada deixar para sentir depois,

Nada para trás,

Livrar-me dos anzóis

Até onde for capaz.


Limpo vai ficando o peito,

Calmo, o coração,

Em dia, a emoção

A que estiver sujeito.


As lágrimas, uma vez esgotadas,

Dão lugar ao sorriso da aventura nas estradas.


Único é o dia de hoje

E jamais irá voltar.

É a grande oportunidade que ligeira foge

De viver e de sonhar.


E, se bem vivido for,

Amanhã será melhor.



Errar


Todos temem errar,

Com tal medo não arriscam,

Não crescem, nunca mais irão voar.

Nunca comem, só petiscam...


Erres embora,

Ao arriscar aprendes,

Desbloqueias-te sem demora,

Ganhas autoconfiança e rendes.


Se errares,

As armas contas,

Entristeces-te, os feridos ao cuidares,

Fazes o luto até as mãos ficarem prontas.

Errar permite aprender:

Ajuda-te a crescer.


Dói,

Que ninguém gosta de falhar.

Mas, se ninguém arriscar,

Que é do mundo, para onde foi?


Se o navegador temera o mar,

A desventura marinha,

A tormenta de endoidar,

Que mundo de hoje se adivinha?


Arrisca, mas põe lá teu coração,

Arrisca por amor, então.


Não porque vais ganhar mais,

Receber benesses reais.


Arrisca, que teu imo quer que avances,

A intuição diz-te sim ao que alcances.


À procura do novo mundo vai,

Que é disponível apenas ao que acreditar

Que, quando sai,

Pode voar.



Liberdade


Liberdade é a magia

De sentir que fizeste o que de fazer-se havia,


De que estás onde tens de estar

E de que tudo está no lugar.


Não é um sítio a liberdade,

Não tens de ir a lado nenhum

Nem para ser livre gesto algum

É requerido que te persuade.


É só teres consciência

De que a vida é tua e só tua,

Por isso tens de ter dela a vivência

E de ser quem és sem falcatrua

Em todas as ocasiões,

Sem concessões.


Leva os outros em consideração

Mas com limites:

Viver inteiro para eles, não,

Autónomo, toma teus desquites.


Há quem tudo faça doutrem em nome,

Os que em nome doutrem são.

Tais vidas são concessão

Constante a esta fome.


Esforçam-se por ser, em todas as janelas,

O que os mais esperam delas.


Depois,

Como a frustração é tremenda,

Buscam da liberdade os arrebóis,

Desesperadas,

Na vã tentativa, na senda

De se encontrar nas perdidas estradas.


Procuram a liberdade fugindo de si,

Delas sempre fora,

Partem à procura algures por aí,

Onde a liberdade não mora.


Para ser livre não vou a lado algum,

Por ser livre é que irei a todo o lado.

Primeiro sou livre, dentro, sou Um,

Depois farei o que houver desejado,

Que tudo o que fizer irá reflectir

O que já sou, a seguir.


Liberdade interior é viver cada emoção,

Por íntima que pareça.

Sente quem és, então,

Sem fazer qualquer concessão

Ao que aconteça.


Sentir irá trazer

Informação acerca de quem és

E do que vieste fazer

Ao assentar na terra os pés.


Abre o coração,

Começa a ouvir a intuição

E só então actua.

De ser livre, gostosa,

Neste caminho se insinua

A forma mais fabulosa.



Medo


O medo prende,

O medo trava,

À esquina nos surpreende

E encrava,

Tentacular,

E não deixa avançar.


Por mais que alguém queira

Do sonho que persegue

Soltar a joeira,

Não consegue.


O medo limita,

Viola a fronteira

Que o evita.


O medo é um grande gigante,

Invade tudo,

Destrói tudo o que encontra diante.

A cada decisão a que me grudo

De avançar

Vem o medo e obriga-me a parar.


O amaldiçoado tudo pára,

Tudo bloqueia,

Esboroa-se-me a cara

Em areia.


Desato a agir em função do medo:

Como tenho medo de ir para aqui,

Cedo

E vou para ali.

Como tenho medo de fazer isto,

Intranquilo,

Não insisto,

Farei aquilo...


Abandono minha estrada

Original

E a vida desata a dar sinal

De bloqueada.


Nada bate certo,

Nada flui,

O tempo parou, deserto,

Tudo perde o sentido que se intui.


Uma vida fora do caminho

Perde o horizonte que lhe adivinho.


Como desbloqueá-la,

Que fazer para a libertar?

É deixar

O medo vir, entrar na sala,

Crescer no peito,

Invaddir tudo,

Levar tudo a eito,

Gigantesco e agudo.


Quando enorme for dele a grandeza,

Pede um tubo de luz

E começa a limpeza

Que o reduz.


O tubo suga o medo, devagar,

Vai sugando e vai levando

O negror que encontrar,

O formidando,

Imenso mar

De densidade

Que me invade.


É difícil o patamar a que acedo,

Mais difícil é viver com medo,


É quenquer

De medo viver.


Aos poucos o monstro irá passar,

As nuvens vão embora

E o sol, ei-lo a voltar.

É a calmaria agora,

A tranquilidade, a bonança.


Aí é que te alcança

A lonjura por onde tens andado,

Do medo invadido,

Desnorteado,

Tão alheio à luz, de ti demitido.


Descobres que é viável mudar,

Há outra vida a ser vivida,

Tranquila, sentida,

Mais feliz e leve, a par.


De tão pura, iluminada,

É a alegria da libertação.

Dádiva prendada,

Vale a pena vivê-la então.



Perda


Quando a vida te propõe uma perda,

Seja ela qual for,

Uma economia lerda,

Um prejuízo material,

Um dissabor,

Uma quebra física ou emocional,

- Quando uma perda tens à mão,

O Cosmos está a propor-te conexão.


Conexão com o céu,

Para compreender o motivo

Por que tal perda se te abateu,

Que sentimento de ti vem tão negativo

Que o efeito que ele herda

É a tal perda.


Conexão

Com a tua emoção:

Atento

À ponta solta,

Perda é sofrimento,

Não revolta.


Uma perda ao sofrer,

É chorá-la

O que se deverá fazer,

Cumprir o luto do que nos abala,

Deixá-lo partir, seja o que for,

Com mágoa, com dor.


A dor do desapego

Torna-te mais sensível,

Mais conectado, em sossego,

Com qualquer emoção que te seja perceptível.


Ficas frágil,

De emoção à flor da pele,

Com apurada sensibilidade, ágil

No dom que por ti apele.


O Cosmos harmoniza

O desarmonizado.

Se na perda que te manda realiza

Este fado,

É que andavas, no teu posto,

A operar o oposto.


Eras desconexão,

Defesa,

Racionalização,

Tentativa de ser forte para não ser presa.

Tudo ao contrário

Do que a teu imo é necessário.


Se te mantiveres frágil e sensível,

Intuitivo e conectado,

Mais harmonia não é requerível,

Mais nenhuma perda te destina o fado.



Conectado


Conectado ou desconectado,

Eis a alternativa de viver.

Conectado com quem se for

Profundamente ligado,

Com o que na terra se veio fazer,

Com os mil modos de exteriorizar do ser

O pendor.


Para o ser exteriorizar tem de se ser,

Para ser tem de se interiorizar

Quanto ocorrer:

O que se sentir, o que alegrar,

O que doer,

O que infelizes ou felizes nos torna

Onde a liberdade e consciência estiver,

O que nos maltrata e nega a jorna,

O que nos faz mal ou bem,

O que nos eleva mais além...


Tudo ocorre dentro,

Do imo no centro.


Tudo o que opero em redor

É efeito de meu estado interior.


Se, ao agir, te não dá certo,

Se teus actos não resultam bem,

É que não reflectem, decerto,

Teu mundo interior como convém.

Reflectirão um íntimo evasivo,

Desconsertado e desconexo.

Teus actos são o crivo,

Materializam a inconsistência de teu amplexo.


Olha para dentro e vê

De que é que andas a fugir,

Encara os demónios de pé,

Deixa doer, a seguir,

O que tiver de doer.


Após tudo limpo, é de aceder,

Com calma,

A tua flébil alma.


Apenas então é de agir.


O que de alma vier

É correcto, iluminado, gratificante,

De íntima evolução o descante.


Ao invés, desconectado,

Já ninguém sabe quem é,

Foge ao que sente, apavorado,

Refugia-se em bens sem valor,

Materiais, de ralé,

Para enganar a dor.


Então é a perda imensa,

A frustração,

A doença,

A podridão

Da fossa.

- E a escolha é sempre nossa.



Rígida


Não mudas de opinião,

É rígida tua crença,

Nada mais te entra ao portão,

Uma vez lida a sentença,


És um preconceituoso,

Formas a ideia bem antes

De conhecer, ponderoso,

Os argumentos constantes.


Ora, a nossa mente deve

Ser um céu azul

De estrelas cravejado em breve

Onde tudo é imenso bule

A remexer

O que nele ande a ferver.


Há uma estrela a brilhar,

Galáxia que se move,

Supernova a iluminar.

Quer aprove ou reprove,

Há um qualquer

Sistema estelar a morrer,

Ao lado dum turbilhão

Em que estrelas novas nascerão.


Nunca nada no céu pára

Nem pára na tua vida.

O que hoje é, repara,

Amanhã foi uma ilusão perdida.

O que ontem teve ocasião

Pode hoje tê-la ou não.


Quando admitimos que tudo é possível,

Abrimo-nos a inúmeros roteiros.

Muda a comunicação visível,

Não dizemos o que cuidamos, crendeiros,

Mas o que sentimos, o indizível.


Não é precisa a palavra a comunicar,

Basta um toque, um sorriso,

Um olhar

E comunicamos de modo preciso,

Mais intuitivo, valioso, em língua interna,

De maneira sagrada, mais eterna.


A liberdade de comunicar

Leva a intuir

O que dizer, a par,

E como dizê-lo, a seguir.



Carência


A carência é triste,

Insuportável,

Mas a fuga à carência que existe

Ainda é mais assustadora:

O vazio é indescartável,

Rói-nos a toda a hora.


Por mor da carência o homem se defende,

Destrói e complica,

O homem se afirma contra o que o prende,

Se revolta, aflige e replica.


O poder é o trilho inventado

Para não ser invadido

Pelo vazio magoado.


Pelo poder o homem foge, decidido,

(não desanima)

Da necessidade violenta de amor,

De compreensão e auto-estima.

Afirma-se com furor,

Sobrevive, foge à emoção,

Desvaloriza-a com a relativização.


Utiliza a máscara ancestral

Do homem duro,

O que aguenta tudo, afinal,

Seguro.


Forte o suficiente

Para atrair mil montanhas,

Valente

Para inúmeras batalhas ganhas.


Resoluto para explorar

Países, continentes, o mar,


Em busca de glória, de feitos,

De imortalidade...

De gestos afeitos

Ao nada que a tal o persuade.


Ora, se em vez disto parar,

For à procura da carência, da sensibilidade,

Espinho que o anda a picar,

A verrumar subtil mas de verdade,

Se aceitar que cada flor é um mundo,

Que cada dia vivo é oportunidade

De criar, fecundo,

E que a vida

É para ser sentida...

De que valem grandes feitos

Se a dor magoa os peitos?


Se fica o buraco perigoso e mau,

O imenso vazio

Que à terra nos traz a varapau,

Nos prende à realidade fio a fio?


Uma dor, uma falta

E o medo de que, perene,

Da dor não venha a ter alta,

E a falta desabroche, infrene.


Quando aceitamos

Emoções, carências, faltas,

Quando logramos

Aceitar que não é o poder

Para onde saltas

Que nos irá devolver

Aquilo de que precisamos,

Que não é da afirmação a competência

Que nos tapa o buraco, a carência,

Quando entendemos que o remédio para a dor

É deixar doer

E a luz lhe impor

Que do Universo nos vier,

Então estamos prontos para a mudança

Que a pouco e pouco nos alcança.


Quando dói, deixa doer,

Deixa de tentar ser


Mais que os mais.

Tenta ser mais de ti,

Não em função dos outros como tais,

Mas da utopia que houver aí,

De ti no fundo,

Na tua lábil alma que é o teu mundo.



Espada


Deixa-te sentir o medo

Profundamente.

Ele é tua espada de Toledo

Que te corta os sonhos da mente,

Que nunca te irá deixar

Acreditar.


É o que te tolhe os feitos,

Tudo o que por ti para ti fazes

É por ele aniquilado sem preitos.

Nunca assinas as pazes,

Que tens medo de morrer.


Só aquele a quem tal medo tolher

Pode a valia dar devida

À bênção da vida.


Em nome dele selam-se grandes pactos

Com forças obscuras,

Desencadeiam-se guerras de sangrentos impactos,

Bizarras posturas.


Em seu nome

Fogem todos do caminho

E ficam à fome

Em terreno maninho.


Para o medo a cura de quenquer

É, porém, deixar doer.


A luz que em nós entrar de qualquer cor

Vai lavando toda esta dor.


Deixa doer,

Não porque erraste ou errou outro qualquer,


Mas pela tristeza sem fim

De ter de ser assim.


Depois, a supurar

Da ferida o pus,

Vai ao céu regenerar,

Vai lá acima receber a luz.



Presente


O presente que vivo agora

É perfeito para umas iniciativas,

Para outras, porém, não está na hora,

Excelente

Para algumas relações vivas,

A outras fere-as letalmente,

Para uns investimentos, fabuloso,

Para outros, ruinoso...


O segredo é discernir

O tempo de cada coisa ante o porvir.


De matéria cada figura

Conjuga-se ou não com o resto do Universo

Conforme a altura

Em que sobre ela verso.


Cada grão de areia

Está pronto a existir ou morrer

Conforme o tempo nele ameia

O que há-de ser.


Se souberes ler o tempo propício,

Saberás com exactidão

Qual a altura para o início

De avançar teu pendão.


Quem do tempo souber o segredo,

Saberá quando agir sem medo.


Ora, o homem tem um coração

Que lhe envia a mensagem,

Lhe mostra caminhos pelo chão,

Lhe encurta a viagem.


Escuta o céu:

- Ouve o teu!



Apego


A prioridade

É, todos os dias,

A possibilidade

Da escolha que crias.


A cada momento o Universo

Rearmoniza o desarmonizado,

O que saltou dos eixos é recentrado,

Reposto no berço.


Quando pensas que possuis,

O Universo to retira.

Não o intuis,

Mas ao que tiveres em mira

Andas a apegar-te, a cada instante.

De ser livre hás deixado,

Levado o apego por diante,

Ficas amarrado.


Apego a pessoas, bens, ideias,

Juízos, ideais, termos, escolhas,

- As teias

A que te acolhas.


Apegaste-te quando não queres abrir mão,

Quando pensas que perder, nunca mais.

Aí começas então

A ser candidato à perda que te der sinais.


É urgente desapegar,

Aproveitar a oportunidade a cada dia.

Se ficas sem dinheiro é para começar

A desapegar-te daquela maquia.

Quem o não fizer ligeiro

Fica de vez de bolso leveiro.


Se um filho quer ser independente,

Desapega-te dele.

Quem o não fizer, definitivamente

Perde os filhos por que apele.



Ao ficares triste, chora,

Deixa-te fragilizar.

Senão, na hora,

Vais-te mesmo adoentar.


Deixa-te de tudo despegar,

De que ser forte é que é,

De que tudo é teu, a par,

Sob o teu pé.


São pequenos lutos que doem,

Mas evitam a perda definitiva,

Recompõem

A vida esquiva.

Evitam que contigo seja tão dura

Como contigo és, quando é isto que se apura.



Galáxia


És uma galáxia pequena

A atrair, como as demais,

As outras mais

E a cena

É que vos entrechocais

E ou vos juntais

Ou vos repelireis,

Nos espaços siderais

Como da vida nos papéis.


Tudo porque vos atraís.

Na atracção

Já está gravado o programa inteiro:

Chocar, disparando os fuzis

Ou consagrando a união,

É o efeito pioneiro.


Pode demorar milhões e milhões

De anos-luz,

Já estava inscrito nas atracções,

No germinal instante que as produz.


Connosco, por igual,

Atraindo alguém ou um evento,

O sinal

Da eternidade nos chega com o vento.



Assente


Nem passado, nem futuro,

Vivenciar o presente,

Agora e aqui assente,

Na vitória ou no apuro.


Quando alguém vive no passado,

Ódio, culpa, frustração, revolta,

O que quer que seja que ali ande à solta,

Para o presente é canalizado.


Invade-lhe a vida,

Que o portal do tempo é aberto,

As dimensões entrecruzam-se, em seguida,

Finda o passado aqui bem perto.


Assaltado

Por emoções adversas no presente

Será quem viver focado

Conscientemente

No passado.


Emoções antigas, sem medida,

Passam a dominar cada dia:

Dominarão a vida

E a energia.


Viverás de memórias,

Triste e sem forças,

Que da energia as vitórias

Só vêm quando os problemas

Se resolvem, não quando os distorças

Nem temas.


Se vives no presente que tão breve foge,

Podes revisitar memória antiga

Com a consciência de hoje.

Vais ao passado a que te liga

Mas levas do presente a vida

Duma consciência esclarecida.


As emoções bloqueadas,

Mesmo secularmente,

Ao receberem a consciência do presente,

Serão pela actual luz escaqueiradas.


Vives mais tranquilo,

Pois podes alterar os eventos

Conforme a escolha de teu estilo,

Deste tempo ao sabor dos ventos.

Do passado quem vive na era

Nada altera.


Vive na fatal impotência,

Pois está lá vivendo aqui,

Não pode mudar de outrora a vivência,

Em vez de viver em si

O presente

Onde pode mudar o que quer que invente.


Ir ao passado com a consciência de hoje

Libertar o bloqueio,

Onde quer que se aloje,

Sim, sem receio.

Mas então

Viver lá, não.


E quem se foca no futuro

Fica mais fraco de vez,

Não tem do presente o apuro,

Renega-o pelo que virá talvez.


Como o não pode forçar,

Acaba por se arriscar


A que o evento desejado

Não ocorra, posto de lado.


Com a consciência no futuro,

Seu presente é descuidado,

Sem entrega, impuro

E desfocado.


No futuro o que ocorre

A quem o não prepara,

É que este não concorre

Para que lhe traga o que desejara.

Auguro

Que deveras não terá futuro.


Correrão meses e anos

E a vida dele não mudará,

Continuará presa de enganos

À espera do que virá.


É o que jamais vem,

Porém,

Dacolá.


Deus só pode entrar

Onde a consciência estiver

Plena,

A convidar

A entrar em cena,

No espaço que lhe oferecer.


Deus só pode entrar

Onde houver

Uma consciência focada no coração,

No que sente.

Aí para entrar placidamente

Vai dar autorização.


Quem vive com a sensibilidade à flor da pele,

Aceitando dificuldades e limitações

Com a capacidade que o impele

A gerir as próprias decisões,

Cobrindo o próprio trilho, fraga a fraga,

Vivendo hoje com o que hoje lhe traga

Mesmo ignorando apelos seus,

Clama por Deus.


É um chamamento longo, permanente,

Sabe a uma amizade antiga.

Aí Deus vai, contente,

E entra, que o amor obriga.


Quem vive do tempo fora,

No passado da mágoa

Ou no futuro da espera,

Em si não mora,

Não deixa entrar água

Nem luz em sua esfera.


Bloqueia, resiste, controla.

Deus só pode aguardar que da postura quebre a mola.


Fica por ali

Na tristeza que o reduz

A ver tantos afastarem-se da luz,

A vê-los afastarem-se de si.


Ora, sofrendo sozinhos,

Em solidão interior,

Para se conectarem, adivinhos,

É só sentir, seja que emoção for.


Nunca julgar outrem ou culpar

Do que na vida ocorrer.

Sentir, sentir, sentir, em lugar,

Sentir sem desfalecer.


Deus há-de estar

A cuidar de cima

Que, à força de tanto sentir,

Os bloqueios se desfaçam num bom clima,

As emoções se acabem por diluir,

E que tenhamos esperança

De olhar o céu que enfim se alcança.



Negatividade


A experiência na terra se traduz

Em negatividade:

O ser humano, ainda de luz,

Vem à terra mergulhar na obscuridade.


Desde que nasce experiencia

Constantes episódios negativos.

O parto é um trauma que o anuncia,

Os pais são autoritários, não assertivos,

O grupo e a comunidade rejeitam,

Os outros só nos aceitam


Desde que se seja

Como cada qual nos deseja...


Da vida em cada momento

A negatividade é o elemento.


A questão

Porque na vida existo

É saber a reacção

Que terei a tudo isto.


Será que vivo

De modo a tornar-me negativo?


Se assim for, a negatividade

No mundo permanece, feita escuridade.


E assim atraio como tu atrais

O negativo cada vez mais.


Mas podes ser positivo:

Recebes quanto for negativo


Mas não o deixas entrar,

Permaneces luz a brilhar.


Aí o mal termina

Os dias na matéria sovina,


Não encarna em mais ninguém,

Finda a experiência da terra também.


Uma vez a negatividade superada,

As viagens

Da pessoa libertada

Rumarão do Infinito às infinitas paragens.



Via


A melhor via

De te conectares ao céu

É viveres o teu dia,

O teu.


Momento único que, quando passa,

Não volta mais.

É uma graça

Com fragilidades tais

Que, quando a tentas viver depois,

Já se transmudou em passado.

Se antecipadamente a tentas surpreender,

A controlar o que irá ocorrer,

Serão futuros inescrutáveis arrebóis

Presa do fado.


As escolhas de cada qual

É que condicionam do porvir o rosto final,


Será sempre o efeito

Do que no passado ou presente se houver feito.


Vive hoje, agora, este presente qualquer,

Momento precioso em que podes escolher.


O passado não se escolhe,

Já se escolheu.

O presente recolhe

As escolhas que delimitam

E concitam

O que hoje é teu.


Importante é viver hoje

Com imparcialidade

Aplicando a escolha enquanto foge,

A mais verdadeira de tua identidade.


Se viveres intensamente aqui,

Imbuído de quem és,

Escolhes-te a ti

Em conformidade, íntegro da cabeça aos pés.


Irás construir o futuro,

Não com suposições,

Mas com um dado seguro

Que de teu ser ergue os pendões.


Tal futuro será propício,

Feliz,

Na alegria ou na dor pejado de benefício,

Desde a raiz.


Angústia e culpa é viver no passado,

Ansiedade é viver no futuro.

Vive agora, que o momento não te passe ao lado,

Que te auguro

Que de ser quem és então

Receberás a verdadeira inspiração.



Problemas


Os problemas são armadilhas

Apenas.

Tu és luz mas partilhas

Da terra todas as penas.


Vens à terra com o intuito

De reagir à densidade:

A escolha é tua, dom fortuito,

Reages como luz, tua identidade,

Ou devéns denso como a terra

Que se te aferra.


Se nesta tombas, és puxado

Ao negror vezes sem conta

Até a lição teres dominado

E pegares na inversa ponta,

Lograres manter-te em luz

Num mundo que escuridão traduz.


Durante a vida na terra

Há muita vivência que aterra,


Problemas, frustrações,

Injustiças, traições...


E todas são

Para testar a reacção.


O indivíduo mantém-se em luz,

Missão cumprida,

Ou a escuridão se reduz,

Perpetuando a dor sofrida?


Muitos, na dura provação,

Tentam recusar a escuridão,


Aceitariam somente um mundo perfeito e justo,

Luz em cima , luz em baixo, a todo o custo.


Ora, quando vimos cá abaixo

É para vivenciar a armadilha da matéria:

Se é luz que em mim encaixo,

Se do escuro a escória de miséria.


Trepar na muralha ou cair na fossa,

A escolha é nossa.



Equilíbrio


O Cosmos só é o que é

Porque tu és o que és.

Tem um equilíbrio: mantém-se de pé

Sobre dois antagónicos pés,


E deste equilíbrio faz parte

Todo e qualquer ser

Particular

Que lhe pertencer,

Que por ambos os pés cósmicos se reparte.


Cada ser é uma energia singular,

Somada a outras iguais

Formam o todo disperso,

O total dos totais

Do Universo.


O todo do Universo é Deus,

Deus é a soma e o mais

Destas energias pelos céus.


É um pouco de Deus cada um de nós,

Mas só sintonizado na fundura

Da energia, da postura

Que acolá nos ata ao Infinito a voz.


Ser é isto: viver a energia

Singular que me traça a via


Vida além

E que mais ninguém tem.


No início mínimo sou,

Feito apenas energia,

Sem pensar, sem sentir, apenas vou

Conforme a moção que me inicia.


Da mente limpo os pensamentos,

Varro o peso do coração.

Em tais momentos

É que o ser me tem à mão.


A partir daqui penso e actuo

Em conformidade:

Voo

E pactuo

Com a verdade

Do que sou.


Para ser, nada mais farei,

Nem tentarei ter para ser.

Fazer e ter irei

Porque já sou e tenho disto o saber.


Contudo,

É isto que muda tudo.


Quando alguém não consegue

Agir em sintonia com seu imo,

É fora que persegue

O que cuida que o alcandora ao cimo.

Tentam ter e fazer, em vão,

O que cuidam devolver-lhes quem são.


Querem carros, casas, bons empregos,

A fim de sentirem que são algo.

Não é ser.

Estes apegos,

Se os galgo,

Mais medo terei de os perder.


Quando desejas algo fora de ti,

Tal desejo esconde a insatisfação

De não conseguires, em teu frenesi,

O acordo com a fundura do coração.


Varre os pensamentos,

Varre o peso do peito,

Limita-te a ficar,

Parado deste jeito,

Por momentos,

No lugar.


Ficar assim vazio,

Disposto a receber,

É o maior treino contra o desvio

Que alguém pode ter.



Consciência


Repara na consciência,

Quão complexa e profunda

É sua elaborada existência

E quão potencialmente fecunda.


Quantos biliões de átomos e neurónios,

De dendritos e de axónios


Suportam a teia donde emana

A consciência humana!


Que dignificante seria a vida

Se cada qual usufruíra da ligação

De seu imo ao imo universal,

A ponto de a intervenção

Deste em nós fruída

Ser clara, inteligível, total!


Grandes seríamos

Então,

A maior arma humana, a consciência,

Utilizar iríamos

Aliada à maior alavanca de expansão,

A conexão

Ao abismo da íntima vivência.


Canal aberto ao céu,

Poderíamos escolher,

Cruzar cada experiência,

Dar-lhe o significado que se perdeu

E em frente continuar a correr.


Ao invés, com as ânsias de controlar,

Tentamos dominar a consciência,

Vamo-la tentando treinar,

Tentando-a ligar

Mais e mais da matéria à presidência,

Em vez de abstrair dela,

Levantando o véu,

Promovendo a ligação a cada estrela,

A ligação ao céu.


O céu está cá dentro, na última fundura,

E pode ajudar, eternamente alerta,

Mas só se as almas tiverem abertura,

Se a porta de quenquer

Estiver aberta

Para o receber.


A um coração fechado

Ninguém o pode forçar:

Trancado,

Não há como o reanimar.


É de tua escolha

Abrir ou não

O coração

Para que ele o céu acolha,

E este venha a entrar,

O desígnio do Infinito a executar.


A tua consciência liga-se-lhe aí

E então é Deus que transparece em ti.


Actua em tua vida,

Faz o que tiver a fazer.

E a tua visão surpreendida

Cuida que estão milagres a ocorrer.

Os milagres mais não são

Que do céu na matéria a intervenção.


Intervenção divina

Que precisa dum convite para entrar,

Requer que a escolham como sina,

Coração aberto a escutar.


Mais do que tudo, abrir o coração,

Olhar para os céus.

Mais que de meditar a elevação,

Compreender que pode entrar Deus

Se O eu deixar,

Se me abrir de par em par.



Tristeza


A maior tristeza

É que todos confundam tudo,

O que se preza

E o que é um escudo.


Confundem devoção

Com obrigação,


Limitação do fado

Com pecado,


Medo que os invade

Com austeridade...


Deus nunca exige nada

Ao caminheiro na estrada.


Quem o contrário apresente,

Mente:


Quem diz que o céu

Deveres prescreveu,


Que por ele condenados

Foram os pecados


Trocou o autor e o momento

De cada evento.


Deus fala da liberdade,

Da sábia ignorância,

Da transcendência que nos persuade,

Da falência da morte, do poder, da ganância...


Fala da pungência,

Da morte do ego,

Da eloquência,

Da vida de alma sem apego.


Fala da distância,

Do compromisso,

Da abundância

Do viço.


Nunca falou de obrigações,

De peçonha,

Proibições,

Vergonha,

De castigo passageiro ou eterno,

De inferno...


Deus não diz nada que tolha

A interioridade humana,

Emana

O que colha

Realçá-la,

Enaltecê-la,

O que venha enobrecê-la

Quando aos píncaros abala.


Quando se Lhe põe na boca

O que nos diminui,

Deus refugia-se triste na toca,

Fútil,

Inútil

E, subjugado, já não flui.


Então, tudo o que há sacrificado

Em cada profeta que O encena,

Eras fora, em cada traslado,

Valeu a pena?


Quando se servem dEle para maltratar,

Castigar,

Entristecer,

Escamotear

Desejos que assumir se não quiser,

De seu confim

Deus gostaria de gritar

Que não é assim.


Eis a razão

Porque nos peça:

- Tira a tua própria ilação,

Pensa por tua cabeça!


Se o que dizem que nos disse

Não nos traz a liberddade,

A luz contra a sandice,

A clarividência que persuade,

Se não é vida, amor e calma,

Se não traz alma,

Não tem porvir,

- Então é de não ouvir.


Que o medo não vença,

Não se instale a densidade,

A escuridão não convença

De que ela é que será verdade.


Trepemos lá acima

Pela escada do coração

E nada neste mundo nos anima

A crer na escuridão,


Nada nos pode tolher,

Cobertos todos os matizes,

O poder

De sermos felizes.



Poder


Poder é para lutar,

Mas lutar com que objectivo?

Se o ego é de abandonar,

Reduzir, por negativo,

Sempre na luta em que insiste,

Então porque é que ele existe?


Ele empurra para a frente,

Pró-activo no combate,

Contra a cordialidade assente

Na pacatez que acate,

Em paz interiorizada,

Receptiva e saboreada.


Se aquele é de reduzir, pois,

Porque é que temos os dois?


É que não vimos à terra,

Após todos os deslizes,

Só para o abraço que cerra,

Só para sermoss felizes.

É para nos trabalharmos:

Para connosco nos darmos.


Para trabalhar os medos,

Os desconfortos, enfim,

As corruptelas dos credos,

Os limites de cada confim...


Cada medo é um bloqueio

Duma memória de antanho,

Quer minha, quer de eu ser meio

Que em mim o Cosmos e o tempo inteiro apanho.


Cada bloqueio é para ser desfeito.

À medida que os for desfazendo,

Se a outros não for atreito,

É que então irei ascendendo.


Desfaço-os ao passar por eles,

Vivenciá-los,

Percebê-los, mesmo aos mais reles,

E aceitá-los.


A partir da aceitação

Da dificuldade que existe

Principia a transição:

A força do medo não subsiste

Quando a consciência o tem à mão.


Começa a desaparecer

Ao vivenciá-lo quenquer.


A escolha de encarar o medo

Requer força, quer vontade

Perante a dificuldade,

Quer o poder a que acedo.


Não é que sofrer é bom,

Pois sofrer não dignifica.

Há quem creia que esta acção

Torna a personagem rica.


O inverso é que é verdadeiro:

Tens de ser algo primeiro


E depois, disto ao sinal,

Irás agir como tal.


Não busques o sofrimento,

Contudo, não fujas dele,

Que, se à porta bate, o momento

É de o vivenciar na pele.


Deixa-o doer bem aqui,

No centro do peito,

Desce ao fundo do poço, sem te virimizares a ti,

Sem achares, mal afeito,

Que a culpa que houver

É doutro qualquer.


É responsabilidade tua,

Efeito de tua acção ou emoção

Que ao retardador actua,

Desta ou doutra vida que em ti se insinua,

Se insinua em teu coração.


Para isto é que é preciso ter poder,

Coragem,

Para um indivíduo se fragilizar e encarar

A dor que vier

Repetindo a viagem,

Repetindo-a até parar

De doer.


Parar, não porque racionalizaste

E cuidaste que o melhor

É canalizar a atenção quanto baste

Para o que não tiver dor.


Parar não porque tomaste

O anti-depressivo e, a seguir,

Paraste

De sentir.


Parar, não porque rezas a Deus,

Pedes que tudo resolva,

Numa fuga aos dados teus,

À realidade que te envolva.


Até parar de doer

É a coragem de ficar ali

A senttir a dor a corroer

Tão fundamente em ti

Que, se te olhas à janela,

Já te misturas com ela.


Até que um dia ela se foi,

Como nuvem se desfez

Num oceano que não dói,

De vez.


A dor veio,

Encaminhaste-a e desapareceu.

O ego em teu

Seio

Foi para isto que serviu.


Em meio à escuridão

Ele te encheu

De luz então.


Gostas de ti o bastante

Para ficares aí parado

Deixando a dor ir por ti adiante

Com seu peso mais pesado

Até que definitivamente

Acabe de ti ausente.


Mereces ser feliz

E, quando esta dor passar,

Conquistaste mais lugar

No céu de que és aprendiz.


Para tal viagem

É que serve a coragem.


A dor, na via tradicional,

Faz-te vítima do destino,

Alguém te anda a fazer mal

Sem motivo, clandestino,

E, então,

Não controlas a situação.

Num trilho espiritual,

Se dói, é porque urge trabalhar.


E é de passar por aquilo

Uma e outra vez, sem parar,

A fim de o desgastar.

Ao correr do tempo, o sigilo

É que, à força de tantas vezes

O mesmo sentir,

O coração abra as portas corteses,

Supere o bloqueio, liberto para o porvir.



Emoções


As emoções alicerçam

O espírito, apontam o rumo.

Os que as não exerçam,

Em resumo,

Se não sabem chorar,

Não saberão rir, a par.


Quem julgar as emoções

Como desajustadas, inoportunas,

Que consciência, com tais senões,

Vai ter dos oásis e das dunas

Que lhe povoam, mágicos ou medonhos,

Os sonhos?


Só quem incondicionalmente

Respeitar o que sente


Poderá reconhecer

Uma emoção qualquer


Determinante

Para ajustar o caminho para diante.


Perguntamos a Deus qual a missão,

Qual o compromisso

Antes de pisar o chão,

Se andamos cumprindo com isso.

Tentamos elevar-nos então

Para aceder à informação.


Ora, sem as emoções desbloqueadas,

Livres e transparentes,

Bem podemos elevar as pegadas,

Trepar lá acima, insistentes,

Que nada irá importar

Ao que visamos alcançar.


Sem as amoções a fluir livremente,

Nada de relevante

Ocorre no presente

Da vida de cada impetrante.


A prioridade das prioridades

É de às emoções tirar as grades.


Aquele que sente

Mas impede a emoção,

Prende-a, tapa-a, não a consente,

Desejando que se lhe vá do coração

Para o não importunar,

Para lhe não recordar

Que há desgostos não chorados,

Lutos por fazer,

Deseja que a vida sejam só vergéis doirados

Sem nuvens a escurecer.


É de quem, indo na estrada,

Ainda não entendeu nada.


Tudo é dual,

Os opostos são reais.

Quem não vivencia a tristeza do mal

Como da alegria

Vivencia

Os sinais?


Quem se não emociona

Demitiu-se de sentir.

Sem o sentimento à tona,

Nada significa, a seguir.

Ora, a vida, em todos os lados,

É feita de significados.


Não é só trabalho,

Dinheiro e matéria aquilo que valho.


Quem logra percepcionar

O significado que a tudo dá cor

Vive, seja qual for o lugar,

Muito melhor.

Não é um qualquer,

Sabe o que anda a fazer.


Sabe a causa interior de cada evento

E o que aprender com ele,

Porque é que cada perda vem no vento,

Como usar o que a repele

Para que ao fim se estime

Que mais nenhuma se aproxime.


Ama o que faz

E cada qual com que interage.

Um minuto é capaz

De promover o despertar

Quando bem se lhe reage,

É magia,

Não lhe podemos desperdiçar

A via.


Quem sente, sonha,

Quem sonha, vive.

Quem vive, aprende mais do que suponha,

Quem aprende, evolui por quanto arquive.


Ora,

Quem evolui,

Mais depressa aflora

O que por dentro dele intui:

A grande Aurora.



Significado


Uma vida sem significado,

Vazia,

Sem rumo interior entressonhado,

É a via

Para a confusão,

Teias conflituosas,

Emaranhados de ilusão

Onde nem dum fim à vista gozas.


Dar significado à vida

É enchê-la de liberdade,

Esperança desmedida,

Fraternidade.


Entender que do homem o imo

É o lugar mais sagrado,

Mais ao cimo,

Mais estranho e apaixonante,

De magia nimbado,

Que nos encante.


Entender que o fundo do peito anuncia

Toda a sabedoria.


A vida e o significado

Apenas a alguns é viável,

Aos que o coração abrem, deslumbrado,

E as vicissitudes entendem

Da elevação confiável

A que se rendem.


No movimento de subida

Há fases de descida,


No instante da conexão

Há dúvidas que o travarão,


Ao ser quem se é

Há muito quem hesite andar de pé...


Mas não comprometem o trilho aberto,

Não travam o vivível,

Que o rumo já foi descoberto

E é irreversível.


Apenas há uma diferença

Entre homens e animais.

Não é da morte a sentença,

No temor somos iguais,

Não é que os animais não tenham consciência,

Muitos a têm bem mais

Que de muitos homens a pretensa

Sapiência.


A diferença verdadeira

Onde o animal não há chegado

É que à existência

De que se abeira

O homem pode dar significado.


Para quem da vida

Segue na estrada

Sem significado a corrida

Não vale nada.



Atributo


Um atributo bem triste

Da religião

É o de assustar quem ela assiste

Com verdades que o não são.


Os pecados,

Como qualquer proibição,

São o abuso descarado

Desta função.


Quando nascemos,

Que há uma continuidade

Já não sabemos.

Nada nos persuade

Do clima

Da vida que passou,

Ninguém lembra o que combinou

Lá em cima,

Nem augura

Que haverá vida futura.


É fácil acreditar

Então,

Quando em redor tudo o partilhar,

Que não

Existe à partida

Nada além desta vida.


Retirar

Da consciência humana

A eternidade

É a nossa maior pragana

Que a vista nos invade

E engana.


O homem então lida

Só com esta vida.


Não sabe que o que sofre

É um efeito do que fez

E o que faz, além de encher-lhe o cofre,

Um efeito cósmico terá de vez.


Foca esta vida

E aqui pretende ganhar

Mesmo que tenha de passar

De todos os modos

Por cima da desmedida

Multidão de tudo e todos.


De maldades o ego engendra um rol

Que, uma vez executadas,

Mais fácil tornam que, nas encruzilhadas,

O mundo a contento lhe bole.


Aqui entram as religiões,

Começam a fortalecer-se:

Divulgam pecadilhos, pecadões,

De modo que, quem os não

Verse,

Alcance a salvação.


- ”Só isto?!” - pergunta alguém. -

O resto posso...?”

Como nenhuma lista tem

Poder de tapar o fosso

Das multímodas limitações

Provenientes do outrora feito

Ou de actuais acções,

Todos tomarão a peito

Os buracos encontrados

Entre as listas de pecados.


Não pode matar

E roubar não pode,

Mas pode torturar

E, se espezinhar lhe acode,

Porque não? E pode humilhar,

A vida ao encontrão...

Não pode comer por gula,

Mas vender mil aditivos,

Mil conservantes que o mescado engula,

Mudar a genética dos vivos,

Sejam quais forem os efeitos

Nos mercados eleitos...

Não pode olhar do próximo a mulher

Mas reprime as paixões,

Bloqueia emoções,

Até que entupidas

Em quenquer

Ficam as vias, de emoções retraídas...


A lista do que deve e não deve

Assente

Deveria estar, no que prescreve,

Exclusivamente

Na própria consciência,

Retirada do âmago mais profundo,

Luminescência

Que em cada um existe do outro mundo.



Acertar


Quando nos cremos correctos,

Quando pretendemos acertar,

Obcecam-nos os efeitos concretos,

Que tudo corra bem a nortear.


Tal compulsão

Da iniciativa que nos invade

Trava-nos a percepção

Da realidade.


O problema, afinal,

De errar é o medo letal.


A busca intérmina da vitória

É a força vital

Da tarefa cuja glória,

Decerto,

Apenas é que dê certo.

Do êxito o pendor

Unilateral

Demonstra o pavor

Arraigado que encerro

Do fenómeno do erro.


Ora, errar, sendo humano, é vital,

Errar

É o que faz crescer, avançar.


Logo a seguir ao erro

Vem uma crise interior:

Frustração, tristeza, mágoa em que me encerro,

Tudo é dor.


Aproveitemos a tristeza,

Não da culpa ou raiva,

Mas da impotência que se preza

E que nos caiba,

De ter atraído o erro e o efeito,

De o não ter sabido

Ou podido

Evitar de nenhum jeito.


Aproveita a tristeza, chora,

Faz o luto interior

Agora

Até ao fim.

Momentos, horas, dias de dor

Alargando o teu confim.


Quando acabar,

Conectaste-te com tua fonte divina de luz,

Aquele lugar

Mais dentro de ti que te traduz,

Teu eu, onde postas

Se te colocaram todas as respostas.


Apenas nesta altura

Estás pronto a recomeçar,

A mudar,

A melhorar

Tudo o que te configura.


O que quer que ora farás

Fá-lo-ás contigo inteiro,

Tua fundura veraz,

Teu sagrado ser primeiro.


Tão próprio tem teu perfil,

Tão original,

Tão autêntico entre mil

Que só inovação traz, afinal,

Só pode trazer, no fundo,

Uma outra luz ao mundo.


Foi o erro, a crise, a vivência de dor

Com a actividade consequente

Que ditaram do avanço o pendor,

A conexão com a força evolutiva

Presente

Mas esquiva.


Quem o itinerário espiritual

Não logre pela meditação

Pode segui-lo, por igual,

No relacionamento com a emoção.


O erro é profícuo, aceitável,

Legítimo, até desejável.


Quem tudo racionaliza,

Pondera, evitando errar,

Não agirá, por divisa,

Ou age, só a concordar

Com o já estabelecido que alcança

E o mundo jamais avança.


Cuidado com o julgamento!

Quem faz, diz ou pensa

O improvável de momento,

O original, desalinhado do pensamento

Que o lugar-comum condensa,

Antes de o rotulares,

Julgares,


Cuida se não estará conectado

Com seu eu profundo, sagrado,


E, quer te agrade ou não agrade,

Com o porvir da humanidade.



Reconverte


Acredita,

Limpa tua interioridade,

É o que melhor reconverte a desdita

Que te invade.


Desconectado e com íntimo negror,

Só alguém

Sem vida interior,

Sem vida própria, refém:

Sempre noutrem focado,

No que irá pensar ou dizer

Em qualquer lado

Quenquer.


A outrem tem de agradar

Para este o poder aceitar.


Para ter-se de pé,

Doutrem precisa de aprovação,

Senão

Não é quem é.


Quem do imo é desconectado,

Na densa negridão

Jamais terá encontrado

O próprio âmago à mão,

A fonte orignal

Donde descerra

O manancial

De sua vida na terra,

Veículo que transporta a missão,

O caminho, a espiritual informação.


Sem vida espiritual,

Sem vida interior,

É um autómato cada qual,

Robô sem valor,

Sempre a mando de alguém

Como ao ego convém.


Importante é se libertar,

Soltar as amarras,

Deixar de dar

Importância do ego às garras,

Conectar-se a seu imo

E trepar até ao cimo.


Encontrar a vida plena, sidérea,

No meio da densidade,

Na opacidade

Da matéria.


O desconectado é, de raiz,

Um infeliz.


Não é um senão

Que queres aqui

Viver em ti,

Pois não?



Luz


Quando retiro da vida

Trabalho, família, amigos,

Bens materiais em seguida,

O que queria ser e não fui em meus abrigos,

O que quero e por que luto nos perigos,

Quando tudo que a vida complica

É retirado, que fica?


Se te deixas de preocupar

Dos outros em cuidar,


Parentes, amigos, superiores,

De tua consciência os humores


Para onde irão,

Para onde te iria a convicção?


Se nada te preocupa hoje,

Nem dinheiro, nem metas de fantasia,

Se tudo de ti foge,

Que é que restaria?


Apenas o fulgor

De tua luz interior:


O cerne que te fecunda,

A tua energia profunda.


De teu Eu esta energia

Seria


Mais forte ou mais fraca, contudo,

Conforme as vezes em que te despojaste de tudo,


Em que tenhas ido

Dela ao encontro pretendido.


A força iria depender

Das coisas em que te dispersas,

Do que arranjas para fazer,

Das distracções adversas.


Aquela energia fica à espera

Para te salvar a vida,

Levar-te a teu propósito nesta era,

Mostrar tua medida.


Tem de ser alimentada,

Instruída,

Acarinhada,

Para brilhar desmedida

A iluminar consistente

A tua identidade presente.


Tudo o que faças

Que não dê luz à tua luz,

São trapaças,

Não resulta, não seduz.


Primeiro que tudo,

Que família, amigos e os mais,

Que da sobrevivência o gosto agudo,

De tua luz estão os sinais.

É que aí, sem tabu,

É que estás tu.


Depois, com a inocência da infância,

Tudo há-de vir,

Fascinante, a seguir,

Sob o signo da abundância.



Areia


Se foras um grão de areia

Onde te levava o vento?

Para onde é que ele ameia

Que pararas a contento?

E que é que ele te faria

Vivenciar a qualquer dia?


A vida tem movimento

Autónomo, próprio dela.

Areias leva-as o vento,

Dum querer não há janela.

Do bem e mal o juízo

Não poderão ter preciso.


Para aqui ou para ali,

Não quererão ir jamais.

Vão onde o vento assobie,

O vento é que as leva atrás.

Se tu grão de areia foras,

Eras tão leve, a desoras,


Tão disponível, que irias

Aceitar a direcção

Proposta, conhecerias

Outras paragens então

E de novas experiencias

Seriam tuas vivências.


A tua vida seria

Infinitamente rica,

A tudo te levaria,

Livre em quanto pontifica:

Já não cuidas que só tens

Repetitivos améns.


Já não irias pensar

Que tudo te corre mal,

Que outrem a prejudicar

Te andará sem dar sinal.

Mais preocupado andarias

Em ver se peso perdias


No escuro teu interior

Para mais leve ficares

E te poderes compor

Com o vento, pelos ares,

Para cada vez mais alto

E mais longe, no planalto.


Se foras um grão de areia,

Serias leve, intuitivo

E móvel tão de mão cheia,

Tão autêntico e tão vivo

Que a vida nunca teria

O peso que aqui te avia.


Tudo seria mais fácil

E tudo no seu lugar.

Tu tornar-te-ias tão grácil

Que nem creras ao te olhar!



Responsabilidade


Tudo o que ocorre

É para lhe assumires a responsabilidade,

Tudo o que te acontece decorre

Do que atrais, na verdade.


Por estranho que possa parecer,

Quando reparas nos sinais

De teu centro,

Como quenquer

Tu só atrais

O que tiveres aí dentro.


Só atrairás violência

Se apenas violência em ti houver,

Só do amor atrais a complacência

Se teu imo amor tiver.


Em vez de cuidar

Que não ocorram coisas más,

De reclamar

Que só mal a vida traz,

Olha para tudo em redor

Como espelho de teu interior.


E agradece

Aos que te provocam dor

Por te terem feito ver esse

Pendor

Que, em teu íntimo tear,

Tens de trabalhar.


