INAUGURAR O FUTURO



Psicopedagogia das fases pós-infantis



LISBOA, 2000





Introdução


O período mais crítico da vida escolar dos alunos decorre entre os dez e os quinze anos deles. O insucesso atinge-os aqui com uma frequência e numa proporção sem paralelo antes e depois, embora as marcas do massacre de que são vítimas se prolonguem pelos anos seguintes, às vezes até pelo resto da vida.


Este estado de coisas preocupa os progenitores, os professores e os políticos. Há muito que é conhecido, várias medidas vêm sendo preconizadas e implementadas pela pedagogia e pelo Poder, entre nós e pelo mundo fora, sem que o perfil da carreira escolar dos estudantes durante aqueles anos se haja alterado significativamente em lado nenhum. Tudo indica que se requerem medidas de fundo, reconversões do sistema educativo e modelos para a formação de professores destas idades inteiramente diversos dos reajustamentos de pormenor, pontuais e de apelo subjectivo e voluntarista que têm sido a norma até agora.


Uma das dificuldades maiores para qualquer mudança de rumo deriva do facto de se desconhecerem estas fases etárias críticas dos alunos, em primeiro lugar por os estudos dos psicólogos não estarem bastantemente divulgados entre educadores e na cultura geral da comunidade. Depois, porém, acresce o facto de as investigações deles também pararem sobre os 15 anos e de assim nos não permitirem acompanhar a sequência e a lógica do desenvolvimento dos educandos para além deste limiar. Mas mais frustrante que tudo isto é que, por sistema, as pesquisas psicogenéticas deixam de fora quaisquer indicações pedagógicas e mais ainda didácticas que os educadores e, em particular, os professores tanto requerem, para poderem ir optimizando o desenvolvimento dos educandos.


É justamente para responder à falta de sequência no traçado dos perfis e à urgência de estratégias, exemplos, modelos e casos-tipo que elaborámos esta recolha e sistematização. Nas salas de aula, nas comunidades escolares, no atendimento psicopedagógico de casos recolhemos um vasto leque de práticas eficazes que, se algum dia se generalizarem entre educadores, generalizarão a superação do insucesso crónico dos alunos em causa, como já ocorreu nos casos pontuaisem que ao vivo constatámos tudo aquilo a operar.


Alertamos, entretanto, para o facto de que apenas abordaremos aqui as sugestões e pistas no âmbito do relacionamento educador-educando, o que é compatível tanto com a abordagem familiar, como com a didáctica, como com a intersubjectividade em geral. A rentabilidade e eficácia destas alternativas psicopedagógicas, porém, dependem tanto do empenhamento pessoal de cada educador quanto das alterações institucionais e superstruturais que permitam, primeiro, a formação inicial e permanente dos professores com recursos teóricos e práticos deste tipo e, segundo, promovam um sistema educativo centrado na relação pedagógica, no desenvolvimento pessoal pela mediação mútua, em vez da obsessão com os programas curriculares, como até agora, remetendo antes estes para a imprescindível função de mediadores e instrumentos do crescimento, a fim de se tornarem o campo em que os encontros irão ocorrer e onde irão cultivar-se, gerar vida e cultura. Apenas por tal via educaremos, tudo o mais é mero amestramento. E já é tempo de acabarmos com o sistema de fabricar intelectuais em massa, pelo padrão da voz do dono, para serem, pelo resto da vida, pouco mais que empertigados animais de circo, ao mando da batuta não sabemos de quem. O respeito das pessoas, dos educandos, de nós próprios e do País requer de todos muito mais do que isto que a escola tradicional (com ou sem Reforma Educativa) tende a eternizar, para nossa desgraça.


Convém, como nota final, lembrar que tratámos, sob um ponto de vista um pouco mais teórico e formal, as questões do desenvolvimento psicopedagógico das fases da adolescência e juventude na segunda parte da nossa obra “Educador ou Professor?” - Livros Horizonte, Lisboa, 1990. Igualmente anotámos os perfis da mudança do docente e da relação pedagógica pela vida além do professor na segunda parte de “Por uma Escola-Projecto” - L. Horizonte, Lisboa, 1988. O presente trabalho é assim um complemento (e especificação, nalguns aspectos) ao que anteriormente já havíamos dado a público neste domínio.






PERFIL EMOCIONAL DO PRÉ-PÚBERE


Traços mais marcantes




A fase de idade

A pré-puberdade tende a decorrer durante o período etário que vai dos 11 aos 13 anos, principiando, biologicamente, com a alteração hormonal do equilíbrio endócrino, decorrente da maturação sexual, e que leva a atingir pela mesma ocasião a sexualidade potente e fecunda. A idade tendencial desta fase (como todas as da psicologia genética), entretanto, é apenas significativa estatisticamente, pelo que cada indivíduo pode antecipar-se ou retardar-se relativamente a ela até mesmo alguns anos. Assim, há tempos, os jornais noticiaram a gravidez altamente precoce duma rapariga nordestina brasileira que foi mãe com nove anos de idade; pouco depois, ao apoiar psicopedagogicamente um curso profissional, detectei o caso de dois irmãos, com 15 e 16 anos, o primeiro ainda na terceira infância e o segundo apenas no princípio da pré-puberdade. De notar que qualquer destes casos não tem de provir de qualquer anomalia, podem ser perfeitamente normais e saudáveis. Normalidade estatística e normalidade psicogenética não têm nada a ver uma com a outra. Há, porém, casos em que o desvio decorre de problemas, traumas, dificuldades e condicionamentos de vária ordem que desequilibram a pessoa e lhe afectam negativamente o quotidiano. Esta tende então a viver desajustadamente e de modo emocionalmente tenso, ansioso, angustiado, a ponto de chegar a raiar, por vezes, o desespero. Tais casos requerem atendimento apropriado e individualizado, a fim de se desbloquear o que impede o desabrochar equilibrado e espontâneo da pessoa vitimada.


Há também uma influência do meio a antecipar ou retardar a entrada na pré-puberdade, para a maioria: na cidade as crianças tendem a antecipar perto dum ano este momento relativamente ao campo ou ao dormitório da periferia urbana.


Apontar a pré-puberdade dos 11 aos 13 é também convencional: em Congresso, há anos, sob os auspícios da OMS, os investigadores participantes acordaram numa plataforma de fases para servir de guião de referência e ponte de entendimento à pesquisa nesta área. Isto implica que, mesmo estatisticamente, este referencial pode não corresponder a variações que ocorrem duma região para outra do planeta ou até num mesmo país, bem como não atende a flutuações que acompanham o correr do tempo, as mudanças históricas e culturais. Em todos estes casos urge atender ao concreto, para podermos acompanhar o devir que também nos transforma. Por outro lado ainda, uma convenção de períodos etários abarca apenas aspectos do desenvolvimento psicológico aptos a fixarem-se por camadas sucessivas e em períodos de vida determinados. Ora, nem todos os vectores da personalidade correspondem a tais características, como o da consciência moral (que, organizando-se por níveis graduais, não depende nem se liga a períodos etários determinados) ou o da construção do si-próprio (em que mesmo as camadas de aprofundamento e complexificação não parecem ter ordem fixa ou então são atingíveis por várias fieiras sequenciais paralelas e independentes). Mas, se no extremo ocorre isto, nos aspectos que se desenvolvem ordenadamente nem todos vão obrigatoriamente corresponder uns aos outros de tal modo que variem concomitantemente no mesmo período. Ao invés, a pesquisa constata que há assincronias, antecipaçõess, retardamentos e subdivisões que uns pendores do desenvolvimento revelam relativamente aos outros.


É com toda a flexibilidade e relativização que estes considerandos implicam que teremos de usar o referencial dos 11 aos 13 anos como período típico da pré-puberdade. Nestes termos, uma fase etária deverá entender-se apenas como a idade em que tendencialmente ocorrerão maior número de fenómenos típicos dum estádio de desenvolvimeno em vários domínios da personalidade.


Estas precisões são igualmente pertinentes para todos os demais períodos da psicologia do desenvolvimento, tanto anteriores como posteriores, e relativamente a eles aqui registamos desde já a advertência.




A explosão emocional


O que de mais notório ocorre na pré-puberdade, na vida afectiva da pessoa, é uma inesperada (e sempre surpreendente para o próprio) explosão das emoções. A criança que até aí vivera numa estável acalmia de reacções, que as ordenara e orientara em conformidade com as solicitações e expectativas do meio, mormente dos íntimos (família e amigos), repentinamente enfrenta o facto de que todas as conjunturas a que vinha habituado, todos os eventos existenciais de cotio em que quase nem reparava já, doravante lhe provocam, por insignificantes variações inesperadas, respostas emotivas intensas fortemente perturbantes. Tende a ocorrer de algumas semanas a alguns meses antes da primeira menstruação da rapariga e da primeira ejaculação (normalmente uma polução nocturna espontânea) do rapaz.


A explosão emocional ocorre praticamente de modo instantâneo. Se estivermos atentos, ser-nos-á viável evocarmos quase a partir de que dia nos ocorreu. Por outro lado, uma vez advinda, a forte resposta emotiva a qualquer momento existencial mantém permanentemente aquele tónus elevado, não volta atrás. A acalmia, a serenidade da infância tornam-se definitivamente irrecuperáveis, por muito que o indivíduo eventualmente o tente ou deseje. Ancorada na alteração endócrina, a explosão emotiva pautará anos seguidos a reacção a qualquer experiência da vida, com uma violência desproporcionada relativamente ao período etário imediatamente anterior do indivíduo. Sempre mais notório perante eventos inesperados que surpreendem o pré-púbere e o apanham desprevenido, é, todavia, identificável igualmente numa série de pormenores de cotio: a irritabilidade e irascibilidade aumentam despropositadas, quer entre irmãos e com os progenitores, em família, quer entre colegas e amigos, nos grupos naturais que doravante se tornam muito instáveis, quer com a turma e os professores ou durante os recreios, na escola; o descontrolo, o perder as estribeiras e o desatar a agredir oral ou fisicamente ocorrem muitas vezes, porventura com pré-púberes que antes se auto-dominavam perfeitamente; a flutuação de humor, a instabilidade tendem a tornar-se permanentes; a vulnerabilidade aumenta muito, tanto para emoções positivas (alegria, euforia, entusiasmo) como negativas (desgosto, desespero, rancor, ódio), tornando-se menos comuns estados emotivos intermédios (paz, calma, serenidade, bem-estar); os amores eternos que duram vinte e quatro horas começam a aparecer, as paixões à primeira vista, incontroláveis, bem como as atracções platónicas, projectadas em idealismos infinitos, simultaneamente gratificantes enquanto utopias e desesperantes enquanto irrealistas e inconfidenciáveis.


A vivência deste tipo de emotividade pelo pré-púbere é irredutivelmente uma experiência original e única para ele. Com efeito, jamais antes a pôde viver, pelo que não detém na memória nem na estrutura da personalidade nada com que possa identificá-la, a partir do qual consiga lê-la, assenhorear-se dela, integrá-la e ordená-la em função da unidade e equilíbrio anteriores dele próprio. Tudo lhe rebenta a outra luz, com outra conotação e sentido, de alcance e valor potencialemente diferentes quando a explosão emotiva nele ocorre. É o mundo inteiro que devém outro, é a vida completa que virou do avesso. Por outro lado, a convulsão é por dentro dele, a vivência é individual e única, redu-lo à solidão, por muito que a queira comunicar: o que transmite serão inelutavelmente palavras, jamais o terramoto que o abala, que lhe revolve a interioridade até aos abismos mais profundos.




O descontrolo emocional


O descontrolo emocional que ocorre frequentemente deriva do insuficiente autodomínio da criança para enfrentar a violência incomportável da nova emotividade, duma vontade frágil para o tónus actual das reacções, muito embora haja bastado, durante a infância, para o indivíduo se ter autodominado. A transição é brusca, não lhe dá tempo para desenvolver capacidades de resposta à altura em tempo oportuno.




O receio do novo


O medo do novo, do diferente é um efeito de tal estado de coisas. Ante o inesperado, o pré-púbere corre ainda mais riscos, pelo que procura evitá-lo. Um desvio típico é a tentativa de retorno inviável à terceira infância. O temor de aceitar-se, a estranheza perante o que com ele advém, gera a fuga e o intento de retroceder, sempre falhado, inexequível doravante em absoluto. Mas a acalmia infantil desperta saudades e o sonho do paraíso perdido acorda nos momentos mais angustiantes.




A insegurança pessoal


O pré-púbere descobre-se incerto dele próprio, uma vez que a nova qualidade emotiva o leva a perder a imagem de si que houvera construído durante a infância: doravante ele não sabe mais o que é, como comportar-se, com que poder contar, que valor atribuir a cada evento, indivíduo ou atitude. Tudo lhe aparece a uma nova luz, ofuscante e desnorteadora. Perdido o rosto que dele mesmo talhara, fica sem nada a que agarrar-se, sem fio condutor para a vida, mesmo quotidiana, ignora o que é no fundo, afinal, o que quer vir a ser, como deve agir. Tudo se torna duvidoso e precário, os ídolos caem, os dogmas esboroam-se, as crenças abalam-se. Perde a confiança nele próprio e nos outros. A comunidade, a vida devêm ameaçadoras porque inabordáveis, indecifráveis em termos seguros. Se tudo é dúvida, tudo é, consequentemente, insegurança. Ora, isto é temível para quem jamais enfrentara tal vivência.




A insegurança social


O desnorteamento perante os padrões de comportamento a adoptar provoca a insegurança social. Com efeito, durante a terceira infância o pré-púbere andou a interiorizar os valores do meio ambiente, mormento dos íntimos mais significativos, cheio de boa fé, adequou-se a eles, criou hábitos em concordância para se integrar socialmente e obter o reconhecimento dos outros. Agora tudo entra em crise. Ora, ao falir a confiança nos critérios e comportamentos, nos perfis que integrou e por que se pautava, é a fonte deles que fica abalada, justamente a colectividade e os mais próximos, decisivos agentes dela, os pais, a família, os amigos, os colegas, a escola, os professores até então preferidos. A dúvida, ao minar até aqui, gera angústias intoleráveis, cria um isolamento desesperado, leva o pré-púbere a não confiar tendencialmente em ninguém. Assim, não irá abrir-se facilmente e menos ainda perante quem mais significativo anteriormente foi para ele. Menos provável ainda é que se entregue de braços abertos e indefeso no âmbito de qualquer relacionamento, mesmo amoroso e apaixonado.




A inibição relacional


Descrer na validade dos relacionamentos anteriores inibe os encontros interpessoais, mesmo os mais firmes e equilibrados provenientes de trás. O medo da novidade entrava a criação de novas amizades. Finalmente, a perturbação com o que ocorre com ele, leva o pré-púbere a envergonhar-se da figura que faz, o que o retrai ainda mais no convívio com toda a gente. Não querendo dar má imagem e não logrando identificar o perfil que deve manter, na dúvida prefere afastar-se porque é menos angustiante. Acresce a tudo, em muitos casos, o temor de que o que confere nele seja uma anormalidade ou uma doença. Há muitos pré-púberes que, quando ganham coragem, perguntam: “Então não estou a ficar doido, não?” Em tal estado de espírito ninguém se atreve a contactar nem comunicar com outrem, não vá tornar-se um motivo de escárnio ou de repúdio. Para fugir ao risco, o melhor é isolar-se.




A instabilidade


O medo de avançar perante a violência das emoções leva o pré-púbere a tentar fugir à situação, recuando para o estádio anterior que lhe é doravante vedado. Daqui gera-se um movimento pendular de avanço e recuo: ele ora pretende enfrentar-se para desvendar-se e assumir-se, ora, timorato e frustrado, aspira pela acalmia infantil e quer retroceder; ante a inviabilidade, retoma o caminho anterior e assim por diante. A ambiguidade do acatamento e repúdio dele próprio vai projectar-se nos outros igualmente: quando se acolhe, tende a abrir-se aos iguais, espelho dele próprio, aos colegas e amigos, bem como a quantos o ajudem a ir decifrando e dominando o enigma em que se tornou; quando foge dele próprio e tenta recuperar o passado inelutavelmente perdido, retoma as relações mais significativas da infância, com os pais e avós, recupera os padrões e rituais de tal período. É vulgar o rapaz comunicar então em voz de falsete, abandonando o tom grave que a pré-puberdade lhe trouxe. A instabilidade, porém, reveste outro cariz: a mais pequena abertura de sentido e de rumos convincentes põe-no eufórico; o mais insignificante revés, um imprevisto arreliador mergulha-o no desespero. E tudo isto em períodos muito curtos de tempo, por vezes em minutos vai de extremo a extremo. Do mesmo modo variam os estados emotivos com que o pré-púbere encara qualquer pessoa, desde o colega ao amigo, ao professor, ao progenitor, o que se revela desconcertante e impacienta muitas vezes quem com ele tem de conviver.




A paixão platónica


A explosão emocional provoca o despertar do imaginário para sonhos fantásticos. Ocorrem então paixões platónicas, amores à primeira vista de tremenda intensidade e com que se imaginam heroísmos sobre-humanos e delícias celestiais: é tudo projectado ao infinito. A irrealidade, neste domínio, é extraordinariamente preponderante. Para o rapaz, a moça é mesmo um anjo caído do céu; para ela, ele é o príncipe encantado, o cavaleiro andante pejado de grandiosas aventuras. O confronto com a realidade esboroa dramaticamente tudo isto, o que provoca decepções e repúdios profundamente dolorosos, tornando permanentemente efémera a eternidade de que sempre se revestem para os pré-púberes estas paixões instantâneas.


O que as desencadeia é igualmente precário e incontrolável: um caracol decabelo, um gesto de mãos, uma atitude ocasional, um tom de voz, um jeito de olhar, um bater de tacão na calçada, uma peça de roupa vestida, uma covinha na cara ao sorrir, um piscar de olhos fortuito... A dor da ressaca leva o pré-púbere à fuga e ao isolamento, acentuando este pendor que a insegurança já nele marcava. A distância entre o céu prometido e o inferno vivido em que tudo redunda agrava a angústia. Esta é uma constante do pré-púbere, extremando-se quando ocorrem eventos destes, devindo então duradoura, o que pode torná-la perigosa, devido ao extremismo tendencial das atitudes deste período.




O tudo ou nada


O pré-púbere, em virtude da violência da emotividade, tende a absolutizar as experiências vividas, não é capaz de relativizá-las, de criar tempo, fica muito prisioneiro do momento presente. Interpreta quanto anda vivendo em termos de tudo ou nada. É por isto que a paixão é para a eternidade e a frustração dela é o fim da vida (e a forte incidência de suicídios neste e nos períodos etários seguintes é apenas a ponta do icebergue desta característica). A tendência é para cada evento ser vivido durante a fase como uma questão de vida ou morte, por mais desajustada que tal leitura de cada experiência se revele ante o conjunto dos acontecimentos e papéis que entretecem o quotidiano do pré-púbere, como de qualquer outro indivíduo. A emotividade violenta aprisiona-o nos tentáculos e impede-o de reparar e ponderar no que é concomitante como no que é anterior ao que no instante vem vivendo. Este absorve-o por inteiro, esgota-lhe a atenção e a disponibilidade, arrasta-lhe e submerge-lhe tendencialmente a personalidade inteira, não lhe deixando qualquer margem de distanciamento, autonomia ou alternativa, condições sem as quais não é viável a relativização, a ponderação realista e matizada.






Optimização pedagógica




A ratificação da fase


A primeira achega que qualquer educador tem de dar ao pré-púbere é ler-lhe e assumir o período crítico por que ele vem transitando como sendo saudável, normal, vivido por quantos como ele atingiram o mesmo nível de desenvolvimento. Com isto afastamos terrores e fantasmas entorpecedores, evitamos desperdícios de energias e desvios comportamentais. Aumentamos a possibilidade de acalmia e serenidade, alargamos a disponibilidade do pré-púbere para enfrentar sem distorções a nova experiência fundamental que vive. Acalmamo-lo e centramo-lo no que importa: assumir a nova realidade que nele desperta e que convém desenvolver até ao máximo das respectivas potencialidades. Interpretar como bom o que está ocorrendo e agir em conformidade perante o pré-púbere – eis o primeiro apoio. Tanto mais credível quanto maior autoridade revestir para o educando o interveniente: o professor é aqui privilegiado pelo peso institucional e sociocultural que lhe é conferido.




A serenidade do educador


O educador e o professor em particular têm de conseguir relacionar-se com o pré-púbere sem jamais perderem a calma, mantendo-se permanentemente serenos e acolhedores. É o que é próprio de quem, primeiro, não estranha nada do que vem ocorrendo com os educandos e, segundo, julga benéfica toda a perturbação da transição em curso, por muito que o fatigue, lhe desafie a paciência ou lhe esgote as energias. Com isto, o educador, perante a instabilidade, angústia, descontrolo e agressividade do pré-púbere, incarna a mensagem educativa mais urgente para este: demonstra ao vivo, no próprio comportamento, naquilo que está sendo, o desenvolvimento seguinte que o educando pretende atingir e não consegue – a acalmia, o autodomínio e o enfrentamento sereno e seguro da realidade perturbante em curso.




A expectativa de autodomínio


Como o pré-púbere não logra autodominar-se em muitas conjunturas, por manifesta desproporção de forças entre a vontade infantil que desenvolveu antes e a violência explosiva das emoções presentes, o educador não pode esperar um autocontrolo sem falhas. Ao invés, deve antes demitir-se de exigir isto ao educando, sob pena de o condenar ao fracasso e, com isto, tender a convencê-lo de que é um anormal ou deficiente (culpabilização), quando tudo se deve a um desequilíbrio natural e transitório de capacidades. A atitude correcta é duma expectativa dum esforço persistente do pré-púbere para autodominar-se, com sistemático reforço positivo de todas as pequenas vitórias que ele vá conseguindo e aceitação das derrotas como naturais percalços do caminho, a superar em momentos seguintes deste itinerário. A exigência dum autodomínio impossível neste período tende a interiorizar no pré-púbere a interpretação de que é por natureza destituído desta capacidade e, portanto, estará fatalmente condenado, faça o que fizer. Daí a cruzar os braços, em desespero e revolta, vai um passo. Pior, interiorizada esta leitura e o correspondente padrão comportamental de descontrolo, fica bloqueado o desenvolvimento em tal domínio a este nível pela vida fora, podendo-se agravar gerando recalcamentos, neuroses, psicoses, generalizações...




O acatamento da instabilidade


Um dos aspectos que mais confunde o pré-púbere é o da mudança brusca e incontrolável de estados emotivos dos quais se vê joguete impotente. Isto, quando consciencializa, envergonha-o; quando é inconsciente leva-o a tropeçar de contradição em contradição, até perder por inteiro a cara, dando o dito por não dito, renegando o feito, e assim por diante, tendendo a encurralá-lo no mutismo e na apatia. Urge acolher-lhe a instabilidade como natural que é, sem mostrar estranheza nem rejeição perante a contradição de sentimentos ou emoções, antes alertando-o para o facto e para a necessidade dum empenho persistente na tomada de consciência e no distanciamento, para lhe facilitar o autodomínio o mais rapidamente possível. De igual modo, quando a contradição ocorre no relacionamento com o educador, ora elevado aos píncaros, ora caído aos abismos, o acolhimento deve ser incondicional e imperturbável, não se deixando tocar por nenhum dos extremos irrealistas, antes assumindo o encontro como tendo obviamente possibilidades e limites, aspectos gratificantes e falhas, como toda a relação humana, mas vocacionando-o expressamente para um aprofundamento indefinido de melhorias. Enquanto o pré-púbere tem um tendencial movimento pendular de aproximação e recuo, de acolhimento e rejeição, de entusiasmo e decepção, o educador mantém-se numa atitude permanente de disponibilidade e calma que nenhuma daquelas flutuações perturbe.




Criar tempo


As emoções, com o tempo, acalmam. Daí que seja prioritário ao pré-púbere aprender a esperar, a não reagir à primeira ou, pelo menos, a não responder num reflexo imediato, para poder encontrar-se mais a frio, de modo a conseguir fazer intervir a razão e a abrir campo à vontade. Aprender a criar tempo. Facilitamos-lhe isto sabendo nós actuá-lo, vivendo a experiência com eles, em todos os momentos críticos e, antes de mais, explicitando que é isto mesmo aquilo de que mais carecem, levando-os a analisá-lo. Focar a atenção neste pormenor e levá-lo concomitantemente à prática quando as circunstâncias o requeiram é a mais formativa das intervenções e a de maior potencial futuro, por atacar na raiz a fonte das impotências do pré-púbere. Conversá-lo e agi-lo com ele redunda no maior ganho de tempo e energias.






PERFIL INTELECTUAL DO PRÉ-PÚBERE


Traços mais marcantes




O acesso ao pensamento abstracto


A entrada na pré-puberdade provoca igualmente o despertar da capacidade de pensar em abstracto, o indivíduo vai acedendo intelectualmente às operações formais. Até aqui a criança tornara-se apta a reflectir, a explicitar relações lógicas mas apenas sobre objectos concretos (ao vivo ou evocados), manteve-se racionalmente prisioneira ainda da experiência própria. Doravante um novo salto do intelecto devém viável: operar a partir de abstracções, de conceitos, definições, modelos, formas – independentemente dos conteúdos sensíveis ou vivenciais em que possam verificar-se ou de que foram retirados, abstraídos. Neste nível, a razão opera a partir das próprias elaborações ou construções, não requerendo já a muleta do acompanhamento pelos dados da experiência para lograr estabelecer relações lógicas entre representações mentais.



A diferença entre a emoção e o pensamento


Se o pré-púbere é surpreendido pela explosão emotiva à entrada do período etário, já o mesmo não ocorre com o desenvolvimento intelectual. Pelo contrário, este é paulatino, gradual, muito esforçado e lento. Acolá bastou a alteração endócrina para o tónus emocional se alterar. Aqui, a base hormonal apenas gera a possibilidade de desenvolver o pensamento formal, não o desencadeia. Inaugura uma potencialidade que fica disponível e se pode ou não vir a desenvolver gradualmente. Para isto requer-se mais do que o alicerce biológico, como em todos os estádios intelectuais anteriores: é imprescindível uma estimulação adequada, propiciada pelo meio ambiente e acolhida, interiorizada, explorada laboriosamente pelo pré-púbere. É que a razão é uma criação cultural da humanidade, a racionalidade humana é artificial. Ao contrário da crença generalizada universalmente na cultura mundial, o intelecto que nos diferencia da animalidade irracional só tem de natural o seu pressuposto biológico, a especificidade hereditária do modelo que pode revestir. A sua concretização em cada indivíduo é sempre uma nova criação, uma passagem a acto daquela virtualidade, pela mediação da cultura incarnada nas pessoas que espicaçam desde o berço cada um de nós e pelo esforço persistente do indivíduo para corresponder desde bebé, dando corpo e desenvolvendo cada nível germinal de potencialidades que as idades da vida lhe vão propiciando. Doutro modo, se esta caminhada não ocorrer, não brota qualquer racionalidade especificamente humana, tudo ficará ao nível da animalidade, como ocorre inelutavelmente nas crianças criadas por animais.


Depende da maturação biológica e duma estimulação adequada: isto implica a ausência de qualquer explosão do intelecto. Em contrapartida, há um robustecimento, uma complexificação, uma estabilização cada vez maiores de cada nova faculdade durante todo o período de desenvolvimento, quando é adequadamente optimizado. As operações formais podem desenvolver-se durante cerca de cinco anos, abrangendo a pré-puberdade e a puberdade inteiras. Isto quer dizer, por outro lado, que o pleno florescimento desta faculdade requer tal período temporal, não sendo, portanto, de esperá-la ou pressupô-la antes de decorrido. Apenas serão de aguardar graus maiores ou menores de aproximação, conforme, respectivamente, decorre o termo ou o princípio do período e o itinerário durante ele percorrido foi ou não o mais adequado.




O intelecto e a sociedade


A dependência do desenvolvimento intelectual duma estimulação adequada e o facto de esta ter como primeira matriz a cultura ambiental é concomitantemente uma vantagem e uma limitação. Opera como vantagem enquanto toda a convivialidade humana é cultural e ocorre num contexto de sinais, valores e sentidos vividos-representados-vividos inextricavelmente, em regime de tal espontaneidade que jamais nisto reparamos senão por decisão expressa e voluntária. Implica que qualquer membro da comunidade é permanentemente estimulado a assimilar e adestrar-se em todo este jogo vital, o que significa que lhe é fornecido superabundantemente o caldo de cultura da inteligência humana, gratuitamente e em condições altamente gratificantes. É tanto assim que mesmo as crianças dos estratos mais débeis, os órfãos, os abandonados e os indigentes, logram, quando não foram vítimas de deficiências ou traumas congénitos ou hereditários, aceder à racionalidade humana e, por vezes até, num fenómeno de compensação, atingem-lhe os píncaros mais elevados. A sociedade, nas formações comunitárias e institucionais de base, basta em regra para colmatar neste domínio carências de acompanhamento da família e do meio íntimo ou mais próximo.


Tudo bateria certo caso fora viável socialmente um estímulo adequado até aos níveis mais elevados da racionalidade humana. Infelizmente, isto é inexequível. É que a nossa vida de cotio ocorre ao nível empírico, requerendo o desenvolvimento e uso generalizado apenas das faculdades mais rudimentares e simples do intelecto. Por outro lado, o nível geral da inteligência humana numa colectividade resulta das operações predominantemente nela usadas – o que remete directamente para o tipo de pessoas que preponderam: as que não ultrapassaram o estádio das operações concretas, as que dominam as capacidades formais ou as que atingiram a criatividade intelectual. Ora, se os países mais cultos logram dispor de adultos em maioria ao nível formal, entre nós, manifestamente, mantém-se a quase totalidade nas operações concretas – como facilmente podemos verificar ouvindo as conversas no mercado, no autocarro, no trabalho, no convívio: é tudo factual.


Quando a realidade é esta, apenas resta uma alternativa para auxiliar o pré-púbere a avançar, é apostar numa estimulação programada e explícita para o pensamento formal. Doravante já não opera adequadamente o convívio espontâneo – este encurralá-lo-á no intelecto típico da terceira infância em que vive mergulhada a generalidade da inteligência portuguesa. Então apenas os pais, a família, os amigos mais próximos poderão implementar a alternativa adequada, caso hajam desenvolvido um nível superior de racionalidade ou, não o dominando, aprendam a gerir e implementar estratégias que nos mais novos os promovam. A falhar isto, resta apenas à escola assumir supletivamente a tarefa, com a urgência e a força que a gravidade do problema entre nós requer gritantemente.




A insegurança pré-pubertária e a lentidão do desenvolvimento


A insegurança do pré-púbere oriunda da perda da identidade pelo terramoto emocional vem repercutir-se no desenvolvimento intelectual retardando-o.É que o estímulo adequado requer desde logo o empenhamento esforçado do indivíduo. Ora, isto é complicado no período pré-pubertário, uma vez que tudo se lhe torna duvidoso: como aderir de alma e coração se nada se compreende, se tudo deveio ambíguo, caíram as seguranças de antes e não têm por ora substituto convincente? Por outro lado, como empenhar-se quando o inédito é temível, a novidade é ameaçadora? Ao invés, o pré-púbere recua, hesita, cambaleia. Ora, isto vai retê-lo mais duradoiramente ao nível intelectual das operações concretas. Com elas, porém, maior é a dificuldade dele para interpretar e superar a conjuntura vivida, uma vez que, ao obrigar-se a evocar e ao reportar-se ao experienciado, mais lhe reforça a virulência emotiva, o aprisionamento ao evento e ao descontrolo que lhe provoca. Para o mesmo efeito concorre o corte de relações, o isolamento do pré-púbere – de facto, nestas condições reduz-se a possibilidade e o número das mediações exequíveis. Nem sequer o privilegiamento dos encontros com os iguais altera isto, uma vez que, ao invés, irão entre eles reforçar apenas o nível da inteligência concreta que lhes é comum à partida – o que redunda em novo retardamento na caminhada para as operações formais. No limite, isto pode levar a que, durante este período etário inteiro, exista geneticamente a potencialidade para desenvolver a nova faculdade, mas o bloqueio da prática a impeça por inteiro de manifestar-se. Em tal caso ela não existirá de todo enquanto realidade no pré-púbere, mesmo no termo do estádio. O mais comum é, entretanto, apenas a acentuada lentidão do avanço das operações concretas para as formais durante o período inteiro.




O trauma e a fixação na fase


O insucesso escolar é fortemente dominante no período etário dos 11 aos 15 anos, abrangendo o Ciclo Preparatório e o Curso Unificado, segundo e terceiro ciclos do Ensino Básico. É gravemente frustrante, mormente no período pré-pubertário. Quando tal ocorre em virtude de não haver ainda o poder de abstrair, então tende a provocar a culpabilização: o educando constata a impossibilidade, por natureza, de pôr a funcionar uma faculdade de que se encontra ainda por inteiro destituído; como tal lhe é requerido institucionalmente e por professores que são agentes, legal, social e psicologicamente credenciados, de credibilidade indiscutível, então ele conclui que o insucesso provém dele próprio, a culpa é de não dispor de capacidades que deveria ter. Interiorizado que não é inteligente, pelo menos ao nível e segundo o tipo requerido, ainda por cima num clima de grave desgosto, angústia, ansiedade que sempre acompanham a reprovação, o pré-púbere bloqueia-se duradouramente no estádio, ocorrendo mesmo que até ao fim da vida ande lutando por superar o trauma que isto constitui. Continua reflectindo, porém, sempre ao nível das operações concretas, sem jamais dominar eficazmente as formais, cuja ausência acolá o feriu tão profundamente, sem apelo nem fuga. É um complexo de inferioridade generalizado.


Quando tal é o caso (e ultrapassam os 90% os estudantes que acabam o 9.ºano tendo, pelo menos uma vez, tropeçado no insucesso), a libertação da castração intelectual que isto provoca é morosa, difícil e muito laboriosa – muito para além do que já o desenvolvimento normal por ele requer. Sê-lo-á tanto mais quanto mais profunda for a ferida provocada pelo trauma, maior a convicção de que se é destituído por natureza de faculdades intelectuais e quanto mais tardia a tentativa de inverter tudo isto, de procurar recuperar. Uma vida inteira por vezes não basta. E pode toda ela ter azedado e ficar desviada irremediavelmente, em virtude deste escolho.






Optimização pedagógica




Informação da situação


A primeira medida a tomar, por parte do educador, é informar-se da situação e informar dela os educandos. Com isto evita, pelo lado dele, preconceitos e falsas expectativas relativamente ao pré-púbere, sabendo doravante com que contar e como tratar com a conjuntura. Institucionalmente, urge divulgar tais conhecimentos à totalidade dos docentes, bem como à generalidade dos agentes e instâncias educativas, prioritariamente às famílias e antes de mais nada aos progenitores e a quem directamente trate pré-púberes.


Aos educandos, a informação do que ocorre neste domínio com eles acalma-os, ajuda-os a criar o tempo que na aquisição desta faculdade é fundamental, empenha-os no processo do desenvolvimento, garantia de eficácia. Por outro lado, previne e evita o mecanismo da culpabilização e o complexo de inferioridade a que arrasta.


Mas o informar-se do estádio requer do educador outro cuidado: ele tem de reconhecer qual a fase do educando, se ele se mantém na terceira infância ou já transitou para a pré-puberdade, de modo a adequar a relação pedagógica, o método e as estratégias ao que exigir o desenvolvimento de cada nível. Com crianças ele estimulará a reflexão ancorada no concreto, na experiência existencial delas; com pré-púberes implementará, em crescendo gradual, o pensamento abstracto. A optimização pede-lhe a diversificação das abordagens, a individualização, para o aluno, dos caminhos da aprendizagem, pelo menos especializando a turma em dois subgrupos, operando cada qual ao respectivo nível (transitando cada aluno dum para o outro ao mudar de estádio). Jamais o educador poderá aguardar operações formais por parte de quem esteja ainda na infância (que se pode prolongar até aos 15 anos ou mais, embora em casos raros), bem como não deve privar-se delas nem crer que tal satisfaz quando com pré-púberes, despertos como ficam para novos horizontes de possibilidades que ele tem o imperativo de implementar.


O mais urgente, entretanto, dada a hecatombe escolar desta fase etária e da puberdade, é, por parte do educador e em particular do professor, a recusa liminar e absoluta de requerer a abstracção reflexiva, as operações formais, antes da entrada de qualquer educando na pré-puberdade, por ser geneticamente impossível. Doutro modo, estará a continuar o crime que a escola vem maciçamente operando: reprovar os alunos por engano, quando de facto o que está é a reprovar a natureza humana pelo modo como ela opera o desabrochar do intelecto durante a fase etária. Isto, obviamente, não muda em nada a estrutura do desenvolvimento psicológico (que é como é, não para agradar a professores ou à escola); mas, em contrapartida, salda-se por uma inumerável matança dos inocentes – milhões de educandos que ficam pelo caminho e marcados, em maior ou menor grau, para o resto da vida por reprovarem, quantos deles indelevelmente.




Informação do desajustamento escolar


Urge informar educadores e educandos do preconceito cultural generalizado, tanto no meio como na escola, segundo o qual, assim como ocorre uma explosão da vida emotiva no limiar da pré-puberdade, também ocorreria a das capacidades de abstrair do intelecto. Esta generalização errónea do que acolá advém para o que aqui jamais poderá, nem por milagre, acontecer é que vem sustentando a inércia, o imobilismo escolar a todos os níveis.


É a praxe pedagógico-didáctica que se mantém e transmite de geração em geração de professores, de estabelecimento a estabelecimento, sempre com boa consciência docente e institucional, para quem os educandos falham por razões imputáveis a eles próprios e aos antecedentes da primária, por não empregarem nem aproveitarem os recursos oferecidos e a maturidade atingida. Assim, as abordagens pedagógico-didácticas jamais poderão mudar e ajustar-se. Urge denunciar este dogmatismo, desmascarando-o: ele nunca teve em conta o trajecto de maturação do pensamento formal, a longa gradualidade que implica, os cinco anos que requer, nem o tipo de estimulação adequada e exequível na vida empírica e na escolar, no contexto da relação pedagógica. É, portanto, uma interpretação inteiramente inadequada, de mera ratificação da desordem implantada e dos iníquos mecanismos de selecção colectiva e individual que o tendem a reproduzir indefinidamente, para além de constituir farisaico e cómodo passa-culpas.


São os programas estruturados num modelo coerentemente dedutivo, totalmente abstractos, a solicitar paralela abordagem ao professor inexperto, inseguro ou incauto. Um currículo facilitador da reconversão pedagógica a implementar seguiria a ordem genética da aquisição dos conhecimentos: partiria de casos e objectos concretos para terminar nas formulações, conceitos, quadros, modelos abstractos que os enquadrariam representativamente. Enquanto não vierem, urge que os pedagogos invertam na didáctica a lógica do currículo e principiem pela ponta a partir da qual se poderiam desenvolver operações formais: o objecto concreto e o raciocínio ao nível dele. É sobre este que terá de ir assentando o estrato seguinte, lentamente; e nunca pela abolição ou afastamento puro e simples dele da relação pedagógica em aula, como por norma tende a ocorrer.


Finalmente, fruto de tudo isto, importa informar todos os intervenientes de que o sistema escolar espera e exige, portanto, à partida, da pré-puberdade (e para muitos ainda durante a infância, porque naquela ainda não entraram sequer, apesar da idade), um pensamento formal por inteiro desenvolvido, sob pena de falhar na carreira estudantil. Importa designar o vício de pressupor no princípio o que só no fim poderá existir, porque apenas então desculpabilizaremos bastante as vítimas deste desvio crónico. Pelo menos assim dar-lhes-emos a possibilidade de se não responsabilizarem indevidamente, ajudando-os a aguardar pelo momento próprio para avançarem, sem se autocastrarem por uma errónea interpretação do que lhes vem ocorrendo.


É óbvio que esta clarificação da conjuntura será tanto mais eficaz quanto mais longe e mais alto atingir: terá de alargar-se a todos os educandos, professores, encarregados de educação, de modo a entrar na cultura dominante, mas também deverá subir a instâncias políticas, até abranger por inteiro os Ministérios com tutela educativa, mormente o da Educação. Assim , talvez um dia a montanha trema e o panorama dos reprovados dos 11 aos 15 anos mude então de figura, porque muito se alterará, entretanto, em cadeia.




A reconversão didáctica


O professor deve reconverter a aula em função de dois vectores. Em primeiro lugar tem de inverter a sequência programática curricular, principiando pelos dados de experiência vividos pelos alunos e respectivos grupos, para gradualmente se precisarem a partir deles os conceitos-chave (termos técnicos) e depois poder chegar aos princípios e leis e, finalmente, a caminho do termo dos programsas, aos sistemas, teorias, ideias englobaantes. É uma abordagem segundo a coerência por que se adquirem histórica e psicologicamente os vários níveis dos conhecimentos que cobrem sempre um percurso indutivo, do particular para o geral, do concreto para o abstracto, do subjectivo para o universal. Isto é o contrário do programas, elaborados com uma coerência lógico-dedutiva, em lugar da opção pedagogicamente adequada, a genético-indutiva.


Em segundo lugar, o professor, em cada aula e unidade didáctica tem de solicitar a abordagem de cada item curricular (do programa ou à margem dele) partindo da experiência concreta do educando, colhida na vida espontânea do quoridiano dele ou, quando aqui não encontre dados experienciais bastantes para o que for pretendido, criada na própria aula, através dum incidente dramático, dum jogo didáctico, dum trabalho de laboratório ou de campo. Este ponto de partida é crucial: quando ele falha, falha toda a adequação do estímulo e não há mais desenvolvimento intelectual pré-pubertário na escola, por mais voltas que se dê à metodologia ou às estratégias. Colocados então todos nesta rampa de lançamento, avançam depois gradualmente para a abstracção formal (definição de conceitos, leis, princípios, teorias, sistemas, conforme o grau de desenvolvimento das faculdades formais). Abstrair jamais fará sentido neste estádio senão por referência aos dados concretos de partida, pelo que terá de abordar-se permanentemente a partir deles e por eles ser conferido e confirmado.




O estímulo pendular concreto-abstracto


Como a faculdade de abstrair não existe à partida, é mera potencialidade a despertar e desenvolver, o educando pré-pubertário não consegue acompanhar e menos ainda produzir uma reflexão assente exclusivamente em conceitos abstractos, pelo menos por muito tempo. Daí que o educador deva permanentemente retornar ao concreto, para novamente abstrair por momentos, descendo outra vez à terra e assim sucessivamente. Este permanente movimento pendular do concreto para o abstracto tem de ocorrer em ciclos muito curtos, no princípio inferiores porventura a cinco minutos, para os pré-púberes não perderem o fio de sentido. A forma de o adequar em concreto é atender ao grupo e detectar os indícios de incompreensão. Quando um aluno fica perplexo, manifesta estranheza, franze o sobrolho, pergunta para o lado, se distrai – eis o sinal de que perdeu o pé, já não compreende o que está ocorrendo ou a ser dito. Retomamos imediatamente então o referencial concreto, de modo que ele decifre novamente o sentido e acompanhe a reflexão ou análise. Durante toda a pré-puberdade o mais importante é adestrar-se neste movimento, na intercomunicação da aula. O ideal seria que jamais algum aluno se perdesse na aprendizagem deste laborioso itinerário que o irá fazer ascender lentamente das operações concretas às formais. Para tal, nunca deveríamos deixar nenhum cair na incompreensão durante a trajectória, em momento algum; teriam todos de acompanhar, passo a passo, a criação de modelos abstractos a partir dos exemplos concretos de base. Impossível de atingir, esta meta é indefinidamente aproximável e, dado que laboramos com turmas com dinâmicas de grupos naturais, podemos ser secundados pela irradiação destes, levando os educandos a entreajudarem-se, estimulando-se mutuamente à medida que avançam e recuperando assim os que forem ficando pelas franjas, que se atrasem na transição etária ou que precisam de superar traumas e bloqueios anteriores. Isto ocorre sempre espontaneamente. Podemos alargá-lo reforçando-o, organizando-o, solicitando-o, ajudando a geri-lo de modo mais eficiente, atento a cada educando em concreto. Será tanto mais motivante para eles quanto mais acolher e aprofundar as amizades electivas deles e for ao encontro das expectativas de reencontro consigo próprios que tanto preocupam os pré-púberes.


O estímulo pendular do concreto para o abstracto deve acompanhar a maturação ao vivo passo a passo, mês a mês, ano a ano. Isto pode perfeitamente significar, durante a pré-puberdade, ir apenas do concreto ao abstracto e vice-versa em períodos curtos, do princípio ao fim da fase, em virtude da lentidão do desabrochar e dos vários mecanismos de entravamento com que o pré-púbere se defronta. Pode, porém, igualmente, haver alguma progressão: neste caso, paralelamente, vai-se então alargando o tempo de abstracção relativamente ao consagrado ao dado de referência concreto de partida. Durante a pré-puberdade, entretanto, não é provável que este último aspecto revista grande pertinência, contrariamente ao que ocorre durante a fase etária seguinte, a da puberdade. Em todos os casos e para todos os educandos em que se mostre relevante, porém, tem de ser imediatamente atendido, sob pena de uma vez mais a estratégia retardar o desenvolvimento do pensamento formal, por inadequada a eles.






PERFIL RELACIONAL DO PRÉ-PÚBERE


Traços mais marcantes




A crise de relações familiares


O pré-púbere põe em causa os padrões comportamentais e os valores interiorizados durante a terceira infância, quando se vê confrontado com as emoções desconcertantes do novo estádio. Isto tende a afastá-lo justamente daqueles que lhos propuseram: a família, os amigos mais íntimos, os professores mais significativos. A crise destes relacionamentos é a primeira marca relacional típica da fase. Normalmente, reveste apenas o cariz de quebra da fé cega nas pessoas que foram ídolo para a criança e doravante se lhe antolham, afinal, duvidosas, inseguras, nada de fiar tão absolutamente como antes fizera. Neste caso, o pré-púbere apenas se retrairá um pouco, hesitará em confiar incondicionalmente, não se abandonará mais ao regaço de cada relacionamento. Em muitos casos, porém, a crise extrema-se e, no limite, pode mesmo ir até à ruptura ou agressão. Quando tal ocorre, o pré-púbere cai num estado insuportável de isolamento, dado que não tem alternativas a que se agarre nem autonomia bastante para talhar caminho pelo próprio pé. A angústia agrava-se a paroxismos tais que ele rebenta em lágrimas incontroláveis ou, pior ainda, desespera na tentativa ou consumação do suidídio. São frequentes, em posição intermédia, as ameaças de fugir de casa, quando não a fuga mesmo, embora para junto doutro familiar ou amigo. A incapacidade de autodefinição, com a timidez e inibição que provoca, normalmente não lhe permitem maior raio de autonomia. É comum, também pelo mesmo motivo, e ainda por se lhe tornar intolerável a solidão, o retorno arrependido e ansioso do filho pródigo, agora quantas vezes com juras e protestos de fidelidade perene que uma hora depois voltam a ser ignorados. O descontrolo emotivo acarreta ocasionalmente custos destes.




A contestação do dogmatismo adulto


A crise da confiança no adulto em que mergulha o pré-púbere arrasta uma outra, por vezes difícil de tolerar pelos mais velhos: é que as crenças destes, mormente as mais enraizadas e intocáveis se tornam para aquele, por causa deste aspecto, inaceitáveis. Isto leva-o a contestá-las, a ridicularizá-las eventualmente, a tender a repudiá-las sempre. Ocorre habitualmente no âmbito das práticas e interpretações religiosas em que os conflitos e rupturas são constantes neste período, mas o mesmo (e sempre em virtude do dogmatismo com que é assumido e imposto pelo mundo adulto) acontece com cada pormenor cristalizado do regulamento do quotidiano: desde a hora-limite de entrada em casa, à postura à mesa de refeição ou trabalho, à divisão das tarefas caseiras, ao horário de estudo-lazer e assim por diante. Onde quer que o adulto tenha assumido como indiscutível, como um dogma, um qualquer padrão comportamental, um valor, uma atitude, uma definição, uma organização de vida pessoal, familiar ou grupal, aí terá de haver-se com a ironia, o escárnio ou o repúdio puro e simples do pré-púbere. Para este não há mais deuses nem santo dos santos: os ídolos têm irremediavelmente pés de barro e ele atira-os a todos ao chão, espatifando-os em cacos.


Depois de o fazer, porém, e quando as relações esfriam ou se rasgam, o pré-púbere sente-se ameaçado pelo abandono, fica aterrado e volta a correr para a segurança do adulto, tenta reconciliar-se para escapar ao horror do vazio. Balança-se indefinida e ciclicamente nesta contradição: não pode tolerar os dogmas, não logra viver sem os dogmáticos. É a angústia permanente, sem fuga nem alternativa.




A dúvida sobre si e o refúgio


A perda de identidade do pré-púbere generaliza a dúvida acerca do que ele é, que rosto deve revestir. Isto é muito desconfortável na vida quotidiana, torna-a insegura, permanentemente instável, o que é sempre ameaçador. Quando o medo alastra, o pré-púbere refugia-se então na segurança dos adultos. É um comportamento que, se, por um lado, ratifica de algum modo o acerto destes e lhes é por aqui correctamente gratificante, por outro reveste, do ângulo pré-pubertário, normalmente cariz de tentativa de fuga para um padrão infantil doravante irrecuperável. É uma regressão em grande parte, condenada nisto a falhar e que desvia a pessoa da atitude mais correcta e saudável: enfrentar a conjuntura e ir criando alternativas, mesmo provisórias e para revisão, eventualmente com compromissos, até ir reencontrando a segurança perdida. O adulto, mormente o mais mortificado, que se crê injustiçado pelas atitudes pré-pubertárias, agarra e reforça estes desvios, muitas vezes retomando até o trato e rituais infantis que resultaram no período anterior, enclausurando neles, porventura até à culpabilização e ao trauma, o miúdo em apuros. Com isto, no mínimo, retarda-lhe sempre a caminhada para a maturidade.


Quando é equilibrada, a busca do refúgio reveste o perfil dum momento de acalmia, o repouso do guerreiro antes de retomar as lides na arena, aproveitado concomitantemente para conferir os valores, os padrões, as atitudes, os comportamentos e para afiná-los com o adulto, numa troca de impressões e experiências radicada no problema ou dificuldade a superar. Logo a seguir, a frente da vida é retomada com mais força e melhores armas.




O isolacionismo e a angústia


O pré-púbere vive preocupado consigo próprio em virtude do enigma em que se tornou. Isto leva-o espontaneamente a tentar ler-se, a ver se se reencontra e reconstroi. O relacionamento com ele mesmo devém por isso prioritário, secundarizando todas as outras relações humanas. Para tanto vão convergir igualmente a dúvida sob que coloca as demais, a vergonha e inibição em que o encurrala a nova experiência que está vivendo, porque ignora como comportar-se e a que aderir. Daqui resulta uma forte tendência para o isolacionismo. É vulgar fechar-se horas perdidas no quarto dele, esquecer-se abandonado num recanto qualquer do recreio ou de casa, passear solitariamente tardes inteiras por trajectos ínvios. Muitas vezes nem dá conta disto, tão do íntimo lhe brota e tão profundamente o gratifica.


Por tal pendor, o pré-púbere torna-se ensimesmado, refechado sobre ele próprio. Curiosamente isto acalma-o, reduzindo-lhe a angústia, habituando-o ao novo estado a que acedeu. É mais comum serem os adultos a angustiarem-se com esta viragem comportamental, mormente com a redução do peso e função das relações do pré-púbere com eles. Deste modo vêm retardar e dificultar a transição sadia do estado etário.




A insegurança e a agressividade


A insegurança do pré-púbere, se lhe provoca timidez e inibição, mormente nas raparigas, camufla-se muitas vezes de agressividade nos rapazes. Em todas as escolas há um ano de curso, normalmente o 7.º ou o 8.º, às vezes o 2.º do Ciclo (6.º do ensino básico), que infernizam toda a gente e o estabelecimento inteiro. Um ano antes e outro depois já tudo tende a normalizar-se, aquela transição é que sempre é problemática. Esta agressividade explosiva e transitória predominantemente masculina é tanto uma chamada de atenção de quem se vê aflito, um pedido de socorro para que alguém olhe por ele, quanto uma descarga de energias, retraídas, dificilmente contidas até um limiar insustentável em que rebentam em cachoeira. É ainda um meio de compensar a frustração que as inibições e desnorteamentos provocam: ao bode expiatório atribuem a culpa de tudo e ficam então em paz de consciência, tanto mais que fizeram justiça agredindo-o (nem que isto seja a querela permanente de todos contra todos, como frequentemente ocorre nas turmas).


