HUMANÍADAS – Marcas Formais

 

 

            O poema Humaníadas percorre todos os registos formais da poesia: com e sem rima; com métrica tradicional regular, popular como erudita; dramática; poema em prosa; sem métrica identificável, com ritmos sincopados ou processionais; com métrica incomum e ritmos inéditos; em soneto, em quadra, em trovário…

 

            Em todas as modalidades, a forma poética é posta ao serviço da mensagem: em caso algum foi sacrificado o conteúdo à forma, antes é uma busca permanente da transparência e do impacto da revelação.

 

            Os aspectos mais inovadores do poema, do ponto de vista formal, são, antes de mais, a recuperação elaborada, erudita, de métricas e modalidades da poesia popular tradicional: da quadra em redondilha maior e menor, primeiro, do sonetilho de idênticas métricas, depois (entre muitas outras variantes). Num caso como noutro, são milhares os poemas que revestem estas molduras, assumindo que tais formatos não são obrigatoriamente destinados apenas à superficialidade e ao lugar-comum, nem ao mero entretenimento ou banalidade que os vulgarizaram ( mais aquelas do que estes) desde há séculos.

 

            Há, porém, outras novidades. O poema dramático, sem métrica nem rima, reveste uma modalidade de orientação filosófico-espiritual, ao jeito da tradição milenar do Tecto do Mundo (Tibete), com algo do desafio Zen, sempre desconcertante e, todavia, revelador e mergulhando em abismos existenciais inomináveis.

 

            No verso de moldura silábica invulgar, há cadências ora compassadas, ora saltitadas, em octossílabos, nonassílabos e hendecassílabos, revelando possibilidades inéditas em métricas por inteiro inabituais. Há poemas alexandrinos cujos ritmos aparecem com um compasso cadenciado e saltitante que lhes altera por inteiro o tradicional e monocórdico rosário de sílabas acentuadas na sexta e décima segunda.

 

            Uma inovação singular ocorre no trovário. O próprio termo é um neologismo para identificar um tipo de poema completamente novo: uma sequência constituída por uma quintilha, uma quadra, um terceto e um dístico, num total de catorze versos. Cada tema tende a desenvolver-se, estrofe a estrofe, concentrando cada vez mais o sentido, para desembocar na parelha final como numa explosão, uma girândola de fogo vivo. Ocorre em versos com todas as métricas, desde as populares às eruditas e às inéditas.

 

            Outra manifestação desta concentração de sentido, a desembocar num sobressalto fulgurante final, é a que ocorre habitualmente num tipo incomum de quadra, a de métrica irregular. Sendo a quadra, por natureza, um poema curto, de sentido atomizado e despojado, com tal métrica ainda mais aqui se implementa tal pendor: normalmente é um verdadeiro trampolim de saltar para o ignoto, o inefável.

 

            Não se cuide, porém, que pelo facto de as Humaníadas versarem a mais séria das temáticas, a da sabedoria de vida e arte de viver, são um poema sisudo e pesadão, de trombudo rosto apropriado a um vale de lágrimas. Bem ao contrário, cada um dos catorze títulos desemboca numa parte derradeira, a décima quarta, toda ela de poemas irónicos, humorísticos ou satíricos: é a celebração da alegria de viver, a festa da vida, mesmo quando, rindo embora, se vão ainda castigando costumes.

 

            As Humaníadas, na generalidade, manifestam uma clara preferência pela rima, pelo ritmo e pela musicalidade das palavras. Recorrem, obviamente, a toda uma gama de figuras de estilo, mas estas são utilizadas aqui com parcimónia, sempre intransigentemente para corroborarem núcleos cruciais de sentido e emprestarem leveza apelativa à mensagem. Não há qualquer concessão a um desregramento barroco, nem ao sibilino e menos ainda ao indecifrável. Tudo tenta correr como água cristalina, um rio de vida.