Agradece

E trabalha

Em tudo o que isto te oferece,

Seja o que for que venha à calha.


Este é o caminho.

Se atrais uma conjuntura violenta,

É apenaas o espelho e o cadinho

Da violência interior que te atormenta.


Entende e contacta com ela,

Recorda os eventos

Violentos

De tua vida sequela,

Chora, grita, esperneia,

Cruza-lhes por toda a teia,

Retira a energia negativa

Que em teu peito se arquiva.


Retira tal negror, tal peso,

Abre teu coração

De par em par,

Doravante ileso,

Para a Luz poder entrar.


Assim,

Conjuntura a conjuntura,

Evento a evento,

Ir-te-ás limpando, por fim,

Agradecendo quanto te depura,

Clareando cada momento.


Um dia vais acordar

Com um reino de amor

Em teu redor

E verificar

Por ti

Que há Céu a andar por aí.



Relações


Há tanta relação

Em que os parceiros não conseguem ser quem são,


Pessoas que tropeçam nas vielas

De ser o que os mais esperam delas!


Nesta tentativa

De ser o que outrem espera que se viva


As almas vão minguando,

Tristes e desiludidas,

E da maturidade as utopias ficando

Pelo caminho perdidas.


Um nascimento

É uma encarnação

Singular:

A ocasião,

A partir de tal momento,

De qualquer alma se manifestar.


Quando uma relação

Te propõe não ser quem és,

Seja por parte de quem for,

Cônjuge, filho, progenitor,

Bota de chefe a pisar-te os pés,

Quando teu imo te empenhar

Para não ser o que à terra veio desempenhar,

Contrapondo-lhe desejos mesquinhos,

Manipulação,

Então

Esses que tanto te são vizinhos

Não te conseguem ver,

Em ti não vislumbram alma.


É o que há-de ocorrer,

Mais ainda se a conjuntura não te acalma,

Porque não sabem ou não querem

Ou porque tu próprio te não vês

E aceitas os eventos que te ferem

E trucidam à vez.


Não é culpa deles nem tua,

Que não há culpa, mas responsabilidade,

É uma rua,

Não uma grade,

Que tua apenas é, pois por ti actua,

A de não abandonares sozinho

Teu imo a meio do caminho.


A tua fiel alma é a tua luz,

A tua fiel alma é a tua vida,

De ti pende se a relação o traduz

Ou se por ela é denegrida.


De ti depende orientar a relação,

Colocar limites,

Aprender a dizer não,

Não sei, não posso, não tenho palpites...


Aprender a interiorizar,

A olhar para dentro de ti,

Tua lógica a procurar,

A emoção que houver ali.


Procurar as tuas opções,

A recolha

De tuas opiniões,

A tua escolha.


Aprender a ser

E a partilhar teus sinais

Com quenquer,

Com todos os mais.


Respeitar o que os outros são

E o que escolhem em seu íntimo teor

Até ao mais ínfimo, ao mais chão

Pormenor.


Então

Estarás em contacto com uma força oculta

Imensa.

Ao veres como te catapulta

Para quanto te traduz,

Tensa,

Chamá-la-ás de tua Luz.



Amor


Dá-lhes, do Infinito, o amor,

O amor que dEle recebes.

Faz o que preciso for,

Que teu peito embebes

Do amor que te convença

E vença.


Faz por retirar negror e peso,

A densidade de memórias,

De emoções negativas,

Destruidoras, inglórias,

Que te põem leso,

Em carnes vivas.


Varre a inveja,

Ódio, raiva ou mágoa

Onde quer que cada qual esteja

A turvar da emoção o correr de água.


Vai à dor as vezes que for preciso,

Desactiva a memória por desgaste,

Depois trepa ao Paraíso

Quanto baste.


Quando aqui chegares, fino,

Trata de vir leve, fresco, cristalino.


Para que o Amor entre abençoado

A abarcar o mundo inteiro,

Através da fonte aberta de teu lado

Depurado

E videiro.


E, quando saíres à rua

E falares com alguém,

Quando deitares a mão à charrua

Ou à falua

Ou ao que melhor ao dia convém,

O amor, infindo,

Que o Céu

Tem

À humanidade

De ti vai saindo

Puro, sem labéu,

Invadindo

A terra inteira

Como grade

Pela jeira.


E vais saber que foi o Céu,

Que invadiu ruas e almas

Através daquele gesto teu

Constante e raro

Com que o mundo acalmas.


Tudo mais limpo ficará,

Tudo ficará mais claro

Em tudo, tudo quanto há.


Tudo com a postura do céu,

Golpe de asa

Que o homem tem, único, de seu

Para voltar a casa.



Paz


Há uma paz

Que apenas alcanças

Quando a decisão que te apraz

É a mais correcta que na lida entranças.


A mais correcta

Para ti,

No que te afecta

Aí.


A maioria toma a decisão

Com base no “tem-de-ser”,

Outra hipótese não há, não”,

Ou “Tenho mesmo de o fazer.”


São decisões empurradas

Pelo ego controlador,

Sinistro,

Cujo registro

Das almas foge, com terror

Das energias revigoradas

Que, pelo tempo além,

Elas mantêm.


Quando respeita a energia original

A decisão tem uma força descomunal.


Tudo está no lugar

Quando alguém se respeita,

Quando sabe que o melhor para si em que acordar

Pode não ser para outrem a melhor receita.


Quando tomas uma decisão,

Fecha os olhos um segundo

E sente o coração,

Teu íntimo mundo

Mais profundo.

Sente a intuição.

Às vezes o peito sofre com a decisão

Que a intuição diz para tomar.

Sente a intuição, põe-na a falar.


Se houver paz

Coerência com a energia de teu imo,

Sentirás

Tudo no lugar, tudo no cimo.


Se sim, está certo,

Nada evites,

É a escolha de teu maior acerto.

Se não,

Não hesites,

Muda ao leme a posição.



Intuição


O pinguim

Sabe que é hora de migrar

Quando o gelo, enfim,

Sob as patas lhe estalar.


O minúsculo evento

De pinguins muda a vida aos milhares,

Sabem que é o momento

De partir para mais inóspitos patamares,

Rumo à aventura

Da vindoira progenitura.


Há milhões de anos a raça abala

No destino que estes gestos acartem:

O gelo estala

E eles partem.


O homem tem poderes intuitivos

De espantar

Talvez:

Intui a hora e os motivos

Antes de o gelo lhe estalar

Sob os pés.


Antes de algo ocorrer,

É capaz de intuir agora

Quenquer

Que chegou a hora.


É assim com nossos arcanos

Há milhares de anos.


Só que o homem julga, porém,

Prefere crer que é incapaz

Ou, embora capaz, quem

Lhe garante que é boa

Uma intuição que lhe apraz

À toa?


Por isso não a goza,

Bloqueia a capacidade mais portentosa,


A de antes do tempo andar

E cuidar


Que tudo possa ocorrer

Como devera ser,


Pelo mero facto

De o ter intuído e ter honrado o pacto.


Temos a tendência

Eficaz

De bloquear capacidades.

Não sou capaz”,

Não mereço tais alacridades”,

É bom demais, enfim,

Para mim...”


Milhares de vezes repetidas

Tornam-se realidade nas vidas.


Acredita na intuição,

É poderosa e transmutadora.

Podes não crer no resto, mero chavão,

Mas crê na intuição que em ti mora.

Pode o mundo não mudar jamais,

Mas muda o teu, de repente,

O que é já mais

Que suficiente.



Esforço


Nada deve ser forçado,

O que à força é feito em esforço

Desliga o canal ao céu ligado,

A doer como um remorso.


À força é ao contrário da leveza

Que vem de cima, das alturas.

À força é densidade que pesa,

Leveza é luz que para ti apuras.


Quando algo pede tal esforço,

Não é escorreito,

Precisa de algum reforço

A jeito.


E só requer

Tal

Recurso adicional

Porque não é para acontecer.


A água se esvai

Fácil e clara pela cascata

E, quando cai,

A correr e a cantar desata.

Assim diluída

E pacata

É a vida.


Se entendes que o que é feito em esforço

Não é para ser feito,

Que a vida tem um escorço

De respeitar, levar a peito,

Logo te esforças menos

E aproveitas mais

Nos terrenos vicinais.


Tua vida, a pulmões plenos,

Passa a ter a medida

Do prazer de ser vivida.
















































2


Segunda Estrela

























Incomoda


Quando alguém te incomoda,

O mais natural

É dele pensares mal,

Que bem poderia

Ser outra a moda

Que vestia:

Ter feito doutra maneira,

Dito com outro falar,

Ter a calma que se inteira

De quem é que lhe anda a par...


E todo este pensamento

É somente julgamento.


Queres o que contigo se emparceira,

Tudo à tua maneira.


Que convença, fiável,

E te deixe confortável.


Não é deste jeito

O Universo.

Tens um íman em teu peito

Que atrai o que é para ti,

Para que te tornes terso.

Atrai quanto precisares

Para as emoções

Advindas daí

Tu por fim vivenciares.


E todas as situações

Que atrais

Têm como emoção principal

Emoções iguais

Às que vivenciaste

Na infância primordial

Ou que de antanho incorporaste.


O indivíduo ou conjuntura

À tua frente

Têm a chave que desenclausura,

Deferente,

Tarde ou cedo,

O teu mais recôndito segredo.


Embora mal a palpites,

É a chave de teus limites.


Se aceitares que é parte de tua vida,

Para poderes soltar a emoção

Foi por ti atraída,

É prioritária para a tua solução,


À tua frente te persuade

A ajudar em tua prioridade,


Para o bem ou mal anda aí

Para fazer saltar a densidade que haja em ti,


- Então é uma grácil companheira

Que na nuvem, antes de encarnar,

Trocou contigo a confidência mais certeira

Na alegria daquele patamar.


É, portanto, alma amiga:

Como justificar tua briga?


Se parares de a julgar

A seguir,

De a inculpar

Pelo que te veio fazer sentir,

Se entenderes, destarte,

Que veio ajudar-te,

Retirarás o foco dela

E do que te fez passar,

Transfere-lo a teu peito, na sequela,

Indeciso entre processar

Uma emoção enorme

Ou bloquear para sempre o monstro informe.


São casos destes que ocorrerão

Quando a mente manda no coração.


Ao concentrar-te em ti é o porvir:

Sentirás, por esta fenda,

A dor tremenda

De que tens andado a fugir.


Finda a dor,

Qe sempre finda,

Ganhaste mais um pendor

Na luz advinda.


De cada vez que ultrapasso um bloqueio,

Ganho uma dimensão,

Semeio

Meu chão.


Quando olhar para alguém

Que me causou dor,

Sei que foi uma lição de bem,

De doloroso amor.


Saberei responder

À medida:

Agradecer

A lição aprendida.



Passarinhos


Já que os passarinhos

Não tecem nem semeiam

E, apesar disto, os ninhos

Enxameiam,


Se teus pés foram feitos

Para andar,

Deixa-os livres, andam afeitos,

Deixa-os te encaminhar.


E se as pernas se destinam

O corpo inteiro a suster,

Deixa de pretender

Que sinas outras to combinam.


Teu ego foi talhado

Para manter o controlo?

Põe de lado

Tal consolo.


O controlo afasta

O medo?

Põe de lado, por já gasta,

A falsidão deste credo.


Se o medo é que te incentiva

Teu querer,

Quem, afinal, o quer

Numa vida viva?


Se teu querer é norteado

Para fugir à dor,

Larga-o, mesmo ficando tu desolado,

Outro é o rumo de seres senhor.


Pois se até os passarinhos

Não tecem nem semeiam

E, apesar disto, os ninhos

Enxameiam!



Submundo


Não é apenas no céu:

A abundância traduz

Que se encheu

O submundo de luz.

A luz que nos sublima

Não se encontra só lá em cima.


O submundo de cada qual

Deverá ser visitado,

Revisitado

Vezes sem conta até que, ao final,

Há-de começar

E continuar, por todo o lado,

A luz a entrar.


Quanto mais se visita

O submundo particular,

Quanto mais se revisita

A escuridão pesada que nos invade

Deste estágio denso da humanidade,


Quanto mais se vai

Ao monstro em que cada um se esvai,


Mais a terra se irá

Elevando desde cá.


Quanto mais se visitar

As trevas

No intuito de alguém se libertar

Das grevas,

De as abandonar

Duma assentada,

Maior a luz alcançada.


Na ascensão,

Uma resposta

Um apelo não há que não

Tenha justaposta.


Não há um erro que não

Tenha perdão.


Não há um excesso

Que não

Tenha, no processo,

Compensação.


Não há limitação sem coragem

Para a viagem.


Não há potencialidade

Sem a luz que a invade.


Não há pegada

Que não tenha estrada.


Não há terra, seja ela qualquer,

Que não tenha vazio a preencher.


Ao subir não há um apelo

Por mais singelo,


Que não tenha sobreposta,

No elo

Daquilo em que o sonho aposta

Aqui, agora,

A inesperada resposta

Promissora.



Implicando


Quando perguntam ao céu,

Tendem a entender a resposta

Como doravante implicando que, sem véu,

Terão casa e mesa posta,

Como alguém

A quem vai tudo correr bem.


Para as perdas andam impreparados,

Impreparados para os desenganos,

Para a realidade feita de passos trocados

E danos.


Cuidam que, porque os sinais

Mostram que é por ali,

Não haverá percalços nunca mais,

Encruzilhadas de ansioso frenesi.


Não há maior falsidão.

Quando o céu mostra uma via,

Pode ser a melhor para a questão,

Ter a ver com a original tua energia,

Ser caminho de evolução,

Mas, se algo tens de vivenciar

E não estás disponível,

As perdas vão ficar

Como o que o melhor traduz,

Por mais incrível,

Neste caminho de luz.


Nosso caminho é um caminho apenas,

O mais correcto, original, a via exacta

Mas não deixa de ser um caminho entre centenas,

Tem curvas, obstáculos e nos retrata

Nas pedras,

Só que é por ele que medras.


Toda a matéria é dual,

Em igual proporção

Bem e mal

Em cada saguão.


Teu caminho, porém,

Uma vantagem

Tem

Como nenhum outro para a viagem.


Ele é teu,

Mais ninguém

O tem

De seu.


Tudo o que tiveres de vivenciar

Por ele além,

Tudo por que tiveres de passar,

Desde que o não abandones,

Fará com que te abones

Então

Para a tua evolução.


Tal é a vantagem

E não que é fácil viver.

Dum caminho contrário na triagem,

Sem tua atitude nem querer,

Bem mais difícil ainda

Ficaria aos céus a vinda.


Escolhe, pois, a via que for

A tua,

Com tua textura, tua cor

E continua.


E não te esqueças de sentir,

Que se deixas, retirá-lo

Retira-te a energia, a seguir,

Com o abalo.


O teu caminho,

Apesar dos apertos, desvios, confusões,

Tem uma vantagem nestes baldões

Que em nenhum outro adivinho:

Sejam quais forem os escarcéus,

É o caminho que vai dar aos céus.



Margarida-dos-prados


Há quanto tempo não colhes

A margarida-dos-prados

Para que a puramente olhes

Com teus olhos deslumbrados?


Há quanto tempo não fazes,

De olhos simples na simples flor

As pazes

Com o esplendor?


Em vez de viveres no passado,

No peso amargo

De quem escolhe errado,

No cargo

Inconveniente

Do que te fizeram, supostamente;

Em vez de viveres no futuro

Na ilusão do que ainda irás fazer,

Com novo apuro,

Do que ainda irás ser,

- Colher uma flor apenas,

Ficar a olhar para ela

E ver nas pétalas pequenas

Uma estrela.


Sem passado nem futuro,

Sem planos nem ambições,

Sem das mágoas o muro,

Do ressentimento as excomunhões.


Ali simplesmente

A olhar a flor simples que te alimente.


Sem cargas emocionais nem dilemas,

Sem projecções nem adiamento de esquemas.


Nada.

Ali somente,

A vista deslumbrada

No gratuito presente.


Há quanto tempo, há quanto?

E aquele é o segredo da vida:

Encontrar o encanto

Que pare do tempo a corrida,

Encontrar, enquanto repoisas,

Tempo de parar as coisas,

Para, das transparentes janelas,

Simplesmente olhar para elas.


Um olhar

Como outro olhar qualquer,

E meramente estar,

E meramente Ser.



Centrada


No ser humano é centrada

Toda a actividade dos céus,

Cada palavra enunciada,

Cada indicação de rumos seus.


É com ele que o céu fala,

Com ele que se preocupa,

A ele que se dedica, com que se rala,

Que atende à lupa.


Cada termo se inspira

Dos homens no sofrimento,

Na incapacidade que lhes retira

O momento

De se livrarem daquele,

De o rasparemm da pele.


Da felicidade na procura,

O homem cruzou barreiras,

Momentos inaugura,

Fende mares,

Trepa a luas altaneiras

Pelos ares,

Vigia estrelas,

Conta galáxias pelo vidro das janelas...


Outrora como agora,

Em busca da felicidade

O homem procura fora,

Sempre fora, idade a idade.


Ora, a felicidade

É de entrar por ele dentro

A capacidade

E de assustar, aí no centro,

Com a fronte bem erguida,

O papão que entrava a vida.


Não é tapá-lo:

É descobri-lo,

Enfrentá-lo

E destruí-lo.


Falta a nave espacial

De viajar pelo nosso interior,

Afinal.

Quem, com este fito,

Viajar se quer propor

Ao Infinito?



Sendas


Todas as sendas andam trocadas,

Toda a humanidade refreou

O esforço das íntimas pegadas

E provocou

Um acrescento

De escuridões em aumento.


A terra já não obedece

Ao céu que lhe apetece.


Invertido este sentido,

Tudo o mais, é de supor,

Fica invertido,

Perde o valor,

E o que inauguro

Não tem futuro.


Está na altura

De reorientar esforços,

Reformular o que a vida apura,

Do Infinito retomar nossos escorços.


Reverter o que foi feito,

Reordenar o que em erro findou,

Oposto a que não ando afeito,

Redefinir-me a caminho do que sou.



Efeito


Tudo o que fazes

Produz um efeito,

Dos actos capazes

Aos actos sem jeito.


Ingénua embora,

Da acção que pratiques,

Não tarda, na hora,

Que o efeito verifiques.


Por ínfimo que seja,

Se houver um desvio,

Aquilo que se almeja

É de reequilibrá-lo o desafio.


O Cosmos é equilibrado,

Tudo está, neste momento,

Onde deve ter ficado

Para cumprir a contento

A missão a que foi destinado.


Quando o homem no estado natural

Mexe das coisas,

Desarmoniza, afinal,

O não-desarmonizável onde repoisas.


Por mais que não queiras,

O que saiu do lugar

Terá de voltar

A ser colocado em idênticas leiras.


Quando algo de mal

Fizeres a alguém,

Por pequeno que seja, no final,

Pensa que tu também

Mais cedo ou mais tarde

Irás vivenciar,

Com mais ou menos alarde,

O que ele vivenciou,

Para voltar a harmonizar

A emoção que se turvou:

Fizeste o mal,

Um mal sofres igual.


Mesmo quando a brincar gozas

Com uma minoria,

Hás-de estar

Um dia

Dela no lugar

A ser gozado em tuas prosas.


A natureza não erra a pontaria.


Olha para as ligações

Àqueles a quem o mal tramaste,

Para as frustrações

Que provocaste.


Se recuperar ainda for viável,

Corre, infatigável.


Volta a harmonizar

Antes que a vida uma situação

Desagradável

Acabe por te enviar

Em forma de rearmonização.


Se for inviável recuperar,

Tenta amor e luz em teu redor

Espalhar

Para que a energia envolvente

Reconheça que mudaste teu teor

E te poupe, conseguintemente,

Da tortura ao torno

Do que vier em retorno.



Ego


É o ego o pior dos males,

É quem te ensina a querer,

A lutar pelo que pretensamente vales

Mas que não condiz com teu ser.


É quem te ordena dentro da cabeça,

É quem te faz obrar

Pela restrição e medo em que teu pé tropeça,

Ao calhar.


É quem cria a ilusão

Que te rodeia

Para acreditares na panaceia

Que teu natal torrão

Falseia:


Que vais ser feliz,

Que não ligues ao trejeito

De insatisfação, de crescente cariz,

Que te mora no peito.


Que no dia da roupa nova,

Do novo computador,

Do carro, da casa que te inova,

Quando puderes dispor

Do que mereces,

É a felicidade que teces.


Quando te cansas de esperar,

O ego convence-te de que nada se atrase,

A não parar,

Que está quase.


Trabalha duro só mais um bocado,

Só mais um bocado abafa o que sentes,

Luta, que teu dia é quase nado,

Estão chegando os presentes...

E o bocadinho a que te apega

Nunca chega.


E sempre o ego insistia

Que a resistência e a luta

São a única via

De tua conduta.


Jamais te deixa ver

Que luta e resistência

Nunca chegam a ser

Via nenhuma,

São o despenhadeiro

Para a espuma

Sem consistência

Em que mergulhaste inteiro.


A grande via para teu gosto

É um oposto.


A grande via é aceitar

E fruir.

Acolher o lugar

E o trilho em que te encontras a ir,

Deixar

Fluir

A corrente sideral que te levar,

De modo a te conseguir

Encaminhar

Para o que te está reservado

Nesta aventura de espírito encarnado.



Escolha


Podes sempre escolher

Entre ir para onde teu imo mais subido

Te sugere,

Píncaro onde estarás protegido,

Ou ir para onde te apetece,

Onde a protecção te falece.


O Cosmos não muda a energia

Dos locais que tem

Só para que, em teu dia,

Te sintas bem.


Temos de entender

Que o Universo não muda a nosso bel-prazer.


Ou para onde vai descobrimos

E vamos também

Ou traumas a viver caímos

Vida além.


Ir para onde vai o Universo

É querer o que com ele está de acordo,

Ou porque calhou, foi frente e verso,

Ou porque fizemos a conexão,

Ajustámos o bordo,

Acolhendo dos céus a sugestão

E agimos em conformidade

Com o que ali nos persuade.


Ficaremos

Protegidos

Porque o que fazemos

Realiza os sentidos,

Afinal,

Da energia original.


A grande sabedoria

De na terra ser

Seria a de viver

Apenas em função desta via:

Traumas não haveria

Nem perdas sequer.


O contrário, porém,

Também te pode fazer bem:

Sofres desgraças

Nunca imaginadas,

Por choques emotivos passas

Em cruéis estradas.


No conflito

Também se evolui, se tal é o fito.


Contudo, sem tanto sofrimento

Podias ter evoluído

A contento:

- Bastava ter o céu ouvido.



Rituais


Às vezes, a energia

É pesada, de tão escura,

Fruto de tanto dia

Que errámos na procura.


Os rituais

São acúmulos ancestrais.


Tantos fizeram em prol do ego,

Daquilo que tão mal queriam,

Que mataram o sossego

Que pretendiam.


Queriam chuva,

Urdiam rituais.

Queriam fazer mal a uns tantos que tais,

Simulando afagos de luva,

Celebravam rituais.

Entrar em guerra pretendiam,

Logo rituais teciam...


Tudo para fazer sobreviver melhor

O que o espírito tem de inferior.


Nenhuma tentativa de evoluir

Nas práticas ancestrais,

Instinto de sobrevivência a gerir

Sozinho, tudo o mais.


Então aproximam-se os espíritos menores.

Como são fáceis os favores


Que os humanos querem

Estes espíritos trocam o que conferem.


Dão chuva, vitória, desgraça de alguém,

E em troca vão ficando,

Vão-se apoderando

Da vida espiritual pelo mundo além,

Dobrando-lhe à matéria as cervizes,

Vão criando raízes.


Por ora dominam e neles se aferra

O que anda rasteiro pela terra.


Há locais e pessoas

Que vivem de rastos

Por mor da energia dos que, nefastos,

Insistiram, em seus corações,

Nas loas

A este tipo de invocações.


Tudo pelo próprio bem,

Julgarão.

E é o contrário do que convém

À evolução.



Âmago


Teu âmago, alimento da quimera,

Está sempre à tua espera.


À espera de que pares

Para os outros de olhares.


À espera de que os olhos teus

Deixem até de olhar os céus,


Sempre um ídolo mero

Para quem for sincero.


Está para ali,

No teu fundo,

À espera de ti

Para conseguir ser mundo.


Para conseguir dar-te força

Para operares, total,

Conforme aquilo a que orça

Tua energia original.


Teu âmago é um ser de luz,

Confinado à física estrutura

Do teu corpo que o traduz ou não traduz,

Conforme o que nele teu acto configura.


Ele quer ser livre, quer voar,

Quer mais que a vida limitadora

Que lhe queres dar,

Por ora.


Quer deixar dele a luz

Imensa

Abraçar o mundo que seduz,

Que convença

E encantar a todos, lavrando cada torrão,

Através de sua enorme convicção.


Tens, porém, de o conhecer,

De o compreender e aceitar,

De o intuir e procurar,

De o acolher.


Ele és tu no estado puro,

No estado original,

Quando um raio de luz eras no apuro,

Quando o que era teu

Mergulhava, radical,

No céu.


Quando entenderes a grandiosidade

De tua própria essência,

Quanta energia sagrada e única a invade,

Poderás ter a evidência,

De vez,

Do ser iluminado que és

E do que fazer vieste

Cá em baixo, na terra agreste.



Responsável


Não és responsável por ninguém,

Nada te obriga,

Refém,

A abandonar teu centro.

Apenas tua é a briga

Por ti dentro.

Nada te obriga a colocar

Outrem em primeiro lugar.


Porque é que tantos

Não lograrão meditar,

Apesar dos encantos,

Apesar

Dos prantos?


Quando fecham os olhos

E olham para o peito,

Lá dentro há tantos abrolhos,

Tanta gente sem jeito,

Tanta outra obrigação,

Que, do peso, o peito cai ao chão.



As pessoas findam angustiadas,

Param de meditar,

Quando deviam retirar

As cargas pesadas

De responsabilidade do peito,

Compreender, deste jeito,

Fiáveis,

Que por ninguém são responsáveis.


Cada um vem cá abaixo

Seu desígnio cumprir.

Se noutrem o encaixo,

É àquele impedir

As limitações de superar,

Pela troca de lugar.


Quem por outrem se responsabiliza,

Ou culpabiliza

Por dele não tratar,

Não se apercebe do mal

Que anda a provocar

Em cada qual.


A responsabilidade lhe tira

De superar o limite que em si mira.


O livre-arbítrio que lhe coube

Leva a que roube.

Retira-lhe a iniciativa,

A derradeira essência,

A luz que faz que ele viva

Com toda a vital premência,

Leva-o dele próprio a fugir,

A luz dele a se extinguir.


É a própria hora

Que se lhe anda esvaziando desde agora.



Mentem


Porque é que uns aos outros tantos mentem,

Porque é que a si próprios mentem tantos?

É do desconforto que sentem

Ao encarar do real os desencantos.


É grande o desconforto

De ter de confrontar

Alguém com o bom porto

Que não quer aceitar.


A si próprio mentir

É das mentiras a pior,

Desfalca os pés que querem ir.

Quem não aceita o que for,

Dele não aceita as limitações e deficiências,

Que não é como os outros não aceita,

Que não é como os mais

Suposto ter os sinais

E as evidências,

Nem ter a vida afeita

Ao que outrem almeja

Que ele seja.


Um interno conflito sente

Permanente.


Nunca será feliz,

Pois consigo não condiz.


Cria a ilusão

Em que acredita

De que faz a mais confortável opção

Para a própria dita,

Sem cuidar, afinal,

Do que faz à energia original.


Depois há o que aos outros mente,

É apenas um cobarde.

Não é de contar tudo a toda a gente,

Prefere guardar, guarde.

Preservar algo misterioso

A qualquer encontro aumenta o gozo.


Mas mentir, dar por verdade a falsidão,

Isto, não.


Basta afirmar

Que sobre o tema acontece

Não querer comentar

Ou apenas não lhe apetece

Falar.


Mentir, porém, nunca.

Toda a acção

Junca

De efeitos o chão.


A mentira vai

Manipular a postura de verdade,

Atrai

O efeito da manipulação da identidade.


Ora, do lado

Deste efeito,

Da mentira o pleito

Jamais vai depois ser de nosso agrado.



Ascender


Enquanto houver conflito interior,

Enquanto alguém se não pacificar

Dos próprios opostos com o teor,

Ascender não vai lograr

E então as novas gerações

Continuam a sofrer de tais senões.


Superar um conflito é compreender

Que o mundo é feito de opostos,

Crer,

Por mais contraditórios que sejam os rostos,

Por mais abrupto que o real possa surgir,

Que os opostos podem coexistir.


No dia em que tiveres gosto

Em acreditar

Que o diametralmente oposto

Pode coexistir no mesmo lugar,


Que podes ter as tuas opiniões

E os mais verem o mundo doutra maneira

Sem haver questões

Por cada qual lavrar na sua leira,


Quando deixares de julgar que estás certo

E o outro, errado

E entenderes, desperto,

Que são dois pendores do mesmo lado,


Duas formas de ver a vida

Na igual subida,


Dois contrários que enfeixo

No mesmo eixo,


Que um não é melhor

Que o outro nem pior,


Pois na vida cabem as duas vias

E tantas mais que nem sonharias,


E todas para as metas

Desejáveis,

Requeríveis,

Estão correctas,

São viáveis

E possíveis,


Quando tu mesmo em teu peito

Deixares coexistir emoções antagónicas

Só porque existem desse jeito

E não harmónicas,


Sem te julgares

Nem achares

Que uma é melhor

Outra, pior,


- Quando atingires esta altura,

O conflito em ti já não figura.


Pronto estás para ascender,

Para te soltar das limitações,

Trepar ao céu que te escolher,

Viver doutra energia nos clarões.


Irás prosseguindo

Então tuas viagens,

Evoluindo

Para mais deslumbrantes íntimas paragens.



Perdas


Todas as perdas a que estás sujeito

São

Para retirares a atenção

Do que fora de ti corre no leito,

A fim de te concentrar

No que em teu âmago tem lugar.


Não é para te alheares

Do exterior,

É para deixares

Que teu imo te dite

Cada pormenor

A que a vida te concite.


Atento à tua essência,

Sozinho ou acompanhado,

Feliz ou contristado,

No trabalho ou na licença,

- Cumpre-lhe a apetência.


Ao deixar

Aos parâmetros de tua vida

Teu âmago ditar,

Como esta é a medida


Em ti do Universo

Com que comunica,

Quem deveras, ao fim, aplica

Os parâmetros, adequado e terso,

É mesmo o Universo em tua lida.

Ora, quem os segue

Não se confunde no que prossegue.


Se isto for o que tiveres em ti,

O resto ocorrerá por si.



Compreender


Podes compreender

Tudo o que o céu te disser.


Quando cuidas que não se entende,

É que tua mente não compreende,


Mas tua mente não és tu,

É teu ego, duro e cru.


Ora, ele não quer compreender, de certeza,

Do céu a inteireza.


O céu, apodando-o de tolo,

De tua vida lhe retira o controlo.


Devolve-o àquilo

De que ele menos gosta:

Ao ignoto, ao incerto, ao sigilo,

Ao risco, ao sonho, a uma aposta.


É o que o ego não suporta.

Por isso tua mente torta


Não pode o céu entender,

Já que entendê-lo não quer.


Tua sensível alma, porém,

Entende-o e muito bem.


Teu âmago, teu ser radical,

Tua energia original


Nem sequer se surpreende

- Entende.


Cria ligação aos céus,

Conexão a Deus,


Cultiva raízes de energia

No que cada palavra lhe diria.


Tudo o que em ti é sublime

Compreende, ama e trepa ao céu

Na mão do céu a que se arrime

Como bordão seu.


E em mais nada, de teu lado,

Anda o céu interessado.


Nem no teu ego, nem nos teus medos,

Nem na tua mente e seus credos.


Cria a ligação pura e ancestral

Com teu ser mais profundo, original,


O mais orgânico, único em mil,

O mais radicalmente vivencial,

O mais subtil.


Aceita-o. Por ele iluminado,

Serás então um iniciado.



Aceita


Aceita a mensagem que vier.

Nem sempre é aquela de que gostarias.

Como o Universo não mente,

As respostas poderão ter

Gosto amargo ou doce nas iguarias

Do que nelas se sente,


Consoante a inaudita

Verdade a ser dita,


O céu irá sempre amar,

Total, a totalidade

De quem estiver disposto a acatar

Dele a verdade.



Perfeição


A perfeição não existe,

Não é, portanto, uma meta,

Objectivo em que insiste

Quem a vida acometa.


Só podes querer chegar

A um acolhedor

Lugar,

Leve e com calor.


Ninguém gostaria

De dar aval

A um local

Que não haveria.


Isto é, porém,

O que a perfeição tem.


É uma atitude de exigência,

Stresse, angústia e depressão.

Demasiada expectativa na ocorrência

Num ignoto chão.

Como não existe,

Ninguém lá esteve nem persiste.


Ninguém

Isto leva em consideração,

Porém.


Tudo quer ser perfeito

E retira todo o valor

Ao imperfeito

Que se lhe anda a contrapor.


Ora, apenas é perfeito o céu,

Apenas o Universo.

Entes de luz alberga de seu

Que são o que o traduz.


O mundo homens alberga,

Imperfeitos, em busca do caminho

Que os erga

A partir do tosco ninho.


Entrando em contacto

Do mundo com a imperfeição

E em conflito com tal facto

Lograrão

Evoluir:

Melhorar hão-de conseguir.


Se o homem fora perfeito,

Não haveria conflito.

Como sem conflito nada evolui, deste jeito

Não

Haveria evolução.

Sem atrito

Superado e vivido

A experiência terrena não teria existido.


Urge viver em paz

Com a própria imperfeição,

Aceitar que ninguém é capaz

De ser perfeito neste torrão.


Faremos

A nossa leira

O melhor que sabemos,

De responsável maneira.


Apenas.

Com tal cariz

Em minhas cenas

Já o céu fica mui feliz.



Aguentas


Aguentas a pressão dos pais,

A pressão dos companheiros,

A dos filhos ainda mais,

A dos chefes, dos dinheiros,

A anónima pressão que invade

A comunidade...


Em nome de que trabalhas

Naquilo de que não gostas,

Aguentas dos pais as malhas,

Do autoritarismo as apostas?


Em nome de quê suportas

As exigências

Tortas

Dos companheiros,

Que nunca nos aceitam inteiros

Em nossas pendências?


Em nome de que é que aceitas

Dos filhos a imposição

De seres progenitor de mãos afeitas

Ao que eles esperam e as mãos lhes dão?


Em nome de que é que aguentas

Uma carreira

Que não anda nem desanda em quanto tentas,

Traiçoeira?


Em nome de quê deixas de viajar,

De andar por aí a fruir

Do que te pode alimentar

Alma no porvir?


Em nome de quê te amarras

A uma vidinha estéril, sem futuro,

Sem perspectiva nem garras,

Sem realização nem apuro?


Em nome de quê colocas

Os teus sonhos na gaveta,

Perseguindo da segurança a meta

Em que nunca tocas?


Em nome de que é que empenhas

Um futuro risonho e radiante

Fruto da energia de que desdenhas

De teu íntimo constante?


Em nome de que é que encolhes

Tua essência,

Abandonas dos cais nos molhes

Teu imo, pejado de ausência,

E cristalizas inerte a magia

De tua energia?


É o que pergunto de boa-fé:

- Em nome de quê?



Atrais


Atrais quanto te acontece,

Cada evento,

Cada momento,

Tudo abanca em tua messe

Atraído pela energia

Que emanamos noite e dia.


Todas as tuas atitudes,

Conscientes ou inconscientes,

Pensamentos a que te grudes,

Actos e reacções presentes,

Qualquer momento teu

Tem uma energia de seu.


Sai-te pelos olhos, pelos poros,

Pelo corpo inteiro para o mundo.

É a força que rega os prados em teus foros

A que o Cosmos responde, fecundo.

Envias tua energia

E o Cosmos te responde, em retorno, em tua via.


Se um dia pararas tudo,

Pararas de agir,

Reagir,

De pensar,

Racionalizar,

De julgar, agudo,

Se um dia apertaras a brida,

Mudo,

E pararas tudo em tua vida,

E ficaras simplesmente,

A seguir,

Quieto, aqui assente,

A sentir,

- Nessa dia

De acontecer

Deixaria

O que te tem vindo a ocorrer.


Esse dia pararia de emanar

Energia consciente,

Para apenas ficar

O que incônscio fora presente,

O que emanas pela estrada

Quando não estás fazendo nada,

Que é apenas memória pura.

Aos centos,

Esta é que traz os eventos

Que tens de vivenciar,

Onde se apura

O que te há-de libertar

(Quando eles contra ti chocam)

Da emoção que provocam.


Depois de limpo o terreno

É que era viver deveras!

Irias, sereno,

Inaugurar novas eras.


Como mudaste a atitude,

Ao recomeçar a agir,

A seguir,

Outro é o efeito, outra a virtude,

Tudo fica claro, limpo e leve,

Vero como nunca esteve.


Se queres mudar de vida,

Eis a trilha a ser seguida.



Chora


Uma criança chora

Para chamar a atenção,

Teme a dor que nela mora,

O aperto no coração.


Chora e o choro chama

A atenção de todos,

É uma vítima que clama,

Julga que responsabilidade a rodos

Pelo desconforto alguém tem,

E, no porvir,

Espera que aliviá-la também

Alguém há-de vir.


Sempre os outros tem em mira.

Bate na mesa e cai,

Mas não se responsabiliza,

Se atira

À mesa culpada que visa

Em tudo o que em dor a trai.


Assim vai andando,

Chorando,

Embirrando,

Esperando

Quem a venham mimar,

Assim a desresponsabilizando

De actuar,

No ninho

Lhe ofertando amor e carinho.


Chorar é o bom porto

Que concebe:

Recebe conforto,

Protecção recebe.


Cresce, porém, a criança

Mas o rumo não se altera:

Adulta, continua a ver se alcança,

Com a queixa, a paga vera

Dos outros, os maus

Que pretensamente lhe encheram

A via dos calhaus

Que os passos lhe tolheram.

É o que leva a que atenção demande

Esta criança grande.


Jamais responde, refece,

Por nada do que acontece.


Não quer ver que apenas atrai

O que já dentro do peito

Lhe mora e vai

Moldando o jeito.


Quem violência traz,

Violência atrai atrás.


Os maus não existem, pois.

Os indivíduos,

Os eventos

São atraídos

Por quem sois,

A todos os momentos.


São meios de que o céu dispõe

Para nos fazer vivenciar

O que se supõe

Que teremos de experienciar

Agora, neste lugar.


Em vez de o entender

E de escolher mudar,

A me responsabilizar

Por cada evento que houver

De atrair

E perseguir,


A fim de limpar o peito

De atitudes negativas,

De desculpas e de esquivas,

- Em vez disto tenho o jeito


De passar culpas aos mais,

Lamentar a sorte,

Vitimizar-me de morte,

Às queixas e aos ais.


Para ter atenção,

A criança que cresceu

Deve mudar de tenção,


Ganhar maturidade

No terrirório que é seu,

Tomar em mãos charrua e grade

Na lavoira que haja à entrada

Desta jornada.


Muda, interioriza, medita,

Encontra teu imo,

A verdade a que ele incita,

Vai ao cimo,


Ao amor incondicional,

E receberás toda a atenção

De que tiveres precisão

Na vida real.



Entra


Entra em cada pessoa,

Entra-lhe dentro,

Do imo no centro,

No coração põe-lhe tua consciência que o abençoa,

Nos olhos de cada qual,

Tua mente a colher-lhe o sinal.


A ver como vê a vida,

Este mundo

Como a ti te vê.

Se é um amigo que com tudo lida,

Vê pelos olhos dele o solo fecundo,

Fica aí de pé

E medita na fundura dos lemas.

Envolver-te não temas,


Sai de teu posto,

Abandona as defesas, o insensível rosto.


Vê pelos olhos dos outros então,

Pelos olhos de quem são.


Que desejam,

Que lhes daria melhor viver?

Não com que é que mais confortáveis vicejam,

Mas com mais qualidade

De ser,

Mais tranquilidade,

Mais calma,

Mais alma.


Que fazer

Para virem cá para fora

Na festa de viver

Cada hora?


Podes saber

E ajudar.

É só ver,

A partir deste lugar,

Como corre o mundo quando cada qual nele aflore

A correr para melhor.



Gosta


Gosta das pessoas,

De cada qual,

Das almas delas.

Se não gostas porque não são boas

E têm defeitos por fanal,

Encontra nelas as estrelas.


Encontra o imo de alguém,

Descobre que o atraíste

E ele a ti.

A isto o acaso não convém:

À terra que vos aliste

Ambos vieram, sem frenesi,

Realizar o que quer que seja

Juntos, como o céu almeja.


Havendo que cumprir,

É melhor com qualidade,

Resoluta sinceridade,

A harmonia que se lograr conseguir.


Ama as almas das pessoas,

Ajuda-as a desistir

De às cegas resistir,

Abre o caminho a gestas boas,

Às loas

Que virão,

A seguir,

Da aceitação.


Troquem, amigos, pontos de vista,

Façam alianças pessoais

Nas quais,

A par,

Quando cada um invista,

Ambos se vejam a ganhar.


Como não há dia

Da luz sem o calor,

Não existe alma que não queira harmonia,

Não existe uma que não queira amor.



Triste


Quando alguém de quem muito gostas

Te fizer mal,

Não dês respostas,

Fica triste apenas, como é natural.


Acolhe tua dor a sofrer

Pelas almas que não se logram entender.


Fica apenas triste,

Se for muito triste, chora.

O choro que então persiste

É bem-vindo a qualquer hora.


E mostra tua tristeza,

Explica como dói

E que beleza

Quando de vez se foi!


Convida qualquer alma a abrir

O coração,

Sem mágoa a ferir,

Sem julgar tenção.


O que estraga o relacionamento

É o julgamento.


Não abre o coração alguém

Porque julga o outro, o de além.


E, porque o julga,

Julga que o outro o julga também

E tal mantém

E divulga.


Então fica zangado

E julga mais ainda.

E o círculo vicioso alimenta, acelerado,

Mais sentença advinda.


É o pendor

Do círculo da dor.


Depois de mostrar como te dói,

Pede ao outro para abrir o coração

Por ti,

Para harmonizar o que te mói,

Interiorizar, em ti e nele, cada acção

Por ti.


Dele receberás um favor

Que te revelará o outro como ele for

Em si.


E vais agradecer

E que há quem opere algo por ti

Irás então para sempre saber.

Vais receber

E de novo agradecer.


E os outros i-lo-ão sentir

E farão mais ainda

Ao teu encontro ao ir.

E mais agradeces cada vinda.


É o trilho que te leva ao que te agrade,

O círculo da felicidade.



Tango


Descobre o tango que outrem dança:

O oprimido é já oprimido

Antes que o opressor o alcança

E o opressor já o é antes de o ter atraído.


Para quem vê de fora,

É incrível

Como alguém oprime a toda a hora

E fica impunível.


É que eles encaixam na dança

A dois,

Pois

Sozinho ninguém o alcança.


É só entender

A lógica de cada um,

Em cada dois há-de sempre haver

Algum

Campo que converge

E outro que diverge.


É do livre alvedrio

Escolherem a área boa,

Onde arde de luz um fio,

Para partilhar a vida que se lhes doa.


Mas podem escolher

O campo de escuridão

Que os une num pendor qualquer

E multiplicá-lo até à exaustão.


Todo o entendimento ou nenhum

É escolha de cada um.


Para lograres entender

De cada um os pólos,

O tango desvenda que houver

Na dança de espertos e tolos,

Basta desmontar

Que lado é que tem lugar.


Quando cada um entende

Que doutrem encaixa nas limitações

E que para sair delas tende,

Talvez consigam depois,

Os dois,

Com as intenções

Acordadas,

Sair de lá de mãos dadas.



Energia


Que energia te faz avançar,

A do amor ou a do medo?

É este o único par

Que mexe da matéria no segredo.

E a única atitude a ter

É escolher.


Escolhes o amor

Ou escolhes o medo,

Escolhes da luz o fulgor,

Ou da escuridão o degredo.


Se tens saudade de alguém,

Evoca-o com amor.

Se doer, mesmo na dor

Podes amá-lo ainda também.


Quando sofres pela falta,

Pela dor de o não ter,

É o teu medo, em alta,

A te tolher.

Medo de o não ver jamais,

De o perder.


Ao invés, se pelo amor incondicional vais,

Pensa apenas em quanto o amas,

Embora longe esteja,

Noutras tramas

Se veja.


Sente o amor

Profundamente,

Frui-lhe o fulgor

Somente:

O peito enche-se de luz,

A tristeza se esvai.

O manto de negror

Que te reduz

De teus ombros cai.


Quando estás triste, magoado,

Infeliz, angustiado,


É o medo.

Medo de sofrer que te põe quedo


E rejeitas a dor

Que o evento te vier propor.


E rejeitas o evento.

Mesmo aí, porém, podes escolher

O amor como teu intento.

Cuida que o que ocorrer

É um veículo mero

Para as lágrimas de teu desespero.


As lágrimas estariam há muitas jornadas

A pedir para serem derramadas.


Eis a oportunidade de chorar,

De uma dor acaso muito antiga

Vivenciar

Num mistério que nosso imo mal lobriga.


Como escolhes o amor,

Amas a consciência que tens hoje

De que os eventos tristes têm a cor

Do luto antigo de quem doravante já não foge.


Fazes o luto,

Amas a consciência,

Amas o Cosmos que te traz tal produto,

Amas-te por entender tal ciência.


Amas os Céus

Por te ensinarem os parâmetros seus.



Jesus


Quando Jesus por aqui andou

A espalhar a Mensagem

De amor, paz, fraternidade

E solidariedade,

Muito escândalo rebentou,

Muitos reagem

Aceitando e seguindo,

Muitos mais O ignoraram,

Até maldisseram,

Fingindo

O que não eram,

Houve os que O esbofetearam

E tantos Pilatos que as mãos lavaram,

Houve quem O provocasse

E chicoteasse.


E houve quem O amou

E perdeu

E a perda tanto doeu

Que até hoje perdurou:

Há quem jamais recuperou.


Ora, se olharmos bem,

Tudo isto ocorreu

Do lado de fora, do que nos vem

Da matéria, do que nela se percebeu.


Uns riram-se de Jesus,

Outros choraram por Ele,

Mas ninguém à própria luz

Fez nada por que ela apele:

Ouviram dEle a palavra,

Não a transformaram na sua própria lavra.


É por isso que Ele volta,

Dentro de cada qual luz à solta.


Quer que em nossos transformemos

Dele os termos que entendemos.


Jamais como um homem vem,

Com a forma da matéria.

De olhar para fora não vai ter ninguém,

Para reparar na mensagem sidérea:

Como energia advém

A incendiar corações, feliz e séria.


Quer entrar em teu coração

E, ao levar-te a olhar para ela,

Vais olhar para dentro de ti

À janela

Do desvão

Onde o Infinito te sorri.

Ouvi-Lo-ás dentro de ti,

As palavras dEle são tuas,

Os pensamentos, teus.

Ao amá-Lo vais amar-te em tuas ruas:

- É o maior milagre dos céus.



Queres


Queres coisas desde criança.

Quando pequeno, eram muitos amigos,

Não ter aulas nem ser chamado, abrigos

Da ribalta contra a dança.


Em adolescente, era a paixão

Que querias correspondida,

Mais ser livre em próprio chão,

Sem os pais a pôr-te a brida.


Em adulto, é um bom emprego

E ter dinheiro

Mais um patrão que, em sossego,

Tudo pague por inteiro.