Esta agressividade tanto pode revestir carácter verbal como de violência física, retoma muitas vezes o tom da ironia, porventura do sarcasmo, tendendo a generalizar em redor juízos mútuos de carácter negativo. Por isto o pré-púbere não é um bom conviva e ameaça permanentemente a coesão da turma que jamais nestas idades logra alcandorar-se à estrutura dum grupo natural. Pelo contrário, por muito que andem juntos e aparentemente partilhem a vida, os pré-púberes encontram-se de facto sozinhos, constituem apenas um amontoado de solidões e nunca uma unidade, formam colectivos identificados e soldados por condicionamentos externos e fortuitos, jamais uma comunidade entrosada afectivamente coração a coração, amizade a amizade e de mãos dadas.




A paixão platónica


Ao entrar na pré-puberdade o indivíduo torna-se capaz de amor apaixonado. A indefinição pessoal e a inibição dela oriunda tendem a tornar platónicas as paixões deste período. É frustrante amarem alguém e sentirem-se impotentes para o manifestarem, assumirem ou mesmo superarem emocionalmente. Os amores tendem a ocorrer repentinamente e a revestirem um cariz avassalador, embora também possam morrer com igual presteza ou coexistirem com outros igualmente violentos. É desnorteante para o pré-púbere que constata que não pode ter mão nisto: gostar ou não gostar não depende da vontade nem iniciativa dele. Por outro lado, não compreende nada deste estado de coisas que lhe aparece destituído de qualquer ética e muitas vezes incompatível com os padrões sociais.


Mais perturbadora ainda é esta experiência quando é uma paixão por um docente, e pior quando reveste características homossexuais: a rapariga apaixona-se por uma professora e o rapaz, por um professor. Relativamente aos padrões a valores de antanho isto revela-se ao pré-púbere duma perversidade total. Entretanto, mesmo que pretenda evitá-lo ou aniquilar o afecto, ele não lhe obedece, qualquer esforço é em vão e tende até a exacerbar os sentimentos, agravando-os e tornando-os obsessivos. Nestes casos o sofrimento e a angústia atingem extremos de loucura. Como habitualmente nem sequer as paixões heterossexuais são correspondidas, a frustração é inevitável. Pior ainda, quando os professores visados ficam perturbados ou se rebelam contra estes educandos ou os repudiam com repulsa ou violência. O sentimento de que o mundo acabou e já não vale a pena viver é inevitável. O pré-púbere tende então a cair no desespero.


Na pré-puberdade principia a diferenciação sexual homem-mulher que vai levar alguns anos a aprofundar-se e a definir fronteiras. À partida, a criança e o pré-púbere só estão sexualmente diferenciados do ponto de vista anatómico, hormonalmente as dominâncias, com a correspondente diferenciação de caracteres secundários por todo o corpo, irão implantar-se apenas a partir deste período. Daí ser vulgar o amor apaixonado aqui por pessoas de qualquer dos sexos e até de qualquer idade.


Entretanto, a culpabilização desta reacção espontânea incontrolável pode fixá-la: no intuito de anulá-la, o pré-púbere tenta opor-se-lhe, o que exacerba o sentimento que passa então a persegui-lo o dia inteiro, na vigília ou a dormir. Constatando que por natureza ele lhe escapa, o indivíduo considera-se um réprobo, votado irremediavelmente à condenação, julga-se um criminoso ou um pervertido por estrutura constitutiva. Aí fica bloqueado até que forme outro juízo e atitude perante os eventos.


Estas paixões intempestivas por quenquer que seja operam muitas vezes como compensação, quer da culpa que sentem pelo mal-estar que provocam e sofrem, quer do insucesso em que baqueiam, como fuga exacerbada e sublimada ao isolacionismo a que se vêem condenados.

Os casos mais graves constituem desvios ou fugas a situações de abandono ou de violência crónica (familiar ou de quem deles cuida) ou de injustiça permanente (preterição iníqua perante irmãos, humilhação crónica no tratamento). Ficando mais feridos aqui, mais vulneráveis devêm, com mais desespero se agarram à primeira e mais traiçoeiramente prometedora boia de salvação: o amor apaixonado. Mais aniquiladora é então a frustração provável de tudo isto.






Optimização pedagógica




O acatamento da subalternização


Tanto os professores como os encarregados de educação e todos os íntimos do pré-púbere têm de acatar como benéfica, imprescindível mesmo, a respectiva subalternização a que ele os tem de votar tendencialmente neste período. O julgarem-na boa, como uma libertação e autonomização mais que ele irá conseguir, ajuda-o a acalmar-se, não o culpabiliza e dá-lhe coragem para enfrentar a conjuntura com serenidade e cuidado. Quaisquer queixas tenderão a enquistar o pré-púbere num retorno à infância que será frustrado e frustrante, retardarão o desenvolvimento e ameaçam-no de ruptura por dentro dele próprio (e ele já anda tão dividido!), podendo a prazo culminar em neuroses com infantilismos mais ou menos graves, a prolongar-se indevidamente pela vida fora.




A legitimidade da dúvida


O educador tem de respeitar a necessidade de o pré-púbere pôr tudo em causa, de duvidar da legitimidade dos valores e padrões comportamentais na infãncia interiorizados. Estes perfis éticos e relacionais são tanto de matriz familiar como comunitária e escolar. A dificuldade pedagógica aqui decorre do facto de que a autoridade e a firmeza são formativas durante a terceira infância, em que a criança nos põe à prova justamente para verificar e interiorizar o peso, relevância, prioridade que atribuímos a cada escolha, atitude, valor ou conjuntura. Se nos não pronunciarmos em conformidade, prestamos-lhe então um mau serviço, o educando pode ficar com uma personalidade indefinida pela vida fora por não ter interiorizado um modelo coerente de ser e projectar-se, no termo da infância.


Ora, quando transita de período, é tudo isto que fica em crise. O educador tem de estar atento, pois doravante o que é formativo é reconhecer-lhe que é legítimo duvidar, pôr à prova, tentar reformular e reconstruir a vida inteira a ver se conseguirá melhorá-la. Temos de ratificá-lo mesmo quanto às certezas mais inamovíveis, aos dogmas mais sagrados, mais intocáveis. Apenas então o pré-púbere sentirá que pode respirar à vontade, que tem o mundo ao dispor e que lhe está acontecendo, não uma monstruosidade, mas antes um fenómeno normal que não surpreende ninguém que já tenha passado, afinal, pelo mesmo.


Quanto mais trair isto e tornar intolerável a dúvida em mais redutos, tanto mais motivos de conflito inútil e injustificável deixa o educador no terreno, tanto mais tropeções do pré-púbere tenderão a ocorrer, mais confrontos negativos, em pura perda, acabarão por andar germinando.


O conflito de gerações é apenas fruto do dogmatismo e dos preconceitos adultos e da cultura dominante. Uma vez desfeitos, com tudo relativizado e abordável crítica e serenamente, o pré-púbere já não encontra nada nem ninguém contra que chocar. Os confrontos devirão então construtivos: comparações de opiniões e de escolhas, empenhamentos de liberdades em busca comum e humilde do melhor, sempre a caminho, sem ninguém pretender ser detentor da verdade nem ter certezas empedernidas, absolutas.


Isto acalmará o pré-púbere e deixá-lo-á mais disponível para olhar para ele e para os outros com a nova visão que nele desperta, em busca duma recriação do mundo, lado a lado com todos os demais. Isto é-lhe difícil, eventualmente longínquo, mas assim fica-lhe mais ao alcance e mais depressa acabará por se encaminhar em tal rumo.




A aceitação das preferências


O pré-púbere, quando tenta reconciliar-se com ele próprio, opta na área relacional por privilegiar colegas no mesmo período, nos quais reconhece idênticas indefinições e angústias, em que logra de algum modo ver-se ao espelho, ir-se descobrindo. Importa acatar esta preferência convivial e de amizade, uma vez que é fundamental para o reencontro do educando consigo mesmo, perdida como em grande parte tem a identidade. Esta só será reconstruída então pela busca do idêntico, não do diferente que o professor, o progenitor e o adulto em geral para o pré-púbere constituem. É, portanto, uma necessidade pedagógica acolher este pendor e reforçá-lo dando condições aos educandos para conviverem, encontrarem-se, conversarem, divertirem-se em conjunto, estudarem uns com os outros, ocuparem os tempos livres ao gosto deles em comum – sempre que tal lhes apeteça. É que isto vai ter de equilibrar-se com o vector do isolacionismo que é igualmente imprescindível ao bom desenvolvimento neste período. O pré-púbere é que terá de gerir a equilibração entre ambos, de acordo com o doseamento que para ele em cada momento for mais gratificante.


A procura privilegiada do idêntico tende a ir até ao ponto de os amigos selectivos serem todos do mesmo sexo: rapazes com rapazes, raparigas com raparigas. Não dará ainda muito para estreitar laços, não formarão normalmente grupo coeso, será neste período tudo ainda muito flutuante e variável. De qualquer modo, na sala de aula, se os deixarmos arrumar-se espontaneamente, separar-se-ão logo por sexos, o mesmo ocorrendo nos recreios – nunca se misturarão. Até nas festas, nos aniversários, quando eventualmente se convidem mutuamente, conviverão em dois sectores separados, cada qual para seu canto. Isto é perfeitamente correcto e conveniente para permitir reconstruir a prazo o próprio rosto.


Ao educador convém aceitar e interpretar com exactidão este pendor, conotando-o positivamente, com a função construtiva que pedagogicamente desempenha. Terá de explicá-lo assim mesmo aos pré-púberes para não caírem nos fantasmas culpabilizantes da homossexualidade, a qual de facto nada tem a ver com isto. Por vezes é urgente a ratificação e estímulo explícitos deste jogo convivial de preferências, em virtude dos apodos e injúrias que, mormente os mais velhos, tendem a jogar na cara aos novos (“maricas”, “bicha”...), atacando-os onde são mais vulneráveis, mais dubitativos e indefesos. Isto pode nestes provocar temores, perturbar as leituras, engendrar valorações e comportamentos desajustados – e tudo tenderá, então sim, a encurralar as vítimas na homossexualidade. Importa, por conseguinte, desautorizar e parar com tal tipo de chacotas, vulgares durante o período e no posterior, reafirmando ante as partes em conflito que o convívio e a amizade preferenciais por colegas do mesmo sexo são, durante a pré-puberdade, sadios e obrigatórios para cada um se poder descobrir e definir a ele próprio. Doutro modo o indivíduo poderá ficar com a personalidade eternamente indefinida, indiferenciada, e então, sim, a homossexualidade radicar-se-á. É o efeito do bloqueio ao desenvolvimento normal que gradualmente iria implantar as diferenciações sexuais, caso não sofrera atropelos.




Ajudar a criar tempo


É premente para o pré-púbere lograr distanciar-se da conjuntura em todas as circunstâncias mas principalmente quando o esmaga um sofrimento que se lhe antolha intolerável. É normalmente o caso das paixões à primeira vista, frustradas e de cariz platónico. O pedagogo deverá acompanhá-las, ajudando a vítima maltratada, tornando-se um confidente atento e paciente, um bom ouvinte. O desabafo repetido, a reflexão acerca do caso investem as energias contidas, acalmam com a troca de experiências, com a descoberta de eventos paralelos, com a alteração dos juízos sobre o ocorrido, com o ajustamento das atitudes a tomar, em busca do mais adequado. Ora, tudo isto cria tempo, auxilia a prolongá-lo, a geri-lo, a mantê-lo sob controlo, em vez de o pré-púbere se deixar arrastar pela avalanche.


Por outro lado, a estratégia de maior efeito é a que leva os educandos a diversificar os empenhamentos, os projectos de trabalho e acção, preferivelmente de modo afectivamente envolvente e entusiástico, de maneira que fiquem empolgados, libertando então a sensibilidade de fixações angustiantes, empregando-a criativa e eficazmente.




O encaminhamento quando há paixão pelo educador


Se a paixão educando-educador não se puder cultivar e desenvolver, visando uma relação duradoura e constituir família, inviável praticamente sempre, então urge encaminhá-la, evitando que devenha traumática. Deve tentar integrar-se os encontros interpessoais no contexto dos demais no grupo-turma. Deste modo eles não serão culpabilizantes, não serão entendidos como condenáveis nem perversos, mas antes como sem futuro, apenas. Por isso requerem medidas para serem ultrapassados, mais nada. Conseguimo-lo dando ao apaixonado tratamento idêntico ao de qualquer outro aluno, sem privilégio, nem fuga, nem artificialismo, nem mal-estar. Por outro lado, convém explicitar inequivocamente que o relacionamento amoroso é impossível, de modo definitivo, sem tolerância para quaisquer ambiguidades. Explicamos que isto é de facto doloroso mas é superável com o tempo e através do respeito intransigente da amizade mútua. Igualmente aqui o educando terá de empenhar-se em experiências e projectos outros que o atraiam, para canalizar o afecto para domínios diferentes.




Os casos de pendor homossexual


A primeira medida a tomar em casos de pendor homossexual, em que já haja apaixonamento ou alguma experiência erótica, é desculpabilizar a experiência para que os intervenientes não fiquem bloqueados por um complexo de culpa, julgando-se réprobos por natureza, condenados sem apelo, porque não depende da vontade deles comandar onde se projectam os sentimentos. Temos de explicar imediatamente aos pré-púberes que a afectividade opera a nível inconsciente de modo espontâneo, imprevisível e incontrolável em toda a gente, não é apenas com cada um deles. O que a todos se nos requer é um esforço para gerir isto a contento, do modo mais construtivo para nós e os outros, tanto quanto nos for viável. Também os adultos sentem atracções afectivas, impulsos de vária ordem e força – o que fazemos é ordená-los, pô-los a animar a melhoria da comunidade e da vida própria, o que implica muitas vezes desviar-se deles, não os cultivar, encaminhá-los para actividades e projectos que beneficiem os implicados e os demais. E se, na adultez, o cariz homossexual declina até eventualmente não chegar a aflorar, a regra do jogo nem com isto se altera, o perfil da afectividade é rigorosamente sempre o mesmo.


Depois importa explicar ao pré-púbere a linha do desenvolvimento deste período no domínio sexual: a gradual diferenciação pelo masculino e feminino, com o acentuar dos respectivos caracteres. Isto ajudá-lo-á a não esperar à partida o que apenas irá ocorrer no termo – ao fim de perto de cinco anos, pois ao acabar a puberdade é que a trajectória tenderá a ficar completa. E é apenas, mesmo então, uma questão de tónica, de dominância dum tipo de hormonas sobre o outro, porque ambos coexistirão em cada indivíduo pela vida inteira, o masculino e o feminino.


Importa igualmente respeitar o ritmo de maturação que é eminentemente individual. Este acatamento tem de ser assumido e praticado tanto pelo educador, como pelos progenitores, como pelo educando que deve estar atento, acompanhar e viabilizar o próprio desenvolvimento. Qualquer tentativa de o acelerar ou retardar que não resulte do conjugar espontâneo das circunstâncias, recursos e condicionamentos do meio de vida e do respectivo aproveitamento optimizado por todos os intervenientes, corre o risco de distorcer a personalidade, de provocar tensões emotivas, de lesionar. Será, em princípio, de efeitos negativos, por sempre tender a desajuatar-se do quotidiano, na trama inextricável da sua correnteza e naturalidadde.


Finalmente, educador, progenitores e educando terão de evitar a ansiedade, o alarmismo ante manifestações germinais de homossexualidade na pré-puberdade. Tais atitudes são frustrantes e inadaptadas à conjuntura e, exacerbando a violência emotiva, acentuando a resposta negativa a estados destes, tendem a bloquear o desenvolvimento no estádio em que o indivíduo estiver no momento em que tal clima se instalar nas pessoas. É evidente que, se o educando se libertar disto, continuará a mudar; o problema é que ele é muito vulnerável, reage por empatia incontrolada, mormente aos agentes para ele mais significativos e que são normalmente os professores e os pais, e então corre o risco, na prática inevitável, de se deixar apanhar na teia dum estado ansioso que o irá tolher, sem proveito de nenhum tipo, aprisionando-o.



Os casos de violação


Embora raras, há violações de cariz sexual, femininas ou masculinas, durante a pré-puberdade, quer revistam natureza física, quer moral, quer religiosa ou sociofamiliar, sendo as primeiras normalmente as mais graves e de efeitos mais duredoiros. Em todos os casos, porém, tendem a levar à impotência ou à frigidez, com a rejeição da sexualidade que passa a ser lida como deletéria, ou pelo menos ameaçadora, com perfil emotivo ambíguo: atrai tanto quanto repugna.


Aqui é imperativo abordar objectivamente os factos sexuais, eróticos e afectivos, tanto no âmbito fisiobiológico como sociológico, tanto no campo da ética pessoal e contrastes e ambiguidades dela, como no universo das religiões e da história – enfim tudo o que contribua para relativizar os juízos, integrar a experiência traumática num contexto existencial e comunitário mais vasto, abrindo todas as outras alternativas e possibilidades. O que importa é conseguir, pela flexibilização de valores, julgamentos, atitudes, projectos, modelos, ir criando espaços de liberdade para a tomada de consciência de que há mais mundos e alternativas viáveis. Isto permitirá ao educando ir retomando a iniciativa, dominando o trauma, relativizando-o também. Com isto irá ficando cada vez mais disponível para reconciliar-se consigo, condição prévia para reconstruir a própria identidade e vir a assumir-se em pleno.




O recurso à sublimação


Em todo o período pré-pubertário, como em qualquer conjuntura mais tensa ou problemática da vida, recorrer a estratégias de sublimação (ou, pelo menos, de compensação) é uma via fundamental para evitar frustrações, recalcamentos e as sequelas de morbidez psíquica que deles se alimentam. Neste estádio operam melhor e encontram maior eco os encaminhamentos para o contacto directo e saboreado com a natureza: o passeio ao campo ou à praia, o alpinismo, o escutismo, a caminhada, a natação, a vela, a canoagem, o mergulho no bosque, a colheita de espécimes no terreno, caminhar ao luar, assistir ao nascer do sol ou ao poente no alcantil dum monte... Igualmente são reconciliadoras as experiências de forte estese, durante o período mais facilmente atingíveis pela fruição artística: explorar uma exposição, participar num concerto, ver um filme, ler um romance ou poesia, ir a um bailado, a um teatro, viver um festival de arte de qualquer tipo...


Durante a pré-puberdade estimular a criatividade estética é normalmente cedo, mas não o frui-la. Aqui deve, portanto, centrar-se o apoio do educador, canalizando a afectividade do educando, mormente quando exacerbada por feridas, fracassos, traumas ou dificuldades de qualquer ordem, para as vivências mais exaltantes e gratificadoras de que no íntimo somos capazes. Elas pontuam sempre a irrupção do Belo, prenúncio de infinitude para onde vivemos polarizados: reconciliam-nos, reanimam a esperança e realimentam o campo de cultura dos valores. O pré-púbere carece tanto disto como do pão para a boca.




A chave-mestra da relação pedagógica


A relação educador-educando é aqui a chave-mestra da descoberta e gradual elaboração da própria identidade relacional do pré-púbere a todos os níveis e em todos os domínios, quando adequadamente orientada. O relacionamento pedagógico tem assim uma função nuclear durante este período etário e o seguinte, tendendo mesmo a marcar definitivamente o resto da vida do educando, como pessoa e como cidadão. É o educador, por causa do peso do poder e da credibilidade psicológica, institucional e sociocultural dele, que imprimirá a marca indelével do modo como gerir toda esta complexa transição na personalidade do educando. Este, efectivamente, encontra-se indefinido, instável, desarmado na pré-puberdade: fica-lhe inteiramente nas mãos, para o melhor e para o pior. O pedagogo é que terá de optar. Que figura talhar desta cera indefinidamente maleável? Com que apuro?


Anteriormente a todos os ajustamentos e cuidados referidos, ele terá de escolher desde logo entre a relação predominante ou exclusivamente hierarquizada, geradora de cidadãos submissos, ordeiros, obedientes ao poder e que tenderão a ser uma permanente e fiel voz-do-dono para o resto da vida, ou, em alternativa, um relacionamento para ir progredindo até devir um encontro entre iguais, tanto quanto a maturidade o vá permitindo, para superar hierarquismos. Este tenderá a gerar cidadãos que se assumem, encaram o poder de igual para igual, tomam-no responsavelmente em mãos sempre que é preciso, tornam-se inventivos, com a imaginação e a criatividade libertas, devêm capazes de auto-afirmação em actos e palavras, doravante bem deles próprios.


Em qualquer das alternativas é viável afinar todas as pistas de intervenção anteriores, as personalidades é que se tenderão a diferenciar no fim. A velocidade das transformações mundiais, a criação duma civilização nova, sem ameaça de colapso iminente, requerem urgentemente a escolha pela segunda via.






PERFIL EMOCIONAL DO PÚBERE


Traços mais marcantes




A fase de idade


A puberdade tende a decorrer entre os 13 e os 15 anos. Se isto é estatisticamente dominante, os casos individuais poderão também aqui desviar-se dos limiares até vários anos, sem que isto implique necessariamente qualquer anormalidade psíquica.


De notar que tende a ocorrer uma assincronia entre o desenvolvimento dos rapazes e o das raparigas a partir do termo deste período. Elas antecipam-se em média dois anos aos moços, pelo que tendem a transitar para a fase seguinte sobre os 14 anos, enquanto eles principiam a mudar mais sobre os 16. Este pormenor introduz notas típicas no convívio terminal do estádio. As recém-adolescentes não se reconhecem no perfil dos colegas delas, pelo que procuram entrar no convívio dos mais velhos, criando amigos do outro sexo entre os rapazes de dezasseis ou mais anos. Olham os pares da turma como miúdos, infantis, atrasados e sem qualquer interesse. Não os desprezam, propriamente, antes os ignoram, como destituídos de importância, não lhes ligam nenhuma. Eles, ao invés, sentem-se marginalizados e humilhados pela preferência que elas dão aos outros. Os preconceitos machistas disseminados em nossa cultura levam nalguns casos ao aparecimento de complexos de castração, mormente quando se trata de amores não correspondidos, em que o púbere foi preterido, ainda por cima sem ela ter sequer reparado nele, como se para a rapariga venerada ele nem sequer existira. Por vezes os púberes reagem com dichotes contra elas, retaliando-se tentando humilhá-las, rotulam-nas com apelidos gravosos ou então votam-nas ao ostracismo ostensivamente. Isto tende a acentuar-se tanto mais quanto as idades dos rapazes se vão mais aproximando do termo do período pubertário deles, momento a partir do qual se começam a tornar sensíveis a quanto ocorre no universo feminino que lhes mora ao lado.




A reconciliação emocional


O que marca a diferença entre o pré-púbere e o púbere, do ponto de vista emotivo, é que, vivendo ambos sentimentos explosivos, aquele se estranha a ele próprio e se teme enquanto este se reconcilia com ele mesmo, aceita o novo estado. Isto ocorre antes de mais nada pela familiaridade que o tempo vai cimentando entre o indivíduo e a respectiva emotividade. Ao fim de dois, três anos já se aclimatou a ela, já constatou que não é tão ameaçadora assim, já é capaz de a encarar como nova estrutura de vida. Ainda não tem com isto uma outra leitura dele ou do mundo, mas doravante desobstruiu-lhe o caminho. Já que é como é, então vai tratar de o viver. Não precisa de tentar fugir para trás, para uma infância irremediavelmente perdida, uma vez que o novo estádio atingido não lhe mete agora medo nenhum. Com isto, elimina a angústia e ansiedade, abandona o padrão pendular do comportamento, o afrontamento e fuga, sempre falhado anteriormente. Já não precisa de hesitar, agora está disponível e pretende enfrentar-se, sem mais ambiguidades nem tergiversações. Habituou-se a ele próprio, perdeu o medo aos seus monstros, doravante vai poder domá-los e manobrá-los cada vez mais a seu bel-prazer.




Necessidade de descobrir-se


O púbere encontra-se, finalmente, em condições de reconstruir uma imagem dele próprio. Terá cerca de três anos para a tarefa. Vai ser um trabalho moroso e complexo, abrangendo os recantos e níveis todos da personalidade. Ele tem de recriar um novo rosto e um novo coração, não apenas um perfil comportamental reformulado, aferido, testado, mas igualmente uma escala de valores, uma visão do mundo e da vida, uma interpretação das capacidades e poderes próprios, uma escolha de ideais e uma testagem da sua habilitação para tanto. É refazer a pessoa desde a raiz, é recriar o universo.


A condição para tornar isto viável é aceitar o estado pubertário como normal e sadio, embora difícil. É isto que justamente marca a transição da pré-puberdade para o novo período. É tão pouco que em geral se encaram ambos como um estádio único de desenvolvimento, em que se distinguem duas subfases, para discriminar apenas a transição crítica da terceira infância para aqui. Agora tudo reveste características tão diferenciais, emotivamente tão pesadas e duradouras que importaria sublinhá-lo.


Uma vez adquirida, interiorizada a leitura reconciliadora com o estado emotivo pubertário, o indivíduo acentua a introversão, o ensimesmamento, para se poder ir descobrindo e para ir tomando posse dele próprio. É nos períodos em que mergulha solitário nele próprio que saboreia e toma o peso a cada vivência e evento, de modo a reordená-los por dentro, a partir do íntimo, refazendo assim gradualmente a personalidade inteira.


O refúgio no quarto dele ou num recanto privado e fora dos olhares e intromissões alheias é um dos pendores mais constantes. Por vezes isto dura períodos muito longos, seja de horas diárias, seja de dias, semanas ou meses em que o púbere parece um monge na tebaida, cortando inclusive os contactos com a família e os mais próximos. Não tem de estar a fazer nada nem a trabalhar em algo: por vezes o mais fecundo é mesmo o ficar a sós consigo, sem mediadores nem distracções de tipo nenhum. A música de fundo ajuda a esta concentração-libertação, porventura referida como estando a ser ouvida, quando na realidade o púbere conscientemente nem ouve nada, entra noutro mundo em que apenas impera o imaginário à solta.


Nestas circunstâncias é vulgar a curiosidade pubertária centrar-se na nova potência erótica, culminando na masturbação. No rapaz é por norma directamente sexual e na rapariga, uma exploração sensual de todo o corpo, mormente das regiões mais erógenas, sendo nelas mais incomum chegar ao orgasmo. Acompanhando tudo isto, ocorre um exacerbamento dum imaginário que para os de fora é lunático, sonhador e irrealista, que tanto opera projecções elevadas ao infinito das delícias do amor como figura o púbere nas aventuras mais heróicas e gloriosas de qualquer domínio: ele tanto é o justiceiro, o cavaleiro andante, como o cientista genial ou o astronauta de todas as galáxias, o aventureiro da floresta virgem ou o domador de leões...


O isolamento, sendo o lugar de encontro com ele próprio, é também o período de sonhar-se, idealizando o que gostaria de vir a ser. Qualquer dos dois vectores é indispensável para a autodefinição: ao ir desvendando o que é, o púbere afinal irá descobrindo que, de raiz, ele é fundamentalmente uma possibilidade de vir a ser. A potencialidade desta é de tanto maior alcance quanto mais rigorosa for a apreensão e domínio daquela.




A estabilidade


O púbere, contrariamente ao estádio anterior, é emocionalmente estável. Tem igualmente emoções intensas, mas o facto de elas o não atemorizarem nem lhe provocarem estranheza faz com que ele aceite e tente assumir o que lhe vai ocorrendo, não anda a fugir e a retornar, como o pré-púbere. Doravante o movimento pendular é abolido, o que redunda em reforço da estabilidade: as emoções são o que forem, duram o que durarem e perante elas o púbere não cai mais em comportamentos contraditórios que as iriam perturbar, exacerbando-as e alterando-lhes permanentemente o fluir normal e espontâneo.


A estabilidade do púbere significa antes de mais que ele decidiu definitivamente assentar no que é e que logra aguentar esta posição vitoriosamente. Esta pequena alteração emotiva e comportamental vai permitir uma série de reajustamentos em cadeia, todos tendentes a reconstruir-lhe a personalidade abalada na fase anterior, por confronto com os indicadores que primeiro serviram à organização dela durante os períodos infantis.




Da crise às seguranças


A dúvida sobre o adulto e o mundo dele implica a crise dos valores, crenças e padrões de ser, julgar-se e estar com os outros que se veio arrastando desde a entrada na pré-puberdade. Durante o triénio pubertário reforça-se a auto-afirmação que se torna norma, revestindo o perfil dominante de romper e contrariar, de legitimar a dúvida, de conflituar com o estabelecido dogmatizado e respectivos representantes. Há uma alteração, contudo, neste domínio: agora trata-se de o conferir, de o testar a fim de descobrir qual a modalidade convincente e adequada de valorar e agir, qual a maneira de ser que constitui o indivíduo e qual o dever ser dela que deverá implementar. À partida, ele ignora-se, doravante vai olhar-se frente a frente, ver-se no espelho dos iguais, revelar-se através da mediação dos pares. Aí descobre gradualmente como é feito, como reage, o que o impele, que respostas se lhe adequam ou não à sensibilidade violenta que nele despertou e o impele incontrolável para agir, quais delas são ratificadas social e familiarmente e de que modo as pode melhor adequar às vivências inéditas que o percorrem. É uma tarefa lenta, demorada, porque extremamente complexa, levar-lhe-á em média os três anos do período, mas no fim, quando tudo corre sem traumas, desvios ou bloqueios, o púbere terá toda uma personalidade reconstruída e solidificada, autónoma, assumida conscientemente.


A contraposição (que é norma neste estádio) a tudo o que estiver estabelecido, à tradição, não se destina a destruí-la mas apenas a pô-la à prova, testá-la, a fim de verificar se é justificada, se tem fundamento razoável e consistente, se não há alternativa melhor ou qualquer ajustamento mais adequado ao púbere e à comunidade.


Isto tende a ser mal compreendido pelo adulto onde repousa a autoridade e a função de garante das tradições, crenças e padrões da cultura herdada de antanho. Sente-se mal com a subalternização a que é votado e mais ainda com a contestação, a dúvida sobre o que tende a considerar sagrado, intocável. Daí a agredir, a impor, a usar a força para contrariar o púbere vai um passo demasiadas vezes infelizmente dado. Isto aprisiona e retarda a transição que se torna então precária, débil em muitos aspectos que não puderam ser conferidos, culpabilizada noutros em que o púbere avançou mas de connsciência pesada, convicto ou pelo menos hesitando se não estaria cometendo uma violação, um sacrilégio. Noutros casos ocorre apenas uma insuperável tristeza do indivíduo por não ser compreendido nem aceite por quem ele no fundo mais respeita e de quem mais maturidade e compreensão aguardaria, donde mais as precisava. Isto torna-lhe o itinerário mais hesitante, inseguro, prolonga-lhe a inibição e leva-o a atingir o termo do estádio etário com muito menos aquisições, seguranças e amadurecimentos do que se o percorresse liberto, com todas as energias aplicadas a reconstruir-se.


Ao não esgotar as potencialidades do período, o púbere tenderá a prolongá-lo pela vida fora, com uma certa saudade dele e do que nele não logrou experimentar: fica assim com margens de personalidade indefinidas, com perfis imaturos em vários domínios. Na área familiar, por exemplo, viverá relações afectivas instáveis, mesmo depois de casado, ou com constantes namoricos, sem ser capaz de saber o que pretende. O mesmo advém no trabalho em que tenderá a saltar de emprego em emprego, angustiado e fruste, sem linha de rumo capaz, permanentemente ansioso e falhando irremediavelmente por não decidir o que quer uma vez por todas.




O gradual autodomínio


A reconciliação emocional com ele próprio leva o púbere a recuperar gradualmente o autodomínio tendencialmente perdido na pré-puberdade. Com o robustecimento da força de vontade e o controlo, em gradual crescendo, sobre si e as conjunturas de vida, o indivíduo alarga de imediato as possibilidades e recursos próprios. Como a tarefa prioritária é descobrir-se para refazer o perfil individual, supera a superficialidade e instabilidade pré-pubertária dos relacionamentos, procurando os pares e criando com eles relações doravante estáveis e muito selectivas, sempre tendencialmente com o mesmo sexo, por continuar a encontrar aqui o espelho do idêntico, já que anda afanosamente reconstruindo a própria identidade.




O tabu sexual e o encontro com o diferente


Em nossa cultura o sexo é tabu em lento e desequilibrado declínio. Isto provoca tendencialmente no púbere o desregramento ou a culpabilização, conforme encare a curiosidade pelo desvendamento da área erótica e sexual como podendo satisfazer-se arbitrariamente (e então lesa terceiros inconscientemente, como tende a esfrangalhar-se a ele próprio afectivamente) ou, ao invés, como sendo pecaminosa ou criminosa (e tudo o que descobrir e clarificar será distorcido por um complexo de culpa em gradual agravamento).


A primeira alternativa, quando separa sexo e afecto, tende a culminar na frigidez feminina e na impotência masculina de que são primeira aproximação a promiscuidade, a prostituição por escolha e qualquer multiplicidade de parceiros em geral. Quando, porém, o desregramento culmina com a violação de qualquer tipo, sobre terceiros ou praticada por estes contra o próprio, gera traumas, frustrações, complexos de culpa, recalcamentos, neuroses – enfim , um cortejo de perdas, desvios, bloqueamentos e fixações que entravam e desperdiçam, quantas vezes irremediavelmente, o desabrochar da personalidade, paralisando-lhe o desenvolvimento neste estádio em vários domínios existenciais, mormento no afectivo e sexual, mas também em quantos com eles mais ou menos directamente se conjugam.


Quando a alternativa é encarar a descoberta da sexualidade como pecaminosa ou proibida, a violação do sagrado ou o furtivo do atentado à ordem, no mínimo, provocam inibição e, neste caso, o itinerário do púbere ficará neste âmbito a meio do caminho, levando-o pelo resto da vida a tentar completá-lo, permanentemente imaturo, indefinido, incapaz de entregar-se generoso e a fundo em qualquer relacionamento afectivo-sexual em que se envolva, mesmo com a família. Esta perda é o menos num continuum que, no máximo, tenderá a fixá-lo neste período etário, o que redundará então num bloqueio inultrapassável na homossexualidade (dado que na primeira parte da puberdade o contacto com o outro sexo não importa, é desinteressante perante a prioridade de autodescobrir-se e afirmar-se) ou na bissexualidade (porque a caminho do termo do período principia a aflorar a disponibilidade para rapaz e rapariga se abrirem mutuamente).


Quando a descoberta de si neste domínio ocorre com responsabilidade, seriedade, confrontando os factos, as escolhas valorativas e os padrões comportamentais com cuidado, para não se ferir nem a outrem, para não causar perdas nem sanções irremediáveis em termos pessoais nem comunitários, o púbere ascende gradualmente à diversificação afectivo-sexual, talhará lentamente o perfil de ser e relacionar-se masculino ou feminino, conforme a própria estrutura anatomofisiológica, numa equilibração conveniente acordada entre o próprio íntimo (e os impulsos e emoções dele), por um lado, e a comunidade e cultura ambiente (e os costumes, convencionalismos e sanções dela), por outro. Isto implicará, antes de mais, uma fusão ponderada entre padrões concordantes e desviantes, de modo a que o púbere não resulte inteiramente alienado, carneiro acéfalo no rebanho, antes mantenha uma palavra a proferir, um espaço próprio de diferença e afirmação individual, sem com isto concitar contra ele a conspiração das franjas sociais tradicionalistas, reprodutoras culturais, e das sanções demolidoras de que são capazes. Por outro lado, porém, este perfil de gradual desenvolvimento rumo à diferenciação sexual leva cada vez mais o púbere a sentir a complementaridade mútua, a falta e atractivo do outro sexo. Daí que desabroche neles a disponibilidade e a tentativa germinal e desajeitada para finalmente se aproximerem e conviverem doravante em grupos mistos. É o sinal de que se atingiu o termo da puberdade e novo estádio irá inaugurar-se.




A criação estética


Durante a puberdade é viável, quando o desenvolvimento ocorre sem obstáculos nem desvios de monta, estimular a criatividade estética, abrindo caminho à exultante estese de que é capaz, arrebatadamente, doravante, o púbere.


Também aqui é de não ignorar a função compensadora e sublimadora que esta vivência desempenha. Se na pré-puberdade não é normalmente viável nem dá frutos estimular uma atitude activamente criadora neste domínio, antes o fruir como agente passivo que beneficia do que se lhe oferta na natureza e na arte é que fica ao alcance e serve de recurso permanente, já nestoutro período é exequível um salto em frente. Primeiro na função: é doravante prioritária a estese pela estese, experimentar o belo pelo que se nos oferta de exaltante, correr ao infinito por quanto nos desafia com uma plenitude entremostrada. A experiência agora vale por ela mesma, já não tem normalmente de operar como compensação nem sublimação, senão em momentos excepcionais e onde houve perdas. Além disto, a puberdade inaugura um novo nível de atitude: doravante ela pode ser também activa e criadora, para além do que anteriormente já lhe estivera ao alcance.


Isto quer dizer que o púbere poderá (e ocorre tantas vezes!) principiar a escrever o diário íntimo, os primeiros poemas, contos, novelas, romances... Entrará na música já não apenas para ouvi-la mas canta, toca viola ou compõe, já, titubeante. A temática tenderá a centrar-se no amor, a outra experiência exaltante, que lhe inaugura o êxtase, de que o púbere se descobre capaz. Em qualquer que seja o domínio, o limiar do belo pode ser transposto com os primeiros degraus da criação: no bailado, no teatro, no cinema ou vídeo, na pintura... Uma derivação a partir daqui vai aflorar: o gosto pelo desporto e desenvolvimento físico em particular, como a criação do corpo belo e sadio, que também é uma obra de arte, fundindo nele concomitantemente a abertura ao belo e ao amor. O púbere descobre-os vizinhos, em permanente permuta, em todos os tentames neste domínio.


Uma faceta típica da nova abertura é que o belo e o amor são tendencialmente projectados ainda aqui ao infinito, com um imaginário exaltado pelo maravilhamento, pelo êxtase. Isto corresponde de perto ao platonismo amoroso a que o púbere ainda se vê votado, pelo que apenas concebe a paixão como céu de plenitude sem manchas, tanto mais quanto mais distante como realidade vivida se lhe apresente. Aqui é o sonho que tudo comanda, a ponto de tornar-se tão atractivo que, por vezes, tende a competir com o quotidiano, levando o púbere a preferi-lo, a refugiar-se nele. É a sua torre de marfim. Isto pode introduzir um desequilíbrio no desenvolvimento dele.


A gratificação do imaginário sublimado na beleza e no amor infindos pode contrastar tanto com a frieza ou as lesões de cotio que o púbere fuja para ali e devenha artista, como modo de sobreviver ainda, com o equilíbrio possível, ante uma vida madrasta que se lhe tornou intolerável. Foi o itinerário seguido por Camilo, Antero ou Florbela Espanca, na esteira de tantos mais. A genialidade aqui foi paga com o próprio sangue e terminou em tragédia. A compensação não é solução dos problemas; a sublimação é melhor, canaliza-nos os sonhos e energias para criações gratificantes pessoal e socialmente – mas nenhuma destas vias arranca o espinho existencial de que ambos se alimentam. Se o itinerário equilibrado da vida não for retomado, o trajecto é mortal mesmo quando o suicídio não o consume. O punhal mora cravado no peito da vítima e a hemorragia acompanha-lhe a peregrinação da vida inteira, enquanto lhe não for arrancada e a ferida sarada. Por isso importa ficar atento para remover todos os entraves e desvios ao salutar desabrochar da criatividade estética, na vocação que tem de projectar a personalidade ao infinito e que o vai em concreto entrevendo e prenunciando nas primícias da arte pubertária.




A distância entre o ideal e o real


O púbere vai definindo gradualmente o novo perfil pessoal. Neste itinerário é-lhe cada vez mais notória a distância entre o sonho e a realidade, entre os ideais que o empolgam e a vida rasteira, comezinha que constata não lograr deixar de viver. Isto, porém, é para ele complicado. Normalmente domina mal a diferença e tende muitas vezes a confundir os dois planos: crê-se, por exemplo, superior pelo mero facto de aderir ideologicamente, sem nada fazer por ele, a um projecto tido por arrojado; pior ainda, constata uma denúncia qualquer duma iniquidade e imediatamente se alcandora a juiz angélico, tornando-a dele, mas sem mudar nada em conformidade com o julgamento na vida exterior nem nele próprio. Às vezes a contradição é flagrante entre o que pensa ou proclama e o que faz e, contudo, escapa-lhe. Quando denunciado, é comum ficar confuso e contrariado, sem compreender como dar conta da situação e como superá-la, tanto na leitura intelectual quanto na contradição com a realidade existencial dele próprio. Tudo isto vai requerer tempo, persistência e cuidado atento, tanto por parte do púbere como de quem com ele trata, para a aprendizagem duma leitura e atitude correctas gradualmente poderem ser atingidas.






Optimização pedagógica




O direito à diferença


O educador tem de legitimar o direito à diferença por parte do púbere. Isto cobre o acatamento da dúvida acerca de tudo oriundo do período anterior, o deixar-se pôr entre parêntesis e aos dogmas intocáveis em que sempre tendemos a cair nalgum domínio da vida. Vai, porém, doravante, mais longe. Agora teremos de tolerar e mesmo incentivar escolhas diferentes, outros valores, preferências existenciais, áreas e modalidades de realização próprias do púbere que serão apenas dele e não compartilháveis, pelo menos nos mesmos termos, pelo adulto. O importante é que tudo isto corresponda à autenticidade do que mais diz ao educando, do que lhe é mais gratificante, do que mais eco lhe acorda no íntimo. O perfil da intervenção pedagógica adequada é mesmo este: ajudar o púbere a descobrir-se e reconstruir-se em função de quanto, para a consciência e afectividade mais profunda e durável dele próprio, for sendo descoberto como o mais autêntico, o mais verdadeiro, válido e adequado, em todos os ângulos da existência.


A autenticidade revestirá sempre o perfil final duma síntese inovadora e pessoal entre convergências e divergências, em equilibração dinâmica, relativamente ao modelo anterior, do meio e da infância do púbere.




A autonimia e a secundarização


Estimular a busca dele próprio no púbere implica para o educador velar pela gradual autonomização do educando. Ora, se esta vai manifestar-se por um jogo dinâmico e equilibrado entre concordâncias e diferenciações perante o que lhe é proposto e ele interiorizou no termo da infância, irá por isto mesmo implicar também o gradual apagamento do adulto enquanto pedagogo, na actividade formadora com que vem lidando com o educando desde o nascimento dele.


Acatar isto como bom, desejável e estimulá-lo é abrir caminho à firmeza do passo do pupilo, é dar-lhe o crédito de confiança de que ele carece para poder ir-se mais e mais afirmando a partir dele próprio, das próprias escolhas, valores e projectos. Isto acelera e aprofunda a caminhada, emprestando-lhe toda a pujança desejável.


Noutro sentido, o educador cria assim condições para ir mudando de estatuto (seja progenitor, professor ou qualquer outro adulto com tais funções). É que importa ir avançando o mais possível rumo a um relacionamento paritário, entre iguais, em que ambos se entreajudem, mutuamente imbricados, inextricavelmente cada um tornado para o outro num educador-educando, que tais são os amigos de raiz e para a eternidade. É neste período etário que convém lançar as sementes desta caminhada que aqui apenas poderá ir germinando, para depois se prolongar pela adolescência e juventude além, até vir a consumar-se desejavelmente durante a adultez. É a longa travessia do deserto do educador, às vezes dolorosa, semeada de incompreensões e injustiças interpessoais, rumo a um renascimento em pleno quando puderem finalmente reencontrar-se em completa paridade.


Isto é uma exigência fundamental a cumprir pelo pedagogo, mormente o de maior qualidade e eficácia formativa, sob pena de aprisionar sob a tutela dele, a coberto duma asa maternal, o púbere que, ao invés, tem de se soltar e aprender a caminhar finalmente pelo próprio pé. Quando o bom educador o não faz, então inibe o educando que se tende a culpabilizar quando magoa o mestre ou progenitor, é por eles reprovado ou repreendido. Isto retarda-o no itinerário e pode ir até enclausurá-lo numa imaturidade e dependência crónica que depois tenderão a estender-se pela vida fora, com tentativas canhestras dele para recuperar o que lhe falta e que jamais chega a identificar claramente o que é, na maioria dos casos.



A vivência da amizade


Como o púbere vive mergulhado numa emotividade intensa, a relação pedagógica convém que se centre na amizade. Ela será tanto mais percuciente, acordará tanto mais eco quanto mais apostar num ambiente convivial de afectividade profunda e exigente. Este envolvimento afectivo numa criação de laços mútuos entre o educador e cada púbere, bem como com o grupo-turma (jamais muito coeso nestas idades) , tem de ser coerente, quer dizer, deve responder às expectativas legítimas que desperta em cada educando relativamente a acompanhamento, apoio, convívio, confidência, orientação, aconselhamento de vida e assim por diante. Por outro lado, esta amizade tem de ser bem dominada e gerida pelo pedagogo, o que implica que não a pode deixar cair numa projecção amorosa do púbere e menos ainda do educador sobre ele, bem como não deve deixar confundir a amizade que viverão durante a relação pedagógica com a que eventualmente poderão partilhar à mesa de casa ou num chá em ambiente familiar, uma vez que para cada circunstância há um objectivo a cumprir, uma meta a conquistar e não se podem baralhar, sob pena de se frustrarem possibilidades de realização pessoal e de porvir que o relacionamento terá de implementar. Igualmente, quando na turma, o predomínio de relações amistosas jamais permitirá que elas degenerem num arraial de múltiplos ruídos confundidos, em que todos comunicam com todos simultaneamente acerca de tudo menos daquilo para que ali vieram. Ao invés, o educador domina o tónus afectivo dos relacionamentos de modo que ele seja o campo de cultura de todas as aprendizagens e desenvolvimentos que nele poderão ocorrer em condições optimizadas. Nestes termos, a boa gestão das relações torna-as exigentes e o pedagogo é nisto intransigente para que as expectativas dele e as dos educandos não fiquem defraudadas. Não se deixa enganar pelo fulgor do presente, abre o porvir e pensa no amanhã de todos, obrigando-se e aos demais a serem coerentes com isto, usa o rigor e a exigência para os conhecimentos e as faculdades crescerem, para as personalidades andarem permanentemente a caminho e não se distrairem de que tal é o fito primeiro da própria festa da amizade compartilhada.


Esta maneira de implementar o encontro, para além de educar de modo explícito, forma também implicitamente, pelo currículo latente que incarna. Efectivamente, o púbere antes de mais tem de compreender e interiorizar a nova vivência emocional que o desestabilizou desde a pré-puberdade. Melhor que quaisquer lições vai ajudá-lo e ensiná-lo a atingi-lo, do modo mais rápido e equilibrado, o vivê-lo quotidianamente com quem já o tenha conseguido. É este o maior efeito pedagógico do empenhamento do educador nos parâmetros referidos. Aí o educando vai aperceber-se de qual é o estatuto e funções altamente diversificadas da amizadde, das responsabilidades que ela implica e requer de todos os amigos, de como se diferencia do amor e da mera convivialidade incongruente e deletéria em que se pode degradar e destruir. Compreenderá o que o cultivo de relações solidárias gratificantes requer de autodomínio e lucidez, para gerir a contento os encontros, com os projectos e sonhos que neles se partilham e vão viabilizando. Finalmente, apreenderá quanta disciplina individual e de grupo isto vai requerer para valer a pena e não frustrar ninguém, quanto sacrifício e esforço duns pelos outros os amigos verdadeiros são capazes de empenhar, em nome duma amizade a sério e da festa na vida que ela promete e cujas primícias vão partilhando na alegria de cada encontro quotidiano.



A explicação da vida


Como o primeiro enigma para o púbere é decifrar a emotividade e quanto ela arrasta, o educador deve aproveitar todas as oportunidades para lhe explicar a vida emocional, o jogo dos sentimentos, as profundezas afectivas em que nos radica a interioridade. Isto, tanto ao nível da identificação da nossa realidade constitutiva como no das valorações e juízos éticos relativos à realização das carências humanas em tal âmbito.


Para isto urge aproveitar toda a convivialidade espontânea em intervalos, recreios, tempos livres, no domínio escolar, como as oportunidades de partilha e conferência por eventos concretos, ao vivo, como no âmbito familiar constantemente nos é propiciado.


Pode e deve ir-se mais longe, contudo. O educador atento ilustrará toda a didáctica através de casos, exemplos e situações em que o púbere logre reconhecer-se e ir-se reencontrando. Qualquer que seja o currículo a abordar, um pouco de imaginação embebê-lo-á de vida, no pendor que mais desafia o educando, a área das emoções, sentimentos, afectos e do seu complexo jogo de contradições e tensões, dentro de cada um e na trama social e de cada comunidade. Optar por mergulhar os programas lectivos aqui é dar-lhes o potencial formativo máximo, ao mesmo tempo que os centramos por inteiro na motivação, tornando-os potencialmente entusiasmantes.


Tanto ao nível da cultura crítica tramitada na escola, como da vida empírica que dentro e fora dela, mormenta na família, ocorre, é importante, durante a puberdade, radicar as comunicações no coração do homem que é justamente a afectividade. Por aqui é que o púbere inaugurará a reconstrução dele próprio. Quanto mais pedras de construção e de melhor qualidade lhe pusermos ao dispor, melhor obra poderá erigir. E a obra de arte em que ele aqui vive empenhado é criar-se pessoa em corpo inteiro.



A quebra do tabu sexual


Se a afectividade é o coração do homem, o âmago dela é o amor e a expressão mais densa e avassaladora dele é a sexualidade. É importante que o púbere logre quebrar o tabu sexual sem complexos inculpadores. Para tal é decisiva a ajuda do pedagogo que tem de abordar esta área com a naturalidade com que aborda qualquer outra e com o mesmo fito de a desvendar, tomar posse dela e ordená-la, integrando-a correcta, equilibrada e construtivamente na harmonia da vida inteira. Assumir isto como salutar e ajudar o púbere a enfrentá-lo do mesmo modo, eis o lema. Deverão tratar de factos, comportamentos, riscos, consequências de comportamentos e padrões alternativos de escolha com a mesma frieza e rigor com que abordam todos os demais temas e problemas que preocupam ou interessam ao púbere. Isto deverá integrar tanto o domínio físico como o biológico, o sociocultural e o ético, a moral dominante e suas ambiguidades e contradições, as vidas dúplices, os preconceitos, as sanções colectivas dos comportamentos de ruptura e as discriminações. Tudo o que releve deste domínio encontra uma fome insaciável do púbere pela frente. Importa satisfazê-lo com seriedade e objectividade, deixando-lhe as escolhas discriminadas diante, com prós e contras, abrindo-lhe as realidades com o maior rigor e a mais completa informação de que formos capazes. Isto requer que o educador aprenda também a expor-se, a clarificar e fundar as próprias opções, a falar da experiência íntima com naturalidade, sem inibições nem falsos pruridos.


Com tal atitude, o educador tende a desculpabilizar o educando relativamente à abordagem desta área, levando-o a enfrentá-la como a todas as demais da personalidade. O efeito mais salutar deste desvio do tabu dominante ainda na nossa cultura é que por esta via a sexualidade poderá finalmente integrar-se, com a afectividade amorosa, a sensualidade e o erotismo, no todo da personalidade do púbere, dum modo harmonioso e equilibrado. Isto é, sem se tornar obsessivo, nem uma área marginal e vergonhosa, nem uma dimensão fundamental de ser e realizar-se colocada ao lado de si, como parte doutra personalidade, criando uma permanente esquizofrenia germinal por dentro de cada um, como actualmente ainda ocorre porventura com a maioria dos actuais adultos da nossa cultura e civilização.