Quanto mais a vida passa

Mais coisas teu braço abraça.


Queres ser reconhecido,

Diferente,

Que te aceitem, bom partido,

E te aplaudam logo à frente.


Crês que pode acontecer

A quem do poder tem as dragonas:

É o que então irás querer.


Tudo quanto ambicionas,

Quanto teu ego deseja,

São máscaras, matrafonas

Do seguro que se almeja.


Não aguentas inseguro

Te sentir,

É um aflitivo apuro,

Doloroso, sem porvir.


Arrastas contigo memórias

De antanho,

Tiveste do poder glórias

De segurança com ganho.

Ou não tiveste poder

E difícil tudo veio a ser.


Crês que o porvir

Se alcança

O poder ao perseguir

A tapar a insegurança.


Como tudo isto é memória,

O poder que se lograr

Não satisfaz, é vanglória,

Ilusão a se mascarar.


É que só procuro ganho

Num poder conforme ao de antanho.


Então

Cresce a insatisfação.


Quanto maior o poder,

Maior a insatisfação,

Já que este não devia ser

O poder que tenho à mão.


Vim à vida para prescindir

Dum poder tal,

Dele a memória elidir

Visceral,

Para harmonizar o excesso de outrora

Com a restrição de agora.


Quão mais tal poder perseguir

Mais impotência irei atrair.


Quão mais aceitar toda a vivência

De impotência,


Por mais que doa,

Mais uma pessoa


Da própria essência se aproxima,

Da energia original,

E mais segura, neste clima,

Se irá sentir, afinal.


E mais se aproxima

De quem olha por ela lá de cima.



Ligações


Nunca das ligações te esqueças.

Cada ser que te cruza o caminho

Tem alma com que tropeças,

Da tua ligada à brancura de arminho

Algures na imensidade

Da eternidade.


E há-de ter,

De ti a par,

Algo a te dizer

Como jamais outro qualquer,

Algo a te ensinar.


Combinaram lá em cima

Que um com o outro iriam

Aprender o que deviam.


E há um ser a que se arrima

Mais teu imo, ali ligado

Mais que a qualquer outro lado.


Vem ser o companheiro

De todas as horas,

Dos bons e maus momentos sinaleiro

Onde te demoras.


A função

A que se apresta

Das almas a junção

Será esta:

Irem os dois, lado a lado,

O caminho a percorrer.

Apenas o fado

De ser.

Dois trilhos de pegadas numa estrada,

Mais nada.


A trocarem energia,

A partilharem experiência,

Sem dum ego a gritaria,

Sem defesas, obstruções nem carência.


Serão dois,

A partilhar um caminho,

Pois.

E já nenhum vai sozinho.


Qualquer alma é quem é

E na doutrem respeita o que for.

Apenas isto a ter de pé

E como é um ror!


Nem sempre, porém, chegarão

A tal nível de evolução.

Há muita defesa,

Muita resistência,

Muito ego de que cada qual é presa.


O caminho perde a evidência,

Não o logram ver

Nem ver na trilha

O outro que o partilha,

Nem a si próprios se verão sequer.


Neste caso, a seguir,

Estas almas não conseguem evoluir.

Até podem viver juntas,

De nada adianta.

Não há emoções nem perguntas,

Nenhuma comunhão se implanta.

Não há partilha,

Apenas dois corpos a pisar uma trilha.


Repara, ao invés, noutrem tal se fora apenas alma,

Retira-lhe o corpo, a roupagem,

As defesas que lhe mentem calma,

A resistência que lhe tolhe a viagem,

Retira-lhe o apego,

O ego.


Verás que então se reduz

A luz.


Faz o mesmo contigo,

Retira tudo,

Reduz-te da luz ao abrigo

Sortudo.


Então,

Desavenças, tristezas, ressentimentos, mágoa

Não são

De alma nem luz nem água.


São do corpo, da matéria

Que tem medo.

Qualquer alma enclausurada na miséria

Dum corpo que a luz não tem por credo,

Agrilhoada no cofre,

Sofre.


Quando encontrares alguém,

Retira-lhe da matéria tudo,

Tenta sentir-lhe que alma tem,

Sente-lhe da luz o brilho agudo.


Olharás de forma diferente

Para as pessoas.

Alma nelas sentirás urgente,

Comunhão, cantarás loas

À partilha do caminho

Onde antes ias sozinho.


Vais sentir a energia nos braços teus,

Sentirás Deus.



Voz


Poderás ser a voz de Deus na terra.

Não serás o primeiro

Que a tal se aferra

Nem o derradeiro.


Serás, porém, uma voz importante

Na medida em que em tuas lavras

Entendas a relatividade inebriante

Das palavras.


Serás a voz, não pelo que disseres

Mas pelo que sentires.

No teu imo ao conferires

O que queres

E vires,

Serás Voz na medida

Em que, ao sentir profundamente,

Consigas emanar na vida,

Resplandecente,

A luz

Em que o Todo se traduz.


Na medida em que fizeres, cada dia,

Os mais sentirem tua energia.


Na medida em que ajudares o que os conduz

À sua própria luz.


Não são do que disseres os matizes,

É a postura que colocas no que dizes.


É a luz que acender

Tal dizer.


É a emoção a fertilizar os ermos

Provinda de teus termos.


Podes ser a voz de Deus no mundo,

Não pela importância que te traz,

Mas pelo compromisso que te requer, fundo

E capaz.


De Deus para na terra ser a voz,

Terás de a ter em ti, antes e após:

A voz Dele, a energia,

A atitude neste chão,

A luz que dEle emergia,

A inspiração.


Para ser na terra a voz

Urge sentir todos os laços e nós,


Como sentes o arrebol

Dum dia de sol,


Como sentes a dor infligida

A qualquer alma traída,


Como sentes a imensidade

Do tempo, do espaço, da eternidade...


Ser humano, porém, é limitativo.

Mas treina, medita, opera,

À tua energia original acede, decisivo.

Deus aguarda ali, à tua espera.



Protegido


Sentir-me protegido

É contar com Deus,

Contar com o Além, às alturas subido,

Para na passagem me ajudar, rasgando os véus.


Por onde a vida passa,

Pelo que eu passar na vida

Contarei com ajuda de graça

Na subida.


Lá de cima

Muito podem orientar.

Conta com eles para te guiar

Em cada clima

A respirar,

Em cada caminho

A tomar

Das agruras no cadinho.


Tudo o que tocares fora de ti

De dentro de ti tem de sair,

Ou não tem utilidade em si

Para apontar ao Infinito no porvir.


Embebe teu caminho do céu com a luz

Para haver tempo de tua luz brilhar.

Vai lá acima, em perguntas te traduz,

Entrega cada tema, cada conjuntura e lugar.


E sente deveras

O rumo do vento por que esperas.


Cá em baixo, subtil e devagar,

Ele é quem te irá guiar.


Cada conjuntura

Tem uma energia,

Uma postura

E a magia


É contar com o Além a te guiar

Para onde poderá correr

O que te transmudar

Numa maravilha qualquer.


É que estamos aqui

Para nos transformarmos.

Vós todos, protecção pedi

E o caminho intuí!

É bom adivinharmos


Que, com a bênção dos céus,

Um homem, fecundo,

Vai até ao fim do mundo

Com os passos de Deus.



Estrutura


Há uma velha estrutura a pesar,

A travar quem queira ir,

Não te deixa avançar,

Evoluir.


Tal estrutura é o malfadado

Passado.


É quem foste naquela hora,

O que sentias,

O que pensavas outrora

Ao calcorrear tuas vias.


Acúmulo de conceitos,

De julgamentos de acção,

De preitos

À vitimização.


Desfiar de culpa, medo,

Ressentimento, desassossego.


Todo o peso que não confere

Com quem és hoje

Mas que ainda aí está e te fere,

Pronto a explodir.

Nunca foge,

Antes seus valores fará sentir.


Livra-te do passado,

Não és hoje quem eras antes.

Tudo muda acelerado,

Aproveita os instantes.


De quanto é inerte

Tenta desprender-te.


A cada acção,

Pressentimento,

A cada situação,

Investe no novo elemento

Em que te vens tornando,

Com nova consciência,

Novos valores de comando,

Nova forma de pensar, nova essência.


Que sejas tu, de pé,

Que em ti se aloje.

Quem és, sê,

Hoje!


Pode não conferir

Com teu passado existencial.

Estamos na era do devir,

Não faz mal.


Um dia acordarás,

Olhar-te-ás ao espelho

E verás

Como do ser velho


Que baste

E que te mente

Noutro luminoso te tornaste,

Infinitamente.



Dádiva


Se reparas que nada é teu,

Que, quando vens à terra, nada tens

E, quando dela partes, nada levas,

Que, por direito, nada jamais te pertenceu,

Tudo o que te chega é uma oferta de bens

Que a vida te faz, luz nas trevas,

- Vais começar a olhar da vida a esteira

Doutra maneira.


Se cuidas que vai acontecer

E não acontece,

Se esperas que um caso vai correr

Num sentido que depois lhe falece,

Deixando-te frustrado

O resultado,


Se queres os eventos de certa forma

E eles teimam em obedecer a outra norma,


Se queres alguém a reagir num pendor

E outra é a ladeira por onde for,

- Com teu querer sumido

Findas desiludido.


Não era assim que esperavas

O jogo em que entravas.


Porém, se nada é teu nem ninguém sequer,

Como podes querer?


Como cuidas que podes manipular

A teu bel-prazer o que se te deparar?


Porque julgas que a vida toma a peito

O que te dá mais jeito?


É a vida que te dá tudo,

Desde o ar que respiras

Ao que vestes, do interior ao sobretudo,

Os filhos que tens e por que aspiras,

Os amigos, a educação,

Dinheiro, emprego, qualquer relação...


Já reparaste na quantidade

De pessoas e bens

Com que a vida te agrade

E que deténs?


Porque é que, com falta de ar,

Ficas a olhar

O que não tens?


É que, em teu apego,

Querias ter.

Ora, querer

É apenas ego.


Crês-te com direito a coisas incontáveis,

Mas em nome de quê?

Quem tas deu, as coisas desejáveis?

Quem com falcatruas,

À falsa fé,

Te convenceu de que eram tuas?


Foi teu ego que te encheu

A cabeça com a ilusão

De que é direito teu

O teu quinhão.


Ora, ao invés, esquece tudo,

Desliga-te até ao ponto zero.

Dono de nada é o que és, sobretudo,

Já que tudo é da vida, o dono vero.


Agora, devagar,

Tudo o que a vida já te deu

Começa a percepcionar,

O dom do céu.


Começa a ver, uma a uma,

Cada coisa, cada indivíduo, cada emoção

Que a vida disponibilizou, em suma,

Para pôr-te à mão.


E tenta sentir gratidão

Por tanta coisa já recebida

Em que, afinal, se resuma

Tua vida.


Deixa, com jeito,

A gratidão crescer no teu peito.


Jamais, nesta joeira,

Verás a vida da mesma maneira.



Depender


Não depender é o segredo.

A meu imo um dia findarei tão fundido,

Sentir-me-ei tão preenchido,

Tão satisfeito e sem medo

De minhas emoções,

Tão realizado por findar liberto

De tentar ser o que aos sacões

De mim esperam decerto,

Que, finalmente, em meu íntimo sigilo,

Me sinto tranquilo.


E a minha vida, serenamente em seu fito,

Ruma ao infinito.


Já não desejo nada,

Não tenho sonhos?

Tenho desejos de enfiada,

Ânsia dos medronhos

Dum pomar

Que há-de haver noutro lugar.

Tenho ânsia de que tudo esteja

(Conforme o que se deseja)

A melhorar.


Então que é que mudou,

Qual a diferença de quando desejei

Tapar o buraco que em mim se cavou,

Sentir-me seguro com pé no que terei,

E agora que, depois de aceitar,

Ainda quero o que houver cá neste lugar?


É que cortei a dependência:

Agora, que me sinto completo,

Para ser feliz com evidência,

Já não preciso daquele tecto.

Para a plenitude que ando vivendo

Já de nada dali dependo.


Se as benesses vierem, que bom!

Gostarei delas.

Mas delas já não depende a emoção,

A vazia sensação

De não poder aguentar as sequelas

De, por fim,

Não virem até mim.


Penso no que quiser

E, depois, no que irei sentir

Se o não obtiver.

Se me sentir bem apesar de o não fruir,

Se me sentir tranquilo,

Já não dependo emocionalmente

Do que houver fora de meu silo,

Fora de meu íntimo, de meu ente.


Porém, se ao pensar

Que nunca terei acesso

Ao que desejar,

Ficar possesso,

Deprimido,

Como se o mundo tivera acabado,

Cuidado!

Meu imo está vazio de sentido,

Minha interioridade chora.

Ando morto por entre vivos:

- Preciso, sem demora,

De cuidados intensivos!



Medo


Tu queres, mas tens medo,

Medo do risco,

Do fim do sossego,

Medo do mergulho fora do aprisco,

Do ignoto no pego.


Entende então porque é que queres,

Porque precisas que o desejo se concretize.

É ser aceite que requeres

Ou ficar seguro é o que teu anseio vise?

É para ser feliz,

Para erradicar a insatisfação de raiz?


Nada do que vem de fora

E que te ilude

Te poderá trazer, em nenhuma hora,

A plenitude.


Sempre que algo desejas

Porque te sentes mal,

Arranja forma de que te vejas

Sentindo-te bem, no final.


Trata de ficar melhor,

Medita, faz terapia,

Trepa ao que superior em ti for,

Chora,

Explora

Qualquer via

Quando interiormente o que dela vem

Te fizer sentir bem.


Quando tiveres melhorado,

Te sentires feliz,

Equilibrado,

A ti próprio diz

Então:

- Ainda quero avançar com esta acção?


Se a resposta é negativa,

Querias uma acção de fora

A ver se internamente te melhora

Tua frágil alma esquiva.


Não iria resultar,

Andavas a fugir

Da fundura do lugar

Donde a questão vinha a surgir.


Se te obrigas a ficar bem

Com meditação,

Interiorização,

Reajustando a postura interior

Um pouco mais além,

Estás a validar o teor

Do teu

Mais elevado apelo do céu.


Tudo se cura de denttro para fora,

Do interior para o exterior,

Seja o que for,

Seja qual for a hora.

Jamais o itinerário

Será o contrário.


Com teu não

Livraste-te duma estéril acção


Que de nada iria servir

Senão para teu tempo veres partir.


Se a resposta, porém, for sim

Apesar de estares bem,

Se ainda queres desvendar novo confim

Mais além,

Então é uma intuição,

Rasgaste o véu,

É uma comunicação

Com o céu:

Aquilo confere, radical,

Com tua energia original.


Podes avançar,

Por mais difícil que seja a jornada

Nunca te há-de afastar

De tua própria estrada.


Seja o caminho qual for,

Irá participar

Dos férteis rebentos de tua vida interior.



Pêsames


Os meus pêsames por ainda não saber quem sou,

Por não me ouvir,

Por não me respeitar nem respeitar por onde vou,

Por me iludir.


Iludir-me com o que cuido que serei

Ou gostaria de ser,

Cosmética que me dei,

Uma mecânica qualquer

Sem alma,

Sem imo

Na fundura calma

Nem no cimo.


Nunca interiorizar

Faz-me mais mal

Do que algum dia poderei imaginar,

Afinal.

Não ir aqui dentro,

Ao meu peito

Onde um coração bate ao centro,

Donde jorram sentimentos em rio sem leito.

Nunca entrar em contacto com meu imo,

A fundura de meu ser,

Não tocar de meu âmago o cimo,

O abismal e luminoso que mora

No íntimo de quenquer

A toda a hora.


Nunca ouvir minha voz interior,

A que traz da vida eterna

O chamamento e o vigor

Da vida que não morre, tísica,

Na caverna

Física.


Não mergulhar na profundeza de minha vida

A ganhar discernimento espiritual

Do que é bem e do que é mal

Para mim, à minha medida.


Nunca olhar para além,

Para o Infinito,

Nunca lhe entregar, como a uma mãe,

Nada para ele cuidar e proteger neste meu grito.


Nunca lhe fazer perguntas

E olhar para a vida depois

À procura de respostas que, ali juntas,

Brilham como sóis.


Ao não fazer nada disto

Farei o céu chorar,

Amargo, no que existo,

Larvar.


E o céu tem esperança

De que, sofrendo eu de insatisfação,

Ignorando o porquê do que me alcança,

Não me sentindo amparado

Nem protegido quando tombo no chão,

Sentindo o nó no peito que nunca é desatado,

Um dia venha a olhar

Para o Além que me chamar.


Aí, então,

Irei sentir o calor

Dum vulcão

De amor.



Risco


Maior risco

Pode atrair,

Como um isco,

Maior recompensa, a seguir.


Cada risco que correr teu passo

Em busca de vitória

Tanto pode redundar em glória

Como em fracasso.


Nada depende ali

Do resultado

Mas de como o risco for por ti

Encarado.


Se avanças de fora para dentro,

Calculando o que te irá trazer,

Se teres controlo é teu centro,

De antemão

A rever

Proventos que daí advirão,

Se avanças embrenhado

No resultado,

Não vai ocorrer,

Não te colocaste na acção

Mas no proveito em questão.


O foco de teu apuro,

Entretanto,

Está no futuro,

Portanto.


Tal futuro não é teu,

Não adianta que o pressiones,

Que o prevejas, sábio ou sandeu,

Que o controlem teus gestos insones.


Como tua expectativa tens alta,

Quando o real te piora os resultados,

Sentes a falta,

A desilusão dos condenados.


Ao invés, quando arriscas, porém,

Por uma inspiração

Que de dentro te vem,

Quando, do presente no chão,

A vida te pede

Que arrisques, então

Cede.


Quando estás tão centrado

Que nem te ocorre

Fugir do risco

Para algum lado,

Então corre,

Salta do aprisco.


Quando entendes que a comunidade de que és fruto

E cada um dos que a compõem

Não devem viver nem mais um minuto

Sem aquilo de que teus actos dispõem,


Quando tens vontade de arriscar

Pela faísca interior, povo do céu,

Para ela melhor chegar

Ao que cada qual melhor tiver de seu,


Se teu arriscar abrir caminhos,

Iluminar almas na noite escondida,

Confortar corações sozinhos,

Der rumo à vida,

Emocionar alguém,

E te fizer feliz também,


Avança, está na tua hora,

Tudo se conjuga e harmoniza,

Arrisca sem demora,

Divisa

Que sempre os bons e grandes riscos

É que construíram o apuro

Das grandes pontes com os iscos

Do futuro.



Sensibilidade


Activa a tua sensibilidade,

A maior,

Para te aperceberes de tudo quanto te invade

Em teu redor.


Para captar os sinais,

Para que entendas que não são visíveis

Porque ocorrem, antes de mais,

No teu interior,

Discretos mas indefectíveis.


Apreende tudo com tua sensibilidade-mor,

Chora,

Se preciso for,

Mas da emoção daquela hora

Nem sempre o choro é de dor.


Activa a máxima sensibilidade

Para apreender

O que estiver a ocorrer

Porque, na verdade,

Está para além das palavras,

Dos sons, das formas.

De energia pura são as lavras

Onde arroteias aquilo em que te traansformas.


A sensibilidade, pois, activa

E aceita.

É um dom, embora seja esquiva,

A esconder-se atreita.


Quando como sensível te reconheceres,

Vai lá acima,

Trepa ao mais alto que puderes,

Acolhe das alturas o clima,

A energia que te abençoa.

A vida e seus impérios,

A partir daí não mais à toa,

Deixará de ter mistérios.



Integrado


Integrado no grande espírito do Universo,

Decidiste encarnar-te, raio de luz.

No corpo dum bebé serias o reverso

Que um outro mundo aponta e traduz.


Ao viveres num corpo autónomo, porém,

Esquecerias tudo.

Do esquecimento o manto que advém

É implacável e mudo.


Só um nada te é pedido

Que não esqueças jamais:

Podes ignorar o convénio urdido,

Falhar a missão por demais,

Bloquear as emoções, a seguir,

Nem chegar a evoluir...


Teu limite singular

A isto se reduz:

- Não deixes apagar

Tua luz.


Tudo pode ocorrer,

Que tudo vague

Até pode ser,

Não deixes, porém, que ela se apague.


Ficarás cego, surdo e mudo,

Mas não te esqueças do essencial:

Fazer tudo

Ao alcance de teu fanal

Para nunca, nunca deixar

Tua luz apagar.



És


És emoção, és mente, és acto

E, por trás de tudo, és tu,

Unificador espírito do todo, cordato,

Alma da fundura a nu.


Apenas atinges a harmonia

Se equilibras em ti as três vertentes.

Tal não é, porém, teu dia-a-dia:

Nos homens mandam as mentes,

Os outros lados

São por este controlados.


Quando estás triste,

Pensas: - ”Que disparate!

Não sei porque tal tristeza existe...”

E tentas acabar com o dislate.


Manipulas a emoção presente

Com tua mente.


À dor ordenas que deixe de doer,

Já que a não logras entender.


Bloqueias teu fluir emocional

Que te iria levar,

Afinal,

A algum lugar.


Quando sentes o chamamento,

A energia das profundezas a iluminar,

Quando as coincidências te dão alimento,

Quando a vida te desfila a par

Com cada evento

Inusitado,

Iluminado,


Quando sentes a luz,

O Deus que em teu imo se te traduz,


Logo cuidas que andas a inventar,

A alucinar.


E cortas

E travas

Tuas portas

Da sensatez com as clavas.


É tua mente a impedir

Teu coração espiritual

De conseguir

Manifestar o sinal.


Porque és energia

E a energia se manifesta.

Por cada pendor derivaria,

Que a todos se apresta.


Não deixes que a mente domine,

Harmoniza.

Pensa bem no que te define,

Que nada ao mais imponha a própria baliza.


Sente

E o que sentes respeita.

Intui o que te vem dalém da mente,

Segue tua luz a mil surpresas atreita.


Serás harmonioso,

Equilibrado,

Serás feliz no gozo

Dum fascinante outro lado.



Verso


O espírito do Universo

Do fundo de mim

Declama o verso

Dos que cruzaram a fronteira do fim:


Já te disse alguma vez

Que te amo,

Que sinto o que sentes, choro o revés

Como a vitória aclamo?


Que tenho saudades de ti,

De te ter ao pé de mim?

Que tua falta me retalha a bisturi

E sem tua luz é noite em meu confim?


Nunca te contei o que vivemos juntos

Cá em cima, antes de encarnares.

Foram tantas vivências, tantos assuntos,

Quando fundidos nestes outros patamares!


Cá em cima o que sempre senti

É que nada é o mesmo sem ti.


Não é o mesmo sem teu brilho,

Sem tua vontade de descer à terra

A encarnar o trilho

Que a tua missão descerra.


Aguardo o teu regresso

Para descansares do sofrimento

De dar à luz o processo

Do mundo novo em crescimento,

Para brincarmos juntos outra vez,

Brilharmos como jamais alguém o fez.


Espero que demores muito ainda na terra,

Só Deus sabe quando virás,

Mas sabe que alguém cá em cima se te aferra,

Fazes falta à leira de nossa paz.


Fico à tua espera,

Demore o tempo que demorar,

Para, no fim de tua era,

Nosso abraço do luz compartilhar.”



Consegues


Se não consegues o que tens de fazer

Por respeito pelo que és,

Fá-lo primeiro pelo Deus que em ti houver,

Por quem talhou o trilho de teus pés,

Pelo amor incondicional que por ti tem

Como por quantos como tu que à vida advêm.


Primeiro faz para ti, por eles.

Depois, ao começares a sentir

O vento da mudança que impeles,

Começas a entender o porvir.

Vais começar a render-te.

É a parte

Solerte

De a ti próprio encontrar-te.


Desde que sejas livre, fiel a ti.

Ama-te Deus, sente o que sentes,

Sofre o que sofres aqui.

Apesar de saber de todos os entes,

Por ti não pode escolher

Nem te pode aliviar

Do sofrimento que houver

A suportar.


Ama-te por te responsabilizares

Por tua vida, por tua energia,

Por reparares

Que a conjuntura que te desafia

Provém de pendores

De escolhas anteriores.


Ama-te por te entregares ao céu

E ao teu coração,

Despenalizando o resto, mero véu

Sobre um desvão.


Por sentires ama-te

E por O sentires.

Devém ciente desta relação e conclama-te

Para neste acordo prosseguires.


Depois começarás a habituar-te

A fazer para ti por ti.

É o tempo do âmago, destarte,

Da infinita fundura que em ti vi.


Tudo volta a fazer sentido

E compreendes, de assentada,

Por aí,

O motivo escondido

Da longa, longa estrada

Que te trouxe até aqui.



Aparte


Quando te olhas todas as manhãs

E tentas aceitar-te,

São do amor os afãs

Por Deus, neste aparte.


Quando te alimentas adequadamente

Para teu corpo não adoecer,

É teu amor presente

Pelo Deus que em ti houver.


Quando te ofereces

Pequenos presentes

Porque tu mereces,

Porque Ele merece, entrementes,

Que mereças as benesses,

É teu amor secreto

Pelo Deus que mora por debaixo de teu tecto.


Quando atinges a maioridade do ser,

Quando O atinges nas alturas,

Quando com Ele sonhas um sonho qualquer

E Lhe sorris no que configuras,

É o teu amor

Pelo Deus que for.


Sente apenas por Ele

O amor que te impele.


Cada lagoa que olhas

Ele, afinal, é que antolhas.


Cada pôr-de-sol,

Cada estrela cadente

Que contemplas no rol

Que o êxtase te acrescente

É a maneira de Lhe oferecer

Um pouco de tal prazer.


Cada memória que tens, tem-na por Ele,

Por Ele faz quanto fizeres.

Quenquer que abraces mais fundo que a pele,

Cada olhar que tocas de prazeres,

Por Ele o faz,

Por Ele ama

Como Lhe apraz

No que te aprouver do amor a trama.


Deus não pode estar aqui

Mas sente a matéria por cada um de nós,

Por quenquer que honre o que sente em si,

A sós,

E que vê o coração voar

Rumo às alturas, autêntico e singular.


Cada vez que te aproximares

Fá-lo por Ele, fá-lo a pares.


Cada vez que, ao amar,

A luz de Deus utilizares

Para viver e contemplar,

Vais sentir-te mais

E mais vais dar.

E o céu e a terra tu vais,

Uno, unificar,

Então,

Por força desta singular

União.



Morte


Não temas a morte,

Tudo se resolve.

A morte é outra vida, doutra sorte,

Transformação da terra quando em céu se volve.


Aprendizagem e transformação,

Esforço e convicção


São parte soberana

De qualquer alma humana.


Cada dia que corres

Pelas horas que se te descontem

É um dia em que morres

Para o dia de ontem.


E nasces para o afã

Do dia de amanhã.


Que te aterra

Da morte no véu?

Morres para a terra,

Nasces para o céu!



Pára


Pára de O procurar

Na oração,

No altar,

Na procissão...


Ele mora aqui,

No fundo de ti.


Já não é, Aquele que adoras,

Uma funérea imagem.

Está vivo onde em ti moras,

É a tua energia de viagem

No fundão

Duma nova dimensão.


Dimensão que vais ter de explorar

Com um fascínio virginal antigo,

Em particular

Se quiseres estar nEle contigo.


Ele já não mora

Há muito tempo, há muito,

Na dimensão de outrora,

Episódio fortuito.


Já não mora aí,

Pelo menos como Ele quer que O conheças,

Inteiro, intemporal, tão em si

Que em ti o atravessas,

Energético, vibrante, intenso,

Um Eu de luz fulgurante, imenso.


Pára de O procurar fora,

Está sempre aqui

Dentro de ti

Agora.


Sempre que olhares para dentro

Irás vê-Lo

No teu centro,

De teu imo no escabelo.


Entenderás que já

Nos quadros com moldura antiga

Não está

Nem nas catedrais que o peregrino persiga.


Mora aqui

A fazer parte da energia

Dentro de ti,

A ajudar cada dia

A te encontrares, a sentires radicalmente

Quem és nesse abismo em ti presente.



Missão


A missão é de todos os dias.

Muitos cuidam que a missão deles na terra

É grandiosa, fantasias

De paz e guerra.

Outros cuidam que, afinal,

Deverá ser tarefa profissional.

Outros mais

Cuidam que a irão encontrar

Seguindo os sinais

De alertar.


Os sinais, porém,

Não são exteriores,

Nem algo que te advém,

Nem íntimos rumores

Que, de repente,

Te venham à mente.


Um sinal é, sobretudo,

Radicalmente,

Aquilo que alguém, de modo agudo,

Sente.


A verdade é que ninguém

Sabe em absoluto a missão que tem.


Vai-a conhecendo gradualmente,

Que é tão intrínseca, tão no íntimo labora

Que nunca pode começar, devir presente

De fora.


Nunca principia na matéria,

Nasce de dentro,

Nem principia na cabeça, que a mente fere-a,

Tem de vir do coração, quando nele entro.


O requisito primário

É que tem o formato

De itinerário

Em acto.


A busca principia dentro de ti,

A tentares conhecer-te,

A tentares modificar a atitude que haja aí

De modo que te desperte,

A seguir,

Para tentares subir.


Se te comprometes com tua busca pessoal,

Mais cedo ou mais tarde

Encontrarás o teu núcleo, afinal,

O que nas profundezas em ti arde.


E ele ganhará força, auto-estima, confiança,

Irá direccionar-te

Para o que te alcança,

De teu fito

A parte

Combinada no segredo do Infinito.


Devagar

Olharás cada qul nos olhos

Como a ti próprio vais olhar,

Desviar-te-ás dos escolhos

Dando afecto e carinho

A quenquer que te cruze no caminho.


Farás o luto da dor,

A tirá-la de teu peito

Para que o carinho a propor

Ao fingimento não preste preito.


No trilho de te encontrar e dar amor

A ti como aos demais,

Um dia, sem o prever nem supor,

De tua missão estarás no meio dos arraiais.


Então, em tal estrada,

Boa jornada!



Atitude


A missão é uma atitude.

Não é um caminho, a estrada

A que se grude

A caminhada.


Não é uma profissão

Nem implica edificar

No torrão

Onde mergulhar.


Também não é alguém

Nem de alguém um rastro,

Por mais que seja um astro

A iluminar além.


A missão é uma atitude, a postura

Com que praticas o teu dia,

Desde a intimidade

De teu lar à agrura

Da parceria

Na comunidade.


É uma atitude interior que muda,

Subtil, inefável,

Tão fina, tão aguda

Que de fora é quase indetectável.


A pouco e pouco principia.

Leva a olhar nos olhos quem comigo falaria,


A tocar-lhe, abraçar o amigo,

Tratar bem quem se amar, de meu ego ao abrigo,


Nunca a voz levantar

A quem de mim se aproximar...


Tudo isto é fruto

Da interior reconversão,

Conduto

Da missão.


Muitos cuidam que ela há-de ser grandiosa,

Espampanante, portentosa...


Até pode vir a ser

Se ampliares os abraços, os olhares,

O amor a oferecer

A teus pares,


Se criares

Comunidades de afecto.

Aí terás pela frente

A grande missão: o Infinito, sem tecto,

A chamar-te interminavelmente.


A missão não se descobre a pensar,

Revela-se a sentir.


No mais pequenino irás encontrar

O caminho

Para um dia chegar.

E então irás prosseguir

Sendo quem ilumina, adivinho,

Os sinais

Do caminho de todos os mais.



Tornaste


Reparra em quem te tornaste:

És mais carinhoso, tolerante, humano...

O que eras dantes recorda quanto baste:

Fechado, duro, pedra de todo o dano,

Resistente ao íntimo fluir,

Sem devir.


O caminho agreste

Vê quão já percorreste.


Que teu arquivo

Aliste

Quanto, a nível emocional e afectivo,

Já construíste.


Nem tudo ainda pronto está,

Ainda não chegaste lá.


Há, porém, mesmo um lugar

Aonde se chegar?


A matéria é dual,

Jogo de opostos,

Perfeito e imperfeito, afinal,

Persistem, ao espelho dois rostos

Contrapostos,

Como uma fatalidade,

Até à eternidade.


Não se trata, pois, aqui

De ser perfeito

Mas de ser menos resistente ao que intuí,

De meu imo pôr-me a jeito.


É o válido caminho

Para a lonjura do ninho.


Quanto menos resistente,

Mais aberto à emoção:

Chorar quando chorar é ponto assente,

Rir se de rir é ocasião,

Viver cada emoção que alimento

Plenamente

E sem julgamento.


Bem mais longe já estiveste,

Repara em quem te tornaste.

E vê como o céu que acolheste

Robustece cada frágil haste,

Mais forte a se propor,

Cada vez que te vais tornando melhor.



Sensível


À partida

É apenas que fiques sensível

A atitude requerida.

Para que do céu todo o intangível

Pelo teu corpo flua,

Pelo teu íntimo, como jeira

Onde actua

Em terra verdadeira.


Aceita que sensível és,

Pois tal é o cadinho

Onde todos temos de assentar os pés

Para cada qual encontrar o próprio caminho.


É o trilho mais longo,

O trilho mais puro,

Mas nele é que ouvimos o gongo

Do futuro.


Daquele em que ninguém pensou,

Ninguém à vida subtraiu,

Ninguém racionalizou

E assim intocado nas mãos nos caiu.


O roteiro da sensibilidade

Até à nossa extrema profundidade

É o caminho dos anjos que vêm à terra

Fazer avançar as populações.


Ora, não te lembras, perdido em ilusões,

- Mas podes ser o anjo que em ti se encerra.



Receber


O céu não quer receber

O que lhe queres dar

Porque não te dás a ti.

Contudo,

Vais-lhe querer

Ofertar

Tudo

Em teu louco frenesi.


Ora, ele só pode acolher

O que quer que seja

Se através de teu imo o receber,

Do núcleo mais profundo,

Raiz do inconsciente onde viceja

A fecundar o mundo.


Só quer prendas com alma,

Pois só com tua radical alma comunicas

Do céu com o fervor e a calma.

Tudo quanto, porém, por ele pontificas

Não tem alma porque não passa por ti,

Pelo filtro de teu imo,

Ali,

Onde verdeja de qualquer alma o limo.



Aquilo por que estás passando agora

É falta de essência.

O Cosmos joga-o fora

Para olhares para dentro:

Acolhe a evidência

De teu centro.




































3


Terceira Estrela
























Dá-lhes


Dá-lhes amor,

Dá-o a tudo e todos em redor.

Dá-lhes o amor mais profundo,

Dos abismos do imo,

E verbaliza-o, jucundo,

Corporifica-o da base ao cimo,


Diz quanto amas,

Toca, beija, abraça, fala.

A cada instante olha se o proclamas

Discretamente ou com gala.


Toca quantos cruzarem teu caminho,

Toca e transmite alegria,

Olha e conforta com carinho,

Sorri retemperando a energia,

Ilumina-te e transfunde esperança.


Toda a tua vida se irá transformar

A partir do que alcança

Aquele toque, aquele olhar,

Pelo que teu sorrir traduz,

Por tua luz.


Tua atitude

Faz que um pouco o Cosmos inteiro

Mude,

Um tudo-nada mais leveiro.

Todo ele vai mudar

Porque mudar escolheste,

Um pouco troca de lugar

Só porque a amar te deste.


E o céu, na altura distante,

Acolhe a força do que escolheste emanar.

Deus recebe, a cada instante,

O amor que vens dar.



Embora


Seja o que for que esteja em causa,

Deixa-o ir embora,

Da eternidade à conta. Sem pausa,

Sem demora.


Deixa ir tudo, deixa ir

Cada vínculo, cada pendor, cada relacionamento.,

Deixa partir,

Diz-lhes adeus a todo o momento.


Ao conforto te arrima

De que nos veremos mais tarde, lá em cima.


O tempo não existe,

Encontramo-nos já a seguir,

Mal não os aviste.

O espaço em que aqui nos enlacemos

E nos temos

Não existe,

Já nos vemos.


Deixa ir embora,

Deixa tudo se soltar

Agora

E a toda a hora.

Deixa-o ressuscitar

Por dentro de ti, de nós, do Universo inteiro,

Deixa-o voltar a crescer, fértil lameiro,

Deixa ir, devagar,

Para o céu,

Como devagar pulsa o coração,

Cerra do palco o véu,

Que, finda agora, agora começa deveras a função.



Comigo


Está sempre comigo

A cada minuto de meu dia,

Em minha noite abrigo,

Nos tempos difíceis em que cuidaria

Que estou sozinho.


Não,

Ele é o caminho,

Sempre aqui, dentro do coração,

A envolver-me de energia aveludada e branca,

Um amor telúrico, chão,

Que me alavanca.


Todos os tempos sombrios

São tempos de solidão

E de aprendizagem de trilhos e desvios.


Está sempre aqui

A guiar-me através da intuição,

Ao pé de mim, ao pé de ti.


Dele recebo a orientação

E transmito e vivo o que recebo,

É a nossa secreta comunhão.

Está sempre aqui, sempre esteve,

Mesmo quando O não concebo.

E saber disto, breve

Nos satisfaz

Na partilha duma infinita paz.



Imagina


Imagina que nada esperas da vida:

Recebes o que tem para te dar,

Apenas, de seguida.

A dada altura, ao calhar,

Tudo corre mal:

Entristeces, como é natural.


Não te zangas, pois zangar

É de quem crê que tem direito

E, portanto, toma a peito.


Ora, tu sabes que aqui, na matéria,

Só há direito ao que a atitude íntima conquista.

Mais nada se pode ter em vista.


Se algo de bom é a tua féria,

Como vês que não foste tu, de ti não vem,

Agradeces ao céu que te fez bem.


A gratidão, rompendo a treva,

É uma atitude que nos eleva.


Ao elevarmo-nos, da gratidão nas preces,

Atraímos mais benesses.


Descontraídos e com elegância,

Ainda atraímos mais abundância.


Quando alguém crê que foi quem conseguiu,

Tanto se orgulha, se centra na individual força

Que lho permitiu,

Tanto o ego reforça

Que, sendo este tão limitado,

Do infindo desligado,

Só atrai limitação.

Tudo tende a cair pesado

No chão.


Depois da grande glória,

A grande derrota

É a história

Que comummente o mundo anota.


Por isso, na estrada,

Por norma o verdadeiro escudo

É que quem não procura nada

Alcança tudo.



Ruptura


Queiras ou não queiras,

A ruptura existe

E tem de ser cicatrizada

De adequadas maneiras.

Após, mal o fim dela se aviste,

Tem de ser ultrapassada.


Entramos em ruptura

Quando se esgotaram as possibilidades,

Estamos fora da trilha segura

Ou o tempo do que se visou

De vez passou,

Findaram as oportunidades.


Em todos nós

Já os três pendores romperam laços e nós.


Ora, o que lá foi, lá foi,

Ocorreu, é passado.

Se até aqui se estender, destrói

Do presente o traslado.


O presente e o futuro

Que inauguro


Nada têm a ver

Com um passado qualquer.


O passado,

Enquanto morto e enterrado,


Nada tem a ver

Com quem és ou hás-de ser.


Corta,

Distingue e compreende

O que te prende,

Vergôntea morta,

E o que te rende.


Depois salta em frente.

Avança para realizares em teu fado,

Convictamente,

O que falta ser realizado.



Mártir


O mártir, ao sofrer,

Se cuida estar de Deus mais perto,

Com Ele criar empatia,

A querer

Que Ele se aproxime, num acerto,

Com pena ou compaixão por aquela mais-valia,

Desengane-se, que, enfim,

Nada é bem assim.


Quando estás triste, deves chorar,

Não deves fugir da dor.

É de a encarar,

Fazer o luto do que for.


É chorar,

Deixar vir a emoção

E ao céu tudo entregar,

Num abandono sem restrição.

Retirar a eito

O peso inteiro que houver no peito.


Se o mártir procura a dor

Cuidando que a dor purifica,

Busca-a então, a jeito a se propor,

Visando quão puro ao termo fica.


Deus não agradece

Nem sequer se aproxima.

Quem se martiriza é vítima, desfalece.

Quer atenção, ser mais e melhor que outrem, mais acima.

Quer ser o primeiro a levantar o véu

De chegar ao céu.


Ora, é fácil martirizar-se.

Difícil é tentar ser feliz

No meio da lonjura do disfarce

Que é da terra a matriz.


Todos têm de se tratar bem,

Escolher o que os amplia,

Não o que os reduza a um qualquer aquém.

Quem de si cuida nesta via

Cuida de seu imo, da essência,

E apenas um íntimo saudável

Se abre, por excelência,

Para Deus entrar, interminável.


Sofrer é bom quando a dor é tua

E tu a encaras,

Não de ser mártir para uma qualquer falcatrua

De perversas escaras,

Mas a fim de a limpares de vez:

- Que jamais volte a má rês!


Repara em quem és,

Não no que lá de cima um deus qualquer

Que te impingiram de través

Gostaria de contigo empreender.


Repara em quem de ser gostarias,

Um ser único, original, abundante de vias.


Tal ser que és de raiz

Não iria, em nenhum momento,

Ficar feliz

Procurando o sofrimento.



Culpa


O Céu tem-te dito o que fazer,

Difícil às vezes,

Um impensável qualquer,

Com mil reveses.


Ora é o simples e o singelo,

Ora o complexo, imprescindível.

Tentas corresponder ao apelo

Mas nem sempre o logras, de imprevisível.


E vem a culpa então:

Não fiz o que deveria...”

E dobras a questão

Bloqueando a tua via:

O problema de não teres feito,

Que é o que teu imo embaraça,

E a culpa a que ficas atreito

Que torna em ti a voz do céu escassa.


Em se, em lugar

De não fazer e te inculpar,


Em cada dia

Buscares a terceira via?


Se é de correr a maratona

E não consegues,

Que é mais desejável que venha à tona

No que persegues?


Não correres nada

Ou fazeres uns quilómetros de estrada?


Aqui, pelo menos, correste

Algo que preste.


Quanto mais correres,

Mais perto do destino final

De teus afazeres

De que o céu te deu sinal.


O impossível

É impossível por enquanto.

Se principias agora a parte atingível

E continuares outro tanto

Amanhã nesse caminho,

Mais perto estarás,

Devagar, devagarinho,

Do objectivo que o céu te traz.


Se não logras ainda perdoar,

Que é por ora um perdão à toa,

Podes acaso com mais amor tratar

A tal pessoa.


Tal amor não te cala

No peito?

Então podes ao menos tratá-la

Com respeito.


Repoisa,

Que podes sempre fazer alguma coisa.


Cada passo rumo à luz

É um passo que levas

De avanço no que traduz

Teu afastamento das trevas.



Acordo


Só podes aprender

O que com tua postura de acordo estiver.


Para aprenderes algo superior

Terás de te abrir

Em teu interior

Ao nível superior que te surgir.


É o que ocorre com tudo,

Até na aprendizagem.

Todo o conhecimento é, sobretudo,

Auto-conhecimento em nova triagem,

Porque só poderás conhecer

O que tens abertura para absorver.


O que à nossa postura não responde encaixado,

Mesmo se alguém o impetra,

Passa ao lado,

Não penetra.


Tens de te abrir,

Escancarar teu coração

E deixá-lo subir

Até à mais alta revelação.


Culpa, julgamento e medo

Fecham o teu coração,

O amor incondicional, em segredo,

Abre-o a um mundo irmão.


Medita,

Vai lá acima,

Encontra-te com a luz que te concita,

Rende-te à luz que te sublima.


Admite que há no céu

Uma luz imensa, protectora e amiga

Que te protege e ajuda em cada macaréu,

Nem sempre no que queres, pois te fustiga,

Mas antes sempre aí

No que for bom para ti.


És protegido pela luz,

Desde que te entregues.

Entrega-te ao que da altura te seduz,

Jamais para amanhã o relegues.


E a tua postura, aberta, subirá.

Irás compreender

E, por fim, aprender,

Do espanto num grito,

A amplitude do Infinito.



Precisas


Precisas da luz de Deus.

Vai procurá-Lo, para te acalmares,

Nas estrelas dos céus,

Na acalmia dos mares,

Na fúria do vulcão,

Dos campos na imensidão,

Na flor fugaz,

Da chuva no tamborilar breve e tenaz...


Encontra-O na profundeza do oceano,

Das espécies na inúmera variedade,

Procura-O da natureza no variegado pano,

Multicolorido, pela infinidade...


Se O não encontrares,

É que os olhos não te estão aptos para O ver.

Fecha teus olhos larvares

E olha para dentro como um cego qualquer.


Olha para ti,

Vê-te,

Reconhece-te ali,

Ama-te sem topete:

- Deus com certeza há-de estar aí.



Intuição


Faz o que a intuição te diz,

Aprende a entender onde te leva

Esta raiz

Que prenhe de luz brota da treva.


É o grande vento

Da tua vida,

O alimento

E a bebida.


Ela é a voz,

É o comando.

Ela sabe, em vosso encontro a sós,

O que é bom para ti: põe-te a seu mando.


Quando todos pensarem que enlouqueceste,

Que já não controlas nada,

Que teus objectivos já perdeste,

Que os pontos entregaste na jogada,


Que já não resistes,

Que estás fazendo tudo ao contrário,

- Eis que uma luz viste

Crescendo de teu peito temerário.


E a luz é tão forte e poderosa,

Tão concreta e consciente,

Tão tua e tão gozosa

Que, pela primeira vez

Na vida, talvez

Se te torne evidente

O que é, de raiz,

Finalmente,

Ser feliz.



Nada


Tu não tens nada,

Nada na matéria é teu,

Nada, absolutamente, em nenhuma jornada.

Não tens pai nem mãe e o filho as asas já bateu


Do ninho das almas companheiras

Que contigo desceram à terra para partilhar,

Não para possuir, proprietárias onzeneiras.

Não tens filhos, nem família, nem amigos,

Todos são almas, de ti a par,

Almas que se aliam de Além nos abrigos

Para juntas encarnar

Num comum propósito, igual direcção.

Não são tuas, nunca serão.


Nem tu és delas,

Por mais que do Infinito sejam estrelas.


Vê como é libertador

Não possuíres nada nem ninguém.

Que simples a vida devém,

Ao se te propor!


Olhar as coisas e as pessoas

Como autónomas, livres de tua energia,

Livres de teu apego que não apregoas

Mas a que as prendes cada dia.


Se não tenho nada e nada me pertence,

De quem é tudo isto que me rodeia?

De quem a propriedade que ali se condense,

Alheia?


É da vida

E a vida ta cedeu

Na tua breve lida

Pelo trilho teu.


Para usufruir,

Aproveitar,

É um presente do céu

A partilhar,

Para a todos servir.


E, acima de tudo, para aprender a largar.


Deus ama-te independentemente

De onde estiveres na vida terrena.

Quando entenderes plenamente

Que nada é teu, tudo é da vida a prenda plena,

Vais sentir no coração,

Finalmente,

A gratidão.


Gratidão por tudo em volta,

Pelos presentes da vida,

Por entenderes que tudo implica uma aventura à solta,

Gratidão pela consciência tida.


Quando sentires que a gratidão

É tão forte

Que quase te rebenta o coração,

Trepa ao Grande Norte,

Ruma aos céus:

A gratidão é o trilho mais directo de chegar a Deus.



Ajudar


Sei que adoras ajudar,

Que te esforças,

Tudo o que sabes queres passar

Àqueles por quem torças,

Tudo quanto em ti desvelar o véu

Entreaberto do céu.


É legítimo, pensas,

É o que sabes e cuidas que está certo.

Não te pões em causa nas intensas

Regiões da lonjura a cocegar-te perto.


Não cuidas em nenhum momento

Que tua dádiva desmedida

Seja do ego o intento

De controlar a brida.