Agindo correctamente neste domínio, criaremos campo ao surgimento dum homem novo, muito mais coerente e, portanto, feliz e irradiador de felicidade do que aquele que herdámos e dilaceradamente ainda nos constitui em grande parte, mau grado quanto já forçámos as barreiras à escala mesmo mundial, para também aqui viabilizarmos a transparência e a comunicabilidade franca, sem as quais nenhuma melhoria é atingível.



O isolamento e o convívio com os iguais


À busca do ensimesmamento do púbere deve corresponder no educador o acolhimento deste pendor, com uma conotação positiva, uma vez que ele é imprescindível, construtivo neste período.


Para além disto é preciso criar-lhe condições: facilitar o isolamento do educando, dar-lhe um quarto próprio, um recanto para recolher-se, onde possa manter e guardar as suas coisas (que deverão ser intocáveis para o pedagogo, não vá o púbere sentir-se violado na privacidade, no íntimo dele). Igualmente terá de respeitar (e levar os professores e alunos a compreendê-lo também) o eventual desejo do púbere de estudar só, de passear isolado, de manter-se no recreio a um canto ou meditando peripateticamente com a cabeça na lua e assim por diante.


Na mesma linha, é de criar um ambiente agradável e com recursos nos domínios privados do púbere: ter rádio, leitor de CD, vídeo, DVD ou Blu-Ray e gravador no quarto, uma biblioteca privativa, o computador pessoal e jogos, o televisor, as construções e demais entretenimentos que possam tornar-lhe agradável e gratificante o isolamento quando dele precisa.


Quando há cuidado para encaminhar tudo neste sentido, então a zona privada será também acolhedora para os iguais que o púbere privilegia nos relacionamentos. É bom que tal ocorra. Quando os convida para o seu santuário ainda é a si próprio que neles se irá procurar. Ora, isto apenas reforça o papel formativo que o isolamento tem de exercer durante o período etário. Convém, pois, que o educador empenhe todos os meios para que tal aconteça, mas ainda importa que o reforce, o ratifique como desejável e correcto e estimule o púbere a socorrer-se deste recurso de que só retira benefícios.


O facto de o educando durante esta fase quase ignorar os pedagogos tende a preocupar estes, mormente os progenitores, que ficam sem grandes indicadores directos sobre se tudo estará correndo bem ou não. Convém evitar estas atitudes ansiosas que molestarão o púbere, o tenderão a culpabilizar e, pelo menos, o forçarão a alterar o ritmo espontâneo da comunicação-solidão, retardando-lhe o desenvolvimento e desviando-lhe as atenções e energias do fundamental, a descoberta de si, para um problema inexistente, artificial, um desequilíbrio do adulto que, em lugar de facilitador e formador, o vem com isto tendencialmente deformar ou, pelo menos, perturbar. E toda a perturbação durante a puberdade, quando não seja o fruto do próprio evento existencial do enfrentamento do educando com ele mesmo, redunda em atrasos no desenvolvimento e, quando sistemática e duradoura, em debilidades crónicas nos domínios da personalidade por ela afectados, que poderão depois diminuir a pessoa durante a vida inteira, sempre em busca então dum passado que lhe roubaram e jamais poderá recuperar doravante integralmente.




A culpabilização e as conotações homossexuais


As culpabilizações durante a puberdade fixam o desenvolvimento numa fase em que as diferenciações sexuais estavam em curso: logo, o indivíduo vai ficar sexualmente indefinido e, portanto, com um pendor homossexual ou bissexual marcado, contra o qual nada poderá fazer enquanto não superar o bloqueio psicológico que aqui o encurralou.


Ao educador advém daqui a necessidade de vigiar para que os púberes não se autoflagelem com complexos de culpa, quaisquer que sejam os eventos que neles os tendam a implantar. Já anotámos vários deles bastante comuns. A forma de impedir esta destruição por dentro da personalidade é sempre ajudar o educando a interpretar correctamente a conjuntura lesiva ou desconfortável que anda vivendo, não deixando nunca que ele a interiorize como inassumível, como levando-o a tornar-se um réprobo, um pecador ou um criminoso imperdoável, porque por natureza estaria constituído de forma a cair obrigatoriamente em condenação. É sempre um juízo nestas coordenadas, expresso ou implícito, com mais ou menos força, que subjaz às culpabilizações paralisantes: o púbere constata que não tem remédio e, a partir daqui, demite-se de tormar posição activa na transformação prórpia e vai de então em diante repetindo mecanicamente, como um pesadelo, o comportamento e as correspondentes emoções que considera que o condenam fatalmente. É isto que o fixa, o cristaliza como um cancro pela vida fora.


O pedagogo velará por que tal juízo e correspondente padrão comportamental de resposta jamais ocorra no púbere. Ao contrário, estimulará nele a descoberta de quanto é mutável, de como tudo é relativo e variável e, no limite, de como a vida e em concreto os aspectos que o perturbam e se lhe revelam inamovíveis ficam, afinal, nas mãos dele porque os pode valorar de modo diferente, assumir segundo perfis vários, criar tempo para que as próprias circunstâncias e pessoas vão mudando, e assim por diante.


De qualquer maneira, as manifestaçõe homosssexuais deste período têm de ser sistematicamente desdramatizadas e não incriminadas nem culpabilizadas, senão tenderão por aquele mecanismo a fixar-se e projectar-se para o resto da vida. O educador deverá enfrentá-las e levar o educando a lê-las e assumi-las no contexto do desvendamento objectivo da sexualidade e do respectivo domínio e encaminhamento pelo sujeito, à medida que vai tomando poder bastante sobre ele próprio. Não há nada de novo nisto nem de qualitativamente diferente. Aliás, assim como o púbere busca os pares para neles se ver ao espelho, assim tenderá a procurá-los sexualmente para se desvendar. Neste período isto ainda é prioritariamente um relacionamento consigo próprio por interposta pessoa. Não se distingue, à partida, portanto, duma masturbação a dois, no máximo. Ora, masturbar-se é, neste estádio, fundamentalmente, uma exploração dos novos mistérios ocorridos no corpo, uma tentativa de autodescoberta e, como tal, não provoca qualquer perda nem efeito negativo. A sua conotação como pecaminosa ou culposa é que pode fixá-la, torná-la obsessiva ou inviabilizar a disponibilidade para outrem e isto, sim, é que é castrante e gravemente lesivo das potencialidades de abertura e enriquecimento da personalidade.


O educador fará com o púbere esta leitura lúcida e atenta dos eventos. Não se poderá demitir nem abandoná-lo a quaisquer outras que o encurralem e diminuam, por muito que os demais intervenientes o creiam intrometido ou errado ou a extrapolar os limites da intervenção pedagógica. Os efeitos demolidores dos preconceitos e práticas socialmente dominantes e até exclusivas em muitos estratos não deverão deixar margem a hesitar.


Antes de mais urge salvar o educando, a cujo serviço e libertação num desenvolvimeento equilibrado estão quantos desempenham funções educativas, desde os progenitores aos professores. Ora, no caso de divergirem, deverá avançar quem melhor alternativa prática logre implementar. Aqui é óbvio que a tradição cultural predominante é desastrosa e geradora de morbidez. Quem detém a trajectória salvadora tem o dever de a levar a todas as vítimas a libertar, bem como a quantos intervenientes ainda tenham ouvidos desimpedidos, capazes de a difundirem e implementarem em concreto.




A estabilização gradual


Se o púbere se diferencia por um grau de estabilidade emotiva que no período anterior lhe era inatingível, a verdade é que a indefinição pessoal em todos os domínios se mantém, duradouramente perturbante. Ora, ao educador convém, neste particular, reforçar a estabilização gradual de interpretações de si e da vida, de juízos, valores, padrões de resposta, sonhos e projectos. Isto implica que vele para jamais o requerer à partida, mas apenas como meta desejável à chegada, no termo do período. Há três anos para a reconstrução se ir operando. Nada de a forçar e menos ainda de a pressupor quando e enquanto for geneticamente impossível.


O risco maior do educador não é o de explicitamente a requerer, mas o de implicitamente e de modo desprevenido agir como se tivesse a expectativa de tal estabilidade já existir no educando. Ora, aqui é que a vigilância tem de ser aguda: não podemos pressupor nunca que os valores estejam firmes; nem as escolhas, feitas uma vez por todas; nem os projectos, implantados para uma vida; nem os conhecimentos dele próprio, dos outros e das regras de jogo do grupo, turma ou comunidade, adquiridos e interiorizados. Não. Na puberdade, as seguranças adquirem-se e interiorizam-se lentamente, a mutabilidade e a dúvida, a hesitação têm de ser permanentes, sob pena de artificialismo, de inautenticidade no itinerário.


Quando o educador comete aqui qualquer destes erros, o que vai tendencialmente provocar é uma vez mais a culpabilização do púbere que se constata, perante a autoridade do mestre (que sempre conota como mais indiscutível que ele próprio), como anormal, não correspondente à imagem que aquele dele projecta, nele pressupõe ou lhe exige que ele assuma. Em qualquer caso, irá perturbar-se o desenvolvimento em regime de espontaneidade do púbere. Ele ver-se-á forçado a distorcer a realidade dele próprio para tentar ajustar-se ao modelo que lhe é solicitado, abandonando com isto a reconstrução de si para passar a actuar num papel que não é o dele. Doravante haverá teatro na vida real mas não educação. O pior é que nem os actores vulgarmente se dão conta da mudança. O processo então continua indemne e impune, distorcendo a autenticidade pessoal do púbere tanto quanto a do relacionamento mútuo. Doravante tudo é um jogo recíproco de máscaras, mesmo bem intencionado. A vida real e o desenvolvimento autêntico ficaram à porta para serem retomados quando o encontro acabar.


Ao invés, quando o educador é atento e corresponde ao desabrochar gradual do púbere acompanhando-o e estimulando-o, então é sempre flexível, busca a revisibilidadde constante de tudo, admite reajustamentos em trabalhos, juízos, sonhos, mesmo a meio das caminhadas, transformando tudo em momentos de reflexão e reassunção pela melhor via que se revelar por todos assumível, sem forçar as sensibilidades nem as consciências. Aí então empresta de facto o máximo de energia e celeridade ao desabrochamento, parecendo justamento o contrário. Aqui é que se transmuda na mola real que impele o púbere para o porvir, encaminhando-o rumo às estabilidades que prenunciarão o salto vindoiro para a adolescência.






PERFIL INTELECTUAL DO PÚBERE


Traços mais marcantes




A aceleração do acesso ao abstracto


Continuam a ser as operações formais que se desenvolvem durante a puberdade, não há uma faculdade intelectual nova que no período desabroche. De algum modo, porém, é mesmo entre os 13 e os 15 anos que este nível da razão se pode estruturar, robustecer e firmar. Efectivamente, durante a pré-puberdade, a instabilidade emotiva e relacional, as constantes perturbações, inibições e bloqueios levam a que, na maior parte dos casos, a potencialidade exista mas o efectivá-la mantém-se germinal indefinidamente. É também por isto que a inteligência dominante do português fica na terceira infância, não ultrapassa os dez anos de idade mental no tipo de operações de que é capaz ( é óbvio que acompanha a idade cronológica nos conteúdos concretos pensados).


Ora, é durante a puberdade que o desbloqueamento é mais provável, em virtude da estabilidade e acalmia relativa que a diferencia do estádio anterior. A nota mais típica do desenvolvimento intelectual pubertário é assim que, finalmente, passam a concretizar-se por sistema, quando não se fica traumatizado ou se não é inadequadamente estimulado, as operações formais a que o indivíduo pode aceder, aumentando dia a dia a capacidade de abstrair, de reflectir e argumentar a partir de conceitos, juízos e raciocínios, sem requerer para tal o refrerencial permanente da experiência concreta. Se a pré-puberdade ficou centrada na potência, a puberdade pode assentar no acto.


Em virtude disto, porém, acelera-se muito o desenvolvimento da nova faculdade formalizadora. A lentidão ou paralisia do estádio anterior é superada. Em troca, uma nova desenvoltura aflora, fruto da disponibilidade e acalmia atingida, um empenhamento cada vez mais fortemente motivado em ir reflectindo segundo as novas coordenadas, o que aumenta dia a dia, tendencialmente, a rapidez das aquisições. O entusiasmo, fruto do gozo que isto dá ao púbere, pontua a caminhada, acelerando ainda mais o ritmo, numa espiral em crescendo permanente, quando tudo ocorre de modo correcto.


A gradualidade da aquisição da faculdade formal implica doravante um itinerário em duas dimensões concomitantes. Primeiro, o púbere, adquirido cada novo nível de libertação intelectual do aprisionamento ao concreto, vai experimentá-lo e testá-lo em todos os domínios, aplica-o a todos os campos com que depara no caminho. É como se para ele fora um jogo irresistível: o argumento lógico-formal encanta-o e ele esgrime-o a torto e a direito, mesmo nas situações mais irrealistas, porventura desafiando brincalhonamente a seriedade dos adultos com raciocínios formalmente correctos mas objectivamente inadequados aos dados. Em segundo lugar, a caminhada segue uma trajectória de gradual aprofundamento do poder de abstrair e de operar nesta base. Se a princípio é o domínio do conceito e das relações e conexões dele com outros, bem como com os dados donde fora abstraído e demais áreas concretas onde pode configurá-lo, logo após vêm os juízos, a conexão mútua das abstracções em todo o leque das relações que permitem. As cadeias de raciocínios, o domínio de teorias e sistemas é a meta final visada pelo púbere neste jogo encantatório que o formalismo intelectual para ele antes de mais constitui. O atractivo disto é tão notório, quando o desenvolvimento corre bem estimulado e não sofreu traumas como o do crónico insucesso, que não é incomum, pelo termo da puberdade, encontrar grandes tratados de reflexão na mão de alguns deles, mesmo quando faltam bases-chave para os descodificar: deparei com uma turma, de idade média entre os 14 e os 15 anos, com o delegado a ler calhamaços sobre o universo e o destino do homem e os demais interminavelmente engalfinhados, durante os recreios, em entusiásticas disputas com ele, à volta daquelas teorias que tinham o condão de literalmente os siderar, grudando-os à discussão com uma força inaudita.


A celeridade das transformações, evidente, por um lado, na cobertura de campos cada vez mais vastos de aplicação e, por outro, no gradual aprofundamento e complexificação do poder de operar formalmente a nível intelectual, são as primeiras marcas diferenciais típicas da puberdade.




O gosto pelo desafio


Quando o púbere perde o medo dele próprio que o tolheu no estádio anterior, uma outra atitude aflora: a novidade, o que desafia já não o atemorizam, pelo contrário. Ganhando confiança em si e à medida que as conquistas a reforçam, ele vai enfrentar as conjunturas, doravante sem hesitar. A pouco e pouco, constatando as vitórias a que esta viragem o leva, o púbere altera mesmo o teor emotivo da resposta: passa a gostar dos desafios, encara-os como um jogo, acentua a motivação por quanto é agonístico e tenta vencer os obstáculos, retirando deste confronto cada vez maior gozo.


Quando esta alteração ocorre e à medida que se robustece e generaliza, aumenta em paralelo o empenhamento do púbere, redobrando-lhe a celeridade das transformações. Este fenómeno é mais notório no domínio intelectual que noutro qualquer, em virtude de este, quando falha, não atingir tão violentamente o indivíduo como a área afectiva a relacional. Com efeito, o púbere desata a tentar resolver todo o tipo de enigmas colocados à razão, à semelhança do intento auto-identificador que leva por diante nos demais campos da vida e personalidade, mas, contrariamente a estes, quando acolá falha é um mero jogo que perde, pode encará-lo desportivamente e a mágoa rapidamente é superada, não o atinge no âmago da existência. O mesmo não poderíamos afirmar quando não logra interpretar-se e ordenar-se na vida emotiva ou na relacional em que é ele próprio que fica em xeque, atingido no âmago da personalidade e tolhido em todo o rumo de vida. Um mero jogo intelectual fica sempre à margem disto, perca-se ou ganhe-se, como ocorre num desporto qualquer: é menos o resultado que importa e muito mais o prazer da disputa durante o confronto e o pretexto convivial e de festa das sequelas que permite desencadear. É este cariz que reveste a reconversão no âmbito do desenvolvimento do intelecto.


O gosto pelo desafio implica ainda outra componente. É que o púbere, para dar conta das descobertas e reordenações que se propõe em todos os campos da vida, precisa da máxima capacidade intelectual que lhe for viável atingir. Vai ser justamente por via deste gosto por treiná-la, mormente em aplicações de mero divertimento, por brincadeira, que ele a pouco e pouco vai atingindo apuramento e penetração bastantes, bem como distanciamento perante o concreto que lhe serão vitais para a mais equilibrada e fecunda ultrapassagem do período. Isto fará com que o domínio de desenvolvimento mais motivante para o púbere se torne justamente o intelectual, quando a ele logra aceder, enquanto no período anterior tudo nele assentou predominantemente na afectividade, em virtude da turbulência das emoções. Daí a gravidade de manter-se o intelecto da população portuguesa em geral ao nível das operações concretas. Quanta imaturidade, quanta perda de possibilidades implica no caminho para o pleno desenvolvimento pessoal! Frustra-se exactamente a área primordial do interesse durante este período etário inteiro, bloqueando, tendencialmente para o resto da vida, o desabrochar desta nova faculdade e das demais do foro intelectual que a requerem previamente. Isto arrasta em cadeia o empobrecimento, a fragilidade de todas as leituras pubertárias, adolescentes, juvenis e adultas da pessoa sobre ela própria e o mundo, diminuindo-lhe o autodomínio e o poder de ordenar-se e projectar-se pela vida além. É uma falha que implica a debilitação do todo do sujeito a meio caminho dele mesmo e do seu destino, de portas cerradas, com os sonhos que implementaria esboroados pela impotência.


A estimulação ambiental não é, para tornear isto, adequada, porque nos enclausura dominantemente nas operações concretas com que a generalidade pensa; a escola, enquanto massacrar com a reprodução maciça estes estádios etários como até agora, não só não estimula como traumatiza e culpabiliza em massa pré-púberes e púberes. Ambos os estímulos se conjugam e são corresponsáveis por esta castração colectiva de que é vítima um povo inteiro. As perdas sofremo-las todos na carne: individualmente, enquanto adoráveis atrasados mentais que em geral somos ou com quem convivemos obrigatoriamente de cotio; colectivamente, enquanto, no concerto das nações, País retrógrado e cronicamente estúpido.




A abertura à criatividade


Durante a puberdade, a relativa serenidade do indivíduo permite-lhe abrir-se à criatividade em vários domínios da personalidade. Primeiramente, isto tende a ocorrer no âmbito emotivo, o primeiro que ele tenta compreender e dominar. O púbere vai gradualmente tentar adestrar-se em definir e alimentar emoções, sentimentos e afectos distintos, diversificar-lhes estatutos e funções, persinalizá-los e incarná-los em eventos e conjunturas adequados, cada vez mais criteriosamente. Do desajeitamento e instabilidade de partida até à mestria da chegada há um longo itinerário que acompanha justamente o desvendamento e reconstrução de si, na vida emocional, por parte do púbere.


Daqui, porém, deriva a criatividade relacional. De faccto, ao decifrar e reconstruir-se naquele âmbito, o jogo complexo da afectividade, desde as camadas superficiais volúveis e transitórias até às raízes mais profundas e duráveis vai ter de viver-se nos encontros e desencontros interpessoais. Em eco, todos eles terão de ser reformulados, refeitos, recriados. Nos perfis das amizades vão ocorrer inovamentos, nos encontros familiares, nos apaixonamentos introduzir-se-ão cambiantes de leitura, de valoração, de modos de assumir e projectar inesperados. Tudo isto terá de ocorrer no contexto do gradual desvendamento de si próprio, da conquista do autodomínio e da aprendizagem morosa de criar tempo, doravante mais eficaz na medida e proporção da relativa acalmia e serenidade emotiva reconquistada ao habituar-se o púbere ao seu novo estado de reacções violentas. Ele continua ainda muito prisioneiro das emoções, com muita dificuldade de distanciamento, de manter a cabeça fria, mas gradualmente vai logrando sempre um pouco mais. O progresso reforça-lhe o sabor da caminhada e acentua o itinerário. Esta criatividade relacional acabará por configurar um padrão tendencial típico de preferências durante o período inteiro, com privilegiamento duns laços, secundarização e distanciamento doutros, cujo perfil buscará criar condições para optimizar as oportunidades de desenvolvimento do púbere pela mediação neste domínio.


Mas a criatividade irá ainda gradualmente manifestar-se no domínio activo, nas práticas de cotio. Com efeito, à medida que tenta reencontrar-se, o púbere constata que os hábitos de antanho em muitos aspectos não lhe facilitam a vida, desde o equilíbrio entre tempos de estudo e brincadeira, tarefas caseiras e convívio, períodos de isolamento e comunicabilidade. Tudo isto e muito mais requer reajustamentos, muitas vezes imaginosos para evitar perdas e susceptibilidades. A pouco e pouco o púbere vai logrando implementar modelos novos, gizar perfis de equilibração entre os aspectos que revelam criatividade.


Tudo isto, entretanto, não leva neste período, normalmente, a inventar modelos formais em abstracto, independentemente da premência das circunstâncias, do desafio dos eventos, do mergulho existencial na corrente da vida. A gradual abertura à criação alimenta-se durante a fase permanentemente do húmus concreto do quotidiano e mormente do que neste se vai tornando mais relevante e problemático. É a força des circunstâncias a espicaçar o púbere e a afiar-lhe o engenho para se sair airosamente de cada aperto. O intelecto, a nível do imaginário criador, opera ainda mergulhado no concreto, durante o estádio inteiro. Esta aquisição, entretanto, vai ser decisiva como campo de cultura prévio para permitir o nível posterior e mais elevado a que pode aceder a inteligência humana, em termos de capacidades: o pensamento formal criador. A criatividade abstracta, a ocorrer, só poderá advir, por norma, durante a adolescência e requer, antes, como condição preliminar, todo estoutro desenvolvimento.




O gosto pelos jogos dedutivos


Um dos aspectos em que mais diferenciadamente é manifesta a especificidade pubertária é no gosto desmedido por jogos dedutivos. As cadeias de raciocínios, a partir de premissas determinadas, exercem um fascínio poderoso neste estádio e são repetidas duns para os outros à saciedade, bem como transpostas a sério ou a brincar para quanto calhar. É por este motivo que elaborar programas de computador é tão atractivo durante a fase, a ponto de o púbere ser muito mais eficiente nisto que a generalidade dos adultos, já sem paciência nem gosto bastante para se dedicarem ao mero entretenimento de criar modelos em vazio, quadros em aberto. É o mesmo que os torna, àqueles, peritos em quebra-cabeças de organização do espaço, como o cubo de Rubick ou o tam-gram, ou em jogos de estratégia como o xadrez ou as damas. Em todos os casos, é o encadeado dedutivo de consequências que está em causa, a partir duma primeira escolha. O facto de a dedução implicar consequências inevitáveis, conclusões universalmente válidas e impositivas é o que justamente mais delicia o púbere. É para ele um encantamento verificar como de argumento em argumento se impõe um resultado à razão dele e doutrem. Isto é tanto mais fascinante quanto mais inesperado for o efeito do trajecto intelectual percorrido. Ainda mais, e para grande irritação da sisudez adulta, se a conclusão resultar claramente disparatada perante os factos e não for discernível falha na coerência lógica.


A magia é tão desmedida que o púbere fica nela retido semanas ou meses pegados, buscando a resolução dos labirintos, espontaneamente. Quando afirmei a uma rapariga do Unificado que era de facto impossível realizar na prática a operação matemática nove elevado à nona elevado à nona, fiquei surpreendido quando, semanas depois, dei com ela ainda a tentar calcular aquilo, já depois de ter esgotado as capacidades das calculadoras de casa e dos amigos, tentando agora, solitária, continuar o cálculo num computador, já trabalhando com um resultado intermédio astronomicamente elevado, de dezenas e dezenas de algarismos distribuídos por não sei quantas linhas. Tinha sido para ela uma aventura fantástica descobrir aquela impossibilidade ao vivo, coisa que não teria atraído um minuto de atenção de qualquer adulto. Mas igualmente os vi disputarem semanas encadeadas em redor dos paradoxos matemáticos da tradição popular ou erudita. Uma vez, num furo de horário, uma turma ficou uma hora inteira em acirrada disputa ao redor apenas do conhecido contra-senso que lhes contei no princípio: se meia garrafa cheia é igual a meia garrafa vazia e se, juntando quantidades iguais a outras iguais, obtemos resultados iguais, então somamos outro tanto a cada uma das metades e teremos que uma garrafa cheia é igual a uma garrafa vazia. Ainda hoje recordo uma brincadeira da minha própria puberdade que me intrigou e deliciou anos seguidos, em busca da raiz do paradoxo. Um colega virava-se para outro e pedia-lhe:


- Empresta-me aí vinte escudos mas dá-me só dez. Como me ficas a dever os outros dez e eu te deverei os dez que me emprestaste, ficamos pagos e não se pensa mais nisso, está bem?


Os jogos dedutivos, por serem onde o pensamento mais vigor demonstra por ele próprio, a ponto de contradizer credivelmente o real, são um campo privilegiado pelo púbere para treinar as operações formais, para se libertar da dependência do concreto e que ele busca com afã, nele mergulhando com todo o aprazimento.




O gosto pelo argumento formal e o insucesso escolar


Para o púbere, o argumennto formal, por mais irrealista, por mais incomportável com os factos que se revele, tem validade e sentido por ele próprio, apraz-lhe, aguilhoa-o na perspicácia dele, na tentativa de elucidar onde radicam os critérios de congruência e incongruência e a que domínios e sob que aspectos se validam. Importando por ele próprio, o pensamento abstracto autonomiza-se e torna-se um fim nele, contrariamente ao estatuto que na adultez e na cultura erudita lhe é atribuído e que é de mero instrumento, de meio privilegiado para desocultar a realidade. Apenas na matemática pura vai ser preservado este estatuto de acolher a construção formal por ela própria. E mesmo aqui é perene a disputa sobre a justificação ou não das ciências puras; e também neste contexto elas se têm defendido prioritariamente pela histórica verificação de quanto se têm revelado aptas a serem aplicadas, mais tarde ou mais cedo, em qualquer domínio prático e útil da vida humana. Pois bem, com o púbere é justamente o contrário: revelar a nova faculdade, exercitá-la por ela própria, esgrimir-lhe os inventos é tremendamente gratificante, nada mais requer para validar-lhe existência e uso. Não se adequa a nenhuma realidade? E daí? Que é que importa? Não torna o jogo dos argumentos formais menos interessante, pelo contrário, até desafia mais a penetrar no mistério.


Ora, isso não é normalmente aceite pelos professores nem pela escola. O pensamento é para dominar um programa e não para ser explorado por ele próprio. Se o pré-púbere foi primeiro punido com a reprovação por não dispor duma capacidade formal que lhe exigem à partida, quando apenas no termo da puberdade poderá ter-se desenvolvido e implantado, agora, mesmo quando aquele obstáculo foi torneado, ocorre este desentendimento. Os docentes não valoram nem reforçam por norma o gosto pubertário pelo jogo meramente lógico, não reconhecem quão aprazível e formativo é cultivá-lo. Sempre que tal não for adequadamente aplicável ao entendimento do currículo, é condenado. A reprovação, agora durante o laborioso desenvolvimento de operações sem estímulos ambientais à altura, na maioria dos casos, para o nível formal próprio do estádio, vem acumular-se à anterior e aumentar a avalanche dos traumatizados e culpabilizados. Em lugar de assumir e desempenhar a contento a urgente função complementar de estimular adequadamente os púberes para lhes permitir a entrada no pensamento formal, a escola e os professores, atentos aos programas e desatentos dos educandos, predominantemente tendem a operar ao invés. Não só não implantam nem desmultiplicam estímulos que por outra via, mormente do meio e da cultura ambiente dominante, se não poderão jamais encontrar (indivíduos e comunidades operam em geral, no País, ao nível do pensamento concreto), como, ao contrário, destroem mesmo aqueles que os púberes logram encontrar e avidamente pretendem aproveitar em consonância com o eco íntimo que lhes despertam. Com isto, os docentes e a escola tendem a perpetuar a hecatombe das carreiras estudantis que marca profundamente o estádio etário. Mais longe, porém, aprisionam de modo mais duradouro e absoluto a inteligência dos portugueses nas operações concretas, ao nível da terceira infância. Reprovar é fortemente culpabilizante: leva a regredir para os tipos de desempenho que anteriormente foram gratificantes. E eis como o púbere fica condenado a não singrar, por um lado, porque não domina bem o pensamento formal e lhe não basta o concreto; por outro lado, por não poder progredir naquele dado que é punido e tem de regredir novamente para este. No vaivém sempre castigado com o insucesso decorre a tragédia final da quase totalidade dos estudantes que vão ficando pelo caminho durante o período. Os que furam a barricada não o logram quase nunca sem graves cicatrizes que os diminuirão para o resto da vida: o nível mais elevado do intelecto é inatingível para a quase totalidade dos adultos. Ficam até ao fim da vida a curar as feridas, tentando esgotar e dominar eficientemente as operações formais. Já não lhes vai restar tempo para a derradeira arrancada, a do pensamento criador abstracto.





Optimização pedagógica




O pêndulo concreto-abstracto


Se a estimulação adequada do pensamento formal durante a pré-puberdade requeria que o educador principiasse qualquer abordagem sempre a partir do concreto, transitando gradualmente para o abstracto e retomasse minutos de pois o concreto e assim sucessivamente, em ciclos muito curtos, de alguns minutos, que provavelmente não poderiam alargar-se durante o período inteiro, doravante, com a transição pubertária, o movimento pendular concreto-abstracto irá adquirir novo matiz. O púbere logra alargar e revigorar gradualmente o nível das operações formais. O estímulo adequado é aquele que vá alargando a duração do ciclo do mergulho no concreto para a exploração formal, abstracta, em perfeito paralelo. Isto fará com que o professor e o educador em geral, se ao princípio precisa de examinar um caso, evento ou conjuntura, partindo do exemplo para a conceptualização e retomando novamente os factos uns minutos depois, senão os educandos já não logram seguir a reflexão, uns anos após já não é nada assim. No princípio da puberdade vai ser preciso aquilo, mas no termo, se não houver graves traumas no itinerário, uma única referência concreta no início da aula permitirá que todos os alunos acompanhem e participem na análise durante o tempo inteiro. Nalguns casos, um único exemplo de partida bastará para suportar a abordagem formal para toda uma unidade curricular, durante várias aulas.


Para além do movimento pendular concreto-abstracto, a acompanhar as capacidades reais dos educandos caso a caso, grupo a grupo, doravante entra um novo factor que é o da amplitude daquele movimento que tendencialmente se deverá ir alargando à medida que sobe a idade dos alunos, aproximando-se do termo da puberdade. Ao invés, a duração da reflexão formal é tanto mais curta quanto mais lidamos com o início do estádio. Para além disto, o pedagogo terá de atender a que o ritmo e a entrada de cada aluno na fase etária é diferente, pelo que importa que use estratégias de ensino individualizado, tanto quanto for viável, mormente pelo trabalho em grupos homogéneos, no mesmo grau de desenvolvimento. A didáctica do projecto seria a mais adequada, neste período, ao encontro de cada um consigo próprio, através da mediação escolhida e gerida por ele mesmo de tudo e todos, como recursos mútuos disponíveis, para cada qual aprender a caminhar pelo seu pé também no âmbito da aquisição do pensamento formal.


A nota diferencial típica da pedagogia adequada ao período é, contudo, a da amplitude do movimento pendular concreto-abstracto que tenderá a alargar o tempo de abstracção tanto mais quanto maior o desenvolvimento atingido, que o encurtará quanto menor ele for, o que tenderá a acompanhar de perto a idade dos educandos, conforme vivem mais no princípio ou antes se aproximam do termo do período pubertário.




Estimular a criatividade


Na relação pedagógica, bem como na familiar e de amizade, tem de estimular-se a criatividade púbere, à medida que se for manifestando. Importa sublinhá-la e reforçá-la quer quando ela aparece nas relações com os educadores como entre os educandos, onde todos os modelos anteriores de encontro sofrerão reviravoltas enormes, quer ainda no contexto das famílias e com os amigos em geral. Como tudo ficou em crise no período anterior, retomar a vida não vai sem reformular e reinventar os novos perfis desejáveis.


Conotar isto como positivo, dar-lhe força, acompanhá-lo de modo a garantir, com a reflexão, com a análise de cada caso em comum, que o púbere optará pelas melhores alternativas, com o cuidado de se não impor nem intrometer, mas mantendo-se disponível e atento e com extremo cuidado para jamais distorcer a consciência, a vontade e a autenticidade íntima do educando – tal é o rumo do pedagogo neste particular.


Depois importa projectar a criatividaade em todos os domínios concretos onde ela pode frutificar. Desde logo, na área afectiva, ajudando o púbere a sentir e a depurar as emoções, sentimentos e afectos adequados a cada evento e conjuntura de vida. Também aqui a disponibilidade e discrição, bem como o acatamento e o reforço positivo de quanto o púbere vai implementando são o critério do estímulo adequado. Finalmente, a área das realizações práticas entrará igualmente no âmbito do acolhimento e apoio prestado pelo educador, em quaisquer aspectos e níveis em que se manifeste.


Tudo isto deve ser explicado ao púbere como valendo, por um lado, por ele mesmo e, por outro, como constituindo uma preparação para o último nível do intelecto humano que o educando deverá visar, o do pensamento formal criador. A pouco e pouco ele começará a aflorar pelo termo do período etário, com o eventual aparecimento de novas hipóteses de interpretação, de sentidos e de valores, como modelos já sem referência imediata à experiência nem às exigências directas da vida.




Reforçar os jogos dialécticos


O prazer pelo pensamento formal em sí próprio, desprendido dos dados de partida, tem de ser acolhido, conotado positivamente, avaliado como formativo e válido pelo educador, por mais avesso que em concreto se revele à realidade dos factos. Isto é um aspecto da aprendizagem, aquele é outro e urge distingui-los e valorá-los em separado.


Quando o púbere logra uma reflexão coerente do ponto de vista lógico, embora a validade dela seja meramente formal e não real, por se não aplicar aos dados em análise, convém identificá-la como tal, acolhê-la como boa, positiva, uma conquista nova e fundamental para o desenvolvimento do púbere. O outro aspecto é diferente: trata-se de verificar se a nova capacidade é usada de modo adequado a uma componente curricular qualquer. Deve haver nova avaliação quanto a este aspecto e que não anule nem desvirtue a primeira. Se a forma empregue pelo púbere for incorrecta, será apenas isto mesmo que se identificará. Numa palavra, importa acatar a validade formal dos argumentos, prioritária neste período de desenvolvimento, ressalvando embora a falsidade material da aplicação, quando eventualmente tenha ocorrido. Não perder de vista, entretanto, que para o púbere o que lhe importa antes de mais e o que melhor releva formativamente no desenvolvimento dele é a aquisição da faculdade das operações formais e não o aprender um programa curricular qualquer. Nestes termos, a opção pedagógica correcta implica que este último seja pelo educador colocado como mediador daquele e não ao invés. A instituição escolar, as praxes dominantes arreigadas entre docentes, a doença de cumprir o programa, o fantasma da inspecção, tudo confabula no sentido contrário: instrumentalizar o educando e as capacidades dele ao domínio do currículo, única meta legal e institucional de facto, por mais perversa e desumanizante que seja e é em concreto. Se o professor optar por ser educador sem tergiversar não poderá agir nestas coordenadas mas nas anteriormente definidas, distinguindo claramente e valorizando as conquistas pubertárias da inteligência formal e subordinando-lhe a aprendizagem das unidades didácticas que se terão de colocar a alimentar aquelas e jamais ao invés. Não é o educando que é um instrumento, os programas e tudo o mais no contexto escolar é que o têm de ser e para o servirem a ele.


Isto implica que o educador durante este período se impeça de condenar o irrealismo dos raciocínios, por muito que tendencialmente lhe repugne enquanto adulto e cientificamente habilitado. A corência pedagógica impede-lhe, entretanto, tal atitude. Ele deverá identificar o irrealismo, a inadequação das reflexões aos dados em causa, mas jamais condená-las durante este período etário. Condenar implica repudiar aprioristicamente o pensamento formal como tendo um valor, uma função, um atractivo por ele próprio, independentemente das realidades de que poderá dar conta. Ora, isto é falso e, além do mais, deformante do púbere, frustrando-o numa das mais exaltantes experiências que lhe é dado viver. Os dois aspectos deverão, pois, ser contemplados em separado. O irrealismo é fruto duma incapacidade temporária ou dum insuficiente cuidado e preparo de matérias curriculares. Negativo em si perante o objectivo de dominar um programa, não implica que torne negativa outra realidade bem positiva, uma conquista inestimável como é a do pensamento formal quando ocorra.


Reforçando isto, o educador incentivará todos os jogos dedutivos que inebriam o púbere. É a época de lhe dar entrada na programação de computadores, dentro e fora da escola, e de lhe requerer modelos para problemas a equacionar, até como apoio a trabalhos pessoais ou institucionais em curso. Igualmente é de criar lugares e tempos para os jogos de estratégia, para as disputas dialécticas entre colegas, para quanto divirta formando o pensamento, como os concursos para resolver enigmas matemáticos ou os desafios criativamente inteligentes da tradição popular ou de origem erudita. Tudo isto é eminentemente estimulante neste estádio, quer quando trabalhado a nível empírico, quer crítico. Importa não obliterar que no convívio de cotio o púbere não encontra estímulos adequados a este nível de pensamento. A escola e o educador atentos não descurarão, então, todas as oportunidades de lhos propiciarem em ambos os domínios. Importa que o poder de abstrair e a reflexão nele radicada não se restrinjam aos muros escolares, eles têm de animar a vida inteira do púbere e do futuro cidadão. Deverão pautar-lhe todo o modo de ser e ordenar-lhe o porvir. Isto poderá um dia vir a ser tanto mais assim quanto desde já o púbere puder usar a nova faculdade, ora na vida empírica, na cultura comum que respiramos e animamos na generalidade dos papéis de cotio, ora nas intervenções críticas, elaboradas, do âmbito científico, tecnológico ou humanístico em que formos peritos e que unificam e estruturam outras funções dos nossos projectos existenciais. É nesta equilibração de todos os vectores de ser e agir que o pensamento formal terá de intervir, é em tal rumo que o adulto vindoiro deverá orientar-se, sem jamais abandonar o plano a que ascendeu nem dele se demitir. Ora, para que tal ocorra, é importante, é imprescindível que o pedagogo e o educador em geral operem de modo que desde o primeiro momento, tanto quanto possível, tal se viabilize e decorra naquelas coordenadas. Não seria tão importante este cuidado se o ambiente e a cultura predominante estimulassem adequadamente o púbere para as operações formais. Na falta disto, apenas a escola poderá tentar colmatar a brecha. Então deverá operar aqui aos dois níveis: o especificamente dela de educar pela mediação dos elementos críticos da cultura e o comum à comunidade ambiente de o incrementar através dos dados empíricos da vida em geral. A demitirmo-nos disto, o intelecto do púbere resultará com desenvolvimento diminuído, frouxo e tendencialmente coxo duma ligação para o convívio do quotidiano, onde raramente encontrará paralelos com que se confronte, para assumir aí o pensamento formal de modo adequado. Ora, ele até poderá vir a ser estimulante para a comunidade e cada um dos membros dela, levando a irradiar a nova capacidade intelectual pelo meio ambiente fora.




O desbloqueamento na adultez


Quando o pensamento formal não pôde irromper na puberdade, o indivíduo vai andar pela vida fora sempre à procura dele como duma terra prometida jamais encontrada, mas cuja obsessão o não larga. É o que constatamos na repetitividade improdutiva do falacear dos mexericos, do diz-que-diz-que, jamais saciado de concreto e mais concreto, jamais capaz de saltar de nível para acalmar-se, que aos próprios nunca os cansa e é imediatamente insuportável para quem pauta a comunicabilidade pelo pensamento formal.


Ora, em qualquer momento é viável retomar o itinerário que na puberdade não foi palmilhado, com o movimento pendular do concreto para o abstracto que gradualmente irá pelo tarde erguer o que atempadamente falhou.


Isto, porém, tem um preço. Em primeiro lugar, recuperar é tanto mais fácil quanto menos distante o indivíduo estiver em idade do período em que tal faculdade deveria ter sido adquirida. Quanto mais tardia, mais morosa, difícil, incompleta e insegura será a conquista.


Por outro lado, isto apenas é viável se não houve traumas que tenham originado recalcamentos e culpabilizações. Nestes casos só ocorre a mudança quando o bloqueamento for levantado, quando o indivíduo descobrir o erro em que se enclausurou: creu-se por natureza destituído de capacidades. E terá de superar ainda o sofrimento que isto lhe causou. Doutro modo fugirá sistematicamente ao problema, cairá na angústia paralisante e nada de bom daqui brotará. Se estes obstáculos forem removidos, então poderá encetar a caminhada recuperadora. Para além disto, porém, quanto mais tardia for a tentativa, tanto mais precários serão os resultados. No limite, em idades avançadas, já não restará de todo plasticidade mental bastante para inaugurar uma nova faculdade, tão cristalizados estarão os mecanismos intelectuais em uso e tanta força e resistência apresentarão os hábitos adquiridos à mudança.


Em todo o caso, qualquer que seja a idade, haverá sempre uma porta aberta. Poderá ser mais ou menos larga e permitir uma caminhada de maior ou menor alcance. A estratégia pedagógica é do mesmo tipo quando tratamos de a optimizar, até porque é sempre recuperar uma idade perdida. Os conteúdos, os exemplos, as experiências ilustrativas de vida é que têm de ser recolhidas na realidade da pessoa ou grupo em causa. Apenas nisto o itinerário irá diferenciar-se da puberdade.


Tudo é mormente pertinente quando lidamos com o ensino de adultos, predominantemente no turno da noite. É que eles, na quase totalidade, reflectem ao nível das operações concretas e não logram libertar-se delas à partida, qualquer que seja o caso em que os envolvamos em disputa. Apenas uma estratégia adequada de estímulo pendular concreto-abstracto os arrancará à prisão da experiência, e mesmo então com muito mais lentidão e esforço que o púbere e com resultados mais frágeis e transitórios. Isto requer particular empenhamento tanto do educador como do educando. Apesar de os efeitos serem mais exíguos e o custo mais elevado, só o efeito de alterar o nível intelectual das pessoas e promover o aumento da média do País (vai também repercutir-se em cadeia, nos filhos, no local de trabalho, entre amigos...) já vale o esforço, já compensa o bastante.






PERFIL RELACIONAL DO PÚBERE


Traços mais marcantes




O grupo íntimo do mesmo sexo


Ao reconciliar-se com ele próprio, o púbere, ao mesmo tempo que diminui a desconfiança no adulto que o levou a interiorizar o modelo valorativo da terceira infância, também constata que é diferente dele, não se logra reconhecer de facto no perfil da adultez. Isto leva-o a procurar decifrar-se buscando o que lhe é idêntico. Vão ser os demais púberes que lhe oferecerão o espelho em que procura apreender-se e, em primeiro lugar e tendencialmente de modo exclusivo, os do mesmo sexo. A puberdade convive, assim, num grupo todo masculino ou todo feminino. Para além disto, a premência em descortinar-se obriga a encarar a autodescoberta a sério, o que é incompatível com relacionamentos à ligeira, superficiais, dispersos e esporádicos: este vector provoca a selectividade em busca duma permanência de amigos privilegiados. Por outro lado, as relações duradouras são exigentes, requerem disponibilidade de tempo, criação de ritos cuja habitualidade gera segurança e automatismo, constância de emoções e sentimentos. Ninguém os tem em quantidade bastante e para os partilhar com muitos. O grupo íntimo torna-se rapidamente muito restrito, são poucos os amigos a sério em que se concentra o púbere. Para isto igualmente converge o facto de ele se inibir por não estar seguro de si, bem como por não ser muito equilibrado, destro a gerir os relacionamentos. Por outro lado, o que lhe importa prioritariamente é desvendar-se e não encontrar-se com outrem. Quanto busca nos demais é meramente instrumental, um meio de chegar até ele mesmo. Nestes termos, só pretende aprofundar as relações até onde elas lhe sirvam este fito, daqui para diante já lhe não convêm, pelo que terá de as pôr de lado, sob pena de poderem funcionar ao contrário. Finalmente, o púbere requer muito tempo de solifdão com ele próprio e também isto o vai obrigar a ser muito comedido no leque dos encontros que privilegia, levando-o a escolher muito poucos amigos.


O facto de serem do mesmo sexo deriva directamente da procura da identidade que apenas se espelha no que é idêntico. Mas decorre igualmente do facto de o púbere não compreender o amor, ignorar como geri-lo, não conseguir dominá-lo, sentir-se enormemente perturbado, tímido, envergonhado e pudico relativamente a qualquer vivência dele. Tudo isto o obriga a fugir do contacto com os companheiros do outro sexo que tão problemáticos se lhe revelam. É que a aproximação deles, neste período, dificilmente deixa de ter a conotação, mesmo embrionária, dum qualquer eco afectivo amoroso. O coração desata-lhe aos pulos, o rosto cora, a voz gagueja – mesmo num contacto normal de cotio e que não tem nada de apaixonado, nem antes nem depois. O púbere sente-se canhestro, ridículo, humilhado – tem de evitar tais embaraços. Afasta-se, portanto. Por outro lado ainda, ele não consegue, nem ao nível dos sentimentos, nem ao da compreensão, nem ao da vontade, coordenar o relacionamento com o amor e a amizade, colocando cada aspecto no devido lugar quando tem de conviver com algum colega do outro sexo. Esta indefinição e confusão, obviamente, torna-o inseguro, requer anos para ir sendo ultrapassada e, prudentemente, tanto o rapaz como a rapariga tomam precauções e distâncias para darem tempo ao tempo.


O facto de não privilegiarem o relacionamento heterossexual não significa que lhes seja indiferente a proximidade ou não dos outros. Pelo contrário, é muito importante e serena o clima geral de convívio como o estado emotivo dominante de cada púbere o constatar que tem ao lado o colega doutro sexo, disponível para o encontro quando a maturidade e as circunstâncias o propiciarem. Isto, aliás, vai permitir-lhe conferir permanentemente a sua própria transformação gradual rumo à possibilidade dum relacionamento equilibrado e não perturbador entre rapaz e rapariga. Sendo inviável durante anos, a possibilidade permanente de o criar quando chegar o momento é profundamente calmante e torna cada um mais exigente consigo próprio, para não perder a face no reino do outro sexo a que pretende aceder algum dia, embora por ora não vislumbre como nem quando. Muitas vezes, nesta indefinição de rumos bem como no conflito insuperável de sentimentos contrastantes de atractivo e fuga entre rapaz e rapariga, geram-se comportamentos inadequados. Ora são as chufas jogadas dum grupo para o outro, vulgarmente por iniciativa dos rapazes, ora as agressões verbais ou mesmo físicas, por vezes num desvio sadomasoquista em que as responsabilidades se repartem perfeitamente entre a vítima provocadora e o agressor. A frustração dum encontro impossível, em lugar de gerar o necessário e lúcido compasso de espera para a gradual maturação, pode ter desvios destes. Em qualquer de tais casos vai aumentar o mal-estar e em lugar de se incentivar o itinerário para um assumir equilibrado dos encontros vindoiros, ao nível da amizade ou do amor, vão germinar sementes de relações perversas, caso trajectórias daquelas não sejam desde logo irradicadas. O respeito mútuo das distâncias que a cada parte convêm com o concomitante suportar e gerir a contradição dos impulsos de atractivo e fuga mútuos, é que a prazo desabrocharão em saudáveis grupos mistos de amigos, bem como em eventuais namoros e famílias vindoiras, em períodos etários seguintes do desenvolvimento.




O confidente íntimo


A urgência de descobrir-se ao espelho e a necessidade de solidão tendem a levar o púbere a restringir o leque dos amigos íntimos ao privilegiamento dum que elege como confidente único. Esta concentração exclusiva num colega do mesmo sexo é apenas o ponto de chegada normal e desejável da selectividade relacional do período.


O peso e a força desta escolha reveste por vezes extremos de fixação que perturbam os progenitores e educadores em geral. É comum o púbere agarrar-se ao companheiro como uma lapa, tal se foram um só, andando juntos o dia inteiro, em casa, no estudo, nos recreios, no convívio em tempos livres. Chegam a tomar as refeições juntos. A família do púbere passa longas horas sem lhe pôr a vista em cima, às vezes dias inteiros. Isto, conjugado com a crise das relações familiares que a fase implica, é para o adulto normalmente perturbador e os progenitores não raras vezes se impacientam ou angustiam com este estado de coisas, principalmente quando se extrema, quando o filho nem sequer volta a casa ou até pernoita no lar do amigo e pretende tornar isto sistemático. Entre os meros indícios ou pendor para isto e os casos-limite vai um contínuo de posições intermédias por onde se estendem as atitudes individuais dos púberes. Não tem de haver qualquer anormalidade no facto de cada um se situar num extremo, no outro ou num meio termo. Pode tudo ser perfeitamente salutar. O extremar do pendor, entretanto, tende a significar que há particulares dificuldades no período, que a identificação própria vem sendo prejudicada por algo, que os obstáculos estão a ser vividos como exagerados ou até inultrapassáveis. Isto tanto pode ocorrer por razões objectivas exteriores ao púbere e identificáveis, como o mau relacionamento conjugal dos progenitores, às vezes a mera duplicidade dele que nem chega a reflectir-se no convívio familiar dentro de portas, mas de que correm atoardas que chegam aos ouvidos do filho; noutras ocasiões os motivos são subjectivos, é a própria vivência pubertária que está sendo prejudicada por algo, um complexo de culpa, uma valoração imprópria que cronicamente tende a uma resposta inadequada num âmbito qualquer da vida, uma atitude desajustada que não há coragem ou força de vontade bastante para alterar radicalmente.


Por vezes a relação com o confidente, mormente em ambientes mais repressivos, isolados ou em que operam tabus afectivos e sexuais violentamente sancionados, transforma-se em paixão entre ambos. Isto não significa qualquer homossexualidade à partida, senão em termos objectivos: são, de facto, um par do mesmo sexo. Subjectivamente e no foro psicológico, é apenas um efeito, como na pré-puberdade, da ainda germinal diferenciação sexual em curso. Apenas a culpabilização poderá fixá-la neste estádio e bloquear o desenvolvimento normal para os estádios seguintes em que a diferenciação e complementaridade mútua se atingirão e estabilizarão. A eleição do confidente íntimo apenas vem aqui tornar mais provável que isto ocorra, quando outros estrangulamentos à convivialidade espontânea e ao julgamento livre de realidades, valores e atitudes são impostos pelo meio com dogmatismo castrador. Noutras condições, porém, não tenderá a haver esta vertente fortemente perturbadora do saudável desabrochar do púbere.


Mais vulgar, porém, e confundida empiricamente com a anterior, é a ocorrência de explorações sexuais mútuas entre o par pubertário de confidentes. Normalmente esta busca ou até masturbação comum não reveste qualquer carga apaixonada específica, quando muito será erótica, mesmo quando ocorra entre raparigas onde a ligação entre sexualidade e afecto é muito mais estreita e será uma constante diferencial feminina durante a adultez inteira. Aqui o que acontece é apenas a urgência de descobrir esta dimensão de si próprio que se impõe com uma força descomunal, incontrolável, provocando ainda perturbações em cadeia em todos os domínios da vida. Não é, portanto, manifestação de homossexualidade senão aparentemente, pelas componentes objectivas. A vivência é doutra natureza, trata-se de revelar o mistério, de o partilhar e tentar decifrar em comum, em busca duma leitura adequada que permita o autodomínio e a realização futura mais conveniente deste domínio da personalidade. Pode eventualmente derivar para uma homossexualidade, mas então é porque desde logo as experiências estão a ser vividas como culposas, como infracções aos tabus mas entendidas pelo púbere como crimes, como violações gravemente imorais mas a cujo atractivo não logra resistir, tal a natureza emocional que as constitui. Este trajecto de culpabilização é que os fixará a prazo na estreiteza e indefinição homossexuais. Os eventos por eles não apenas não implicam nada disto como podem perfeitamente acelerar e amadurecer o contrário e é para aqui que por eles próprios espontaneamente tendem: a descoberta do próprio corpo, dos novos poderes e funções dele, a ligação disto aos afectos e a repercussão de tudo nos relacionamentos e formações familiares e comunitárias. Mais nada tendem a promover tais experiências. E enquanto a isto se limitam, têm um papel construtivo que tem de ser reconhecido e identificado pelo adulto e demonstrado ao púbere, que mais não seja para impedir o efeito deletério dos tabus encegueirados que inconscientemente (quando não explicitamente) foram interiorizados e podem sempre distorcer os eventos mais inocentes e potencialmente salutares, tornando-os perversos e cancerando a personalidade.




O fruto proibido


A insegurança que o púbere tenta colmatar a partir da descoberta e redefinição dele próprio leva-o durante o período a encarar o outro sexo como fruto proibido. Por um lado, desejável, por outro, temível. Concorrem para isto, para além do que atrás aduzimos, o tabu social que entende que o púbere não tem maturidade nem senso moral para livremente compartilhar com o outro campo. Até há pouco nem o convívio, nem o andarem separados lado a lado era tolerado, o ensino era dividido e a própria educação familiar tendia à segregação dentro de casa e com os amigos. Agora, flexibilizado, o padrão dominante incentiva a coeducação mas não tolera, nem sequer legalmente, qualquer veleidade afectiva, erótica e menos ainda sexual entre rapazes e raparigas nesta fase etária. O tabu moral dominante é convergente com isto, embora haja a duplicidade social de usar dois pesos e duas medidas, uma vez que se fecha os olhos às relações precoces dos moços, normalmente com prostitutas, mas tal é violentamente punido familiar e socialmente nas raparigas (os próprios potenciais namorado as repudiam, sem olharem para eles próprios, numa perversidade ética inqualificável e que perdura imemorialmente há gerações na nossa cultura). A estes acrescem os factores subjectivos do estatuto de fruto proibido que reveste aqui o outro sexo: a incapacidade pubertária de equacionar os vários perfis possíveis deste relacionamento, o pudor de revelar e deixar violar o próprio íntimo, nos afectos mais profundos que o abalam, a timidez de avançar quando não dominar a conjuntura, sendo por isso fatalmente desastrado, a vergonha de ser humilhado, de sair-se mal, de fazer má figura. Tudo isto inibe o púbere e coloca o fruto apetecido que estaria ali mesmo ao alcance da mão, afinal, a distância infinita, no termo de alguns anos de reconquista de si e de reelaboração de laços humanos e projectos de vida.


Será tanto mais desejado quanto mais distante for vislumbrado, porventura como definitivamente perdido. No limite há o risco de o púbere perder a cabeça e tentar forçar a barra, caindo por norma em comportamentos desviados, pois doutros não é habitualmente capaz durante esta fase. Por isso urge manterem-se ambos os sectores masculino e feminino bem próximos, lado a lado, e disponíveis para o convívio, a entreajuda e partilha mútua de quanto construtivamente forem sendo capazes. Assim poderão acompanhar-se passo a passo, à medida que forem atingindo sucessivos níveis de maturação, habilidade e disponibilidade para se relacionarem. Com isto evitam ainda que o único relacionamento que vislumbrem seja o do amor-paixão. Ao invés, tenderão então saudavelmente a enquadrar aquele no contexto de relações de amizade em grupos mistos abertos e cooperantes, remetendo a escolha amorosa para mais tarde, quando a personalidade e as possibilidades de vida, bem como o projecto profissional e o papel social de cada um estiverem bastante definidos para garantirem maximamente uma realização afectiva optimizada. A coeducação favorece tudo isto, desde que os educadores se não demitam de assumir e acompanhar, clarificando a cada um e todos que tais são as coordenadas em que deverá tendencialmente ocorrer o desenvolvimento pubertário em termos equilibrados. Abandoná-los à ignorância e às tentativas arbitrárias de experiência pode perverter tudo, esbanjando um inteiro manancial de possibilidades reequilibrantes.




As paixões precoces


Na puberdade como no estádio anterior, as paixões tendem a ser dominantemente platónicas, abrindo-se gradualmente à explicitação à medida que o estádio progride. Em primeiro lugar, partilha delas em intermináveis cavaqueiras o confidente íntimo. É vulgarmente, no princípio do período, um amor à distância, em que embos, apaixonado e amigo electivo, observam furtivamente o amado, constatam os pormenores de que o amor se alimenta, aquele gesto, o sorriso, os olhos, o passo... Comentam, rememoram, analisam que fazer ou não e andam nisto perdidos, às vezes, semanas ou meses. Depois, quando há fortes angústias ou então quando o mais mortificante já passou, agregam à confidência um ou outro adulto ou professor mais empático, às vezes para um conselho, mais vulgarmente apenas para estreitar laços confidenciando com quem merece confiança e é potencialmente um aliado poderoso e, portanto, benvindo. Quando já para o termo do período etário, por vezes a confiança em si é já bastante para saltar a fronteira e então, num caso ou noutro, o amor declara-se e solicita correspondência do amado, habitualmente após múltiplas e trabalhosas diligênias de aproximação através de intermediários, uma vez mais os confidentes de ambos os lados.


Estes amores precoces habitualmente estão votados ao fracasso, por imaturidade das partes, inabilidade para reger a complexa e exigente relação afectiva, incontrolável violência das emoções que os traem mal se precatam. Deixam cicatrizes sempre, mas podem ser benéficos se assumidos, na exaltação que prometem e na dor que provocam, como um percalço de caminho que tem de ser bem compreendido para posteriormente não se cair nas debilidades e erros que o provocaram, causando tanto sofrimento.


Quando os apaixonamentos são homossexuais tendem a ocorrer, se não houver traumas nem bloqueamentos emocionais prévios, mais no princípio que no fim do período etário. É que, à medida que ele decorre, a diferenciação sexual desenvolve-se em paralelo, aumentando gradualmente a polarização mútua masculino-feminino, o que inviabiliza tendencialmente aquilo. A linha de desenvolvimento destas paixões tende a ser paralela à descrita, apenas o sigilo é muito mais acentuado, o platonismo mais profundo e tende a terminar muito mais cedo, em regra sem qualquer intento para que seja correspondido. Habitualmente, por efeito dos tabus e preconceitos sociais, o púbere tem medo e vergonha de tal paixão. Então refecha-a nele próprio ou, quando muito, partilha-a nas confidências com o amigo íntimo. E tudo morre por aqui. Por vezes, mormente com as raparigas, ocorre uma situação ambígua que é a idolatria por uma professora ou uma adulta qualquer fortemente significativa para o púbere. A conotação emotiva é de paixão mas é de tal modo idealizada que não reveste qualquer dimensão sensual, erótica e menos ainda sexual. Esta experiência é vulgarmente mais difícil de assumir pela adulta que pela veneradora. É que esta não tende jamais a conotar isto com a homossexualidade mas antes com a exaltação dos ideais entrevistos, com a revelação do sublime. E não é, do lado pubertário, outra coisa. Ocorre é que nenhum adulto é deus nem a incarnação da infinitude e esta projecção nele é profundamente desconfortável. Se as relações forem próximas e constantes é normal que se lhe torne intolerável a breve trecho, por inteiramente incomportável com a realidade de pessoa limitada, frágil e impotente que na verdade é, sem alternativa. Urge então equacioná-lo com a idólatra, afastando e resfriando o relacionamento, a fim de lhe permitir ganhar perspectiva e tornar-se realista. Isto é facilitado quando outros colegas podem aprofundar laços com os púberes envolvidos, relativizando deste modo a exacerbada obcecação por aquele relacionamento e secundarizando-o um pouco, de modo a poder-se olhá-lo em termos mais objectivos.


O trajecto durante o período pubertário neste domínio tende a cobrir o itinerário que vai da indiferenciação sexual psicológica à partida (que permite paixões por parceiros de qualquer dos sexos no princípio e, portanto, vivências objectivamente homossexuais) até à distinção e complementaridade do masculino e feminino, no fim (o que tendencialmente impedirá a homossexualidade e definirá os púberes, fixando-os como heterossexuais). A existência duma vivência traumática ou culpabilizante bloqueará o trajecto no momento em que ocorrer, provocando uma personalidade sexualmente indefinida e que devirá então homossexual ou, quando muito, bissexual, até que o bloqueio seja ultrapassado.




A experiência sexual precoce


A relação sexual neste período, mesmo quando num contexto de paixão, porque será sempre tendencialmente alheia à afectividade madura e a trairá mais dia menos dia, e porque também terá de ser estranha a um equilibrado relacionamento interpessoal, impossível ainda em idades tão baixas e perturbadas, corre um forte risco de ser ou tornar-se traumática. Isto gera a prazo a frigidez e a impotência, em maior ou menor grau. Quem passou por isto, mesmo com vivência apaixonada que é a menos potencialmente lesiva, vai ser tendencialmente um adulto avaro e calculista na relação íntima, no melhor dos casos, ou então descrente dela e incapaz de se entregar, até de a cultivar. A frustração acarreta as sequelas menores deste cortejo; a culpabilização, as maiores. A violência sofrida nas próprias expectativas deixa inelutavelmente cicatrizes que configuram sempre diminuições nas possibilidades de realização pessoal e na disponibilidade para pôr a render as potencialidades que a vida coloca ao critério de cada qual.



A aprendizagem dos fundamentos da sociabilidade


É durante o período pubertário que ocorre a aprendizagem dos fundamentos da sociabilidade. Tudo arranca do choque com os padrões anteriores, com a autoridade e com o dogmatismo tendencial da cultura ambiental e dos adultos e seu mundo. O púbere vai gradualmente descobrir a diversidade dos sentimentos de atracção e repulsa, das múltiplas combinações entre eles, da bipolaridade que a coexistência deles em certas relações humanas e circunstâncias existenciais nelas implanta. Isto vai requerer-lhe distinções apuradas e subtileza de atitudes e relacionamentos para enfrentar e gerir a contento e em consciência cada caso. É uma aprendizagem difícil, complexa e sujeita a erros e baqueamentos constantes. As combinações múltiplas entre as pessoas é uma descoberta nisto implicada e uma realização que o púbere vai ter de conseguir igualmente implementar em si e assumir dos outros e da sociedade em geral, onde o jogo dos encontros e desencontros humanos lhe vai surgir a uma luz e com uma dinâmica de contrastes e flutuações que jamais ele suporia existir durante a infância. Tudo isto vai gerar no púbere intermináveis dúvidas que alimentam inseguranças, até ele ir descobrindo que tal é a condição humana: aprender a viver na insegurança da dúvida. À medida que caminha para o termo do período vai-se tornando mais perito em saber relativizar tudo sem com isto se atormentar, antes sentindo-se seguro na permanente revisibilidade de todos os eventos existenciais. Tudo isto lhe requer pesquisa para compreender e fundamentar, à partida, o que vai descobrindo e, depois, o que vai propondo, assumindo, implementando pela vida fora.


É neste contexto que ele vai desvendar a duplicidade, os jogos de máscaras e a mentira nas relações sociais, das mais anónimas e funcionais até às mais íntimas e responsáveis. É comum isto provocar choque e repulsa imediatos, com fortes reacções emotivas. É violentamente frustrante para o púbere que se sonha projectado em ideais de infinitude, em heroicidades generosas de semideus, ter de mergulhar no esgoto da colectividade. Este banho de realidade é talvez o mais difícil de compreender e assumir. De algum modo, jogará sempre aqui uma solução de compromisso. O púbere não vai demitir-se de tentar criar um mundo novo, à medida do sonho generoso que o galvaniza, mas tenta acolher o que de razoável apareça no teatro colectivo, quer porque opera como defesa pessoal, grupal ou cultural, quer porque são trilhas razoáveis de menor perda, quer porque têm por trás motivos humanitários (caso da mentira ou meia-verdade piedosa ao doente ou moribundo). Afora isto, ele tentará, quando equilibrado, retomar nas mãos a bandeira de reconverter o mundo, a gesta de salvar a humanidade. E assim ela vem transitando de geração em geração. Isto pode criar conjunturas de impasse com a família, os amigos, a escola, para as quais apenas haverá recurso a escolhas de menor perda e jamais de máximo ganho. É o caso da descoberta pelo púbere dum relacionamento extra-conjugal clandestino de qualquer dos progenitores – é-lhe praticamente impossível tolerá-lo e menos ainda perdoá-lo, como em muitos casais ocorre, indo a rebelião pubertária muitas vezes até à vítima a quem não pode perdoar a apatia, a submissão ou o acolhimento daquele estado de coisas. O mesmo vai ocorrer com amigos que usem de duas caras, mesmo com familiares, nem que seja em questões relativamente secundárias, como, por exemplo, quando optam no âmbito das escolhas políticas ou da crença ou indiferença religiosa. A coerência tem para ele tanto valor que dificilmente tolera tanto a mudança quanto a ambiguidade que a muitos vai permitindo estar com gregos e troianos concomitantemente, sem que uns e outros dêem facilmente pela manobra. Isto que é indiferente entre adultos em questões que julgam menores na vida real (que um agente de vendas mostre a cada cliente o cartão que o torna sócio do clube sempre diferente de que este é fã, é um truque mercantil que nos leva a sorrir apenas); isto revolta o púbere e ele dificilmente tolera o meio termo, a relativização em função da gravidade do que estiver em causa e não da atitude do agente. O problema vai ser idêntico quando um professor tiver um crónico mau relacionamento com a turma: as dificuldades do docente, a autonomia dele são-lhe intoleráveis quando vitimam alguém. Tudo vai requerer habilidade e paciência para equacionar-se e ser encaminhado.






Optimização pedagógica




Acolher o isolamento e o convívio selectivo


À semelhança do que ocorre no período anterior, também aqui o educador velará por que a solidão do púbere seja preservada e acolhedora, enriquecendo-a com quanto nela possa ser desfrutado pelo educando e este requeira. Agora, porém, importa atender à convivialidade que irá gradualmente estruturar-se, primeiro pelo grupo íntimo e nele pelo confidente eleito, para, pelo termo do período, principiar a abrir-se aos grupos mistos.


Importa, antes de mais, acolher como positiva toda esta trajectória. Depois convém explicitá-la ao púbere quando ele próprio revele dificuldades em acatá-la ou integrá-la. Finalmente, a didáctica deve adequar-se-lhe. Em primeiro lugar, é bom que se deixem juntar os alunos na aula divididos por sexos, como tendencialmente acabam por fazer. Depois, é de emparceirar os confidentes, estimulando-os a ajudarem-se também no estudo e em toda a actividade escolar. Quando trabalharem em grupo, importa respeitar as escolhas deles, manter as preferências e afinidades: aqui o mais formativo é sempre o que maior identidade permitir e, portanto, o grupo de iguais é o mais rico, nem que seja objectivamente o mais pobre por ser o que irá ter menor diversidade. Esta inversão da regra da optimização que refere como potencialmente mais eficazes os grupos quanto maior diversidade for partilhável no seio deles, aqui opera positivamente porque a eficácia pedagógica na puberdade depende das condições de descobrir a própria identidade. Ora, isto não ocorre no diverso, como já vimos.


Para além disto, o educador atenderá a que o importante é que o púbere consiga pesquisar e descobrir o perfil e as alternativas de ser, de estar e de justificar o que é e o que pretende eventualmente vir algum dia a ser. É com este fito que tudo o mais se ordena. Se ele falhar, tudo o mais perdeu o sentido e o alcance formativo mais profundo. Mesmo que o púbere logre ser aluno com aproveitamento, mesmo brilhante. A pedra de toque pedagógica não está aqui, uma vez que isto pode até operar como compensação ou sublimação da frustração daquele objectivo. É ele que forma ou castra em última instância o púbere.



A disponibilidade para os grupos mistos


Para evitar os fantasmas de homossexualidade ou fixações indevidas de origens incontroláveis, convém que o pedagogo explicite, na aula e fora dela, a disponibilidade para a formação de grupos mistos, com rapazes e raparigas, logo que qualquer deles o pretenda. Por outro lado, deverá explicar que tal será o rumo normal do desenvolvimento, solicitando que cada um se mantenha aberto a esta possibilidade quando interiormente a sentir como desejável e se vir à altura de se integrar bem no trabalho e convívio dum grupo desse tipo. Importa prevenir vários desvios que os púberes deverão velar com o educador para que não ocorram. O primeiro é o de tentar forçar a situação, antecipando a formação dum grupo misto antes de se estar amadurecido para ele. Só irá retardar o desenvolvimento, por os intervenientes não terem esgotado suficientemente a fase anterior. O segundo é o de se fixarem no modelo monossexual de partida, fechando-se ao desenvolvimento normal da sensibilidade. O bloqueamento do desenvolvimento é a sequela. Depois, importa que os púberes evitem os dichotes e chocarrices que tendem a fazê-los cair em qualquer destes desvios, quer fazendo pouco uns dos outros por amores eventuais falhados ou inassumíveis, quer por suspeitas de homossexualidade neste período sempre indevidas, quer por infantilização duns pelos outros, quer por outra via qualquer.


A tomada de consciência pelo púbere de qual é o itinerário sadio do próprio desenvolvimento ajudá-lo-á a trilhar o caminho com muito mais segurança e confiança, o que acelerará e robustecerá o trajecto.




Acatar alternativas e reformulações


Se legitimar a dúvida pré-pubertária, desdogmatizar as nossas escolhas, crenças e padrões comportamentais são naquela fase bastantes, durante e puberdade é preciso acatar alternativas e reformulações que permanentemente poderão ocorrer, à medida que o educando vai reestruturando a personalidade e a vida. Ao adulto isto pode colhê-lo de surpresa ou então antolhar-se nalguns casos inaceitável. Desenganemo-nos: a imposição que não seja interiorizada porque faz sentido, por ser desejada pelo púbere, voltará a ser rejeitada na primeira oportunidade e, pelo menos, presta um mau serviço neste período etário que é justamente de revisão fundamentada de modos de ser e agir. Isto não quer dizer que o educador se demita, não proteste quando creia ter razão, não puna quando vê que há lesões, infracções que o justifiquem. Ao contrário, só se lhe pede que actue lucidamente, em consciência, reflectidamente e, principalmente, sem pretender ser o detentor da verdade absoluta. Que ele intervenha com toda a coerência mas simultaneamente com a humildade de confessar, com íntegra franqueza “posso não estar certo mas, enquanto não descobrir outro caminho melhor, é assim que em consciência tenho de actuar. Mas mantenho-me aberto á revisão e a outras alternativas que se nos revelem mais correctas”.


Há dois erros pedagógicos que neste contexto têm de ser evitados. O primeiro é o do educador que se assume exclusivamente como garante da ordem, entendendo esta como o que está estabelecido superiormente, pela lei e pela tradição e sobre que não admite discussão, nem mudança, nem evolução. Isto culpabiliza o púbere e tende a encurralá-lo num infantilismo permanente por regressão ao último período etário vivido em acalmia, a terceira infância. Quando apenas em certos aspectos mantém esta intransigência, a falta de diálogo e de alternativa quanto aos porquês e às modalidades, sempre relativos e convencionais, vai resultar no mesmo quanto ao desenvolvimento pubertário nesses domínios.


O segundo erro é antitético daquele e hoje mais comum no âmbito escolar (e a generalizar-se nas famílias e formações comunitárias recém-urbanizadas). Consiste em entender a desdogmatização e a legitimação da dúvida pubertária em termos relativistas: os educadores já não têm escolhas, modelos, valores porque se pautem, padrões conviviais e sociais que defendam. Tudo é discutível, então tudo é radicalmente indiferente, e daí o desautorizarem-se a tomar perante o púbere qualquer atitude disciplinadora, crítica, punitiva ou estimuladora, de alerta ou de prevenção. Ora, este erro impede-os de se tornarem interlocutores válidos diante do educando que precisa urgentemente deles para se orientar com o mínimo de fundamento e de credibilidade perante si próprio. O educador, ao acatar alternativas e reformulações, não o faz às cegas e sem critério. É justamente o invés: vai ouvi-las, ponderá-las, pesar com o púbere prós e contras, calcular a razoabilidade delas confrontando-as com as anteriores e decidir qual a escolha final que acerca delas faz. Quando for caso de terem ambos de acertar entre eles porque o problema os implica aos dois (regras do grupo, regime convivial, organização recíproca de trabalho, normas familiares que envolvem vários...), o educador tentará obter o consenso com o educando, indo honestamente e com toda a flexibilidade que em consciência puder acatar, ao encontro das propostas dele, inflectindo as próprias ou revendo as do grupo-turma ou da família de cuja unidade e vitalidade é responsável primeiro. É nesta posição intermédia de compartilhar, no cultivo dum companheirismo corresponsável e exigente que o púbere verdadeiramente constata que está sendo acolhido em corpo inteiro e em plena autenticidade. O demissionismo dos educadores, das escolas ou dos progenitores não cria campo à afirmação pubertária, abandona-a antes ao vazio, condena-a à indefinição. Acolher as alternativas e leituras do púbere é abraçá-lo: eu tenho de o meter dentro de mim, de o ajudar a moldarmo-nos, a ajustarmo-nos mutuamente. Temos de nos pôr ambos a caminho, rumo a novas modalidades de convivermos, de sermos em comum. Isto implica-nos a ambos até ao mais profundo e significativo de nós próprios.




Estar disponível


Também aqui é importante que o educador seja discreto para não ferir susceptibilidades. Que não viole a privacidade do púbere, que lhe respeite a fronteira tanto na comunicação como na solidão. Para isto convém aprender a estar disponível. É preciso ficar atento, acorrer quando requerido, mas sem impor a presença nem a intervnção: é melhor ser desejado que tolerado, também aqui.


Se isto era fundamental anteriormente, doravante vai revestir conteúdos diferenciados. É que a complementaridade, a ajuda que o púbere requer é doravante para se rever e reconstruir por inteiro. A disponibilidade do pedagogo é centralmente para garantir que o púbere logre efectivar o autoconhecimento e a assunção da personalidade própria em todos os domínios. Desde logo no âmbito afectivo, mormente a nível das emoções e depois no erótico e sexual que de perto o seguem – é o de mais perturbador enfrentamento e onde é à partida mais difícil ao educando apossar-se da identidade dele mesmo. À medida que o amparamos nesta caminhada com a nossa presença discreta mas disponível a qualquer momento em que no-lo requeira, ajudamos o púbere a gradualmente ir ficando interiormente seguro de si e, logo, disponível para procurar o diferente e, neste, os companheiros do outro sexo. Estar ao dispor implica ainda velar por que tanto educadores como educandos, como quantos interfiram nos feixes relacionais respeitem o ritmo de maturação que é eminentemente individual e não ocorre em paralelo em toda a gente nem em cada um, em todos os domínios da personalidade e da vida concomitantemente. As variações podem elevar-se ao infinito. Urge atender a que se não retardem nem forcem a contragosto,velando antes por alimentar a espontaneidade.


Finalmente, o pedagogo tem de acolher tudo isto como salutar, normal, desejável e bom, de modo a evitar a ansiedade de progenitores, educadores e do educando, uma vez que ele, no mínimo, esbanja energias em pura perda e sempre tenderá à frustração que, no limite, culpabiliza, bloqueando o desenvolvimento pelo mecanismo já descrito.




Alertar para que há mais mundos


Ao ajudar a reconstruir a identidade pubertária do educando, teremos de auxiliar este a libertar-se da grilheta das emoções, das experiências imediatas, levando-o a criar tempo, a conseguir reflectir e decidir a frio e com objectividade, como durante a pré-puberdade. Mas também aqui vão aparecer como prioritariamente pertinentes conteúdos diferentes e específicos. Doravante é inadiável que o educador lhe denuncie de viva voz os preconceitos, os tabus, as repressões e as duplicidades em concreto, aparecidos no contexto da relação mútua, sempre que os constate, libertando o educando de medos e dúvidas inúteis, quando as conjunturas sejam claras, mesmo que social ou culturalmente não generalizadas nem assumidas. Normalmente, as perversões denunciadas serão as que campeiam impunes, a vários níveis e em diferentes campos: as discriminações da mulher no trabalho, as duplicidades na família, a machista moral sexual da sociedade, por exemplo. A denúncia da rigidez dos padrões culturais neste domínio deve igualmente ser feita pelo educador, até porque é dobradamente irracional: por um lado é dogmática, tende a eternizar-se, não admite a dúvida, a reformulação, a melhoria; por outro consagra padrões no mínimo altamente discutíveis e, nalguns casos, flagrantemente imorais ou, porventura, criminosos.

A busca de esclarecimento e fundamento para reordenar conscienciosamente a personalidade pode obrigar à conveniência de desbravar domínios como o mundo das religiões e da história dos povos, da antropologia cultural, do desenvolvimento do Direito. É importante que o educador estimule e acompanhe com caloroso assentimento estas incursões, alimentando-as, de modo a ajudar o púbere a relativizar todos os juízos e a descobrir como são de facto inseguros, revisíveis, uma criação humana laboriosa e contingente, na busca interminável duma plenitude que nos escapa inexoravelmente. Isto auxiliará o educando a criar margens de liberdade para a tomada de consciência e de iniciativa, a fim de ir assim definindo a própria identidade em bases criticamente fundadas, de modo a assumi-la com pleno conhecimento de causa.




Encaminhar as paixões precoces


Quando ocorrem os amores precoces, mormente as paixões à primeira vista, ainda aqui predominantemente de cariz platónico, quer revistam o perfil homo como heterossexual, o educador deve acompanhar a experiência e vivência do educando com subtileza, para não magoá-lo indevidamente, para além do sofrimento que a situação já por ela quase sempre acarreta.


Em primeiro lugar, é preciso encaminhar estas paixões. Isto quer dizer que o púbere deve, nesta mais que em qualquer outra conjuntura, encontrar um confidente (e o próprio pedagogo deve prestar-se a tal, tanto quanto lhe for viável e o apaixonado o requeira), de modo que as emoções não fiquem a remoer por dentro sem encontrar saída de nenhum tipo.Convém baixar-lhes rapidamente a violência e isto requer o desabafar. Uma outra via é levar o educando à criação artística para sublimar a paixão e as frustrações que normalmente acarretará. O apaixonado deverá ser estimulado a escrever, a cantar, a modelar, a representar os respectivos sentimentos.


Depois disto, porém, importa encontrar derivativos. Desde logo, a relação apaixonada deve passar a ser vivida sistematicamente integrada no contexto das demais do grupo-turma ou dos amigos, e sempre o amoroso deve viver ocupado em trabalhos, projectos, realizações que lhe diversifiquem os interesses, as experiências e permanentemente lhe ofertem vivências gratificantes. É óbvio que tudo isto reveste tanto mais premência quanto mais o amor for para o educando motivo de frustração e desespero. Se lograr cumprir um rumo correspondido mutuamente e sem se esboroar pelo caminho com lesões mútuas de maior ou menor vulto, as medidas terão apenas o papel preventivo de manter o pior prevenido para quando a desgraça ocorrer, como quase fatalmente advirá nestas idades. A instabilidade de tais fogos devoradores virá também em auxílio do pedagogo, uma vez que tendem sempre a ser pouco duráveis. Importa antes de mais que a mágoa que provocam não atinja proporções tais que leve aos suicídios que vão continuando a proliferar nos meios de comunicação e que, quando não vá tão longe, não fira tão fundo que devenha inassumível positivamente pelo educando.


Finalmente, o púbere requer uma informação precisa sobre o que lhe está ocorrendo, para poder integrar harmonicamente, na personalidade renovada que anda erigindo, a nova vivência-experiência, mantenha-se ela exaltante, frustre-o ou torne-se mesmo demolidoramente traumática. É, aliás, por este vector da clarificação dos sentimentos, do encontro e desencontro de amores, da fragilidade do que se nos antolha de mais sólido e durável, que ele poderá finalmente saltar fora airosamente da conjuntura e assumi-la construtivamente. É que, mesmo quando ela é dum amor correspondido e que logra manter-se apesar das imaturidades e inexperiências dos implicados, ambos correm o risco de ficar alucinados pelo fulgor da paixão, sendo então arrastados no fogo dela sem lograrem domá-la, compreendê-la, ordená-la com lucidez rumo aos imprevistos do porvir. Isto ameaçá-los-á com a morte do amor a prazo (os casamentos entre os 15 e os 20 anos terminam quase todos em divórcio ao fim de pouco tempo). O esclarecimento, a reflexão relativa aos eventos, a informação do estádio de desenvolvimento e das experiências-vivências deste perfil amoroso é que oferecerão gradualmente ao púbere as armas com que poderá tentar não se deixar arrastar pelos acontecimentos, sejam eles felizes ou dolorosos (e estes dominarão de longe o número daqueles).


Também aqui ajudar a criar tempo se revela uma estratégia pedagógica pertinente – permite que as paixões arrefeçam, que os púberes caiam em si, constatem o prosaico de cada um e do quotidiano. O educador atento deverá tornar-se perito em estimular e apoiar os púberes neste movimento de recuo. É, aliás, nas paixões que ele é mais urgente porque é nelas que os sentimentos maior violência adquirem, afogando toda a busca de lucidez do púbere se não se apoiar neste pequeno segredo.




A relação pedagógica


Se é fundamental desde a pré-puberdade escolher o padrão relacional de referência, em função do tipo de cidadão futuro que se pretenda estimular, a partir da puberdade todo o encontro educador-educando ou reveste um perfil de gradual aproximação da paridade participativa de ambos, conspirando cumplicemente para o mesmo fim, ou então é estruturalmente deseducativo e deformará o desenvolvimento pessoal, bloqueando a autonomização e autenticidade íntima, levando o púbere, ao invés, a interiorizar um qualquer modelo pré-fabricado de cidadão, imposto de fora. A caminhada para uma personalidade própria conscientemente assumida e projectada na vida ficará ali bloqueada, sendo tendencialmente substituída por uma reprodução que o púbere copiará pelo resto da vida, alienado dele mesmo, infantilizado, e tanto mais incapaz de reagir, de rebelar-se quanto mais anos sobre esta experiência de condicionamento forem decorrendo.


Educar aqui é assumir a autoridade e o poder para configurarem um encontro educador-educando tão mutuamente atento e respeitador, tão comummente interessado e empenhado na entreajuda ao desabrochar de quanto do íntimo de cada um aflore que, a prazo, a paridade será tendencialmente completa, com os dois solidários, ambos dando as mãos para irem mudando rumo à plenitude em concreto realizada. É um itinerário visando o infinito, na infinda profundidade do imo de cada companheiro de viagem e aventura. Para a autenticidade disto não vislumbramos alternativa. Qualquer poder, qualquer autoridade que não operem ordenados a este horizonte serão estruturalmente antipedagógicos, trairão a vocação do educador e apunhalarão o educando, deixando-nos no fim um mero destroço humano.






PERFIL EMOCIONAL DO ADOLESCENTE


Traços mais marcantes




A fase de idade


A adolescência dura tendencialmente dos 15 aos 18 anos, também aqui com os casos individuais a poderem flutuar muito, antecipando-se ou atrasando-se. Já vimos que as raparigas se antecipam geralmente dois anos aos rapazes no princípio, mas ocorre o mesmo no termo. Aliás, é vulgar que o trânsito para a juventude nos moços se retarde ainda mais, pelo menos em vários domínios, em virtude da dificuldade crescente de garantir um princípio de vida seguro. Não é incomum que o trânsito masculino para a profissão, para a família própria, para as tarefas sociais, políticas ou culturais, venha a ocorrer sobre a idade dos 20 anos ou mesmo depois. Habitualmente, as raparigas, aos 18 anos, encontram-se aptas e viradas já para tudo isto, no respectivo projecto de vida, pelo menos relativamente aos papéis predominantes atribuídos pela cultura ambiente às jovens (curar da casa e da família).




A estese e o amor


O despertar para o atractivo da beleza, bem como o maravilhamento apaixonado ante o outro principiam logo na pré-puberdade, de modo desorganizado, atrabiliário e incontrolável, prolongando-se pela puberdade além, principiando aqui a ser organizados e encaminhados pelo indivíduo, mas apenas ganham consistência e rumos definidos, habitualmente, a partir da adolescência.


As duas experiências andam muito próximas na vivência do adolescente. Com a natureza ele fica empolgado, com a arte comove-se até às lágrimas, com a formosura enternece-se até à paixão generosa. A beleza que o atrai noutrem é também beleza na paisagem e na arte. O universo do belo e a exploração dele constituem o perfil do desenvolvimento emocional deste período etário. É a idade do deslumbramento. O adolescente é, antes de mais, aquele que admira. Percorre a vida em êxtase, como dominante emotiva.


Serão em média três anos de arrebatamento, tendencialmente, em que a afectividade se alimenta com a permanente descoberta da infinitude premonitória do belo no outro, na natureza e na arte. O adolescente percorrerá tudo de olhos arregalados, infatigavelmente, em permanente corrida. Ainda não logra talhar a partir daqui qualquer traçado para o futuro. Não o preocupa, aliás, por ora. É apenas saborear quanto há, como lhe cala fundo ou não na sensibilidade. Ausculta-se a ele próprio no modo como sente, como reage por dentro, verifica como e quanto se adapta a cada área de vivência e experiência, repara no eco que ele mesmo acorda nela e respectivos mentores, a ver se fará sentido no futuro voltar ali, quando tiver de escolher um rumo determinado para a vida. Mas não pára jamais em lado nenhum, o carrocel das maravilhas é interminável e ele não quer perder nada. Salta permanentemente dum lado para o outro, duma paisagem para outra, ora para observar, ora para conviver, ora para intervir, ora a pôr-se à prova. É uma explosão de vitalidade, de alegria de viver, imparável. Por vezes torna-se fatigante, senão irritante para o adulto exausto que já não logra acompanhar aquele ritmo trepidante, ainda por cima em todos os rumos simultaneamente, na dispersão mais completa e aparentemente incongruente.


O adolescente anda à procura do infinito. Antegosta-o, vislumbra-o no indefinidamente belo do outro e da natureza. Persegue-o em tudo e em todos. Não quer nem deve ter outra tarefa-chave durante o período etário inteiro.




O infinitamente grande e o infinitamente pequeno


O encantamento com o belo que o adolescente desvenda e protagoniza reveste, entretanto, uma ambiguidade fundamental. Num primeiro momento, o belo é entrevisto como infinitude no outro e no universo, segundo o vector da plenitude pessoal, comunitária e cósmica, promissor de eternidade. É justamente esta primeira visão que arrebata. A ela segue-se, porém, a constatação da infinita lonjura a que o adolescente se encontra daquele ideal. Isto cria-lhe uma certa angústia, uma comoção profunda e um espontâneo agradecimento para o anónimo: a vida revela-se tão generosa para a insignificância que ele é que lhe apetece ser dadivoso, cantar de alegria, proclamar ao Universo como tudo é inconcebivelmente excelente. O ver-se reduzido ao infinitamente pequeno, por um lado, humilha-o, cria-lhe alguma apreensão – ele descobre que não está, nem pouco mais ou menos, à altura das promessas e solicitações da vida que se lhe revela transbordante de grandeza inabarcável. Por outro lado, porém, isto torna-o humilde: ele não se pode confundir com o que lhe arrebata o coração, sabe que não é digno da revelação divina que por todo o lado o embebe e embriaga, torna-se pequenino e silente, acolhedor e grato. Depois trata de corresponder ao desafio, de crescer à dimensão do infinito, que o conclama da lonjura da imensidão, mas bem lúcido da inviabilidade de conseguir corresponder à altura.


No pendor da exaltação, o adolescente corre as campinas e os vergéis do atractivo. Vai descortiná-lo em pessoas em que antes nem reparava. Se aprende a saborear e admirar o amigo, se transfigura, apaixonado, quem ama, também descobre a ternura na criança (quantas adolescentes não vimos já perder literalmente a cabeça por um pequenino!), espanta-se com a solidez e a grandeza da gesta do adulto, encanta-se com o ancião em quem vai vai reencontrar a magia dos contos e lendas, da veneranda e por vezes poeticamente ridícula sabedoria de antanho que largara de vista desde o termo da infância. Para além disto, o mundo inteiro oferece-lhe ao olhar um espectáculo grandioso, inesgotável e multiforme. Tudo se lhe desvenda como a permanente criação dum mundo novo. Mergulhar por ele além, à aventura, desentranhando-lhe os mistérios e os tesoiros é um desafio irresistível. Às vezes a promessa de arroubamento é tão deslumbrante que o adolescente é arrastado a riscos e perigos mortais: é o montanhismo, o alpinismo, a espeleologia, a canoagem, a vela, a natação, às vezes nas circunstâncias mais arriscadas e insensatas (os mortos anuais das nossas praias são em geral de gente nova, à roda deste período de desenvolvimento). Mas a correria extasiada dos adolescentes percorre ainda outro domínio, o da arte. É então que se enraíza e expande ao máximo o gosto pela leitura: devorar romances ou poesia em cadeia, até ao paroxismo, não é incomum. A redescoberta da música é tão marcada que ao nível do mercado há toda uma indústria que tem esta faixa etária permanentemente em mira e que é de longe a mais rentável, a mais repetida e solicitada, de maiores vendas, de mais concertos, de maior publicidade. Desenvolve-se igualmente o gosto pelo cinema, o bailado, as exposições, os festivais: o adolescente tende a devorar tudo. Mete-se em viagens: descobre e saboreia tanto a paisagem como o monumento, desfruta o artesanato como a gastronomia regional. Tudo são maravilhas de descoberta: é o homem das sete aprtidas para todos os páramos ignotos. Quando retorna da viagem mágica, o adolescente vem de olhos fulgurantes e coração a transbordar. Então conta e reconta as aventuras, revive e partilha quanto o exaltou aos quatro ventos: é o arauto do outro mundo que nos traz as novidades do além que o entusiasma. Ingénuo e generoso, sublime zé-ninguém, transfigurado e nu, inerme e heróico, contradição viva a sonhar o infinito com pés na lama e asas por nascer – eis o adolescente ao baixar do seu Tabor com as tábuas da revelação nos olhos e no coração.


No outro pendor, o da constatação do nada dele perante isto, o arroubamento é tão envolvente que o aguilhoa para crescer até ir-se igualando ao infinito com que se mede e sonha em todos os domínios da vida: nos sentimentos, nos afectos como nas escolhas da vontade; no entendimento e no desafio intelectual de descortinar o impossível; na amizade e no amor onde aposta reproduzir a eternidade. Isto implica uma generosidade inconcebível, um espírito de sacrifício inaudito. O resto da vida pode e tende a ser a permanente retomada dos ideais aqui sonhados, no intuito de os incarnar em projectos que lhes emprestem carne e sangue na densa trama da vida pessoal e colectiva. Ora, nesta caminhada vai o adolescente sofrer a constante desilusão da distância intransponível entre o sonho e a realidade. Se a exasperação por vezes o acomete, levando-o a descrer dele próprio, a abandonar a luta, de braços caídos, em intolerável angústia, o normal e sadio é a breve trecho retomar a lide com fúria renovada, forcejando abnegada e sacrificadamente por reconstruir a pequenez dele à medida da imensidão entressonhada. Isto arrasta-o porventura a escolhas aridamente espartanas a que se submete voluntariamente em nome do ideal que o empolgou. Só não ocorre este perfil quando houve trauma e consequente bloqueamento do desenvolvimento ou então se, apesar de tudo, o detectamos com refracções, desvios, tergiversações incomuns e contraditórias deste padrão, é que estão acontecendo eventos perturbadores da espontaneidade do itinerário, solicitações ou pressões que lhe distorcem os empenhamentos e desperdiçam as energias.


É de ter em conta, entretanto, relativamente a todo este aspecto do perfil, que o adolescente, na imparável corrida de deslumbramento em deslumbramento, de descoberta em descoberta, jamais logra ser persistente, elaborar e levar ao termo qualquer projecto consistente, principalmente se tiver de ser duradouro. Tudo tem de ocorrer sob o signo do transitório e fulgurante. Aqui pode ser heróico com a maior das naturalidades. A tarefa mais simples que implique continuidade interminável, por mais significativa que se lhe antolhe para a aproximação à plenitude visada, em breve ficará ignorada definitivamente. Os dois aspectos do perfil da experiência-vivência da infinitude entremostrada ocorrem, no domínio emocional, concomitantemente, como relâmpagos obumbrantes que instantaneamente encegueiram e iluminam a vida inteira. Desencadeiam uma tremenda trovoada na vida adolescente e, logo após a tempestade, vem a bonança, fica tudo calmo como se nada acontecera, até à imediata repetição, em novo domínio, de igual evento. O fulgor de cada surpresa tende a apagar o da anterior; a descoberta da própria pequenez não tem tempo para desencadear um crescimento duradoiro porque logo a seguir é perturbada por nova revelação, a provocar inesperadamente a sensibilidade adolescente a reagir em consonância.


Isto é difícil de tolerar aos adultos, para quem é tendencialmente um indício de irresponsabilidade. Com efeito, na maturidade, a pedra de toque é a persistência e a coerência. Ora, a marca adolescente é justamente o inverso: não é nem anormal nem negativo. É o perfil desejável, comum e salutar deste período etário. De algum modo, a adolescência tem de esgotar o manancial das maravilhas a fim de, posteriormente, lhe vir a ser viável obrigar a crescer a vida e a personalidade à medida delas. Por ora jogam-se apenas as primícias, tudo são tendencialmente meros prenúncios que o futuro se encarregará de joeirar, confirmando uns e eliminando outros do projecto do adulto que resultará do actual gérmen em desenvolvimento.




A ceitação social


O adolescente procura verificar se logra ter sucesso no meio. Diz-lhe muito ser bem acolhido ou passar indiferente ou ser repudiado. Qualquer destes efeitos desencadeia nele ou uma onda de euforia, ou uma decepção que por vezes devém ansiosa, ou o acabrunhamento, porventura raiando o desespero. Com isto, ele procura vários objectivos.


Por um lado, pretende conferir até onde conseguiu identificar-se com os ideais que propugna, vai pôr à prova a lonjura entre sonhar, querer e ser. É que doravante o mero idealizar é-lhe insuficiente, já não cai no logro de confundir os dois níveis, como durante a puberdade. A adolescência é a idade de testar tudo: vai tirar a prova da credibilidade do ideal, tanto pela respectiva exequibilidade germinal na vida prática, como pelo impacto que isto lhe acorda no íntimo ou que provoca nos que o rodeiam.


Por outro lado, o adolescente pretende descobrir até onde logra acatamento social em cada aspecto da vida que experimenta. Com isto vai revelar se há convergência ou discrepância entre o que sente e o que desperta em outrem. Por aqui apura critérios para escolhas posteriores: descortina o que mais lhe agradaria mas não é socialmente acatado ou tolerado ou rentável, bem como o que, não o atraindo ou gratificando-o menos é, entretanto, fortemente recompensado pela comunidade ou pelo mercado. E entre estes extremos irá identificando áreas, desempenhos e vivências que encontram maior ou menor correspondência dentro e fora dele. Todo este jogo é fundamental porque lhe vai fornecer informação vital para as definições e escolhas do período etário posterior, para operá-las com o maior conhecimento de causa possível e o equilíbrio e responsabilidade desejáveis.


Finalmente, o adolescente procura, ao dar a cara, descobrir com que conta: o que lhe é colocado ao dispor, quais as aberturas, facilidades e recursos do meio, que leque de oportunidades e alternativas lhe oferece no domínio profissional, do lazer, da convivialidade; igualmente pretende verificar, no domínio do amor, quais são os companheiros disponíveis para uma eventual relação quando o pretender, quais o atraem, quais ele atrai, bem como, no encontro e desencontro de atracções, quais os graus respectivos e que outros aspectos constata que serão de ter em conta, como a formação do carácter, o tipo de personalidade, os ideais de vida, o estatuto socioeconómico familiar e assim por diante, relativamente a cada potencial candidato.




A durabilidade afectiva


Durante a adolescência, com a estabilização emocional que já ocorreu durante a puberdade, mais a identidade pessoal reconstruída, novo factor de acalmia de ansiedades e inibições, a vida emotiva torna-se menos violenta e os afectos tendem a tornar-se mais duráveis gradualmente. Vêm mais à tona do quotidiano os níveis profundos da sensibilidade e já o indivíduo não é doravante um joguete de emoções fortes e incontroláveis, até porque desenvolveu força de vontade bastante para dominá-las e encaminhá-las. Agora pauta-se predominantemente por sentimentos e comprometimentos afectivos assumidos para durar, em que já combina o sentir, o querer e o agir, medindo cada vez mais os efeitos e as responsabilidades nele e nos demais, tendendo a optimizar cada relação intersubjectiva.


Apesar de tudo, porque a vida afectiva ainda reveste no período forte intensidade, as experiências tendem a ser vividas segundo a tónica do entusiasmo. As relações humanas de cotio e os eventos do mesmo tipo podem facilmente passar despercebidos ao adolescente, em virtude da forma como ainda é cativado por quanto lhe provoca euforia: isto é tão impositivo e ocorre vulgarmente com tal frequência e facilidade que obscurece e apaga do horizonte da atenção qualquer outra vivência, mormente as de rotina, emotivamente neutras. A intensidade afectiva média deste clima de vida é, entretanto, eminentemente individual e variável em extremo de caso para caso.


Isto significa que, quando, durante a adolescência, a angústia se torna dominante, algo vai mal. É o indício de que algum conflito patente ou latente (interiorizado) se mantém indefinidamente sem ultrapassagem ou então de que a personalidade está a sofrer um esmagamento permanente por qualquer factor insuperado, eventualmente até inidentificado. Em qualquer caso, é um indicador de que se tem de intervir para resolver o problema e libertar a espontaneidade do desenvolvimento.




A confusão da emoção com o facto


Quando algum evento provoca ao adolescente uma emoção exaltada, é comum ele perder a lucidez: tende a confundir ambas as coisas, o estímulo e a resposta, sem se dar conta de que à invariabilidade do facto pode corresponder uma gama muito variada de ecos subjectivos, com as respostas correspondentes a divergirem de indivíduo para indivíduo. Ora, a falta deste perspectiva relativizadora leva o adolescente a correr o risco de absolutizar o julgamento dos acontecimentos, o valor que lhes atribui, a atitude que perante eles toma. Cai então, com facilidade, no dogmatismo, positivo ou negativo: ali mora a salvação eterna ou, ao invés, é a perda da humanidade.


Ora, esta dificuldade que pontuará tendencialmente os momentos de forte reactividade emotiva leva-o, a breve trecho, a cair em contradição. Ele vai, não tarda, quando a sensibilidade acalmar, constatar que já não encontra fundamento para tão marcadas posições tanto ao interpretar e valorar como ao responder, ao agir em conformidade. Por vezes, pior ainda, vai mesmo transgredir na prática (quando não em nova fórmula teórica) o que há pouco propugnara intransigentemente com outro sentido e valia. Ainda quando o consegue como fruto de ter caído em si, há pelo menos uma tomada de consciência prenunciadora dum distanciamento, duma objectividade futura para onde decerto se encaminhará com o repetir da experiência, para ter de evitar a reiterada queda no erro. Este é o itinerário do desenvolvimento de tal aspecto durante o período inteiro. À partida, porém, o perfil dominante tenderá a ser outro. O adolescente cairá num dogmatismo para, pouco depois, o ignorar porque nova experiência exaltante o empolgou e agora é nesta que a mesma atitude desajustada ocorre e assim sucessivamente.


A mudança deste padrão repetitivo e inconsciente da respectiva incongruência para o da tomada de consciência da insustentabilidade lógica dele e da sucessiva contradição existencial a que o arrasta, ora defendendo uma panaceia universal, ora outra eventualmente contraditória daquela, ou, ao invés, metendo o diabo no inferno por motivos contrastantes, tal mudança é gradual e trabalhosa. Sempre que haja uma conjuntura traumática (e bastará para tal o repúdio adulto sistemático e punitivo do primeiro padrão, inultrapassável no princípio da adolescência) bloqueia-se tendencialmente o desenvolvimento neste estádio e o indivíduo pode ficar pela vida fora a repetir automaticamente o mesmo, saltando de dogmatismo em dogmatismo, de fanatismo em fanatismo, de seita em seita, sem lograr jamais libertar-se da teia. É o que alimenta permanentemente os agrupamentos religiosos, místicos ou ideológicos minoritários e que mantêm dentro deles uma visão constantemente apocalíptica em que só os correligionários são os puros e tudo o mais é o dilúvio, refechando-os sempre mais no círculo vicioso da intransigência, isolacionismo, intolerância e permanente condenação de tudo e todos. Os adeptos vão saltando duns para os outros sem se preocuparem com as excomunhões mútuas, mas comicamente repetem-nas sempre a partir donde estão sem repararem que a seguir recaem na própria condenação ao mudarem de dogma. Jamais se libertam deste círculo infernal. São adolescentes retardados a vida inteira, enquanto não mudarem deste perfil para o de caírem neles próprios e relativizarem juízos, valores e atitudes. Isto, porém, implicará remover o trauma, recalcamento ou frustração que os bloqueou neste período etário, porque aí é que reside o obstáculo intransposto que os retém prisioneiros lá atrás, numa época já porventura muito distante da actual idade cronológica.




O conflito de gerações


Contrariamente à crença dominante na nossa cultura, o conflito de gerações não é inevitável. Há etnias e regiões do planeta onde tal não ocorre, como nalguns arquipélagos do Pacífico. No mundo ocidental e entre nós em particular, o choque prenuncia-se à entrada na pré-puberdade, vai-se cavando ao correr da puberdade e estala habitualmente de modo irremediável durante a adolescência, prolongando-se pela juventude além até à inteira autonomização do jovem pelo casamento e profissão. O termo mais comum do contencioso é um mútuo rompimento, com feridas que às vezes levam anos a cicatrizar, quando não se prolongam a vida inteira num relacionamento tenso e mais ou menos avesso entre gerações.


O que provoca isto já desde períodos etários anteriores é sempre um erro crónico, generalizado, imemorial e fortemente radicado em nossa cultura nos estratos adultos: a rigidez com que encaram e pretendem impor valores e padrões comportamentais, mormente na vida familiar e nas relações sociais. Isto vai desde a obrigação de ir à missa dominical na aldeia (mesmo quando o pai ostensivamente a não respeita), até à de cumprir ritualmente o horário da ceia (e doutros repastos), até um certo tipo de trato mútuo convencional e frio e que foi sacralizado, até a gestão dos tempos livres: “Ainda não fizeste os deveres de casa? Não vais ver hoje televisão! Não falas agora com os teus amigos!”


Isto reveste sempre duas características inaceitáveis para o adolescente: primeiro, é um dogma, tornado arbitrariamente intocável, irreversível; segundo, leva o adulto a tratá-lo indefinidamente como criança, prolongando pelos anos fora a presunção de irresponsabilidade, de falta de padrões, de incapacidade para tomar consciência, de ponderar e saber escolher que é típica daquele período mas há muitos anos foi já ultrapassada. É a tentativa de infantilizar indefinidamente o adolescente.


Quando os mentores da educação tomam esta atitude, como podem esperar outra em resposta? São dogmáticos? Os adolescentes tornam-se igualmente dogmáticos, enfrentando-os nos mesmos termos, a partir dos seus redutos que são contrários, antes de mais (e muitas vezes apenas) para protestar e tentar vergar a intolerância insensata do dogmatirmo. Como são pagos na mesma moeda, os adultos nem deveriam estranhar nem protestar: de facto atingem aquilo que a educação primeiro visa – transmitir a cultura já adquirida e seus padrões comportamentais. Uma vez que as atitudes cegas, fanatizadas são por eles promovidas como o que há de melhor, os filhos assumem-nas com toda a precisão, tornando-se igualmente intolerantes. Fica, pois, garantida a transmissão fiel da tradição. Porque se revoltam e agridem? Deveriam, ao invés, encher-se de orgulho. Evidentemente que, para todo o Ocidente, o mal-estar aqui decorre do constatar, jamais assumido colectivamente, de que estas sacralizações, sempre arbitrárias e subjectivas, conduzem inevitavelmente ao massacre mútuo: isto é fatalmente uma guerra de religiões (mesmo laicas) que parece nunca mais acabar em nossa cultura. Ora, o caso só tem duas alternativas: ou se matam todos mutuamente ou então abandonam as falsas certezas e admitem relativizar crenças e escolhas, acolhendo a legitimidade doutras e a de o próprio ir sempre mudando, no intuito de melhorar indefinidamente a vida inteira.