Com teus ditos tenazes,

Quando vais ajudar alguém,

Como é que fazes

O que convém?


Tens pena,

Crês que está passando um mau bocado,

Engendras uma estratégia para escapar da cena,

Daquele estado.


Nada mais legítimo e correcto,

Pensas.

Não é bem assim, que o teu prospecto

Pode implicar perdas imensas.


Entende que a estratégia definida

Tem a lógica da tua atitude,

É por tua energia prosseguida,

O pendor de tua virtude.


A pessoa ajudada não tem a postura

Adequada à sequela

Da investidura

Que desenvolveste para ela.


Pô-la em prática não consegue,

E, mesmo que o consiga,

Não dará certo o que persegue

Na trocada briga.


Quando alguém age fora de sua postura,

Ao virem os efeitos,

Quando a decisão quotidiana se prefigura,

Não domina aquela lógica nos pleitos.


Não vai saber decidir

À estratégia conforme

E portanto, a seguir,

A derrota é enorme.


É o ego que fala

Ao ajudares desta maneira:

Só o ego impinge a tala

Da lógica dele a quem lhe andar à beira.


Qualquer alma não impinge nada

E também ajuda.

Olha a pessoa que lhe é dada

E sente aguda,

Profundamente,

Tal ente.


Logra descobrir onde anda dele o imo

E puxá-lo lá de dentro,

Das profundezas ao cimo,

Sem se lhe alhear do centro.


Consegue fazer que se livre do medo,

De modo a escolher

Na lógica de seu credo,

Sem a doutro qualquer.


Isto é que ajuda.

Não é opinar,

Decidir a muda,

Resolver por outrem, sem ele contar.


Vera ajuda é conseguir,

Por compaixão, limpeza interior

E amor,

Levar a alma doutrem a luzir.


O melhor a fazer

Por quem estiver mal, não é seduzir,

Mas dizer:

- Sei que irás conseguir!


E, no dia seguinte, contactar,

Voltar a dizê-lo vezes sem conta,

Até o imo dele, na outra ponta,

Se manifestar.


Isto é que ajuda, este dom de servir,

Até que ele próprio venha a conseguir.



Hoje


Hoje não é dia de fazer,

Não é dia do habitual.

Não é de continuar um projecto qualquer

Nem de cumprir um ritual.


Não é de orar,

Nem de sair,

Nem de desabafar,

Nem de fruir

Do sol que à porta encontrarei,

Nem de ponderar a lei.


Nem de esganiçar

A voz,

De aos céus bradar

Pelos ancestrais, nobres avós.


Hoje não é de correr veloz,

Hoje é para parar.


Quieto,

É dia de ficar do mundo na imensidão

E pairar sob o tecto,

De Deus na palma da mão.


É dia

De venerar o Mestre,

Adorar a energia

Em que me adestre.


É dia de ofertar a gratidão,

De olhar o tempo, adorando o Infinito,

Deixando bater o coração

Extasiado e contrito.


Hoje é dia do que houver

De mais íntimo na terra,

Do que não tem nome sequer,

Nem idade, nem forma a que se aferra.


Hoje é dia de algo

Que só quem já foi ao lado de lá da vida,

Só quem já lhe sentiu o supremo jeito fidalgo,

Só quem na paisagem tomou pé

Da subida,

É que pode vislumbrar o que é.



Energia


Eu e Deus o que temos em comum

É a energia que alimenta as atittudes,

A animar cada um

Conforme as próprias faculdades e virtudes.


São posturas distintas.

Em mim são básicas emoções,

Medo, arrependimento, culpa, negras cintas

A atar-me como prisões.


Deus anima, por seu lado, o sentimento,

É o amor universal.

Porque não sopra um vento

Em mim igual?


Porque é que não estou lá,

Mas aqui?

Por um nada, um nada que nem para ver dá,

Me perdi.


Por aqui mais uns tempos irei ficando,

Dos vínculos preso à roda.

Porém,

Pensando bem,

Pensando,

Nem eu quero sair, que me incomoda.


Se Deus disser que me resgata

Bastando só que eu mude

Uma atitude

E logo no céu me acata,


Se me garantir

Que o muro galgo

Se preescindir

Apenas de algo,


Se, para subir,

Saltar roda fora,

Para com Deus eternamente morar ir,

Um gesto apenas me demora,


Se tal fora a via

Será que eu iria?


Pois bem, é simples deveras:

É apenas prescindir de qualquer apego,

Qualquer vínculo que me prende em mil esperas,

Sempre em desassossego.


Despegar de quem se ama

E se odeia.

Da trama

De pessoas, coisas, emoções...

Da teia

De afectos, dor, preocupações,

Rivalidade,

Inveja e competição,

Vulgaridade,

Emancipação,

Carne, sangue e coração...



Despegar do mundo, da vida,

Do amor terreno,

De tudo, em suma, sem medida,

Sereno.


Algum dia

Deveras eu iria?


Deus sabe que não,

Pede-me que vá despegando devagar

De tudo o que amo neste pobre chão

Para que, com juízo,

Venha gradualmente a ficar

Cada vez mais perto do paraíso.



Presentes


O bem que te ocorre

São presentes que o céu te dá.

Acata, pois, que são presentes.

Tua vida é neutra, nem boa nem má,

Tudo para ti escorre

Do céu nas correntes.


São bênçãos oferecidas

Por Deus.

Por teu comprometimento sem medidas,

Por tua perseverança sem labéus,

Por tua fé

De que nEle tomas pé.


Pensando assim, vais sentir gratidão

Tão grande, intensa, profunda

Que da energia te muda o diapasão

Com que te inunda.


Vai-te elevar,

Vais sentir-te mais leve,

Mais alto a voar

Onde teu pé nunca esteve.


Quando chegares mais alto, aflorando lá acima,

Deus poderá ter espaço,

Enquanto teu braço

Arrima,

De te dar pessoalmente um abraço.



Mentir


A ti próprio pára de mentir.

Inventaste o personagem

E queres que todos o acolham a seguir

Para, quando reagem,

Não poderem ver, de lés a lés,

O vero rosto de quem és.


Porque te queres esconder?

Porque não gostas de ti?

Fica a saber

Que, lá em cima,

E céu em si

Só com a verdade rima.


Podes esconder quem és de todos,

Até de ti podes escondê-lo.

Em nenhum atropelo

Teu

Há modos

De te esconder do céu.


O céu actua pela verdade

E, pela verdade ao agir,

Vai a verdade atrair,

Por fatalidade.


Doutrem tanto ao te esconderes,

De ti próprio te escondes.

Já quem és não tens forma de saberes,

Já por quem serias não respondes.


Descobre o que o Universo quer de ti,

Torna-o na tua maior prioridade.

Ora, o que se te requer dali

É que retires a máscara de opacidade

Que não te espelha.

Pára tudo de vez

Para iniciar a descoberta da centelha

De quem és.



Prioridades


Aprende a ver o âmago de teu peito.

Todos temos prioridades:

Profissionais, familiares e afectivas

A que prestamos preito,

Conforme as idades

E as matérias vivas.


São o que temos de vivenciar

De bom e mau,

Bonito ou feio,

Seja o que for que tenha lugar

Da vida no meio

Do vau.


Para que teu imo continue a evoluir,

É preciso vivenciar

Esta ou aquela emoção que ali sentir,

A fim de desbloquear,

Libertar,

Para em frente seguir.


Olha uma conjuntura

Que se venha a repetir

Sem mudar de figura.

Que emoção te suscita?

Tem-la tapado,

Bloqueado

Como quem a evita


Ou, ao invés,

Tem-la confrontado

De frente e de través,

Eventualmente

Com dor,

Num choro ardente

Mas libertador?


Se a tens bloqueado quando vem,

Doutros temas cuidando,

Talvez por isso novamente advém,

Repetindo o desmando.


É a tua prioridade emocional.

Procura-a desde agora,

Poderá estar escondida,

Afinal.

Não lhe deste outrora

A importância devida.


Vai ao teu peito,

Entra por ti dentro,

Aprende a ver

O que estiver

Mal afeito

Lá no centro.

Aceita, então,

Aquela emoção.


Chora,

Abre o peito e deixa sair

A qualquer hora

A vivência negativa que te ferir.


Depois acalma.

Quando acolhemos as nossas prioridades,

Tudo começa a entrar na linha,

Muda a atitude de alma,

Pequenos ajustes, novas sensibilidades,

E a vida é um prazer que se adivinha

Para além das intérminas contusões

Do cotio no mar de confusões.


A prioridade emocional,

Agrade ou não agrade,

Importa mais, afinal,

Que outra qualquer prioridade.


Alojada no peito,

Na fundura do imo, sem engano,

É o lugar mais sagrado e escorreito

Do ser humano.



Tarefa


Tua tarefa definida

De vez:

Aprender tua postura de vida

Pelo que és,

Sem máscaras, sem falsos atributos,

Sem doutrem revestir-te dos produtos.


De apreender

É fácil talvez:

- Ser

Quem és!


Sem desvios nem omissões,

Com pés seguros,

Sem oportunismos imaturos

Nem arestas a rasgar lesões.


Sê-lo requer de ti o empenho inteiro

Duma vida:

Respeitar teu sentimento verdadeiro

Exige de ti agora

Toda a energia esquecida

Que em ti mora.


Ou porque nunca respeitaste teu imo

E é o momento de mudar de rumo

Ou porque treinaste bem, trepaste a um cimo,

E, em resumo,

Agora

Lá no alto,

Chegou a hora

Do grande salto.


Põe o pensamento no teu peito

E sente.

Limita-te a sentir, a mais nada atreito,

Mais nada, consciente.


Quão mais te habituares a só sentir,

Sem pensar em nada,

Mais rápido te irás unir

À tua frágil alma abandonada

E descobrir

Quem és, o que hás-de ser,

E o que andas por cá finalmente a fazer.



Sonho


Muitas vezes queres cumprir

O sonho há muito sonhado,

Mas outras, ficas frustrado

Por nunca mais conseguir.

Que é que aqui andará errado?


É a tua falta de respeito

Pelo relógio da vida.

O que sonhas há muito, sem nunca o tomar a peito,

Passou de prazo, em seguida.


O que sonhas há muito,

Há muito devera ser realizado.

O facto de o não teres efectivado

Não requer agora

Que o realizes, gratuito,

De tempo fora.


Se tentas realizar hoje

O que há muito sonhaste,

Ignoras algo que te foge:

O sonho de agora no tempo que se afaste.


Tem um tempo, o sonho,

E o teu relógio existencial

Por ele clama, risonho,

Aguardando o teu sinal.


Teus membros estão alinhados

Para de tal sonho retirar

Os melhores traslados

Que, ao vivo,

Possam ter lugar

Para o teu itinerário evolutivo.


Se o tentas realizar tempos depois,

Já o sonho não passa de miragem,

Já os arrebóis

Deram lugar a uma paisagem.


Teu imo já não se orienta

Para o concretizar

E concretizá-lo só pode ocasionar

Frustração a quem o tenta.


Fecha os olhos, medita,

Tenta sentir o que teu relógio vital

Agora concita

Por seu fanal.


Ignora os sonhos antigos,

Cuida dos novos,

Do que podes ser, fazer, agir agora,

Destes renovos

Sob os abrigos,

No alinhamento actual do imo que em ti mora.


Seja o que for que saia daí

É o sonho novo que gerrmina em ti.


Hás-de ter, a par,

Todos os recursos para o realizar.



Fadiga


A fadiga é um sinal:

Ou andas no caminho errado

Ou no caminho certo, afinal,

Andas depressa demasiado.


O importante é centrar-te,

Ou para reorientar teu caminho

Ou a rapidez de encaminhar-te

No rumo adivinho.


Importa parar,

Não ter medo,

Travar várias vezes para respirar,

Em várias alturas, a desvendar à fadiga o segredo.


E sentir agora

Durante a demora.


Quem for no caminho errado,

Como não sente o caminho,

Só quer chegar, apressado

E sozinho.


Quem andar depressa demais,

Como não logra sentir

O caminho a velocidades tais,

Só quer chegar, ao assim ir.


O caminho errado, ao chegar,

É a maior das desilusões,

Não vale o mal-estar

Do trilho corrido aos sacolejões.

Num caminho errado, até

O destino é errado, ao lhe chegar ao pé.


Quem corre depressa demais

Não chega ao destino,

Cai antes, nos tremedais

Do trilho assassino.


Em qualquer caso, de insatisfatória,

A caminhada é inglória.


Quando tal é o caso,

O melhor é parar e dar um prazo.


Parar, respirar, ficar

E cuidar do agora,

Nele se centrar,

Para que amanhã os pés na via,

Após a fértil demora,

Tenham mais energia.


E cada pegada aproveitem em alta

No caminho que falta.



Espírito


Em teu espírito como estás?

Vais ao céu buscar,

Vais lá acima para poder, em paz,

Beneficiar

Daquilo com que teus recantos se convençam,

Alguma bênção?


Vais agradecer

Tudo quanto a tal se preste,

O que já recebeste?

Ou vais Ser,

Desenvolver quem és, então,

Numa nova dimensão?


Se vais buscar,

Desiste.

Lá não hás-de encontrar

O que em teu rol se aliste.


Ouvirás, acaso, em resposta,

Se irás ou não lograr

O que queres de tua aposta

Particular.


Se vais agradecer,

Que bom!

É feliz o céu ao ver

Que entendes o dom

Do que tens na matéria como enviado do céu,

A hospitalidade que te ofereceu.


Se vais para Ser,

Trilhar o que és,

Então fica o céu feliz de vez,

Dele afina os lamirés.


Já compreendeste o portal das dimensões,

A abertura de cá para lá,

A partilha de lá para cá,

Já recebeste da Luz os raios e trovões

Suficientes

Para escolher da Luz os presentes.


Já te perdoaste,

Não exiges nada de ti.

Vivenciar aceitaste

De tuas dores

O bisturi,

Bem como teus amores.


Já sebes Quem o céu é

E o que a um momento qualquer

A teu pé

Pode trazer.


Já compreendeste do homem a jornada

E, com primor e arte,

Queres fazer, de entrada,

A tua parte.


Pensas em Deus, naquele

Que ainda não viste

Mas sabes que existe

E contas com Ele.


Teu imo entregaste ao céu, tua interioridade

Até do abismo às mais profundas covas,

E aguardas, do lado da eternidade,

Por boas novas.


Significa, mais do que tudo,

Que tua fértil alma, nos interiores teus,

Já, sobretudo,

Tocou em Deus.



Tenta


Tenta ser alguém

De quem teu imo se orgulharia,

Tenta ser o que ele gostaria

Que fosses, tempo além.


Ele é o mais íntimo de ti,

A pulsão mais pura a que puderes aceder.

Quando algo és de que se orgulha, então aí

Ao fundamental acabas de te prender,

Sabes o que ele é, dele nas vielas estreitas,

E respeitas.


Queres ser como ele

Porque lhe aceitas

A postura inefável

A que te impele

Como única e indeformável.


Quando tentas ser quem não és

Teu imo fica triste, abatido,

Tímido, murcho de vez.

Quando te aceitas e perdoas, decidido,

Ele fica livre, poderoso e cristalino,

Vive mais

E pode cumprir o fado divino

De mais missões na terra que habitais.


Tu vives feliz

Porque sabes quem és

E podes e logras, de raiz,

Lidar com isso de lés a lés.


O céu, lá de cima,

Vê brilhar mais uma estrela,

Tua mente que na aceitação se arrima

À luz que por teu imo se desvela.


Tenta viver do modo

De que teu imo gosta.

Ele viverá seu tempo todo

Mais feliz em cada aposta.


E o ego, a voz na cabeça

Que te diz para não arriscar,

Não avançar, que o pé te tropeça,

Que afirma que não és capaz, que te falta o ar,

Que não vale a pena,

Essa estrutura

Que te apequena,

Postura

De auto-restrição,

Rejeita-a, calca-a no chão.


Remete o ego, a cargo de Deus,

Para o desterro dos céus:

Desde que teu imo a tal apele,

Os céus tratarão dele.



Dispões


Aquilo de que dispões hoje

É a armadura estritamentee requerida

Com que se protege e onde se aloje

A fase posterior de tua vida.


Nem mais nem menos,

Sejam teus feitos grandes ou pequenos.


Mete-te à estrada,

Deixa de ser pedinte,

Não precisas de mais nada

Para a etapa seguinte.


Só precisas do que tens

Ao teu dispor.

Querias mais améns,

É de supor,


Para correres mais depressa

Rumo aos objectivos.

Será, porém, que tens de ir como quem se arremessa?

Ao actual ritmo não te capacitas mais,

Mais consolidas teus passos furtivos,

Mais te estruturas, rijo como jamais?


Será que não atraíste

A rapidez exacta de andamento

Para vencer resistências que viste,

A que ainda dás alento?

A resistência seria vencida

Se mais correras na corrida?


Queres tudo mais depressa

Para topar mais depressa com teus objectivos.

Que meta, porém, vai ser essa?

Nestes trilhos lentos, mais restritivos,

Não ficarás mais maleável

Para aceitar genuíno, inteiro

É fiável

Que aquele pode não ser teu objectivo verdadeiro?


Se queres mais e mais depressa,

É a hora de chorar sem clemência

A pedra onde tropeça

Tua impotência.


Chora, chora a impotência de tudo

Ter de ser desta maneira.

Nada mais, neste momento agudo,

Podes fazer na tua leira.


Sem aparte

Nem reféns,

Chora e trata de conformar-te,

É o que tens.


E mais nada.

E de mais nada precisas.

Tudo o que atraíste nesta jornada,

Tudo o que divisas

Agora

É o estritamente requerido

Para atingires a próxima hora

De teu vital, multicolorido,

Singular

Tecido

De vida.


Querer mais é do ego a protestar

A voz desmedida.



Igual


O que anda dentro

É igual ao que anda fora.

O que atrais fora de ti

É porque o tens aí,

Mora

No fundo de teu peito, bem ao centro.


Pondera, pois.

Quanta violência atrais?

No físico, no psíquico, nos dois?

Quantos contigo discutem, rivais?

Quantos não te ouvem, te maltratam,

Ferem-te as emoções que desbaratam?


Quantos te impedem de avançar,

Não crêem em ti, não te respeitam,

Acabam por te ignorar

Fingindo acaso que te aceitam?


Tudo o que te fazem, por norma, reflecte

O que a ti próprio fazes.

Não lhes queiras mal, não lhes compete

Mais que espelhar, em regra, o que para ti aprazes.

São o espelho ante ti a contrapor

O teu interior.


És tu que te maltratas,

Tu que és a ti mouco,

Tu que a sensibilidade desbaratas,

Que queres avançar, louco,

Mais do que é viável

Em condição saudável.


Tu é que não acreditas em ti

Nem te respeitas,

És tu que ali

Te ignoras, pleno de suspeitas.


Para ti olha,

Para outrem pára de olhar,

Para o que te farão, deles na escolha,

Ou deixem de fazer, a par.


Olha para ti, vê quanto mal

Andaste a ti próprio a ocasionar,

Afinal,


Ao te exigires tanto,

Ao seres tão intolerante contigo,

Ao não te perdoares, entretanto,

De ti próprio tornado inimigo.


Olha para ti, pára um bocado,

Sente, fica.

Talvez vejas uma luzinha nalgum lado,

Ténue, tímida mas rica:

A de teu imo.


Aguarda apenas que olhes para ela,

Para o cimo.

Ela é que é a tua estrela,

Não os outros, falso arrimo.


Espera que a valorizes,

Não os outros, onde não tens as raízes.


E espera que te ames, enfim,

Com toda a gama de cor.

Então, assim,

Atrairás o verdadeiro amor.



Propício


Se o caminho não é propício,

Quão mais te forças a avançar

Mais o Universo, para não caíres no precipício,

Se empenha em te travar.


Quando ainda não chegou o momento

De algo ocorrer, tranquilo,

Quão mais de o concretizar

For teu intento,

Mais o Universo se há-de empenhar

Em impedi-lo.


Quando um renovo germinou,

Quanto mais força investes

Para que amadureça

Depressa,

Mais o Universo prestes

Se empenhou

Em te atrasar

Para ele ter tempo de respirar.


O Cosmos é sábio,

O rumo da energia é perfeito.

O ego sabe-o

Mas tudo estraga a eito.


Se perante teu imo algo estiver bloqueado,

É que forças ignotas sabem que não tem

De ser-te ofertado,

Não te convém.


Ao menos para já.

E é o que deliberado

Está.


Mas insistes, insistes

E te esforças

E persistes

E o portão forças.


Tal é o apreço

Que teu ego o quer

A qualquer

Preço.


O efeito advindo

De tais opções

É que vai atraindo

Todo o tipo de perturbações.


Atrasos, inseguranças, acidentes,

Depressões,

Tristezas, descalabros, perdas prementes,

Traições,

Doenças, expulsões

E as inúmeras desgraças de tudo isto decorrentes...


E o ego, dele com a corte,

Olha para tudo

E maldiz a sorte,

Surdo e mudo.


Jamais logra entender

Que tais desacatos

São efeitos a reter

De seus próprios actos.


Não entende porque atrai

Tanta perda,

Que a perda em sorte lhe cai

Por mor da força esquerda

Que em tudo coloca,

Mal sai da toca.


Entende-o, porém, a consciência,

A frágil alma, num saber doutra ciência.


A consciência amplia,

Acede ao imo.

Visto lá do cimo,

Donde o céu te cicia,

Tudo, afinal, é perfeito.

E Deus vai amar-te por O entenderes de seu jeito.



Desígnio


Tudo o que te ocorre na vida

Tem um desígnio qualquer.

A mais ínfima poeira atraída

Tem um motivo para ali aparecer

Daquela maneira particular,

Naquele momento e medida,

Naquele lugar.


Tudo é milimetricamente perfeito

Na matéria

Para lhe podermos tomar o jeito

E respondermos de acordo

Com quem somos, com nossa matriz sidérea

Acolhida a bordo.


De acordo com o que escolhermos ser

Em tal tempo e lugar.

Como é que a densa matéria pode responder

A um impulso tão subtil até perfeita se tornar?


É que vivemos num equilíbrio de energia

Que funciona em qualquer postura.

Se pesada e negra é a atitude de teu dia,

Atrais eventos e indivíduos pesados à mistura.

Se fores leve e transparente,

É para quanto for leve que és atraente.


Visto do Céu

É tão simples que nem tem véu.


Encontras-te numa conjuntura

Que quer falar contigo,

Mostrar que novidade configura,

Levar-te a sentir emoções ao seu abrigo,

Mudarr-te crenças

Para abrires a mente

E acreditar noutras sentenças

Que te levarão mais à frente.

Qualquer possibilidade boa

Que te inovará como pessoa.


Que significa tudo isto?

Porque te encontras nesta situação

E não noutro registo?

Que aprendes com tudo então?


O céu pode responder

Mas tens de trepar até ao cimo.

A resposta jamais a podes ter

Cá em baixo, fora de teu imo.


Procura

A resposta

Na tua derradeira fundura.

Aposta

Que o Universo tem para ti uma missão

Em tal situação.


Fecha os olhos, relaxa e pergunta.

Não penses em nada,

Tua sensibilidade antes activa toda junta.

Sente, intui então.


Vais julgar

Em tua jornada

Que estás a imaginar

A via proposta,

Mas não:

- É a resposta.



Tu


Quem és tu?

És quem és ou o que outros são?

Quem és deveras, para além do tabu

E da distorção?


Quando alguém te magoa

Como respondes?

Magoas de volta, à toa,

Não vês se te trais nem se te escondes?


Quando alguém te engana,

Que fazes?

Enganas também o safardana,

Agrides, discutes, torpedeias as pazes?


Quando alguém te faz mal e tu retribuis,

Porque o fazes?

Porque é assim que te intuis,

Nasceste para fazer mal

Ao teu igual,

Ou o mal que fazes ali

É porque to fizeram a ti?


Se fazes mal porque és assim,

É a tua escolha,

Entendo, respeito, embora discorde, por fim.

Todavia, faz sentido para quem olha:

És quem escolhes ser,

Ninguém pode mudar isto noutro qualquer.


Porém, se fazes mal como resposta

Porque alguém to fez a ti,

Isto não é a escolha da tua aposta,

Não és tu quem vejo aí.


Dar o troco

É menos

Que pouco:

É trair os teus terrenos.


Desceste ao nível de quem te fez mal,

Saíste fora de tua estrada real.


Escolhes ser,

Afinal, o que for outro qualquer.


Entras numa postura estranha

Sem saber quando voltarás

À atitude que tenha

Teu imo por trás.


É o que escolhes para ti?

O céu por vezes envia uma experiência

Densa, cruel como um bisturi,

A medir a nossa coerência.


E tu, em vez de ser quem és em toda a ocasião,

Nas ondas doutrem navegas,

Fazes mal e a justificação

É que outrem to fez às cegas.


Deste modo, em cada acção,

Vais sendo o que os outros são.


Não te apercebes de quão longe estás de ti,

Quão longe de tua luz vagueias por aí.


Quão andas, quebrada a asa,

Longe de voltar definitivamente para casa.



Espiritual


Que sabes já do mundo espiritual,

Que é que aprendeste?

Quantas vezes já te surpreendeste

A corrigir os outros, feito fanal,

Por não agirem conforme as citas

Em que acreditas?

Quantas vezes te apanhaste na hora

A ponderar algo de forma inovadora?


Já te surpreendeste a rever um conceito,

Respreciar uma conjuntura

Ao jeito

Que o pendor espiritual configura?

Já tiveste ocasião

De aprender algo numa nova dimensão?


Muitas, decerto.

Tens a mente pejada

De novas ideias para a nova jornada,

A coberto

De novas estratégias, de seguida,

Para a vida.

Sabes o quê e como fazê-lo.

Mas pratica-lo com desvelo?

Honras o comprometimento com teu imo?

Põe-lo em prática

Da base ao cimo,

Não de maneira fanática

Mas como teu quotidiano arrimo?


Repara em teu cotio de malas feitas

Desde a hora em que acordas à que te deitas.


Nele, qual

A tua coerência espiritual?


Qual, de cada momento,

O comprometimento?


É altura de dares atenção

Ao compromisso com tua frágil alma,

Com a atitude perante o coração,

A postura que te reforça e acalma.


É altura

De tua vida futura.



Ajudar


Porque queres tanto ajudar?

Porquê tanta precisão

De que o outro venha a ficar,

Feito haste

De pendão,

Tal qual como o idealizaste?

Porquê tantam freima, tanta, que nem descansa

Para efectuar tal mudança?


Se o outro escolhe não mudar

Ou escolhe o que quer, em que acredita,

Irás ter de suportar

Da escolha por ti maldita

O efeito que dela derivar:

Ele irá sofrer

E o sofrimento que tem

A ti te irá fazer

Sofrer também.


Queres tanto ajudar

Porque não queres sofrer

Só por ver,

De ti a par,

Sofrer um outro qualquer.


Ou então é que tu, zé-ninguém,

Te sentes poderoso e sabedor

Quando ajudas alguém

Com calor.


Muda tu, ao invés,

Concentra-te na mudança

Do que és,

No que a transformação te alcança.


Transmuda, segura,

Tua atitude, tua postura.


Transforma-as de tal maneira

Que, se um dia os que escolheram não mudar

Dos efeitos negativos sofrerem a peneira,

Estejas lá para apoiar

E ensinar que tal venenoso produto

É da resistência deles o fruto.


Talvez agora mudem

Ou não, também.

Estaremos só entre os que os ajudem,

Nunca podemos mudar ninguém.


O que faremos é dar amor,

Ser porto de abrigo

Para apoiar quem, com fervor,

Se não cansa

De enfrentar o perigo

No seu próprio itinerário de mudança.



Perda


Repara na perda, seja qual for,

Toda a restrição opera com perda.

Querias dum modo, correu pelo pior,

E eis como ela se, afinal, herda.


Querias mais rápido e foi mais lento,

Maior e foi mais pequeno,

Brando e foi truculento,

Alto nos céus e foi baixo e terreno,

Querias longo e foi curto,

Amor e foi raiva apenas,

Abundância e foi de carestia o surto...

- Tudo perdas, da vida nas cenas.


Quando o Universo te não dá o que queres

É perda que referes.


Que é que estará mal,

O Cosmos não te dar

Ou tu quereres tanto, afinal,

Que o fundo do abismo ninguém o pode vislumbrar?


Sempre que o Universo não responde a teus anseios,

É que teus anseios não estão de verdade

Correspondendo aos esteios

Onde se firma, orienta e projecta a realidade.


Os sinais não estás logrando interpretar,

Não acolhes o rumo da corrente

Para poderes navegar

Em frente.


E não os logras captar

Porque tua mente

Vive obcecada,

Pregada

Ao tecto

Do que julga estar correctto.


Para ti só aquilo faz sentido,

Lógico, só aquilo,

Como teu ego convencido

Gosta de enunciar, tenaz mas intranquilo.


E se o mundo estiver a viver

Uma transformação tão grande

Que o certo de hoje pode ser

O errado no amanhã que nos comande?


O melhor é aprender

A deixar tudo em aberto

Para o itinerário apreender,

Desperto,

Da mudança que se aproxima

Comandada das alturas lá de cima.


Quando a restrição atraíres,

Deves ir da lógica além

Para conseguires

Abraçar a mudança que aí vem.


Treina este trilho certeiro

Com que teus pés não rimam

E serás um pioneiro

Dos tempos que se aproximam.


Para te guiar

O céu vai estar aí

A te inspirar,

Deus a te iluminar,

Em privado, a ti.



Fala


Deus fala contigo,

Mesmo que O não ouças,

Mesmo que não lhe entendas o murmúrio amigo,

Fala contigo no lar, na rua, nas bouças,


Através das flores, da fruta, da natureza,

Através do que sentes

Quando te permites contemplar a beleza

De quaisquer entes.


E, quando fala,

Diz-te o que fazer,

O que é melhor para ti na evolução que te abala,

Na experiência a empreender,

A nível da luz

Que tuas profundezas te traduz.


Porém, nem sempre O ouves, nem olhas as flores,

Nem sempre contemplas, apressado,

Nem sempre páras para Lhe ouvir os rumores

Do outro lado.


Quando fala, dá-te conselhos, direcções,

Mostra-te para onde corre tua vida

Aos sacolejões

E para onde devia ir redirigida,

Por onde, por que traça

És mais feliz,

Por onde mora da desgraça

A raiz.


A escolha é tua,

Ele só mostra caminhos,

Não te escolhe a rua,

Na decisão estamos sozinhos.


Para quem não ouvir

Sobra a perda,

Nada pode corrigir,

Apenas sofrer a sequela

Esquerda

E tentar aprender com ela.


Seja qual for a perda, é para que entendas

Que o rumo não era certo.

Após a perda, a maior das prendas,

Decerto,

É a compreensão que alcança

Que é imprescindível a mudança.


Mas para onde mudar,

Para quê?

É a resposta que te deves empenhar

Em descobrir, de boa-fé.


Tens uma vantagem sobre quem não olhar

Para os sinais:

Sabes que urge mudar,

Ainda não sabem disto os mais.


Só te falta saber onde.

Olha para o teu coração,

Ele responde.

Olha para os planos que são

O teu mundo,

Os que te tocam no íntimo mais fundo.


Aquilo que sabes que tens de fazer,

Embora te falte porventura a coragem,

Que julgas ilógico, precipitado, imaturo para qualquer

Tentativa de viagem

Sequer.


Quanto mais rótulos teu ego tiver

Depreciativos colocado em teu sonho

Mais forte ele há-de ser,

Mais urgente e medonho.

Aproveita a perda, aproveita

E aceita.


Se o que crias bom e seguro,

Já não é,

Se o que julgavas certo e puro,

Traiu tua fé,

Se o que consideravas normal,

Não se confirma, afinal,

Aventura-te então.

A perda já tens,

Já tens o não.


Aposta agora noutros bens,

Devém risonho:

Aposta no teu mais improvável e fundo sonho.

Aproveita a perda e te persuade

A ir à procura da felicidade.



Comunicou


Deus sempre exprimiu as opiniões dEle,

Sempre comunicou,

Mas doutra maneira.

Não é pela palavra que interpele

A mente em que tocou,

Mas pela intuição íntima e ligeira.


É pela sensibilidade interior, o outro lado,

Difícil, por não andares acostumado.


Costumas ver,

Ouvir,

Tocar, falar, ler,

Mas intuir

Teu interior, aí,

Deve ser estranho para ti.


Fecha, porém, os olhos, respira,

Pensa na respiração apenas,

Mantém-na assim um tempo em mira,

Depois pede. Graças pequenas:

Que te seja retirado o ego

(Sentirás um monstro enorme a sair),

Que a resistência se esboroe em teu apego

(E outro monstro escuro há-de fugir).


Ego e resistência saem mas sente

Que é apenas temporariamente.


Deixa a luz entrar pela cabeça,

O corpo inteiro a percorrer.

Depois, a pensar em Deus começa,

Sente-O, intui-O a te preencher:

Ele estará, eficaz,

Na tua maior paz.


Eis o que O traduz

Em ti a andar:

A maior luz

Que entrar.


Estará na lonjura

À vida quotidiana,

Na infinita distância que se apura

Entre a vivência íntima que de ti dimana

Agora

E a que na matéria aflora.


Quão maior a distância que se vença

De Deus maior a presença.


Um dia, repetido isto muitas vezes,

Hás-de encontrá-Lo,

Há-de estar aí, com gestos corteses,

A fazer-te senti-Lo, para teu regalo.


Desde já, porém, sem quimera,

Lá te espera.



Responsabilidade


Responsabilidade,

Não do que fazes, do que tens ou do que és,

Mas do que não tens, de verdade,

O vazio, a vacuidade

Que te suga os pés.


Pensa no que gostarias de ter hoje,

De ter tido toda a vida

E que, agreste,

Te foge

À chegada e à partida:

Nunca o tiveste.


Não tiveste ou não tens

Por algum motivo.

Toda a abundância de bens

Está disponível da matéria no celeiro vivo

Para todos e para tudo o que encaixo

Na terra, cá em baixo.


Tudo está ao dispor de nossa atitude.

Se nada conseguimos,

É normalmente em virtude

De não fazer parte da energia que sentimos

Na orientação

Que nossos trilhos lhe dão.


Não é para nós e nos foge

Pelo rumo que tomamos hoje.


Se mudares tua postura,

Aquilo por que tanto anseias

Em breve provavelmente se prefigura

A rondar por tuas ameias.


Não o que desejas para ser rico,

Para ante os outros ostentar,

Mas o que te leva ao pico

Da felicidade sem par

De fruir daquilo

Que de teu âmago te aproxima

E que, tranquilo,

Teu imo encima.


Nunca nega um pedido de alma

O céu, lá de cima,

Quando é adequado à postura

Que de grão te enche a palma

E pleno te configura.


O que não tens hoje

É, primeiro, de tua responsabilidade.

Se nada do que queiras em ti se aloje,

É que provavelmente atrais o que te invade

Em virtude

De agires conforme determinada atitude.


Mudá-la

É questão de escolha e comprometimento.

Cabe-te a ti reajustá-la

A todo o momento.

Feito isto,

Descobrirás um mundo que jamais houveras visto.



Iguais


Aos olhos de Deus

Todos os homens são iguais.

Igual benevolência perante erros seus,

Igual tolerância, mesmas oportunidades.

Todos recebem sinais,

Todos têm faculdades

De êxtase, visões,

Informação de vida interior e cura.

Não existem excepções.


Mas uns aproveitam,

O que aquilo prefigura

Aceitam

E comprometem-se.


Querem evoluir então

E metem-se

No itinerário da evolução.


Escolhem a luz,

Prioridade primeira,

Com seu imo que a traduz,

Com o ser, a personalidade inteira.


Naturalmente, estes têm de seu

Ficarem mais próximos do céu.


Nem melhores nem piores,

Nem isto nem aquilo,

Deus não julga os teores,

Observa, ajuda, Amor dos amores,

Dele no sigilo.


Quando o aluno está pronto,

O mestre aparece.

Aos que aceitam

Sem desconto,

Deus ajuda, incentiva, abençoa e não esquece.

Ante os que rejeitam

Deus se entristece

Mas por uma outra primavera

Espera.


Haverá o dia do discernimento

Em que acordarão

Séculos de medo, inacção

E tormento

E os falsos crentes e os incréus

Olharão

Finalmente para Deus.


Irão escolher a luz por fim.

A eles Deus agradece profundamente,

Pois assim

Semeiam entre a gente

A elevação da atitude da terra

E quenquer,

Do campo à serra,

O pode doravante compreender.


A estes Deus perdoa tudo,

Pois o compromisso, pese embora o anterior senão,

É louvável, puro e desnudo

E não há mais hesitação.


No Cosmos doravante nada é mudo,

Tudo é mensagem. E é uma sideral canção,

É a festa, sobretudo.



Desapegar


Convém desvincular,

Não deves aguardar que alguém morra

Para te desapegar.

Desapego pretensamente fiel

Que através da morte ocorra

É mais doloroso e cruel.


Desapegar é não depender emocionalmente.

Quando esperas a morte de alguém

Para te desvinculares emocionalmente dele

O sofrimento que advém

É incomensuravelmente

Maior

No vazio da dor.


Já não está lá,

Não te podes despedir,

Não podes dizer-lhe olá

Nem quanto o amas, a seguir...


Nem podes confessar-lhe em paz

A falta que te faz.


Quando aguardas pela morte

Para o desapego

Tudo são solavancos à sorte,

Trambolhões do trilho no rego.

Não há calma,

Sossego,

Não há paz do fundo de alma.


Não esperes que morram para te desapegares,

Vai ter com todos,

Quanto os amas diz-lhes com vagares

E que, apesar de tais modos,

Irás à tua medida

Viver a vida.


Já não dependes de ninguém,

De ninguém precisas, ao invés,

Também,

Para seres quem és.


Deste teor,

Autónomo ao te tornares,

Não diminui o amor

Que partilhares.


Destrói apenas, afinal,

A dependência emocional.


O Cosmos quem amamos nos retira

Às vezes, neste pego

Tendo em mira

Provocar o desapego.


E se previdentes andarmos,

Constantes,

E o provocarmos

Antes?



Porta


Quando uma porta se fecha,

Só a irás sentir fechar

Se estavas à frente dela,

Ponta espetada de flecha,

Obstinada sentinela,

Especado ali a olhar.


Uma porta só se fecha

Com perda e fúria sentida

Para quem só vê tal saída

E mais nada vê que mexa.


Para quem vê lá de cima,

Elevado

No distanciamento que aos céus encima,

Acurado,

Quem sabe que todo o mal

É para fazer mudar de rumo,

Não sente que a porta, afinal,

Se fechou, em resumo.


Sente apenas

Que não é por aí.

Ou há outra porta, se calhar das mais pequenas,

Perdida entre as empenas

E é de procurá-la ali

Ou então não está na altura

De aquela porta se abrir

E é de aprender a esperar, enquanto se apura

O tempo de conseguir.


Às vezes tão obstinado

Se fica em abrir a porta

Que nem vemos mesmo ao lado

O portão que a abrir exorta.


Para o que se fecha olhamos,

Incapazes de desviar

O olhar

Para a abertura que ignoramos.


Temos de ganhar distância

Para de oportunidades

E de impossibilidades

Verificar toda a lista em cada instância.


Temos de olhar os dois lados,

Cada qual com sua porta,

Que cada um dos dados

Comporta.


Distância que não desterra,

Antes ancora ao fundo meu,

Para me guindar ao alto, longe da terra,

Perto do céu.



Triste


Se estás triste, fica triste,

Aproveita a ocasião.

Se é de chorar, chora, insiste,

Aproveita-lhe o condão.


Não é todos os dias

Que logras alcançar

As vias

Sem par

Da fragilização

Que é soberba e poderosa.


Faz-te reavaliar

Cada relação

Que se goza,

Cada evento singular.


Em quanto sonhas

Faz com que em causa te ponhas.


Faz reacender a chama

Da sensibilidade visceral,

Lágrima que da fundura clama,

Pronta a saltar, radical.


Tal sensibilidade

É a tua grande arma.

Quando te invade,

Recebes a intuição que te arma

De ordens cósmicas para avançar.


Sem sensibilidade nem fragilização

A vida acaba por te ficar

No plano mental da concepção

E o curso de tua postura interior, posto de lado,

Finda anulado.


A tristeza é, pois, bem-vinda,

É do ciclo das fragilidades

Que tem de ser respeitado.

Atento a ela, ainda

Bem que te persuades!


Há dias em que acordas bem,

Dias em que acordas mal,

Ciclo alternado pelo tempo além,

Dual.


Vais trabalhando a tristeza,

Fazendo teus lutos particulares,

Para, quando o ciclo virar, tu, com presteza,

Te alegrares

De alegria verdadeira, grandiosa,

Limpa e generosa.


Os ciclos respeita de cada dia,

Tanto a tristeza como a alegria.


Quem respeita cada ciclo seu

É bem-vindo:

Degrau a degrau anda subindo

Ao céu.



Compromisso


Qual é teu compromisso?

Com teu ego

Que te pode dar isso

Que aprecias com apego,

Dinheiro, bens materiais,

Posições sociais...?


É o que te move,

É por aquilo que corres?

Ou é por tua frágil alma que tanto se comove

E sem a qual por dentro morres?


É por ela que vives,

É a ela que escolhes

Em cada minuto em que de ti não te esquives,

Em que te acolhes.


Dela escolhes a paz, a tranquilidade singular,

O sentimento de tudo estar

No devido

Lugar?


Por mais que te doa, de ferido,

Por mais que difícil seja,

É por ela que aceitas viver

O dia que adiante viceja,

É por ela que a ilusão que houver

Rejeitas

E a verdade aceitas.


Com qual é teu compromisso?

Com a mente que quer que acredites

Que tudo ficará bem, cheio de viço,

Desde que ignores, em teus palpites,

A dor que diária te fere o mal afeito

Peito?

Ou com teu imo

Que pede que chores a dor

Hoje

Para que amanhã fiques melhor,

Com um arrimo

Que não foge?


Compromisso com qual?

Com teu ego de roupas caras, automóveis, moradias,

Sólida posição social,

Ou com teu íntimo em que apenas o amor aprecias?


Amor incondicional

Que do céu te vem por ignotas vias

E que, ao tocar teu coração dormente,

Fá-lo ficar marcado eternamente?

Com quem te comprometes, afinal?


Jamais o céu critica a tua escolha,

Por pior que pareça.

Respeita-a, seja qual for o mal

Que acolha,

O erro que meça.


Apenas quer saber, apenas isso:

- Qual é teu compromisso?



Sensível


És sensível,

Podes não sabê-lo,

Mas o céu sabe-o, dele no escabelo

Inatingível.


Tua sensibilidade vive em tuas células, teus poros,

De teu íntimo espalhada pelos vergéis, pelos foros.


Cada vez que te magoam

Desaba-te o céu em cima.

Só precisas, nos cantos que destoam

De tua rima,

De te entristecer,

De te fragilizar,

Feito uma pena qualquer

Voando no ar.


Deixa doer

Para escoar depressa.

Tua sensibilidade é o maior dom que te podia acontecer,

A melhor compressa.


Mais forte que seres inteligente

É seres um sensível ente.


Mais que ser bonito, rico, simpático, capaz

É ser, como sensível, eficaz.


Mais forte que ser arguto

É devir de ser sensível o fruto.


Mais forte que ser forte

É ser sensível, nosso norte

Fecundo

E nossa sorte.


Os sensíveis sentem bem no fundo

A dor do mundo.


O que dói, dói.

É mais verdadeiro e harmonioso

Que bloquear a sensibilidade que nos mói

E andar por aí, palhaço

Gotoso,

Na ilusão de que tudo irá melhor a compasso,

Porque deste modo

Nada melhora nunca de todo.


Ser sensível é conectar-me com a fundura do imo

Total, directa, ininterrupta e irreversivelmente.

É mais difícil trepar ao cimo?

É, para toda a gente.


Por outro lado, porém,

Quando estamos felizes,

Quando estamos bem

(E cada vez mais teremos tais matizes),

Embora não expectável,

A alegria vai ser incomensurável.


É agora êxtase o que fora alegria,

Passa

O que felicidade seria

Agora para estado de graça.


Os sensíveis deveras que aceitaram

Deles a sensibilidade plena e absoluta,

Que já não bloqueiam emoções que os aram,

Que aceitam tudo sem disputa,

Já sabem o que os ultrapassa:

Viver em estado de graça.


Não querem mais pele

Fingida:

Já não querem prescindir dele,

Já não querem outra vida.



Queria


Queria Deus ver-te sorrir,

Que para Ele cantasses,

Que apenas a Ele um dia dedicasses

Para O sentir

E acaso ouvir.


Apenas um dia,

Sem tristezas nem lamúrias.

Um dia só de energia

A ninguém trará penúrias.


Energia de amor, energia.

Que O sentisses Deus queria

Calma, descontraidamente.


Como de luz

Uma alegoria

Que nos seduz

Entranhadamente.


Ficavas assim quieto,

Apenas a sentir,

E, devagar,

Pelo teu imo mais secreto,

Deixava-Lo entrar

E por ti além ir.


Ele entraria,

Primeiro no teu peito

E aí principiaria

Logo a emprestar-te o jeito

De Lhe sentires o fervor

Do amor.


Depois, esta energia

Em cada pedacinho entrando ia


De teu íntimo escondido,

De teu corpo combalido.


Iria daí surgir

O fruto que mais produz

A seguir:

- A tua própria luz.


Depois de Lhe teres dedicado um dia,

Como nos céus,

Em ti mais que nunca brilharia

Deus.


Findo o dia que Lhe ofereceste,

Iria devagar de ti saindo

Mas deixava-te ali quieto, feliz do teste,

Por Ele a vibrar, agreste

E lindo.


E Deus, lá do cimo,

Ficaria feliz por ter conseguido,

Através de teu imo,

Levar um bocadinho mais de luz e sentido

Da terra ao limo.



Qualidade


Qual a qualidade de teu amor?

Amas para exprimir emoções ardentes

De tua flébil alma no interior?

Amas porque deveras sentes?


Amas para partilhar o que ali de Deus recebes?

Como demonstras o amor que em ti concebes?


Logras amar

E tal amor demonstrar?


Teu coração a fremir

Logra fazer-se ouvir?


Consegues que se sintam amadas

As pessoas em teu amor ancoradas?


Que amas logras dizer

E quanto, ao menos, sequer?


Consegues, ou então

Não?



Verdadeiro


Quando ama,

Ninguém precisa de receber nada em troca.

O verdadeiro amor sente-se, não reclama,

E dá-se, não convoca.


Não é preciso receber.

Mesmo quando o que recebe

É o contrário do que der,

O amor não se esvai,

Percebe

E, discreto, retrai.


O verdadeiro amor é o que ama

E é tudo.

Se tiver retorno satisfatório, aclama,

Sortudo.


Mas, afinal,

Nunca depende de tal.


Quem estiver sempre a exigir,

Precisar que o outro faça isto ou aquilo

Para poder amá-lo, a seguir,

Não ama, nem em sigilo.


Tem uma ideia enganadora

Do que gostaria

Que seu amor fora

Algum dia..


Exige-o tal e qual então:

Não é amor, é uma ilusão.


Como deves saber,

Da ilusão no jogo

Sais sempre a perder

Logo.


Quem precisa que outrem faça,

Diga, seja isto ou aquilo,

Está fazendo trapaça,

Manipula um boneco ao seu estilo.


Isto não é amor, é controlo.

Quem amar deveras

Sente que o amor é colo

Incondicional em todas as esferas.


Ama simplesmente, como os céus,

Inteiro aí,

Como Deus

Te ama a ti.