Enquanto esta via se não generalizar pela colectividade em todos os estratos comunitários, continuará entre nós o conflito de gerações, como dominante social. Será inelutável. Mas não é senão fruto duma civilização com valores e padrões relacionais dominantemente distorcidos durante o período etário da adolescência, factor permanente de perturbação, de perda da alegria de viver, da qualidade de vida para a colectividade inteira. Tem, porém, dois efeitos sobre os adolescentes em que a perda é maior. Primeiro impede-os de desenvolver-se, desaproveitando o ritmo espontâneo da vida, e desgasta-lhes energias nesta permanente guerra de nervos, sem lhes permitir investi-las na construção deles próprios e na descoberta e testagem do mundo que os rodeia e do relacionamento a ter com ele. Estes é que deveriam ser os campos predominantes de empenhamento para um desenvolvimento equilibrado durante a adolescência. Impedindo-o, no limite pode-se, com o mecanismo da culpabilização, provocar um bloqueio completo e o indivíduo ficará condenado a ser um imaturo adolescente até à morte, com desajustamentos existenciais cada vez mais profundos e generalizados, à medida que a idade e o trauma alastra, inçando todos os domínios da personalidade. Mas não é menos grave que isto o facto de ser tão eficaz a transmissão do dogmatismo para a novel geração: vem garantindo que o conflito de gerações se tenda a eternizar na cultura ocidental, passando de pais a filhos com um rigor de pesadelo há séculos imemoriais.


Quando os adultos flexibilizam valores e atitudes, quando se dispõem franca e coerentemente a integrar e rever existencialmente os ideais por que se pautam, quando relativizam humildemente o que eventualmente creiam como o mais sagrado e passam a tolerar que o adolescente escolha outros caminhos, novas prioridades éticas e assim por diante, sem fechar o diálogo e o esforço de compatibilização ou de conciliação, caso a caso, domínio a domínio da vida, quando tal é o perfil jamais ocorre o conflito de gerações como estrutura fixa e permanente de desenvolvimento a partir da adolescência. Ao invés, os conflitos tendem a ter uma função criadora construtiva, solidarizando mais e mais as gerações no respeito mútuo das diferenças e na permanente permeabilização das achegas de ambos os lados, numa tensão dinâmica animada, cheia de novidades, de inesperados e prendas, com uma conotação afectiva predominantemente positiva, pontuada por constantes momentos de alegria e até de entusiasmo. Neste perfil, tanto adolescentes quanto adultos sentem-se mutuamente gratos pela ajuda constante que partilham, estreitam laços e tornam o convívio comum permanentemente gratificante, mesmo quando os acertos mútuos são complicados, acirram a discussão e demoram tempo e paciência.




A diferença de sensibilidades


Um aspecto particular pode vir a dificultar o relacionamento do adolescente com o adulto: a diferença de sensibilidades. Isto já provocou a ruptura na pré-puberdade e levou o púbere a caminhos próprios em busca da identidade dele mesmo. Agora, porém, uma vez esta refeita, a adolescência dá conta de que o resultado final não é igual ao do adulto. Se não noutros domínios (e em todos os contrastes serão notórios, mas devem-se em geral à diferente maturidade e estatuto social – pelo menos assim o lerá tendencialmente o adolescente), no âmbito emotivo há ainda um abismo entre a intensidade com que emoções, sentimentos e afectos são aqui sentidos e o que é verificável durante a adultez e mais ainda na velhice. Pode ocorrer que não se encontrem paralelos. A partir daqui os mais novos tenderão a cortar as pontes. Não podem compreender a sensibilidade adulta, ela não se lhes antolha idêntica à deles, é como se fora doutra espécie, doutro mundo. Pode suscitar-lhes, quando muito, curiosidade e estranheza. Não será, de qualquer modo, nada de particularmente atractivo. Daqui até cortarem os elos com o adulto é um passo muitas vezes dado. Isto, entretanto, não tenderá a ser agressivo, antes é fruto de se encararem como radicalmente diferentes, tanto que já não descortinam interesse em manter o relacionamento. Não havendo qualquer identidade com o adulto, não há motivo para nenhum encontro, não haveria nele de que tratar nem nada para partilhar, ficariam ambos mudos, bloqueados no silência, numa grande incomodidade. Isto ocorre de facto demasiadas vezes. O desajeitamento mútuo nas tentativas falhadas de aproximação provoca um mal-estar que é sentido de ambos os lados, pelo que a ausência dum diálogo profícuo acabará a breve trecho na renúncia a ele, por o constatarem inviável. Será, finalmente, a ruptura. Daqui para diante não haverá mais pontos de encontro e, mesmo convivendo no lar, serão dois estranhos irremediavelmente.




A maravilha do amor


O adolescente vive a descoberta do amor também como a maravilha das maravilhas, com a exaltação ao absoluto típica do período. Esta idealização, evidentemente, não é compatibilizável com a realidade dele próprio nem com a da pessoa amada. No caso dele, a constatação do distanciamento é a de que é muito inseguro ainda, tanto dele próprio como dos afectos e respectiva durabilidade, como ainda dos padrões relacionais adequados a tal experiência. Isto frustra tendencialmente o adolescente, deixando-o por vezes desnorteado e suspeitoso dele próprio.


A incongruência tende a revestir o perfil do sonho de dar-se até à morte, com heróica generosidade, como ocorre no período etário anterior, mas agora, porque o convívio é intersexual, os encontros afectivos dão-se, os namoros encetam-se com muito mais à-vontade e frequência. Ora, quando acontecem, então é invariável a tónica vir a ser, em concreto, a do egoísmo da relação; justamente a contradição do idealismo infinito de partida, quando a paixão desperta. Isto gera, quando constatado, até por destruir a maioria dos encontros, uma angústia irremediável no adolescente, normalmente misturada ao amargor das derrotas amorosas.


Um recurso comum no período, quando a mágoa é duradoira e fere muito, é o refúgio no domínio restabelecedor da estese, mormenta no aspecto da criação artística: o primeiro romance, livro de poemas ou peça de teatro, no campo literário; a primeira canção ou composição, no âmbito musical; como ainda os primeiros quadros na pintura – ocorrem habitualmente durante esta fase etária. Combinam-se nisto tanto as compensações e sublimações de amores frustrados como a sensibilidade exaltada a quanto manifeste o irresistível apelo do Belo elevado ao infinito.




A libertação sexual


A civilização ocidental vem, nos últimos decénios, liberalizando cada vez mais o erotismo e a sexualidade. Isto, por um lado, enquanto destroi os tabus desta área vital, é benéfico porque permite abordá-la, assumi-la com lucidez e orientá-la voluntariamente, de modo amadurecido. Por outro lado, a forma que tendencialmente reveste na cultura dominante levanta problemas suplementares aos adolescentes e jovens, para um desenvolvimento equilibrado e optimizador das possibilidades e recursos que o meio lhes coloca ao dispor. Efectivamente, a liberalização sexual no geral provoca desnorteamento nos indivíduos e nas formações sociais: do dogma intocável, do tabu de que se não pode falar para a liberdade, neste domínio, vai mais do que o trânsito do silêncio à palavra. É que esta é a da opinião, do valor divergente, veículo dos comportamentos de ruptura e da multiplicidade deles, ainda por cima todos defensáveis, exequíveis, praticados. Para o vulgo, isto não se diferencia do relativismo consumado: já não há mais escolhas, padrões, ideais, regras – tudo é igual, tudo vale o mesmo, não há como distinguir construtivo e deletério, virtude e crime. Então ninguém intervém, não há medidas relativamente a nada, não se tomam posições, abandona-se o campo ao deus-dará.


O adolescente anda de olhar arregalado a admirar o mundo. É um aventureiro à descoberta. Ora, o campo do amor, do erotismo e da sexualidade é terrivelmente atractivo. Se aqui desapareceram as normas, se vale tudo e tudo estiver bem, ocorra o que ocorrer e como quer que seja, então ele pisará múltiplos riscos cheio de boa fé e por culpa da irresponsabilidade adulta, franja mentora da cultura dominante. Os menores perigos serão do foro da saúde física, os contágios das doenças venéreas e da sida. Pior é o que, emocionalmente e alastrando à personalidade inteira, vai advir das incompreensões do que está em causa. O adolescente entrará pelo amor à ligeira, pelo erotismo e pelo sexo em busca dum prazer – e ignorará por inteiro o jogo da reciprocidade. Vitimará sem remédio os parceiros que não se coloquem em idêntica atitude e sofrerá no ressalto as consequências, pois os pisados sentir-se-ão no direito de o justiçar e puni-lo-ão severamente na mesma moeda ou pior ainda. As vindictas privadas e familiares por motivos destes continuam enxameando jornais, quando atingem foros de gravidade que o justifiquem. Quando são de menor monta pontuam o nosso noticiário familiar mútuo do quotidiano, quando lidamos com idades destas. Mas as violações virão logo atrás disto e serão mútuas muitas vezes. Ocorrerão a vários níveis: primeiro é a violência nas atitudes e nos actos, forçando o outro a ser meio de prazer contra vontade, qualquer que seja o grau desta distorção (e não é apenas o que atinge o foro criminal que aqui conta, há níveis embrionários disto muito mais abundantes); depois é a violação da própria interioridade, das complexas relações entre a afectividade, o erotismo e a sexualidade, mesmo de quem se serve doutrem, até com mútuo consentimento, como na prostituição. O adolescente sofre um choque inevitável quando fornica a frio, sem sentimentos, como quando os tem e eles são ignorados pelo parceiro. Tudo isto tende a gerar impotências e frigidezes mais ou menos graves, fruto duma frustração inassimilável, incompreensível para o adolescente, uma vez que é incompatível com o lugar-comum generalizado na cultura, segundo o qual qualquer experiência aqui estaria tão certa ou errada como qualquer outra. Se assim fora, jamais poderiam ocorrer traumas tão violentos, paixões tão aniquiladoras como as de alguns casos-limite de que o adolescente é vítima hoje em dia. Isto pode levá-lo a um cinismo afectivo definitivamente.






Optimização pedagógica




O gosto pela descoberta e aventura


O gosto pela descoberta e aventura do adolescente é muitas vezes encarado pelos educadores como leviandade, irresponsabilidade ou um risco inútil. A acusação de ligeireza é oriunda daqueles que projectam a maturidade adulta como normativa para tudo e para todos. Esperam que as próprias crianças nasçam logo ponderadas como um quarentão. Irresponsável é a adolescência para quem pauta a vida pela eficácia produtiva ou relacional – com efeito, esta fase etária é de compromtimentos fortes mas transitórios, fogos de palha que ardem espectaculares um instante e logo se evolam em poalha incongruente. Em contrapartida, os educadores ansiosos, normalmente, por autodefesa, muito conservadores, encaram os adolescentes como inutilmente arriscados, a tentarem trilhos inéditos inseguros quando por sendas consagradas de antanho tudo lhes ficaria a contento, sem perdas nem danos. Os medrosos não entendem jamais o apelo do mundo novo, o encanto do infinito que pontua de estrelas os sonhos dos pupilos.


A primeira medida educativa é ratificar como bom e equilibrado, acolher e estimular com os melhores meios ao alcance, aquele gosto do adolescente por descobrir, ir à aventura. É que esta é a idade de dar a volta ao mundo. Em três anos, o educando precisa de assegurar-se das possibilidades que o meio, o País, a humanidade lhe ofertam, como reage perante cada caminho de vida assim entreaberto e como é nele acolhido pelos respectivos mentores. Precisa de testar se é bem acatado pelo outro sexo ou rejeitado, quem nele o atrai mais e menos e a que condições além desta em cada caso deverá atender. Trata-se de experimentar, pôr à prova, elaborar o rol das oportunidades, ir riscando entre todas as hipóteses o roteiro mais gratificante do porvir a empreender mais tarde.


É pedagogicamente erróneo exigir ou pressupor que o adolescente escolha de vez em qualquer domínio da vida. O definitivo é negativamente precoce nesta idade. Aqui devemos pretender e respeitar o fito de apenas reconhecer e pôr à prova. Isto é incompatível com projectos duradoiros e pior ainda para a vida inteira. Nem na escola, em cada programa, nem nos relacionamentos, mormente os mais afectivos, nem nos divertimentos. Tudo, para ser equilibradamente formativo, tem de assumir o papel duma sensibilização, duma informação genérica, duma testagem de aptidões - nada para ir ao fundo, nem para durar, nem para empenhar a vida. Tudo isto ficará para mais tarde. Agora serão três anos para o adolescente dar conta do que há dentro e fora dele e de que modo jogam estes dois vectores. Não é tempo demais, uma vez que as escolhas definitivas da vida que ocorrerão durante a juventude se apoiarão nestes dados. Quanto mais e melhor forem recolhidos e ensaiados, tanto mais poderão alicerçar com firmeza e adequadamente os anos vindoiros dos adolescentes.




A distância entre o sonho e a realidade


É lenta e difícil a conquista da objectividade. Quando as emoções são apaixonadas, o peso da subjectividade é tanto que aprisiona o educando na confusão entre o facto ocorrido e a reacção emotiva que desencadeou dentro dele. Este obstáculo adolescente requer do educador um cuidado permanente em clarificar perante aquele, no dia a dia, persistentemente, a distância que medeia entre o sonho e a realidade, bem como a do evento ao sujeito que o enfrenta.


Isto significa uma abordagem a dois níveis. Primeiro, em palavras, no momento em que o educador constate que, ante um facto qualquer, está ocorrendo a dificuldade de distanciamento ou a confusão entre a interioridade e o mundo exterior. Depois, é a prática do pedagogo que em actos, no convívio quotidiano e na relação pedagógica, dentro e fora da sala de aula, tem de viver cada acontecimento assumindo correctamente a diferença entre o sonho e a realidade, entre o sujeito e as coisas.


Sempre que o adolescente embarcar numa utopia no trabalho, no amor, na escola, no desporto, ne religião... - o pedagogo terá de andar atento, primeiro para o alertar para o facto de que o infinito é atractivo mas inatingível, muito embora seja indefinidamente aproximável. Aqui o educando, ofuscado pelo fulgor do ideal, tenderá a fazer orelhas moucas. Num segundo momento, porém, quando a resistência do real, quando a distância infinda, a traição do sonho se impuser, irrefragável, então haverá o risco do desespero, de ele abandonar tudo e cair na descrença ou na revolta. Retomar com ele a caminhada, com uma leitura realista da nossa condição de vida e com uma atitude coerente com o estado de peregrinos do eterno mas dele por natureza separados, é que permitirá gradualmente ao adolescente encontrar a justa medida do encantamento-envolvimento que à partida tenderá sempre a exagerar expectativas e viabilidades, mergulhando-o depois na frustração e tornando-o céptico, descrente da vida, de tudo e de todos. É esta autocastração final que urge evitar por um olhar atento, uma palavra e um gesto lúcidos, equilibrados que apenas o adulto lhe poderá pôr ao alcancce.




Auscultar a afectividade


O adolescente anda saboreando a vida em todos os domínios onde a capta. Nisto, saboreia-se a ele próprio em quantos ecos íntimos nele acordam todas as aventuras em que se envolve.


Neste domínio, o educador deve ratificar a norma de auscultar com cuidado e demoradamente a afectividade, em busca dos entrosamentos das camadas da sensibilidade (emoções, sentimentos, afectos e vontade que os vai gerindo e ordenando), a fim de isto ser o campo de cultura privilegiado dos valores, das prioridades entre eles e dos projectos vindoiros de vida. Aqui a tradição e a cultura dominante que nos lêem como racionais terão de ceder o passo a esta outra matriz originária e criadora do que há de humano no homem, maleabilizando-se e relativizando-se. A adolescência é a idade privilegiada para sonhar inovamentos. Urge dar-lhe meios para tal advir do modo mais viável, com o maior fundamento atingível. Ora, este é justamente o de auscultar atentamente o próprio íntimo, em toda a gama da afectividade que despontar. Acolhê-lo como bom e desejável é a primeira segurança que o educador tem de oferecer ao educando.


Depois, cuidadoso, deverá mesmo ir mais longe. Acompanhará o exercício de viver e auscultar do adolescente. Estimulá-lo-á para ele poder gradualmente escolher prioridades de ser, com a maior consciência atingível de todas as implicações. Isto obrigará o educador a vencer a tentação de impor os valores e padrões comportamentais dele próprio ou da cultura dominante, levando-o permanentemente a relativizá-los, reformulá-los, reajustá-los. E nisto é o pedagogo que terá de mudar, antes de mais, no âmbito do perfil dominante do adulto em nossa cultura por onde terá de pautar-se. Este é cronicamente desajustado para um adequado relacionamento e estimulação da adolescência (e duma vida equilibrada em geral, enquanto sempre incompatível com qualquer dogmatismo, sectarismo ou fanatismo). Ajudar o adolescente neste domínio é aprender a ouvir com ele próprio o bater do coração perante cada paisagem da vida. Isto demora porque tanto os adultos como ele mesmo tendem a confundi-lo com os revérberos do que pelos anos fora vieram interiorizando do meio de convívio e da cultura. E desta alienação, quantas vezes jamais depurada nem melhorada, nos quedamos praticamente todos. Por aqui a adolescência pode ser uma lufada revitalizante. Urge pedagogicamente que a ajudemos a encontrar a convergência entre o inovamento que traz no imo e a tradição, nos fundamentos e ideais visados. Ajudar neste particular o adolescente é, porventura, salvar do atoleiro uma cultura inteira.


Com esta relativização dos valores e padrões próprios, o educador, ao vivê-lo e explicitá-lo ao educando, incarna como operá-lo na vida, solicitando concomitantemente do outro que ultrapasse o dogmatismo de opções, sonhos e idealizações, sob pena de se tornar cego e surdo a ele mesmo, no que a vivência íntima de mais inefável tiver. A flexibilização dos idealismos, com a permanente chamada de atenção às componentes do real que os relativizam ou lhes diminuem a exequibilidade, pelo menos de imediato, leva, portanto, não apenas à maturação deste domínio da personalidade, é também condição para ouvir-se, ficar atento às profundidades subtis dos abismos do íntimo. As absolutizações encegueiram e ensurdecem: passam a comandar os idólatras, jogando-os como marionetas. Roubam-lhes a alma e a vida autêntica, restando apenas simulacros rígidos delas, repetidos interminavelmente por estes cadáveres ambulantes. É desta morte antecipada que livra o adolescente um equilibrado acatamento da afectividade dele por parte do pedagogo.




Os excessos de arrebatamento


A primeira medida pedagógica a tomar perante o excesso de arrebatamento dos adolescentes é desculpabilizá-lo, quer ele seja entusiasta, quer agressivo. Isto implica que o educador o encare como natural no período, como rico de potencialidades, embora arriscado, valorando-o, portanto, positivamente. Depois deverá ajudar o educando a integrar objectivamente a vivência na respectiva fase etária, como ponto de transição para a posterior, acompanhando-a da permanente explicitação da contradição entre o sentimento e os factos, entre o momento exaltado e o anterior e posterior a ele que o não são. Com isto irá estimular a tomada de consciência da relatividade de todas as experiências-vivências por parte do educando, solicitando concomitantemente o crescimento do autodomínio, de modo a que, a prazo, ele encontre por si o ajustamento mais adequado a cada caso.




As incongruências


É um dos pontos mais constrangedores da experiência adolescente: a permanente incongruência. Há tomadas de posição contraditórias de dia para dia, amores eternos que mudam cada semana, valores absolutos tornados antivalores uma hora depois. A atitude adequada do educador é a da revelação permanente, de forma amistosa, ao adolescente, desta insustentável conjuntura, de modo a facilitar-lhe gradualmente a elaboração da síntese entre ele próprio e os projectos existenciais com que se envolve. Não deve esperar nem requerer e menos ainda impor que neste período a incongruência não ocorra. Isto culpabilizaria tendencialmente o educando. Ao invés, aceitando que isto é um custo do estádio, um efeito lateral desagradável e negativo dum trajecto de desenvolvimento em curso que não pode decorrer sem tais prejuízos, o educador colocará a meta desejada no horizonte e atingir. E tanto o fará para ele como para o educando, uma vez que será para este um estímulo reconciliador saber que à entrada da juventude é que tais incongruências deverão ficar definitivamente ultrapassadas. Na fase que transpõe, por muito que o humilhem e desautorizem ante ele próprio e os outros, são traço comum que a autocrítica, o esforço lúcido por conhecer-se e dominar-se a pouco e pouco eliminarão definitivamente. Importa ao educador justamente dar-lhe esta confiança e empenhá-lo em tal projecto, não deixando jamais que ele fique obliterado ou secundarizado. Daí que não possa distrair-se quando tais eventos ocorrem – terá de apontá-los sempre, infatigavelmente, até se dissolverem por o adolescente haver finalmente logrado dominá-los.


Há um outro vector a atender neste domínio. É que as contradições, nas emoções deste período, têm de considerar-se saudáveis: elas devem ser fortes e variar aos estímulos com toda a energia possível, por mais que resultem em choques de contrários. Este é o traço típico do estádio. Tem de ser assumido como tal pelo educador.


O que importa revelar ao adolescente para que ele o evite é que é mau ficar fixo e reincidir interminavelmente nas contradições, quer por sentimento de culpa ou por falta de perspectiva temporal (que ele tem de adquirir) ou por carência de análise profunda dos factos, com objectividade, por ficar obcecado pela violência dos sentimentos. Se aquilo é bom, isto é perverso e, a prazo, mortal para o desenvolvimento, em qualquer das modalidades que revista. Aqui é que o adolescente tem de empenhar-se para não se deixar aprisionar. No ponto de partida, não. É o traço emotivo típico da fase, não tem mal nenhum. Tende a jogá-lo, porém, incontrolado. É o sujeito, pois, que terá de recuperar o timão e retomar o rumo, persistente, aprendendo a criar tempo.




A estese e o esmagamento


A estese desempenha dois papéis na vida adolescente: deslumbramento da infinitude e sublimação do desespero.

No primeiro vector, o educador deve reforçá-la, enriquecê-la, diversificá-la: isto implica o bom acolhimento desta abertura ao belo, acatar o êxtase mas também dar condições, criar eventos, organizar a vida do educando de modo a propiciar-lhe o maior número de vivências e as mais variadas e ricas que forem exequíveis. Depois, compete ao educador ajudar a integrar a estese no quotidiano do educando, como sinal dum ideal inatingível que todos perseguimos de algum modo pela vida fora, quando nos pautamos por escolhas e rumos existenciais a partir de nós próprios, do que de mais autêntico sentimos e por que aspiramos. Neste pendor, o pedagogo reforça e estimula a função positiva da estese no adolescente que o projecta para a infinitude no sentido mais radical da existência, abrangendo-lhe duma assentada a vida inteira.


Na outra vertente, a estese serve para recuperar, por compensação ou por sublimação, as múltiplas situações de esmagamento emotivo em que tende a recair o adolescente. São primeiro os amores frustrados por desencontro afectivo, por inconstância dum dos parceiros, por traição de expectativas ou compromissos. Mas ocorre o mesmo quando o educando sonhou maravilhas dum projecto qualquer de trabalho ou de intervenção e tudo se afunda de repente. Ou ainda quando os amigos em que confiou falham ou violam a privacidade ou a confiança neles depositada. Por vezes apenas há uma angústia persistente, de origem indefinida, é a suspeita duma vida sem sentido nem rumo nem valia – um vazio existencial. Ora, em casos quejandos, o educador atento deverá provocar a estese libertadora no pupilo. Apenas ela terá potencial arrebatador, um aguilhão forte o bastante para obrigar o educando em desespero a retomar o voo pelas alturas.


Em qualquer dos casos, a via a seguir é levá-lo a contactar com as manifestações arrebatadoras da natureza: o mundo imenso vislumbrado do pico duma montanha, uma aurora na floresta, um poente no mar, um nevão num pinheiral, os meandros dum rio, entre contrafortes e vales... Jogá-lo no meio do espectáculo do Universo, numa noite enluarada ou pejada de estrelas, ou ante a violência duma tempestade, isto desperta-o para a incomensurável energia de que partilhamos, para o imenso de que fazemos parte, que nos chama, nos embebe e nos empolga.


Depois disto há o mergulho na arte, a de qualidade e sensibilidade que ao educando seja emocionalmente acessível, em qualquer domínio: o cinema, a música, o romance, a poesia, o teatro, a dança, a pintura... Importa descobrir aquela que lhe acorde o íntimo e lho projecte para outro mundo, que lhe restitua o dom de sonhar. Aí vai novamente principiar, rumo à terra prometida, a jornada interminável do caminheiro em que ele se tornará para o resto da vida.


Finalmente, depois de lhe dar a mão até aqui, propiciando-lhe a aventura pelo país das maravilhas, o educador, no topo, encaminhará o educando para a experiência de criar arte. Porque não tornar-se ele poeta, romancista, cantor, pintor, cineasta...? Porque não dar corpo ao sonho incarnando-o em formas que o comuniquem, que o partilhem consigo próprio primeiro e depois eventualmente com outrem? O adolescente viverá provavelmente a mais arrebatadora das esteses ao criar arte, por mais pobre que objectivamente resulte. Não é isto que aqui importa, mas justamente propiciar-lhe o contacto com o Belo em todos os níveis viáveis, emprestando-lhe agora corpo, materializando-o, muito embora à dimensão do educando. O pedagogo deverá apoiar todo este peregrinar pelos lugares santos que terminará no santo dos santos criador, muitas vezes refechado a vida inteira a sete chaves, mas de facto guardando selado o segredo mais inefável que poderá alimentar, inesgotável, uma vida inteira.




A vivência do amor-paixão


O amor adolescente deve ser acompanhado pelo educador, embora com discrição, para não ser intrometido nem violar a privacidade. É uma companhia que não deve ser imposta mas proposta ou, melhor, deverá ficar permanentemente disponível.


Ser o confidente destes amores não é muito provável, dada a preferência notória dos educandos pelos companheiros em que melhor se reencontram. De qualquer modo, algo daquela função competirá ao pedagogo atento. É que terá de ouvir interessado quanto o pupilo lhe confie, como desabafo ou como partilha de vida. O apoio pode ficar apenas nesta escrita amistosa que permite ao adolescente ir revendo as experiências-vivências que o gratificam e o desafiam, numa análise e rememoração que tendem a nunca esgotar-se. O formador terá de munir-se duma paciência inquebrantável para jamais se enfariar com a repetição permanente que o adolescente requer para esgotar a novidade, por mais velha e gasta que para o adulto vá ficando.


Neste contexto, importa acolher o novel amor de modo positivo, como um sentimento promissor de bom augúrio, embora arriscado e tanto mais quanto mais precoce for a idade. É vulgar a resistência da família e do meio às paixões temporãs, e mais ainda à das raparigas, com temor de gravidezes indesejadas. Esta perspectiva tende a tornar-se a breve trecho exclusiva, de modo que a conotação do amor que então é dada pelo adulto ao adolescente é a de que é uma experiência má, a evitar a todo o custo. Ora, a paixão é infinitamente atractiva e no arroubamento que desencadeia o adolescente não vislumbra nenhum mal, bem pelo contrário, é a promessa duma felicidade infinita que o afecto lhe traz, é a plenitude. Nesta contradição chocam educador e educando, aqui rompem as hostilidades: é o fim do relacionamento e de quanto de construtivo por ele deve ocorrer. Jamais a perigosidade deve inverter a leitura positiva que a vivência do amor em cada um deve merecer, fermento como é de quanto de maravilhoso pode projectar a vida. Ora, é sobre este fundo valorativo que tem de assentar o convívio do educador.


A partir desta base de acolhimeno, então importa prevenir o adolescente dos riscos do amor apaixonado em tais idades. O que preocupa os progenitores prioritariamente são os netos indesejados e inoportunos, sobrecarga para todos, normalmente tão insuportável que destroi os laços humanos em cadeia, primeiro os familiares e logo após os dos namorados, imaturos para aguentarem solitários tais responsabilidades. Este percalço afecta violenta e duradouramente as raparigas, estragando-lhes na maior parte dos casos definitivamente a vida no âmbito da realização afectiva. A punição social é neste domínio talvez mais violena, a prazo, que a familiar. Ou ela logra constituir um lar com o namorado, casando-se ou juntando-se, e tudo se pode recompor, ou fica abandonada e então o repúdio masculino em cadeia é inevitável na maior parte dos estratos sociais. Muito poucas logram em tal maremoto aguentar-se de pé. Aqui ainda é a família dela que tem um rebate de consciência e transige, arranjando um modus vivendi tolerável para todos os envolvidos. Quanto aos futuros potenciais namorados e a um eventual marido ou companheiro para a vida inteira, as hipóteses diminuem drasticamente. Com efeito, os rapazes rejeitam praticamente todos uma companheira com um filho ilegítimo e mesmo até sem ele mas já não virgem. É uma contradição do machismo: por um lado, eles pretendem possuir todas as mulheres atraentes; por outro, recusam, para uma relação durável, qualquer delas que haja alguma vez acedido àquilo. Esta duplicidade vivida pela generalidade do universo masculino, sendo eticamente indefensável, não é por isso menos real e pesada e demonstra ao vivo o mundo-fera com que tem de aprender a viver o adolescente. No educador recai a responsabilidade de o informar de tudo isto para ele poder assumir atitudes com pleno conhecimento de causa, evitando riscos inúteis e factos consumados irremediáveis. É importante que isto atinja tanto os rapazes como as raparigas, muito embora a violência fira desproporcionada e iniquamente muito mais estas do que aqueles. Urge, entretanto, em nome duma colectividade e cultura equitativa e solidária, que a corresponsabilidade por tais eventos seja comummente assumida, tanto no momento de preveni-las como no de remediá.las. Naste derradeiro aspecto importa denunciar à cultura dominante e aos adolescentes a perversão marialvista que alimenta a atitude do rapaz que, após ludibriar a rapariga, a abandona ao enxovalho público e a uma vida sem horizontes nem alternativas. É que isto apenas continua porque ele se vangloria e encontra quem lhe bata palmas e o engrandeça pela façanha destruidora cometida. Objectivamente é um crime, com o valor invertido por uma cultura fanatizada pelo tabu sexual. É tão estúpido nas franjas que a isto aderem e assim indefinidamente o alimentam, que nem reparam que a violação do preconceito, para ocorrer, teve de ser recíproca: tão responsável é o rapaz como a rapariga. Entretanto, enaltecem tanto mais aquele quanto esmagam esta. Este machismo cego perdura imemorialmente e são ainda muito escassos e ineficazes os remendos de libertação da mulher e de igualdade sexual que desde meados do século transacto principiaram a aflorar no País, quando atentamos na população em geral.


A ocorrência destes eventos, sendo o drama mais comum e de efeitos visíveis mais desastrosos, pode, de facto, prevenir-se por uma informação atempada, credível e eticamente defensável, exigente. Por outro lado, porém, o efeito mais notório duma gravidez indesejada pode doravante ser evitado por contracepção, acessível a toda a gente. Esta informação aos adolescentes é pertinente, acompanhada das demais, bem como da análise de quantos efeitos secundários ocorrem de cada escolha. Por exemplo, a marginalização da rapariga que tem relações sexuais com quem lhe agradar, mesmo prevenindo-se com contraceptivos, continua tendencialmente entre os rapazes, potenciais parceiros afectivos para a vida futura, porque a passam a requestar em bicha como uma prostituta privativa e com tal estatuto a divulgam e correm de mão em mão, não a aceitando então a nenhum outro nível de relacionamento. As escolhas, entretanto, têm de ser feitas e os riscos minimizados e combatidos. O educador deve manter o olhar atento sem policiar, apenas para não lhe escapar nenhum dos elementos que devem ser ponderados pelo adolescente ao encaminhar a vida dele. E jamais nisto deveria ser substituído por ninguém: o ideal é que o pedagogo e o pupilo cheguem sempre a consenso acerca do rumo a dar a cada evento do quotidiano e a cada projecto.


Em geral, porém, o educador alertará o adolescente para o risco de ser imponderado ou de ser vítima da imponderação doutrem. Isto, a dois níveis. Primeiro, por falta de experiência, neste período etário é comum não se lobgrar conhecimento de todos os factores a pesar antes de escolher qualquer caminho. Depois, a força dos sentimentos tende a levar a transgredir as melhores intenções e projectos, por falta de autodomínio bastante e por dúvida generalizada a todos os fundamentos e valores quando os adolescentes se confrontam com os factos e o inesperado das respostas emotivas.


Além disto, é vulgar a inconstância durante a adolescência. Os amores mais firmes baqueiam, neste período, ao primeiro inesperado ou contratempo. Urge que o educador informe disto o educando, de modo que ele pondere se é de empenhar-se tanto quanto o afecto solicita ou se não será mais prudente não se envolver a fundo, antes de se pôr à prova e dar tempo ao tempo, para verificar se a conjuntura merecerá de facto confiança por parte de ambos os amorosos. Para descobrir se a relação sobrevive, se o atractivo mútuo se manterá, urge não ceder ao primeiro impacto adverso, mas igualmente não correr atrás das emoções, encegueirado. O educando terá de lutar para manter a lucidez e aprender a pôr-se à prova e aos sentimentos dele, bem como aos do parceiro. O comum é que a testagem comprova que não há nem consistência de afectos nem condições de relacionamento em que valha a pena apostar. Prevenir disto o educando vai ajudá-lo a superar as decepções e a não ter de andar depois a recorrer a remediações por ter sido inadvertidamente confiante em demasia.


A desatenção é igualmente comum durante a adolescência. O olhar anda polarizado por sucessivos encantamentos. Ora, o do amado é apenas um entre muitos. Quando ele está à espera de ser correspondido depara pela frente com o alheamento do parceiro, hipnotizado por novo feitiço. Se isto fere um dos apaixonados, não tarda é o outro a queixar-se do mesmo. Importa que o pedagogo alerte o par para esta condição típica do período etário. Ela é boa nela mesma, o adolescente precisa de correr o mundo extasiado e de não se fixar em nenhuma das maravilhas com que depara, nem que seja a do par por que se apaixona. Por muito que fira os intervenientes, é isto que é a verdade e o rumo do enriquecimento e equilíbrio da personalidade durante o estádio. Deverão, pois, andar os educandos alertados para este perfil, de modo a poderem enfrentar e encaminhar a vivência a contento, com o apoio e o conforto do educador.


Finalmente, o amor adolescente confronta-se com uma tendencial auto-afirmação orgulhosa por parte de cada um dos apaixonados que deita a breve trecho tudo a perder. Também disto urge prevenir os educandos. O pedagogo alertá-los-á para o egoísmo, a recentração final de cada um nele próprio, característica do desenvolvimento na fase. Isto dificulta a descoberta do outro nele mesmo, a disponibilidade para ele é ainda diminuta, tudo é referido e absorvido por cada adolescente nele mesmo, em derradeira instância. Tenderá, assim, a sugar o par, reduzindo-o a si, mero reflexo automático duma projecção afectiva apaixonada. O dar-se até à morte significa, na prática destas idades, a aniquilação do outro, enquanto divergente e autónomo, no altar do meu egoísmo eufórico, apressadamente confundido com amor dadivoso, generoso, heróico e outras coisas mais. É a contradição flagrante entre o sonho, a utopia e a realidade rasteira de partida que ainda não se pôs a caminho, transformando os adolescentes e o mundo. É difícil ao apaixonado constatar e acatar que é tão paradoxal dentro dele mesmo; é-o mais ainda quando olha o amado, revestido como lhe aparece duma aura divina. Tanto mais urge que os educadores lhe mantenham a verdade diante dos olhos permanentemente, para prevenirem assim as decisões mais precipitadas e de efeitos mais gravosos. Depois, se se consumaram em desastre, para remediar e salvar do naufrágio quanto sentido de vida possa ser recuperado. O fio condutor formativo deste aspecto pode referir-se como sendo a gradual transição duma atitude de orgulho pessoal para uma radical humildade perante o infinitamente belo entrevisto no outro. Isto evitará a confusão entre o que o adolescente é e o que o apaixona. Com efeito, ele jamais estará à altura da infinitude que o atrai. Tem de descobrir, interiorizar isto e ser depois coerente com tal realidade em todas as atitudes. É imprescindível a ajuda do educador para que esta trajectória possa ocorrer sem perdas e de modo gratificante. Quando descobre a humildade é que o apaixonado poderá finalmente desatar a crescer indefinidamente para se ir permanentemente aproximando do ideal que vislumbra. Doutro modo, trai-lo-á, o que não é decerto o intuito dele.




O fracasso e o desespero


Quando o fracasso do amor ocorra, o adolescente tomba facilmente no desespero, indo, no extremo, muitas vezes, até ao suicídio. É premente, por isso, a atenção e disponibilidade do pedagogo para prevenir e remediar as lesões que advenham daqui.


Em primeiro lugar, deve acompanhar os amores fracassados para salvar do naufrágio quanto possa ainda ajudar a recuperar um rumo de vida. O adolescente é demasiado vulnerável tanto à emoção gratificante quanto à dolorosa. Urge ouvir-lhe os desabafos, ler-lhos com a objectividade de que ele ainda não é capaz mas de que carece urgentemente nestas aflições. Ajudá-lo a relativizar pela razão o que as emoções feridas não toleram ainda, eis a via salutar: nem o fim do amor é o fim do mundo, nem a vida findou onde a paixão deu o último suspiro. Há mais mundos e mais vidas, há mais indivíduos dignos e atraentes a aguardarem a chispa do enamoramento. Tudo isto deverá ser dito e redito, verificado e confirmado em concreto.


Depois o educador atento encaminhará a mágoa insuportável do adolescente para o convívio em grupos mistos onde poderá comprovar como a amizade é, afinal, gratificante, um lenitivo que o ajuda a acalmar, e onde encontrará outros potenciais pares afectivos para o futuro, o que mais anestesiará a ferida. Aqui, porém, os envolvimentos artísticos operarão igualmente com forte eficácia, primeiro partilhando a obra de arte arrebatadora: ler um romance apaixonante arrasta o educando dolorido até outras paragens, fá-lo vibrar com outros meios e gentes, levando-o a retornar muito mais distanciado dos episódios que o magoam, mais capaz de os olhar com objectividade e menos dependente emotivamente daquilo que o frustra. Mas a criação artística directamente por ele é igualmente eficaz tanto pela gratificação que a estese lhe dará como pela sublimação que a obra partilhada e ratificada por amigos, família, educadores, quiçá pelo meio, consegue, dando-lhe acolhimento comunitário, calor humano e sentido para a vida, como atrás referimos.


Nos casos mais graves, após quanto reportámos até aqui, o educador deverá envolver todos os agentes que possa conjugar (pais, colegas, amigos, professores...), a fim de não se deteriorar mais a conjuntura ou de que eles, por alheamento ou por empenhamento inadequado ou desajustado, não levem a maiores perdas, ou mesmo a atitudes desesperadas irremediáveis de que o suicídio é, durante o período, o ilustrador-limite. A conjunção de todos num apoio lúcido, que resulte em iniciativas e intervenções atentas ao adolescente em apuros, para auxiliá-lo a desembaraçar-se, libertando-se do esmagamento em que tombou, tem maior probabilidade de acerto e é um débito que a colectividade tem perante a nova geração, a não ser que se demita de encaminhar o porvir e de tentar permanentemente melhorá-lo. Não há receitas para isto, os fios condutores e depois os recursos em concreto é que indicarão as vias de optimização, caso a caso, para este entrelaçamento de amizades solidárias em prol dum desenvolvimento equilibrado do adolescentte, mormente nesta conjuntura em que ele corre o maior risco de perder-se ou traumatizar-se irremediavelmente.




Informar os encarregados de educação


Uma vez que a optimização pedagógica implica do lado do educador profundas mudanças relativamente aos padrões dominantes em nossa cultura, é importante que isto seja urgentemente divulgado entre quem exerça tais rresponsabilidades. Os encarregados de educação serão nisto prioritários, pelo papel preponderante que desempenham em todo o processo formativo das personalidades desde o nascimento até à adultez.


Importa que mormente os professores (que primeiro tenderão a dar conta das reconversões a operar) os informem de que, antes de mais, têm de relativizar todas as atitudes, valores, ideais de vida, crenças, por mais sagrados que se lhes antolhem. Isto implica que os aceitem e promovam mas sempre como discutíveis, falíveis. Além disso requer que tolerem como salutar e normal que, acerca do mesmo, outras alternativas possam ser escolhidas pelos educandos e as acolham quando ocorrerem.


Deverão ainda ser informados de que apenas deste modo será ultrapassável o conflito de gerações imemorial na nossa cultura e que constitui um erquívoco pernicioso transmitido de pais a filhos com tal persistência que chegou a ganhar foros de padrão de relacionamento natural e inelutável, quando é apenas um mero artificialismo, encobridor dos dogmatismos encegueirados dos adultos. Para evitar as perdas que tal desencontro permanentemente acarreta, por inviabilizar as sínteses saudáveis que qualquer conflito pode engendrar, sempre que há flexibilidade e permeabilidade para adoptá-las, urge de vez aprender a relativizar todas as atitudes, valores e crenças. Doutro modo, não lograremos evitar o somatório de derrotas em que se cifra tal desvio crónico.


Finalmente, isto abrirá a porta ao diálogo criador de novos caminhos, urgente entre os encarregados de educação e o adolescente. É nesta partilha, à procura do encontro mútuo, que ao vivo aqueles encarnarão com os educandos o modelo adequado da busca de horizontes, num itinerário indefinidamente construtor de personalidades de ambos os lados. Então viverão a permanente disponibilidade para se desenvolverem ao infinito e a ela solicitarão os pupilos, doravante finalmente com inteira credibilidade e uma legitimidade incontestável, uma vez que é a própria realidade que respiram. E nada é mais formativo do que a autenticidade duma vida partilhada.






PERFIL INTELECTUAL DO ADOLESCENTE


Traços mais marcantes




O pensamento formal criador


É durante a adolescência que se pode atingir a faculdade mais elevada da inteligência humana: o pensamento formal criador. Consiste na capacidade de aventar hipóteses explicativas inéditas para questões problemáticas. É a criatividade no domínio racional. Inventar novas configurações interpretativas para perguntas sem resposta é uma tarefa altamente complexa. Normalmente, o perfil que a abstracção inovadora reveste durante o período etário é o de aplicar modelos já conhecidos a objectos inesperados, praticando os ajustamentos apropriados à especificidade dos novos campos a clarificar. Ocorre isto muitas vezes na sala de aula, por exemplo quando o adolescente, ao iniciar o estudo da Biologia, aplica aos dados dela o que já conhece da Física, mormente da Mecânica ou da Electricidade. Às vezes é uma mera transposição que anula a particularidade diferenciada do novo domínio de análise: aqui ainda não aparece nenhum vestígio de criatividade formal. O passo posterior, porém, já a inaugura: ele adapta os modelos, os quadros conceptuais, tentando dar conta dos cambiantes típicos do fenómeno biológico, reconvertendo as noções de partida, integrando-lhes sentidos e conexões que antes não existiam. É o inaugurar do novo nível operativo do intelecto que, em princípio, tenderá a desenvolver-se, quando ocorrer, durante o triénio da adolescência, tendencialmente entre os 15 e os 18 anos. A partir desta idade, com a transição para a juventude, a área de interesses vai gradualmente adquirindo outras tónicas e o intelecto acaba sendo requerido para tarefas de jaez diverso.


Um domínio onde fortemente se tende a estimular a nova faculdade é o da criação artística, mormente no âmbito linguístico. Como a experiência estética é altamente gratificante no período, a conjunção de ambas na criação literária permite o maior reforço e possibilita inventar linguagem, base e chave de qualquer inovamento formal, de qualquer descoberta. Com efeito, enquanto esta ainda não for capaz de ser dita, não estará de facto consumada: pensar algo é poder exprimi-lo e pensar algo de novo é inventá-lo em nova fala.




A excepcionalidade da criatividade formal


A generalidade dos adultos nunca atinge o pensamento formal criador. Mesmo na Suíça apenas 20% o desenvolveram. Curiosamente, os 80% que jamais acedem a este último patamar do intelecto humano correspondem sensivelmente à percentagem do insucesso escolar acumulado naquela região europeia. Ali, porém, o adulto comum opera intelectualmente no quotidiano ao nível das operações formais. Não tem dificuldade em reflectir em abstracto e é neste plano que efectua a maior parte das comunicações com os pares, no trabalho, na família ou no lazer.


Entre nós, o nível geral do intelecto adulto ficou pela terceira infância: as operações concretas. No termo do nono ano de escolaridade, os alunos que até aí sobreviveram em mais de 90% dos casos baquearam pelo menos uma vez na reprovação. E quantos não foram entretanto ficando pelo caminho? Ignoramos que percentagem de adultos logrará entre nós atingir a criatividade formal. Com este panorama de partida, não poderão ser muitos, evidentemente.


Importante é reparar que, se num mundo estável em que, duma geração para outra, as mudanças eram diminutas, como tendencialmente ocorreu até finais do séc. XIX, mormente onde não se operou a industrialização, isto não teria importância de maior, doravante, com a mudança de século a cada década, relativamente à velocidade e quantidade de alterações da era de oitocentos, atingir o pensamento formal criador é uma condição de sobrevivência colectiva. Doutro modo, a prazo, é um povo inteiro que será submergido pela avalanche da história, por incapacidade de talhar o próprio caminho, condenado cronicamente a ser cópia cada vez mais retardada e ultrapassada do que outrem vá inventando, inovando. Um país a reboque é o efeito final, cada ano mais agravado, daquele ponto de partida: uma adultez intelectualmente estagnada em massa no termo da infância.




A escola e o pensamento


A escola foi criada para garantir a transmissão íntegra da tradição, nos aspectos críticos dela inacessíveis às instâncias educativas empíricas ( família, clube desportivo, associação cultural, cineclube...). Isto conduz a um determinado tipo de currículo, concebido para permitir apreender o que já é conhecido, o que já foi descoberto antes, a fim de dominá-lo, aplicá-lo, aproveitá-lo na vida, de modo que não haja o risco de o espólio da cultura acumulado pelas eras além se perder ou perverter.


Ora, esta prioridade solicita exclusivamente o pensamento dedutivo: apreender o já elaborado com as respectivas implicações e aplicações. Reconhecer o já descoberto, com os correspondentes processos sociais e aptidões individuais que requer e empenha, é apenas tomar um ponto de partida já pré-estabelecido e clarificar o que dele decorre. Nenhuma criatividade é aqui empenhada nem pressuposta do lado do aprendiz: ao contrário, ela é-lhe mesmo vedada. Ele tem de ser o mais fiel possível à tradição e seus intuitos; isto é incompatível com o inovamento que por definição é desviante, não é a repetição do mesmo, diverge dele. A escola tradicional não é apenas o modelo acabado disto, ela é-o porque o passado a embebe em todas as pregas e não só na metodologia e na didáctica da aula; desde o desenvolvimento curricular, com o programa imposto, a dar corpo aos pressupostos de partida, até à ponta final da relação pedagógica desnivelada mestre-discípulo, tudo ali foi previsto para a eficácia duma preservação preciosa, a da cultura crítica acumulada desde os primórdios da humanidade.


Isto, porém, tem um preço: o mais que podemos estimular e desenvolver do intelecto em tais parâmetros é o pensamento formal, a faculdade de reflectir em abstracto. A criatividade posterior não encontra aqui qualquer campo de manobra, inovadora e divergente como indefectivelmente teria de ser. O mais bizarro é que a escola tem de andar permanentemente a correr para acompanhar o comboio da actualidade, sob pena de tornar-se caduca e inoperante, mesmo na função reprodutora. É que, cada vez mais, o que tem de reproduzir é exactamente o inovamento que acabou de se implantar e urge transmitir à geração vindoira. Como não foi congeminada para correr, anda cronicamente retardada nesta tarefa de apreender uma tradição doravante em mudança uniformemente acelerada: para que uma descoberta científica ou tecnológica ou uma obra filosófica ou literária cheguem à escola generalizadamente, medeia um período de cerca de trinta anos. Como em cada decénio mudamos de século, vivemos escolarmente atrasados três centúrias relativamente aos ritmos da mudança oitocentista. É inaceitável mas, apesar disto, tende ano a ano a agravar-se, à medida que se vai acelerando o mundo de hoje.


Curiosamente, esta fatigada corrida da escola atrás do tempo é para actualizar-se com os frutos do pensamento indutivo, justamente aquele que dela ficou excluído. De facto, é por via do itinerário cognitivo que sobe do caso particular à lei ou fórmula nele descoberta, com validade universal por generalização, que os inovamentos se precipitam na ciência e na tecnologia. Ora, esta indução é justamente a modalidade mais vasta e de maior eficácia transformadora que a criatividade formal do pensamento reveste na civilização actual. Ultimamente, porém, os meios de comunicação de massas vêm atribuindo paralela eficácia às criações humanísticas. Do cinema ao teatro televisionado, das telenovelas às séries que divulgam as maiores criações literárias de qualquer cultura, com o vídeo, DVD, blu-ray... e os satélites a desmultiplicarem-nos, tudo chega doravante a qualquer recanto da aldeia planetária em que nos vimos tornando. A interpenetração de culturas, o choque de valores, os conflitos ideológicos e religiosos tornam-se cada vez mais inevitáveis num rumo destes. Tudo, a nível humano, está em vias de mudar todos os dias, doravante. Este é o segundo grande vector da criatividade formal na contemporaneidade. Também atrás dos produtos dela corre açodada a escola, irremediavelmente ultrapassada pelos acontecimentos, uma vez mais.


O pensaamento abstracto criador, ausente da escola ao nível da solicitação pedagógico-didáctica do aluno, fica dela ainda ausente à partida, no plano da conccepção e gestão do modelo escolar. Ora, a criatividade formal só pode ocorrer no âmbito do pensamento indutivo: é neste que se descobre a lei científica ou o invento tecnológico de valia e alcance potencialmente universais, é dele que deriva a obra de arte genial que numa criação única é capaz de nos sintetizar a totalidade e revelar o infinito.


Por estas razões a escola vive divorciada da última capacidade intelectual que os educandos poderão algum dia atingir. Por isso nos presta, neste domínio, um mau serviço, ao abandonar as novas gerações a meio caminho, quando cada vez mais precisamos que todos vão, com eficácia inteira, até ao fim da racionalidade, única garantia segura duma autonomia cultural e pessoal autêntica nos dias vindoiros.


As razões por que, na prática, não temos em geral adultos formalmente criativos resumem-se a isto: durante a escolaridade o desenvolvimento intelectual fica-lhes bloqueado à entrada nas operações formais, último nível que lhes é exigido, ainda por cima antipedagogicamente, sob pena de exclusão em massa, como ocorre no período dos 10 aos 15 anos; depois, o pensamento indutivo, sob todas as formas, é excluído da aprendizagem escolar, à partida, até à didáctica dominante nas aulas, à chegada (os métodos activos, quando ocorrem excepcionalmente, ainda são para deduzir melhor: assimilar mais o programa pré-estabelecido) ; em terceiro lugar, não chegamos além das operações concretas por estimulação ambiental, porque nelas vive encurralada a generalidade dos adultos portugueses e, quando muito, atingimos o pensamento formal, por mediação da escolaridade, quando logramos não ficar castrados pela barragem do insucesso no período pubertário alargado. Para mais do que isto faltam enormementeos mediadores e já sabemos que sem estimulação adequada nenhuma faculdade intelectual humana se desenvolve: a nossa inteligência é uma faculdade cultural, a activar uma mera virtualidade na origem.




Criatividade formal e criatividade prática


Se é muito problemática a aquisição do pensamento formal criador, não podemos confundir isto com outros domínios da criatividade humana, mormente no âmbito da vida prática. Nesta, com efeito, a inventividade acorda muito cedo no indivíduo, logo após o nascimento, e vai-se reforçando quando não for tolhida, mês a mês, ano a ano. O bebé arranja a seu jeito e em conformidade com o meio as várias maneiras de atingir o que pretende, desde o brinquedo ao alimento. Usa desde o próprio corpo às condições do meio, até quem dele trata para do melhor modo satisfazer os vários objectivos que vai visando. E muito rapidamente aprende a adequar-se a cada situação e condicionamento para o melhor possível levar a termo o que visa. Ora, nisto não há duas trajectórias iguais nem as soluções se repetem a papel químico, há matizes personalizados largamente diferenciados caso a caso, mesmo entre irmãos. Nem sequer o gatinhar o praticam do mesmo modo.