O amor genuíno

Sem senões nem porquês

É o hino

Do Infinito a germinar da pequenez.



Está


Deus está no ruído,

Acolá,

Da colher que tem mexido

O chá.


Está na natureza

Até à mais humilde beleza.


Prestar-lhes atenção

É atender a Deus, então.


Queres atendê-Lo quando meditas, rezas

Ou elevas o pensamento aos céus.

Entende-o Deus

E agradece, que nisto o prezas.


Repara, porém,

Que está cá em baixo também


A dar luz ao mais pequeno

A quem não dás nem um aceno.


Cuidas que só está no que é importante

E só do que é importante é que te importas.

E se Deus estiver de ti diante

Na chuva que bate às portas,

Na flor que pisaste,

No animal que não cuidaste,


Em toda e qualquer perdida

Manifestação de vida?


E se Ele estiver

No barulho que ao mexer o chá

Faz a colher,

Se no próprio chá escondido está,


Como está, quantas vezes em vão,

De quem o mexer na solidão?


E se ele estiver dentro de ti,

Dentro de teu peito,

No mais importante que tens aí

E a que importância não dás de nenhum jeito?


E se Ele estiver

Nas lágrimas que teus olhos choram,

Quando decides não dar mais guarida

A quaisquer

Demónios que em ti moram

E abres comportas à emoção contida?


E se Ele estiver no sorriso

Largo e aberto e franco

De quem chora quando é preciso

E se alegra, em seguida,

No grácil arranco

Dos momentos bons da vida?


Quando fores praticar

O acto mais ínfimo do mundo,

Pensa em Deus nesse lugar

Jucundo.


Abre o coração,

Deixa-O entrar.

Ele irá ficar aí então.



Alegria


Por vezes há eventos na tua vida

Que te enchem de alegria,

Uma conjuntura feliz inatendida,

A concretização do que jamais acontecia...


Bandeira aos ventos,

És, de raiz,

Por momentos,

Extremamente feliz.


Que fazes então

Com esta felicidade toda?

Aproveita-la, goza-la, pejado o coração

Para a boda?


Aproveitas para sentir, sentir,

De maneira a equilibrar,

Ao fruir, fruir mais, fruir,

Os dias menos bons em que é de chorar?


O que fazes com a alegria

É correr contar a alguém.

Não logras viver, em primazia,

Só para ti

A festa intensa que te sorri

E que te tem.


Aquele a quem tu contas a alegria

Nunca ta devolve com igual energia.


Como não está dentro do assunto,

Por ti fica contente,

Por junto,

E segue em frente.


Como a pessoa não se anima,

Crês que o problema é dela

E contas a outra que, por cima,

Repete a mesma sequela.


Vais murchando, murchando

E, a certa altura,

Quem já não se anima, mal se renovando,

És tu, cavaleiro da triste figura.


Que fizeste de errado?

Esvaíste a energia,

Dispersaste-a por todo o lado,

Não a guardaste na tua almotolia,

Para te encher,

Para te iluminar

Quando das trevas uma hora qualquer

Chegar.


Para ti nunca guardas nada,

Depois culpas os outros que não se animam

Com a tua jornada,

Que não te entendem quando os loiros te encimam.


Chega um momento

Em que, como não se interessam,

Já nem tu te interessas

Com o elemento

De mundo novo que meças,

Com as graças que te atravessam.


Às vezes temos de guardar a sós

Alguma coisa para nós.


Tal se fora um segredo,

Só para nós, íntimo credo.


Aproveita, anima-te e te empenha.

Fica com toda a energia

E guarda a senha.

Para que vais explodir? Fica. É magia.


É o energizante condimento

Que te seduz,

De teu íntimo o sustento,

Teu alimento de luz.



Lonjura


Há uma lonjura de amar a fragilizar-se.

O amor é uma vivência

Única de contentamento, entrega e doação,

Sem qualquer disfarce

Nem cedência,

Todo ele inteiro coração.


O amor é um acto solidário

De alma a alma, temerário,


Quando as pulsões do coração

Se encontram mutuamente

Nos sonhos seus

E alam, em voo coerente,

Rumo à dimensão

Dos céus.


É mais alto que tudo, o amor,

A mais elevada atitude a efectivar

Que um homem se há-de propor

Almejar.


A fragilização é o contrário da resistência,

Fragilizar-se é escolher desligar,

Prescindir do controlo, ir até à cedência,

O comando do céu aceitar,

Tanto na vida sem ilusões

Como nas emoções.


É deixar ir na corrente

Sem resistir e sem medo,

Somente

Porque, sendo assim que tem de ser, cedo.


Assim, sem controlar nada,

Pode o céu guiar a vida

Por sábios conselhos, a cada jornada,

Através da intuição alerta e atendida.


Deus só logra falar,

Deixar-se ouvir

Por quem frágil escutar.

Só logra comunicar

Com quem prescindir

Do ego

E não pretenda saber tudo, num desassossego.


Tudo sabe Deus,

Mais ninguém fora dos céus.


Mas porquê tal corda tensa

Entre fragilizar-se e amar?

Porque, se não te deixas fragilizar,

Não amas nunca, eis a sentença.


Se não te deixas ir

Ao sabor

Da corrente da emoção,

Se não te deixas diluir

Na dor

Quando te esmagar o coração,

Se alguém não aceder

À dor quando ela vier,

Nunca poderá sair da toca

E entregar-se com fervor

Ao afecto que mais dor provoca:

- O amor.


Quando aceitares que só aceitando a dor

Quando ela vem,

Sabendo que para tudo ser bom

Terás horas de sofrer também,

Só quando aceitares que de tudo o tom

É dual

E que é preciso acolher e harmonizar os dois,

Cada qual

A seu tempo, depois,

Apenas então estás pronto para te dar, sem falso pudor,

Definitivamente,

Incondicionalmente,

Ao amor.



Comando


Assumir

O comando da vida.

Sentir

O que há para fazer.

Fazer o que a fazer se tiver,

Sem adiar a medida.


Alturas há

Em que a vida a uma bifurcação

Te conduzirá

Tão nítida, clara,

E rara,

Que vais mesmo ter de escolher

Por que mão

Correr.


Podes não querer

Optar,

Não ter

Que tomar

Uma decisão

Qualquer.

Mas um dia a vida à bifurcação perfeita

Vai-se encarregar

De te levar,

No termo da recta.


Ou vais para um lado

Ou para o outro vais,

Sem de ponte alçado

Dum ao outro cais.


Contrários, opostos, e tens mesmo de ir,

Não podes ficar parado

E em frente não há como seguir:

Chão maninho,

Em frente não há caminho.


Para a esquerda ou para a direita,

Tens de assumir o comando,

Tens de te concentrar,

De te interiorizar,

Em busca da íntima atitude, tão mal afeita

A teu mando.


Pensar, reflectir, não.

É o que mais, na hora de escolher,

Farão.

Não há por aqui saída sequer.


É o momento de trepar lá acima,

Escolher a luz,

No píncaro que o imo encima

E o céu lhe traduz.


Tens uma opção:

Um dos caminhos é de luz,

O outro é de escuridão.


Não é um certo e o outro errado,

Nem que o certo tenhas de escolher.

Até o podes pôr de lado

E o errado então é que vai ser.


O que importa é a luta

Entre a luz e a pesada escuridão

Que se apresentam em disputa

Para que escolhas por tua decisão.


Não é hora de pensar,

De ponderar não é hora,

É hora de ao céu trepar

Agora,

Tentar sentir onde há luz

E segui-la:

Perfila

O que me seduz.

É a hora tranquila

Do que me traduz.


Este é o comando,

É assumir o comando da vida:

Dois caminhos por onde ir entrando,

Ter de escolher qual o de ida.


Aceitar escolher a luz,

Ir lá acima sentir,

Dela no apelo,

Qual dos caminhos a ela se reduz,

Escolhê-lo.

E o caminho então seguir,

Sem mais atropelo.



Problemas


O significado dos problemas

Podes encontrar.

Cada evento que te ocorre vai falar

Contigo dos lemas

E do eventual abrigo.

O Cosmos anda sempre a falar contigo.


Cada conjuntura em que te encontras

Tem um significado.

Exibe hoje, nas montras,

O que no passado

Teve início

Num desprezado resquício,


Um ponto zero em que tudo começou

E aí mora a resposta

Para o que descambou

Na tua aposta.


O exacto princípio pode não ter sido

Quando cuidas que principiou.

O que em tua vida há uma semana estoirou

Pode ter-se desenvolvido

Há um ano ou mais, quando a primeira pedra

Foi lançada ao leito donde tudo medra.


Aqui, neste princípio exacto,

Reside o problema e a solução.

Que atitude modelava teu acto

Naquela ocasião?

Que tinhas em mente

Quando ele principiou realmente?


A postura que propugnavas naquela hora

Não é igual à do problema que atrais agora?


Acalma-te e pergunta:

Quando isto principiou, no exacto início,

Que energia minha atitude junta

Àquele momento, como um vício?


Quando encontrares a postura inicial do problema,

A atitude que emanaste,

Então podes alterar o lema,

Outro pendão prender a qualquer haste.


Podes reverter a gosto

Tua atitude

Convertendo-a na virtude

Do pólo oposto.


Reparando na violência

Dos ventos,

Podemos aprender com a experiência,

A rota a alterar a todos os eventos.


Quando lograres seguir este itinerário

Longo e doloroso,

Terás energia para mudar de fadário,

Elevar tua atitude ao píncaro mais alteroso

E nunca mais voltar a atrair, para diante,

Conjunturas com perda semelhante.


Dos céus,

Deus

É quem to garante.



Emanaste


Quando tiveres um problema,

Tenta entender o que emanaste

No exacto início dele, qual foi teu esquema,

Que atitude protagonizaste.


Quando entenderes o que foi

Que atrai o mal de agora

Perguntaa porque insistes na atitude que dói,

Que chama o que te devora.


Que é que tua postura, afinal, quer

Esconder?


Sempre irás encontrar esta lição:

Queres esconder a tua imperfeição.


Queres ser perfeito para os mais,

Para ser amado

Num rio de bons sinais

E nunca rejeitado.


Toda e qualquer acção

Que por trás tenha, embora ligeira,

Uma busca infrene de perfeição,

A recusa da limitação,

Fatal na nossa esteira

De vida, não pode vingar,

Só trará mais problemas a par.


Tão importante é compreender

Que emoção anda por trás

De quem perfeito quer ser,

Fanático e tenaz.


Tal emoção,

Inata ou adquirida,

É dele a missão

A ultrapassar durante a vida.



São


Os indivíduos são o que são,

Não podes torná-los melhores,

Não podes torná-los piores,

Não podes fazer nada por eles, então,

Que, num gesto pioneiro,

Não escolham primeiro.


Podes ajudá-los a escolher

Escolhendo tu antes que teu parceiro

A escolha que a ti couber

No sendeiro

A percorrer,


Escolhendo a luz,

Sempre a elevar tua atitude.

Quando virem que mudaste

Para aquilo que nos seduz

Irão crer que não ilude

Aquilo em que apostaste:

Que é possível mudar,

A partir do íntimo um mundo novo a gerar.


Quando o perceberem,

Para si próprios irão olhar

E a muda tentar

Que no fundo quiserem.


A mera tentativa é já mudança,

O facto de crerem que mudar é possível

Já um tremendo mundo novo alcança,

Imperdível.


Entendes a força de mudar primeiro?

Poderias lamentar: “é mais difícil mudar-me a mim.”

É verdade, daí ter valor cimeiro.

Se queres que alguém faça, por fim,

Primeiro faz tu, abre o carreiro.


Se queres que alguém aja de certa maaneira,

Age logo tu, com ele emparceira.


Poderão não fazer o que querias,

Mas a muda principiou e corre avante.

Ora, isto é que é, no mistério dos dias,

Deveras importante.



Soldado


Repara num soldado, está na guerra.

Como se estará sentindo?

No campo de batalha, o ferido que berra,

Balas perdidas, companheiros caindo,

Como estará aquele coração?

Explodindo

De emoção,

Morte, ansiedade,

Tormento, brutalidade...


Coração de soldado que um dia foi criança,

Acreditou ingenuamente na vida,

Que um dia pediu a Jesus que as guerras findem sem tardança,

Que o mundo confraternize na festa apetecida,

Que todos, dando as mãos,

Vivam como irmãos.


E ei-lo agora ali,

Nos antípodas do sonho,

A ter de gerir, a golpes de bisturi,

Toda a história de sua íntima atitude,

No contexto medonho

Que já nenhum sonho ilude.


Porque é que a criança que queria a paz

Num cenário de guerra é colocada?

O Universo é perfeito no que faz.

Qual, então, a mensagem cifrada?


Cada um veio à terra a sua luz esparzir

Pela densidade pesada da escuridão.

Por mais eventos que venham a emergir,

Por mais que atraia conjunturas, adversas ou não,

Viva como viver da vida a sequência,

O importante é perder contra a luz a resistência.


Por mais que o céu avise,

Mil eventos envie,

O homem insiste na força, no que quer que vise,

Ganhar fibra não vê como adie,

Pretende, com insistência,

Manter e aumentar a resistência.


Quanto mais guerras atraiu,

Em vez de se fragilizar e entregar à luz,

À emoção que às profundezas o abriu,

Mais insiste

No que o mesmo reproduz

E resiste, resiste, resiste.


Mesmo quando percebe

Que quanto mais resiste, pior,

Mesmo então não desiste

De dar ouvidos à voz que recebe,

Incansável, fatídica, dum estranho refego

Interior,

A voz do ego.


Era mais fácil entender

Que, se com esta atitude

Nada a contento anda a ocorrer,

Então é de sublimar-lhe a virtude

E transmudá-la, a cada jornada,

Numa atitude mais elevada.


Era mais fácil, mas não.

Preferem crer que sabem a solução


E cada vez se afundam mais.

- E tu perceber quando é que vais?



Abre


Não abre o coração

Mais de metade

Da humanidade

Com medo da rejeição.


Mais de metade dos homens, a par,

Esperam, com mil cuidados,

Primeiro ser amados

Para depois poderem amar.


Muita gente

Fica com seu par

Porque amado se sente,

Apesar de não amar.


Quando alguém amar alguém

E tal alguém não corresponde,

À rejeição porque é que de reagir tem,

Na lógica do contragolpe, sem ligar onde,

Em lugar

De apenas amar?


Apenas se concentrar

No amor que sentia,

Sem nada em troca esperar,

Apenas se empenhar

Na força, na energia

De sua própria postura.

Que é que aconteceria?


Uma pessoa não se iria

Sentir mais rejeitada, mas segura,

O amor não lhe encolheria,

A viver de restrição.


Não, ela amaria,

Liberto o coração.

Amava apenas,

O que lhe elevaria

De tal atitude a energia

De tal modo que dali as derivadas cenas,

Eventualmente, por derradeiro,

Até poderiam atrair o amor verdadeiro.



Chama


Vida nova chama

Por ti agora.

Novas pessoas, novos eventos,

Tudo reclama

Contra a demora.


O passado morreu, extinta chama,

Tem de morrer de vez em teus momentos.


Tudo o que até aqui valia

Deixou de valer,

Aliás, nunca valeu, mera fantasia

Em nós a teimar prevalecer.

As hipóteses viáveis

Deixaram de o ser,

De intransitáveis.


Vieste aqui para morrer:

Para limitar,

Definhar,

Quebrar

A tua resistência

À fundura de teu ser,

À tua essência.


Nada tem de ser perfeito,

Mas tem de ser novo,

Nova vida, novas oportunidades a germinar a eito,

A cada canto um renovo.


O que dantes tinha valor

Deixou de o ter.

O que te queiras propor

Que de antanho provenha,

Qualquer que seja, qualquer,

Indivíduo, conjuntura que se desenha,

Forma de agir,

Qualquer medo de sentir,


Tudo é doravante um fado

Duramente penalizado.


Findo o ciclo, acabou a correnteza.

Doravante é tudo novo.

Deixa a vida apresentar-se, que é beleza,

E vais ver, de teu ângulo de renovado povo,

Gozoso

E arteiro,

O que é maravilhoso,

O que é certeiro.



Melhor


Vai buscar o melhor que em ti houver,

Teus olhos que falam de alma,

Deixa saltar cá para fora o deus que se esconder,

O deus que és, de teu profundo mar na calma.


Todos somos deuses.

Porque tentamos disto escapar,

Sempre aos adeuses,

As costas a virar?


Porque tentamos esconder, manipular,

Mentir,

Seduzir,

Para o que não é nosso conseguirmos alcançar?


Vai buscar o melhor de ti.

Tens um âmago, uma luz,

Tens alma aí

Que a fundura e o mais-além em ti traduz.


Agir por aí vai fazer-te brilhar,

Brilhar ainda mais.

Vai buscar teu luar,

Teu inconsciente de surtos siderais.


Trá-lo também cá para fora,

Olha-o nos olhos,

Prescinde dele sem demora

Em quanto, em vez de alicerce, te arme escolhos.


Apenas então vai lograr o céu

Tocar o coração que é teu.


E este, ao sentir dalém o toque, vai reagir,

Vai abrir-se, alvor do dia,

Vai sorrir,

Iluminar-se de alegria.


Tens de ter consciência, porém,

Tens de escolher ir buscar

O melhor de ti por ti além,

Sem tergiversar.


É uma escolha diária,

De hora a hora, minuto a minuto, instante a instante,

Constante

E sumária.


A cada evento,

Rejeição,

Julgamento,

Culpabilização,

Olha em teu fundo aí,

Escolhe o melhor de ti.


Chora, sem alibi,

O que tiveres de chorar,

Mas escolhe-te a ti,

A par.


Por mor de isto ocorrer,

Algo faz que a vida mude,

Devém mais elevada do imo a atitude

E, sem a gente aperceber,

Tudo o que sentes e vês

Desata a sorrir outra vez.



Comprometimento


Opta pelo não comprometimento,

Não estás comprometido com ninguém,

Com nenhum evento.


Ninguém tem

De comprometer-se contigo,

Ninguém tem de te fazer nada.

Tudo o que te fazem é ao abrigo

Da atitude que escolheram na jornada.


Não te fazem nada a ti,

A eles próprios o fazem.

De tudo só te chega aí

O fardo que te cabe carregar

Dos dados que te aprazem ou desprazem

Ao andar.


Ninguém deve nada

Nem nada tem de fazer.

Cada qual tem sua restrição fadada,

Responde-lhe como puder,


Permanecendo na opaccidade

Ou escolhendo a luz.

Se ficarem como estão, a terra que os invade

À terra escura permanente os reconduz

E reduz.


Para evoluir, urge mudar.

A luz escolher,

Na mais elevada atitude que se logre alcançar,

Aí, permanecer.


Trepamos a cada etapa mais alto

Até um dia nos livrarmos da miséria

E, dado o salto

Da matéria,

Nosso êxtase céus além traduz

De Deus a luz.








































































4


Quarta Estrela





















Felicidade


Hoje vamos trabalhar o lado bom,

A felicidade de estar vivo,

A alegria de escolher a atitude e o tom

Da energia que em meu fundo arquivo.


Hoje vamos comemorar,

Festejar o facto de a vida que em nós viceja

Ter um lado bom a saborear,

Por mais dual que seja.


Hoje não é de chorar,

De trabalhar perdas, tristezas nem cansaço.

Hoje é dia de dar

O abraço,

De adorar

A comunhão.

Isto de fazeres parte do todo que é a vida

No infinito turbilhão,

De entenderes que há muita surpresa escondida,

Reservada

Para ti nesta jornada.


Os céus estão preparando tudo

Com muito cuidado.

Conjugam esforços sobretudo

Para que o trabalho que tens feito

Seja recompensado

A preceito.


Programam a vinda duma estrela

Para te guiar mais de perto,

A dizer-te, do céu na tela,

Que te portas bem, decerto.


E é, por outro lado,

Deus a dizer-te obrigado.



Calma


Há uma calma,

A calma dos justos que fazem o que têm de fazer,

Guiados de alma,

Dos que estão onde têm de estar,

Seja o que for este lugar,

Seja o que for

Este ser.

E esta calma é a prova maior

De que o que acontece é para acontecer.


E é mais, porém.

Quer dizer que o que era preciso

Fizemos também

Para se desenrolarem os eventos

Do Infinito ao sabor dos ventos.


É a calma do conciso

Finalmente, o fim.”

Na imensidão da estrada,

A calma do dever cumprido, enfim,

A calma da fiel alma emancipada.



Julgamento


Nunca o julgamento,

Que julgar é sempre achar-se mais que os mais,

Cuidar, de entrada,

Que sabes tudo, cheio de dons geniais,

E as mentes de vento

Dos outros não sabem nada.


Só tu tens a receita

Do bom desenvolvimento

De qualquer evento

E qualquer tentativa dos mais mal se ajeita,

Tornada inútil ou descabida,

De ser tão mal gerida.


É o que é julgar,

É o que leva à separação.

A análise, não.

Analisar é verificar

Se algo é correcto ou incorrecto

Sob o ponto de vista de teu mais elevado cimo,

Do tecto

De teu imo.


É o que, sendo inadiável,

Nos é mais recomendável.


Há quem não analise nada

Com medo de andar

A julgar

Ao correr de cada jornada.


Cuidam que tentar perceber

O que para si é mau ou bom

Há-de já ter

De julgamento algum tom.


Então vão andando sem perceber

Nada do que lhes acontece

Por terem perdido o poder

De analisar da vida a quermesse.


Se pondero que alguém ou algo estão certos

Na perspectiva de minha íntima atitude,

Estou analisando, olhos despertos,

O que me apoia ou me ilude.


Se considero que outrem tinha ou devia agir

Doutra maneira,

Que é isto ou aquilo por não seguir

A rota na minha esteira,

Este intento

É que é julgamento.


Não concordo contigo

Mas enfrentarei o mundo inimigo


Para defender

O direito que tens de o fazer


- Eis a sentença

Que faz toda a diferença.



Moldares


Tudo serve para te moldares.

Ao ires ao âmago da questão,

Ao núcleo da emoção

Que te provoca,

Tudo serve para te livrares

Do mal-estar que se alojou na tua loca,

Do condicionamento,

Do inapelável que for o teu tormento.


Somos objectos de memória

Quase isentos de presente.

Quatro quintos de passado, a nossa história,

Mais um de medo de lá ir, de antanho à mente,

Projectando cada qual, inseguro,

Tudo no futuro.


Farei”,

Conseguir irei”

São os termos de quem no porvir

Projecta as esperanças,

Não entendendo que o futuro há-de vir

Das escolhas que hoje entranças.


Para fazê-las, só sintonizado no presente,

Respondendo ao desafio que agora traz,

No intuito de te livrar do peso ingente

Que esmagado te põe, incapaz.


Só livrando-te do peso negro de hoje

Estarás limpo para as escolhas,

Neste instante que te foge,

Que irão construir o que amanhã recolhas.


Ao agora tudo serve para moldá-lo,

Absolutamente tudo.

Tudo o que ocorrer

De desprazer

Ou regalo.


Se despejas da panela o conteúdo

Ao tropeçar na escada,

Se um filho ou parente te provoca

Até à exaustão,

Tudo é uma entrada

Que te coloca

Do que sentires no desvão.


Estando atento ao que sentes,

Repara que tal emoção

São memórias de passados aqui presentes

Onde viveste idêntica situação.


Chama o tubo de luz, no céu a jeito,

Para aspirar

O mal-estar

De teu peito.


Esta é a via. Cabe-te escolher agora

Onde utilizá-la sem demora.


Deverá ser sempre, em qualquer lugar,

A qualquer hora,

Sempre que alguém ou algo te pisar,


Te fizer sentir o momento desagradável.

Nada complexa nem confusa,

É a rota viável.

- Usa-a!



Respira


I


Fecha os olhos e respira,

Respira profundamente.

Deixa entrar uma luz branca pela cabeça.

Mesmo que a não vejas, sente,

É o ponto de mira

Que interessa.


Sente a cósmica luz a entrar

Em fértil ribeiro

E a percorrer, a branquear

Teu corpo inteiro.


Depois pensa em todos de quem gostas.

Estão dentro, incorporam a tua energia,

De tanto gostar deles, levaste-os às costas

Aí para dentro, algum dia.


Agora

Retira-os um a um

De tua energia para fora,

Que em teu imo não fique nenhum.

Não importa o que demorar,

Retira-os de tal lugar.


Que cada célula tua se abra para expelir

A energia deles de dentro da atitude

Que teu imo assumir

E a que cada um deles grude.


Não os estás expelindo de tua vida,

Apenas da energia de tua íntima orientação,

Da postura seguida

Por teu coração.


Quando terminares, respira outra vez

Profundamente.

Deixa a luz branca que acaso nem vês

Entrar pela cabeça até ficar, por derradeiro,

Em ti presente

Por inteiro.


O trabalho, o estudo,

O que quer que faças todo o dia,

Vais retirar isso tudo

De dentro de tua íntima energia.


Célula a célula faz

Que a energia dos afazeres quotidianos

Saia de teu sistema, a torná-lo mais feraz

E sem enganos.


Demore o que demorar,

Liberta o teu lugar.


Depois o dinheiro:

De teu corpo retira-lhe a energia maligna,

Certeiro.

Não estás a retirá-lo de tua vida digna,

Mas antes dele a postura arrogante,

Materialista, pisoteante.


Respira, recebe a luz

Que o céu em ti logo introduz.


Agora, as relações afectivas,

O amor e a falta dele.

Retira estas prisões esquivas

Mas, do tutano à pele,

Efectivas.

Deixa que cada célula expulse

Cada atilho destes que em teu íntimo pulse.


E a saúde ou a falta dela

Que de teu corpo as extirpes, fique limpa a cela.


E aqueles de quem não gostes,

Com quem não te dás bem?

Sente, em ti, deles a imagem a que te encostes,

A energia que suga por ti além.

Retira-os de teu imo também.


Por fim, os problemas,

Prescinde-lhes da energia.

Prescinde da energia que não é a de teus lemas,

Que não é tua: é, dentro em ti, uma tropelia.


Continua a receber

De Deus a luz,

Da cabeça até aos pés,

Ao soltar a energia que não é tua, te não traduz,

Vais ficar livre de vez

Para a luz do céu entrar.

Sente a luz que o Cosmos te concede

E para Deus entrar pede.


Ele entra em ti

E vai aí

Ficar.

Unir-vos-eis em luz mutuamente concorde,

Até que o mundo acorde

Para vos abraçar.


II


Medita,

Fecha os olhos, respira,

Respira profundamente.

Concita,

Remira

Uma luz branca a entrar pela cabeça.

Embora não a vendo, sente,

Calmamente,

Sem pressa.


Sente a cósmica luz de Deus a entrar,

O corpo inteiro a te percorrer.

Depois pensa, devagar,

Naqueles de quem gostas, em quenquer.


Repara que estão dentro

De tua energia.

Levaste-os para o teu centro

De tanto os amares, são o teu dia.


Agora, um a um,

De tua energia os retira.

Não importa se demora tempo algum

A acertar na mira.

Retira-os, que não reste nenhum

Na energia que em ti respira.


Pede que cada célula tua

Se abra para expelir

A energia deles para a rua,

Para fora da torrente que em ti existir.


Não estás a mandá-los embora

De tua vida,

Apenas para fora

Das águas vivas que te animam a lida.


Quando terminares,

Respira outra vez, profundamente,

Os puros ares.

Deixa a luz do céu entrar, presente,

Pela tua cabeça, o corpo inteiro a percorrer,

Outra vez, luz de teu ser.


Agora vamos ao trabalho ou estudo,

O que quer que seja em que laboras todo o dia.

Vais retirar de ti tal energia.


Célula a célula, mudo

Faz com que a energia de teus afazeres quotidianos

Da tua saia, sem mais danos.

Demore quanto demorar,

Liberta-te deste par.


Depois, o dinheiro.

Pensa na energia dele,

Retira-a por inteiro

De teu corpo, de tua pele.


Não estás a retirar o dinheiro de tua vida,

Mas a energia dele que em ti se implante,

Pesada, desmedida

E arrogante.


Respira, recebe luz pela cabeça

Até que em ti tudo ela meça.


Agora, as relações afectivas, o amor

Ou dele a falta.

Retira esta energia de fervor,

Deixa que cada célula da ribalta

Afaste o frio e o calor.


Agora a saúde ou a falta dela,

Que cada célula a afaste de tua tela.


E aqueles de quem não gostas,

Com quem não te dás bem,

Retira a energiaa deles de tuas costas

Também.


Por fim, os problemas.

Prescinde da energia deles,

Não são lemas

A que apeles.


Ao agir, actua

Prescindindo de toda a energia que não é tua.


Continuas a receber pela cabeça

De Deus a luz que em ti se estabeleça.


Ao soltar

A energia que não é tua,

Cada célula vai ficar

Mais livre para a Lua

A iluminar.


Sente a luz dos céus

Em ti a entrar,

Pede para entrar Deus.


Ele entrará em ti

E ficarão juntos em luz,

Até que o mundo caia em si

E abrace a infinidade que se ali

Traduz.



Sentir


Deixa-te ficar apenas a sentir,

Tal como estás.

Respeita isto como surgir.

Às vezes não gostarás,

Outro sentimento irias preferir.


Vês que o rumo dos eventos não deve ser mudado,

Mas sentes o contrário?

O que estás sentindo é que é normativo: deve ser respeitado.

É o teu bem mais precioso,

Não um estranho fadário,

De fora imposto, oneroso.


Tudo o que até aqui fizeste,

Tudo o que viveste


Foi, a preparar o campo, uma grade

Para a grande verdade:


És o que sentes,

És o que amas.

Contra isto poderão vir correntes,

Furacões, tornados, vagalhões de lamas:

Tua verdade derradeira mantém-se de pé,

É o que é.


Mas, enquanto não aceitares o que sentes,

Deite embora tudo o mais a perder,

Tuas garras corte embora rentes,

Enquanto o não aceitares não consegues ser

Ninguém com atitude e postura definida.

Sem coluna vertebral,

És vago, escorregadio, uma enguia fugida,

Hostil e frígida, afinal.


O que sentes é o teu bem mais precioso.

Mas, para em ti brilhar,

O que sentes terás, atencioso,

De aceitar

E de cumprir-lhe o apelo especioso.


Apenas aceitar é ficar a meio do caminho:

- Vais querer ficar a meio, em ti sozinho?



Desculpa


Há quem creia que desculpa é só quando

O que houver de errado

Ocorreu propositado

No desmando.


Quando não for intencional

Não te deves desculpar?

Quando fazes sofrer cada qual,

Só porque o não premeditaste,

Não foi de propósito, afinal,

A desculpas já não há lugar?

Não há dor que baste?


E o outro que sofreu?

Apesar de não querer,

Fizeste-o sofrer.

A tua acção

Doeu,

Intencional ou não.


Temos de nos responsabilizar

Por todo e qualquer acto.

Se não houver intuito, mas teu acto magoar,

Desculpa-te de imediato.


Cuida do lesado,

Mesmo que ele tenha atraído o sofrimento,

Para a dor que lhe haja tocado

Ser o fermento,

O meio,

Do íntimo desbloqueio.


Ter isto em mira

A tua responsabilidade nunca retira.


Teres sido o instrumento

Que o céu utilizou para desbloquear alguém

Não implica, em nenhum momento,

Que tenhas feito uma escolha qualquer

Donde provém

Que tenhas feito sofrer

Alguém.


Seja qual for a circunstância,

Tens responsabilidade

Nesta instância

Que o impele

À dor que o invade.

Cuida dele.


Desculpa, não te quis fazer sofrer.”

Não percebi, não sabia. Perdoa.”

Dá-lhe um abraço de quem bem lhe quer,

É um graande curativo para quanto doa.


Então, interiormente,

Sairás limpo de quanto atormente.


Todos erram, não é o problema.

A questão

É como encaramos o erro, cujo tema

Ou cura ou traz lesão.


E nem todos, para que as perdas acabem,

Pedir desculpa sabem.



Aperto


É o aperto no peito

O sinal.

Correste a vida a eito

A ignorá-lo, afinal,

A saltar por cima dele,

Tal se não importara.

Como se não fora parte de ti, tua pele,

Tua interioridade gritando clara,

A chamar.

E tu aí sem sequer reparar.


Sempre que algo provocava o aperto

Ou decidias

E escolhias,

Ou pensavas em algo que te trazia a sede do deserto,

- Julgavas estranho

Mas seguias em frente,

Que o ganho

É desafio permanente.


A vida” -

Pensavas -

É para ser vivida.”

E continuavas.


O aperto não te detém,

Não te entrava,

Não faz que revejas, como convém,

A tua vida escrava.


Não fez com que te atrases no caminho,

Ao menos até ver do que se trata.

Não.

Adivinho,

Não te desbarata

O que breve desaparece: ansiedade, depressão...


A vida é escassa.

Vou tomar um comprimido, que isto passa.”


O aperto não se esvai, porém,

Até que te habituaste a viver com ele,

A conviver a bem.


Passou a fazer parte de ti,

Enxertado em tua pele

A bisturi.


Pssaste a crer que era natural,

Viver é assim,

A vida é assim, afinal,

O aperto não tem fim.


Ora, tua flébil alma que grita,

A pedir socorro,

A pedir ajuda, a ver se a concita,

Só sabe falar contigo desta maneira,

Não tem aforro

Doutra fala à beira.


Apenas este jeito

Dum aperto no peito.


Desprezando do mal-estar a palma

Desprezas tua frágil alma.


E ela, dentro de teu peito,

Precisa tanto de ti!

Precisa de teu respeito,

De tua atenção,

De teu discernimento,

Do caminho no teu chão,

Da astúcia, da inteligência,

De cada evidência

Em teu momento.


Não para a maltratares,

Excluíres,

Nem para fingires

Que não é nada, sopro nos ares.


Não para a rejeitares,

Lhe faltares ao rigor,

Nem para a modificares,

Feito senhor.


Ela precisa de ti para seres quem és

Verdadeira e livremente,

Da cabeça aos pés,

Em cada acto que se sente

E te torna presente.


Precisa da tua sabedoria

Para se manifestar.

Precisa da tua escolha cada dia,

Daquela que teu lugar

Traduz

Para aceder à luz.



Expõe-te


- ”Expõe-te!” - é tudo quanto

O céu te pode dizer.

Tem de acordar-te do quebranto

Para que mostres a quenquer


O que tens

E ao que vens,


Para abrires do coração a represa

Sobre a comunitária mesa,


Para o fazeres pela certa

De alma aberta.


Quem não entender, não entendeu,

Mas não vais deixar de ser quem és

E de o mostrar, corifeu,

Ao mundo que te corre aos pés.


O mundo só existe para te expores

Sem temor da rejeição,

De ser ridicularizado ao propores

Teu pendão.


Quanto deixas de fazer

De te expor com medo?

Quanto deixas de viver

De errar pelo temor tredo?


O medo de errar

Leva a não se expor.

Quão menos alguém se expõe, a par,

Mais escorrega no abismo

Do pendor

Do conformismo.


Um dia, de tanto se esconder

Doutrem e de si,

Acorda já sem saber

Quem é que esteja ali,

Nem quem foi, num passado qualquer,

Nem faz ideia do que pode vir a ser.


A vida é feita de vivências.

Quando alguma rejeitas

Com medo de te expores nas carências,

Com medo de errares, de malas feitas

Para te não julgarem por isso,

Cada vez que de ti te demitires

Em nome de não te expores, enfermiço,

Ao não ires

Retiras à tua débil alma experiências,

Retiras-lhe aprendizados e sabedoria,

Devém-lhe a resma das ciências

Vazia.


Jamais em causa anda o erro,

A questão não é parar de errar.

Dual, imperfeito é meu aterro

E eu com ele tal e qual irei continuar.


Poderei, porém, expor-me ou não:

Em causa está como ao erro reagir,

Quão

Evoluir

À conta de o haver cometido,

O que com ele hei aprendido.


É outra lógica a inaugurar em mim:

A Via é assim.



Fado


Repara no que queres

Mas não logras fazer,

Ou nem o queres nem referes

Sequer,

Que fazê-lo te irá impor

Imensa dor.


Podes não querer

Mas sabes que o tens de fazer.

Sabes, não pela mente

Mas pelo imo,

Porque o intuis, de repente,

O que é da sabedoria o cimo.


Tens de fazer, mas de ti não sai,

Para fazê-lo não dá.

Podes tentar, porém não vai

Tua capacidade até lá.


Repara nisso,

Em teu enguiço.


Algo há-de ocorrer dentro de teu peito,

Um medo, uma pressão

E uma vontade sem jeito

De fugir, de te enterrar pelo chão.


É a tua maior dificuldade,

O teu maior nó,

Algo que outrora doeu muito, nesta ou noutra idade,

Foi bloqueado e de que doravante só

Sabes fugir

Com toda a força que logras reunir.


Tens memória de quando doeu tanto,

Inconsciente embora, mas memória, entretanto.


É o que faz que não consigas doravante

Obrar algo semelhante.


Perguntarás: “se não consigo

Porque é que quero,

Porque é que sei, quase me obrigo

A ter de lá ir, ao recanto do desespero?”


Porque a porta trancada

Por dentro de ti erguida

Tem de ser desbloqueada

Nesta vida.


E, se vens limpar o terreno de teu fado,

Enquanto não reviveres tal memória,

Aceitares a dor de tua ferida do lado,

Não libertarás aquela energia inglória,

E, por conseguinte, não andas cá, dos dias na estrada,

A fazer nada.


Descobre o que mais te custa,

Pensa em fazê-lo,

Deixa o medo apoderar-se de ti à justa,

Abre-lhe o peito com zelo,

Retira tal peso, chora,

Mas limpa-o de ti agora.


Cada vez que nele pensares

Vai doer menos.

Cada vez que tentares

Novos canais,

Em passos pequenos,

Vais atingir mais.


Assim dás a volta ao fado,

Tua predestinação.

Assim dás e te é dado

Sentido à tua encarnação.



Meta


Pensa numa meta resolvida

Em tua vida.


Custou a chegar lá,

Já, porém, estará.


Demorou, afadigou-te, mas conseguiste.

Como um herói quase te viste.


No pretensamente resolvido pensa mesmo,

Imagina-o como quiseres, fantasia-o a esmo.


E agora principia a descascá-lo,

Toda a imagem que te advenha, descasca,

Tira as camadas de matéria, talo a talo,

E as de defesa onde a vida se te atasca.


De tudo descascar no fim da função

Vai restar apenas uma emoção.


Deixa a emoção crescer

Por dentro de teu peito.

Por mais estranho que possa parecer,

Deixa-a crescer, tomar-te a eito.


Deixa-a tomar conta,

Começa a respeitá-la,

Embora pareça contraditória de ponta a ponta,

Embora a não entendas nem quão te abala.


A emoção é a dona

De todas as sabedorias.

Aceita-a apenas, seja o que for que ela abona

Em teus dias.


Verás então

Que o que tão bem resolvido te surgia,

Qualquer que seja a situação

Não está tão bem resolvido como parecia.



Herói


Quem é o teu herói?

Como é que ele é?

Que qualidades tem, constrói

E põe de pé?


Que mais admiras nele?

Em quem te espelhas?

Gostava tanto de lhe estar na pele,

De ter o que tem, prendas novas ou velhas,

De fazer o que faz!...”

De pensar isto já foste capaz?


Sabes o que significa?

Que queres ser,

Ter

Ou fazer

O que se te não aplica,

Ao menos por ora.

Se for para ti, ainda demora.


Tanto tempo gastas

A focar tua atenção

Nas pastas

Que outrem tem à mão

Que não há tempo para a ti te propor

O que tu próprio tens de melhor.


Não é que nunca vás

Ser, ter ou fazer

O que outrem é, tem ou faz.

Não é isto sequer.


É que, seja o que for que queiras

Ser, ter ou fazer,

Terá de partir, de qualquer das maneiras,

Do que já és, tens ou fazes.

Não há sequer

Outro ponto de partida que aprazes.


É a partir do que já tens

Que amplias teu horizonte.

És tu que amplias teus já existentes bens,

Não alguém que, dentre os bons,

Para ti faz a ponte

E dele para ti trespassa os dons.


Quando focas demasiado

Alguém

No que é, faz ou tem,

Teu foco fica muito limitado,

Não vês o herói como um todo mais além.


Como se só tivera qualidades

E, de defeitos, nem sinal.

Ao pretenderes ser tal e qual,

Pretendes não ter defeitos,

O que não existe no mundo das realidades

A que estamos sujeitos.


Podes até ter heróis,

Gostar de ser quem admiras,

Mas repara que todos os sóis

Que daqui

Miras,

Têm de nascer dentro de ti.


Podes ampliar o que já tens,

Vir a ser ou ter algo de novo,

Ao ampliar quaisquer bens

Em ovo.


Não podes nunca, porém,

Ser outro alguém.


É que não há jamais

Dois eus, dois imos iguais.


Onde aqui há dois

Nunca haverá um nem o mesmo depois.



Fundo


Arte deveras

É mostrar de si próprio uma parte

Tão do fundo que nem o próprio sabe que lá está,

Tão do fundo que o liga às eras,

Às esferas,

Ao Infinito que por ele se reparte

Desde já.


Põe-nos muito vulneráveis

E pode ser radicalmente assustador.

Tudo feito como deve ser, em gestos fiáveis,

Porém, o que concito

Algo criará tão bonito

Que, tanto quanto a mão o apura,

Indefinidamente perdura.


Arte e amor,

Dois veios por onde do Infinito escorre o fulgor.



Raiva


A raiva é a máscara protectora que provém

Da tristeza.

Quando ficas com raiva de alguém,

Quando te enraivece uma frustrada presa,

O dado que existe

É que estás triste.


Tua tristeza dói,

Dói muito.

Teu ego logo reconstrói,

Gratuito:

Porque é que tenho de sofrer esta dor,

Em suma?

Alguém, é de supor,

Me fez alguma...”


E arranjas um culpado.

De ti próprio retiras o foco,

Focas-te no dessgraçado,

Do pelourinho no soco.


De tanto o julgares,

Desatas a raiva a desenvolver.

A ela própria se alimenta:

Quanto mais a cultivares,

Mais raiva hás-de colher

Da tormenta.


Não é terapêutica, porém,

É um veneno

Que dentro de ti se mantém

E alimenta a cada aceno.


Cedo ou tarde, repentinamente,

Eis-te doente.


De tanto te enraivares,

Tal veneno interior,

Tal postura de baixeza ao inoculares

Em cada órgão fará nele um tumor.

Com o abalo

Vai findar por matá-lo.


É o que para ti queres, de certeza?

A melhor alternativa

É transmudar a raiva em tristteza,

Sem qualquer esquiva.


Tens raiva? Pára e pensa:

Estás triste porquê?

Fica, só, na aragem densa

E triste sê.


Chora se for preciso,

Centra-te em tua tristeza,

Não em quem supostamente te fez perder o juízo,

Que o mal te preza.


Quem sabe se atraíste

E o Cosmos te enviou

Alguém para fazer-te o mal que existe,

A fim de provocar o que provocou:

Essa tristeza

Para olhares, ao ficares triste,

Para dentro de ti, ver a beleza

De quem é lindo, sensível

E com uma atitude de elevado nível.


O mistério que ali cabe

Quem é que o sabe?


Enquanto não ficares triste,

Não logras olhar para dentro

E sentir ao centro,

Em toda a fundura

Que em ti abriste,

Como tua fiel alma é pura.


Enquanto raiva apenas sentes,

Em ti não te concentras

Nem to consentes,

Nunca em ti entras.


Só nos supostos culpados,

De teu foco o centro.

Nunca apontarás teus olhos transviados

Para dentro.


Do fundo do peito,

Pensa nisto, por fim:

O Cosmos não é um equilíbrio perfeito?

Cuido que sim.



Perguntar


Embora a Deus não vejas, podes perguntar.

Podes perguntar, embora O não ouças.

Embora dEle a luz não vislumbres no luar

De tuas bouças,

Podes perguntar.


O segredo está no zero,

No que logras de ego, de resistência retirar,

De pensamento mero,

Do peso mental

Da justificação racional.


A seguir,

O segredo mora na função

De intuir

E de acreditar

Fundamente na intuição

Particular.


Depois,

O segredo

É o poder de sentir a luz de íntimos sóis

E, fundamentalmente,

O credo

No que se sente.


Age assim.

Tens uma pergunta?

A partir de teu confim,

Uma resposta o céu te junta.


Senta-te confortável e respira.

Coloca teus pensamentos numa prateleira

Ao céu pregada.

Torna-te o observador que a nada aspira,

À beira

Do nada.


Olha os pensamentos

Mas não critiques, não tenhas opinião.

De vir aos céus um dos fermentos

É não opinar, absolutamente, não.


Quanto menos opinião formada,

Mais aberto para aquilo que o céu tem

Para te mostrar na estrada

Que te convém.


Agora deixa entrar uma luz pela cabeça.

Embora a não vejas, deixa entrar.

A teu organismo, peça a peça,

A luz vai-te espanejar

E em breve

Sentir-te-ás mais leve.


Depois, então,

Junta

Em teu íntimo clarão

Tua pergunta.


Não penses na resposta nem por um instante.

Espera apenas,

Sem opinião, sem julgar nada, confiante.

Mero observador, somente acenas.


Depois, algo principias a sentir.

Fica, não penses. Pés no chão.

Não desates a bulir,

A ter já opinião.


Mero

Observador dos eventos,

Absolutamente a zero,

Ao sabor dos ventos.


E a resposta vai começar

Lentamente

Mesmo ali a se formar

À tua frente.


Pode ser uma imagem,

Pode ser uma emoção,

Seja o que for que germine da viagem

Estará cheio de significação.


Se lograres ficar a zero,

Sem criticar, nem julgar, nem querer nada

Senão o mero

Roteiro para a jornada


Lá de cima, do céu,

A resposta à dúvida aparece e fica forte,

Viva e cristalina como um troféu,

A desmantelar-te toda a tua hesitação,

Dando-te um norte

Para a acção.


Podes não gostar da resposta,

Ficar triste ou alegrar-te com a nova aposta.


É a verdade, porém,

Que o céu para ti tem


E, ao menos, tem o condão

De te parar de te orientares pela ilusão.


Ora, para quem o Infinito demande,

Isto é já muito, muito grande.



Reverencia


Reverencia a luz,

Diz-lhe quanto te identificas com ela,

Quanto amas o que em ti traduz,

Quanto sabes como do Infinito é tua janela.


Estrela

Que te ilumina a vida,

Barco que te leva a navegar

Para além do horizonte,

Na imensidão desconhecida,

Que te faz a ponte

Para dimensões ancestrais, a resgatar

Pedaços de alma que te andavam desde os idos

De antanho para sempre perdidos.


Reverencia,

Entende como a luz é magnânima e forte,

Absoluta,

Como, da graça na luta,

Mais que teu norte,

É a dona da tua energia

E dela o suporte.


Segue-a até ao fim do mundo, se preciso for,

A resgatar o que mais puro em ti houver,

O que de mais original te puderes propor,

Para à tua vida e a qualquer

Dar cor.


Para à tua existência

Dar sabor

E consistência.


Rende-te à luz,

Entende que não há outra forma

De viver em comunhão,

De viver em evolução,

Senão o que a esta e dela à norma

Reconduz.


Reverencia e trata de te comprometer.

Entende que doravante jamais poderás mentir-te,

Enganar-te, iludir-te

Num rumo qualquer.


Nem que seja da dor nos pantanais.

Nunca mais.



Manifestado


Tudo o que estiver dos céus no cimo

É para ser manifestado aqui em baixo.

Tudo o que vejo além, no cume de meu imo,

É para ser feito no torrão em que me encaixo.