Esta criatividade na vida activa já é constatável nos antropoides superiores que têm repentinas iluminações para resolverem problemas simples com que os defrontamos.


Importa saber que, primeiro, é sobre esta prática, sua diversidade e complexidade que, por gradual interiorização e representação mental, se vai desenvolvendo o intelecto, desde a inteligência sensório-motora à pré-operatória, até aos seis anos. Mas as próprias operações concretas, a partir desta idade, são mais ou menos ricas, completas e logicamente firmes e constantes quanto mais previamente foi viável à criança operar em actos todas as relações possíveis que a razão aplicará aos dados concretos sobre que trabalhe. Ora, tudo indica que, constituindo o suporte sobre que se alicerça cada nível intelectual, por constantes alargamentos e aprofundamentos, a criatividade prática e a repetição dos movimentos nas actividades de cotio, em toda a gama de circunstâncias, constituem de facto a iniciação à racionalidade, na totalidade das respectivas camadas e também na derradeira, o pensamento formal criador. Não é, pelo menos, de excluir que se mantenha o paralelo entre a inventividade em actos, que desde idade tão precoce atingimos e podemos desenvolver, e a criatividade em modelos de interpretação, porque decerto esta irá beber obrigatoriamente naquela, como os demais estádios operativos intelectuais mergulham e se alimentam na generalidade e posturas da actividade concreta do dia a dia.


Neste pormenor indicia que ficaremos tanto mais tolhidos para a criatividade formal quanto mais formos educados, desde o berço, sob o signo do hierarquismo, em ambiente repressivo, obrigados apenas a obedecer e a repetir a norma intocável e inflexível, impedidos de variar, ir à aventura ou correr riscos, bem como de ter a veleidade do desvio em qualquer campo. De igual modo tudo tende para o mesmo fito quando na escola opera o desnivelamento professor-aluno como padrão sem alternativa, uma disciplina férrea em clima de medo, uma imposição regulamentar do topo à base sem consentimento, comparticipação nem apelo à autodisciplina, quando, enfim, a relação pedagógica é do sábio para o ignorante, jogada dum pedestal intocável para a ralé que lhe rasteja, humilde e cega, aos venerandos pés. A família predominantemente patriarcal que impera no Ocidente e em particular entre nós, bem como os resquícios da poliginia moirisca, com o enclausuramento da mulher, que perduram em terras alentejanas e algarvias, tudo largamente reforçado com a persistência do totalitarismo político no país desde o príncipe Perfeito, no séc. XV, sem fissuras consistentes, até 1974, legitimando, impondo e universalizando a intolerância do poder, desde o topo soberano até à base familiar, tudo isto confabula para nos manter de voos cortados, porque nos limita o campo de manobra prévio da criatividade activa, nas escolhas práticas durante a vida inteira. Sem isto, faltam-nos as acções desviantes para interiorizar, cuja representação mental seria o campo de cultura onde radicaria e se alimentaria o pensamento formal criador vindoiro. Com a base prévia carenciada ou inexistente, ficamos condenados a não atingir o último patamar da inteligência, como País mentalmente castrado na generalidade do povo.


Mesmo que logremos estimular a razão, na média populacional, até ao nível das operações formais que o português comummente ainda não atinge, enclausurado como vive no intelecto concreto da terceira infância, ainda assim a disponibilidade para visar o derradeiro cume continuará diminuta. É que, ou desde o berço e depois no jardim de infância, na Primária e demais níveis escolares se viabilizam experiência-vivências práticas criativas, desviantes por norma, tornando-se isto o clima convivial da educação e desenvolvimento, desde o lar à escola, da política à cultura, ou então a falha deste primeiro estímulo imprescindível vetará, para quase todos, a entrada na criatividade formal do pensamento.




A desestimulação socioescolar


Para além das dificuldades referidas, acresce que o meio ambiente luta com outras incapacidades de partida para adequadamente poder apoiar o formalismo criador durante a adolescência ou, posteriormente, para tentar recuperá-lo em qualquer outra idade. É que a generalidade das pessoas não atingiu este derradeiro patamar intelectual, pelo que o ignora e, conseguintemente, é impotente para estimulá-lo correctamente noutrem. Ora, isto não ocorre apenas na vida empírica e no âmbito familiar, onde predomina a reflexão ao nível operativo concreto. Também no ambiente escolar o aluno só encontra este padrão intelectual no contexto da convivialidade estudantil que é para ele a mais gratificante e, portanto, a que mais profunda e duradoiramente o atinge e vai conformando, em termos de desenvolvimento da personalidade. Os professores em geral intercomunicam através de operações formais. Isto significa que também eles não atingiram, em norma, o último grau da inteligência humana possível. É gritantemente flagrante esta carência quando se lhes remete a responsabilidade de inovarem na escola: recriar o programa, reestruturar autonomamente o estabelecimento, inventar novas metodologias ou estratégias. Copiar, executar ou adaptar a partir de exemplos doutrem, tudo bem; arrancar do zero, a partir deles próprios, é a angústia insolúvel, a paralisia completa, em norma.


Jamais será atingível o pensamento formal criador pleno sem uma estimulação adequada na idade própria. Durante a adolescência esta potencialidade existe mas estamos desarmados, tanto a nível familiar e da cultura ambiente como da escola, de agentes educativos à altura de operarem como mediadores aptos a permitirem o salto da mera possibilidade para a realidade em acto, da virtualidade para a capacidade a agir em concreto no adolescente, como faculdade que se desenvolveu durante o triénio e o termina madura, firmemente implantada e com todo o poder a desafiar os ignotos mares da vida. Na marca da partida encontramo-nos, portanto, desarmados. A recuperação, posteriormente, é sempre viável, embora também aqui tanto mais precária, morosa e incompleta quanto mais distante a idade em que ocorrer, relativamente ao período etário em que deveria ter advindo.


Sem estímulos adequados na altura própria, permanentemente adiados em termos colectivos, é muito improvável e inelutavelmente excepcional o pensamento formal criador entre nós. Tanto mais precioso ele é e de preservar e empenhar em tudo quanto possa mediar idênticos desenvolvimentos noutras personalidades.




O problema e a descoberta


As dificuldades aguçam o engenho, em qualquer nível operativo da criatividade. O problema, o desafio estimulam-nos, levando-nos ao esforço de descoberta. É assim desde a actividade prática do bebé, na base, até ao invento de modelos intelectivos para o incógnito, no topo.


Quando descobrimos, ocorre em nós o disparo da iluminação que instantaneamente nos revela o modelo de agir, de relacionar-nos ou de interpretar, conforme o nível da criatividade despoletado. Em primeiro lugar, isto dá-nos a visão intuitiva da solução: é uma compreensão global em que a totalidade nos explode no entendimento, com todas as partes ou implicações em simultâneo, num relâmpago de lucidez, prenhe de fascínio. É a fusão entre a razão e o dado, através do quadro explicativo, seja ele concreto, activo, ou abstracto, são as primícias da harmonia final jamais atingida em que sujeito e objecto seriam um só, a consciência e o dado, uma realidade única.


A faísca da revelação é deslumbrante, por isso cativa, até ao descontrolo. Newton quando, após trinta anos de procura, encontra a fórmula da gravitação universal, fica tão fora de si que erra os cálculos todos dias seguidos e tem de pedir a um terceiro que lhos acerte. A gratificação afectiva é tão forte que pode desestabilizar por inteiro uma pessoa ou uma vida. Quantos génios não arruinaram o ambiente familiar e o equilíbrio individual na perseguição deste prémio que acabaram por antepor a tudo e todos? O arroubamento é tão avassalador, o maravilhamento tão fascinante que chegam a hipnotizar o indivíduo, levando-o a perder a noção das proporções ou o sentido das conveniências. É isto que torna o génio cronicamente distraído, hilariantemente inadaptado, como o vulgo de há muito constatou e com que se vem imemorialmente divertindo, pleno de bonomia por estes gratuitos benfeitores.


Normalmente, entre o instante do deslumbramento e a posterior explicitação medeia um mundo de diferenças inultrapassáveis. Esta é morosa, chega a durar uma vida inteira de tentativas mais ou menos logradas de comunicar a inefável mensagem, e o profeta sente-se permanentemente traído pela expressão. Para além disso, enquanto o relâmpago ofuscante foi totalizante e instantâneo, toda a manifestação, todo o dar-lhe corpo é discursivo, parcelar, analítico, incompleto, sucessivo no tempo e na obra. Há um fosso intransponível entre a maravilha vislumbrada e a incarnação dela.


Esta distância deriva da natureza diferente de ambos os momentos. A chispa do génio é de carácter intelectivo, é uma representação mental, uma configuração que faz luz sobre o problema e refere a via para desatar o nó górdio. Por muito que a acompanhe o arroubamento, a afectividade apenas foi despoletada por aquela revelação. Ora, o segundo momento é de carácter prático, é sempre activo, mesmo quando a carne de que revestimos o fogaréu da infinitude é a obra de arte. Em todos os casos, urge meter os pés na lama dos materiais, nas resistências e traições das destrezas de todo o tipo, na opacidade e lonjura desfocada da palavra, da fórmula, do modelo. Isto vai ocorrer em todos os níveis da criatividade, desde o prático, activo da criança que cedo descobre como é duro dominar a mão para atingir o objecto desafiador, como é perigoso e quantos tombos custa aprender a caminhar, a subir, a descer, a saltar, até a comer pela própria mão – por muito que o primeiro momento, o da descoberta da via a percorrer, se lhe antolhe óbvio de imediato. Na criatividade afectivo-relacional advém o mesmo, desde a infância em que os entusiasmos e decepções conduzem a modalidades cambiadas nos encontros com outrem, mas cuja aprendizagem, interiorização e maturação se demonstram altamente conflituosos, desajeitados, instáveis, até aos períodos pós-infantis, em que os desencontros de amor dentro do próprio indivíduo não são menos perturbadores e graves que os de fora. A criatividade conceptual do juízo, do raciocínio, da ideia, em qualquer modelo formal, sofre do mesmo à partida. É por isto que, desde o artista ao filósofo, do físico ao técnico, é comum ficarem a vida inteira cativos do primitivo êxtase, tentando indefinidamente desdobrá-lo em sucessivas e infatigáveis aproximações, sempre entendidas como insuficientes, infiéis. De facto podemos afirmar que preenchem a vida refazendo a mesma obra inesgotavelmente.




A menoridade intelectual e a democracia


Um dos aspectos mais perigosos dum desenvolvimento intelectual estagnado a meio caminho é que ele cria condições muito favoráveis a formações sociais e colectivas de cariz antidemocrático.


A criança na primeira infância revolta-se e bate nos objectos e brinquedos que não domina. No estádio posterior, quando a descoberta do mundo e da consistência dos outros que lhe resistem lhe desagrada, agride-os fisicamente, à bofetada e pontapé, se lhe dão azo a tal, ou psicologicamente, em trovoadas de gritos e birras, no caso inverso. Na idade escolar muda o padrão, à medida que a sujeição indispensável à objectividade, à realidade que me ultrapassa a mim e aos meus desvarios imaginários, se vai impondo como sem alternativa construtiva. Aí, a resistência doentia e desviada do comportamento adequado, o de humilde a atento acolhimento do outro, do diferente, do inesperado, toma o perfil do cinismo. Então a criança revesta a máscara do cordato, disciplinado e respeitador para mais facilmente poder trair impunemente por trás. Apunhala os compromissos, trai às escondidas a norma, engana perversamente os colegas para atingir o fito que se propôs, mente aos pais ou ao professor para ilibar-se de responsabilidades, joga num mundo-cão em que o homem é lobo do homem e sobrevive quem melhor camuflagem revestir, sem largar as armas e a perícia de usá-las traiçoeiramente. No período da interiorização dos valores ambientais, tal é o perfil dominante da perversão oriunda do desrespeito pelo objecto do conhecimento-desejo, na tentativa desastrada de assim o sujeitar ao imaginário irrealista de criança, quantas vezes corroborado por um universo adulto indefinidamente a apodrecer num infantilismo irremediável.


Não é por acaso que tal mascarada é tão notória em nossa sociedade, nem é alheia ao facto de a genralidade dos adultos continuarem a pensar ao nível das operações concretas, incapazes de garantirem a racionalidade quando se afastam um passo do mero reportório dos eventos. Assim, como na criança da terceira infância, acorrentarem-se aos factos vividos e reportados, sem viabilidade dum afastamento libertador porque objectivante e permissor dum olhar a frio, acarreta um constante eco emotivo dos episódios evocados, tanto maior quanto mais marcantes quando vividos. Ora, isto vai acentuar o pendor subjectivo e afectivo das abordagens em detrimento da atenção e cuidado com os dados em si, com o que nos é exterior. Nestas condições, é difícil suportar os desaires, as frustrações – eles mantêm-se permanentemente em carne viva, pelas constantes evocações, inevitáveis nas operações concretas. E não resta senão uma alternativa ainda pior: deixar de reflectir e tombar num comportamento automático e instintual (que se não coaduna já connosco, quer porque os instintos não operam em nós adequadamente, quer porque os reflexos são tão escassos e inarticulados que os desajustamentos de tal via seriam a breve trecho suicidas).


É o pensamento formal e depois a criatividade racional que nos permitem os distanciamentos libertadores. Com eles finalmente logramos ler o universo nas respectivas obscuridades sem nos rebelarmos ingenuamente contra elas: estão aí perante nós, inamovíveis e indiferentes, queiramo-lo ou não. A nossa rebelião infantil apenas irá provocar maior atraso em nosso domínio da situação, apenas nos fará correr maiores riscos de ser submersos pelo maremoto que permanentemente nos circunda com catadupas de dados indecifráveis.


As operações formais adentram-nos na fria objectividade, apreendemos os dados com distanciamento, logramos o discernimento de cada aspecto, do peso e função de cada vector. Relativizamos tudo, colocamos as peças nos respectivos lugares, pesamos prós e contras e em que sentidos operam. Com o pensamento criador de novas formas completamos a libertação porque penetramos no desconhecido, rasgamos-lhe os véus, dominamo-lo, finalmente, primeiro a nível inteletual, passo prévio para o atingirmos no âmbito prático, na actividade. Ora, quando conseguimos o domínio adequado da situação não precisamos mais de comportamentos agressivos, de máscaras, de violências, nem sobre os objectos nem sobre as pessoas. Tais desvios seriam inúteis desperdícios de tempo, de energias e de lucidez.


O ditador, neste contexto, é, de facto, um mero retardado mental. Se alguma vez foi capaz de adultez intelectual, perante um conflito ou frustração teve um comportamento regressivo e enclausura-se no padrão de desvio da primeira e segunda infância. Passa o tempo a bater no povo-mesa como o bebé que se magoou: “Mau, mau, povo mau!”


Simetricamente, só elege democraticamente qualquer tirano-Hitler um povo mentalmente infantil que, apesar da adultez cronológica, precisa de ver ratificado e tornado normativo o padrão que lhe permita arbitrariamente espezinhar os objectos e as pessoas que lhe não correspondam às fantasias e alucinações, em lugar de atentamente os apreender naquilo que forem, coincidam ou não com o reino de faz-de-conta.


Do mesmo modo só é autoridade corrupta a coberto de convincentes véus morais quem tem como padrão de resolução do conflito sujeito-objecto na terceira infância o jogo de máscaras em que se simula ser uma coisa quando se é outra. E apenas é escolhido e apoiado tal modelo por quem foi iludido pelo simulacro ou então pelos demais retardados perversos que no corrupto encontram o escudo e a legitimação, tanto do respectivo atraso mental como da podridão em que resfolegam. Quando verificamos à escala planetária quanto predomina este estrato na classe política, a ponto de ser lugar-comum afirmar que o poder corrompe, vislumbramos então a ingente tarefa que pelos cinco continentes se impõe à humanidade para joeirar deste gorgulho os órgãos de soberania, a bem da maturidade e equilíbrio humanos. É que os atrasados mentais da terceira infância têm declarada predilecção pelo poder, na ilusória mas confirmada expectativa de que aí é que tirarão mais proventos do carnaval em que tornam a vida e no qual permanentemente tropeçam na solidão, na dupla personalidade, na ansiedade insanável – num rumo sem retorno fronteiro à esquizofrenia. O planeta é predominantemente governado por estes cínicos para-esquizofrénicos, um bando de perversas crianças grandes. Loucos pelo poder e sem freio nem princípios, na intérmina mascarada em que ludibriam alguns e conspiram com os iguais, a eles se deve maiormente o continuarmos a meio caminho da racionalidade humana possível. É que eles constituem, pelas funções, modelos a seguir e não têm escrúpulos em eliminar, sorridentes, quem lhes anteponha alternativas e realidades menos monstruosas, mais humanas.


O desenvolvimento intelectual decorre-nos segundo um continuum complexo. Por um lado, há uma gradual libertação da dependência do objecto e do evento, à medida que a função representativa se vai organizando, primeiro a partir da linguagem, depois das operações lógicas concretas, até atingir as abstractas, visando enfim a criatividade formal. No princípio a criança reage nomeando o estímulo actual, no termo o adulto inteiro aventa, na solidão reflectida do próprio quarto, uma teoria inédita do primeiro instante do universo, sem precisar da presença de qualquer dado. Mas a este gradual afastamento do objecto corresponde uma simétrica sujeição cada vez maior ao que ele de facto for, por parte da representação que o identifica. Enquanto o bebé vive como se fora o centro do mundo que constituiria mero prolongamento dele, já a criança se descobre como sujeito por contraposição ao meio ambiente e aos outros, descobertos como diferentes e autónomos relativamente a ela, e, a partir da puberdade, é a própria interrogação acerca do que efectivamente é este universo estranho do outro que conduz intelectualmente a vida, numa reformulação potencialmente permanente, e, franqueado o nível criativo, eventualmente inesperada, inovadora, capaz de rasgar novos horizontes de entender e agir.


Dois destinos podem ocorrer neste itinerário, concomitantemente libertador e atento, dominador e submisso ao objecto de que se vai libertando tanto mais quanto mais fiel constroi a representação dele, quanto mais lha submete. Um desenvolvimento sadio e completo da pessoa condu-la do princípio ao fim da trilha equilibradamente. Quando incompleto, pára a trajectória num ponto qualquer e aí ficará eventualmente bloqueado até à morte. É nas operações concretas que o adulto em geral fica parado entre nós. Quando é apenas a falta de estimulação adequada que paralisa o trajecto e quando, do lado da criança, a dominante comportamental foi um padrão ajustado a cada nível etário visando optimizá-lo, então a paragem, sendo um retardamento e uma diminuição do potencial intelectual do indivíduo, não é um desvio nem é uma perversão e menos ainda uma doença. Quando, porém, o bloqueio resulta dum permanente comportamento inadequado em cada estádio do desenvolvimento (ou naquele em que se enclausurou), mormente quando se perfilou pelo desvio ou perversão predominante de cada período etário, então é diferente. O indivíduo fica mal adaptado, é um permanente fermento corruptor do tecido comunitário em que vive. E é pior ainda quando o domina, seja na família, na comunidade ou na política. Em todos estes casos ele operará como um estímulo adequado à proliferação duma racionalidade doentia, em regressão permanente tanto maior quanto mais frustração for generalizando em redor.


O cúmulo deste efeito demolidor advém duma conjunção dupla: um povo que em massa embarca num dos padrões mórbidos, quando confrontado com uma conjuntura particularmente crítica, desatando como o bebé a bater na aresta da mesa que o lesionou, em alta grita, em vez de remover o obstáculo (Alemanha nazi), num retorno à segunda infância, ou aderindo à corrupção generalizada (Colômbia da cocaína), cristalizando-se na terceira fase infantil, por um lado; por outro, uma liderança política, social e cultural monoliticamente usurpada por expertos e eficientes retardados mentais do mesmo jaez. É, em rigor, o que irremediavelmente ocorre em todas as ditaduras que se autojustificam, nos regimes de partido único, bem como nos modelos tribalistas de hoje ou de antanho. E tanto mais quanto mais se revestirem e legitimarem com ideologias prenhes de ideais sublimados: aí embarcarão declaradamente os poderosos e os sequazes na alucinação colectiva e, na ilusão do sonho utopista, esmagarão tudo e todos. É que tudo e todos, mesmo inconscientemente, apontam para a diferença incómoda da realidade que são, para os factos que cada vez mais gritantemente irão contradizendo o delírio do soberano e das multidões de decrépitos do pensar que carneiralmente o secundarem. Esta foi a tragédia em que o comunismo e o fascismo mergulharam o séc. XX: puseram os doentes mentais a governar o mundo.






Optimização pedagógica




Inverter a didáctica


Uma vez que a escola é o único meio ambiente em que o educando em geral poderá encontrar algum dia estimulação adequada ao desenvolvimento do pensamento formal criador, é importante dar meios aos professores para conseguirem, mesmo que eles próprios não tenham atingido o último patamar do intelecto, pelo menos impelir para lá os alunos.


A primeira medida a tomar e que todos poderão implementar é a de inverterem na didáctica os programas curriculares. Em primeiro lugar, como estes definem um modelo dedutivo e não genético, também aqui importa principiar pela ponta donde brota a criatividade intelectual. Ora, esta principia na faísca da descoberta. Como colocamos os educandos em situação de a chispa saltar? Genericamente, recriando-lhes a vivência do cientista ou humanista que descobriu ou criou a componente cultural crítica que curricularmente irão trabalhar, de tal modo que, tanto quanto possível, refaçam o itinerário da descoberta ou da criação. Por esta via, os discípulos, em lugar de principiarem por aprender o que já está definido, vão redescobri-lo por seu lado, vão experimentar o desafio do problema, a angústia da pergunta, o esforço da atenção e da reflexão, até que o disparo da compreensão lhes ilumine a consciência, na euforia da revelação.


Como o professor já conhece o programa, esta inversão didáctica, do lado dele, consiste em não ofertar à partida os conhecimentos aos alunos, mas apenas as condições que permitam que eles os reinventem, os redescubram, provocando uma atitude, uma vivência psicológica que suscite a descoberta do lado do educando. Vários métodos se revelam adequados a isto e por qualquer deles ou todos deverá o educador encaminhar a planificação das unidades didácticas e das aulas. E terá, evidentemente, de adestrar-se no correcto uso deles.


Em primeiro lugar, o método de inquérito, em que tudo é reduzido a perguntas à partida. Retomam-se aqui as grandes questões que levaram à descoberta científica, à criação literária, à proposta filosófica. São perguntas que têm de desagregar-se em problemas comezinhos, em interrogações de base tão simples e de resposta tão óbvia que tenhamos a certeza de que o educando lhes encontra saída convincente e demonstrável. Gradualmente vamos complexificando a interrogação, o que lhe aumenta em paralelo a dificuldade e a profundidade. Concomitantemente, acolhemos todas as perguntas e dúvidas (novos problemas) dos alunos, integrando-as na procura e reflexão conjunta. Gradativamente auxiliamo-los assim a atingirem as informações curriculares reconstruindo-as a partir da análise de dados de partida que tanto podem ser recolhidos da experiência de cotio deles, como dum trabalho laboratorial que executam, como duma colheita em campo. As dificuldades maiores do professor são a de conseguir graduar a dificuldade das perguntas, de modo a garantir que os educandos vão crescendo de descoberta em descoberta, até dominarem os elementos curriculares que estiverem em causa; com esta prende-se a de não desviar os sucessivos questionamentos dum ponto de referência que se mantenha significativo existencialmente para os alunos, doutro modo deixará de os afectar emotivamente de modo importante, o que os desinteressará, desmotivando-os. Um risco a evitar é o de cair na pergunta pela pergunta, no mero adestramento em levantar questões: sendo importante esta capacidade, ela é, entretanto, instrumental relativamente aos resultados palpáveis a atingir. Doutro modo cair-se-á no vácuo, na inocuidade cultural do processo e a aula degenerará em mero diletantismo incongruente. Os educandos têm o direito de atingir e dominar os resultados: é preciso tanto a pergunta como a resposta. Doutro modo poderão mesmo derivar para angústias irremediáveis, quando as perguntas se lhes tornam demasiado vitais, ou para relativismos cognitivos, axiológicos ou gnoseológicos que serão irrealistas e humanamente perniciosos. Urge, pois, que o professor domine o método a ponto de o saber graduar do questionamento mais rudimentar ao mais complexo e de lograr que os educandos vão acumulando e integrando as descobertas-respostas degrau a degrau até reconstruirem os conhecimentos, tecnologias, destrezas ou atitudes curricularmente escolhidos.


O método da aprendizagem por descoberta, utilizado no ensino programado em grande parte, é outra alternativa para o docente. Aqui o itinerário pode cada um caminhá-lo ao ritmo próprio, a contento da personalidade que tiver e dos condicionamentos com que tiver de haver-se. A máquina de ensinar permite-o a quenquer. Podemo-lo colocar ao dispor de cada educando nas aulas, optando por esta metodologia. Em lugar do questionamento graduado e perseguido ao vivo, com a energia do improviso treinado dum jogo imprevisível à partida, como no método de inquérito terá de ocorrer, aqui, ao invés, o itinerário está marcado e determinado à partida. A progessão decorre por patamares de descoberta sucessivos, desde o mais simples, no princípio, até ao mais complicado, no termo. É o caso quando o educando leva para o laboratório ou o campo a ficha com as instruções para a experimentação ou observação e, ao lado, as questões graduadas a que os dados recolhidos permitirão dar resposta, desde a mais elementar à mais elaborada. Igualmente, quando tem ao dispor um ficheiro ordenado que principia com uma bateria de tarefas elementares de domínio comum, a escolher à discrição, cada uma das quais, resolvida a contento, remete para outra ficha mais exigente, doutra secção e assim sucessivamente, até todo o trajecto da aprendizagem ser, degrau a degrau, percorrido por cada educando. O educador é aqui um recurso supletivo permanentemente disponível, um estimulador da aventura e empenhamento de cada qual, um criador de trajectos alternativos para carências particulares ou para superdotados que requeiram ajustamentos personalizados para optimizarem a viagem, um vigilante afinador dos graus de dificuldade sucessivos, de modo a adequá-los mais e mais a cada grupo e educando, em cada ano e meio ambiente. A maior dificuldade com que depara o educador neste método é a de arranjar tempo pera elaborar previamente o ficheiro do itinerário a percorrer, as tarefas de recurso, as de remediação, com toda a burocracia que isto implica para resultar bem graduado e interligado. Tudo aconselha a que a metodologia se aplique primeiro em unidades particularmente vocacionadas a tal abordagem, optando-se por outras alternativas nas demais, de modo a ir fazendo crescer pouco a pouco a bateria de fichas e trajectos disponíveis. Torneado este obstáculo, vem então o problema de graduar a crescente dificuldade dos quesitos e tarefas, bem como a de adequá-los a par e passo aos recursos. Finalmente, o professor encetará o desafio de se tornar perito no acompanhamento individualizado que a aprendizagem por descoberta requer, dado que os itinerários e os ritmos do avanço tenderão a ser altamente pessoais. O risco maior deste método para o educador é o de traçar um mapa de caminhos desatentos ao educando, ao nível cultural dele e às respectivas capacidades, preocupado como o professor é cronicamente com o programa a cumprir. Se apenas atender a esta exigência e desagregar o currículo em subtarefas dele, vedará qualquer possibilidade ao educando de aprender a criar modelos cognitivos através da faísca de génio que pretendemos que dispare dentro da consciência dele.


O método de projecto é outra escolha ao dispor do educador. Aqui os educandos poderão ser solicitados à criatividade a múltiplos níveis e devirão todos altamente diferenciados uns dos outros. Nesta opção os currículos serão inteiramente instrumentalizados às realizações que cada aluno entenda empreender e que deverão maximamente corresponder a motivações profundas dele próprio. O professor estabelecerá calendários e etapas, bem como definirá as áreas temáticas que serão de utilizar, os elementos culturais críticos que operarão como recursos. A partir daqui cada educando, cada grupo pôr-se-á a caminho para realizar uma actividade, uma aplicação, desenvolver uma perspectiva, obter, enfim, um produto final que lhe materialize um sonho qualquer e possa ser de algum modo partilhado. Abordar Platão na filosofia pode assim culminar na execução: dum texto ilustrado pelo educando criativo em pintura e que sonha com ela; dum diaporama por aquele que imagina comunicar com as massas de modo vivo e convincente; dum bateria de fichas didácticas por quem goste de livros, bibliotecas e consultas; duma sequência de ensino programado em texto ou computador por quem se delicia a inventar modelos cibernéticos; dum quadro sinóptico por aqueles que preferem a disputa reflexiva como maximamente gratificante; duma dramatização por quem goste de teatro ou de assumir personagens; dum conjunto de jogos didácticos por aquele que descobriu que aprende imenso com tais divertimentos; duma banda desenhada por um apaniguado dela e que sonha em criar algo de jeito um dia em tal domínio; duma conferência pública acerca da inteireza moral e da duplicidade por outro que vivia o problema na própria pele...


Quanto maior a autenticidade das motivações pessoais, tanto mais o leque se tende a diversificar. Os aspectos da criatividade mobilizados pelo método de projecto são de todos os tipos e níveis e mutuamenta imbricados: desde a prática à afectividade, do relacional ao intelectivo, pode qualquer aspecto ser requerido para dar conta da execução e da apresentação final do produto acabado. É que o trabalho potencia-se tanto mais quanto mais ecos e modos de intervenção se programarem. Se as melhores aventuras forem para vir a público numa semana cultural, então têm mais eco, são um desafio maior e é mais gratificante vencê-lo do que se tudo morrer na sala de aula ou no meio da família.


A dificuldade maior do educador é gerir esta metodologia, dado o número avassalador de alunos por turma e o de turmas por docente, que obriga tudo isto a cair em grande parte no anonimato, inviabilizando a personalização de cada projecto. Depois, na aula, é difícil ao professor manter a coordenação e a disciplina, dada a variedade de caminhos e de velocidades com que os educandos vão percorrer os itinerários. Finalmente, é complicado manter um fio condutor, um esquema comum de referência por que se balizem as múltiplas realizações que forem brotando. Facilmente o professor perde o rumo e então fica tudo ao deus-dará, quer quanto aos conteúdos culturais sobre que andam trabalhando, quer quanto ao decorrer da relação pedagógica na aula.


Por qualquer destas vias pode o educador inverter a lógica dedutiva do currículo, inadequada para estimular a criatividade formal, solicitando prioritariamente o pensamento indutivo onde justamente ela tende maximamente a ocorrer. Deste modo, com estes métodos bem dominados, com estratégias com eles coerentes e que lhes permitam ir o mais longe possível, até o professor que se quedou, como entre nós acontece por norma, nas operações formais, pode guindar os educandos dele até ao último patamar do intelecto, abrindo caminho ao desabrochar do génio. E nisto ele mesmo irá também crescendo, rumo ao pleno ser dele próprio.




Atender à gradualidade


No pensamento formal criador como nos anteriores patamares do intelecto, nada ocorre instantaneamente, tudo é um lento germinar, enraizar-se, robustecer-se, fixar-se. Leva em princípio três anos a estruturar esta faculdade, antes do envolvimento dela nas escolhas práticas decisivas da juventude. Sabemos, entretanto, que a criatividade abstracta opera, concretiza-se, obtém frutos habitualmente no período posterior ao da adolescência, até à adultez, tendendo a concentrar-se nas décadas etárias dos vinte e trinta anos dos autores, na maior parte dos casos. É neste período que a generalidade dos sistemas filosóficos ocorrem, bem como as teorias e descobertas científicas. Na adultez média e na velhice dos criadores já isto é uma raridade: o que adiantam são os desenvolvimentos e maturações daquelas intuições primevas e que eventualmente à partida tiveram expressões pobres, inseguras ou ineficazes. O apogeu das manifestações demora habitualmente anos a atingir, mas não é mais que o fruto laborioso do longínquo instante da obsidiante revelação em que a criatividade formal operou e que continua a comandar e a embeber todo o trajecto.


Nestes termos, o educador tem de atender à lentidão com que este poder mental desabrocha. Durante a adolescência não deve aguardar revelações geniais, mas apenas insignificantes iluminações fortuitas e normalmente incongruentes com as sequelas que desencadeiam. O educando é mais violentamente atraído pelo esplendor da revelação do que pelo suor de lhe dar um qualquer corpo comunicante e interveniente. Este segundo momento não é mesmo adequado neste período etário, uma vez que a dominante do desenvolvimento é a do levantamento da situação e não já a das opções definitivas de vida que ocorrerão na fase juvenil. O professor deverá estimular e acolher positivamente as ideias que despontarem, as hipóteses que se levantarem: durante a adolescência é o despoletar desta potencialidade que importa reforçar e desenvolver ao máximo. O segundo momento da criatividade formal é aqui secundário, pelo menos na modalidade que irá revestir na juventude e adultez: a morosidade e persistência que implica vai contra a urgência de garantir ao adolescente que experimente e ponha à prova cada possibilidade existencial, sem ainda optar por nenhuma, apenas para conhecê-las e descobrir-se nelas, condição fundamental para uma boa escolha posterior.


Dentro de tais coordenadas, o educador estimula a inventividade de modelos interpretativos, a criação de formas ou modelos explicativos, sabendo que primeiro o educando apenas logrará usar o pensamento formal para reproduzir o que já domina. Eventualmente principiará por transpor ou adaptar um ou outro modelo, num ou noutro aspecto ocasional. É sempre neste campo de cultura das operações formais em acto, anterior à criatividade, que poderão surpreender-nos as primeiras chispas de génio fortuitas e passageiras. Teremos de isolá-las, reforçá-las premiando-as e dando-lhes tempo e espaço para serem compartilhadas e saboreadas. Aqui, entretanto, tenderá a ocorrer muitas vezes que os modelos intuídos se revelam na prática manifestamente inadequados aos dados em análise. O educador atento nunca poderá confundir nem permitir que confundam a positividade da explicação intuída, enquanto desabrochamento da nova faculdade intelectual, com a negatividade da respectiva inadequação objectiva. Neste período etário o mais relevante é sublinhar e acolher como conquista decisiva o rebentar da capacidade inovadora e já não se o que ela gera se revela adequado. Isto é o que nas idades posteriores terá de ser depurado. Na adolescência é inoportuno e pode castrar o desenvolvimento.


Convém, contudo, que o educador, para além de distinguir ambos os aspectos, de dar prioridade ao primeiro, por constituir o núcleo do desenvolvimento no estádio adolescente, complete a intervenção explicitando inequivocamente como o modelo interpretativo não corresponde aos dados em análise. Esta clarificação, para além do respeito pela verdade crítica que o educando pretende e tem de conseguir assimilar, é uma reserva à espera dos períodos posteriores da vida do aluno. Para além disto, o professor deve estimular à expressão, à concretização, à comunicação do intuído no instante revelador. Isto, por dois motivos: o discípulo precisa de ir aprendendo a regra morosa e suada de dar corpo à revelação. Convém é que não fique aprisionado nela, não lhe consagre por ora a vida. Isto implica que lhe dê uma qualquer materialização, o mais adequada, completa e perfeita que consiga, mas sem a prolongar no tempo de modo emocionalmente intolerável para ele ou que o afaste irremediavelmente do mundo e da vida corrente que tem de acompanhar durante o período etário inteiro, para garantir um desenvolvimento equilibrado. Por outro lado, tal diligência deve ser sempre requerida, mesmo quando o modelo conceptual intuído se antolhe um rematado dislate para os dados em causa. É que ele vale por ele próprio, enquanto afloramento da criatividade formal: solicitar-lhe uma explicitação reforça a valia que lhe atribuímos sob este aspecto, demonstra quanto a cremos importante, inapreciável para o desenvolvimento do intelecto do educando em que a faísca chispou. Com isto, o aluno treina e dá força ao instante revelador e, concomitantemente, experimenta e põe-se à prova no segundo, o de explicitar os respectivos conteúdos inovadores. Importa que o não obriguemos a ir além disto, mas igualmente que o não deixemos jamais ficar aquém, também aqui. Senão, serão estas possibilidades que ele não testará e, conseguintemente, ignorará quando durante a juventude tomar as decisões tendencialmente definitivas que lhe marcarão o resto da vida: na carreira profissional, na constituição ou não de família, na actividade de lazer, no papel sociocultural.




Integrar o concreto, o formal e o criativo


Uma vez que os educandos em geral vêm do meio travados ao nível das operações concretas em que parou a generalidade dos adultos entre nós, têm já dificuldade em atingir o pensamento formal durante a puberdade, encontrando na escola normalmente o único ambiente onde pode haver estímulos adequados a tal desenvolvimento. Ora, como o formalismo criativo tem de enraizar-se ali, é importante que o educador integre permanentemente os três degraus do intelecto, atento ao crescimento do educando em concreto, retomando-o sempre a partir do nível operativo em que se encontre em cada momento e perante cada problema. Normalmente, isto implica que ele coloque o tema ao nível concreto, à partida, evocando ou criando uma experiência que os alunos possam vivenciar atentamente. Daqui partirá para o questionamento formal, em busca duma análise e reflexão de base conceptual tendencialmente exclusiva, para depois perguntar pelo que ainda não pode encontrar resposta no arsenal representativo do aluno, buscando então que brote a luz, numa intuição inédita.


A habilidade docente de dosear este itinerário do concreto ao abstracto, até ao criador, precisa de ser treinada para o educador aprender a surpreender os indícios de saturação, quando demora demais num patamar recuado; e os de incompreensão e insolubilidade, quando espera exageradamente dum dos mais elevados. Logo que o educando ou a turma manifesta mal-estar dum sinal ou doutro, urge mudar de imediato a focagem, ou aproximando-a da abordagem concreta ou da criativa, conforme o sentido do indicador detectado. Importa garantir ao máximo que o educando seja bem sucedido no esforço por corresponder à estimulação do educador. Isto é que lhe permitirá, com o mínimo de energias e de tempo, aproximar-se do cume do desenvolvimento deste período etário.


Tal cuidado irá obrigar a insistir na experiência vivida dos alunos como manancial de recursos permanentemente disponível. Mas requer igualmente a busca da experimentação, de modo mais ou menos informal, como orientação do olhar para observações focadas em aspectos decisivos ou relevantes dos dados, mesmo empíricos, de partida. Recorrer ao trabalho de campo ou de laboratório, com toda a precisão e controlo assumíveis pelos educandos, é outra via permanente a trilhar. O que aqui importa é atender concomitantemente a dois vectores: o primeiro é arrancar de dados que permitam a abordagem ao nível das operações concretas, sempre que imprescindíveis; o segundo é orientar a atenção, conjugando a observação e o pensamento através de perguntas precisas e de tarefas predefinidas e ordenadas. Isto levá-lo-á a correlacionar permanentemente teoria e prática, logo à partida, na trilha em que coloca e acompanha cada aluno. Deverá reforçar isto durante todo o itinerário que o discípulo percorra, solicitando-lhe aplicações e suscitando-lhe a criatividade desde os níveis mais primitivos aos mais elaborados, partindo do campo activo com as atitudes nele exequíveis, para o relacional, com as entreajudas e complementaridades mútuas na pesquisa, na elaboração e nas apresentações que poderão revestir em cada vivência, até atingir o da racionalidade com os modelos intelectivos do universo e do homem, a rasgarem virtualmente os véus do mistério. Quanto mais o professor lograr imbricar os múltiplos níveis em experiências-vivências unitárias, tanto mais aumenta a probabilidade de o todo desabrochar na criatividade formal, derradeiro cume da ascensão. Isto é assim, primeiro, porque é do húmus dos campos anteriores que esta faculdade rebenta e quanto mais bem trabalhados mais propícios a ela ficarão; segundo porque, adquirida a mestria formal cognitiva na puberdade e a mestria criativa prática, afectiva e relacional desde a infância, na adolescência é a fusão de ambas estas matrizes que redunda na nova faculdade formal criadora, advindo isto antes de mais da transferência a operar dos domínios anteriores para o terreno inédito. Quanto mais presentes e reactivados aqueles forem mais rápida e rica é a sementeira com que inundarão este, se permanentemente o mantivermos como desafio diante dos olhos.




Estimular o imaginário fabuloso


No período etário que medeia entre os 6 e os 10 anos, a criança é particularmente sensível ao gosto por adquirir competência, mostrar-se à altura das responsabilidades e tarefas que se lhe cometem ou que por ela própria entende assumir. É um período de imaginário muito forte. As fábulas, a ficção fundamente poética, com trama onírica, são neste estádio fascinantes. Curiosamente, vão condicionar radicalmente a adultez bem sucedida. Quanto maior a estimulação do imaginário fantástico naquela fase, tanto mais provável é a criança vir a dar um adulto bem realizado na vida, qualquer que seja o rumo em que se empenhe.


A adolescência é um itinerário intermédio entre a infância e a maturidade. Como período de autotestagem e de revisão do mundo e da vida, vai trazer pela primeira vez os sonhos à lide e pô-los à prova. Daí que importe estimular com histórias de fantasia, durante a terceira infância, os educandos. É que, primeiro, isto vai robustecer-lhes a imaginação, faculdade mediadora entre a actividade, o afecto e a razão: recolhe dados daqueles para os figurar e accionar em dramatizações desta. Além disto, porém, é viável por aqui predispô-los para virem a despoletar mais tarde o pensamento formal criador. Para tanto importa ofertar-lhes histórias fantásticas cujos enredos recaiam nesta faculdade, nas aventuras, inovamentos, rupturas, esperanças e crises que desencadeia e supera. Não em narrativas lógicas, racionais, mas com entrechos fantásticos, de predomínio poético e onírico. Apenas estas características estimulam o imaginário típico que subjaz à vitória adulta. As biografias dos grandes génios, desde que entretecidas de alegorias, pontuadas de arquétipos do inconsciente em contextos de sonho, cheias de hipérboles e símbolos míticos – eis um manancial a explorar, enquanto o não houvermos por escrito, pelo imaginário do educador. Desde que o vector sobre que os episódios ocorram seja a criatividade formal do personagem, o que a provoca, em que consiste e o que a desencadeia, teremos então implantado este estímulo à distância. Frutificará depois, quando a idade propícia e as ocasiões lho proporcionarem.




Ir à descoberta

Uma última estratégia pode ser utilizada pelo educador: ir à descoberta do desconhecido, jogar-se com os educandos à aventura. Em problemas bem delimitados, para questões precisas que continuem em aberto, este é um exercício salutar de humildade, de comunicação da atitude de douta ignorância, de disponibilidade para inovar, para criar, para aprender, se o milagre da luz ocorrer em alguém.


Isto implica, para o educador, que saiba correr o risco de falhar sem que tal o desnorteie, o desautorize (nem que seja perdendo a imagem perante ele próprio) e sem com isto se demitir do papel formativo que tem de implementar e que, longe de ser aqui negado, é mesmo reafirmado e duma forma mais significativa e profunda do que em qualquer outra experiência pedagógica. O peso do modelo e funções tradicionais do professor, entretanto, são tais que tanto ele como os alunos e ainda o meio poderão não compreender o alcance desta caminhada pelo deserto em busca da terra prometida. Daí a importância de aprender e ajudar a turma a assumir bem esta estratégia, para ninguém perder o rosto e se não deteriorar a relação pedagógica, pois então redundará tudo em pura perda e desvario.


Para além disto, a alternativa de ir à descoberta implica a capacidade e obrigatoriedade de manter os problemas em aberto. É aquilo com que cada um fica normalmente no termo da tentativa. Este saber falhar é o primeiro requisito que o educador tem de atingir, na gestão do encontro educativo. Depois deve tentar que os educandos consigam viver com esta ferida aberta, contrariando por inteiro a habitual segurança do saber constituído que a escola lhes oferta. Manter uma pergunta sem resposta é tarefa difícil de levar a termo no contexto do sistema e da tradição. Constitui, contudo, um dos desafios mais estimulantes e construtivos para aguilhoar a criatividade formal em educandos e educadores. Para bem assumir este vazio, para tolerar este abismo de escuridão que ameaça engolir-nos, é imprescindível delimitar com cuidada precisão os contornos da pergunta irrespondida, de modo que cada qual se firme no terreno desbravado que lhe é afim, em todos os sentidos que já forem conheciddos, dominados. Isto acalma a impaciência e o horror ao vácuo de que todos sofremos no íntimo. Para além da acalmia e tolerância emotiva que isto gera, permite ainda desafiar com rigor o imaginário criador para dar alguma vez conta do que fará luz sobre a zona das trevas envolventes, não o desviando para questões inexistentes, para falsos problemas. Ora, isto, a precisão do olhar, a agudeza da atenção fixa no ponto determinante é que solicitarão a criatividade do adolescente a inventar a fórmula mágica que abrirá portas para o além.


Constituindo uma via penosa e difícil de gerir equilibradamente, correr à aventura é, entretanto, o que mais fundo e longe conduz a estimulação do pensamento formal criador no adolescente, podendo mesmo implantar desafios para uma vida inteira que permanentemente o aguilhoarão daí em diante até algum dia atingir a descoberta.




Tomar consciência dos bloqueios


Recuperar o nosso atraso intelectual é uma tarefa urgente e ingente. Importa conjugar tudo para atingir tal fito. Antes de mais é decisivo que os próprios educandos se empenhem na caminhada, com entusiasmo e persistência, dado que é laboriosa e lenta a ladeiraa a trepar.


Convém explicar aos alunos o bloqueamento da generalidade deles ao nível das operações concretas, por condicionamento ambiental. Deve referir-se-lhes que, em todos os casos em que o convívio quotidiano ocorre com quem não atingiu os últimos patamares, sejam familiares, colegas ou amigos, apenas na escola poderão encontrar contactos, ao nível de companheiros dos meios mais escolarizados e principalmente dos professores, que lhes permitirão aceder aos derradeiros níveis do intelecto. Isto deverá alertá-los para privilegiarem os relacionamentos que mais e melhor puderem estimulá-los para atingirem, primeiro, as operações formais e, depois, a criatividade intelectual.


De igual modo é imprescindível dar-lhes conta do bloqueio escolar ao nível das operações formais, oriundo de dois condicionamentos muito difíceis de transpor. O primeiro é a reprovação maciça que em toda a escola ocorre no período etário dos 10 aos 15 anos, primordialmente devido à incapacidade generalizada de reflectir em abstracto, apenas através de conceitos, dos alunos naquelas idades. O segundo é o facto de a generalidade dos docentes só terem atingido este patamar intelectual e, portanto, apenas estão facilmente aptos a estimulá-lo a ele e a comunicá-lo, quer empaticamente, por via inconsciente e transmissão espontânea, quer voluntariamente, assumindo-o na metodologia e didáctica das aulas ou na convivialidade escolar, mas já não serão tão destros para abrir caminho aos educandos até ao derradeiro topo do intelecto, uma vez que o não dominam neles próprios, ignoram vitalmente em que consiste, não o poderão incarnar ao vivo no tecido relacional quotidiano que partilham entre eles e com os educandos.


Neste contexto, os alunos deverão saber que as reprovações acumuladas no período pubertário tendem a enquistá-los nas operações concretas onde se refugiam regressivamente quando o fracasso os frustra e destroi emotivamente. Na melhor das hipóteses, em tal caso, ou desistem da escolaridade e retomam a vida activa em qualquer profissão, mantendo-se equilibrados mas pensando definitivamente apenas ao nível concreto, como a generalidade dos adultos com que acabam convivendo, ou então persistem tentando avançar e o traumatismo de irem reprovando tende a retardá-los pela vida inteira na busca do domínio pleno do pensamento formal. Isto é tanto mais agravado quanto maior for o autoconvencimento dos atingidos de que por natureza foram destituídos desta capacidade intelectual. O efeito de autocastração pode ir desde o retardamento do desenvolvimento até ao bloqueio completo dele ao nível anteriormente atingido, tendencialmente o do pensamento concreto.


Os educandos, alertados para estas conjunturas que lhes limitam enormemente as possibilidades, poderão então assumir com muito mais conhecimenrto de causa as respectivas responsabilidades, aproveitando quanto permita que avancem rumo à criatividade formal. Aliás, a informação completa e justa do enquadramentoi impele-os à procura de alternativas, exercitando-lhes a criatividade ao nível de inventar caminhos, de descobrir soluções. Isto é logo por si uma vitória facilitadora, em virtude das transferências de campo para campo, a partir do domínio prático, afectivo ou relacional para o do intelecto. As actividades de inovamento, a experiência de criar, de inventar saídas, de pôr a caminho inesperados serão o pórtico de entrada para a criatividade formal, derradeira meta.


Quando o educando ficou eventualmente frustrado ao nível anterior do pensamento abstracto e o encontramos bloqueado, urge libertá-lo. Primeiro, o pedagogo terá de desculpabilizá-lo, remetendo a experiência traumática para as matrizes que a originaram (escola e desestimulação ambiental), de modo que o aluno retome a confiança nele próprio e nunca mais se encare como destituído estruturalmente das faculdades mentais que lhe requerem. Ele terá de compreender porque é que as não detinha quando lhe foram exigidas e como as poderá doravante adquirir. Terá de conhecer os factores e relações humanas a que terá de deitar mão para recuperar o tempo perdido. Finalmente deverá saber que está dessintonizado da idade cronológica mas que pode pôr-se-lhe a par, empenhando-se adequadamente e aproveitando os mediadores externos mais à altura: colegas mais bem desenvolvidos, professores nisto apostados e com bastante domínio dos métodos e estratégias a tal propícios. Assim, rapidamente, irá correndo até se equilibrar com as potencialidades reais do período etário que atravessa.



Conjurar os encarregados de educação


Conjugar esforços implica por fim envolver no desenvolvimento intelectual os progenitores e demais formadores dos educandos. A primeira medida a generalizar é informá-los de que o estádio mental do adulto médio é o de se ficar pelas operações concretas, raros ascendendo ao nível formal e constituindo preciosas excepções os pouquíssimos que atingem o pensamento criador. Depois cumpre explicar-lhes os efeitos e condicionamentos disto sobre os educandos e o peso e responsabilidade acrescida que tal acarreta à escola, como instância única de recurso para tentar encaminhar os alunos até ao cume do desenvolvimento intelectual. Isto permitirá que as famílias e o meio compreendam as dificuldades, entendam o que está em causa e a premente importância que reveste, apoiando os educandos e estimulando-os a não desbaratarem oportunidades nem recursos já de per si tão escassos e vulneráveis.


Para além disto, porém, importa prevenir os encarregados de educação e o meio em geral para reforçarem e saciarem durante a terceira infância o imaginário fantástico das crianças (bem como nas idades imediatamente posteriores) de modo a tornarem os educandos imaginativos e mentalmente maleáveis. Precisamos de alertá-los para o facto de assim os alunos se tornarem mais rapidamente aptos a superar dificuldades em geral, vocacionando-se para serem bem sucedidos na vida. Isto, por irradiação, facilitará o itinerário e a recuperação no âmbito da inteligência formal e criadora, durante o período etário da adolescência.




Evitar escolhas antecipadas


A ignorância das coordenadas de desenvolvimento típicas da adolescência, mormente do traço de ser a época de passar em revista e de pôr à prova, de descobrir o que há ao dispor em todos os campos, desde o laboral ao afectivo e do lazer, de experimentar e de testar-se; o desconhecimento de tudo isto levou a escola a impor escolhas em idades desajustadas, demasiado antecipadas, à roda dos 15 anos, no termo do Unificado. Optar aqui pela via especializada que determinará a área da vindoira carreira profissional do aluno é uma violência gratuita e de custos incalculáveis, porque vai marcar vidas inteiras em múltiplos domínios com frustrações crónicas irrecuperáveis. Escolher no termo da puberdade ou durante a adolescência uma área especializada de estudos virada para futuras profissões é impedir por inteiro, na componente escolar e em tudo quanto dela depende, que o educando viva correctamente a adolescência. Durante o período completo ele deveria poder aflorar um currículo muito largo de campos, apenas a nível da sensibilização, justamente para saboreá-los, pôr-se à prova neles, constatar quanto lhe calam ou não nos gostos e sonhos, se convergem ou não com a afectividade dele. Apenas depois disto, saciada a vontade de correr mundo, então, três anos em média após, é que se deveria exigir uma escolha, com foros de minimamente decisiva. E mesmo aqui teria de ser ainda para uma área vasta e flexível que consagrasse múltiplas alternativas, de modo a fechar o mínimo possível o leque das autodefinições pessoais, a fim de dar tempo às vocações de desabrocharem, de poderem ser assumidas, ajustadas, de forma a poderem maximamente corresponder às potencialidades íntimas de cada educando.


Urge que o poder e os educadores aproximem o sistema disto, a bem da mais equilibrada trajectória educativa de cada aluno. Tal requer imaginação para ir flexibilizando o modelo implantado, mesmo quando rigidamente concebido e imposto, de forma a explorar-lhe as contradições e interstícios por onde possamos atender caso a caso e até globalmente esta carência imprescindível do adolescente, permitindo-lhe adiar até à idade oportuna a escolha que o condicionará, tendencialmente para o resto da vida.


Um vector tão relevante para a realização pessoal como é o da carreira profissional, maiormente decorrente do diploma final e da área onde for obtido, até por isto não pode continuar mais dependente duma opção imatura, onde evidentemente acabará sempre por imperar a arbitrariedade ou a imposição alheia. Em qualquer dos casos só por milagre irá corresponder à vocação mais profunda e gratificante do educando. Com o estado de coisas actual e as pressões, neste e noutros domínios, para se arrumarem rapidamente as vidas adolescentes, andamos condenando ao fracasso gerações inteiras de alunos. Perdem eles, ao terem de viver as semividas para onde, ao calhar, os empurraram; perdemos todos, ao convivermos numa comunidade de desânimos, onde tão poucos encontram algo por que valha a pena viverem a sério. Por nós e por eles é urgentíssimo alterar este interminável cemitério de vivos que é o País letrado, esta pátria de desiludidos. Fomos traídos. E continuamos traindo.


O período etário em que tudo é consumado há gerações é este. O remédio é inacreditavelmente simples: basta retardar para o estádio seguinte, o da juventude, as escolhas decisivas de áreas e cursos. Manter-se-ia o triénio da adolescência como o da informação geral do que há ao dispor do educando, a fim de ele poder correr o campo inteiro e ir tomando o sabor de cada alternativa, antes de ser obrigado a decidir pelo que for mais a contento dos respectivos gostos e sonhos, doravante para durar e para dominar a fundo, visando finalmente a realização pessoal futura a sério.






PERFIL RELACIONAL DO ADOLESCENTE


Traços mais marcantes




A extroversão


A adolescência distingue-se primariamente da puberdade porque à introversão desta corresponde naquela um extroversão marcada. Ora, isto relacionalmente implica uma profunda alteração de padrões em todos os campos, sob o signo da permanente abertura do adolescente ao mundo.


Em primeiro lugar, ele descobre o universo dos outros, a vários níveis. Desde logo, desinibe-se para o encontro com os colegas de sexo diferente de quem se isolara no estádio anterior. Estes contactos depressa se lhe tornam privilegiados, muito embora com o cariz predominante de relações de camaradagem onde cultiva amizades. Mas, se na puberdade se ensimesmou, ligando-se tendencialmente a um confidente único do mesmo sexo, doravante o leque alarga-se indefinidamente a outros colegas e amigos, rapazes e raparigas indiferentemente. Estes encontros gratificam-no tanto que o adolescente perde a noção do tempo, horas e horas em deliciadas cavaqueiras, em passeatas e programas conjuntos os mais variados. Conjugam-se, pois, mesmo neste plano mais íntimo e de convivialiddade mais extensa e intensa, os amigos todos, por mais próximos que compartilhem habitualmente, no contexto dos grupos mistos, com número variável de moços e moças. Quando por estas idades se prolonga, isolado, o dueto de confidentes, é sinal de que o trajecto para a maturidade parou nalgum ponto, se encontra bloqueado ou ocorreu algum trauma ou frustração insuperados que urge detectar e eliminar, antes que o desenvolvimento paralise e atinja a morbidez.


Neste primeiro plano, o adolescente busca o companheirismo e frui-o com longa satisfação. Já não é isto que procura ao abrir-se à colectividade e ao participar-lhe das tarefas e funções, ao integrsar-lhe organismos, iniciativas, ao envolver-se em projectos. Neste âmbito o que é inquirido é a informação do meio, do que o constitui, das actividades que o percorrem. Concomitantemente, tenta o encontro com os indivíduos, os agentes e respectivos desempenhos. O adolescente é atraído pelo fascínio de tudo quanto o rodeia e de que se isolou em grande parte durante os anos pubertários. Agora é a redescoberta do espanto. Corre de pessoa em pessoa, de ramo em ramo de actividade, experimenta os trabalhos mais variados, se lho permitem. Neste âmbito, reencontra finalmente a família de que se alheara em parte desde a pré-puberdade. Os novos laços que cultiva são doravante dum participante activo e que tem uma palavra a dizer e não já o duma criança dependente, insegura e inexperta, como outrora. A disponibilidade social abre-o a todas as idades: ao irmão mais novo ou mais velho, ao bebé, ao cunhado, ao tio ou ao avô. Em tudo reformula com nova maturidade o perfil do relacionamento infantil que antes com eles entretecera: agora reivindica um estatuto equiparado ao adulto, tanto quanto a experiência de vida lho permita, e com tal expectativa se liga a mais novos ou mais idosos. Assume responsabilidades com facilidade e dá conta delas com empenho. Não acata ordens nem imposições que não sejam compartilhadas, discutidas, eventualmente negociadas matéria a matéria, como entre crescidos se impõe. Fora do âmbito familiar repudia qualquer vestígio de infantilismo no trato, com repugnância e até agressivamente. Adora meter o nariz em quanto lhe vem ao alcance, do trabalho à notícia, do acontecimento à festividade – aqui menos para entabular relacionamentos e muito mais para participar, ficar a par do que ocorre, saborear cada evento, para joeirar depois tudo em revisão quando retorna ao ambiente íntimo. Aqui é que tudo aquilo alimentará intermináveis cavaqueiras aprazivelmente.


O contacto com a natureza sofre também na adolescência uma reviravolta. Se a estese acordou muito antes, no limiar da pré-puberdade, a introversão dos períodos etários anteriores não permitiu explorá-la a contento. É agora que o salto para o espectáculo do universo vai ocorrer. A sensibilidade impaciente busca a saciedade. O adolescente finalmente saboreia a paisagem, enaltece o pico da montanha. Delicia-o o alpinismo, reencontra a grande matriz do rio e do mar, revivendo o abandono pré-natal na natação (a delícia de vogar de olhos fechados no infindo útero genesíaco da mãe-terra!), sonha o repouso cálido da praia, feito um recém-nascido nas ondas da vida. Mergulha na noite encantado pelo mistério do luar, pela infinidade do Universo, pelo desafio dos astros. Inebria-se com o arrebol, com o lusco-fusco. Delira ao sol-pôr. A natureza inteira subitamente adquiriu alma e vida para ele e murmura-lhe inefáveis segredos de indesmentível efeito encantatório. O adolescente vagueia pelo mundo com olhos assombrados e passos de sonâmbulo. O coração arrebata-o de estese violenta e a cada esquina um novo deslumbramento o comove até ao mais fundo e ignoto dele próprio. Inefavelmente gratificante, esta comunhão apaixonada com o Universo é um diálogo mudo de amantes para a eternidade. É a descoberta da imensa dádiva gratuita do Infinito a ele próprio. Tudo se lhe entrega, disponível e confiadamente abandonado, para ser por ele fruído até à saciedade.




Os envolvimentos múltiplos


Um dos efeitos da generalizada extroversão adolescente é o envolvimento em múltiplos campos de actividade simultaneamente. Neste período todos pretendem abarcar o mundo inteiro com os braços demasiado curtos de que ainda dispõem, imaturos e ignorantes dos próprios limites como ainda se encontram.


Por um lado, isto leva a que o adolescente apareça com uma explosão inesgotável de energias. Envolve-se nos clubes da escola, pratica jornalismo, inscreve-se no atletismo e no desporto em geral, treina música e dança, integra grupos de intervenção social ou humanitária, vai a campos de férias, organiza passeatas, corre ao cinema e ao teatro... Parece que o dia cresce e ele consegue em cada um encaixar o programa duma semana inteira. Isto leva-o muitas vezes a esgotamentos e desequilíbrios de vária ordem: é-lhe quase inevitável atingir o limiar da resistência. Quando se não precata, pisa o risco e estatela-se, requerendo apoio de alguém ou mesmo tratamento.


Por outro lado, é comum, na barafunda e atropelo de tantos centros de interesse e actividades, o adolescente perder o norte. Abandona as vias mais convenientes que o abrem ao porvir, secundariza o aproveitamento escolar e reprova, torna-se irremediavelmente indisciplinado na aula, no clube, no convívio, lesando a aceitação ou levando à rejeição mesmo. Neste aspecto, o mais intolerável para adultos e professores é habitualmente a subalternização da escolaridade e a perda dum sentido das prioridades em geral que implica custos graves no futuro, oportunidades esbanjadas, portas que se fecham e caminhos que acabam, afinal, bloqueados. É muito difícil ao adolescente evitar este risco, deslumbrado como fica por quanto vai descobrindo pelo mundo e pela vida fora. Tudo é para ele tão interessante que é tentado a dar prioridade ao que lhe brota de momento, ignorando tudo o mais, incapaz de programar-se previamente e de atribuir a cada evento o relevo que na vida e no projecto de futuro pessoal deverão ocupar, estejam na ocasião presentes ou ausentes.


Por muitas voltas que dê, o adolescente não tem tempo jamais para a quantidade de empreendimentos em que se envolve. Daí que todos os projectos se lhe tornem instáveis. Ele adere-lhes hoje com um entusiasmo tal que se encara como indo prossegui-los pela vida inteira e amanhã já nem se lembra daquilo, empolgado por outro desafio qualquer. Isto, primeiro, implica nunca sabermos muito bem por onde anda nem com que poderemos contar do lado dele. Aliás, o adolescente, sendo tendencialmente muito comunicativo, não encara como tarefa útil o prestar contas dele a outrem, antes isto antolha-se-lhe como resquício infantil, incompatível com o indivíduo maduro e autónomo que pretende representar e ver respeitado por terceiros. Daí que nunca, durante o período inteiro, tanto progenitores como outros mentores dele logrem acompanhá-lo nem prevê-lo nas permanentes deambulações ao desvario em que se embrenha. Aliás, os adultos tendem a projectar e esperar do dolescente aquilo que eles próprios são e, portanto, pressupõem uma continuidade de vida e de projectos, espontaneamente, que obrigatoriamente os vai induzir em erro, de modo sistemático. É um permanente factor de equívocos, de expectativas frustradas, de conflitos e rupturas entre os dois campos, as duas gerações.


Isto, porém, quando se agudiza, vai mais longe. O que é difícil de compreender e perdoar ao adolescente pelo adulto é a instabilidade, a permanente mudança de actividades, sonhos, projectos, empenhamentos, relações humanas, amigos e assim por diante. Antes de mais, na perspectiva da maturidade, isto é duma irresponsabilidade intolerável. Com efeito, ninguém pode assentar nada em tal areia movediça, nenhuma construção existencial com um mínimo de significado pode erguer-se em tal alicerce. Tudo se esbarronda e desperdiça num permanente vazio. Ficamos eternamente de mãos a abanar com tal atitude. É o que o adulto pretende fazer ver ao adolescente para que ele se corrija, de modo a não viver condenado a frustração crónica. Esta leitura e sensibilidade madura ignora a diferença de perspectivas e objectivos de cada estádio e transpõe irreflectida e inadequadamente para o adolescente o que é válido para a adultez mas aqui é por inteiro desajustado. Com efeito, a adolescência é a idade da descoberta e jamais a da realização: consuma-se e fica satisfeita com o mero desvendar das coisas, sem nunca precisar de ir mais longe para ficar equilibrada.


Um segundo aspecto contra que o adulto se choca é com a traição das expectativas (que entende legítimas) doutrem sobre o adolescente. Ora, quando alguém o crê empenhado numa área, já ele investiu por outra além, quando o espera apoiando uma ideologia ou empolgado por um credo já ele milita nos antípodas. Isto antolha-se desrespeitoso, inconciliável com uma sociabilidade equilibrada. Aliás, o juízo adulto é permanentemente reforçado pelo facto de as próprias amizades e grupos adolescentes andarem em parmanente reviravolta, num corropio de indivíduos em constante rotação. Também aqui a transposição da estabilidade da maturidade para este período etário ignora o que é típico e salutar durante ele. A fidelidade relacional adolescente é apenas a que for compatível com a urgência de reconhecimento da comunidade ambiente em todas as cambiantes que revestir e tolerar, no âmbito dos traços humanos. Nesta idade o que é requerido é passar em revista os laços íntimos familiares, os de paixão possível ao dispor para o futuro, os de amizade com um e outro sexo, os laborais na horizontal e vertical, com os iguais e superiores, patrões ou gerentes - tudo sem se fixar nem comprometer duradouramente com nenhum relacionamento nem com um padrão definido ou exclusivo de o cultivar. Aguardar da adolescência ou impor-lhe mais do que isto é traí-la no que tem o direito e dever de desenvolver, se pretendermos vir a ter depois jovens lúcidos, equilibrados e que não precisem de ter saudades duma idade que não chegaram a esgotar, andando depois regressivamente a reproduzir comportamentos pela juventude fora que já deveriam ter ficado esgotados à entrada dela.


Para os progenitores o pior são os projectos inacabados permanentemente. Vêem nisto a marca da incongruência, da falta de persistência, disciplina e vontade que ameaça os filhos para a futura vida profissional. É difícil evitarem a ansiedade que os leva a tornarem-se agressivos. Os professores enfrentam a mesma dificuldade quando dão com trabalhos abandonados a meio, estudos entusiásticos à partida mas que não tiveram fôlego para caminhar depois. É verdade que a competição económica e laboral é incompatível com isto e quem atempadamente não ultrapassar este perfil será severamente punido e marginalizado. Importa, aliás, prevenir o adolescente disto, pera ele poder precatar-se e ir-se preparando para o que irá ter de enfrentar. Ir além disto, porém, neste estádio etário, é uma vez mais violá-lo. Todas as continuidades, aprofundamentos e persistências no mesmo carril são aqui anacrónicas, vêm antes do tempo de maturação e condicionam ou forçam negativamente o ritmo e o perfil do desenvolvimento desejável no triénio adolescente. A solução equilibrada, neste particular, que mais directamente vai ecoar na carreira profissional vindoira, é alertar para que os projectos a executar sejam sempre simples, de conclusão imediata ou a curto prazo, de modo a libertar a disponibilidade para novos envolvimentos quando estes se tornarem prementes. Com isto garantir-se-lhes-á a experiência de levar a termo cada tarefa sem que ela devenha uma intolerável prisão para a espontaneidade adolescente. Deveremos ter sempre em mente que esta arde como fogo de palha: ateia instantânea um fogaréu incontrolável e de imediato arrefenta em poalha de cinzas. Este é o modelo que lhe convém em todos os domínios do desenvolvimento.


As amizades electivas


Por muito que as paixões sejam neste período avassaladoras e, pela transitoriedade que as marca, perigosas, elas tendem a ser secundárias durante o triénio, do ponto de vista da prioridade que lhes atribui o adolescente. Para este o fundamental no relacionamento interpessoal não se encontra aqui e também não nos laços familiares, por muito relevantes que os reconstrua, mas antes no grupo de amigos doravante misto, com rapazes e raparigas. Aqui é que ele se testa como sociável, como agente criador de comunidade e história, que verifica até onde é acolhido e bem sucedido no que vai visando. O grupo funciona para o adolescente como um microcosmos: nele resume a humanidade inteira, como numa miniatura onde tudo se espelha e pode, portanto, ser aprendido, testado, verificado. Neste aspecto, os amigos são para ele o ponto de chegada da sociedade, a porta aberta dela onde ele penetra e trata de enquadrar-se a contento. Ao invés, opera também como laboratório onde se vislumbram as alternativas, as revoluções, os mitos empolgantes que atraem, a desafiar a criação dum mundo novo. Então o grupo é encarado como fermento na massa, o princípio da era renovadora donde nascerão os deuses num mundo-paraíso vindoiro.


Lugar de encontro com a colectividade, espaço de aprendizagem e mútuo reconhecimento, princípio duma nova era redentora da humanidade tresmalhada, os amigos adolescentes constituem um núcleo unificado, minimamente coeso, que funciona de acordo com a dinâmica dum grupo natural. Se não houve traumas nem desvios comportamentais por eles induzidos, há um chefe espontâneo que alimenta a unidade do todo, lhe atribui o perfil identificador típico (ora é intelectual, ora convivial sobretudo, ora programador, ora entusiasta do cinema, do computador, da leitura, ora é de ar livre, ora de empenhamento religioso, político, cultural, humanitário...). Normalmente o chefe comanda a dinâmica típica que predomina no grupo, ele é que dirime querelas, desempata alternativas, mobiliza energias. Todos tendem a reconhecer-se nele e nas posições e propostas que defende. Curiosamente, nem ele nem os restantes se dão habitualmente conta de que operam assim. É espontâneo e inconsciente o dinamismo e estrutura interna do grupo natural para a generalidade dos adolescentes.


Quando a vivência grupal é sadia e equilibrada, neste período etário, os amigos assim unificados estão, comcomitantemente, em permanente renovação. O grupo é aberto, mantém ligações múltiplas com muitos mais e as mudanças duns para os outros serão constantes, eventualmente e quase sempre sem largarem as formações de origem, mas secundarizando-as gradualmente. Tudo isto decorre em clima informal e sem qualquer planificação, ao sabor das sensibilidades de cada um, dos interesses para que vai despertando, das saciedades que vai atingindo.


A consequência imediata disto é que as amizades não são duradoiras, estão em trânsito permanente. O amigo íntimo de hoje é outro que o do mês que virá. Quando tudo corre bem, não é que os anteriores se tenham tornado indiferentes e menos ainda inimigos. O adolescente considera todos amigos, mas ora aproxima-se, ora afasta-se, ao sabor do acaso, das circunstâncias, das motivações, da sensibilidade mutável com que vive. Não há obrigatoriamente qualquer choque entre eles por causa disto. Todos o sentem e verificam-se iguais nesta mutabilidade. Acatam-na e exploram-na o melhor que lhes for convindo. Onde por hábito há choques é no trânsito do modelo pubertário do confidente único para estoutro do múltiplo vaguear pelos relacionamentos. Quando um deles muda de fase antes do outro, o púbere sente-se traído pelo parceiro lançado por aí fora à aventura e, não raro, há conflitos, levando muitas vezes a terminar mal um relacionamento que foi salutar no período anterior.


Finalmente, este perfil das relações grupais obriga a que elas sejam predominantemente superficiais, de tão transitórias como têm de ser vividas. Ficam-se pela rama, por aspectos, desempenhos, áreas de intercomunicação. Jamais se torna nenhuma delas vital. Também isto é difícil de acatar pelo adulto, quando aqui é verdadeiramente salutar: o adolescente precisa também de descobrir quem melhor poderá vir a ser o amigo para uma vida. Agora é tempo de o ir procurando de colega em colega, sem se encurralar em nenhum relacionamento de maneira durável. Apenas assim poderá descobrir e dar-se a conhecer ao maior número, bem como ter em conta as variações individuais, as vantagens e riscos, em quaisquer domínios da vivência pessoal e dos papéis sociais. O preço, uma vez mais, é informar-se o bastante sem se empenhar demasiado nem duravelmente, para garantir tanto o conhecimento de que precisará futuramente, como a liberdade de escolha por quem mais convenha aos projectos existenciais por que vier finalmente a optar. Apenas então se justificará que os laços eleitos se aprofundem até ao limite de quanto uma vida empenhada possa dar de si para outrem, para todo o mundo, eventualmente até para a História.




Os primeiros namoros


Se os amores à primeira vista, fulgurantes como relâmpagos, tendem a aparecer e perturbar o período pubertário, tomando tendencialmente a forma de amores platónicos a que apenas o confidente íntimo tem acesso, em segredinhos intermináveis e cúmplices, durante a adolescência a paixão toma vulgarmente a forma já de namoro. Dada a transitoriedade típica de todas as experiências do período, bem como a instabilidade afectiva que ainda o marca, oriunda da superficialidade tendencial dos laços cultivados que precisam de renovar-se permanentemente, alargando o rol das informações, os namoros adolescentes resultam condenados em geral a falhar.


Estas experiências são vividas muito mais para conhecer, descobrir como é este tipo de relacionamento, fruir-lhe o prazer e experimentar-lhe as angústias e riscos, e menos viradas para o casamento ou para constituir família. É muito improvável o adolescente colocar este horizonte como objectivo para ele próprio. Atrai-o fortemente a expectativa de prazer e felicidade que o amor promete, alarma-o o risco e a dor que vislumbra na vivência quando não correspondida, apunhala-o o desencontro amoroso, exaspera-o a traição. É no jogo e entrechoque dos sentimentos que se move, em busca do equilíbrio ainda intoleravelmente instável entre afectos e compromissos, entre a sensibilidade vulnerável em demasia e a vontade frágil e inconstante. São as condições da felicidade e do prazer que tenta dominar, não ainda o projecto de se realizar pela vida fora.


Cria, por via disto, um rol de ambiguidades e equívocos que vão agravar mais as dificuldades próprias da idade. O desencontro de amores aprofunda-se então, mesmo dentro de cada par, cada um com expectativas contraditórias das do outro, este a pretender ilusoriamente um envolvimento de paixão para a eternidade, aquele, uma relação esporádica pelo gozo que der, um sonhando antecipadamente com um porvir doirado, o outro a pretender explorar um presente que se lhe escoa por entre os dedos. Enquanto dum lado há afectos que mergulham fundo na personalidade, do outro chega a haver apenas o oportunismo egoísta de roubar daqui o máximo prazer, quaisquer que sejam os efeitos no parceiro. A cegueira é vulgarmente mútua: nem o que apaixonadamente se entrega, sem considerar os resultados desastrosos, no âmbito afectivo, dentro dele próprio, e no social, com as sanções familiares e sociais, tantas vezes violentas e marginalizadoras sempre, que provavelmentee lhe advirão da atitude, nem ele repara de facto no companheiro, na sua diferença característica, na incapacidade de responder por compromissos duráveis e exigentes, no tipo de afecto que lhe desperta e assim por diante; nem este último, fascinado pelo prometido jardim de delícias, anota quanto este lhe requer de cuidados, persistências, fidelidades, dedicações, sacrifícios para se tornar verdadeiramente gratificante, nem quanto o diferencia e distancia do par, ameaçando este com desilusões, angústias, esfrangalhamentos dilacerantes e quantas vezes intoleráveis.


O namoro adolescente é assim um pulquérrimo sonho doirado que se esvai habitualmente num amargo despertar. É isto o que leva os mais equilibrados e lúcidos a uma atitude intermédia, novamente pejada de ambiguidades mas que já constitui uma defesa preventiva. Assumindo que tudo é antes de mais para se conhecerem também no domínio afectivo e erótico, mas apenas isto, então conferem ao relacionamento o estatuto de mera amizade, embora mais íntima que qualquer outra. Esta situação de privilégio gera muitas confusões para terceiros e, por vezes, também entre as partes. Ora é um outro colega que vem disputar um dos elementos do parzinho que se sente livre para retribuir mas choca contra a expectativa do parceiro que então reage como traído, exigindo uma fidelidade ao comprometimento relacional que o outro entende que dele não faz parte. Ora não ocorre isto, dizem que está tudo bem, são apenas amigos mas o marginalizado sente-se interiormente despeitado, humilhado e fica dividido entre o que afirma e o que vive de facto, independentemente da vontade e da consciência. Mas as complicações não terminam por aqui, porque os próprios adultos ficam muitas vezes perplexos ante estas amizades íntimas que não são assumidas como namoros mas não têm a coragem de se reduzirem também ao que entre amigos ocorre e legitimamente uns dos outros aguardam (ausência de intimidades físicas, eróticas ou sexuais, ausência de ternura profunda, avassaladora da personalidade ou vida inteiras). Este querer e não querer, esta indecisão mantém a ambiguidade e gera atitudes equívocas de pais, professores e adultos em geral, ora porque presumem que há um cultivo do amor, o que os adolescentes implicados rejeitam, às vezes violentamente, ora que tal afecto não existe entre eles, o que igualmente é mentira e projecta mal-estar, atitudes canhestras e clandestinas no par, aumentando-lhe a confusão.


É, entretanto, nesta conjuntura de evento intermédio, indefinido que o adolescente melhor se reconhece, defende e põe à prova as novas e perturbadoras vivências, bem como a capacidade que tem de as gerir e os riscos e sofrimentos que delas e da sua perversão ou gestão incorrecta poderão advir para ele e para outrem. A amizade privilegiada permite-lhe um tempo de espera, uma entrada no mundo do amor sem prometer nem esperar demasiado, mas o bastante para se dar conta da força dele para bem ou para mal, de modo a apreender-lhe ao vivo as exigências, as regras da correspondência mútua, como gratifica e quanto pode ser desastroso e angustiante.




As situações de facto consumado


O gosto insaciável pela descoberta que é timbre do adolescente conduz em muitos casos a situações de facto consumado indesejáveis.


A mais grave destas, em termos pessoais, familiares, comunitários e sociais, é a da gravidez precoce das moças durante este período etário. Habitualmente é um imprevisto tanto para a rapariga como para o rapaz, quer por falta de informação basilar (crêem, por exemplo, que a ejaculação à entrada da vagina, sem penetração peniana, não fecunda), quer porque arriscaram uma cópula esporádica e não acreditavam que o azar pudesse ser tanto, ou então acreditavam, obscurantistas, que não têm maturidade biológica bastante para tal e assim por diante. A surpresa acompanha aqui habitualmente a imaturidade e a irresponsabilidade, concomitantemente com uma confrangedora falta de informação derivada do tabu sociocultural que persiste em toda a sexualidade.


Quem mais sofre com isto é habitualmente a rapariga. As perdas principiam desde logo no grau de tolerãncia dela à fruição erótica com os parceiros. Perde a imagem e a credibilidade perante os rapazes e o meio tanto mais quanto mais permissiva e promíscua for, por um lado, e, por outro, quanto mais vamos dum ambiente urbano cosmopolita para a cidade provinciana e do interior e, finalmente, para o meio rural. Isto principia no rótulo pejorativo de namoradeira e termina no de prostituta, mesmo quando a virgindade física se mantém e as próprias comunidades o sabem. Evidentemente, tudo se tende a agravar quando ela a perde. Aí é comum o rapaz vir vangloriar-se do feito, sublinhando o marialvismo com o abandono liminar dela, para tornar tudo ainda mais notório. Em meios pequenos e tradicionalistas é a norma. A adolescente não escapa da teia igualmente sem graves lesões afectivas e psíquicas: os complexos de culpa cercam-na e encurralam-na na frigidez futura mais ou menos acentuada, quando não provocam regressões pubertárias homossexuais definitivas. O horror ao macho vem acumular a lista das perdas e marginalizar ainda mais, por escolha própria inadaptada, quem já era vítima de segregação pelo que lhe ocorreu. Curiosamente, mesmo quando tudo termina num casamento precoce, nem assim os problemas ficam resolvidos, contrariamente à crença generalizada: apenas se anulam as sanções familiares e comunitárias. Não é invulgar a relação afectiva tornar-se fortemente perturbada em virtude das frustrações, decepções e traumas da primeira cópula ou da experiência erótico-sexual inteira vivida pelo par. É difícil neste período superar os ecos emotivos das vivências: a complexidade dos sentimentos partilhados e desajeitadamente geridos na intimidade por quem é ainda tão indefinido, imaturo, torna tudo particularmente negativo e sem saídas. Os casamentos adolescentes terminam praticamente todos antes dos vinte anos, se não institucionalmente, pelo menos de facto, na realidade vivida do casal que se torna um par de estranhos ou de inimigos mesmo.


Mas a família sofre e faz sofrer em paralelo também. É raro uma gravidez precoce extraconjugal ser bem acolhida por ela. Habitualmente pune violentamente estes casos, mesmo com a morte ainda, em muitas comunidades rurais. E só não há mais tragédias porque a violência costumeira criou um ancestral anteparo de defesa que na generalidade opera automaticamente: a constituição duma família autónoma pelo par, nem que seja só para fugir à violência, e consistindo apenas numa mera situação de facto, o amancebarem-se (como acontece na generalidade do Alentejo interior e do sul); sob a policial vigilância das famílias, ciosas da respectiva honra que consideram violada se isto não ocorrer assim, pelo menos.


Os rapazes, mais promíscuos sexualmente em regra, neste período correm o risco de contrair doenças venéreas com prostitutas, bem como a sida. Habitualmente são menos vulneráveis a traumas afectivos, mais volúveis de afectos como se mostram, menos capazes de se entregarem a um relacionamento a fundo ou desde o íntimo deles próprios. Isto, que constitui um perigo para as raparigas que normalmente se dão conta tardiamente da diferença quando sofrem já as sequelas dolorosas da inconstância e dos amores traídos, isto, entretanto, defende-os emocionalmente a eles. Tem a contrapartida de lhes aumentar mais a vulnerabilidade aos malefícios oriundos das cópulas esporádicas. O risco de infecção agrava-se com a vergonha e clandestinidade com que tendem, por tabu, a encarar a conjuntura. O adolescente inibe-se facilmente de tratar destas dificuldades, de as confidenciar a quem o ajude e por isto pode eventualmente vir a correr riscos de gravidade pesada demais: contrair a sida é hoje uma pena de morte a mais ou menos curto prazo, por exemplo. Mas há mais. É que psicologicamente isto é tomado facilmente como punição merecida, por se ter transgredido o intocável, violado o jardim secreto. O complexo de culpa pode também por aqui atingir o rapaz. Por outro lado, ele psiquicamente vai tender a separar sexo de afecto, o que o ameaça de impotência e o desvia cada vez mais tanto duma integração harmónica da personalidade, conjugando equilibradamente ambos os aspectos, como da sintonia desejável com a feminilidade. Isto, a prazo, vai dificultar a relação conjugal, tendendo a torná-la distante e fria, um simulacro da comunhão de vidas, da fusão interpessoal total para que o amor e a ternura apelam e que gratificam tanto mais quanto mais forem aprofundados, tornados realidade no quotidiano do casal. Aliás, vai ter um efeito secundário do lado das raparigas este padrão donjuanesco: todas se tendem a sentir atraídas pelo moço, mas apenas para verificarem se ele se deixa enredar pelos seus encantos e nunca para uma relação a sério. A prazo, ele encontra-se isolado, quando pretender assentar afectivamente e criar um relacionamento duradoiro e profundo. Não terá com quem, tendencialmente. É um efeito paralelo àquele que leva a rapariga à prostituição, ficando depois, por norma, impedida de constituir família, por falta de par que a aceite. Aqui é o rapaz a cair na mesma armadilha, embora normalmente não revista, em número ou em gravidade, o peso que esta diminuição tem para as rameiras, vulgarmente vítimas e não tanto levianas.


Há ainda uma outra via de casos consumados característicos da adolescência. São os esgotamenmtos e doenças com eles conexas. Neste período eles não sabem medir as forças e as resistências. No intuito de abarcarem o mundo inteiro não raro exageram e as energias não lhes bastam a tão desmesurado cometimento. A quebra ocorre habitualmente em virtude duma grave frustração afectiva ou dum conflito emocional duradoiro, em tensão permanente (por exemplo, com os pais, a família ou um professor). Como o adolescente é muito vulnerável no campo da afectividade, não aguenta muito tempo uma vivência negativa forte, um permanente estado de angústia, ansiedade ou dor. Como esbanja energias a torto e a direito, não mantém reservas. Então, entalado numa situação crítica, cai. A debilitação pode criar terreno propício não apenas a esgotamentos mas praticamente a toda a gama de doenças. Importa atender a esta particular vulnerabilidade para poder ser prevenidda, porque é muito mais difícil remediá-la, uma vez que, além das sequelas físicas, vai certamente retardar o desenvolvimento global da personalidade tolhida pela morbidez e isto, por vezes, acaba em concreto por deixar marca para o resto da vida, sem jamais se reencontrar um equilíbrio que poderia ter sido espontâneo, não fora aquele desvio ocorrido nesta fase etária.




A auto-afirmação e o reconhecimento


A disponibilidade adolescente para correr as sete partidas do mundo é concomitante com a necessidade de mostrar e pôr à prova a nova personalidade que ele foi reconstruindo durante o recolhimento pubertário. Auto-afirmar-se é-lhe imprescindível. Por um lado, o adolescente, ávido de novidade, é antes de mais faminto do inédito que ele próprio é para ele mesmo – neste vector, expor-se é ainda uma forma de desvendar-se, poder encontrar-se, reconhecer-se no novo rosto que pretende revestir e que apenas existirá e tomará consistência tanto quanto aconteça. Agir, aqui, é ser. Se não se manifesta, não é nem se desenvolve. O adolescente pretende ser e construir-se com qualidade e robustez. Por outro lado, é para ele gratificante partilhar-se, dar-se a outrem, convivendo e solidarizando-se. É, de algum modo, uma projecção do apetite próprio sobre terceiros. Ele generaliza o interesse que tem sobre tudo e todos, presumindo-o partilhado por quenquer. Assim como a disponibilidade alheia o satisfaz, assim ele pretende satisfazer, abrindo-se, comunicando-se a todos os demais. Finalmente, ao expor-se, o adolescente busca o reconhecimento doutrem. É o derradeiro limiar de se pôr à prova, de testar o que vale ou não. Por esta via ele busca a confirmação da valia da personalidade que laboriosamente veio reconstruindo durante o período anterior. Agora é o período final que tem de ser verificado e apurado. É o juízo doutrem que lhe confirmará ou infirmará o interesse do rosto que para si talhou. Como, porém, daqui vai depender também até que ponto ele logra aceitação social, permeabilidade para penetrar futuramente quer na área amorosa quer na laboral ou de lazer com os membros autorizados do meio de convívio e vida, esta contraprova é muito marcante para o indivíduo.


Com efeito, o que aqui está em causa é tão relevante que o adolescente lhe fica em grande parte dependente do julgamento preponderante. O eco emotivo é tal que, quando positivo, não raro gera a euforia, enviesando o projecto de porvir na linha do acolhimento, e, quando negativo, desencadeia a desilusão ou o desespero, igualmente inclinando ao desvio ou à fuga da zona existencial em que ocorreu qualquer sonho de amanhã. Habitualmente, estes ecos são desmedidos e os juìzos valorativos que arrastam em cascata falham por irrealismo ou imponderação. O adolescente absolutiza e generaliza facilmente uma aprovação, por exemplo dum professor, e logo tende a escolher o curso e vindoira carreira profissional assente nisto, sem se dar conta de quanto é fortuito, subjectivo e de quantas outras alternativas de peso idêntico e eventualmente de maior gratificação afectiva e social está pondo de lado.


Esta busca de auto-afirmação e reconhecimento ocorre primeiro relativamente ao outro sexo em que o adolescente quer encontrar a garantia de que no momento próprio escolherá o par que melhor lhe convier ao sonho de amor. Depois, volta-se para toda a gente, mas também aqui com a prioridade daqueles que exercem autoridade, funções de animação e chefia, que lideram projectos, forças vivas de carácter cultural, desportivo, convivial e económico. Os motivos de tal privilegiamento são idênticos: neles repousa a credibilidade para um julgamento acertado do que o adolescente vale ou não, bem como do modo adequado de inserção no respectivo sector de vida.


O adolescente procura, em virtude disto, dar nas vistas, chamar a atenção e, se possível, provocar admiração – dos elementos do outro sexo e dos mentores cimeiros da colectividade. Isto pode degenerar por vezes no exibicionismo, mais comum entre as raparigas, mormente quando prendadas em dotes físicos e carecidas doutros dons menos palpáveis. Geram-se daqui situações ambíguas do lado delas, tanto no âmbito da realização afectiva, em que atraem moços que depois abandonam por continuarem indefinidamente com atitudes provocatórias para o público em geral, como na vida profissional em que tentam singrar, não pelo mérito mas pela corrupção dos agentes do poder e pela chantagem com eles. Do lado dos rapazes é mais vulgar a corruptela do narcisismo, em que a insegurança e os complexos de inferioridade revestem simétricas máscaras de sublimidade própria e humilhação doutrem, com o indivíduo perdendo o tempo a tentar endeusar-se, tecendo loas a ele próprio e pretendendo à viva força submeter tudo e todos ao dever de o incensar. Quando tal ocorre durante a adolescência, ele é um impertinente insuportável. Mais tarde devirá um tiranete ou um ditador, se a doença encontrar terreno propício e escravos por escolha própria bastantes para lhe servirem de tapete e escada que o guindem ao pedestal.


Quando equilibrada (e não excessiva nem exclusivista), a afirmação pessoal é a manifestação primeira da busca de sucesso, já com visos do mundo adulto. Com efeito, o que o adolescente anda com isto praticando é já um treino para o papel e tarefas da adultez. Ele encara-as em cada domínio vital como um potencial participante vindoiro dele, pretende verificar se ali se sente bem e se o reconhecem como capaz, caso aí se venha a fixar. O desejo de provocar admiração, uma boa imagem de si, é uma garantia para o futuro: ele quer vir a ser bem sucedido, ora isto antegosta-o desde já obtendo acolhimento perante quem opera decisivamente nos domínios existenciais que lhe importam. É por isso que doravante ele investe com outra consciência no âmbito do aproveitamento escolar, quando é por ele que visa o futuro profissional. Agora já não é para gratificar a família e quem lhe é caro em geral. Não, é por ele próprio, pelos seus projectos. Identicamente, a aposta constante e vulgar no desporto e na realização artística visa afirmar-se, mostrar o que vale ao outro sexo. O maior desportista da escola tem por ele as preferências da generalidade das raparigas. Mas a que dentre estas se destaque na poesia, no teatro, no canto, na dança ou em qualquer outra arte fixa nela os olhares atentos e admiradores dos rapazes em geral. Pode não vir a ter sequências, não são vocações ainda: o papel é mesmo o de testar, garantir, comprovar o sucesso para quando e até onde for preciso, para saberem com que contam. A liderança de grupos tem, no período, o mesmo papel: treino, sim, mas mais ainda mostrar do que se é capaz para prevenir que se será bem acolhido por quem importa no momento oportuno, quando ele chegar, sejam mentores da comunidade, sejam potenciais namorados.




O balanço da situação


O traço dominante de todo o perfil relacional do adolescente, subjacente em todos os vectores e também aqui, é o de operar um balanço da situação.


Num primeiro aspecto, o que é pretendido é o levantamento das possibilidades e oportunidades de realização pessoal vindoira em dois domínios distintos: o da natureza e o da sociedade. Aqui passa-se em revista o meio ambiente natural e o da comunidade humana. Numa segunda perspectiva, a adolescência ausculta como lhe repercute cada evento, ocorrência ou ciscunstância existencial, igualmente em dois registos: o da intimidade pessoal e o da condição de vida. Neste campo revê-se cada um no espelho dos factos e dos actos e mede-lhes o alcance no projecto virtual de futuro a protagonizar um dia.


Tudo isto visa a que, posteriormente, durante a juventude, cada qual domine a conjuntura interna e externa de modo a finalmente ir traçando, com pleno conhecimento de causa, com segurança e autenticidade, as grandes linhas de rumo dum porvir o mais possível compatível com o sonho que nele pretenda incarnar.






Optimização pedagógica




Legitimar o inacabamento


Uma das dificuldades maiores do educador e, em particular, do professor, é acatar a instabilidade das iniciativas do adolescente. Para a escolaridade é mesmo perigoso o pendor de deixar ficar a meio todos os trabalhos em que se envolve. Isto pode terminar numa reprovação.


Ora, a primeira medida educativa a tomar respeita, não ao educando, mas ao pedagogo. Este precisa de legitimar o inacabamento de todos os projectos durante a adolescência, por muito que contrarie a tendência generalizadora do padrão adequado à maturidade, tomado como norma sem apelo. O ficarem sempre a meio é salutar neste período etário, quando isto derive da necessidade de continuarem à descoberta do mundo. A tendência decorrente para tudo ficar abandonado a meio é característica da fase e não uma anomalia, tem de ser respeitada e entendida como equilibrada e, portanto, desejável, durante o estádio inteiro, muito embora diminuindo gradualmente de incidência à medida que se vai aproximando da juventude. Importa interiorizar isto no educador e agir em consonância.


Mas depois, o próprio adolescente, quando tal o perturbe, lhe crie ansiedade ou o leve a lutar deslocadamente contra esta faceta, simulando uma continuidade e persistência que, afinal, o desviam do equilibrado trajecto de desenvolvimento adequado ao estádio, ele mesmo requer que lhe expliquem este perfil, de modo a facilitar-lhe um correcto enfrentamento da situação e das incompreensões que perante ela costuma ter o mundo adulto.


O padrão da mudança é bom e o único alerta a registar é relativamente a uma eventual fixação no modelo da instabilidade e incongruência, sem transição gradual para a capacidade de ir dando cada vez melhor conta do recado, intervindo com princípio, meio e fim de ano para ano mais conseguidamente. À entrada da juventude, este efeito lateral perturbador do universo dos formadores deverá estar ultrapassado. O mediador que permitirá mais facilmente atingi-lo é o de o educando aprender a escolher e envolver-se com iniciativas que não requeiram grandes continuidades nem muitos aprofundamentos. É esta a via que, em todos os casos em que ele falhe, lhe deverá ser lembrada incansavelmente pelo educador e, em particular, pelo professor, até que ele logre medir com precisão até onde cada experiência lhe importa, e qual a capacidade que tem de responder por ela. Este equilíbrio é moroso de atingir em virtude da ilusão desproporcionada que o deslumbramento emocional tende sempre a criar nos julgamentos do adolescente. Por isso tanto mais cuidado, tolerância e persistência no encaminhamento correcto das atitudes adolescentes deve ter o educador e os professores deste período etário.


Importa alertarmo-nos e informar os educandos de que tudo é transitório neste período justamente para mais tarde se poderem operar as escolhas pelos grandes projectos da vida. Não é, portanto, nem para se ficar aqui retido indefinidamente, nem para antecipar a juventude vindoira. É a atitude de disponibilidade para o trânsito duma para outra que convém assumir e incarnar na prática.




Prevenir os riscos


A inconstância adolescente leva a riscos e sofrimentos evitáveis, se prevenidos. O pedagogo tem de alertar para a probabilidade elevada de lesão grave quando se cultivam relações íntimas profundas, mormnte de namoro, durante este período. A instabilidade de cada um dos amorosos não é capaz de garantir nem a continuidade do relacionamento, nem os compromissos assumidos e correspondentes expectativas. Quando o adolescente é informado e se mantém atento aos próprios limites e aos dos outros, mais facilmente evita ser apanhado desprevenido, ingenuamente.


Importa informar o educando de que é muito provável a frustração de expectativas nas experiências amorosas da adolescência. Tem de se lhe chamar a atenção para o facto de o risco tanto o atingir a ele como ao seu par, podendo ferir ambos como apenas um deles. Convém que os namorados ou amigos íntimos tentem assumir a responsabilidade por evitar o mais possível tais sequelas, tanto nele próprio como no outro, abrindo-se ao altruísmo sem o qual não há sociabilidade que resista. Por aqui, o companheirismo poderá reforçar-se e o eventual esvaziamento da atracção (mútua ou apenas dum deles) , mesmo que doa, acabará por ser o menos violento possível e, pelo menos, será enquadrado por relações humanizadas, atentas, que só por elas já gratificam e compensarão em parte a frustração e o vazio do amor.


O educador deverá ainda chamar a atenção do adolescente para a falta de condições para se consumarem os apaixonamentos. Nem a estabilidade afectiva dos amorosos o permite, por muito que se iludam com o fulgor dos afectos e das respectivas promessas e expectativas, nem a indefinição das vidas deles no âmbito profissional lhes garante o sustentáculo económico, sem o qual não logram a autonomia pessoal-familiar para arriscarem uma relação duradoira como os sentimentos lhes pedem (a paixão é sempre eterna por mais fátua que acabe), nem a insegurança e mutabilidade das personalidades durante a adolescência oferecem terreno bastante seguro para nele tentarem firmar o que quer que seja.


Por outro lado, o educando deve ser alertado para o facto de que é comum, dadas as características do estádio, uma grande irresponsabilidade em tudo com que se envolvem, tanto por parte dele como dos outros. Isto aconselha a não confiar em promessas nem juras, por mais boa fé que revistam e por muito que correspondam às melhores intenções dos envolvidos: é que nesta fase não há vontade que resista à pressão contrária das solicitações do dia a dia, a longo prazo. Cada adolescente deve ser convidado a olhar para ele mesmo com rigor, de modo a não aguardar dos outros mais do que ele próprio pode dar.


A irresponsabilidade fica, aliás, agravada pela falta de sentido dos outros. Neste período a força dos sentimentos é tal que os moços não reparam à partida senão neles próprios, no que lhes ocorre, arrastados quer por deslumbramentos, quer por aniquilamentos. Com muita facilidade pisam os demais, vulgarmente sem se darem sequer conta de tal, outras vezes mesmo com perversidade, sentindo-se o centro do mundo e com o direito de tratarem outrem como lhes der na veneta. O pedagogo tem de orientar a atenção do educando em dois sentidos. Primeiro, para que ele se dê conta do egoísmo onde tende a enredar-se permanentemente e com que pode afectar gravemente os colegas, por não reparar nos efeitos das atitudes que toma e das limitações a que é sujeito. Assim, ele poderá ir-se vigiando de modo a tornar-se mais convivial, mais gratificante na partilha mútua, em proveito dele próprio e doutrem. Em segundo lugar, porém, tem de alertá-lo para a iminência de se tornar vítima desta desatenção por parte dos outros e, mormente, por via de quem o atraiu afectivamente ou por quem se apaixonou. Deste modo ele poderá moderar-se, desviar ao sentimentos para para alvos menos arriscados, apostar e aguardar menos correspondência do parceiro, tolerar eventualmente não ter dele qualquer contrapartida sem transformar o facto numa tragédia. Por outro lado isto evitará qualquer desvio comportamental menos ajustado, como o refúgio masculino ou feminino na prostituição (declarada ou ainda larvar), a agressividade contra terceiros (os que não corresponderam às expectativas ou então, pior ainda, bodes expiatórios inocentes, às vezes companheiros, outras tantas professores mais vulneráveis), ou a degradação geral das relações humanas (é a indisciplina, a arruaça, o distúrbio na escola, na rua, em casa, no campo de futebol...).


Um derradeiro aspecto que deve ser consciencializado pelo adolescente é que tanto ele como o parceiro, qualquer que seja à partida o atractivo afectivo e erótico mútuo, depressa cairão na procura da emoção epidérmica, superficial, seja a nível do sentimanto, seja das intimidades físicas e sexuais. Ora, isto, por muito atraente que se lhe antolhe, por muito que lhe prometa prazeres entontecedores, em breve satura, e quando um deles ou ambos se fartarem, sentir-se-ão e projectarão cada um sobre o outro o tédio da falta de horizontes, a chateza da ausência de novidades e de projectos. Não haverá porvir e ambos culparão disso o outro, que mais não seja para assim nele poderem vingar a intolerável frustração e angústia que isto desencadeia nas vítimas. Do prazer à partida rapidamente caem na violência e violação doentia à chegada, num sadomasoquismo em espiral crescente e sem alternativa. É asim que terminam os casamentos precoces. O mesmo rumo, eventualmente menos extremado, ameaça qualquer relação amorosa na adolescência, e tanto mais quanto mais longe tiver ido o envolvimento mútuo, as esperanças que cada um projectou sobre o outro. A informação disto tudo facilitará ao adolescente uma certa contenção, de modo a conhecer a vivência amorosa o suficiente, sem cair em compromissos nem vivências profundos e ilusoriamente duráveis que o aniquilariam e aos parceiros imprevidentes que se deixem enredar em tais malhas.




Respeitar o balanço da situação


O educador tem de aceitar que os adolescentes levantem voo. A extroversão é o salto do beiral para a imensidão do céu. Entravar isto ou condená-lo é cortar-lhes as asas, por muito que o pretexto seja prevenir riscos ou evitar que se estatelem. São em geral vítimas desta repressão as raparigas por temor crónico dum desvario sexual qualquer que lhes meta em casa um filho indesejado. Curiosamente, isto nunca evitou que tal ocorresse, por muito que lhe cerceie a probabilidade. A rebelião e o gosto pela liberdade sempre foram maiores. O pior é que o educando reprimido, amputado, vai tendencialmente ficar tolhido para o resto da vida. O custo destas virgindades forçadas em lugar de escolhidas e assumidas é uma personalidade débil, pejada de ingenuidades, indefesa, insegura e muitas vezes indefinida para o resto da vida. Mesmo um casamento futuro não é propriamente um partido desejável e muito menos promissor. As flores de estufa raramente se aclimatam sem graves danos ao sol agreste dos caminhos do mundo. Deste modo, o formador, seja progenitor, professor ou outro adulto qualquer, a primeira atitude que tem de tomar é a de acatar como efectivamente positiva esta abertura ao mundo, esta urgência de sair para campo aberto e explorar o Universo. A primeira medida a implementar é a de lhe abrir portas e janelas, de lhe apontar caminhos e veredas, com todas as informações requeridas, incluindo os alertas para os riscos e precipícios a evitar.


Depois disto, o educador tem de respeitar o primeiro e fundamental objectivo que esta corrida mundo fora visa: fazer um balanço de tudo. Não deve esperar outro resultado nem muito menos impô-lo. Ao invés, deverá facilitar a pesquisa das oportunidades que o educando tem ao dispor, no campo afectivo, laboral ou lúdico. Incentivará as experiências que ele pretenda tentar, para pôr-se à prova e testar as situações, sem as desviar deste fito, antes referindo-o explicitamente ao adolescente quando o veja a ignorá-lo ou a correr riscos infundados por não o ter em conta.


Para tal, o educador deverá abrir ao pupilo novas alternativas sempre que for preciso, seja para ele ir à descoberta, seja para empreender. Neste sentido, a optimização implica a oferta ao adolescente do máximo de informações acerca de tudo por que mostre curiosidade ou interesse: ele tanto gosta de ver, verificar, intervir como de saber e conhecer mesmo aquilo que jamais lhe possa vir a ficar ao alcance. O que importa é que a pouco e pouco se vá enriquecendo de experiência existencial e sabedoria de tal modo que, idealmente, no termo, isto lhe permita atingir o leque mais rico possível de dados vividos, saciando-lhe o abismo da fome até não haver mais necessidade de investir neste rumo. Se for atingido o ponto de satisfação completa, o adolescente, à chegada, estará atento para fazer as escolhas mais amadurecidas em quanto a vida lhe vier a solicitar, jogando perito em quanto lhe estiver ao alcance, com pleno conhecimento de causa. E o que importa durante a adolescência é tudo encaminhar para atingir esta meta final. Ela marcará o trânsito para o estádio etário seguinte, o da juventude. E será nesta que as escolhas deverão estimular-se, jamais antes, quando ponham em causa tendencialmente o resto da vida: casamento, profissão, empenhamentos socioculturais, nomeadamente.




Esclarecer os encarregados de educação


Uma premência particular reveste a necessidade de informar os progenitores e mentores em geral dos adolescentes de que este período etário não é o adequado às grandes decisões de vida, às escolhas definitivas. Há certos aspectos da conjuntura social bem como da cultura que os pressionam a empurrar os filhos para situações de facto consumado que acreditam ser benéficas por garantirem um bom futuro. É o caso das tentativas para arranjar um emprego numa boa empresa ou com um patrão bem cotado, antes que outrem o apanhe, atitude que tende a predominar para com os rapazes, às vezes antes ainda da idade legal para tal. Evidentemente que a intenção é garantir-lhes economicamente o porvir, e isto demonstra-o o facto de serem muito mais frequentes estas buscas ansiosas quando há recessão económica ou crise de desemprego do que noutros momentos. Entretanto, estes adolescentes abandonam muitas vezes a escolaridade a destempo, interrompem até cursos de preparação técnico-profissional e, de qualquer modo, não irão mais até onde poderiam e muitas vezes gostariam de ir nos estudos. Por outro lado, obrigados a optar antes da época, arriscam-se a ficar o resto da vida desajustados laboralmente, trabalhando no que não apreciam. Pior, porém, é que, não tendo vivido a adolescência deles, irão ficar com a permanente saudade dela, sempre buscando recuperá-la, reproduzindo-lhe a insegurança e as buscas, a indefinição e os sonhos, a incongruência e os projectos irrealistamente arrebatados. Isto, pela vida fora, adultez além, tendencialmente até à velhice, tornados, por estas antecipações de que foram vítimas, uns adolescentes interminavelmente adiados que jamais se consumam. Frustram-se a eles próprios, permanentemente incapazes de se decidirem de vez, de arrostarem com programas de vida definitivos e gratificantes. Mas não constituem menos cancros familiares para as desgraçadas esposas ou maridos que lhes caem incautos sob a alçada, bem como para os filhos que neles deparam apenas com personalidades imaturas, com um adolescentismo contraditório que jamais amadurece, não lhes dando um padrão consistente de personalidade por que se possam orientar enquanto crianças e com que se confrontem nos períodos posteriores.