Tudo o que sentes, o que intuis, embora vago

É para que o ajudes a edificar.

O homem sente, pressente dum vislumbre o afago

E vai à horta cultivar.


Este é o caminho

E não há outro de mim próprio vizinho.


Podes querer fazer cá em baixo

O mais confortável ou que te der mais jeito.

Podes iludir-te e o cambalacho

É crer que deves tomar a peito

O que te custa

Porque a outrem serve à justa


Ou porque, em devaneios teus,

Servirá os céus.


Ora, o céu, de entrada,

Não precisa de nada.


Está bem,

Tu é que não.

Tens de ir além,

Abandonar teu ego,

Receber informação,

Indicação, para teu sossego,

Do que deves ou não fazer,

Como quenquer.


A escolha final não vem da rua,

É sempre tua.


Quando lograres compreender

E aceitar

Que em teu trilho talvez não vá caber

O que andas a planear,

Mas antes o que está lá em cima

E que é para ti,

O que intuis no clima

De teu ínntimo que mal vislumbras aí,

Mas sentes que tens de fazer

E, mesmo sem porquê saber,

O fizeres,

- Então serás um iniciado

E a tua vida, teus afazeres,

Mudarão radicalmente de estado.


Terás a força que de teu imo vem

E tudo será limpo, fácil, claro.

Terás chegado também

Nestes passos teus

Mais perto do perefume raro

De Deus.



Espera


Anda a vida à tua espera,

A vida com que nem te atreves a sonhar,

Pejada de músicas, cânticos e quimera,

Pronta para a ti se dedicar

Em toda a amplidão.


Há uma vida, então,

Em que és feliz,

Em que quanto te rodeia

Corresponde à tua matriz

Discreta, subtil, que da fundura te ameia.


Há uma vida em que podes estar,

Viver, sentir, falar

E todos em redor

Entendem tuas raízes, coerência e razões,

Uma vida ao teu dispor,

Ampla, a te elevar de teus pegos e fundões.


E, nas dualidades negociáveis,

As tuas concessões

São mínimas, tranquilas e confortáveis.


Esta vida existe,

Preparada para ti,

Pronta a se apresentar no que te liste

Aqui.


Tens de fazer, porém, uma escolha,

Tens de escolher que mereces.

Mereces ser feliz, mesmo enregelado da molha,

Mereces viver sem a culpa que te teces,

Mereces o carinho,

A compreensão, o afecto em todo o teu caminho.


Mereces o amor, afinal

Um amor incondicional.


O do céu, lá de cima,

Que o sublima.


Quando escolheres merecer tudo,

Irás livrar-te dos velhos vícios,

Das dependências emocionais sobretudo,

Das intérminas cedências cheias de resquícios,

E vais olhar para dentro

Bem no teu centro.


Verás teu imo sorrir,

Que merece uma oportunidade.

Irás procurá-lo, primeira prioridade,

É a estrela a seguir.


Olharás outrem, de entrada,

Não como muleta de tua solidão,

Mas como parceiro de jornada

A que dar a mão,

A quem não se cobra nada.


A quem darás o amor incondicional

Que vais buscar na amplidão sideral.


Leve, fluído,

Passas a voar pela vida

Ao encontro do sentido

De teus dias à medida.


Os outros terão espaço para se manifestar

E tu, para os abraçar.


A cada momento,

De verdade,

Juntos irão correr o firmamento

Rumo à eternidade.



Passado


Alguns dirão

Que não há como fugir ao passado,

Mas eu, não.

Creio que lhe escapo todo o dia

Ao fado,

Repetidamente,

Em cada gesto que o contraria

Como uma sentença

Consciente

Da diferença

Entre passado e presente.


Aquele é apenas a corda-guia

Detrás assente

A partir da qual inauguro um novo dia.



Família


Na minha família humana

Uma geração indesejada,

Não amada,

Aplica à geração que dela emana,

Num naufrágio em que nada é salvo,

De ser amada a incapacidade,

A rejeição de que era alvo,

Como uma fatalidade.


Se não houver um desvio que esgarce

A cadeia de horrores,

Estas crianças irão transformar-se

Noutra geração de vitimizadores.


Esta cadeia interligada

De sofrimento

Não interrompe tal caminhada

Até que alguém a quebre nalgum momento.


Apenas então,

E à custa dum hercúleo esforço,

É que esta heróica geração

Dum saudável porvir há-de inaugurar o escorço.



Buscar


Ninguém tem de vir buscar

O amor à terra.

Tem é de trazê-lo até aqui, ao lar,

Do mar

À serra,


O amor que vai buscar ao cimo,

Aos céus,

Além-fronteiras do imo,

A Deus.


O que tem ocorrido

É o homem nascer ao infindo sem conexão,

Do espírito sem o íntimo sentido,

Ao Infinito sem abertura nem ligação.


Como todos precisam de amor,

A tendência natural

É tentar encontrá-lo onde ele é de supor:

Cá em baixo, na terra, afinal.


Ora, cá em baixo, os outros também andam à procura

De matar, em igual carência, igual secura.


Uns dos outros precisam,

Precisam de compreensão, amor, afecto,

Vão procurar e então deslizam

Uns dos outros para debaixo do tecto.


Por muito que esteja perto,

Não pode, por fim , dar certo.


Os indivíduos, aguilhoados pela premência,

Apenas se irão cruzando por mor da carência.


Aquilo de que um precisar

Mui raro confere

Com o que outrem tiver

Para dar.


A lógica dos eventos não é tal.

Ninguém deveria procurar

A plenitude final

Noutrem com que se cruzar.


Como a não alcança,

Começa depois a cobrança.


Olhemos dum casal as queixas:

Expectativas não cumpridas.

Um quer que lhe corresponda às deixas,

Outro, que lhe preencha sem fundo as medidas.


Cada um cobra o que queria ter,

Não respeita o outro como é realmente.

Vidas carentes a tentar preencher

Pela mão doutrem, o vazio que as atormente.


A única alternativa viável

É olhar para as alturas,

Ir suprir a carência inevitável

Lá em cima, do infinito nas molduras.


Podemos ir lá buscar compreensão,

Carinho, apoio, brincadeira,

Afecto, cumplicidade, protecção,

Comprometimento, segurança, conforto,

À medida que de lá se abeira

Nosso íntimo horto.


Mais que tudo, sem par

Afinal,

Podemos ir lá buscar

Amor incondicional.


Ser amado pelo que se é,

Sem condicionantes nem restrições,

Com todos os erros e acertos de pé,

Fragilidades e ousadias

Nos alçapões

Dos dias.


Não é fantasia dum converso

Quem assim ama os seus,

É a intimidade do Universo,

É Deus.


Iremos guardar este amor dentro do peito

De modo que teremos urgência

De o distribuir pelo mundo a eito,

Por quem no meu caminho cruzar minha vivência.


Assim teremos cumprido um dos maiores

Roteiros de missão

De precursorees

Do homem rumo à terra da promissão.


O rumo fecundo

A nos propor:

Levar amor ao mundo

E não ao mundo retirar amor.


Vamos lá acima ver,

Sem demora,

Como tudo pode ser

Diferente a partir de agora,

A partir do momento

Em que do Infinito recolhamos o fermento.



Asas


Abre as asas

Para poderes voar.

São tuas casas,

Do lar

Tuas brasas,

Cuida delas, cuida-lhes da função

Com carinho, rigor, determinação.


Com carinho, para livres poderem crescer,

Sem comprometimentos pueris.

Com rigor, para o céu poder

A ti se apresentar com os modos gentis,

Porém, viris,

Nas gestas belas

Dum criador de estrelas.


Com determinação para nunca desistires,

Mesmo quando as asas estiverem longe de voar,

Longe dos céus que pressentires,

Da luz onde pousar.


Como cuidar de minhas asas?

Com a simplicidade lá de cima:

Elevo-me em meu imo

À luz, ao fogo, às brasas.



Cuida que toda a tua acção,

Todo o teu pensamento,

Toda a tua preocupação,

Seja qual for o procedimento,

Espelhem sempre e em qualquer ocasião

O mais elevado padrão

De qualidade de ser

Que podes conceber.


Cuida que o ego, o julgamento,

A culpa, a resistêencia

Que te sugam a cada momento

A energia de tua vivência

A mil anos-luz se extingam, longe de verdade

Da tua interioridade.


Cuida que teus sonhos sejam

Acarinhados por ti,

Mesmo quuando os horizontes que almejam

Não os logres realizar por ora aqui.


Sonho irrealizado é sonho

Ou pode transmudar-se em frustração.

A escolha é tua: onde ponho

A função?


Cuida, quando trepares ao céu,

De alçar tuas asas o mais alto e mais largo

Que tua energia logre alcançar de seu

Em tal encargo.


Sobrevoa as alturas,

Liberto do chão,

Com a força da protecção

Do além que procuras.


Quando voltares à terra,

À vidinha de cotio,

Vais sentir que esta paisagem se te aferra

Aos calcanhares:

Se fechas os olhos e respiras, no cicio

Dos ares

Reviverás o movimento alar

Dos passarinhos a voar.


Ninguém irá entender o que ocorreu,

Que tens umas asas enormes

Que atingem o céu.

Ninguém irá entender quanto, de raiz,

Nos gestos informes,

És feliz.


É um segredo,

Teu

E do céu,

Do Cosmos inteiro o mais íntimo credo.


E, quando alguém

Tentar as asas cortar-te,

Irás descobrir também

Que entre as cedências há sempre uma ou outra aparte


Que te torna tão ineficaz

Que jamais se faz:


- Esta, o caminho das estrelas,

É uma delas.



Vida


Tua vida tem força,

Tem energia,

Vontade própria, corça

A saltitar livre pelo teu dia.


Se hoje pararas de agir,

De te preocupar,

De racionalizar,

De contrrolar,

Uma aurora impressionante irias descobrir.


A ela poucos logram assistir,

Justamente porque não vão parar

De agir,

De se preocupar,

Racionalizar

E controlar

Tudo a seguir.


Quem conseguir

Daquilo tudo fazer a catarse,

Irá finalmente assistir

À vida a apresentar-se.


Irias descobrir que a vida

Mexe sozinha, sozinha é que anda

Comedida

Em perene demanda.


Tem comandos próprios movidos

Pela gravidade da energia

Cujos sentidos

Ninguém previria.


Só estarás onde tiveres de estar,

Só irás fazer o que tiveres de fazer:

É a lei imutável de teu lugar

No Universo que te acolher.


O que isto contrarie, mesmo só por um momento,

Apenas atrai dor, pena e sofrimento.


Quem sabe onde deverias estar

Agora?

Tu? A escora

De teu ego tutelar?


Não, a vida.

Só ela sabe para onde, por onde e como ir

Em seguida.

Só ela te não pode trair.


Quem deixar de crer que sabe,

Que pode e que deve,

Vai deixar quem seu próprio bem acabe:

Vai deixar que ela o leve.


Vai dar-lhe primazia,

Vai dar-lhe razão.

E a vida, leve e solta, como é sua galhardia,

Vai levar-te a bom porto, são,

Mediante a exigência traçada

Para tua caminhada.


Tudo entrará no seu

Lugar.

No fim encontrar-nos-emos no céu

A comemorar.




É a fé que te abre o canal para o Além.

Creres no que acaso ouves, no que vês

E no que fundo sentes também,

Saberes quão frágil é a pequenez

Da comunicação com o céu

E, apesar disto, explorares tal conexão,

Entenderes que acreditar é subtil e corajoso,

Por te impor de estranhos um labéu

Suspeitoso

- Tudo isto arroteia o teu chão

Rasgando-te o canal, a cada jornada,

De forma mais desmesurada.


Quanto mais ele abre, mais intuições advêm,

Mais acreditas e mais ele abre após também.


É a espiral

Do intérmino percurso sideral.


Só tens duas alternativas.

Escolher crer no que sentes, no que intuis

E em teu tesoiro arquivas

E abrir as portas, naquilo a que anuis,

À autenticidade desmedida

De estar na vida,


Ou de dúvidas te entupir,

Deixar de acreditar,

Deixar o ego entrar

E ao trono subir

E viver pautado pelo teor

Da frustração e dor.


A escolha de qual a rua

É, como sempre, tua.


Ao creres,

Mesmo sem esclarecimento,

Mesmo sem entenderes,

Um portal de fé abres a todo o momento,

Imperceptivel e longo caminho

Que te irá levar, de mansinho,

Persistente e com calma,

Aos mais altos padrões de tua alma,

À mais elevada qualidade

De tua interioridade.


Não há termo apropriado

A tal estado,


Sai do domínio da palavra.

Os céus

São apenas lavra

De Deus.



Atrais


Analisa o que atrais,

Os sinais.

Tudo o que te ocorre,

Indivíduos, conjunturas, eventos,

Atrai-lo em norma tu, à medida em que corre

Tua pegada aos ventos.


Dentro de teu peito

Há um íman mágico,

Com o Cosmos a comunicar afeito

E a atrair-te vivências,

Trágico,

Iguais às que são tuas valências.


Se violência houver em teu peito,

Violência tende a atrair, deste jeito.


Se for compaixão,

De compaixão tende a atrair a situação.


Tudo o que está fora

De teu centro

Tende a espelhar agora

O que está dentro.


É tua a escolha de seleccionar

O que dentro estiver

Para tender a triar

O que de fora vier.


Ao entenderes esta norma simples e verdadeira,

Irás entender que é viável mudar

Tendencialmente a vida inteira,

O livre arbítrio de tua escolha ao utilizar.


Em mim entro

Agora,

Escolhendo mudar o que está dentro,

Parando de olhar para fora.


Muda, que de tal ao abrigo,

O mundo muda contigo.



Trabalhas


Trabalhas hoje

Para quê?

Para teres o que amas e te foge?

Para amares o que tens de ti ao pé?


A maior parte, em sua trama,

Quer ter, possuir o que ama.


Pode ser das coisas o inumerável abismo

E é o consumismo:


Amo uma coisa bela,

Portanto quero tê-la.


Podem ser indivíduos de qualquer idade

E é possessividade:


Amo aquele e, assim,

Quero tê-lo para mim.


Ora, nada disto é o desejado.

Tal

Postulado

Não deixa ninguém sair do campo material.


Depois, é o ego quem deseja

E lutar pelo que se quer

Não é nem almeja

Uma atitude de alma sequer.


A postura correcta

É um dos segredos mais bem guardados,

Arma secreta

Do céu para os seus apaniguados.


Vai lá acima,

Pergunta-Lhe ou ao teu imo mais profundo

Que tem para ti, da luz no clima,

O que é para ti neste mundo.


Receberás uma sensação, uma imagem, uma energia

E saberás que é para ti aqui em baixo.

Muitos tentam fazê-lo algum dia

E param por aí, abandonando na leira o sacho.

Porque não entendem tal dita

E, portanto, nenhum deles acredita.


Repara que o que o céu tem para ti,

A sós,

Hoje, aqui,

Poderás apenas só entendê-lo após.


É um enigma o que os céus te dão,

Terá de ser decifrado.

A multidão

Que se aparta

Por ignorar este fado

Simplesmente o descarta.


O que o céu tem para ti

É o melhor e mais compatível

Agora, aqui,

Com tua energia, de tua postura o nível.


Mas tens de decifrá-lo.

Pode servir para um dia ou uma vida,

De tempo nem de espaço o céu sofre o abalo,

Dá-to à medida.


Tens de crer que é para ti que a mensagem exista

E tens de decifrar:

Como a energia de teu imo não anda à vista,

Também a do que o céu tem não há-de estar.


É segredo

Que irás decifrando aos poucos.

E, ao decifrares, irás encontrando, tarde ou cedo,

Fazendo a tudo o mais ouvidos moucos,

Complementaridades singulares.


E vais-te abrindo.


Quanto mais decifrares,

Quanto mais a teu imo te abrires lindo,

Mais energias inconcebíveis

Se vão mostrando compatíveis,


Algo que, no que é mentado,

Jamais seria revelado.


É por isto

Que tem de ser decifrado.

Para tal visto

Nem todo o mundo está preparado.


A verdade é

Que na multidão

Apenas uns poucos têm o dom da fé

E da decifração.


Uns poucos. Agora

Vê o que acolhes e repeles.

Porquê? Ora,

Porque tu és um deles.



Acima


Ir lá acima

Ver o que implementar aqui em baixo.

Duvidar, ter medo do clima

Em que de vez nunca encaixo.


Trabalhar o medo,

Executar da terra na gleba

Com rigor,

A ajeitar a leiva que se embeba

De suor,

Sem rasgos de ego

Nem alertas vãos,

No discreto sossego

Das dedicadas mãos.


Apenas compromisso de edificar aqui

O que lá em cima existe em luz.

É o que devia ser a vida, o que a traduz:

À luz do facho,

Ver nas alturas, ali,

O que executar cá em baixo.


Utilizar a inteligência,

A mente,

A congeminar estratégias de prudência,

Reunir elementos para ir em frente,

Edificar no vale, olhos em lume,

A vida iridescente que tens no cume.


É apenas isto.

Porque é tão complicado?

Por mor do medo em que insisto,

Do controlo por mor do recado.

E tu, quando acaso corajoso te entregues,

Consegues?



Conhecemos


Apenas queremos,

Embora a exaurir-nos no deserto,

Agir pelo que conhecemos,

Pelo que, à partida, sabemos

Que irá bater certo.


Para quem cuidar assim,

Jamais há risco,

Nenhum golpe de asa, por fim,

Nenhum salto do aprisco.


Fechados nos próprios conceitos,

Em preconceitos apoiados,

Para não arriscar

Da vida no jogo de dados

Na vida nunca eleitos,

Fugimos à pretensa loucura

De encetar

Uma aventura.


Para quem a tal se arrime

Aventurar-se é um crime.


Ir ao encontro do desconhecido,

Correr um risco num golpe de asa,

Eis o que é digno de ser vivido,

Aqui é que entro em casa.


A andorinha voa com aprumo,

Num trejeito em pleno voo

Muda abrupta de rumo

Sem aviso nem preparação.

É como a mim eu soo

No fundo de meu coração.


Um elementar fermento

Na desordenada corrida,

Inteiramente ao sabor do vento,

Ao sabor da vida.


Arrisca,

Ateia a tua brasa,

Investe o teu golpe de asa,

Percorre a trilha arisca

Do desconhecido,

Abandona teu conforto desmedido.


Só os grandes aventureiros

Têm límpido o imo de cristal.

Só os grandes pioneiros

Têm para contar histórias sem igual.



Agora


Fica aqui agora,

Concentrado neste momento,

Onde estás fisicamente nesta hora,

Não no lugar

Onde tua cabeça de vento

Te deixa estar.


Cada momento é precioso em seu dom,

Na intenção, preciso.

Cada minuto vivo tem o tom

De aviso

Para vivências, escolhas, reflexão...

Vives o que tens de viver, então,

No instante presente.

Escolhe o que for melhor para ti,

Depois vivencia,

Bem na terra assente,

A partir daí,

O teu dia.


O efeito desta escolha será o teu futuro.

Tuas escolhas de hoje

No porvir se reflectem: eis como o inauguro

E já me não foge.

Quando o futuro vier,

Irás compreender


Que valeu a pena ficar assente

No presente.


Será um porvir mais adequado,

Porque mais enraizado.


Vive cada minuto, cada momento,

Aprende a armazenar emoções positivas,

O pôr-do-sol, a carícia do vento,

O fragor das marés vivas,

Um instante com teu amor,

- De estar vivo o esplendor.


Aproveita, armazena e guarda,

É o teu património emocional,

Ao dispor

Quando a vida ficar parda,

Quando triste e desgostoso for

Dela o sinal.


Cada êxtase vivido é uma singularidade

A guardar para a eternidade.


Deves guardá-lo para quando o futuro

Te atropele:

Auguro

Que poderás precisar dele.



Desconstruir


Chegou a era de desconstruir.

Tudo o que te ensinaram a ter por garantido

Já o não é, a seguir,

Ou pode não sê-lo nalgum sentido.


Pelo menos deverás pô-lo em causa,

Tudo o que tinhas como certo pode ruir,

Sem aviso nem pausa.


Não são as coisas o problema,

O problema és tu.

Podes tentar que tudo finde certinho, segundo teu lema,

Como sempre cuidaste de pôr a nu.


Podes fazer tudo

Para que tudo fique como está,

Para não teres medo, sobretudo,

Morto qualquer receio desde já,

Para em teu porto

Não haver desconforto.


Podes tentar

Mas não irás conseguir.

Toda a estrutura antiga há-de estar

Agora a ruir.


Podes deixar de contar

Com tudo com que contavas,

Podes largar,

São traves com que te entravas.

Põe tudo em causa embora te custe.

Desactiva teu controlo

O que está cá hoje, embora a ele me ajuste,

Pode não estar amanhã no mesmo solo

E, ademais,

Pode até nem estar nunca mais.


Põe tudo em causa então,

Trabalho, relações, família,

Rendimentos, segurança, protecção,

O acordo como a quezília,

Tudo em questão,

Tudo em vigília.


Se sentires que não chega,

Sê radical,

Em ti próprio pega,

Põe-te em causa, visceral.


Põe-te a ti em causa no teu trabalho,

Em causa nos teus relacionamentos,

Da familiar árvore em cada galho,

Em teus rendimentos...


Põe-te a ti em causa e verás, a seguir,

Um novo eu a surgir,

Certeiro,

Mais seguro em seu norte,

Aventureiro

E forte.


Não com a força do ego,

Mas com a de quem já aceitou

Que tudo muda, num desassossego,

Tudo pode ocorrer no estranho voo,

Desde que não prescinda

Da energia pura a cristalina

Onde afina

O ser de luz que sempre ele é ainda.



Mudança


Mudança,

Mudança de caminho,

Mudança de vida.

Mudança do que a fundura

Nos alcança,

O recanto sozinho

Da nascente perdida.

Mudança da estrutura

Que persista,

Mudança de vista.


Quanto mais mudas,

Mais o teu olhar aflito

Se vai abrindo para o Infinito,

Para as novas dimensões

Onde não te iludas

Com mais senões.


O céu, lá de cima,

Pouco se preocupa com a mudança cá de baixo

Na matéria.

A matéria não o sublima,

Fanado cacho

De miséria.


De cônjuge podes mudar,

De emprego, de país...

De nada te há-de adiantar

Se a ti te não mudas de raiz

Como pessoa

Em tudo o que em ti de teu imo destoa.


Há quem mude na matéria a vida toda

E permanece o mesmo o tempo inteiro.

Nada adiantou na infrene boda

A nível da evolução

De que devera ser pioneiro

A arrotear o húmus do chão.


Quem permanecer decénios na mesma casa,

No mesmo emprego, no mesmo casamento,

Mas lograr não ser igual todos os dias, soprando a brasa

De reinventar-se a cada momento,

Vivenciando cada pormenor

Que a vida cá em baixo lhe vier propor,

Aparentemente não mudou nada

Na vida vária,

Porém, nas alturas, a leitura adequada

É a contrária.


Ao céu apenas lhe importa

O que estiver dentro,

O que cada qual cultivar na horta

De seu íntimo centro.


Antes de pensar

Em grandes mudas na matéria

Que se poderão catastróficas tornar,

Cuida apenas em mudar

De paradigma: confere-a

Mudando o ângulo de visão,

Olha da matéria os dados

Velhos e pesados

Como inspiração

Para ir, mais aberto e livre, de nada refém,

Sempre mais além.


Olha para ti, repara como estás em tudo, como o vês.

Pensa em olhá-lo do alto da Infinidade,

No ângulo de pureza sem revés

Mais visceral em tua interioridade.


Sentirás dentro de ti rasgar-se o véu

Com a gratidão dos habitantes do céu.


A gratidão que sentem cada vez

Que nos abrimos à inspiração da luz

Afinal

Se traduz

No amor incondicional.


Sente este amor, sente.

Olha todos os teus problemas

Na perspectiva deste amor premente.

Não temas.

Não precisas de mudar nada aqui,

A vida muda por ti.



Reinventa-te


Reinventa-te perenemente.

Olha para o infindo de ti próprio e que ele

Te reinvente.

Sê mais audaz em teu peito imbele,

Mais vigoroso,

Mais enérgico, livre e carinhoso.


Sê mais radical,

Busca a vivência

Em tua essência

Visceral.


De ti nunca te prives,

Que pela mais elevada atitude que podes conceber

Vives,

Se não queres ser

Um pobre qualquer.


Não deixes de sempre perseguir

A criatividade requerida

Para te reinventares, na pegada dum porvir

À tua medida.


Sempre, sempre, que da rotina o mesmo

É de pobres de espírito a pegada a esmo.



Borboleta


Voa a borboleta,

Voa.

Pousa, vibra a aleta,

Roda à toa

E depois voa.


Não se apega a nada nem

A ninguém.


Nem preocupada nem aflita,

Torna a floresta mais bonita.


Tudo e todos leva

No coração de borboleta.

E é só. Pingo de luz na treva,

No cintilar da noite uma alvorada discreta.


Não depende de nada, não depende

Nem do amor nem da presença.

Ama apenas, ao amor se rende,

Ama e voa como por sentença.


Sê tu a borboleta,

Não te apegues a nada nem a ninguém,

Guarda tudo no coração, mensagem secreta.

Ama e voa, afugenta a desdita

Como convém

E torna a floresta mais bonita.



Medos


Olhas tudo em função dos teus medos,

A vida, as pessoas...

Segredos

Com que tua sobrevivência aperfeiçoas.


Se tens medo de algo, é do que te proteges,

Crias defesas,

Camadas e camadas de casca que eleges

Sem reparares nas asas que te findam presas.


São os escudos que crias

Para não cair no medo,

Para não cair na dor.

Dor que pode provir de vias

Ancestrais

A que hoje acedo

Porque jamais

Foram curadas do seu doloroso pendor.


Uma a uma vais colocando

As camadas de defesa.

Ano apóa ano, vida atrás de vida vamos criando

Subterfúgios para que a vida fique ali

Definitivamente presa,

Apagada de vez, sem mais dar de si.


Era o que bem quererias,

Mas as couraças de sobrevivência

São um filtro distorcido por onde já não lias

Da realidade nenhuma valência.


Vês apenas uma ilusão

Do filtro criada pela distorção.


Quando dois, com duas camadas diferentes,

Olham a mesma realidade,

Os filtros neles presentes

Espelham duas experiências divergentes

E nenhuma é a da factualidade.


Daí a divergência de opinião

Sobre determinado

Dado

Em questão.


Haver duas opiniões

Não é mau nem bom.

É um facto, de cada qual com o tom

Das distorções.


Problema é quando cada um quer ter

A razão exclusiva:

Apenas a visão dele há-de ser

Verdadeira, correcta, definitiva.


Não leva os filtros em consideração,

Nem o medo que o invade,

Das memórias perde a invocação:

- Não leva em conta a realidade.


Olhas e quem olha em ti é o medo.

És tu ou não, afinal,

Quem deve dizer qual

É o teu credo?



Aurora


És uma aurora,

O nascer do dia

Que traz com ele o mistério da sabedoria

De hoje e de outrora.


Sabedoria dos dias que já lá vão,

Pela passagem do tempo adquirida,

Sabedoria do zero vão

Do dia em frente, sementeira a ser empreeendida.


Zero de ver que o que vem

É novo, diferente, inusitado

E, às vezes, também

Incompreensível fado.


Mas o dia sabe, furtivo,

Que é para ele o que vem.

Por algum motivo,

Conhecido ou ignoto,

Tudo, mal ou bem,

Caia-lhe ou não no goto,

É para ele que vem.


Para ele poder sentir,

Compreender, assimilar,

Evoluir

E limpar, sempre limpar.


Limpar o que não é dele

Porque veio e aí ficou.

Limpar o que é dele, que se lhe agarrou à pele

Como urtiga,

Venenosa ferida antiga,

Cuja limpeza tantas vezes se adiou.

Limpar nele o que é recente,

Pôr tudo em dia

No presente

Sem qualquer má companhia.


Sê como a madrugada

Que traz consigo a bulir

A sabedoria passada

E a ignorância do porvir.


E ei-la aqui pronta a recomeçar,

Apesar das tormentas,

Dos dias desesperados apesar,

Das bátegas cinzentas,

Apesar do granizo, da rudeza

Do frio e da tristeza.


O alvor sabe que tem de avançar.

O dia está a nascer

E nada pode fazer

Parar o sol de brilhar.


Mesmo quando as nuvens estão em baixo,

Onde o dia inteiro enfaixo.


Que teu passado te instrua,

Mas não atrapalhe o presente,

Não o jogue à rua,

E menos ainda o ausente

Futuro

Que daqui me inauguro.


Mantém-te aberto

Ao que ainda não sabes,

Desperto,

Intacto, de modo que nunca acabes,

Disponível para o que há-de vir

A seguir.


Aquilo a que te concito:

- Abre-te indefinidamente ao Infinito.



Martirizado


Andas todo o tempo infeliz,

Martirizado pela ideia

De que cada um tem de dar importância à própria raiz

E tu nem volta e meia

Sequer

Terás tempo de o fazer.


Raramente logras um espaço

Para ti apenas

E, quando o logras, é tão escasso,

Que aproveitá-lo, nem sequer a duras penas.


Arestas vivas

Do que te agrade,

São demasiadas as expectativas,

A culpa e a ansiedade.


Devia estar a fazer outra coisa,

Há tanto que devia fazer!”

- Registas na loisa

Do deve e haver.


Não entendes que para teu imo

Sequioso

O tempo contigo é o teu arrimo

Mais precioso.


Sente, terno,

Visceral,

O teu jardim de inverno,

Folheia o teu álbum emocional.


Se contigo próprio não logras estar,

Para um buraco fundo

A vida vem-te empurrar,

Onde só mora a solidão no escuro imundo.


Desata a limpar esse buraco,

A desempoeirar a área.

É a tua casa mais profunda este desacato,

A tua marca pessoal mais primária,

Tal furna

É a tua morada diurna.


Está escura e suja?

Está.

Séculos de abandono é o que sobrepuja

De lá.

As árvores estão secas,

A horta morreu,

Nem frutas pecas,

Nem uma réstea de céu.


Vais ter de plantar tudo outra vez,

De podar, regar, adubar e amar,

Tudo vais ter de limpar

Através

De tua dor.


Vais comover-te

Com fervor,

Emocionar-te, reconhecer-te.


E o céu desde sempre te anda a prometer

Que te irás reaver.


Vais reavivar teu próprio firmamento,

Alimentar-te de teu próprio pão,

Vais elucidar-te e transcender-te, momento a momento,

Vais iluminar-te, farol de teu exclusivo chão.


Uma vez tudo tomado a peito,

O terreno arroteado

Até onde se aviste,

Quando o trabalho estiver feito

E os fantasmas se houverem retirado,

Descobrirás que conseguiste.


Olharás lá para cima, na amplidão

Do cósmico abraço

Soltarás um grito de gratidão

Que irá reboar pelo espaço.


Irás vê-Lo, senti-Lo,

Saber quão infinitamente Deus te ama

Daquele Céu ante o qual me perfilo,

Reverdecida rama.


Irás ter a exacta noção,

Em teu imo iluminado,

Da grandeza da comunhão.

- E saberás que estás curado.



Rodeia


O animal tende a tomar a cor

Do que o rodeia,

O insecto é do teor

Do que em redor

Para ele ameia,

O peixe palpita

Da cor do mar que habita...


Também os humanos vivem num ambiente

Igual à qualidade interior que cada qual sente.


Quem com violência interna viver

Há-de atrair um ambiente violento qualquer.


É a lei da natureza,

A lei da energia

Com que o Cosmos dispõe a mesa

De cada dia.


Nossa vantagem

Perante os animais

É que podemos escolher a viagem,

Alterar no íntimo o rumo e os sinais


E, consequentemente,

Mudar em redor

O ambiente.

Como alterar a qualidade interior?


O segredo é a gratidão:

Sente-a por tudo o que tens,

Por quanto a vida já te deu,

Por quantos bens

Teu coração

Já estremeceu.


Se julgares que é pouca coisa,

Sê grato pelo que já logras sentir,

Pelo caminho percorrido que te repoisa,

A consciência que já tens de por onde ir.


Em derradeira análise, gratidão por Deus,

Por já O teres encontrado,

Por já o conheceres na romagem dos Céus,

Por já terem entre os dois falado.


Mesmo que às vezes, acaso,

De ouvi-Lo não tenhas azo.


Encontra um motivo,

Entre os inúmeros que te preenchem o prato,

De te sentires vivo

E grato.


A gratidão irá crescer no teu peito,

Principias a emaná-la agindo de acordo com ela,

A relação com os mais vai mudar daquele jeito,

Vais,

Na sequela,

Começar a receber mais

E, a par,

Mais grato irás ficar,

Cada vez mais, num círculo redentor.

E o mundo vai mudar

Em teu redor

Porque mudou de qualidade

Tua vida interior.


À tua volta, na comunidade,

Tudo devém mais azul,

Do milagre

Que consagre

Quanto por ti se regule.


A gratidão que sentirás por o mundo ter mudado

É tão grande que altera

A vida íntima em teu lar transfigurado,

Em tua rua e cidade,

Em toda uma nova era

De interioridade.


Nunca mais vais ser o mesmo,

Numa vida a esmo.


O céu terá subido ainda mais

Na qualidade

Dos sinais

Da espiritualidade.


Quando deixares este plano,

Junto a Deus lá no céu,

Conversareis muito de cada engano

De tuas maluquices, cá da terra sob o véu,

E de como foste bravo guerreiro na função

De abraçar activo a tua evolução.


Constará do Universo no catálogo

O vosso diálogo.



Resguardar


Olha para ti quieto nesta sala,

Como tiveste de te resguardar,

De reduzir ao fundamental o que em redor te regala

Para lograres reduzir-te a teu imo elementar.


Quanto mais tens

Mais tapas tua interioridade

E não a deixas brilhar sob a teia de reféns

Que te invade.

O que brilha é um imo feliz,

A luz, tua raiz.


Quão mais logras atingir

A mais pura harmonia de teu imo,

Mais logras subir

De qualidade, até trepar ao cimo.


Como agir de verdade

Com meu imo em conformidade?


Senta-te, aquieta-te, medita.

Pede que te seja dada

A energia da honestidade infinita

De teu imo borbotada.


Pede que ela em ti entre,

Fica nela.

Que o máximo de tempo ela te centre,

Para o Infinito rasgada janela.


Sente a honestidade para com teu ser,

Com a raiz de teu íntimo a florescer.


Sente

Teu núcleo radical fielmente.


Depois pede, honesto,

Que te seja mostrado o resto:


O que, na tua vida actual,

Não confere com tua realidade germinal.


E prepara-te bem

Para o que aí vem.


Pode vir o que menos imaginavas

Fazer parte de tua vida.

Com honestidade o desencravas

De ti, em seguida,


Por mais que doa,

Já que não te pertence.

Não corresponde à tua intimidade, anda em ti à toa,

E apenas atrapalha, o que não convence.


Porque é que nem imaginara

Que fora parte de mim?

Tão longe moras da jóia rara

Que brilha para além de teu íntimo confim

Que já te confundiste

Com a luz que noutrem viste.


Actuas orientado de lá,

Não do teu centro.

Então cuidas que o que aparecer te irá

Tem o horizonte que te vem de dentro.

Não, porém: tu não estás em ti, mas acolá.


Irás pedir

Para saber

O que na tua vida tiver

Oriente

Diferente.

I-lo-ás banir

De tua vida,

Seja o que for que represente

Tal medida.


Se quiseres compreender isto

E fazer o que te digo,

Tudo bem: o céu alisto

Como teu eterno amigo

E abrigo.


Se não quiseres compreender

E não estiveres interessado

Numa melhoria interior qualquer

Na vida que tens levado,

Tudo bem

Também:


O céu estará sempre aqui

Para ti.


Não se zanga, não há nada que o aborreça,

Nunca se preocupa, não tem pressa.


Tem todo o tempo do mundo,

O eterno é infinitamente fecundo.


Estará sempre aqui quando precisares dEle,

Sempre aqui quando quiseres começar,

Quando, na tua verdadeira pele

Tua vibrátil asa

Queiras adejar

Para voltar

Para casa.



Aventura


A vida é uma aventura

E como tal deveria ser vivida:

Nunca repetir a mesma figura,

A inovar perene a vertente prosseguida.


Cada qual vem à terra experimentar a emoção.

A ajudá-lo na tarefa o céu criou

A vivência na matéria.

A experiência despoleta então

A emoção que no fundo sou,

Desvendo minha glória no meio da miséria.


Há quem jamais crie experiências novas

Em sua vida.

Sempre as mesmas provas

Dia após dia, ano após ano de rotina embrutecida.


Julgam que mudar é mau,

Não se atrevem, não arriscam, não se atiram

Do precipício para o vau

Antes que o tamanho lhe mediram,

Antes da visão vera

Do que lá em baixo os espera.


Nunca põem a probabilidade

De lá em baixo estar a divindade


E de numa nave as colocar Deus

Para voarem aos céus.


Não têm fé,

Não entram em comunhão,

Não vivenciam a vida até

À sua maior dimensão.


Nunca abandonam o pequeno horto

De seu minúsculo conforto.


Não arriscam, nada apanham,

Não perdem mas também não ganham.


A vida vai ficando previsível,

Findando aborrecida.

Um dia notam o derradeiro desnível:

Nada os interessa na desilusão sumida.


É a morte do imo.

A experiência da matéria chegou ao fim

Por falta do limo

Que a corrente secou assim.


Por falta de experiências

Tudo devém repetitivo,

Sem graça nas vivências,

Disforme morto-vivo.


A vida não é isto,

É uma grande aventura,

Com experiências novas a que não resisto:

Tudo novo ou que o novo configura.


Que tua vida não tenha muitas repetições!

Cria,

Cria situações:

A criatividade é o motor da vida que doutro modo se entravaria.



Se, por obrigação,

Vives eventos repetitivos,

Encara-os de modo inovador então

Todos os dias, torna-os vivos.


Muda,

Muda as coisas.

Se as não podes mudar, com mente aguda

Muda a forma como nelas poisas.


Teu imo irá renascer,

Fénix das cinzas a se elevar,

As asas vai desenvolver

E voar.


É de nós próprios o germinar mais brilhante,

Ter um imo que voa pelo Universo adiante.



Fase


Não deixes passar esta fase,

Não esperes que, com ela,

Passe o desconforto e tristeza que te arrase.

Cada fase da vida é uma janela

Para ser aproveitada,

Sentida, integrada.


Integra todos os eventos

Em tua interioridade.

Abre tua íntima energia aos ventos

Para que nela caiba toda a novidade

Que te vier a ocorrer.


Para que tudo o que vier

Mexa contigo e te mude.

Esta fase é a melhor para a tua fiel alma

Que jamais te ilude.

Ela adora da mudança a palma,

Gosta de rearmonização.


Deixa que esta fase te rearmonize.

Ela é a terra da promissão

Do ser que estás para ser: que se viabilize!


Basta-te senti-la e trabalhar com ela,

Não lhe desprezes o poder,

Não te demitas da parcela

De evolução

Que em ti vem promover.


Quando tudo tiver passado,

Quando os mares revoltos

Tiveres cruzado,

Da bonança por fim auferindo os zéfiros soltos,

Descobrirás um mundo novo então

E entenderás que, afinal, o céu tinha razão.



Batalha


Numa batalha, em tempos ancestrais,

Cinco mil soldados dum lado,

Cinco mildo outro, todos leais,

Cada qual o mais

Denodado.


Duas vias podes escolher:

Ou atacar

Ou ficar.

Em qual te irás envolver?


Ao atacar, a batalha pode ser sangrenta,

Esventrada de baixas.

Ao ficar, algum tempo se aguenta,

Mas ao risco de ser atacado lanças achas

E o fogo da defesa

Não tem a eficácia com que um ataque lesa.


Prós e contras tudo tem.

Se escolheres pelo ego, qualquer escolha contém


Em si

O que poderá virar-se contra ti,


Rasgando em teus chãos

Prejuízos vãos.


Se escolheres pela volátil alma,

Por mais contratempos que ocorram,

Estes transmudar-se-ão em teus mestres na tarde calma,

Enquanto corram,

De estação em estação,

Na tua via de evolução.


Que é de alma, que é de ego?

Põe tua mente em teu coração e sente.

Põe teu pensamento na fundura deste pego

Que não mente.


Sente uma das escolhas.

Como é que teu peito fica?

Alegre? Triste? Pesado? Quando o olhas,

Que é que em ti se verifica?


Agora faz o contrário,

Sente a outra opção.

De que é que é tributário

Teu peito nesta estação?

Tua flébil alma logras atingir assim,

Ela fala com teu coração.


Se destes dois promoveres enfim

A junção,

Podes contar evoluir sem fantasias

Até ao fim de teus dias.



Fizeste


Fizeste o que devia ser feito,

Contra obstáculos, dificuldades,

A própria resistência de teu peito,

As tuas obscuridades.


Apesar da tristeza

Que de ti fez presa.


Fizeste o que tinhas de fazer

Para voltar à tua intimidade original,

Ao teu elemento, a respirar teu ser,

Aqui,

Fanal

Para voltar a ti.


Quem não está na sua interioridade,

No seu íntimo elemento,

Está descentrado da própria identidade,

Não se foca em sua corrente de energia,

Arrastado por qualquer vento

De qualquer

Dia,

E pára humanamente de viver,

Folha ao acaso da ventania.


Porque a vida é uma aventura

Mas só para quem de si próprio vive dentro.

Pode ir até aos mais, impelido pelo íntimo centro,

Sair de vez em quando na procura,

Mas tem de voltar,

De saber

Como voltar e de gostar

De o fazer.


E tem de gostar do que encontra,

Que, se não gosta, não vai ficar

Aí a olhar a montra.


Quem não quer ficar, foge,

Foge para fora,

Para outrem que o aloje

Onde mora,


Nos dados da matéria,

Que a matéria é um filme com luz e cor,

Som e movimento,

Imita a realidade séria

No fulgor

Do intento.


Dentro de ti é escuro,

Movimento e cor não os há,

Mas é subtil e brilha por trás do muro.

Ora, onde a subtileza, onde o brilho está,

Por trás do véu,

A chave se esconde do céu.


Quando focas a atenção fora de ti

E atrás do filme da vida vais,

Atrás do movimento vais então aí,

Da luz e do som superficiais,

Da matéria desces ao rasteiro chão

Que, como um filme, é apenas ilusão.


Lá em cima, na interioridade,

É que anda a verdade,


Dentro de ti,

- Mora aí.


Nesta dimensão que aparentemente te entrave,

Escura e pesada de obscuridade,

Deténs a chave

Da felicidade.


Quanto mais tempo passares nela,

Como uma reza,

Melhor irás entendê-la,

Mais valor darás ao brilho e subtileza.


Ante tal perfil

A matéria é tudo menos subtil.


Quando aprenderes a respeitar

Teu pendor

Interior,

Quando aprenderes a voltar,

Irás, a seguir,

Poder começar

A ir.


Por ora fica, por um momento,

Fica em ti,

Em teu apresto.

Escolhe-te aqui,

Em detrimento

Do resto.


Um dia,

À força de te conheceres,

De te sentires na íntima magia,

Saberás que não há mais nada para veres,

Nenhum outro paraíso a surgir,

Não há mais nenhum lugar para ir.


Porque, na fundura que nunca de vez atingi,

É Deus que está sempre ali.



Templo


Cada momento que vives contigo,

Com teus eventos,

Teus pensamentos,

Tuas perguntas ao postigo,

De tuas respostas no abrigo,

É um momento sagrado.


Que tu és um templo,

Iluminado

Para exemplo

Ou apagado.


Toda a estrutura

Celular e energética

Que teu ser configura,

Quando a contemplo,

É a mensagem profética

De vir a ser um templo.


Onde se reza,

Onde se medita,

Onde se interioriza o que se preza

Ou despreza,

Onde se está

E se concita

O respeito de estar por quem houver lá.


Onde se ri ou chora

Mas, sobretudo, onde se acredita

Na hora.


Onde se crê que tudo irá dar certo,

Que todo o esforço em nome da evolução

Dará fruto, longe ou perto,

E que tu, com esta energia motriz,

Irás ser muito feliz.


Muito feliz porque te respeitaste,

Passaste contigo o tempo que era suposto,

A ilusão e os fantasmas afugentaste,

Ocupaste o teu posto

Encarando a dura e difícil realidade

De quem és

Com tuas limitações, desencantos, futilidade,

Sem da terra desprender os pés.


E também porque admitiste

Em teu templo uma dose infinda de fé e de verdade

E viste

Que viver sob tais solidéus

É atingir o reino dos céus.


Cuida que o tempo contigo seja grandioso,

Cuida de cada pormenor do templo corporificado,

Cuida do que entrar saboroso

E do que sair nalgum traslado.


Cuida do que, ao entrar, te alimenta,

Que das células te muda a constituição

E, por conseguinte, diminui ou acrescenta

A energia que tens à mão.


A energia de quem te rodeia

Vai determinar

Como uma teia

O teu bem-estar.


De teu templo não saias inteiramente,

Não o deixes abandonado.

Sai, vai aos outros, mas volta de repente,

Deixa um trilho reservado.

Não te esqueças, na portaria deserta,

De deixar a porta aberta.


Para se poder

Voltar

E que voltar te dê prazer.


Para que deixes de te abandonar,

Como nos derradeiros séculos teu trejeito,

Afinal,

Por nosso mal,

Tem feito.



Atraiu


Tudo o que a outrem fazes,

Outrem a si porventura o atraiu.

Por mais que não queira que o aprazes,

Pois de seu conforto então saiu,


Por mais que te custe fazer

Porque tens pena

E a culpa te há-de aparecer,

O que levas à cena

Ou és levado a empreender


É parte do cósmico jogo

De repulsa e atracção

Que da vida anima o fogo

Da matéria no torrão.


Aqui em baixo funciona

Um poderoso enredado de energias à tona.


Alguém precisa dum abanão,

De perder algo, de ir ao fundo,

De aceder à dor de alma de supetão,

De libertar um sofrimento infecundo

Que lhe bloqueia a energia.

O que o bloqueia

De imediato é reconhecido

Pela sidérea

Teia

Da matéria

De que vive envolvido.


Dum abanão precisa

Para que o nó se desfaça.

Ora, tu chegaste em tua vida à traça

Cuja divisa

É que tens de pôr-te ao abrigo

Porque tens de ficar contigo,


Largar a atenção em demasia

Que noutrem se poria,


Voltar a ti,

Que estás há demasiado tempo fora.

A outrem dizer “não” agora

E aqui

Para que, por fim,

A ti próprio digas “sim”.


Por conjunção de vossas energias

Tu e o outro se juntam,

Dele dirás não às vias

Que então assuntam.


És levado a abandoná-lo à sorte,

És levado à ruptura.

Como ignoras que um abanão o transporte,

Findas culpado com tua usura.


Que não sofra crês poder ter feito,

Podias ter permanecido um tempo mais...

E culpas-te deste jeito,

Ignorando os sinais.


Os factos, porém, são como são.

Não fazes o que fazes por acaso.

Não creias agir em desunião

Do Cosmos que te rodeia e que àquilo deu azo.


És levado a fazer,

Chegou o momento.

É preciso agir

E vais sentir

A energia de ruptura a conceber

Um novo evento.


Está na hora

De os acontecimentos mudarem de rumo

E actuas, em resumo,

Agora.

Culpa e perda arriscando,

Mas actuas, nem olhando.


Ora,

Este acto que é teu

É festejado no céu.


Cá em baixo podes cuidar que havia

Outra coisa a fazer,

Mas lá em cima os céus vão saber

Que não, é a tua fantasia.


Alguém tem de levar um abanão,

O céu escolheu-te para o executar.

Sem culpa nem medo, tudo, quando em seu lugar,

Tudo, tudo é são.


Vais vivendo e entendendo

Que cada coisa tem um tempo e uma demora

E que o tempo de ir sendo

Chegou agora.



Aqui


Deus está aqui,

Sempre aqui esteve.

De ti

Depende preparar-te para recebê-Lo como se deve,

Acolher-lhe a energia

Devagar.

Para acolhê-la como se deveria

Tens tu próprio de aqui estar

Assim devagar.


Cada célula, cada membro a abrir-se a recebê-Lo,

Para soltarem o peso que retêm,

A negatividade que lhes pousa no escabelo.


Deus vai absorver o peso por Ele além

E troca-lhe os pólos:

Onde era escuro, abre a luz,

Onde havia som, agora ficam os solos

Do silêncio a que o nada se reduz.


É o vazio

E nele a flébil alma a se manifestar.

E, nesta manifestação, em desafio

Deus há-de estar

Na magnitude

De toda a sua plenitude.


Em cada célula é que Ele existe pleno,

É a soma delas que faz dEle o que Ele é hoje,

Plena energia no âmago de quanto é terreno.


Neste lugar da terra em que o mundo inteiro em ti se aloje,

Ao trepar tão alto que ao Além te arrimas,

É que dos céus

Te aproximas

E vais dar a Deus.



Lições


Adorarias aprender tuas lições de vida

De forma agradável, colorida,

Porém a vida não é assim.

Sabes que tens de aprender,

Os outros dão-te as lições

Mas continuas a querer

Que cada uma te seja afim,

Gentil e sem lesões.


O Cosmos até poderá ser gentil e suave,

Nada drástico, rápido, bruto,

Desagradável, triste nem vergonhoso...

Desde que, à primeira, a lição se te grave,

Atento fruto

Do alerta dele prestimoso.


A primeira vez que tenta mostrar

É suave e gentil.

Mas é raro entendermos, com a matéria a pesar,

Densa e senil.

Pesados e desatentos somos, em cada gesto traído,

Qualquer sinal brando finda por inteiro despercebido.


Recebemos o sinal como uma brisa

E a passada alegremente

Desliza

Para o precipício em frente.


Aí o Cosmos tem de se apressar,

De subir a parada,

De baixar

A frequência

Vivenciada,

Tem de ficar mais pesado.

Tudo depende da nossa resistência

Ao sinal dado.


Quanto mais forçamos continuar

A conjuntura que nos não devolve

Nossa energia original singular,

Mais força o Cosmos envolve

A nos obrigar, com quanto nos arrasa,

A voltar para casa,

Para o nosso caminho, janelo divino,

E função,

Onde germina nosso destino,

A nossa criação.


Quando cuidas que algo em tua vida

Foi drástico demais,

Repara no desgostoso Universo que desnivelou a lida

Para te dar uma lição que ambos detestais.


Vê quanto resistes e como custa a via

De voltar à qualidade de tua energia,


Quão distante do céu vais tornando tua freima viva

Quando recusas aprender à primeira tentativa,


Como Deus ficará triste então

Com tão má gestão.



Triste


Sei que estás triste e que não passa,

As coisas não são como querias.

Querias que tivessem outra traça,

Mais fáceis, a dar jeito e alegrias.

Querias transpor e distinguir melhor

Cada sentimento, emoção, cada amor.


A vida, porém, no movimento secreto

Que apenas ela controla,

Não te oferta tecto,

Leva-te à escola.


Não te dá o que querias na jornada,

Não te deixa fluir,

Não te facilita nada.


A vida, por motivos só dela,

Não irá permitir

Que os dados à tua beira

Ocorram numa sequela

À tua maneira.


E nada podes fazer.

Não podes alterar

A ordem natural dos eventos

Que se vier

A desenhar

Ao sabor dos ventos.


Só podes ficar triste,

Ter pena,

Fazer o luto.

E podes ligar-te à impotência que em ti viste,

Entender que o que não podes na cena

É um produto

Pensado para ser assim.

É a vida que tal impotência

Te está trazendo, enfim.

Em vez de olhares a falência

Do que não estás a conseguir,

Olha para o que tens de fazer

No intuito de entender,

Aceitar e sorrir,

Sereno,

Ao que deveras não puderes no terreno.


Indivíduos e coisas, todos têm a própria energia,

Avançam através dela.

Não podem mudar a deles algum dia

Para seguir a tua, em ti postos à janela,

Só porque tu queres,

Para não sofreres.


Chora, esperneia,

Mas aceita este nó da tua teia.


Em vez de chorar

Porque nada é como queres,

Chora, em lugar,

Por não teres

Sequer

Poder

De querer que seja como queres.


Aí trabalhas a impotência

E vais crescer.

Então, deste sofrimento teu

A violência

De alguma coisa valeu.



Montanha


O homem caminha pela estrada

Com curvas, subidas e descidas,

Até que em frente fica bloqueada,

Um obstáculo de proporções desmedidas:

A montanha alcantilada.


Que fazer?

Tem três alternativas:

Ou martela a montanha, para em poeira a esmoer,

Ou volta atrás e busca outro caminho,

Ou trepa a encosta pelas rochas vivas,

Fiel de seu trilho ao áspero cadinho.


A primeira cansa-o, desgasta-o

E, se derrubar a montanha,

O esforço gasta-o

Tanto de exaustão tamanha

Que mais força lhe não há-de restar

Para continuar.


Para si

O caminho acaba aí.


Na segunda, o homem, amedrontado,

Volta atrás:

Mais não faz

Que o próprio caminho pôr de lado.


Na terceira, o homem trepa à montanha,

Não tem outra escolha, é subir.

Mas às costas transporta carga tamanha

Que dela se tem de eximir,

Libertar-se de bens,

Desapegar-se de elementos que julgou cruciais

Para a jornada

E que, afinal, só lhe fazem agora as pegadas reféns,

Sem sinais

De mais nada.


Para trepar aos alcantis que houver,

O homem tem de aceitar ser ele próprio, Ser.


E vai ficando mais leve,

Quanto mais se aplica

Na escarpa certa,

Mais breve

Se liberta

E mais leveiro fica.


Quando finalmente atinge o cume,

Deveras libertado,

Pode olhar, das alturas com o lume,

Todo o horizonte desvendado.


Entende que está diferente.

Já não pode descer,

Ao caminho inicial a retornar.

O dever

Écontinuar

Dali em frente.


Quando deveras o sentir,

Um novo caminho se anunciará

A partir

De lá,

Alto, leve, livre, pejado de porvir.


Quando acatou subir

Da montanha o pendor,

Ignorava que, a par,

O nível iria elevar

Da vida interior.


Apenas quando atingiu o cimo

Logrou entender

Que já não era mais preciso descer.

O roteiro do imo,

Doravante, para si,

É feito a partir dali.


A vida é assim.

Quando se ergue uma muralha,

Podes evitá-la mudando, ao fim,

Do caminho a calha,

Mas não trocando de qualidade interior,

Teu íntimo valor.


Ou podes encará-la,

Confrontando toda a tua limitação.

O confronto com esta não é criticá-la nem julgá-la,

É aceitar, é acolher

Para se auto-propor

Fazer

Cada dia melhor.


É também descentrar-te das limitações

Para procurar tuas capacidades,

Que onde há umas as outras haverá.

Quando tiveres encarado o muro e as tuas prisões,

Quando te livrares do peso de tuas opacidades,

Das negatividades,

As limitações aceitando desde já,

Então estarás a elevar o esplendor

Da qualidade em teu interior.


E o caminho, outrora a esmo,

Nunca mais será o mesmo.



Sobe


Sobe, sobe aé aos céus,

Vai ter com Deus.


Trepa pelos interiores portais,

Cada um há-de se abrir

Para poderes cruzá-los, depurando cada vez mais

Tua energia íntima, tua fonte de porvir.


A cada portal que passares,

Mais subtil fica tua vida interior,

Maior o poder de senti-Lo quando chegares

Lá acima, do Infinito ao fulgor.


Medita, sobe,

Deixa a tristeza cá em baixo,

A preocupação que te coube,

Das leviandades o cacho,

A resistência, o desassossego,

O orgulho, o ego...


Larga cá em baixo o que te limita

Como humano,

O que atrofia com engano

E mal debita

A justeza e dignidade do arrimo

De teu imo.


Larga tudo cá em baixo e vai subindo.

Quando chegares lá acima,

O céu terá uma festa à tua espera,

O iridescente lindo

Clima

De homenagem à quimera

De trepares convictamente.

Para esquecer os anos sem o teor

Luminescente

Do Amor.


Depois desta subida

Estarás tão diferente, tão transmudado

Que, ao voltares à tua vida,

Emanarás por todo o lado

Uma energia renovada

De vez pacificada.


Esta energia vai mudar teu mundo, seguidamente,

E tudo irá ficar diferente.


Vais entender que é preciso subir,

De Deus conhecer o toque transformador.

I-lo-ás sentir.

Nunca mais olharás da vida o teor

Descoroçoado a crer

Que não há nada a fazer.


Tens de subir, ir lá acima, fecundo,

Que és do grupo escolhido

Cujo sentido

É o de transformar o mundo:

Através da própria transformação

Transformá-lo por fermentação.


Para tal tarefa conta o céu contigo

E preparado estarás, do céu ao abrigo.



Parar


Tens de parar,

Parar de fugir

Do que te preocupa e te dói.

Parar de racionalizar

Para não sentir,

Preso ao que já foi.

Parar de tornar teus dias em redemoinhos

Densos, dramáticos e, no fim, maninhos.


Pára, fica somente.

Pondera que parar é importante,

Uma prioridade premente

Ante

O que te vier adiante.


Estar só contigo é fundamental

Para poderes alinhar com o pendor de teu imo,

Com a qualidade mais radical,

Com o cimo

Donde te chama cada dia

A tua íntima energia.


Se com isto alinhares,

Vais lograr aceder

Ao que o céu tiver

De mais elevado para ti nos seus pomares.


Se conseguires entender

Esta vera bênção que teu imo atravessa,

Lograrás crescer mais depresa.


Como num salto,

Atingirás mais alto.


Ficar parado, quieto,

De ti próprio dentro

É o mais rápido caminho secreto

Para evoluir a partir de teu centro.


Quando aí, parado e quieto somente,

Te conseguires sentir

Plenamente

E a fundura

Descobrir

Do apelo de teu imo,

Apenas nesta altura

Vais poder sair,

Descer lá do cimo,

Para executar com a marca sidérea

Os mais belos projectos na matéria.


Então irás entender

Que, sem revés,

Já consegues ser

Muito mais quem és.


Da paragem a estranha cena,

Afinal, valeu a pena.



Fértil


Não deixar entrar,

Eis um fértil segredo.

Se um dia, tarde ou cedo,

Tua vida interior lograr

Aparecer resolvida,

Concentrada,

Esclarecida,

Emancipada,

- Toda a tua íntima energia

Alimenta então a qualidade

Única, inconfundível, da tua via,

Da tua autenticidade.


Viverás uno com teu imo

Que se mantém inalterado

No bom e no mau dos dias,

Imune à interferência do limo

Externo que te haja tocado,

Dos humores e manias

Da matéria que moldarias.


É apenas isto, derivado em muitos ramos,

O que o céu quer que façamos.


Tenta não deixar entrar

Da matéria os dados que vais tendo.

Há problemas? Resolve-os sem os deixar

Macular o que no imo fores sendo,

Sem do obstáculo o peso que te desafia

Te alterar

O rumo de tua íntima energia.


Existe um conflito?

Resolve-o sem o deixar entrar.

Olha dele para o atrito

Vendo a importância que tem

E mais nada, nada além.


Não o deixes perturbar

A tua vida.

Toma cuidado, que a medida

Seja de dentro para fora,

Não a racionalização

Da emoção

Com que o evento se decora.


Se falhas e deixas o exterior entrar

Até te atingir forte e fundo,

Chora, abre o peito até retirar

O peso que nele pesa o mundo.


Não culpes ninguém.

Se a negatividade entrou

É que havia uma memória de dor para soltar.

Segue além

E, quando já tudo findou,

À matriz é o momento de voltar.


Centra-te, volta a sentir

Tua fina interioridade

E tenta não deixar,

A seguir,

Mais nada entrar

Em tua íntima privacidade.


Este é um dos maiores segredos de vida.

Um dia, quando já nada entrar

Que te perturbe o rumo,

Quando tudo for amor, afecto, sensibilidade,


Terminaste a função que te foi cometida

E poderás, em resumo,

Ir lá acima, do céu à cidade,

Sem medo

De cá voltar como em degredo.


Teu imo e tua interioridade

Definitivamente se unirão

Para poderem continuar em comunhão

A jornada rumo à eternidade.



























5


Quinta Estrela















Aquieta


De olhos fechados, aquieta a mente, relaxa

E fica assim calmo, devagar,

Com todos os órgãos a repousar

Do corpo na tépida caixa,

Toda a célula a serenar...


Vais entrando em contacto, lentamente,

Com tudo em teu redor

Que pulsa, fremente,

Do chão ao calor.


Coisas e pessoas com energia mais pura,

Com vida interior

Mais elevada e segura

Que te depura.

Principias por te ligar a esta energia na ribalta

Que te rodeia e te faz falta.


Para te conectares é só sentires

Profundamente a energia.

Não precisas de pensar em nada, só de te abrires

À brancura da força que te envia.


Não acolhas, porém, a escuridão

Da energia pesada, triste, que te enterra no chão.


Procura à volta,

De olhos fechados,

A energia mais alta que no ar te solta,

A mais pura que te inundar por todos os lados.

Vai-la conseguir

Decerto sentir.


Fica apenas a senti-la,

Deixa que entre dentro de ti.

Depois, quando, tranquila,

Acalmar já teu frenesi,

Procura mais coisas e pessoas

Que de tal energia tenham a dimensão.

Não saias donde estás, que te atordoas,

Não abras os olhos, senão

Tombas no chão.


Procura na rua,

Nas árvores, nos animais,

Pressente-lhes a animação,

Sente-a, puxa-a para os teus íntimos canais.

É a tua reenergização.


Está na hora,

Fá-lo agora!



Sinais


Há muito quem cuide que a vida opera por sinais:

Se tudo correr bem e fluir,

É para ser feito, sem mais.

Ao invés, se entupir,

É de votá-lo ao abandono.


E há quem aos sinais não ligue,

Não queira dono.

Depois, quando com ele brigue

A coincidência, pois coincidências não as há,

Tenta então ler a vida,

Através dos sinais que apanha aqui ou acolá,

Porém rudimentar lhe fica o esforço que envida.


Se tudo bater certo,

Avança.

Se obstáculos houver por perto,

Recua e nada alcança.


É a fórmula universal para tudo.

Como findam disponíveis aos sinais da vida,

Cuidam que o ego, seja embora agudo,

Está dominado, vitória garantida.


É um engano

Que os encegueira para o dano.


Se a vida fora tão facilmente legível,

Porque dar tanto valor

Ao eu superior,

Ao âmago indefectível?


É que apenas estes poderão responder

Às questões mais profundas.

Tudo o que não vier

Deles vem a ser

Do ego as intromissões facundas.

O que jamais, decerto,

Irá dar certo.


Antes, pois, opera tu assim:

Tenho de fazer algo

Que requer um enorme compromisso de mim.

A vida vai opor-me obstáculos que galgo,

Para me testar

Até onde meu empenho me irá levar.


Imagina se então

Desistes, por achar

Que os obstáculos são

Sinal para recuar.


Entendes porque a pista

Não é assim tão simplista?


Convém distinguir a armadilha para testar

Dos sinais de não dar certo

Pelo eu superior,

O singular

Imo de tua vida interior

Mais puro e mais desperto.

Só ele poderá dizer,

Indicar

Que fazer,

Os parâmetros da iniciativa

Que a conjuntura torne viva.


Se ainda não consegues ligar com teu eu superior,

Utiliza a intuição,

Nunca o ego predador,

Nunca a mental dimensão.


Então, o que o céu aqui te traz

É o beijo para poderes ficar em paz.



Esforço


Andas a esforçar-te demais,

Fazes tudo com esforço.

Com o céu porque não contas jamais?

Porque o céu não me irá dar

Do que quero nem o escorço”

- Responderias, liminar.


Ora, o céu te dirá que, se com ele contares,

Se nele acreditares,


Seja o que for que te não der aqui

É apenas porque não é para ti.


Vê só quanta vida pouparias

Se apuraras tuas vias!




Dedica-te a uma coisa só,

Não te ocupes de mais nada

De importante.

Faz de cotio a rotina programada

Como jogada

De dominó,

E não focalizes adiante

Senão a tua empreitada.


Uma só que vai ocupar

Tuas meditações,

Tuas inspirações.

De todo o pormenor

Lhe irás cuidar.

Coloca aí amor,

No que preenche teus pensamentos pioneiros,

Todo o amor, os afectos inteiros.


E, sobretudo, a tua gratidão

Por estares vivo e poderes viver

Profundamente esta experiência, fronteira da imensidão.

Pela gratidão, a Deus vais ter.


Deus desce pelo canal inesperado

De estares grato.

Num instante há-de estar a teu lado

E pode pessoalmente, discreto e pacato,

Como fresco vento,

Ajudar-te a compor qualquer evento.


O que fizeres terá dEle a energia

E a energia dEle transborda de ti e de teu acto

E todos a sentirão

Ao correr do dia.


Serás um canal de transmissão

Segura

De energia pura.

E tal é a tua missão

Na terrenal secura.



Morto


Tens um eu morto aí dentro,

Deita-o fora.

Deixa de ser quem eras, que aí teu centro

Não vigora.


Deita fora as caraças,

Insistências, hábitos, obsessões,

Tudo o que é velho e onde não passas,

Que anda em ti morto há gerações.


Já está morto aí

Mas continua dentro de ti.


Procura novo afazer,

Nova aventura e experiência.

Pergunta o que quer

Tua íntima vivência.


Pergunta o que em teu imo sentes,

O que quer ele ser

E vai fazendo, entrementes,

O que te disser.


Irá levar-te por um roteiro luminescente,

Brando e clarividente.

Um trilho de luz

Que traz no acaso

Do facto que induz,

Fatal,

A certeza de que cada caso

É o teu caminho original.


Quando aqui chegas, ignoto herói,

Todo o teu eu antigo já se foi.


Apuras vivências novas

E tua interioridade

Que então renovas

Melhora, degrau a degrau, a qualidade.

Voaste do rasteiro asfalto

Para um cume mais alto.


Tudo desata a ocorrer nas tuas células,

Na tua vida,

Volitam cada vez mais libélulas

No carreiro que trepa à tua ermida.


Tudo vai ficando no lugar,

Já que teu eu morto

Fora aceitaste deitar

E te dispuseste a ir atrás do novo horto

De teu eu eterno

Que nunca deixou de estar aí, de ti a par,

Apenas não o vias

Nem sentias

E cuidavas que ou algum inferno

O devora

Ou então se fora embora.


Não foi, porém,

E nunca irá, de facto.

É o teu eu de sempre, que a ti se atém

Puro, límpido, intacto.


É o que deverás seguir

Nos trilhos teus

Se pretendes deveras prosseguir

Teu caminho rumo aos céus.



Obrigado


Obrigado por toda a bênção,

Pela encarnação.

Obrigado pelas frestas que me convençam

A vivenciar o Infinito no torrão

Da matéria,

A apreender o Além, dela na miséria.


Obrigado pelo nível da vida interior,

Pela incrível emoção

Boa ou má, fraca ou forte,

De que me é permitido o sabor

Cada dia que procuro o norte.


Obrigado pelos dias.

Obrigado pela dor

Que, liberta, se transmuda em alegrias.

Obrigado pela noite que, vivida,

Se transmuda em euforias

Em seguida.


Que tudo seja como tem de ser

Para que eu chegue onde a Luz

Poderei ver

A que tudo finalmente reconduz.


Onde a poderei ter

Mesmo onde jamais a supus:

- Onde poderei ser

Luz.



Controla


Teu eu que controla deixa ir,

Prescinde de controlar conjunturas ou eventos,

Seja do que for, é de prescindir

Em teus intentos.


Seja o que for que tentes controlar

Agora,

Solta-o, entrega sem demora.

Entrega-o ao céu, deixa-o voar

Para te sentires mais seguro.


Há quem não consiga entregar

Tudo ao céu, que é vago, indefinido e o não apuro.

Se for o caso, entrega-o a Jesus, a um santo, a Deus...

E os ateus

Entreguem-no ao sabor incontroverso

Do Universo.


Não é uma saída a esmo,

São vários rostos do mesmo.


Mas entrega, solta.

Quanto mais tentas controlar

Mais a conjuntura te escapa em volta,

Em singular

Revolta.


São os opostos, da matéria a dualidade

A operar em pleno.

Ao eu controlador deixa-o ir de tua identidade,

Prescinde-lhe do tentador aceno.


Deixa a vida fuir

E aprende a fluir com a vida.

Quando aprenderes que o controlo vai levar-te

Onde não tens de ir,

Entenderás em que medida

Não tem arte

De te conduzir

Onde de ir tiveres

Para deveras seres.


É muito triste

Porque o desvio fica aí

Gravado em tudo o que existe.

Quantas mais vidas se rasgarão então neste bisturi

Até uma acertar o passo,

Encontrar o rumo de teu imo

E te encaminhar, no espaço sem espaço,

Até às alturas do cimo,

Até ao lugar que é o teu

No céu?


Deixa o controlo ir, entrega.

Entrega-te, põe-te ao dispor da íntima energia,

Da Luz que daqui brota e por dentro te rega,

Nascente do rio fértil de teu dia.


Solta a violência

De gestos e mente,

Solta a resistência,

Que se vão embora definitivamente.


É um pacto contigo,

Com a energia,

Com a luz.

Por aí persegues, por aí persigo

A via

Que o Além em nossos termos nos traduz.



Sinos


Dentro de ti ouve os sinos a tocar.

Andam a anunciar


Que está pronta a tua pegada

Para a próxima jornada,


O plano seguinte,

O seguinte patamar

Na curva da estrada

Do ouvinte.


Não vais morrer, vais trepar de nível,

Saltar um degrau de qualidade,

Fruto elegível

Da vivência que te invade,

Da purificação de sentido

Que tens sofrido.


O mundo da interioridade

Está pronto para te fazer subir

Lá para o alto

O nível de qualidade,

O teor

Com que pretendes assumir

O sobressalto

De tua vida interior.


Lá em cima

Talvez te seja mais difícil viver,

Pois continuas cá em baixo, no clima

Da matéria que houver.


Este, porém, é o desafio:

Um comportamento exemplar,

Apesar

De contra a corrente do rio.


Não ajeites o evento

Só porque te fica mais confortável.

Do medo encara o tormento,

Não tentes controlar o acontecimento

Inevitável.


Não controles ninguém, não manipules,

Do que não te orgulhe nada faças.

Nenhum sábio dito anules,

Que é saúde em tuas traças.


Mais que tudo, encontra teu imo,

Torna-o prioritário em tua vida.

Fala e ouve o que quer este teu arrimo.

Se entendes que te torna feliz em seguida,

Avança, não tenhas medo.

É o momento do segredo

Em que te é dado a conhecer

De tua frágil alma o verdadeiro ser.



Chama-te


A vida chama-te

Para saíres do marasmo a que te acomodaste.

Chama-te para aventuras quanto baste,

Só tens de dizer sim, a noiva ama-te.


Um compromisso apenas tens de aceitar:

Honrar

O que à terra vieste fazer:

- Quem és, Ser.


Se lograres Ser em toda a ocasião,

O resto far-se-á por si então.


Anda ver a vida,

Abandona o casulo do falso conforto emocional

A que te votaste,

Em que te refugiaste,

Preventiva medida

Para um engano final.


Cuidas que, sem arriscar,

Nunca irás perder.

Mas também não irás ganhar.

Isto é vida, sequer?


Fecha os olhos,

Respira fundo,

Abre tuas asas sobre os escolhos

Do mundo

E aprende de vez, a par,

Nalgum momento,

Que principia em ti o movimento

De aprender a voar.



Receber


Aceita receber.

Habituado a dar, aí fica teu controlo.

Enquanto dás, controlas o que ocorrer,

Os eventos e, no mesmo rolo,

O indivíduo, ao calhar,

A quem estiveres a dar.

Enquanto ele receber,

Há-de estar a aceitar-me,

Não a rejeitar-me” -

Pensas, ao correr.


Ao te limitares a dar, assim,

O afecto alheio controlar tentando,

Vais-te, por fim,

Bloqueando.


Quem creia

Que apenas dar a todo o instante

É que é importante

Bloqueia.


Bloqueia por o controlo não perder,

Por não relaxar,

E nada receber

A par.


Receber é o controlo perder,

É aceitar

E saber

Que depois podemos voltar a precisar

E não receber mais.

É aceitar ficar à mercê, fragilizado,

Sofrendo eventualmente um fado

De dores fatais.


Ora, tu não queres sofrer.

Só que, para não sofrer, a receber não estás.

Se tudo é feito para aceite ser,

Para não atrair rejeição atrás,

Ao não receber entende então

Que estás atraindo rejeição.


Achas bem fazer algo para não atrair

E ser isto o que o faz vir?


Abre-te à vida,

Deixa de controlar,

Aceita receber.

Os mais andam a querer-te dar,

Mas estás trancado em tua torre erguida,

A preferir nada receber para não perder.

Preferes, tolo,

Para não perder controlo,

Ficar carente e sofrer.


Os demais querem dar e tu a morrer

Em teu deserto

De falseado ser.

Não pode estar certo.


Abre, mesmo que doa,

Mesmo que fiques carente,

Mesmo que te sintas mal.

Abre, que devéns pessoa

Finalmente

Total.


Abre,mesmo que creias

Que te irão fazer mal,

Mesmo que mal te façam às mancheias.


Abre, é a única razão

De estares aqui,

A única porque não subiste na íntima visão

Para ficar mais perto do imo,

Do céu que ali

Existe ao cimo.



Novas


Para poderes viver novas experiências,

Vivenciar conjunturas novas,

Eis emoções inéditas de inéditas valência,

As emoções que te trarão as provas

Únicas que te farão mudar

Radicalmente

De vida.


Elas te irão reprogramar

Tua mente, teu cérebro à medida.


Isto irá reprogramar tuas células, teus órgãos, teu corpo,

Tua vida inteira.

O que, por seu lado, irá reprogramar as vidas caídas de borco

À tua beira

Que irão reprogramar tua cidade.


O que reprograma o teor

Da qualidade

Da vida interior

Do mundo,

O que reprograma, longe e fundo,

O Universo...


Portanto, tudo o que existe tem como função,

Tudo, subtil e terso,

Reprogramar, a partir deste chão,

Todo inteiro o Universo.



Incentivos


Não adiante tentar encontrar

Na vida incentivos novos

Para a vida interior elevar,

Farol de povos.


Quanto podes ter ou fazer

Na vida actual

Teu estado de espírito mudar há-de poder

Mas por pouco tempo, afinal.


O evento ocorre fora de ti,

Provoca-te uma emoção,

Vives a nova vivência aí,

Então,

Tua interioridade sente que vem a mudança,

Fica insegura,

Exige a velha postura

Que a descansa

E rápido voltas ao abrigo

Do registo antigo.


Teu sistema de crenças

Activa o das defesas

E é poderoso demais para que o venças,

Tudo em ti são dele presas.


Raramente alguém melhora

A qualidade interior de modo perene

Com o que lhe venha de fora

E lhe acene.


O contrário, pese embora o susto,

É mais certeiro e difícil também.

Primeiro atinge a custo

Um novo modelo para o que convém,

A nova forma com que me esgalgo

De encarar algo.


Depois acredito nela.

Desato a incorporar

Esta nova janela

Em meu interior patamar.


Começo a remodelar-me, à nova visão converso,

E reprogramo o Universo.



Música


Põe a música de que tanto gostas,

Senta-te no teu lugar,

No recanto de não virar costas

Que sentes como teu em particular.


O que te devolve quem tu és

Sem precisares de fazer nenhuma concessão.

Que te permite apenas estar, sem nenhum revés,

Apenas ser, no teu torrão.


Senta-te aí, fecha os olhos e vais chamar-te,

Chamar quem és de verdade.

E vê, olha, sente, sente esse aparte

De tua identidade.


Quem é tal indivíduo? Reconheces-te?

É quem és ou falta-te ser mais

Para lá chegar? Enobreces-te

Ou decais?


Aquilo em que pensa é no que pensas?

E como o pensa é como o pensas também?

O que sente é o que sentes em tuas sentenças?

Em que acredita? E tu crês em quê, em quem?


Acredita no céu, será que o ama?

E tu, no meio da tua trama?


Deixa-o ir

Até Deus, trepar ao Além,

Deixa-o subir.

- E agora sobe tu também.



Meditação


Vamos fazer meditação.

Senta-te num lugar aconchegante,

Onde fiques confortável.

Liga música ambiente suave o bastante

Para que o som se torne afável.


Fecha os olhos e respira algumas vezes

Profundamente.

Sente uma luz que te procura

Há muitos meses,

A invadir-te, coerente,

Da cabeça aos pés, com brancura,

Uma luz de cura

Infinitamente

Pura.


Quando te sentires limpo, leve,

Vais pensar em todas as coisas boas

Que tua vida tem e já teve,

Nas emoções e vivências fantásticas que apregoas

Vida fora

Que atraíste nalguma hora.

Nos melhores dias,

Nas melhores noites.

Daqueles que amas e amaste evoca as energias

Que em ti acoites.


Mesmo dos que não te fizeram bem

Mas que amaste também.


Mesmo dos que sofrer te fizeram

Mas que amaste como são e como eram.


Chama de todos eles a energia interior

E sente o amor

Que por eles tens.


Entende que, independentemente do que ocorreu

Entre vós, são teus reféns

Levantando-te a ponta do véu

Para te ensinar

A amar,

A honrar tal amor dentro de ti.

Estão na tua vida a te mostrar

Que tens todo este amor aí,

Nas tuas berças,

Dentro de ti,

Para que o exerças.


Para que ames sem esperar nada.

O amor, antes de ser uma troca,

É uma bênção para quem o sente na jornada,

Para quem o conseguir,

Dentro da toca,

Sentir.


Nas alegrias e nas penas,

Sente-o apenas.

Fica com a energia interior de toda a gente

Aí à tua frente.


E ama, ama somente.


Independentemente da resposta deles a teu amor,

Irás sentir

Tua energia interior

A subir

De qualidade, de teor,

A elevar-se,

Do Infinito a aproximar-se.


Quando teu peito estiver

De tanto amor quase a rebentar,

Do amor que de teu íntimo ser

Emanar,

Eleva tua consciência

E vai amar Deus, tua envolvência.


Apenas logra amar a Deus

Quem a outrem amar,

Amar noutrem o imo, fresta dos céus,

Quem amar a vida na imensidão e no particular.


Quando teu peito estiver

Quase a rebentar de tanto amor

Pelo imperfeito humano ser,

Estarás a amá-Lo em tal pendor.


E a amar-te,

Pois da imperfeita entidade

Fazes parte

Da humanidade.



Padrão


Podes não saber,

Mas a conjuntura

Que estás a viver

Um padrão configura,

Exprime um tipo de energia interior

Da trama que ata em seu teor.


Independentemente de quem aí te colocou

Ou se foste tu quem por aquilo optou,

Independentemente de te terem feito mal

Ou de tu teres feito mal a alguém.

Independentemente de te ter feito sofrer ou, por igual,

A outrem também.


Independentemente de tudo,

Entende que esta conjuntura

Não é única em tua vida

E, sobretudo,

Que a emoção que despoleta e configura

Não te é desconhecida.


Podes não ter vivido aqui

Este evento em particular

Mas já viveste dentro de ti,

Se calhar,

Outros com igual

Peso emocional.


O que estás sentindo agora,

Independentemente de tudo,

De quem, como, quando,

De quanto em teu peito mora,

Brando

Ou agudo,

É-te já conhecido

Nalgum sentido.


Mais que conhecido, é teu, és tu.

É uma emoção de teu imo,

Um peso, negro tabu

Que ainda não foi resolvido,

E que às vezes vem das águas negras ao cimo

Para poderes entender

Que continua por resolver.


Pára de focar-te fora,

Fora de ti.

Vai buscar a emoção onde ela mora,

Em tua fundura aí.


Esquece os indivíduos, os dados, as conjunturas, os eventos...

Centra-te no teu peito

E puxa a emoção, puxa-a, não importa a que tormentos

Te ponha atreito.


Sente e, quando tal sentir

De ti tomar conta

Porque tiveste de decidir

Que é teu, és tu naquela negra ponta,

Então e apenas então

Chegou a hora de tirar,

De te desfazeres da escuridão

Que em ti ressumar.


Lembra-te, entretanto:

Nunca te podes desfazer

Do que teu não aceites ser,

Seja qual for o peso e o pranto.


O lema para te livrar do véu

Que te tolda a mira:

Primeiro aceita que é teu,

Depois retira.


Para a retirar, prescinde da emoção.

Considera que é tua

Mas não da vida que pretendes agora,

É uma ilusão

Que vem de alguma rua

De antanho e se demora.

Embora em tua estrada,

Não anda aí a fazer nada.

De tal emoção já não precisas de vez

Para ser quem és.


Não é criativa,

Positiva,

E hoje, em teu peito,

Só pode caber emoção construtiva

De tal jeito

Que leve a progredir

Tua vida interior

No rumo em que melhor

Evoluir.


Abandona o que estás a sentir,

Pára de julgar

Que outrem é que te pôs neste estado.

Entende que és tu que te pões nele ao olhar

Outrem como o mal que tudo há causado.

Entende isto e ficarás perto

Cada vez mais do que está certo.



Costas


Doem-te as costas

Por carregares aí o peso do mundo,

O peso de quantos apostas

Que podes salvar com teu gesto fecundo.


O peso de quanto gostarias

Que fosse doutra maneira,

Sem entenderes que, se calhar, aquilo seguiu as vias

Requeridas por tuas energias

Para, à tua beira,

Despoletar

Algo em ti que poderias trabalhar.


O peso de que todos em redor

Estejam bem,

Sem entenderes que, se assim não for,

Nada adianta, porém.


O peso em tuas costas é de culpa um sentimento.

É o intento


De responsabilizar-te doutrem pelas escolhas

E pelo que atraem na vida que recolhas.


Só te podes responsabilizar

Por duas medidas:

As escolhas por ti prosseguidas

E a tua vida, no que delas resultar.


O resto é uma fuga

À responsabilização

Por tua vida, no que ela requer e que lhe aluga

A tua decisão.


É mais fácil para outrem olhar,

Doutrem para os erros.

Olhas para fora para escapar

De olhar para dentro, para teus danados perros.


Porque dentro dói

E, portanto, doem-te as costas.

Quando para dentro olhares a ver como foi,

Directo ao que gostas e não gostas,

Maduro, responsabilizado,

Então poderás deixar

De te centrar

No que anda fora, ao teu lado.


Pararás de exigir,

Tua culpa hás-de limpar

E, da dor nas costas no lugar,

Duas asas irão surgir

Que andavam presas

E agora, ilesas,

Têm liberdade para voar.


Nesse dia, lá em cima, à tua espera,

Deus afasta da porta o véu

De tudo o que foi quimera

Para te mostrar o céu.



Desconforto


No maior desconforto

Encontras tua maior habilidade.

Neste horrendo horto,

Encontra tua tolerância, paciência, disponibilidade.


Quando o desconforto escolhes aceitar,

Escolhes também ser tolerante,

Paciente.

Sabes que irá durar

Pelo menos um instante

E aceitas por ele passar de boamente.


E aprender

E limpar

E vivenciar

E viver.


Vivido o drama,

Após o sangue derramado,

Saberás que sobreviveste à trama

E, a partir daí regenerado,

Regeneras, mais tarde ou mais cedo,

A tua relação com o medo.


Vês quanto, por dentro de ti liberto,

O Universo bate certo.



Escolha


A força que uma escolha tem!

Quando alguém escolhe por si,

Por quem é, para consolidar o ser que lhe advém

Pela luz que lhe refulge do além,

Não há efeito, por mais que os dedos nos entale,

Que o abale.


Não há percalço que o desmobilize,

Que a escolha lhe vem de dentro,

Da fundura para além do centro,

É força avassaladora de tudo o que vise.


Cria auto-estima,

Amor-próprio, auto-construção,

Cria energia num clima

De mais e mais escolhas sempre à mão.


Quando a energia da escolha se liberta,

Transborda em ondas rumo ao Universo.

O mesmo Universo a devolve, a mão certa,

Em abundância terso

E converso,

Uma energia calma e pacificadora

De toda a nossa hora.


De tanta luz cada um se encandeia

E o céu fica mais rico a cada dia

Em que a energia

Rodopia

E se semeia.

É a força da escolha num mundo que se alheia,

Adverso,

A força de obrigar a crescer o Universo.



Comunicação


A comunicação é tão lúcida e consciente!

Trepaste os níveis requeridos

Para tocá-Lo, no Além presente,

Para Ele te tocar teus sentidos,

Teu coração,

Tua energia, do imo no fundão.


Para te substituir

Séculos de células-padrão

De energia escura que não havia meio de luzir.

Para te facultar

Recursos de purificação.


A música, de teu íntimo no lugar,

Afina o tom, o timbre, a vibração.

Quando hoje trepas lá acima com facilidade,

Não cuides que é imaginação.

Ele mora ali, de verdade,

A dizer-te ao que vem.


Sente-Lhe a resposta,

A versão

Que tem.

A proposta.


Os eventos da vida

Servem mais que um objectivo.

Tudo é intrincado e perfeito em tua lida

Para obteres inspiração

E retirares de dentro de ti próprio, ao vivo,

Tudo o que não sejas tu, para lhe dizer que não.


Chama-O, que Ele há-de vir.

Virá colorir

Teus dias,

Enchê-los de sentido.

Vir-te-á instruir

Sobre as melhores estadias

Para quem na matéria andar perdido.


Vai dar-te amor puro e jovial

E pôr-te no peito a informação requerida,

Afinal,

Neste momento de tua vida.


Chama-O, que a quem apele

Ele virá enchê-lo da luz dEle

E fazê-lo brilhar, por todas as janelas,

Até às estrelas.


Para não esquecer donde vieste,

Para não esquecer

Quem escolheste

Vir a ser.



Maneira


Apenas há uma maneira, na estrada,

De encontrar o fio da meada.


Não há várias maneiras

Para cada um obrar à sua:

De agir as variadas carreiras

Definem a diversidade humana ao sair à rua.


Não há duas maneiras, na verdade,

Pois os opostos são da matéria a dualidade.


Apenas há uma maneira

De encontrar o norte,

Tudo o mais são caminhos à sorte

Para lhe chegar à beira,

Formatos cá de baixo,

Pesados de escuridão,

Sem a elevada qualidade do facho

Que é pedida à espiritual aspiração.


Apenas uma forma: sentir, sentir, sentir.

Quanto mais aberto a sentir, melhor.

Quanto mais isto respeitar, melhor para ir,

A seguir.


Quanto melhor entender que o calor

De sentir é o meu eu verdadeiro,

O que as amarras não prendem, de leveiro,

E os conceitos não vergam, tanto melhor.


Quanto mais celebrar esta radical,

Visceral,

Derradeira

Sensibilidade, melhor.

É a única maneira

De ficar sob o abrigo dos céus.

E é o que tem a ver com Deus.



Concentra-te


Quando tudo estiver mal,

Concentra-te em ti.

Quando tudo em redor ruir no vendaval,

Repara que o movimento do Universo,

Quando quer parar-te o frenesi

Para que dentro de ti entres, converso,

Faz,com a fúria à solta,

Ruir tudo à tua volta.


É um perpétuo movimento.

Abandonas de teu imo a vocação,

O chamamento,

Para ir buscar noutros a segurança que te não dão.


É mais fácil o que é de fora de nós,

É mais confortável e seguro,

Medidos contras e prós

Nalgum apuro.


Difícil há-de ser em ti próprio te adentrar.

Aí dentro andam tristezas, mágoas, ressentimentos,

Admoestações, enovelada teia singular.

É o escuro onde sopra o frio dos ventos.


Eis porque foges deste interior adverso

Para aos outros te agarrares.

Aos outros, porém, ao te apegares,

Provocas para agir

O Universo,

Em retorno, a seguir.


Ora,

O Universo não pode permitir

Que de ti te mantenhas fora.

Vai ter de retirar, pois, a segurança

Que encontravas em teu relacionamento,

Quebrando a ilusão que te alcança

De que ele é satisfatório, muito a contento.

Então, o Universo quebra-te a ilusão:

De repente, sem porquê,

Aqueles em que depositavas confiança,

Zangam-se contigo, saem de teu pé,

Asneiam, não te dão

A esperada atenção,

A doença os alcança,

Por entre os dedos como areia te escorrem,

Morrem...


Esta fatídica roda

A destruir a ilusão

Da idílica relação

Tem toda

Um propósito singelo:

Para ti levar-te a olhar,

A sentires de teu imo o apelo,

A tua energia particular.


A ti próprio faz-te ver,

Faz-te delinear alguém

Que gostarias de ser

E de que te orgulhas também.


Todo o movimento é para te colocar, afinal,

Na tua própria dimensão emocional.


Faz-te sentir

E, através disto, na dor ou na alegria,

Vai-te fazer abrir

Do Infinito o canal de magia.


E vai-te obrigá-lo a subir,

Ensinar-te a ir

Lá acima,

A segurança buscar

No único lugar

Do céu onde a segurança se arrima:

Nos seres de luz,

No eu superior que teu imo traduz,

Na derradeira instância dos apelos teus,

Em Deus.



Ama


Ama-O, ama.

O encanto da vida é o amor

Que sentes prlo Além que em teu imo se derrama

E dá todo o teu vigor.

Este amor é a via

Que te aproxima da eterna energia.


E trepas mais alto,

Mais puro.

Ama sem sobressalto

Nem apuro.

Sente apenas, à flor da pele,

Amor por Ele.


Vais ver

Que este amor irá romper

Barreiras pessoais,

Castelos, paredes, bloqueios emocionais,

Compensações,

Traições...


Vai rebentar amarras,

Fronteiras de limitação.

Ama-O, que afias garras,

Ama-O, que arroteias chão.


Sente, escolhe um imenso amor por Ele

Sem querer nada em troca,

Sem esperar dEle a presença que apele

Nem de fiar a vida a etérea roca.


Esperares que te ame

Ou que te demonstre amor

É de fora de ti um reclame,

Ainda de fora um qualquer falso fulgor.


Ama-o apenas.

Deixa que este amor invada tua vida,

Teu corpo, tua energia,

Tua alegria,

Tuas penas,

Tua inteira lida.


Deixa-o invadir, do campo à serra,

Os outros e a terra.


Que ele cresça, em solidéu,

E que invada o céu.


Quando menos esperares

E que é só uma luz acesa

Quando julgares,

Irás ter uma surpresa.


Pelo canal de amor que emanaste

Deus irá descer,

Numa noite calma, a teu lado

Bem aconchegado,

Vai-te descrever,

Por contraste,

Histórias lá de cima, do que ocorreu

No céu.


Tua vida irá mudar ao aguilhão do açoite

Dessa noite.


Jamais ficarás sozinho,

Que tocaste no cerne da vida

E ganhaste uma luz própria, na ocasião,

Que afasta de tua lida,

Em trejeito adivinho,

Definitivamente a solidão.



Chora


Chora, que chorar

É retirar a vivência negativa

Que, dentro de ti ao estar,

Te levou a atrair, furtiva,

O evento que persiste

E te deixou triste.


Uma vez que atrais

Vivência igual à que emanas,

Ao retirá-la

Vais

Deixar de emaná-la

E, com a vivência tranquila,

Já te não danas,

Pois à triste irás deixar de atraí-la.


Tens uma vivência negativa

Dentro de ti:

É de violência.

Irás emaná-la em redor, por aqui, por ali...

Vais então atrair, fatalmente,

Vivência igual ou equivalente.


Podes revoltar-te contra quem te fez mal,

Noutrem colocando tua atenção,

Fora de ti, afinal,

Não indo dentro, ao coração,

Não limpando,

Com atitudes negativas, portanto, continuando.

Mantém-te a atrair

O que a emanar entendes prosseguir.


Ou podes entender que a conjuntura te deixou triste,

Não julgando quem te fez mal,

Antes chorando a tristeza que persiste,

Retirando de teu peito a vivência fatal.

Então esta, em particular,

Deixa-la de emanar.


Logo, em retorno, não a vais

Atrair mais.


Chorar é o princípio-base,

O resto ocorre por si.

A vida tende a que tudo case

Aqui.


Recebes violência,

Choras por tê-la recebido,

De teu peito lhe retiras a vivência,

Deixas de emanar em tal sentido,

Deixas de a atrair,

Então, a seguir.


Simples deveras,

Difícil de executar.

Por isso é que o ser humano, através das eras,

Criou um ego singular.


O ego, quando compreende

E se compromete com a luz,

Tem a força que rende

Tudo aquilo a que me propus

E mais além,

Sem limite algum nem de ninguém.


Começa já,

Chora,

Fazer-te bem irá.

A toda a hora

O céu lá em cima atento está,

Caso precises de algo mais

De partida no teu cais.



Renascer


Estás a renascer,

Em todos os sentidos, em todas as formas,

Em todo e qualquer

Dos actos de cotio

Nasces outra vez para uma vida doutras normas

Noutro desafio.


Cada vez ficas mais perto

Do céu que de ti parece tão deserto.


Cada vez se eleva mais tua vida interior,

Mais alta, mais pura, mais subtil,

Cada vez mais te vens propor

E atinges a dimensão do céu de anil

Onde as fadas, ao luar,

Podem voar.


Este é o tempo do renascimentpo,

De os homens entenderem a missão,

A única verdadeira, viável no momento,

Enquanto em humanidade todos cavam o chão:

É cada qual

Lograr ser único, inconfundível, inviolável.

Conseguir-se distinguir, inimitável,


Um em sete biliões, na campina mundial,

Germinando, fiel ao íntimo, sua raiz especial.



Imo


Hoje é o dia do âmago, do imo,

De teu íntimo o mais interior,

A derradeira

Fronteira,

O mais profundo de ti e o mais ao cimo,

Ao Além aberto, seja lá este o que for.


Hoje é de lhe dares atenção,

De o levares a sério.

A nível evolutivo, quem te deu a mão

E detém o império

É o eu superior, teu mestre.

É quem te pode ensinar,

Quem te adestre,

Quem tem teu plano de vida lá em cima,

Ancilar,

A que deves recorrer quando

Apenas em dúvidas porventura se estima.

É o ideal de ti, quando te estás ponderando.


Em auto-estima, experiência terrena, auto-realização

É teu imo o anfitrião.


Ele é que sabe, de génio num fogacho,

O que te faz feliz cá em baixo,


Daqui com os recursos

Nestes percursos.


Detém teu plano de vida aqui,

Responsável por ti,


Para que o cumpras, indefectível,

Do modo mais criativo possível.


Criando um eu novo cada dia,

Rejuvenescendo-o ao sabor da fantasia.


Hoje é o dia dele,

Faz o que há muito desejares fazer

E a que te impele.

Tem a coragem de o ser,

A ousadia de correr

Como um petiz

Para o que te tornar feliz.


Fá-lo e oferece a ousadia

Ao imo que te espia.


Que isto revele

Como gostas e confias nele.


Pergunta-lhe o que quer que vistas,

Como quer que te penteies,

Em que desjejum invistas,

Com que sonhos o dia permeies...