Mas se isto é assim mormente com os adolescentes que foram pressionados a trabalhar antes do tempo, com as raparigas em igual estádio ocorre o mesmo, em menor escala, mas uma outra escolha definitiva tende a incidir mais nelas que nos rapazes: o casamento com o bom partido. É diferente dos matrimónios à pressa entre namorados da mesma idade por causa das gravidezes precoces. Estes afectam ambos por igual e estão na quase totalidade condenados a falhar antes dos vinte anos dos cônjuges contrafeitos. Deixando cicatrizes afectivas e relacionais, ressentimentos, suspeitas e descrenças duradoiras em muitos domínios da vida e relativamente a muitas pessoas quando não a todas, mormente do outro sexo, este caso não é, entretanto, nem muito desviado à partida das expectativas dos namorados, que habitualmente se amam e desejam, não havendo então qualquer pressão exterior para casarem (às vezes são eles que pressioname até geram o filho para obrigarem as famílias a ceder), nem a imaturidade lesa mais longe do que até à frustração da prematura aposta de casarem, desfazendo-lhes o matrimónio. Ficarão, entretanto, libertos para tentarem refazer as personalidades e a vida. Apesar de tudo, sendo grave, é ainda uma menor perda.


Pior é quando se joga a adolescente para os braços dum pretendente que os familiares acatam como partido a não perder, precipitando então os acontecimentos. Quando o rapaz eleito é jovem ou adulto, é normalmente bastante maduro, à partida, para garantir que a escolha é definitiva, para durar uma vida inteira. Por ele tudo estará em condições para conseguir isto. Ficará, porém, mal servido em princípio. A consorte não teve tempo de viver e esgotar a adolescência. Tenderá a buscá-la pela vida além, regredindo sempre àquele período, logo à primeira dificuldade. Ou se tornará namoradeira e infiel, como se não tivesse mudado ainda de condição com o casamento, ou então, (e é o mais comum) sonhará permanentemente com isto, fugindo à vida real e vingando-se nesta, no marido, nos filhos, nos criados e assim por diante, por tudo ser tão diferente do que gostaria e que evoca em anelos imaginários onde se refugia permanentemente. Sofre ela a vida inteira e magoa quantos lhe andam à volta, frustrando o que poderia ser uma comunhão franca, transparente e uma generosidade confiada e atenciosa. Em troca, ela será egoísta, vingativa, amarga, culpando tudo e todos do mal-estar permanente em que vive e para que não encontra e ninguém lhe pode dar qualquer alternativa de saída. O bom partido precocemente agarrado é sempre um mau partido para todos: não criará uma família mas um vespeiro. Mesmo muito polido para fora, ou espaventoso e perdulário, tanto para o interior como para o exterior, tudo isto serão formas de compensação e fuga, para ajudar a esquecer a desgraça, para eles se entontecerem por momentos, se distraírem e assim poderem aguentar um pouco mais o que inevitavelmente é intolerável, um completo fracasso humano.


De igual modo urge informar os encarregados de educação de que a adolescência não é a idade de realizar projectos acabados, mormente se têm forte impacto vital ou se forem duradoiros. Devem compreender que o triénio é para o adolescente experimentar tudo quanto for preciso para no fim cada vector da sensibilidade ficar bastantemente informado acerca do que cada evento-vivência é e de como ele se sente aí pessoalmente. O ignorarem tudo isto leva-os por vezes a pressionar os educandos a comportarem-se com a estabilidade, constância e congruência dos adultos, o que lhes é manifestamente inadequado e de todo em todo inviável, pelo menos em termos de equilíbrio pessoal, assumidamente, sem se tornar num mimetismo e, portanto, um simulacro vazio de interioridade. Isto manifesta-se no âmbito da relação familiar e dos papéis sociais que com ela cruzam, por um lado, e, por outro, repercute-se na escolaridade, com exigências de correspondência e persistência no trabalho e em linhas de rumo predefinidas, por vezes muito gratificantes para os professores mas inteiramente antipedagógicas para os alunos. A escola tradicional prevê e aguarda uma abordagem sequencial e anual de programas curriculares, tendo em vista um domínio integrado, coerente de toda a vastidão das matérias: é exactamente a contradição do pendor dominante e formattivo da adolescência, todo ele de encontros fortuitos e passageiros, sucessivos e inconstantes, pontuais, de mera sensibilização e nunca de domínio nem decisão. Apenas na didáctica se pode alterar este panorama, para adequá-lo melhor ao educando, ou então com outra concepção e plasticidade no desenvolvimento curricular para este triénio, de modo a permitir adequar o estudo à necessidade de aflorar e tomar o sabor ao maior número possível de áreas culturais e campos de incidência. Entrementes, tanto os professores como os pais têm de demitir-se de impor aos educandos exigências e desempenhos desajustados, por deseducativos e tendencialmente deformantes da personalidade durante a adolescência.




Prevenir factos consumados afectivo-sexuais


Para além de divulgar a informação, todo o educador tem de lutar contra as situações de facto consumado negativas, mormente as mais deletérias, as do âmbito afectivo e sexual. Englobamos aqui as violações, principalmente das raparigas mas também dos rapazes, mesmo quando consentidas por quem vai sentir-se depois violado, defraudado, culpado, em qualquer caso incapaz de assumir positivamente a experiência ocorrida. Igualmente temos em vista a gravidez precoce, o casamento por conveniência ou por imposição sociofamiliar. Mas visamos também outros problemas menos aparentes e não menos destruidores, como os traumas e bloqueamentos do desenvolvimento afectivo e sexual em estádios anteriores, mormente a indefinição sexual e a fixação pubertária na homossexualidade quando se prolonguem pela adolescência além, como ainda os fantasmas e complexos de culpa ligados cultural e religiosamente à masturbação solitária ou acompanhada, como ainda, em geral, todas as situações que o obscurantismo, os tabus e a ignorância podem gerar e que serão perigosas para um desenvolvimento adequado, esclarecido e assumido por parte do adolescente.


O que importa urgentemente é que o educador clarifique ao educando tudo o que se revele pertinente no domínio das relações afectivas, da vida erótica e da sexualidade, de tal modo que o educando jamais entre em nenhuma aventura às cegas. Convém, para além da informação relativa ao próprio indivíduo e seus pares, abrir-lhe os olhos para o que ocorre com a moral social dominante e do meio de convívio dele, com as respectivas contradições entre o que tolera e até por vezes estimula no rapaz e o que proíbe e policia vorazmente na rapariga (por exemplo: as cópulas extraconjugais, a sedução até à violação e consequente abandono da rapariga, o marialvismo conquistador, o donjuanismo...). De igual modo é premente pôr-lhe a nu as duplicidades: uma moral para o lar e outra fora de portas, uma para o marido e outra para a mulher (e a correlativa função da prostituta e da amásia que é clandestina ou assumida como sendo-o, até pela esposa, mesmo quando esta sabe tudo), o puritanismo de fachada e a realidade soez. Ao mesmo tempo o adolescente deve ser informado das sanções colectivas que derivam da violação destes códigos, por mais iníquos que se revelem. As raparigas têm que ser alertadas para o facto de a generalidade dos rapazes não aceitarem casar com uma namorada que já não é virgem e, menos ainda, com uma mãe solteira. Ao colocarem-se em tal situação comprometem eventualmente toda a possibilidade de realização afectiva e familiar futura ou, no mínimo, terão de sujeitar-se a um leque muito reduzido e normalmente o menos satisfatório de escolhas entre os parcos pretendentes que lhes restarão. Por outro lado, deverão conhecer previamente qual a atitude provável dos pais, da família e do meio, habitualmente de rejeição violenta, na generalidade do país, indo até ao repúdio e expulsão definitiva de casa, com total abandono, a que só resta o recurso de sobreviver pela prostituição (é disto que maiormente esta se alimenta e renova permanentemente os quadros) ou então da mendicidade. Fora isto, é o suicídio e eles abundam entre nós neste período, com a incidência máxima nele relativamente a outrros níveis etários – e quase todos derivados de problemas afectivos. Nalgumas regiões o rapaz que prevarica e não assume a responsabilidade ante a rapariga e família dela paga com sangue: os irmãos, tios e pai dela ainda hoje mantêm que só lavarão a honra do nome ultrajado assassinando-o e continuam-no a praticar, chegando a percorrer Portugal de lés a lés à caça do prevaricador até o matarem. O casameno por rapto, ainda hoje predominante no interior baixo-alentejano, é sancionado por ambas as famílias com represálias violentíssimas se algum dos noivos não respeitar as normas ancestrais, quanto mais se pretender traí-las. Ninguém se atreve a tal, tão desmesurado e inevitável é o cataclismo.


Tudo isto tem de ser informado e ponderado, com quantos mais dados forem relevantes para o adolescente saber com que conta e não se envolver em teias de que após não encontre saídas. Até para mudar e reconverter este estado de coisas, a primeira condição é conhecê-lo e medir as forças com que contamos para intervir, a fim de não ficarmos sujeitos a um aniquilamento irremediável, sem proveito nem pessoal, nem comunitário, nem cultural. Há muitas subculturas neste domínio a coexistirem neste momento no País e no Ocidente em geral, desde a tolerância e amoralidade que se tendem a generalizar nos meios urbanos e nas escolas, até ao primitivismo inflexível e fanático do ruralismo interior e mais ainda serrano, fechado sobre ele próprio. A isto acrescem várias fracturas mais ou menos fanatizadas ou dogmáticas de igrejas e seitas religiosas e de vários cristianismos secularizados, sociológicos, onde perduram medievalismos encegueirados e obscurantismos assassinos, cobertos de sacralidades bem intencionadas e de consciências satisfeitas que nenhuma atrocidade belisca, pelo contrário.


Além de todas estas éreas, o pedagogo tem de alertar o adolescente para os riscos das transgressões impensadas ou não assumidas. É que neste período os moços não logram medir com rigor efeitos nem aquilo de que serão capazes. Têm de ser permanentemente lembrados disto para não deitarem tudo a perder. Neste aspecto, o mais relevante, depois de todas as informações de que os educandos precisem, é mostrar-lhes a permanente distância e diferença entre o sonho e a realidade, entre o ideal e a vontade e, finalmente, entre a consciência e o inconsciente. Habitualmente, o adolescente vive polarizado afectivamente pelo polo da exaltação, para onde se projecta, onde se vê algum dia realizado e muito facilmente retira os pés da terra, precipitando-se logo depois estatelado no chão. É disto que temos de avisá-lo. O perigo maior vem do desconhecimento da fractura entre a consciência e o inconsciente. Este é uma perturbante caixa de suspresas desagradáveis neste contexto: aquilo que se sonha maravilhado revela-se, uma vez acontecido, exasperadamente decepcionante. Uma relação sexual que, aos dezasseis anos, dois namorados quiseram voluntariamente experimentar, um fim de semana em que um amigo ficou com a casa devoluta, por viagem dos pais, trouxe aos dezanove anos a Helena, já recém-casada e com um bebé de meses nos braços, a tratamento psicológico, com o casamento em ruptura completa: ficara tão traumatizada com aquela primeira experiência que continuava sentindo-se culpada, passara anos sem falar à família nem amigos e ficara com tal decepção do parceiro, agora marido, que sentia por ele pouco menos que repugnância. Vivia desde então como em permanente sonambulismo acordado e só recuperou após meses de terapia pessoal e familar, implicando pelo meio a separação total do cônjuge, durante muito tempo. Ora, nada disto fora sequer adivinhado por terceiros e pretendera ser integralmente assumido, na ocasião, por ambos os adolescentes. Os mecanismos inconscientes por um triz que os não desfizeram por inteiro, estragando-lhes o resto da vida. E, não fora encontrarem terapia à altura, a derrocada deviria irremediável e definitivamente irreversível. Ora, a condição da generalidade das comunidades e dos adolescentes no País é de não disporem de ninguém a que deitar mão em quejandas emergências. Só lhes resta prevenirem-se, que uma vez traumatizados apenas assistirão ao próprio aniquilamento gradual, sem qualquer réstea de esperança.


Neste contexto, porém, importa pressionar os encarregados de educação, bem como as famílias e as comunidades, e ainda intervir na cultura e subculturas reinantes em cada região de modo a que se vão ultrapassando as contradições morais instaladas na sociedade, bem como os mecanismos sancionatórios desumanos, bárbaros ou criminosos que ainda subsistem com maior ou menor implantação. A escola tem aqui um papel inovador imprescindível, se assumir o vector crítico que lhe incumbe, fazendo-o intervir no tecido sociocultural concreto em que se inserir. Perante todas as instâncias, desde os progenitores ao meio, os professores terão de insistir infatigavelmente para flexibilizarem as atitudes que eles tomam, as valorações e crenças a que se agarram, a fim de não tomarem mais decisões que destroem sistematicamente vidas a partir da adolescência, ainda por cima em nome se sistemas axiológicos contraditórios, agravados pelo facto de os viverem em massa com hipocrisias descaradas. Como continuar a sustentar tal estado de coisas, como justificar que o continuemos a reproduzir, intocável, pelo País fora?


Os educadores terão de conjurar todos os agentes e entidades formadoras de modo a colaborarem para prevenir o interminável rol das vítimas, encorajando-os a ultrapassarem tabus e dogmatismos, bem como ancestralidades esclerosadas que se manifestem inadequadas e destruidoras dos adolescentes. Por outro lado, em comum deverão esclarecer e acompanhar os educandos, tornando-se companheiros solidários de jornada, assumindo o que é típico e formativo neste período etário, a fim de os moços não precisarem de compensar carências afectivas graves por soluções de recurso que depois os coloquem em pior situação que a de partida. À medida que esta reconversão for sendo vivida e generalizada, diminuirão as probabilidades de se criarem eventos gravosos de factos consumados irreparáveis durante a adolescência. Como é uma idade de risco neste domínio, não será um benefício de menor monta a tentar conseguir urgentemente.




Apoiar os grupos mistos


Apoiar a formação de grupos de rapazes e raparigas durante a adolescência, para conviverem e cooperarem como amigos, é uma das prioridades do pedagogo, uma vez que, por esta via, cria condições conviviais para uma acalmia e saciedade afectiva que, tendencialmente, prevenirão com maior eficácia que qualquer conversa ou castigo, os eventos de ruptura ou lesão afectiva ou sexual.


O gupo misto deverá ser aberto, permeável à entrada ou saída de membros. Cada adolescente deverá estar disponível para partilhar de vários, mesmo que tenha amigos predilectos, como convém. O educador manter-se-á atento para prevenir e alertar para dois desvios que aqui podem ocorrer no convívio. Se o grupo se fechar nele próprio, segregando os demais e impedindo contactos com o exterior, transforma-se em bando, estrutura-se na lógica rígida e alienada dos marginais, sob a chefia prepotente do mais forte, e viola todo o desenvolvimento equilibrado dos membros, para além de devir insociável. O educando tem de ter olhar atento, capacidade de decisão e alguém com quem contar a sério para poder enfrentar a chantagem ou a violência que no bando se instalam com a garantia de vencer e não ser lesionado. Serão os formadores que terão, nestas conjunturas, de assumir intransigentemente o papel de escudo de segurança que ele usa para poder libertar-se. Este risco predomina nas formações grupais dos oriundos das cinturas das grandes cidades litorais, mormente Lisboa e Porto, onde a marginalidade de rua e a criminalidade juvenil acompanham o caótico urbanismo e desenraizamento cultural das periferias em proliferação.


Por outro lado, o pedagogo deverá atender à fixação eventualmente exagerada do adolescente num grupo ou companheiro. Isto não é típico do estádio e pode indiciar ou uma regressão ao confidente pubertário por desvio duma dificuldade insuperada e que pode ser inconsciente, ou então um embrião de paixão não assumida e cuja indefinição o aprisiona, sem o deixar andar para trás nem para diante. Torna-se então urgente ajudá-lo a definir o que fazer de tal atractivo, a fim de passar a agir em conformidade com o sentido que entendeu dar à vivência. É óbvio que tal padrão pode ocorrer por o educando se encontrar ainda na puberdade e ter-se atrasado mais ou menos relativamente ao limiar mais comum de transição. Aqui tudo é normal, mas então afectivamente o pupilo estará equilibrado, feliz, sem tensões nem ansiedades. Aguarda apenas a hora dele para mudar. Neste caso, o educador deverá respeitar o facto, sem tentar acelerar nem antecipar a fase psicológica correspondente à idade cronológica, uma vez que tal correspondência é meramente tendencial e não há qualquer mal nem perca, nem morbidez nos desvios individuais equilibrados. Se eles forem perturbados ou artificialmente subvertidos, aí, sim, é que ocorrerão danos, se tudo não derivar de meras melhorias de condições e reforços de estímulos a que se deixe o indivíduo responder o mais espontaneamente possível. Apenas nestas condições poderão não advir sequelas negativas.


O grupo misto dá ao adolescente afecto, mas igualmente segurança: ele fica ciente de que pode criar amigos, de que é acolhido e consegue tornar-se acolhedor. Por outro lado ele descobre ali que há colegas que afectivamente o podem atrair e que, ao invés, há os que ele atrai. É uma segunda e dupla certeza. Quando entender avançar no domínio do amor encontrará campo aberto, não precisa de se preocupar. A amizade compartilhada, os pequenos gestos de ternura, trocados neste clima de fundo entre os que mais amorosamente se atraem de modo espontâneo, bastam habitualmente para saciar a fome de amor neste período e o desejo de ir conhecendo tal área de vivência, as exigências que implica e as normas que impõe. Por tudo isto, é de propiciar este recurso ao educando, bem como explicitar-lhe como pode beneficamente operar, quando ele o não entenda, o confunda, o traia ou se encontre eventualmente desorientado.


Constituindo uma válvula de segurança que pode evitar habitualmente contrapartidas perigosas ou precipitadas para o futuro do educando, o grupo misto deverá ser por isto um recurso dominante, inclusive nas aulas. Isto aponta para que o professor privilegie neste período métodos como o de colmeia, com a turma subdividida em pequenos núcleos de três a cinco alunos, para em comum darem conta duma tarefa em tempo determinado, vulgarmente a hora lectiva; ou o método dos grupos de trabalho, mais duradoiros, para executarem projectos em comum com duração mais ou menos longa, entremeando a actividade fora e dentro da escola; ou o método de projecto, em que cada um pode contar com o apoio de todos os outros, agrupar-se com alguns deles, participar de maneiras várias em múltiplos empreendimentos, mantendo em permanente transformação os momentos de labor, ora a sós, ora com outrem, ora juntando-se a eles, ora coligando-os consigo, tudo ao sabor quer das exigências do que vem realizando, quer das preferências e aptidões de que cada qual dispõe para partilhar. O importante é optar por estratégias na metodologia e na didáctica que lhes permitam complementar-se mutuamente, entreajudar-se, intercomunicar e estreitar com tudo isto laços e o aprazimento da convivialidade, pondo-a a render escolar e existencialmente.


Para optimizá-lo, o professor deverá atender a alguns pormenores de relevo para o adolescente. Em primeiro lugar, os grupos deverão ser abertos, flexíveis e mutáveis. Isto implica que se não organizem nunca uma vez por todas, menos ainda no princípio do ano para durarem até ao fim. Ao contrário, devem estar sempre disponíveis para o reajustamento, permitindo-se-lhes mudanças de elementos duns para os outros, dissoluções e arranjos com outras composições e assim por diante. Para além disto, as tarefas deverão ser curtas, para uma aula ou um período pequeno, duma a duas semanas. Quando se planifique a mais longo prazo, o itinerário tem de se subdividir em pequenos trajectos e depois permitir alternativas de transição, aberturas para variantes e campos diversificados. Finalmente, mesmo aqui deve tentar-se que cada grupo possa ter aberturas, colaborações, interdependências, complementaridades com outros, quer em conjunto, quer em participações individuais. Finalmente, importa estar atento aos períodos de transição. Os púberes apenas toleram e se sentem bem, na melhor das hipóteses, num grupo do mesmo sexo ou, no limite, num trabalho apenas com o confidente íntimo. Não deverão ser forçados e na turma, portanto, integrar-se-ão com os companheiros do mesmo sexo, ou aquele com que pretendam cooperar. Também aqui a mutabilidade grupal facilitará que avancem para as formações mistas quando a maturidade atingida lho requerer. Igualmente, no trânsito para a juventude, o grupo deixa de ter interesse, o jovem pretende doravante equacionar a vida dele e dar-lhe um rumo muito próprio, apenas lhe importa o que facilitar isto. Preferirá muito mais caminhar sozinho, mas aberto a ajudas doutrem e disponível para dar a mão a quem lho solicitar. Deverá ser este o modelo de integração para esta franja, desde o termo da adolescência. Entre ambos os limiares é que deparamos com o perfil grupal típico da transição – o grupo misto indefinidamente aberto, em permanente mudança. É neste que o centro de atenção deve incidir, envolvendo nele o grosso da turma. Ele fornecerá o horizonte de chegada aos púberes e será a rampa de lançamento dos jovens, rumo à maturidade da adultez vindoira.



Aprender a medir consequências


O educador deve alertar os educandos para a urgência de medirem as consequências das opções, atitudes e actividades, em todos os domínios. Antes de mais urge evitar esgotamentos. Os adolescentes precisam de saber e verificar que têm energias limitadas, capacidades restritas e que, portanto, não poderão de todo abarcar o mundo inteiro que desejariam e com que se tentam envolver inadvertidamente, se se não precatam com cuidado, atentos aos próprios limiares de resistência. Por outro lado, urge evitar o mais possível os imprevistos, desestabilizadores como são, mesmo quando gratificantes. Eles requerem sempre um suplemento de energia, adaptabilidade improvisada para que o adolescente é inábil em regra. Quando dolorosos ou ameaçadores, atacam a demasiado vulnerável emotividade dele, poderão lesionar e, pelo menos, indisporão para os demais projectos e iniciativas em que estava empenhado o educando, até que logre ultrapassar a turbulência que a imprevisão lhe provocou na vida. Ora, com isto, ele pode perder muitas experiências e oportunidades importantes para o enriquecimento dele durante o período que está atravessando.


O pedagogo alertará ainda para o facto de que medir as consequências é uma tarefa imprescindível para se evitarem lesões do próprio e doutrem. Quantas vezes o adolescente fere terceiros sem jamais ter tido tal intuito! Mas como foi imponderado, aconteceu. Consumado o facto, não há remédio. Só evitar quanto possível as consequências, o pior já ocorreu. Tem de incentivar-se o educando a conseguir interiorizar a experiência reflexivamente, aprendendo com ela, melhorando a adequação aos outros, à vida, à sociedade. Com isto, ele gradualmente dominará antecipadamente as conjunturas e prevenirá os desvios ou contradições àquilo que pretender.


A tendência dos arrebatamentos adolescentes é de, por sistema, esquecerem e ignorarem esta exigência basilar. Terá de ser uma aprendizagem esforçada e morosa, a requerer o empenho decidido da força de vontade. Aqui é que devém fundamental o papel do formador: alertar, relembrar infatigavelmente, repetir tanto quanto for preciso até que o hábito, a lucidez se instalem na novel personalidade em formação. Sem tal mediação, esta conquista pessoal será muito mais demorada e insegura, eventualmente nunca ocorrerá, deixando o adolescente mal armado para o futuro, atreito a desajustamentos e perdas nos relacionamentos e nele próprio. Bem poderão ser evitados se aqui tudo ocorrer equilibradamente no acompanhamento.




Reconhecer o sucesso


O adolescente precisa de saber o interesse que desperta, o acolhimento que lhe é dado, a valia do que produz, o eco que acorda noutrem. Nestes termos, é imprescindível que o educador consiga ser para ele um espelho fiel desta repercussão no exterior. É um vector fundamental do desenvolvimento adolescente, o de verificar até onde é capaz de inserir-se na comunidade, dar conta de responsabilidades e tarefas, conseguir qualidade bastante nos encontros e na comunicação de modo que seja gratificante para os outros acolhê-lo, tornarem-se amigos. Muito embora a vida real vá dando em retorno os sinais do que o educando vai conseguindo, é o julgamento do educador que é qualitativamente o mais credível para ele, que é legal, social e culturalmente o de maior peso, responsabilidade e o único aceite como normativo. Por tudo isto, principalmente o professor tem o dever inalienável de cuidadosamente apontar todo o sucesso que o adolescente vai conseguindo e até onde, o que lhe falta atingir e de que modo é mais viável lá chegar. Isto reporta-se ao desempenho curicular prioritariamente, no contexto escolar, mas não deve, em termos de optimização, ficar por aí. Os eventos da convivialidade, dentro e fora da aula, o desempenho no desporto, na animação cultural e recreativa circum-escolar, os trabalhos de projecto que eventualmente sejam implementados, a atenção e cuidado com casos-problema de colegas ou do meio, o relacionamento familiar e as iniciativas comunitárias, tudo deverá ser assumido e ponderado quando vier a propósito ou de tal houver notícia ou qualquer indício. O desenvolvimento é duma personalidade inteira e não já dum pendor isolado dela.


Com isto, o educador estará atento à necessidade de acatamento social do adolescente. Com efeito, este pôr-se-á à prova para descobrir do que será capaz e até onde poderá abrir caminho. O primeiro apoio a este teste é exactamente dar-lhe uma leitura precisa do que ele for desbravando, com o conseguido e o falhado, em termos de lhe ir permitindo arrancar do que já domina para ir tentando atingir o que lhe escapa.


Nesta linha, urge atender à perversão em que o educando mais comummente tende a cair, neste campo. Em busca de impor-se, muitas vezes torna-se vaidoso, orgulhoso, jogando à cara doutrem uma pretensa superioridade pessoal, um valor desmedido e falaz que o leva a olhar de alto a desprezível insignificância dos demais, chegando por vezes a esmagá-los, sem qualquer rebate de consciência. O formador vigilante não ignorará esta atitude desviada e insociável e denunciá-la-á de imediato ao educando, de modo que ele a corrija antes de sofrer-lhe as consequências. Se aquilo fere terceiros, se os humilha, em ricochete votará ao desprezo o adolescente enfatuado, cortar-lhe-á os laços sociais e a solidariedade quando dela precisar, isolá-lo-á como o verme peçonhento que de facto está sendo na sociabilidade. O pedagogo, mormente o professor, não se pode sequer demitir de denunciar intransigentemente esta perversidade típica das alucinações megalómanas dos adolescentes mesmo quando o pupilo radique a atitude no estatuto familiar, no poder que herdará, no estrato social privilegiado onde nasceu. Em casos destes há a tentação de se demitir, particularmente quando tal padrão segregacionista é colhido no lar e estimulado por ele, por ser o de todos os membros da família. Pior ainda é quando o tomam como distintivo da superioridade da casta: então o chefe de clã exige-o de todos os consanguíneos, como timbre do nome. Pois bem, em tais conjunturas, por muito que os formadores tenham de entrar em contradição mútua, dum lado o patriarca com todo o peso dos ancestrais (mesmo e necessariamente fictício e irracional) e do outro o professor e a escola, com toda a força da razão crítica que os distingue e a consciência dos rumos sem alternativa da humanização do homem, da ambígua e sofrida libertação gradual da animalidade irracional, por muito que isto redunde em guerra larvar ou declarada, a fidelidade ao educando e à autenticidade da intervenção pedagógica exigem do docente que ele intransigente e infatigavelmente denuncie o erro daqueles padrões, atitudes e juízos, demonstre quanto nos degradam ao nível do mais animalesco. Isto é imprescindível, primeiro para salvar duma vida assente no ódio, na incomunicabilidade, na raiva surda de todos, o educando. Mesmo que ele creia que na privacidade familiar encontrará lenitivo bastante para as despiciendas feridas do exterior, importa abrir-lhe os olhos para o facto de o padrão valorativo e comportamental se generalizar e, portanto, o mesmo desprezo mútuo existe e prolifera intramuros, a principiar no patriarca da família que os humilha a todos, desde logo rebaixando-os com a exigência de se escravizarem a tal atitude-lema. Mas a própria incomunicabilidade que generaliza, tornando-os solitários no exterior, os isola mutuamente no lar. Isto viola tanto mais quanto mais longe lesar o princípio estrutural da pessoa: só me encontro a mim mesmo através da mediação do outro. Quantos menos e de menor qualidade e alcance forem os mediadores, tanto mais me ignorarei a mim próprio, perderei a identidade, me dissolverei na correnteza informe dos eventos de cotio, amorfo e definitivamente perdido de mim, para mim, para os outros, para o mundo. Menos que homem, menos que animal, serei cada vez mais um mero objecto abandonado, ignorado na berma da estrada. E nesta continuarão a correr, indiferentes a mim, a vida e o Universo, imparáveis e avassaladores.


É justamente tudo isto que o professor e a escola terão de explicar ao adolescente pervertido que se lhes depare, não se demitindo, ao menos eles, de assumirem o papel adequado de mediadores esclarecidos e empenhados, último recurso antes de o educando deslizar irrecuperavelmente para o abismo do nada.


Mas igualmente este empenhamento dos pedagogos é imprescindível para tentar evitar, até ao extremo das possibilidades, o efeito social desastroso destes padrões perversos. É que, se provêm de famílias, clãs, castas com poder, enquanto não for desmontada tal atitude ela continuará a reproduzir socialmente o mal-estar, a prepotência a humilhação, traindo a solidariedade comunitária e a ideal mediação mútua de todas as relações intersubjectivas, mesmo entre estratos e classes diferentes da colectividade. Pior ainda, enquanto proliferar o cancro, tenderão a generalizar-se-lhe as ramificações, as próprias vítimas ensaiarão conformar-se-lhe multiplicando-lhe os efeitos deletérios num cortejo cada vez mais inumerável de vítimas gerando novas vítimas. O efeito destrutivo é tanto maior nesta irradiação tendencial quanto mais elevado e abarcante é o topo do poder pervertido e quanto mais longe atingir a podridão relacional de quem o ocupa. Ele é o padrão-tipo que os súbditos acefalamente tenderão sempre a reproduzir. É o que dará mais nas vistas porque é o mais elevado no pedestal soberano. Por muito que lhe sofram os efeitos despersonalizantes, o privilégio de que goza é o bastante para induzir os demais a crerem que a vantagem ou lhe advém ou é parte do respectivo perfil de comportamento e valores. Daí que todos tendam a correr cegos para o abismo, por muito que isto os leve a sentirem-se e a ficarem cada vez pior.


Por outro lado, se os professores e a escola permitirem a reprodução deste padrão no adolescente que mais tarde irá gerir outrem, irão permitir e serão corresponsáveis por todas as prepotências, totalitarismos, ditaduras (em grande escala, a nível de povos e paises, ou em pequena dimensão, a nível de comunidades, empresas, agremiações, clubes...) que infernizarão a vida de toda a gente que lhes viverá sujeita. De facto, neste aspecto, qualquer tirano, dentro do lar ou a reinar sobre um país, é um adolescente retardado a que nunca ninguém deu ao espelho o retrato da respectiva inépcia. Anda a viver pela vida além o equívoco da imagem deformada que de si talhou e a fazê-la germinar doentiamente a torto e a direito, destruindo a alegria de viver e a possibilidade e o gosto de ser de verdade em toda a gente. Habitualmente jamais crescerá, prisioneiro dum adolescentismo crónico, doentio e irrecuperável. Os ditadores tendem a abandonar a cena apenas quando caem do cadeirão para a tumba. Atrás deles deixam o rasto da morte por dentro de cada um, quando não a irremediável saudade de inúmeras vítimas que lhes calcetaram o tétrico caminho.


Por tudo isto é que educadores e escolas têm de estar bem conscientes e alertados para estas sequências, de maneira a não se demitirem de todo o esforço que lhes esteja ao alcance para recuperar numa vida equilibrada e de sociabilidade construtiva os adolescentes que os buscam e, em particular, os de estratos sociais privilegiados, potencialmente mais próximos de lugares de poderio, e que serão os que mais longe farão repercutir os padrões de personalidade que lograrem interiorizar, sejam benéficos ou maléficos.


Como denunciar a perversidade não é ainda construir-lhe a alternativa ajustada, os formadores deverão esclarecer os educandos de que o sucesso, traduzido no acatamento social do adolescente, quando não na admiração amistosa por ele, decorre directamente e é tendencialmente proporcional ao cuidado e atenção pelos outros, ao serviço altruísta que lhes dediquem, aos préstimos generosos com que os brindem, desprendidos e amigos. Desinteressadamente, pelo puro gozo de espalhar alegria e felicidade em redor. Clarificada a via, o pedagogo deve reforçá-la sempre que o pupilo se adiante nela. Tem de identificar e reconhecer quanto nela o educando vai construindo, com tudo o que de autêntico ou de desviado ou ambíguo detestar, de modo a permitir-lhe chegar o mais longe possível. Por vezes terá de acompanhá-lo ou de levar consigo o adolescente, em práticas ao vivo de inserção e testagem social, cultural, laboral, comunitária, grupal, conforme a vida e a actividade escolar o propiciem. Isto, em parte, pode e deve ser inclusive assumido na prática lectiva: podem-se implementar projectos que terminem em jornadas culturais, colóquios, semanas pedagógicas em que a palavra e realizações sejam do adolescente tanto ou mais que dos professores e lhe abram diálogo com colegas, docentes, progenitores, o meio... Em qualquer caso, o que é definitivamente formativo é manter permaanentemente diante do olhar, na teoria e na prática, que o acolhimento comunitário, reflexo da busca do sucesso durante a adolescência, é autêntico apenas quando deriva da conquista do coração do outro. Ora, isto só ocorre quando o adolescente primeiro aprende a gostar dele e se agir em conformidade, servindo-o com dedicação e alegria.




Desculpabilizar o bloqueamento

Quando a comunidade, os encarregados de educação ou até a escola, por via de qualquer docente, consideram que o adolescente é indesculpavelmente indefinido, imaturo, inconsequente, é comum que ele se violente a si próprio, tentando corresponder ao que esperam dele. Isto vai impedi-lo, em maior ou menor grau, de viver a exploração do mundo típica da adolescência, o que tenderá a bloqueá-lo neste estádio para o resto da vida, em virtude do mecanismo da saudade do não vivido que o leva a regredir permanentemente até ali, do sentimento do vazio da personalidade que aqui ficou e que o aspira constantemente para colmatar a lacuna. O adolescente vítima deste processo, finalmente, culpabiliza-se desta contradição íntima entre como pretende agir e os impulsos profundos que o remetem para o balanço epidérmico da vida. Ao culpabilizar-se, entende-se e assume-se como destituído definitivamente da maturidade e constância que os entendidos afirmam dever revestir. Alheia-se assim do itinerário que poderia mais tarde conduzi-lo a ela e frustra-a tentando antecipá-la quando não tem experiência nem sensibilidade que a tolerem e enraízem.


Quando tal é o panorama, o educador tem de desculpabilizar o educando explicando-lhe claramente tudo isto, de modo que ele leia com rigor o que ocorre consigo e o que os condicionamentos exteriores dele andam talhando, a fim de que possa desbloquear-se intimamente, para poder retomar, em termos de normalidade e equilíbrio, o itinerário do desenvolvimento rumo à maturidade.


É importante que o educador esclareça o adolescente e os mentores responsáveis por tal desvio de que, quanto mais cedo for retomada a via equilibradora, tanto menores serão os estragos e mais provável é a recuperação integral das potencialidades do educando. Quanto mais se prolongarem os entraves e mais delongas tiverem as hesitações, mais os entorses se agravarão, proliferando e envenenando outros domínios da personalidade, até se tornarem habituais, automáticos e com força tal que já não haverá energias que os removam. O resultado final deste agravamento é uma personalidade indefinida para a vida inteira. Jasmais resolverá o que quer, duma vez por todas. Nunca mais dará o passo seguinte que a adentraria na juventude, a caminho das realizações e empreendimentos da adultez.


Depois de clarificar a situação, urge que o pedagogo imediatamente lute para que se libertem as atitudes do adolescente, a fim de ele rapidamente poder experimentar e procurar tudo o que puder no mundo que o rodeia. Este vector, a nível escolar, deverá privilegiar quanto sejam afloramentos de interesses culturais circum-escolares bem como curriculares, mas neste acentuando em particular as iniciativas que o adolescente tome no âmbito da mera sensibilização, da informação genérica de áreas, temas, práticas, técnicas. É extremamente importante que, em casos de lesão como estes, o docente consiga inverter a escala de valores dominante no sistema e praxe escolar e que valora apenas o domínio cognitivo unificado de cada programa ou o leque das técnicas e práticas dele constantes. Insistir neste vector ou, mesmo inconscientemente, avaliar e agir em conformidade com ele, se para os outros adolescentes pode e deve constituir uma solicitação ao desenvolvimento para se irem aproximando gradualmente do estádio juvenil, com os traumatizados terá tendencialmente o efeito de os reconduzir ao bloqueamento de que urge libertá-los.


Durante este trajecto recuperador tem o educador de vigiar permanentemente pela leitura que de si próprio vai fazendo o educando. É que tende a interpretar-se indefinidamente como infantilizado, mesmo quando opera já com padrões de descoberta típicos da adolescência. A resistência interior não cede, mesmo quando a consciência e a vontade já mudaram de campo. Demora tempo até a sensibilidade ficar sintonizada com o novo teor das experiências e vivências, e tanto mais quanto mais se mantiverem contradições na vida do adolescente. Por exemplo, se na escola se lhe abre campo à tipicidade do estádio etário, mas em casa lho tolhem, proibem ou conotam condenatoriamente. De igual modo, esta resposta inadequada à descoberta do mundo própria da idade será tanto mais resistente e limitará tanto mais a rapidez da recuperação, quanto mais tardia e restrita for a alternativa que o adolescente puder tomar em mãos. Decorre de tudo isto que o pedagogo, primeiro, deverá denunciar e impedir tal interpretação sempre que ela aflore, elucidando como é desajustada da realidade, do respeito da personalidade do educando e quanto decorre ainda da lógica doentia do trauma que o mantém prisioneiro num bloqueamento sem porvir. Depois deverá, com o pupilo, reler a experiência vivida, demonstrando ao vivo quanto ela revelar de sadio e importante para a estruturação dele próprio e dos pressupostos da vida futura que tem de dominar. Incentivá-lo-á a rever cada evento e experiência por que passe segundo a mesma lógica, atenta àquilo de que efectivamente ele precisar para se sentir satisfeito, calmo e saciado na sua curiosidade e interesses inesgotáveis.


Para diminuir a manutenção a destempo das sequelas da culpabilização, finalmente, o educador insistirá com todos os mentores do adolescente em apuros para que o padrão adequado seja assumido, apoiado e estimulado em todas as áreas da vida dele, na escola, em todos os domínios e componentes curriculares, extracurriculares e circum-escolares; na vida familair, flexibilizando-a, tornando-a tolerante e abrindo-a à multiplicidade e inacabamento de caminhos e explorações do educando; na convivialidade em geral, nos tempos livres, de modo a enriquecerem-se o mais rapidamente possível com múltiplos companheiros e amigos de vários graus de proximidade, em rotatividade livre, animados por programas e projectos que os atraiam e possam permanentemente enriquecer. Quanto mais isto avança, mais aprofunda a recuperação ao nível da estrutura da personalidade, mais lhe reajusta sentimentos e actos e, concomitantemente, mais oferece um campo alternativo à representação que faz dele próprio, mais rapidamente lhe permite reconstruir valores e juízos. Por aqui, a prazo, os ideais acabarão então por ser igualmente reformulados e, agora enfim, em função do que realistamente uma personalidade equilibrada e forte poderá erigir como metas desejáveis duma vida.




Denunciar os atropelos institucionais


Os factores de complexos de culpa são tanto mais eficazes quanto maior credibilidade institucional, comunitária, cultural, familiar ou pessoal tiverem e quantas mais delas congregarem. A escola, congregando estas matrizes todas, tanto maior benefício ou prejuízo desencadeia, conforme o acerto ou desacerto do que propugna. Ora acontece que, justamente à entrada da adolescência, o sistema obriga a escolhas curriculares decisivas, sem retorno nem recuperação, no trânsito para o ensino secundário que tende a ocorrer à roda dos 15 anos dos alunos (nalguns casos ainda nem os completaram). Isto antecipa obrigatoriamente em cerca de três anos, enquanto perdurar, o período em que tais decisões dos alunos deveriam ocorrer, inviabilizando uma correcta opção profissional vindoira e a correspondente alternativa escolar. Tudo deveria ser feito pelo educando, com pleno conhecimento de causa, quando o amadurecimento pessoal o requerer, o que só pode acontecer no limiar da juventude (e às vezes mais tarde ainda), em regra sobre os dezoito anos de idade. Nunca deveria advir antes e muito menos impor-se com a autoridade, o prestígio e a força que a instituição escolar reveste perante todas as consciências. Com a manutenção disto culpabilizamos tendencialmente os adolescentes, manifestamente imaturos e indefinidos em massa, sadiamente, para serem capazes de tal discriminação. Como constatamos em todo o lado, inclusive nos próprios actuais professores e educadores escolarizados, as escolhas foram-lhes feitas e impostas por terceiros, por critérios alienados e aleatórios, nada atentos nem preocupados com as propensões e vocações dos interessados. Isto redunda mais tarde, a nível do ensino superior, numa interminável série de tentativas de transferência, de acomodações à situação como mal menor, de sonhos e gostos que se frustram definitivamente pelo caminho, sem vantagem pessoal e comunitária de tipo nenhum .


Pela gravidade de tais sequelas, é importante que os professores, as escolas, os progenitores e os formadores em geral denunciem permanentemente este estado de coisas e, enquanto não se altere, para que possa gerir-se, aproveitando-lhe as fissuras possíveis para o pôr ao serviço ajustado de quem por ora é ludibriado e traído em massa. Em primeiro lugar, importa explicar isto mesmo aos educandos: maiores vítimas, terão de ser eles à partida a lutar por preservar a autenticidade do próprio desenvolvimento no período que atravessam, não se deixando culpabilizar desde logo pelo facto de não se sentirem definidos o bastante para terem critérios credíveis de escolha. Estão na idade de os não terem e de nem se deverem preocupar ainda com isto. Depois, eles próprios desinibidamente poderão assumir todas as margens de descoberta e variabilidade que o sistema lhes permita, para se irem também aqui gradualmente desvendando, à medida que descortinam áreas novas de cultura e actividade.


Tão relevante como esta instância é levá-la até aos encarregados de educação, comunidades e agentes formadores em geral, para que conjurados lutem por alterar este estado de coisas, lhe desacreditem a pretensa eficácia e rendibilidade, lhe contestem a validade e o direito de impor-se à colectividade e aos adolescentes em particular, em tão flagrante violação do respeito pelas características do desenvolvimento de tal período.


Todos, porém, deverão increpar finalmente o Ministério da Educação e o poder politico pela manutenção de tal dislate, até que de vez se irradique este desvio deformante e violador de gerações sucessivas de escolarizados. Algum dia o bom senso há-de vingar, tanto mais que tem toda a confirmação científica e crítica.


Para além disto, contudo, os formadores terão de inaugurar desde já a alternativa correcta ao actual estado de coisas. Nestes termos, deverão apontar como desejável e inadiável a flexibilização dos currículos durante este preíodo etário inteiro, quer propondo aos alunos a soma de múltiplas opções de duração curta, a recobrirem potencialmente todas as áreas culturais, quer implementando níveis diferentes de abordagem de programas, uns de mera sensibilização em períodos curtos, outros de aprofundamento variável, com maior ou menor duração, conforme as propensões que se forem manifestando. Por outro lado, terá de ser inteiramente livre, durante a adolescência, a transição entre áreas opcionais ou especializadas do currículo secundário, mesmo e principalmente durante o correr do ano lectivo, tanto quanto as condições o permitam e as escolas para tal estejam preparadas, quer em espaços, oficinas, laboratórios e respectivos equipameentos, quer em pessoal docente, técnico e auxiliar para enquadrarem, apoiarem e optimizarem a formatividade do modelo a implementar para o período adolescente. Neste contexto, urgiria redefinir a orientação escolar e profissional, gerada para remendar o incolmatável buraco do sistema neste estádio etário. Este serviço, em lugar de tentar minorar as distorções das inviáveis escolhas antecipadas, deveria antes ir acompanhando o afloramento dos indicadores e ajudando o discernimento a apurar-se, a consciência de si de cada educando a tornar-se lúcida, objectiva e atenta, facilitando desbloqueamentos, prevenindo ilusões ou utopias irrealistas e semptre dando informação do que haja para além das fronteiras alcançadas pelos alunos, aumentando-lhes as pontes para o mundo real que mais tarde terão de vir tomar em mãos.


Tentando conjugar-se educadores, educandos e demais instâncias culturais e políticas, é de presumir que diminuam aberrações como a analisada e que o desenvolvimento das novas gerações venha a proporcionar cidadãos equilibrados, sociáveis e felizes, capazes de inventarem um porvir muito mais à medida dos sonhos deles próprios, do País e do mundo.



Tratar como igual


Uma das maiores expectativas do adolescente é ser acolhido como adulto no seio destes. O educador atento discriminará aquilo em que ele é já capaz de responsabilizar-se por tal e onde ainda não chegou. E passará a tratá-lo gradualmente como um igual, campo a campo, nível a nível, exactamente à medida que ele for ficando à altura em cada caso.


Esta é uma das justificações mais positivas e eficazes que no trato se podem usar com o adolescente. Importa por isso que o pedagogo esteja bem atento e não peque por falta nem por excesso. Se o relacionamento for amistoso, maior força estimulante terá o trato pautado por esta norma. Urge, pois, tornar-se perito em discriminar os aspectos da vida e em ler os indícios que nos dão o indicador acerca do grau de maturidade atingido. Tem de acompanhar-se, não apenas em cada domínio da vida, passando o tratamento paritário dum para outro à medida que a responsabilidade em cada um vai amadurecendo. Convém ainda, dentro de cada qual, ir igualando o trato à medida que se vai verificando o desenvolvimento, passo a passo. A maior ou menor paridade deve corresponder ao maior ou menor grau de maturidade constatado em cada pendor da vida e em cada momento em que o convívio se compartilha. Este, portanto, vai sendo gradualmente reconvertido pelo pedagogo com uma cada vez maior igualação do adolescente a ele próprio, mas com o cuidado de não exigir nem esperar demais do educando para não o induzir a buscar demasiado cedo os padrões definidos e bastante fixos típicos da adultez. Mas também não marcará demasiado as distâncias, o que frustraria o pupilo na legítima expectativa de ser tido em conta e de se confiar nele em tudo quanto já é capaz de assumir e por que se sente que pode responder integralmente. A arte de encontrar o justo meio termo e de o ir reformulando dia a dia, ao ritmo da transição do próprio adolescente, é a pedra de toque da qualidade pedagógica do educador durante o período inteiro e um dos meios mais capazes de gerar alegria e satisfação, bem como uma imagem positiva de si próprio no educando.


Sabemos que esta é um pressuposto-chave para o desenvolvimento equilibrado e irradiante de bem-estar do adolescente, como de qualquer pessoa. E uma sociedade, um mundo felizes só o serão com pessoas felizes, no caminho comum duma plenitude adivinhada que todos buscamos.






FIM






ÍNDICE



Introdução


Perfil emocional do pré-púbere – Traços mais marcantes


A fase de idade

A explosão emocional

O descontrolo emocional

O receio do novo

A insegurança pessoal

A insegurança social

A inibição relacional

A instabilidade

A paixão platónica

O tudo ou nada


- Optimização pedagógica


A ratificação da fase

A serenidade do educador

A expectativa de autodomínio

O acatamento da instabilidade

Criar tempo



Perfil intelectual do pré-púbere – Traços mais marcantes


O acesso ao pensamento abstracto

A diferença entre a emoção e o pensamento

O intelecto e a sociedade

A insegurança pré-pubertária e a lentidão do desenvolvimento

O trauma e a fixação na fase


- Optimização pedagógica


Informação da situação

Informação do desajustamento escolar

A reconversão didáctica

O estímulo pendular concreto-abstracto



Perfil relacional do pré-púbere – Traços mais marcantes


A crise de relações familiares

A contestação do dogmatismo adulto

A dúvida sobre si e o refúgio

O isolacionismo e a angústia

A insegurança e a agressividade

A paixão platónica


- Optimização pedagógica


O acatamento da subalternização

A legitimidade da dúvida

A aceitação das preferências

Ajudar a criar tempo

O encaminhamento quando há paixão pelo educador

Os casos de pendor homossexual

Os casos de violação

O recurso à sublimação

A chave-mestra da relação pedagógica


Perfil emocional do púbere – Traços mais marcantes


A fase de idade

A reconciliação emocional

Necessidade de descobrir-se

A estabilidade

Da crise às seguranças

O gradual autodomínio

O tabu sexual e o encontro com o diferente

A criação estética

A distância entre o ideal e o real


- Optimização pedagógica


O direito à diferença

A autonomia e a secundarização

A vivência da amizade

A explicação da vida

A quebra do tabu sexual

O isolamento e o convívio com os iguais

A culpabilização e as conotações homossexuais

A estabilidade gradual


Perfil intelectual do púbere - Traços mais marcantes


A aceleração do acesso ao abstracto

O gosto pelo desafio

A abertura à criatividade

O gosto pelos jogos dedutivos

O gosto pelo argumento formal e o insucesso escolar


- Optimização pedagógica


O pêndulo concreto-abstracto

Estimular a criatividade

Reforçar os jogos dialécticos

O desbloqueamento na adultez


Perfil relacional do púbere – Traços mais marcantes


O grupo íntimo do mesmo sexo

O confidente íntimo

O fruto proibido

As paixões precoces

A experiência sexual precoce

A aprendizagem dos fundamentos da sociabilidade


- Optimização pedagógica


Acolher o isolamento e o convívio selectivo

A disponibilidade para os grupos mistos

Acatar alternativas e reformulações

Estar disponível

Alertar para que há mais mundos

Encaminhar as paixões precoces

A relação pedagógica


Perfil emocional do adolescente – Traços mais marcantes


A fase de idade

A estese e o amor

O infinitamente grande e o infinitamente pequeno

A aceitação social

A durabilidade afectiva

A confusão da emoção com o facto

O conflito de gerações

A diferença de sensibilidades

A maravilha do amor

A libertação sexual


- Optimização pedagógica


O gosto pela descoberta e aventura

A distância entre o sonho e a realidade

Auscultar a afectividade

Os excessos de arrebatamento

As incongruências

A estese e o esmagamento

A vivência do amor-paixão

O fracasso e o desespero

Informar os encarregados de educação


Perfil intelectual do adolescente – Traços mais marcantes


O pensamento formal criador

A excepcionalidade da criatividade formal

A escola e o pensamento

Criatividade formal e criatividade prática

A desestimulação socioescolar

O problema e a descoberta

A menoridade intelectual e a democracia


- Optimização pedagógica


Inverter a didáctica

Atender à gradualidade

Integrar o concreto, o formal e o criativo

Estimular o imaginário fabuloso

Ir à descoberta

Tomar consciência dos bloqueios

Conjurar os encarregados de educação

Evitar escolhas antecipadas


Perfil relacional do adolescente – Traços mais marcantes


A extroversão

Os envolvimentos múltiplos

As amizades electivas

Os primeiros namoros

As situações de facto consumado

A auto-afirmação e o reconhecimento

O balanço da situação


- Optimização pedagógica


Legitimar o inacabamento

Prevenir os riscos

Respeitar o balanço da situação

Esclarecer os encarregados de educação

Prevenir factos consumados afectivo-sexuais

Apoiar os grupos mistos

Aprender a medir consequências

Reconhecer o sucesso

Desculpabilizar o bloqueamento

Denunciar os atropelos institucionais

Tratar como igual