Verá que a luzinha no peito

Principia a falar,

A dizer o que quer ter a jeito,

Ao que vem, em particular.


Tira um dia para estares com ela,

Dá-lhe prioridade em tua vida.

Vais dar energia a uma estrela,

Do céu tua aliada de raiz

Na tarefa prometida

De te tornar feliz.



Salvar


Teu amor por Deus vai-te salvar.

O amor que por Ele sentes,

A luz de teu peito a borbotar,

É o melhor de ti.

Ao amá-Lo consentes

Ir buscar aí,

Dentro de teu imo, o melhor que tens.


Quanto mais O amares,

Quanto mais elevares

A qualidade íntima da vivência que deténs

Em teus aléns

Que é o amor,

Mais tempo o andarás a vivenciar

No píncaro maior,

Em tuas células a puxar

O que têm de melhor.


Quanto mais alguém se embebe

E dá o melhor de si, terso,

Mais abundância recebe

Do Universo.


Ao amares Deus, o dom maior

É que receberás, ao fulgor de alva,

Do Universo o mesmo amor

E este amor salva.



Qualidade


Emoções básicas e negativas

Têm qualidade interior muito rasteira.

Quando a fúria activas,

Fremes do chão muito à beira

E onde há baixa qualidade

Há escuridão, peso, densidade.


Quando te apegas seja ao que for,

É baixa a qualidade da vida interior.


Ao invés, é alto

O peso da prisão, é um catafalco.


Quando escolhes subir de qualidade,

De coisas e pessoas te despegas

E tudo em profundidade

Entregas:


Será o que tiver de ser,

Vai ser o que for melhor

Para todos, seja o que for,

Será o que Deus quiser...”


Nesta altura elevaste de qualidade

O rumo de tua energia interior.

Perdes violência.

Mais elevas tua identidade,

Brilhas mais e melhor.

Cada vez mais o íntimo teu,

A tua essência,

Fica perto do céu.



Ama-te


Ama Deus dentro de ti

Porque Ele mora aí dentro,

Em cada bocadinho, cada célula, vive aí,

Escondido no secreto centro.

Só quando entras em fundo contacto contigo

É que em fundo contacto entras com teu eterno Amigo.


Só quando te amas em teu vector eterno

No vector eterno dEle O amas, superno.


Quando O perdeste há dois mil anos,

Quando desapareceu de tua vida,

Não te julgaste merecedor de nada, senão de enganos,

Já que O não mereceste em nenhuma medida.

É o raciocínio que de geração em geração foge

E perdura até hoje.


Tal não foi dEle a intenção.

Saiu de nossas vidas

Para olharmos, à força de O não termos mais à mão,

Para dentro de nós

E entrevermos, nas funduras escondidas,

Que Ele estava aí após,

Nunca mais ficaríamos sós.


Ao entendermos que Ele estava aqui dentro,

Iríamos amá-Lo e, em paralelo, amar-nos,

Reparando que O merecíamos em nosso centro,

Inteiro no imo, a energizar-nos.


A escolha continua

Hoje em dia a ser tua.


Ou sentes-lhe a falte fora de ti,

Concentras-te na ausência

E, daí,

Não te crês merecedor da permanência

Intimamente vivida

Dele em tua vida

Ou entendes que se foi embora

De nosso olhar

Para que O sintas dentro em ti a toda a hora

E por isto te venhas a amar.


Das duas, qual a eleita?

A escolha tem de ser feita.


E és tu quem a tem

De fazer, mais ninguém.


Ele apenas te pode elucidar,

Jamais escolher por ti.

A escolha dEle já foi feita, a de te amar

Eternamente aqui,

Escolhas o que escolheres.

Ele estará sempre no âmago de teus afazeres.


À tua espera,

À espera de que entendas,

Que escolhas amá-Lo e amar-te, no tempo e além desta era,

À espera de que à luz te rendas,

À espera de que sintas na pele

Que a luz é Ele.



Expectativas


Elimina todas as expectativas

Sobre tudo e todos.

Deixa de esperar que as eventualidades esquivas

Sejam duns ou doutros modos.


Deixa de esperar,

Sigam um ou outro rumo particular.


Deixa de criar grilhões

De ilusões.


Isto apenas te activa o controlo, o desassossego,

A manipulação e o teu ego.


Prescindir de expectativas quanto à vida

Leva a sentir que o que a vida te der

É uma bênção desmedida.,

Pois dela nada esperarias sequer.


Então agradecer consegues

O que a vida te der e nem persegues.


Não julgarás que é da vida obrigação

Dar-te o que quer que seja então.


Expectativas sobre outrem quando elidires,

Ao falharem contigo ficas tranquilo,

Pois não esperas nada, deles ao prescindires

Em teu íntimo sigilo.


Se forem dóceis, sinceros, carinhosos,

Amigos, cúmplices e companheiros,

Como não esperavas dons tão generosos,

Logras ver e agradecer gestos tão saborosos

E certeiros.


Tens, por norma, expectativas a mais

E tudo o que recebes julgas pouco.

Mais queres e ter mais crês que deverias.

Aos sinais

Cego e mouco,

Perdes-te em fantasias.


Aquele mais estraga tudo,

Torna-te calculista, competidor mesquinho, sobretudo,.


Neste estado

Só tens ressentimento.

Não ficas grato por nenhum dado,

Nada acolhes nenhum elemento,

Pois julgas que tudo é teu na vida

Logo à partida.


Mais do que a alegria solta ao vento

Vais sentir decepção,

Vais ter mais ressabiamento

Que gratidão.

Ora, qualquer alma sem gratidão, a tresandar a bodum,

Não vai nunca a lado algum.



Sonho


Teu imo, no sonho, não fala com tua mente,

Antes com teu coração,

Clara e directamente,

Sem intermediério nem manipulação.


Com teu coração

Desliza dele a comunicação,

Ribeira fluída,

Pois a entende e sente.

Qualquer alma adora ser sentida,

Compreendida

E levada a sério firmemente.


Carrega teu projecto de vida

Sobre a terra, tua missão.

Sabe até ao pormenor

O que te falta realizar,

Se estás dentro ou fora um ror

De teu caminho a palmilhar.


Com o imo comunicar

É indispensável a quem se quer

Iniciar

Para na esteira evolutiva se manter.


Nossa mente e nosso ego

Pouco se importam.

Estruturas de sobrevivência a que me apego,

Ao imediato e confortável apenas exortam.

O intento

Que têm

É afastar do sofrimento,

Levar-nos a sentir bem.


A questão

É como é que isto opera então.


Por norma

É através duma cobarde

E muito imediatista forma.


Faz-nos fugir, sem alarde,

Da dor mesmo incoercível,

Quando já nem há fuga possível.


Faz-nos fugir das emoções, de repente,

Quando quem foge finda bloqueado e doente.


Faz-nos fugir de confrontos belicosos,

Tornando-nos hipócritas e mentirosos.


Faz-nos abandonar do ignoto as pistas,

Tornando-nos preguiçosos e comodistas.


Faz-nos fugir da sensibilidade,

Tornando-nos frios e duros de crueldade.


Faz-nos fugir da espiritualidade, em resumo,

Abandonando-nos perdidos e sem rumo.


De nosso imo põe-nos retirados,

Tornando-nos tristes e desalmados.


Ora, durante o sono, o ego é mais desactivado,

Qualquer alma pode então manifestar o seu lado.


Durante o sono

Grandes segredos são revelados

Acerca do que o imo sente e do que lhe abono,

Acerca do que sentimos perante os dados

De entes, eventos, de cada conjuntura,

Do que nos ocorre e a vida nos estrutura.


Durante o sono

Nosso eu mais profundo tem

Oportunidade de murmurar ao dono

Ao que vem.


Antes de acordares por inteiro,

Ainda estremunhado,

Quando abrir os olhos ainda custa um bocado,

Ora leveiro,

Ora pesado,

Em vez de saltares da cama

Para um dia veloz,

Pára, fica, pousa a trama

De tua quotidiana malha de retrós,

Aproveita um minuto quieto,

De olhos fechados,

A sentir

O que furou o tecto

Dos telhados

Da consciência para te acudir.


Apenas a acolher o que te trouxe a noite,

Embora nem recordes o sonho que tiveste,

Não faz mal, importa é que em ti se acoite.

Ficou uma sensação,

Uma emoção,

No peito um sabor agreste

Ou celeste.


Fica, sente-o, entende que é uma mensagem

De teu imo.

De hoje na viagem

É o que pretende comunicar-te lá do cimo.


Se for um aperto,

Um afecto estranho,

Um medo, um desconforto, um desacerto,

Não fujas, que perdes o ganho.


Não actives teu ego,

Tua mente.

Para mais uma vez escapar, rumo ao sossego,

Da mensagem subtil e premente.


Fica, sente, chora se é preciso.

Abre imaginariamente o teu peito,

Retira lá de dentro quanto é pesado, escuro, negativo aviso,

Pelo que sentes cultiva todo o respeito.

Depois principia

O teu dia.


Vai à tua vida certo

De que fizeste algo por teu imo desperto,


Deste um passo em direcção

À tua evolução.


O que te deixa, sem ambiguidade,

Mais próximo da felicidade.



Agradece-te


Agradece-te o Senhor

Todo o bem que fizeste à terra

Ao elevar a qualidade da vida interior

Que teu peito descerra.


Agradece todo o bem que à terra trazes

A cada vez que te escolhes,

Que escolhes a luz com que te aprazes

E que de teu íntimo recolhes.


A cada vez que te afastas de quanto não é teu

Nem eco encontra dentro de ti.

Esta escolha eleva rumo ao céu

A qualidade das energias da terra, campo magnético aí

Incorporado,

Em teu corpo pesado.


Agradece-te a disponibilidade

Para te trabalhares,

Consultando-Lhe as mensagens, alicerce de tua profundidade.

Ao te esforçares

Por compreender

Esta lógica nova de ser.


Agradece a fé, a aplicada dedicação

Por ires onde dói, crendo que é de esgotar depressa.

Agradece a emoção

Onde Ele em ti começa.



Equívoco


Nem sempre correm os eventos

Do modo que quererias.

Nem sempre outrem lê nos ventos

O que nos ventos tu lias,

Nem coloca na postura

As energias

De que naquela conjuntura

Gostarias.


Quenquer pode estar de acordo contigo,

Formalmente.

Mas apenas na forma estarão ambos ao abrigo,

Que a energia interior com que outrem vai em frente,

É diferente.


É o equívoco de creres que ele o faz com uma intenção

Quando com outra o fez,

Como ele crê que implementas tua acção

Com o intuito que ele imagina e tu não vês.


Independentemente dos acordos formais

Que com outrem fizeres,

De acordarem nos pontos principais

(Em todos é inviável, mesmo se o queres),

Independentemente de tudo,

Sente em teu imo a energia.


Fecha os olhos, deixa-O entrar, quieto e mudo,

E sente, sente como se faz dia.


Sente a tua interioridade

E a do outro também,

Na proximidade

Do tema a que se atêm.


Grandes sínteses irão

Brotar desta meditação.


Agora, que sabes como principiar,

Podes avançar.



Buraco


Quando alguém ama, deseja vivenciar

O afecto profundo da partilha a dois,

O sentimento deslumbrante de estar vivo, a voar,

Do peito a explodir de rouxinóis,

De todas as flores serem belas,

Na vida incongruente a abrir janelas

De luz e calor,

Que o que importa é o amor.


Na vida que das mãos nos escorre,

Esvaindo-se a eito,

Não é, porém, o que ocorre.


Temos um mecanismo de carência

Com um buraco no peito,

Aberto por milénios de privação e de ausência.


Buraco herdado de vidas e vidas

De emoções negativas gravadas na natureza,

Na humanidade, nas almas e nas gestas empreendidas,

Emoções jamais ultrapassadas, nunca sumidas

Em nenhum reino de beleza

E que agora como sempre clamam por cuidados

Que transmudem estes fados.


Buraco proveniente de ausência de imo,

De alma, de eu superior

Que no nascimento ficou lá no cimo,

À espera de que se lhe abra a porta a jeito

Para poder entrar, a cura a propor

E encher-nos de plenitude o peito.


Buraco provocado do âmago pela ausência

Após tantos séculos a olhar para fora,

Para os outros, a apelar-lhes à complacência:

Gostem de mim, gostem de mim sem demora!”


Ora,

Este peito escuro e frio

Se revela agora,

Desolado, doente,

Gelado rio

Sem corrente.


E dói.

E, quanto mais dói, menos o indivíduo vai lá,

Menos se relaciona com ele, menos constrói,

Menos o que ele quer quererá.


Quando alguém

Se apaixona, porém,

Que acontece?

O peito abre e aquece,

Explode de amor

De repente, da faísca ao fulgor?

Não.

Acede ao amor, então,

Que germina dentro do peito,

A despeito

Da dor?

Não.

Apenas fica extasiado

Por alguém ter encontrado

Que despoleta uma emoção tão forte

Que pode tapar o buraco.

Não é amor nem dele o norte,

É a carência que ataco.


Aquele coração

Ainda não ama, não.


Ainda só quer

Parar de doer.


Como não é amor, não pode durar muito

E, se durar, pode não ser bom.

Quando o peito entender,

Fortuito,

Que o suposto amado não pode preencher

O buraco, o vazio sem tom nem som,

Aí virão as cobranças,

As discussões,

A confusão.

E nem alcanças

Porque tais tensões

Se darão.


Ninguém pode tapar um buraco

Doutrem no peito:

Ataco-o

De que jeito?


Ninguém pode receber amor

Se emana carência.

Primeiro há que trabalhar de antanho a falência

Que provoca dor,

Até restabelecer a própria essência.


Apenas depois, sem disfarce,

O amor verdadeiro vai apresentar-se.


Então vivenciarás a beleza mais subida,

A maior emoção de tua vida.


A maior que hão vivenciado

Todas as vidas que te cruzam do passado.



Postura


Repara como a energia de tua atitude interior

Se movimenta

Dos eventos quando o teor

Que é o teu aproximar-se tenta.


Como cada conjuntura

Muda de figura.


Durante muito tempo tentaste corrigir-te,

Mudaste de postura,

A tentar harmonizar-te,

A quebrar padrões que andam a reduzir-te,

Dentro de ti, em toda a parte.

Padrões antigos como as eras

Que teimam em manifestar-se nesta vida

Em quaisquer esferas

Em que ela for desenvolvida.


Estes padrões de origem ancestral

Perseguem-te por todo o lado,

No teu comportamento habitual,

Nas atitudes que crês a teu mandado.


Padrões que te comandam em piloto automático,

Em causa sem te pores,

Sem saber porque operas em tal rumo prático,

Sem sentir prazer nem dores.


Durante muito tempo vens quebrando, padrão a padrão,

Esta tua vida,

Acolheste a transformação

Requerida.


O céu agora a ti brinda,

Vem comemorar,

Festejar

A vitória advinda

Por teres dado a volta,

Da luz aproximando a vida agora solta.


Falta um pouco ainda

Para lá chegar.

O segredo é que sempre um pouco

Há-de faltar

Para o céu tocar

Enquanto andarmos por aqui, por este mundo louco.


Importa, porém,

É que principiaste o caminho,

O que poderá levar-te, de mansinho,

Dos aléns para o Além.


Repara agora como a energia interior e exterior

Se movimenta em teu favor.


Acolhe no coração que é teu

As bênçãos do céu,


O que ele tem para te dar.

Não fujas: quando o evento chegar,


Não cuides que é um acaso,

Que não é para ti, um engano, se calhar,

No caso.


Entende que é Deus

Que te envia um agradecimento

Pelo tempo e cuidados teus

Ao te concentrares em ti, no teu mais fundo elemento.


Acolhe a bênção.

Vais entender quanto de bom fizeste à humanidade

Para que os homens vençam,

Ao aceitar, em teu cadinho

De autenticidade,

Elevar-te mais um bocadinho.



Aproveita


Aproveita o que o céu te envia,

Nem tudo é para trabalhares,

Nem tudo é sofrimento, há muito mais alegria.

Quando a lição estiver bem aprendida,

Se reparares,

Grandes bênçãos vêm a caminho.


Pode ser bem colorida

A que desta vez te chega ao ninho.

Pode ser bom

Em todos os pendores este dom.


Pode pôr teu imo a sorrir,

Se souberes aproveitar,

Se parares de te julgar,

Crendo que o não mereces, que não é para ti quando surdir.


Quero apenas o que para mim for,

O que o Universo tiver para me dar ou me propor...”

- Dirás por vezes e ouve-te o céu,

Mesmo quando te não ouves no peito teu.


Ora, a prenda de hoje é para ti,

Foi o céu que ta enviou,

Foste tu que a atraíste para aqui

Com tua nova atitude interior que na vida apostou.


Trabalhaste,

Foste ao fundo de ti

E daí

Te transformaste.


Agora é o momento da bênção,

Hora de receber,

Que teus fantasmas íntimos se convençam.


Quando estiveres a aproveitar, a acolher

E a fruir,

Lembra-te de que cada uma destas vivências, no peito teu

Ao convergir,

Tem um dedinho do céu.



Zangado


Quando alguém estiver

Muito zangado contigo,

A prescrever

Que deverias ter feito deste ou daquele modo,

Para te manteres ao abrigo

De todo,

Entende que ele está em dor.

Dói-lhe o peito

E, como do peito não sabe gerir seja o que for,

Varre, de raiva, tudo a eito.


Cuida que a raiva gere bem,

Mas ela destrói toda a estrutura interior,

Que finda desprogramada e refém,

De mais raiva a precisar para alimentar-lhe o furor.


E o circuito fechado

Nunca mais é quebrado.


Fica a dor por explorar,

Chorar

E por limpar.

O luto que devia haver,

Adiado, finda por fazer.


Quando alguém estiver

Muito zangado contigo,

Pergunta-lhe, quenquer

Que ele seja, amigo ou inimigo:

Estás triste porquê?”

E ajuda-o a aceder à dor,

À tristeza que então é

Seu mundo interior.


Conforme for

À dor acedendo,

A raiva irá perdendo,

Sentindo-se gradualmente melhor,

Pois esta apenas estava aí para o proteger

De à dor aceder


Com os efeitos nefastos

Que a raiva atrai em seus haustos.


À medida que à dor vai acedendo

Com premência,

Vai perdendo

Violência.


E, ficando cada vez de vida mais tranquila,

Deixa de atraí-la.


Quando alguém estiver danado contigo,

O motivo de tal descobre,

Ajuda-o a aceder à tristeza que ali encobre

E dá-lhe de teu abraço o abrigo.


Fica então, com fervor,

A confortá-lo em sua dor.


Jamais esquecereis este dia de autenticidade

E vossas almas ficarão amigas para a eternidade.



Sente-te


Sente-te a ti mesmo, sente.

Em teu imo há muito ainda para sair

Mas, presentemente,

Tua energia anda a emergir,

Em virtude da atitude em ti postada,

Muito mais depurada.


Se quiseres, já te podes sentir,

Tua energia original

Já se pode manifestar

Contigo a captar-lhe o sinal,

O apelo para cada novo patamar

E há muito pouco quem se encontre aí

Na conjuntura em que te encontro a ti.


A maior parte está tão cheio de lixo

Limitador e fatal

Que nunca logra vislumbrar o nicho

De sua energia original.


Sente-te, pois.

Quanto mais te sentires, mais activarás depois

Tua energia radical

E mais inteiro findas, em seguida,

Em teus actos, em tua lida.


É difícil concentrar em si

Quem passou milénios noutrem a se concentrar.

Mas já caminhaste muito até aqui,

A herança a superar

E a te encontrares

A ti.

É, definitivamente, para chegares

A casa,

O teu derradeiro golpe de asa.


E, atento e mudo,

O céu aqui há-de estar disponível para tudo

O que precisares.



Conformidade


Precisas de agir

Em conformidade com o que sentes,

Deixar a vida fluir,

Aceitar,

Da vida por mor das mudas permanentes,

Teu rumo mudar,

Voar ao sabor do vento,

Do íman da vida guiado pelo movimento.


O céu acata e abençoa,

Mas deves entender

Que, apesar de teres tal direito

E de lutar por ele ser uma meta boa,

A vida não se te vai desenvolver

Num trilho fácil e a teu jeito.


Em teu redor todos querem certezas,

São o que de início eras.

Certezas emocionais, seguranças.

A ti andam as pessoas mais presas

Do que a elas próprias, nas quimeras

Que com elas entranças.


Não querem, pois, que mudes,

Que as iludes.


As certezas tua muda lhes irá desestruturar,

Abanar-lhes as vidas.

Não gostam do caos, mas só o caos ao aceitar

É que se muda deveras, se rasgam novas avenidas.


Só aceitando que não tens de ser hoje

Quem foste ontem,

Que tens de te reinventar cada dia que foge,

Só aceitando isto e que to apontem

É que arroteias o chão

De tua própria evolução.


Os outros têm planos para ti

Que não agitem muito as vidas deles.

Ora, a tua mudança aqui

E o que nela impeles

Não é de nenhum deles, definitivamente.

Que fazer, que ter em mente?


Mudar,

Seguir a própria estrada

E a todos em redor desagradar

De assentada,

Ou deixar tudo como está,

De tédio a morrer,

Por igual consumido aqui ou acolá,

A emurchecer,

Com um âmago sem brilho e tosco

Em que moribundo me enrosco?


Há na vida muita ocasião

Em que a outrem dizer sim

É dizer não

A mim.


Ora, tu vens fazer evoluir

Tua frágil alma,

Não a doutrem, cuja palma,

É a ele que compete prosseguir.


Não queres, porém, que quenquer

Por mor de ti venha a sofrer.


Repara, eles também de aprender terão,

Senão através de ti, através da vida

E da vida a lição

Pode ser tua própria acção

Assumida.


Lá em cima entendem que está na hora

De alguém desapegar,

De lhe promover o desapego emocional agora,

Para poder de vez seu âmago olhar.

Então ele vai atrair

Uma perda emocional a seguir.


Ora, se estás a aprender

A deixar fluir

E deixar fluir é ouvir-se, dar prioridade ao próprio ser,

Tens o cenário completo:

Ele precisa de desapegar,

Tu, de te deixar

Ir,

Para encontrar teu próprio tecto.


Irás, pois, ser dele a perda.

Quão mais precisas de ir embora,

De não depender mais do que na vida se herda,

De deixar fluir a vida noutra direcção

Agora,

Mais ele vai sentir que te está a perder

E entrar em desespero.


Num só evento, dupla lição:

Tu a aprender

A te respeitar, sincero,

E ele a pôr os pés no chão.


Fruir e interiorizar para um,

Para outro desapegar e interiorizar.

A interiorização não anda ausente de nenhum,

Do caminho constante patamar.


Quando te parecer

Que tua carência de que a vida flua mais

Fará outrem sofrer,

Pensa que podem ser os projectos reais

Que o céu anda a promover.


Teu acto pode ter a ver

Doutrem com a evolução.

Revestirá então o fascínio

Que os entes do céu terão

Como desígnio.



Perpetuar


Não queiras perpetuar a vida,

Aproveita o momento,

Cada instante do que ela tem para te dar

E a que te convida

Como sendo dela um elemento

Singular.


Cada minuto é selado pelo céu

Para te dar tudo o que o íntimo teu


Requer

Para se desenvolver.


Cada instante que queiras que dure,

Cada movimento que pretendas repetir

Nega a novidade que se apure

E se te apresente a seguir.


Não queiras perpetuar nada,

Aproveita cada instante

E agradece a tua jornada,

Agradece estares vivo a caminhar pela estrada

Adiante.

Apenas esta medida.


O resto virá por si

Para tornar a tua vida

Aqui

Mais colorida.



Julgar


Julgar é considerar que os mais

Poderiam ser diferentes

Do que são enquanto tais.

Poderiam ser outros entes,

Mais conformes, coerentes

Com o que a ti te agradar

Ou que creias de aceitar.


É querer que caibam no cais

De tuas expectativas

Para não teres de sair do porto,

Do círculo de desculpas e de esquivas

Do teu conforto.


Julgar é crer que o céu se enganou

Quando aquele indivíduo desagradável

À tua frente colocou,

Tornando o dia irrespirável.


É negar que o podes ter atraído,

Negar a possibilidade

De ele ter vindo mostrar-te o sentido

Do que anda a emanar

Tua personalidade

Em particular.


Veio para compreenderes melhor

E tu a recusar

Que és tu quem tem de mudar

Para parar de atrair o que te vier propor.


Julgar é negar o movimento perfeito do céu,

O equilíbrio contrabalançado das atitudes,

O fiel do tempo-espaço a pesar o meu

Saco de pecados e virtudes.


Julgar é crer que teu ridículo ego

Sabe tudo,

Sabe o que devia estar a ocorrer, para teu sossego.

Por isso renega o que ocorre, surdo e mudo.


Julgar, então,

É o contramovimento da evolução.

Posto isto,

Porque continuas em tal registo?



Música


Ouve a música de que gostes,

Eleva tua flébil alma ao céu

E dança ao sideral ritmo a que te encostes.

Encontra-te com Deus lá em cima,

No mágico clima

Da luz sem véu

E deixa teu íntimo voar,

Que ele se alvoroce na imensidão estelar.


À conta de teu amor por esta melodia

Irá Deus encontrar-se com teu coração

Lá em cima, mais alto que a mais alta penedia,

E vai livrá-lo da tristeza, do frio, da melancolia

E da violência que te prega ao chão.


Quando ele voltar à terra

Virá pejado de céu,

A tristeza que o ferra

Desapareceu.


Verás cada dado

Como deveras ele é,

Sem o peso do filtro que trazes colado

E que tudo escuro te faz ver quanto anda ao pé.


Poderás a claridade

Sentir quanto te agrade.


Para sempre, em teu coração,

Fica de Deus plasmada a imagem,

Dele a energia do amor pelos que dão,

Como tu, corpo à coragem,

Que, sem medo de labéus,

Vêm buscar inspiração

Aos céus.



Expectativas


Quanto mais tentas não ter expectativas

Sobre o que quer que seja,

Quanto mais tentas portar-te bem

Ante as esquivas

Pegadas da vida que em redor viceja,

Para deixar tudo fluir como convém

Mais teu ego encontra formas paralelas

De tudo controlar, da medula às costelas.


Podes tentar livrar-te de ideias preconcebidas,

Aceitar que não dominas o futuro,

Que teu controlador interno, tiradas as medidas

A teu apuro,

Apenas fica quieto, parado,

Mas nunca inactivo perante teu fado.

Inactivo seria se ele apenas ficara

Aguardando que a vida se apresente.

Mas ele não fica quieto, apenas pára,

À espera de que algo aconteça de repente.


Isto deve ser mesmo forte, em virtude

De justificar tal quietude.


Ora, isto continua

A ser controlo que se insinua.


Prescindes do futuro

Com o ar benevolente de quem o tem ao alcance,

Quando ao alcance nunca to prefiguro.

É de mentira o teu lance:

Como pode alguém

Prescindir do que não tem?


Teu controlador é assim:

Tremenda barulheira requer

Para entregar o que nem dele é sequer,

No fim.


Prescindes de saber

O que vai acontecer

Mas manténs-te expectante

Perante

Aquilo que vier

E ainda pretendes controlar, de facto,

Daquele evento qualquer impacto.


Ora, com tal postura

Nada vai acontecer,

Mesmo nada, na figura

Que configura teu ser.


Escusas de esperar,

Escusas de controlar.


Com este rumo de caminhos teus

Nunca atinges o reino dos céus.



Fim


É o fim das grandes esperanças,

Das grandes ilusões.

Importa acabar as contradanças

E as funções

Do que não anda

Nem desenvolve,

Mas que te envolve

E comanda.


O que não germina naturalmente

É que não é para ti.

Se não é, deixa-o ir da tua frente,

Larga, solta-o por aí.


Há o que é teu e quer manifestar-se.

Em corrida, com fervor,

Vem a aproximar-se,

Quer-se expor,

Que o acolhas como teu na vida,

Sem equívocos nem hesitações, sem medida.

Mas lá de cima encontram-te cheio de certezas,

De resistências,

Cheio de medo da mudança que desprezas,

Do novo em que só lês desistências.


E não soltas o velho

Porque não vês nada de novo

A aproximar-se de teu quelho

Com o porvir em ovo.


E o novo não se aproxima

Porque o velho não soltas, de tanta estima.


Vês a ironia

De tua via?


Se continuas como estás,

Perpetuar o sentido

Mesquinho e pequenino irás

Da vida que tens vivido.


Se soltas a amarra do velho e conhecido,

Irás volitar pelo ar fora

E serás levado às feéricas vistas,

Sem demora,

Das direcções imprevistas,

Onde mora

O que para ti for,

Onde há-de estar o que é teu.


E o que é teu é um ror,

Muito mais do que tua mente de pigmeu

Pode imaginar ou supor,

Isso te garante o céu!



Princípio


Um novo princípio, uma nova primavera,

Uma nova perspectiva, sem amarras de questões antigas,

Uma nova realidade verdejante de quimera,

Primavera do dia primordial, de luz sem brigas.


Primavera interior, espiritual,

Em que tudo germina, brota e se desenvolve.

Tempo em que tudo se encaixa, afinal,

Tudo se resolve

De forma perene e desprogramada,

Descomprometida,

Desafogada,

Mas constante nesta ida.


Tempo de escassos meios

Para tantos fins anunciados.

Tempo de escolha sem receios

Da maldição doutros fados.


Tempo de reflexão,

Tempo de iniciar a jornada

Do coração,

Pela estrada

A que me incito

E que me leva ao Infinito.


É frágil a estrada

Mas iluminada.


Caminhar é inseguro

Mas feliz do que inauguro.


Tempo continua tempo e o que com ele feito for

Há-de sempre contar a meu favor.


Um princípio principia, não queiras saber o que é.

Sente apenas.

Não queiras controlar a vida, não faças tal fincapé.

Não queiras chegar ao fim,

Tuas lonjuras são pequenas.

Não te apresses, então, assim.


Sente

Somente.


Percorrer o caminho, jornada a jornada,

Em paz,

É a única certeza que terás

Nesta tão variegada,

Fervilhante estrada.



Voa


Voa para lá do branco, para lá das estrelas,

Para lá do Infinito.

Voa para lá do que o teu corpo pode suportar,

De epifanias belas

Ao grito

Singular.


Aceita desprender,

Aceita prescindir.


Voa para lá da brancura, cruza o portal de luz,

Com Deus que te seduz

Vai ter

Sem hesitar, a seguir.

Dá-lhe teu coração,

Tua capacidade de amar,

Tua força de acção,

Tua energia a actuar.


Volta para casa,

Que Ele vai transmudar-te num anjo,

Num ser de luz, de asa

Discreta no segredo do arranjo,

Vai transmudar-te, singualr,

Num céu incarnado, num avatar.


Quando à terra regressares,

Nada mais vai ser igual.

Se nos aprestos teus

Reparares,

Afinal,

Encheste a terra de Céus:

- Encheste-a de Deus.



Largar


Tens de aprender a largar, a largar tudo,

Senão ficarás doente.

Nem uma noite de sono, por miúdo,

Dormirás decente.


Andarás às voltas, berlinde preso no frasco,

Culpando-te de seres um fiasco.


Que é que há de errado

Comigo?

Como posso ter estragado

Todas as relações onde encontrei abrigo?

Porque é que sou um falhado?...


E assim continuamente.

Tens de aprender a largar, a largar tudo,

Senão ficarás doente

Brevemente.

E, pior, muito amiúdo.



Telhado


Trepaste ao telhado,

Não há nada entre ti e o Infinito.

Deixa-te ir, por teu lado,

Solto grito.


Vai caindo o dia,

Hora em que o que era belo

A outro belo se alia.

Deixa-te ir pelo setestrelo.


Teu desejo de resolver os problemas e as apostas

Foi uma prece aos céus.

Estares aqui são as respostas

De Deus


Deixa-te ir,

Desprendido e com fervor.

Vê as estrelas a surgir

No exterior e no interior.


Pede a graça divina

E deixa-te ir.

A ti próprio te perdoa, é tua sina,

Para tua pegada poder fluir.


Que tua intenção

Seja libertares-te do inútil sofrimento.

Depois, então,

Deixa-te ir ao sabor do vento.


Repara no calor do dia

A transmudar-se, a seguir,

Na noite fria,

E deixa-te ir.


Quando num relacionamento

Acaba o sol-pôr

Dum estrangulamento,

Só fica o amor.


É seguro.

Deixa-te ir com este apuro.


Quando o passado finalmente

Conseguir

Ter passado por ti definitivamente,

Deixa-te ir.


Depois desce e principia, em seguida,

A trilhar a via,

Com interminável alegria,

Do resto da tua vida.







































Índice


Ao Serão dos Contos Ancestrais


1


Ao Serão de Domingo


Contar

Histórias

Habita-nos

Repara

Pergunta

Fome

Sede

Caracol

Paraíso

Astrofísico

Riquíssimo

Fazendeiro

Juntos

Passarinheiro

Monge

Falcão

Viajaste

Piedosos

Mercado

Ofício

Machado

Malhas

Viajante

Aldeia

Tundra

Sonha

Cão

Asceta

Selvajaria

Música

Saudá-lo

Krishna

Quarto

Ilusão

Teatro

Lenhador

Cava

Acordou

Deitado

Sem-abrigo

Cura

Virgem

Dragão

Rua

Norte

Aborígenes

Bali

Narciso



2


Ao Serão de segunda-feira


Mendigo

Odor

S. Clemente

Molho

Hassidismo

Apanha

Génio

Encontram-se

Distraído

Termos

Porta

Sábio

Psiquiatra

Al-Mokri

Ladrão

Conquistador

Igual

Batem

Perderam

Diabetes

Loucamente

Duquesa

Pavlova

Bicicletas

Murmuram

Racista

Eczema

Comunista

Sufis

Moradia

Lágrimas

Feira

Mandarim

Dante

Tédio

Nichapur

José

Bar

Autocarro

Ar

Orgulho

Negros

Cabeça

Nacionalidade

Istambul

Cão

Doenças

Sabedoria

Escultor

Rumi

Asceta

Água



3


Ao Serão de Terça-feira


Tacanhos

Cego

Recém-casados

Mercador

Califa

Râbia

Visita

Corânica

Zen

Morte

Agartha

Horta

Conquistador

Estudante

Ouvido

Alexandre

Mestre

Brâmane

Xun-Zi

Buda

Rumi

Passos

Filho

Noviço

Prender-se

Pesca

Dibbuk

Confúcio

Guru

Rumi

Indiana

Japonesa

Neve

Bovnam

Gigantesca

Hitchcock

Saco

Bolos

Strudel

Buraco

Espelho

Brasil

Capelista

Passeio

Analfabeto

Disparatadas

Banana

Rússia

Tempo

Fumar

Filho

Quântico

Suíça



4


Ao Serão de Quarta-feira


Naftali

Água

Bassorá

Chofar

Faminto

Chammai

Buraco

Fumar

Soviético

Cruel

Selos

Húngaro

Inadequado

Ditador

Imperador

Chinês

Ásia

Iraque

Akbar

Ego

Polónia

Checoslováquia

China

Rússia

Estaline

França

Samarcanda

Tchau-Tchéu

Testemunha

Condenado

Shiraz

Afeganistão

Salomão

Índia

Divórcio

Rublos

Discussão

Destrinçar

Persa

Marselheses

Corrida

Alfaiates

Diminuta

Dinamarquês

Rómulo

Anarquismo

Príncipe

Muçulmana

Turco

Empurrados



5


Ao Serão de Quinta-feira


Lendária

Japão

Deserto

Rabino

Criar

Faraó

Ramakrishna

Estacionar

Existência

Itália

New York

Sábio

Cartas

Samaritana

Padre

Criou

Golfe

Prova

Avisa-me

Apagado

Amigas

Grave

Gata

Mekki

Bater

Jesus

Chaqiq

Pobre

Doente

Preguiça

Ásia

Dand Tai

Morrer

Egipto

Índia

El Centauro

França

Emissário

Condolências

Cavaleiro

Quirguízia

Africana

Irão

Bagdade

Louco

Resposta

Varredor

Febre

Mula

Lago



6


Ao Serão de Sexta-feira


Hospício

Muçulmano

Sevilha

Córdoba

Campónio

Estrelas-do-mar

Espanha

Nasredim

Avarento

Marselhesa

Glacial

Índia

Haim

Rabino

Colectas

Fato

Ética

Fome

Damasco

Cinema

Polónia

Bagdade

Zen

Hassan

Indiano

Senhorio

Crêem

Glicínia

Dongxan

Sandália

Um

Istambul

Nasredim

Índia

Trolha

Zen

Sesta

Filhos

Enganar

Frango

Gato

Erudito

Bascos

Burros

Turco

Parteira

António

Alemanha

Indiana

Judeu

Africana



7


Ao Serão de Sábado


Acordo

Nápoles

Além

Conversa

Áustria

Mobilizado

Acampamento

Cairo

Judias

Anos

Mães

Moisés

Casada

Cincinnati

Cegonha

Herança

Israel

Cão

Mahesh Das

País de Gales

Tuaregues

Guatemala

Roménia

Parvati

África

Sudão

Conto

Majun

Idade Média

Velho

Mesopotâmia

Salvatore

Iraniano

Émulo

Religiões

Rei

Universo

Depressão

Marselhesa

Europa

Bombardeada

Deserto

Hakuã

Hindu

Suma

Sabedor

Índia

Bombaim




À Lareira do Amor Divinatório


1


Primeira Lareira


Primata

Rumos

Amizade

Temporais

Melhor

Lápides

Recuperar

Passado

Problema

Olhar

Pior

Realidade

Eventos

Más

Sinais

Acordo

Felicidade

Convicção

Medo

Comando

Culpa

Ascender

Emoção

Contrários

Abre-te

Dinheiro

Evento

Abrir

Abre

Corpo

Brota

Essência

Caminho

Gostar

Vivenciar

Responsabilidade

Vagueando

Parece

Força

Aceite

Caminhos

Insatisfeito

História

Contador

Duas

Ideais

Revolução

Preceitos

Migrar

Dolorido

Morte



2


Segunda Lareira


Árvore

Liberdade

Problema

Velho

Trilho

Rei

Perfeita

Partir

Conjuntura

Reter

Respeitável

Amados

Fraco

Forte

Controlar

Esperança

Positivo

Míope

Prisão

Canto

Positivo

Dizem

Realidade

Raiva

Adversidade

Lado

Escuro

Prenda

Tudo

Força

Diverso

Controlo

Auto-suficiente

Medo

Gota

Emociona

Melhor

Hora

Amor

Falam

Sei

Domínio

Liberdade

Pressão

Negativo

Distante

Turistas

Sofrimento

Tentativas

Pecado

Portas

Dele

Estado

Aparece

Causa

Diferenças

Escuro

Transformar

Muitos
Mostrar

Enchem

Canal

Papa

Incondicional

Peregrinos

Informação

Mal

Incentivo

Pior

Lutam

Fora

Solidão

Plástico

Diferença

Desespiritualizam

Incomodam

Indícios

Saberão

Desatar



3


Terceira Lareira


Vindoira

Catedral

Erro

Insistem

Mudar

Humildade

Dispersos

Olhar

Sucesso

Açougueiro

Vencedor

Distinguirão

Silêncio

Hoje

Milagres

Trinta e cinco

Escuro

Difícil

Chega

Experiencia

Académico

Oiro

Ponte

Conforto

Diferentes

Longe

Retiro

Fortalecida

Indispensáveis

Pegada

Instinto

Multidão

Cimentar

Dois

Luz

Pele

Pergunta

Têm

Independente

Deveras

Preciso



4


Quarta Lareira


Amparam

Contamos

Fiel

Catástrofe

Nadas

Ar

Simpáticas

Insignificante

Momento

Percebe

Retribuir

Pequenos

Juntos

Queixar

Conversas

Pilha

Amigas

Prazer

Noitada

Deixarem

Escolhido

Descosido

Chocolate

Insulta-me

Simpatizar

Nada

Singular

Contente

Parvo

Fraude

Respeito

Continuam

Difíceis

Conhecem

Fiel

Perfeito

Tu

Compartilhada

Continuaria

Sentir

Optimismo

Ali

Quero

Entrelaçado

Acarinham

Compreendem

Compreensão

Dão

Descobertas

Encontrar

Obrigado

Glória

Presente

Mais

Servem

Genuína

Comunicação

Caminhos



5


Quinta Lareira


Espaçosa

Significa

Levamos

Longe

Quilómetros

Encontrar

Deploráveis

Vinho

Data

Paisagens

Afastados

Velhos

Chega

Alabastro

Maior

Comprar

Súbito

Elogios

Lembrar-me

Encontrar

Vidro

Filamentos

Mundo

Luz

Jade

Abrigos

Dispensa

Comerciais

Trama

Prazer-mor

Prisões

Feliz

Enterra

Diálogo

Atirar

Envolver

Ama

Bandeira

Alteridade

Conhecimento

Missão

Divino

Morreram

Setenta

Concebas

Solitário

Objectivo

Atenção



6


Sexta Lareira


Ler

Véus

Canta

Vazio

Modificar

Fosso

Pedis

Fundo

Formular

Correria

Cultivo

Infinitamente

Carrego

Frágil
Longe

Renuncia

Vencedor

Termos

Natal

Presentes

Comemora-se

Preocupa

Pedir

Miúdo

Petiza

Vizinhas

Morte

Eterna

Poupar

Repouso

Preciso

Previamente

Mãos

Interromper

Funde

Beatitude

Mensagem

Motor




Ao Morno Tição das Quadras ao Desafio


1


Primeiro Tição


Barraca

Perdes

Portal

Estradas

Invisível

Olho

Respostas

Aceita

Planos

Motor

Difícil

Vivencia

Âmago

Integrado

Brincar

Saúde

Antes

Certo

Vens

Compromisso

Plenitude

Forçar

Aceite

Vínculos

Reino

Minhoca

Fruto

Medos

Aceita

Espelho

Exame

Chineses

Ego

Único

Peregrinar

Nunca

Casamento

Perdoar

Quer

Comer

Flor

Sucesso

Elástico

Solidão

Dentro

Amar

Humildade

Clama



2


Segundo Tição


Opressão

Envergonhar

Nada

Única

Contas

Mistérios

Fim

Guerra

Pedir

Sucesso

Vassoira

Percas

Carreira

Esmola

Matéria

Fotografia

Sair

Violência

Mal

Somos

Herança

Relatividade

Cume

Louvado

Amo

Vencedor

Graça

Ano

Errada

Morte

Pregos do Barco

A curiosidade

Ovo

Morango

Os dentes

O fósforo

Velas do moinho

Pintas do i

Sino

Borla

Carrega

Cama

Vento

Galo

Atropelados

Gato

Elefante

Frigorífico

Quatro

Cravos

Crivo



3


Terceiro Tição


Papa

Viúvo

Pombos

Pijama

Rãs

Pescadores

Olhos

Cadeias

Morte

Verdade

Garrafa

Queimar

Cimento

Magma

Doce

Jornada

Horas

Desejo

Vão

Precioso

Imprevista

Rir

Alma

Amigos

Sós

Chega

Revela

Auxílio

Interessa

Difícil

Único

Roupão

Teste

Palavra

Agasalhos

Coladas

Fruir

Endireitam

Clarim

Dizer-te

Sandice

Inócuo

Precioso
Maçada

Gesso

Ler

Vestida

Ingénuo



4


Quarto Tição


Tensão

Paga

Máscara

Sincero

Futuro

Qualidade

Privilégio

Fechar

Cemitério

Além

Gosta

Fecha

Lado

Busca

Lealdade

Finais

Apanha

Melhor

Quando

Aguentar

Compreender

Compreensão

Privilégio

Melodia

Contigo

Silêncio

Lonjura

Tecido

Canta

Madrugada

Mão

Ausência

Consolo

Poderoso

Coluna

Entretecendo

Oferta

Consiste

Mereci

Melhor

Goza

Medida

Tesoiro

Reino

Sábio

Aprender

Abrigos

Apontarmos

Outrem

Ego

Um



6


Sexto Tição


Subsiste

Enleio

Iluminação

Questão

Mundo

Precioso

Sorriso

Nada

Presente

Erro

Tosse

Pavão

Impossível

Milagre

Aprender

Lado

Casa

Cristal

Depende

Armadilha

Destino

Desejo

Missão

Equilíbrio

Dentes

Fronteira

Bênçãos

Cogumelo




Ao Luar das Íntimas Estrelas


1


Primeira Estrela


Movimentos

Inactivo

Instruções

Missão

Modo

Mudam

Insatisfeito

Março

Rejeição

Itinerário

Simpatia

Sentido

Luz

Importante

Querer

Perdoar

Chorar

Interioridade

Incondicional

Abundante

Errar

Liberdade

Medo

Perda

Conectado

Rígida

Carência

Espada

Presente

Apego

Galáxia

Assente

Negatividade

Via

Problemas

Equilíbrio

Consciência

Tristeza

Pode

Moções

Significado

Atributo

Acertar

Reconverte

Luz

Areia

Responsabilidade

Relações

Amor

Paz

Intuição

Esforço



2


Segunda Estrela


Incomoda

Passarinhos

Submundo

Implicando

Margarida-dos-prados

Centrada

Sendas

Efeito

Ego

Escolha

Rituais

Âmago

Responsável

Mentem

Ascender

Perdas

Compreender

Aceita

Perfeição

Aguentas

Atrais

Chora

Entra

Gosta

Triste

Tango

Energia

Jesus

Queres

Ligações

Voz

Protegido

Estrutura

Dádiva

Depender

Medo

Pêsames

Risco

Sensibilidade

Integrado

És

Verso

Consegues

Aparte

Morte

Pára

Missão

Atitude

Tornaste

Sensível

Receber.



3


Terceira Estrela


Dá-lhes

Embora

Comigo

Imagina

Ruptura

Mártir

Culpa

Acordo

Precisas

Intuição

Nada

Ajudar

Hoje

Energia

Presentes

Mentir

Prioridades

Tarefa

Sonho

Fadiga

Espírito

Tenta

Dispões

Igual

Propício

Desígnio

Tu

Espiritual

Ajudar

Perda

Fala

Comunicou

Responsabilidade

Iguais

Desapegar

Porta

Triste

Compromisso

Sensível

Queria

Qualidade

Verdadeiro

Está

Alegria

Lonjura

Comando

Problemas

Emanaste

São

Soldado

Abre

Chama

Melhor

Comprometimento



4


Quarta Estrela


Felicidade

Calma

Julgamento

Moldares

Respira

Sentir

Desculpa

Aperto

Expõe-te

Fado

Meta

Herói

Funda

Raiva

Perguntar

Reverencia

Manifestado

Espera

Passado

Família

Buscar

Asas

Vida

Atrais

Trabalhas

Acima

Conhecemos

Agora

Desconstruir

Mudança

Reinventa-te

Borboleta

Medos

Aurora

Martirizado

Rodeia

Resguardar

Aventura

Fase

Batalha

Fizeste

Templo

Atraiu

Aqui

Lições

Triste

Montanha

Sobe

Parar

Fértil



5


Quinta Estrela


Aquieta

Sinais

Esforço

Morto

Obrigado

Controla

Sinos

Chama-te

Receber

Novas

Incentivos

Música

Meditação

Padrão

Costas

Desconfortos

Escolha

Comunicação

Maneira

Concentra-te

Ama

Chora

Renascer

Imo

Salvar

Qualidade

Ama-te

Expectativas

Sonho

Agradece-te

Equívoco

Buraco

Postura

Aproveita

Zangado

Sente-te

Conformidade

Perpetuar

Julgar

Música

Expectativas

Fim

Princípio

Voa

Largar

Telhado